EVARISTO DE OLIVEIRA MENDES A SAÚDE PSICOSSOCIAL NA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Econ. Rui Guilherme F. de Oliveira Rio de Janeiro 2013 C2013 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG. _________________________________ Assinatura do autor Biblioteca General Cordeiro de Farias Mendes, Evaristo de Oliveira A saúde psicossocial na segurança pública brasileira, Cel.PM. Evaristo de Oliveira Mendes – Rio de Janeiro: ESG, 2013. 79 f.: il. Orientador: Econ. Rui Guilherme F. de Oliveira Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013. 1. Saúde psicossocial. 2. Estresse. 3. Atividade ocupacional. 4. Transtornos psicológicos. 5. Polícia militar. I. Título A todos familiares e amigos que durante o meu período de curso contribuíram com incentivos. Em especial ao meu filho e ao meu amor pela compreensão, às minhas ausências em dedicação às atividades da ESG. E a minha mãe (in memoriam) que com certeza estaria conquista. feliz por mais esta AGRADECIMENTOS Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações que me fizeram refletir, cada vez mais, sobre a importância de se estudar o Brasil com a responsabilidade implícita de ter que melhorar. Aos meus colegas estagiários da Turma do CAEPE pela convivência harmoniosa de todas as horas. Ao Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Rondônia, por esta oportunidade de frequentar este curso de altos estudos de política e estratégia ano 2013. A grandeza de uma profissão é talvez, antes de tudo, unir os homens: não há senão um verdadeiro luxo e esse é o das relações humanas. Saint-Exupéry RESUMO O eterno conflito entre o bem e o mal abrange, reflexamente, indivíduos cuja atribuição é fazer cumprir as normas de conduta emanadas e específicas de cada sociedade humana. É interessante observar o paradoxo, a ambivalência com que as relações entre as comunidades e os policiais militares se desenvolvem. Os mecanismos de defesa psicológica destes homens podem ser abalados por vários fatores. A desintegração psíquica e social dos policiais militares tem relação direta com a rotina permeada de estresse a que são submetidos, à pressão pública, aos salários indignos e à desestruturação familiar consequente da sobrecarga de trabalho e aos transtornos psicológicos ocasionados pela insatisfação profissional. Os riscos são inerentes a esta atividade ocupacional. Todavia, os policiais assimilam a rigorosa cultura militar, introjetando os valores das corporações militares brasileiras, e persistem em seu intento – a proteção da sociedade – em detrimento de sua saúde psicossocial. Indivíduos investidos em função tão árdua esperam que as academias de polícia militar se sensibilizem e olhem para seus homensguerreiros como peças imprescindíveis ao complexo sistema de segurança nacional. Palavras-chave: Saúde psicossocial. Estresse. Atividade ocupacional. Transtornos psicológicos. Polícia militar. ABSTRACT The eternal conflict between good and evil covers, reflectively, individuals whose role is to enforce the standards of conduct issued by and specific to each human society. It is interesting to note the paradox, the ambivalence with which relations between the military police and communities develop. Psychological defense mechanisms of these men can be affected by several factors. The psychic and social disintegration of the military police is directly related to the permeated routine of stress that they are subjected to, public pressure, the despicable salaries and family disorganization resulting from work overload as well as psychological disorders caused by professional dissatisfaction. The risks are inherent to this occupational activity. However, the policemen assimilate the rigorous military culture, internalizing the values of the Brazilian military bodies and persisting in their intention-the protection of the society-to the detriment of their psychosocial health. Individuals invested in so strenuous function expect the military to raise awareness among police academies and regard their men-warriors as indispensable parts of the complex system of national security. Key words: Psychosocial health. Stress. Occupational activity. Psychological disorders. Military police. LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADRO 1 Efetivo Existente - Praças Pm Qpmg .............................................................17 QUADRO 2 Efetivo Existente – Oficiais da Pm Ro ...............................................17 QUADRO 3 Conceito de ―campo de Saúde ...........................................................20 QUADRO 4 Efeitos do estresse ............................................................................24 QUADRO 5 Procepção da realidade ......................................................................25 GRÁFICO 1 Qual o motivo que o levou a seguir a carreira militar?........................49 GRÁFICO 2 Acha seu trabalho prejudicial à saúde?..............................................50 GRÁFICO 3 Acha seu trabalho