O nascituro perante os Tribunais. A recente decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo. Evolução e tendências
O NASCITURO PERANTE OS TRIBUNAIS. A RECENTE DECISÃO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS
Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo | vol. 20 | p. 222 | Jul / 2007DTR\2007\760
Silmara Juny de Abreu Chinelato E Almeida
Professora Associada da Faculdade de Direito da USP (livre-docente e doutora). Conselheira do
IASP. Advogada.
Área do Direito: Constitucional; Civil
Resumo: O artigo analisa a evolução da Jurisprudência da segunda metade do século passado aos
dias atuais, quanto ao reconhecimento e alargamento dos direitos do nascituro. Discorre, ainda,
sobre o tratamento do nascituro e do embrião pré-implantatório no Código Civil e analisa a tendência
internacional da ampliação da tutela da pessoa por nascer na era da técnica, influenciada pelas
reflexões da Bioética.
Palavras-chave: O nascituro perante os Tribunais - A recente decisão do Tribunal de Justiça de
São Paulo - Evolução e tendências
Abstract: The article analyzes the evolution of former court decisions from the second half of last
century to the present time, regarding the recognition and broadening of the rights of the unborn child.
It further provides for the treatment of the unborn child and previously implanted embryo in the
Brazilian Civil Code and analyzes the worldwide trend of broadening the protection of the individual
who will be born in the technical era, influenced by Bioethics considerations.
Keywords: The unborn child before the Courts - The recent decision rendered by the São Paulo
State Appeals Court - Evolution and trends
Sumário: 1.Evolução da jurisprudência na tutela do nascituro: Tribunais estaduais e Superior
Tribunal de Justiça - 2.O nascituro no CC/2002 - 3.Conclusão - 4.Bibliografia
1. Evolução da jurisprudência na tutela do nascituro: Tribunais estaduais e Superior Tribunal
de Justiça
A imprensa, por meio de mídias diversas, noticiou, no início de janeiro, com grande destaque, a r.
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu o direito de um feto de requerer em
juízo o atendimento médico pré-natal, prestado através da assistência à mãe. A notícia, reproduzida
em jornais jurídicos, afirma que a decisão quanto ao reconhecimento do direito do feto ser parte é
pioneira tanto no próprio tribunal, como no Superior Tribunal de Justiça. Ao contrário do que se
afirmou, esta r. decisão não representa nenhuma novidade, fato que deveria ter sido enfatizado por
quem se propôs a comentá-la, nos meios de comunicação.
Primeiramente deve-se observar que feto não é termo jurídico mas, sim, nascituro que significa o que
há de nascer, alcançando qualquer fase do desenvolvimento do óvulo fecundado: zigoto, mórula,
blástula, embrião e feto.
A decisão do E. TJSP se circunscreveu apenas a uma questão processual, isto é, se o nascituro tem
ou não capacidade para ser parte, no caso, autor de uma ação, tema já bastante debatido.
O V. acórdão proferido no AgIn 137.023-0/00, relatado pelo ilustre Desembargador José Cardinale,
não é pioneiro - nem teve tal intenção - dentro do próprio Tribunal que, em inúmeras decisões, já
fixou a capacidade do nascituro para ser parte, autor e réu.
O teor do acórdão invoca relevante precedente representado pelo proferido na ApCív 193.648, de
14.09.1993, cujo relator foi o Desembargador Renan Lotufo - RT 703/60 - em cujo voto a questão
processual e a de direito material estão amplamente debatidas e fundamentadas, além de citar
precedentes de outros Tribunais.
O recente acórdão do TJSP não analisou o mérito da questão, que deverá ser decidida pelo MM.
Juiz de primeiro grau a qual, em suma, se cinge ao direito do nascituro à assistência pré-natal.
Deverá também decidir acerca da competência da Vara da Infância e da Juventude.
O eventual ineditismo da decisão poderia ocorrer se houvesse decisão de mérito acerca do direito
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Tribunal de Justiça de São Paulo. Evolução e tendências
material de adequada assistência pré-natal, por meio da assistência médica e outras, a ser prestada
a presidiárias grávidas.
A própria assistência pré-natal não seria novidade pois, como os direitos do nascituro não são
taxativos, a assistência médica adequada tem sido prestada por meio de alimentos e já existem
outras decisões a respeito, de Tribunais estaduais, inclusive os paulistas, bem como do Superior
Tribunal de Justiça, muitas delas analisadas em meu livro dedicado ao tema, bem como em ensaio
posterior. 1
Parece-me que o destaque ao V. acórdão se deve ao fato de ser o nascituro filho de presidiária que
estaria sem condições adequadas para desenvolvimento de gestação saudável, colocando em risco
o nascimento com vida do autor da ação.
Apesar de o acórdão não representar precedente, deve ser aplaudido, por representar a tendência
dos vários países em ampliar cada vez mais a tutela jurídica do nascituro, o que muito deve às
renovadas e constantes discussões provocadas pela Bioética e pelo Biodireito.
Nosso aplauso se estende à atuação da Defensoria Pública paulista por propor ação ainda pouco
usual que merece ser julgada procedente, tanto quanto à competência da Vara da Infância e da
Juventude, pois o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente ( LGL 1990\37 ) equipara a criança
nascida à nascitura, como no mérito, quanto ao direito material pleiteado.
O destaque na imprensa é muito positivo pois chama a atenção para um assunto de grande
importância em favor da pessoa natural, nas primeiras fases de seu desenvolvimento, na vida
intra-uterina. O denominado Estatuto do Nascituro que alcança tanto o já concebido no ventre
materno, como o embrião antes de ser implantado (embrião pré-implantatório), é preocupação da
grande maioria dos países europeus, tendo sido alvo de Recomendações do Conselho da Europa
bem como de Congressos jurídicos entre os quais na Itália e em Portugal dos quais participei.
Uma das primeiras decisões favoráveis aos direitos do nascituro é do TJMG, de 1987, proferida em
ação de investigação de paternidade, publicada na RT 675/178 a qual já alude a precedentes, como
a decisão de 1984 do mesmo Tribunal.
Deve-se considerar que muitas vezes os acórdãos não são publicados, o que dificulta o
conhecimento por terceiros, notadamente quando anteriores à informatização. Pode-se afirmar que a
década de 1980 é um importante marco para caracterizar o início de uma diretriz em favor dos
direitos do nascituro.
A evolução é clara. Há acórdãos muito bem fundamentados não só do nosso Tribunal paulista, como
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro e também do Superior Tribunal de Justiça .
Neste, invoco o acórdão proferido no REsp 399.028/SP, DJU 15.04.2002, p. 232, rel. Ministro Sálvio
de Figueiredo Teixeira que analisou questão relativa a dano moral a nascituro pela perda do pai.
O mesmo Tribunal Superior em ação fundada em responsabilidade civil do Estado concedeu
indenização de mesmo valor (trezentos salários mínimos) tanto para a mãe como para ao nascituro,
ambos mortos em decorrência de acidente causado por servidor público. Trata-se do REsp
472.276/SP (200201405330), julgado em 26.06.2003, pela 2ª Turma, rel. Ministro Franciulli Netto, DJ
22.09.2003, p. 299.
Houve nítida evolução da jurisprudência notadamente no âmbito da responsabilidade civil pois,
enquanto na década de 1960 e na de 1970 os Tribunais, inclusive o TJSP, não reconheciam a
indenização por morte de nascituro, embora a morte de animais fosse indenizada há muito anotando-se acórdãos do início do século passado - hoje existem inúmeros acórdãos que
reconhecem a indenização de danos pré-natais. 2
No livro Tutela civil do nascituro,3 mostro a evolução jurisprudencial que caminha para conceder,
cada vez mais amplamente, indenização por danos causados ao nascituro. A 3ª Câmara Civil do
Tribunal de Alçada de Minas Gerais, na ApCív 190.169-3, julgada aos 10.05.1995, v.u., sendo relator
o Juiz Tenisson Fernandes, concedeu indenização por dano moral em decorrência da morte de
nascituro. Eis a ementa:
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"Indenização - dano moral. Morte de nascituro. Art. 1.537, II do Código Civil ( LGL 2002\400 ) .
Fixação.
Em indenização por dano moral decorrente da morte de feto, admissível a aplicação do art. 1.537, II
do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) , em analogia aos casos de homicídio praticado contra menor
impúbere, considerando-se razoável o critério que estabelece quantum indenizatório em número de
salários mínimos, correspondentes aos meses que mediariam entre o evento danoso e a data em
que o nascituro completaria vinte e cinco anos de idade."
Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, v. 58-59:199-201.
O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, 2ª Câmara, na ApCív 194.026.779, sendo relator Juiz
Geraldo Cesar Fregapani assim decidiu por unanimidade, aos 17.11.1994:
"Acidente de trânsito. Indenização por dano moral. Induvidosos os sofrimentos, angústia e tensão,
por longos oito meses, diante de gravidez com possível prejuízo da vida e/ou integridade física do
nascituro, há dano moral indenizável."
O Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro também assentou ser indenizável dano moral pela morte de
nascituro, em acidente de trânsito. Trata-se da ApCív 4.227/94, julgada aos 24.08.1994, por votação
unânime, pela 5ª Câmara, sendo relator o juiz Bernardino Machado Leituga.
O mesmo Tribunal acolhe igual diretriz na ApCív 2.804/95, julgada aos 13.06.1995, sendo relator juiz
Antonio Eduardo F. Duarte. A tese consagradora do cabimento da indenização por dano moral , em
virtude de morte do nascituro, foi tomada por unanimidade. O voto vencido cingiu-se apenas ao
quantum. Por sua relevância, transcrevemos a ementa:
"Atropelamento. Perda do nascituro. Responsabilidade objetiva. Indenização.
A morte de um filho em gestação, não importa o motivo, toca profundamente a mulher em seu ponto
mais sublime: a maternidade. Atinge um grau elevado na escala de valores morais. A brusca
interrupção da gravidez constrange, causa dor e profundo sofrimento. Decorrente de ato ilícito, a
perda do nascituro deve integrar o dano moral a ser reparado".
Acórdão dos mais recentes é do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual se analisa a questão
como dano moral causado aos pais pela morte de filho nascituro, em virtude de colisão de veículo
com o transporte coletivo do qual a gestante era passageira. Reconheceu-se o direito à indenização
aos pais como direito próprio, considerando-se o sofrimento pela perda do filho.
Trata-se de Acórdão unânime da 18ª Câm. Cív. do TJRJ, AC 3.309/98, cujo relator é o
Desembargador Nascimento Póvoas, j. aos 26.05.1998, v.u., DJRJ de 13.08.1998, p. 202.
Já no terceiro milênio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul empresta valiosa contribuição em
defesa do nascituro, em inúmeros acórdãos acessíveis no site www.tj.rs.gov.br. Entre eles, destaco
dois relatados pelo Desembargador professor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.
O primeiro, lavrado na ApCív 70002027910 da 6ª Câmara, julgado por votação unânime, em
28.03.2001, tem a seguinte ementa: "Seguro obrigatório. Acidente. Abortamento. Direito à percepção
da indenização. O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nascimento com
vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais. Apelação a que
se dá provimento."
Em outro acórdão, o mesmo relator concedeu indenização por danos pré-natais causados ao
nascituro, que veio a nascer com graves lesões neurais que o condenarão a uma vida vegetativa. Os
danos abrangem os morais e os patrimoniais, em virtude de permanente tratamento médico.
Consulte-se a ApCív 7000356677, j. em 15.05.2002.
Vê-se que a indenização pela morte de nascituro pode ser sustentada quer sob o fundamento da
transmissibilidade do dano moral - para os que defendem a tese da personalidade do nascituro quer sob fundamento de dano moral causado aos pais, como direito próprio, para os que não
reconhecem a personalidade.
Em sede administrativa, o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Justiça Página 3
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Comissão Especial da Lei 10.726/2001, assentou louvável decisão, no processo 264.502/2002, em
favor de nascituro pelos danos causados em sua vida pré-natal, quando a mãe, presa política, ficou à
disposição dos órgãos de repressão, detida no sexto mês de gravidez.
Os pareceres médicos atestam a repercussão física e psíquica no nascituro quando a mãe sofre
agressões. Demonstrou o requerente ter seqüelas físicas e psíquicas oriundas de danos pré-natais,
embasando, assim, seu pedido de indenização, invocando, ainda, o Parecer "As seqüelas
psicológicas da tortura" elaborado pelo Dr. Alfredo Martin, representando o Conselho Regional de
Psicologia, a pedido da Comissão Estadual de Indenização às vítimas de tortura, Conselho Estadual
dos Direitos Humanos, Secretaria de Estado da Justiça e de Direitos Humanos de Minas Gerais.
Aplaudo tal decisão do Governo do Estado de S. Paulo, publicada no DOE de 19.06.2007, que está
de acordo com a valorização da vida desde sua fase inicial e estende a tutela dos direitos humanos à
vida pré-natal, razão por que é harmônica com a tendência internacional de alargamento dos modos
de tutela da pessoa humana. 4
2. O nascituro no CC/2002
Ao tema direitos do nascituro dedico-me desde 1983, podendo testemunhar o interesse crescente a
respeito dele bem como o alargamento de proteção jurídica, no século da biotecnologia, já iniciada
na segunda metade do anterior, o que muito deve às reflexões da Bioética. 5
O Código Civil ( LGL 2002\400 ) vigente não teve grandes inovações a respeito do tema.
Conservando a tradição romanística e a do Esboço de Código Civil ( LGL 2002\400 ) , de Teixeira de
Freitas, consagradas no art. 4.º do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) , a diretriz basilar do Código de 2002 está
no art. 2.º que se harmoniza com outros que consagram expressa ou implicitamente a tutela civil do
nascituro.
Os argumentos contrários ao reconhecimento, no mérito, de direitos ao nascituro se prendem à
suposta adoção da teoria natalista pelo art. 4.° do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) , R. tese da qual discordo,
pois não emana do artigo - repetido pelo art. 2.º do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) - composto de duas
partes que têm de ser interpretadas conjuntamente, 6 bem como não tem respaldo no sistema que
decorre da inteireza do Código.
O art. 2.° dispõe que a personalidade começa a partir do nascimento com vida mas não termina com
um ponto final, acrescentando, "mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
Direitos e não, expectativas de direitos.
Atribuir direitos e deveres significa afirmar personalidade e tanto a segunda parte do art. 2.º vigente,
que é exemplificativo, bem como outras normas do Código reconhecem expressamente ao nascituro
direitos e status (como o de filho) e não expectativas de direitos. Ele pode ser reconhecido ainda no
ventre materno (parágrafos únicos do art. 1.609 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) e do art. 26 da Lei
8.069, de 13.07.1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente ( LGL 1990\37 ) ), está sujeito à
curatela (arts. 1.778 e 1.779 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) ), pode ser adotado (art. 1.621 do
CC/2002 ( LGL 2002\400 ) ). Além de direitos consagrados de modo expresso, a redação
exemplificativa do art. 2.º do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) permite reconhecer o direito a alimentos ao
nascituro e investigar-lhe a paternidade. É beneficiário de doação (art. 542 do CC/2002 ( LGL
2002\400 ) ) e herança (art. 1.799 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) ), direitos patrimoniais materiais,
podendo o representante legal entrar na posse de bens doados ou herdados, provando-se a
gravidez, por meio da posse em nome do nascituro (arts. 877 e 878 do CPC ( LGL 1973\5 ) ). O
nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando-o.
Considerando a não-taxatividade do art. 2.º, a previsão expressa de direitos e status ao nascituro,
bem como o conceito de personalidade, sustento que o Código Civil ( LGL 2002\400 ) , filia-se à
corrente concepcionista que os reconhece, desde a concepção, como já ocorria no Direito Romano,
objeto de obra monográfica do romanista Hélcio Maciel França Madeira. 7
A corrente concepcionista alarga-se cada vez mais perfilhando-a autores consagrados como Rubens
Limongi França, Francisco Amaral, Giselda Maria F. N. Hironaka, Anacleto de Oliveira Faria, Franco
Montoro, Pontes de Miranda, Clóvis Beviláqua e uma plêiade de novos civilistas e constitucionalistas
entre os quais cito Renata Braga, Flávio Tartuce e Reinaldo Pereira e Silva.
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Anoto, ainda, a grande contribuição de juristas portugueses como Mário Emílio Bigotte Chorão, da
Universidade Católica de Lisboa e Diogo Leite de Campos, da Universidade de Coimbra. 8
Não me parece que o Código Civil ( LGL 2002\400 ) adote a corrente natalista expressa apenas na
primeira parte do artigo, mas refutada na segunda, e que não se sustenta em interpretação
sistemática. Nem é correto afirmar-se adotar a corrente da personalidade condicional, pois os direitos
não-patrimoniais, incluindo-se os direitos da personalidade, não dependem do nascimento com vida
e, antes, a ele visam.
O reconhecimento de direitos não taxativos ao nascituro, desde a concepção, possibilita à pessoa
humana concebida, mas ainda não dada à luz, ter seus direitos assegurados em momento anterior
ao nascimento, na fase intra-uterina, direitos esses de importância às vezes vital. Se reconhecidos
tardiamente ou se não for impedida preventivamente a violação, muitas vezes o titular dos direitos
não terá nascimento com vida.
Os alimentos em favor de nascituro visam a possibilitar o nascimento com vida por meio da
adequada assistência pré-natal. Embora sejam direitos patrimoniais, relacionam-se estreitamente
com o direito à vida, direito de personalidade e, por isso, já no Direito Romano encontram-se textos
consagradores do direito do nascituro a alimentos "para que nasça vivo".
Mesmo que não perfilhasse a doutrina concepcionista - que reconhece a personalidade e, portanto,
direitos desde a concepção - não deixaria de reconhecer alimentos desde então, pois eles devem
viabilizar o nascimento com vida para que nasça o titular dos direitos e não, ao contrário, para só
serem atribuídos depois do nascimento. Sábios foram os romanos ao afirmar que se devem dar
alimentos ao nascituro para que nasça vivo o herdeiro esperado.
A investigação de paternidade antes do nascimento é relevante, em casos de filiação
extramatrimonial, para possibilitar a adequada assistência pré-natal ao nascituro, por direito próprio,
e à mãe, visando ao nascimento com vida. Muitas vezes, por falta dessa assistência, não há
nascimento com vida.
A responsabilidade civil visa a indenizar danos causados por atos ilícitos e também lícitos, dos quais
decorram prejuízo ao nascituro em sua vida intra-uterina como os acidentes que lhe causem lesões
ou morte, os denominados "danos pré-natais". Em caso de morte, os pais serão indenizados pela
perda do filho nascituro, como admite, a jurisprudência desde o início do 1990 e mais recentemente
o Superior Tribunal de Justiça (REsp 399.028/SP e 472.276/SP).
Quanto aos direitos da personalidade do nascituro, deve-se enfatizar que o principal é o direito à vida
que melhor se explicita com a expressão direito de continuar vivendo.
Outro direito é o direito à integridade física, razão por que devem ser indenizados os atos que lhe
causem danos físicos intra-uterinos, que possivelmente terão seqüelas depois do nascimento.
Os direitos da personalidade referem-se, ainda, à imagem e à honra. Assim, a divulgação de exames
de ultrassonografia - que possam identificar, de alguma forma, o nascituro - devem ser autorizados
pelo representante legal.
Lembro, ainda, o direito à honra do filho nascido ou nascituro, razão por que não lhe pode ser
imputada nenhuma ofensa, como a bastardia.
O nascituro que perde o pai tem, ainda, direito à indenização por dano moral, equiparando-se com o
filho nascido, como já reconheceram o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e o Superior Tribunal
de Justiça.
A ampliação de direitos é uma realidade, um caminho sem volta, felizmente, tendo em vista a melhor
consciência que se tem hoje da relevância da vida pré-natal.
Verifico, por meio de estudo da Doutrina e da Jurisprudência de outros países, que é tendência
internacional discutir e refletir acerca do Estatuto do Nascituro. O direito comunitário por meio de
Convenções e Recomendações tem prestigiado as discussões provocadas pelos avanços da
Biomedicina, com reflexos nos direitos do nascituro quer já tenha sido implantado, quer ainda in vitro
ou crioconservado.
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Anoto que a legislação civil da França, Itália, Portugal e Espanha, apesar de ter redação natalista,
estabelecendo a personalidade com o nascimento com vida, equipara cada vez mais os direitos dos
filhos nascidos aos nascituros como o de investigar a paternidade visando aos alimentos, desde a
concepção. A visão de direitos da personalidade também é bastante acentuada.
A ampliação é de ser feita quanto aos direitos compatíveis com a condição de pessoa concebida
mas ainda não nascida e entre esses incluo: o de investigar a paternidade, o de alimentos, os
direitos da personalidade - à vida, à integridade física, à honra, à imagem - o de ser reconhecido
ainda no ventre materno, o de ser beneficiário de doação, de herança legítima ou testamentária, de
estipulação em favor de terceiros, de ser considerado consumidor de produtos e serviços e outros
direitos que surgirão no cotidiano.
Não há nenhuma "burla", como se afirmou na imprensa, pois o próprio Código Civil ( LGL 2002\400 )
faz equiparação do filho nascido ao nascituro ao admitir a curatela, a representação, o
reconhecimento.
A adoção, agasalhada expressamente no Código de 1916, hoje se admite implícita. 9 O art. 2.º, que
repete o art. 4.º do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) , é meramente exemplificativo, com redação genérica ao
aludir a "direitos " do nascituro, sem palavras restritivas - não se presumindo a interpretação taxativa.
A não-taxatividade indica o amplo rol de direitos do nascituro.
A ampliação de seus direitos é uma tendência da legislação, da Doutrina e da jurisprudência dos
diversos países e também da brasileira. A moderna tecnologia aplicada à reprodução humana, os
avanços da Biomédica chamaram a atenção para as novas realidades como o embrião
pré-implantatório que suscita grandes perplexidades. O novo sempre assim o provoca.
Como pesquisadora dos direitos do nascituro desde o início da década de 1980, quando o tema não
despertava o interesse atual, vejo com grande satisfação que a Doutrina contemporânea aceita com
muito mais facilidade os direitos do nascituro implantado, deixando suas dúvidas para a realidade
mais nova que é o embrião pré-implantatório. Novos autores e muito mais julgadores são sensíveis
ao tema com bons reflexos na jurisprudência.
Lembro que a Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) protege a vida não a limitando à dos já nascidos
e, ao admitir a não-taxatividade dos direitos e garantias fundamentais, respalda e enfatiza os
Tratados e Convenções Internacionais de que o Brasil é parte como o Pacto de São José da Costa
Rica - Convenção Interamericana de Direitos Humanos e Convenção dos Direitos da Criança. Esses,
entre outros, protegem a vida desde a concepção. Assim, há de se entender como correta e bem
fundamentada a equiparação entre filho nascido e nascituro, o que já foi feito expressamente por
Clóvis Beviláqua ao tratar da indenização por homicídio devida aos filhos nascidos e nascituros da
vítima (art. 1.537 do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) ).
3. Conclusão
A era da Biomedicina e das Telecomunicações provoca um grande impacto no Direito e, por isso,
devemos estar atentos para as novas realidades. Embora a tecnologia seja um grande benefício
para a Humanidade, é preciso enfatizar a responsabilidade que dela decorre para todos os
operadores das áreas diversas. A ênfase à responsabilidade é dada por Hans Jonas que denomina a
era atual como a "era da técnica" e nela também inserimos nós, os operadores do Direito. O centro
deve ser sempre a pessoa humana para quem o Direito foi constituído e para tanto deve-se lembrar
que ela é um fim em si mesmo e não apenas um instrumento. Valorizar o ser humano desde o início
da vida a mim parece ser uma boa direção a seguir. A doutrina e a jurisprudência nacional e
estrangeira seguem-na, ampliando cada vez mais os direitos da pessoa desde a vida embrionária,
tendência crescente, segura e firme, caminho sem volta.
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O nascituro perante os Tribunais. A recente decisão do
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1. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000 O ensaio mais recente, dedicado ao professor
português Mário Emílio Bigotte Chorão: Estatuto jurídico do nascituro.Código Civil ( LGL 2002\400 )
(novo). Parte Geral. v. 6. São Paulo: Método, 2007.
2. Sobre o assunto escrevi o ensaio Bioética e dano pré-natal para a Revista da AASP, n. 58, mar.
2000, p. 62-77 e recente ensaio Estatuto jurídico do nascituro, citado.
3. Páginas 301 e ss.
4. Proc. 264.502/2002 cujo interessado é J. C. S. de A. G.
5. Em continuação a estudos sobre temas afetos ao nascituro, dediquei-me aos reflexos jurídicos da
aplicação terapêutica das células-tronco embrionárias, notadamente no âmbito da responsabilidade
civil. Dessa pesquisa resultou livro a ser publicado com o aval do Instituto dos Advogados de São
Paulo. Aplicação terapêutica das células-tronco embrionárias: responsabilidade civil. Monografia
premiada no concurso de monografias de 2005. Prêmio recebido em 2006.
6. "A personalidade civil da pessoa começa a partir do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro." A substituição da palavra "homem" por "pessoa"
coaduna-se com a linguagem contemporânea de tratados e convenções internacionais.
7. MADEIRA, Hélcio Maciel França. O nascituro no direito romano. Conceito. Terminologia e
princípios. Cadernos FAENAC. Série Jurídica. Dadascália. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
2005.
8. Consulte-se a bibliografia ao final deste ensaio. Não é ela exaustiva e não abrange outros autores
estrangeiros.
9. Em ensaio específico analisei o retrocesso do art. 1.621 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) ao suprimir
a palavra "nascituro" desse artigo que corresponde ao 372 do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) o qual, em
1957 - data da redação que vigorou até o advento do novo Código - era mais adequado à revolução
biotecnológica. A supressão em tela não impede a adoção de nascituro em gestação nem a do
embrião pré-implantatório (adoção pré-implantatório), como previsto expressamente em lei da
Louisiana. Adoção de nascituro. Razões para se alterar o caput do art. 1.621 do CC/2002 ( LGL
2002\400 ) .Novo Código Civil ( LGL 2002\400 ) . Questões controvertidas. Série Grandes Temas do
Direito Privado. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves. São Paulo: Método, 2005, p.
354-72.
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