estressante?........................................................50 GRÁFICO 4 Fatores que influenciam de forma negativa no bom desempenho do seu trabalho..................................................................................51 GRÁFICO 5 Como é o seu relacionamento com os seus superiores hierárquicos?.....................................................................................51 GRÁFICO 6 Como é o seu relacionamento com seus colegas de trabalho?............................................................................................52 GRÁFICO 7 Quanto tempo tem de serviço?...........................................................52 GRÁFICO 8 Qual a função que exerce?................................................................53 GRÁFICO 9 Qual o seu estado civil?.....................................................................53 GRÁFICO 10 Como é o seu relacionamento familiar atualmente?..........................54 GRÁFICO 11 Qual a sua faixa etária?....................................................................55 GRÁFICO 12 Tem dificuldade para dormir?...........................................................55 GRÁFICO 13 Preocupa-se com doença?...............................................................56 GRÁFICO 14 Têm períodos tristes? Com desânimo?.............................................56 GRÁFICO 15 Fica agressivo, explode com facilidade?...........................................57 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Violência urbana e suas conseqüências psiquiátricas.................................... 27 Tabela 2 Distribuição da presença policial conforme as regiões do Brasil......................37 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CB Cabo CAP Capitão CEL Coronel MAJ Major MAJ PM CPL Major PM Capelão PM Polícia Militar QOA Quadro de Oficiais de Administração QOC Quadro de Oficiais Capelães QOE Quadro de Oficiais Especialistas QOPM Quadro de Oficiais Policiais Militares QPMC Praças Policiais Militares Combatente QPMM Quadro de Policiais Militares Músicos QOPMS Quadro de Oficiais Policiais Militares de Saúde SD Soldado SGT Sargento SUB TEN Sub Tenente SESDEC Secretaria de Segurança Defesa e Cidadania TEN Tenente TCEL Tenente Coronel SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12 2 ORIGEM DA POLÍCIA MILITAR DO BRASIL ..................................................... 14 2.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA POLÍCIA MILITAR ............................................ 14 2.2 BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO............................ 14 2.3 HISTÓRICO DA POLÍCIA MILITAR DE RONDÔNIA .......................................... 16 2.4 REFLEXÕES SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL DA POLÍCIA MILITAR BRASILEIRA ....................................................................................................... 17 2.5 A PSICOLOGIA COMO ESTRATÉGIA À SAÚDE OCUPACIONAL ................... 18 2.6 SOFRIMENTO E SAÚDE MENTAL ENTRE POLICIAIS MILITARES..........................................................................................................21 3 FUNDAMENTOS GERAIS SOBRE ESTRESSE E SÍNFROME BURNOUT ...... 23 3.1 ESTRESSE: O QUE É ISSO ............................................................................... 23 3.2 FATORES ESTRESSANTES .............................................................................. 24 3.3 A FORÇA DOS ESTRESSORES ........................................................................ 26 3.4 EFEITOS PESSOAIS DOS ESTRESSORES ..................................................... 27 3.5 ESTRESSE E TRABALHO .................................................................................28 3.6 SÍNDROME DE BURNOUT ................................................................................29 4 A PROFISSÃO POLICIAL MILITAR NO BRASIL ATUAL.................... 33 4.1 O ESTRESSE VIVIDO PELO POLICIAL MILITAR .............................................33 4.2 O POLICIAL MILITAR. ........................................................................................34 4.3 ELEMENTOS QUE GERAM TRANSTORNOS PSÍQUICOS PSICOSSOMÁTICOS NO POLICIAL MILITAR...................................................38 4.4 PROBLEMAS DO DIA A DIA DO POLICIAL MILITAR E SUA INCIDÊNCIA ....... 42 4.5 RELAÇÕES INTERPESSOAIS ........................................................................... 44 4.6 ESTRESSE, DISTÚRBIOS MENTAIS E ALCOOLISMO NA POLÍCIA MILITAR...............................................................................................................47 4.7 AÇÕES PREVENTIVAS DE TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS NOS POLICIAS MILITARES.........................................................................................58 4.8 CONSIDERAÇÕES GERAIS. ............................................................................. 63 5 CONCLUSÃO.....................................................................................................66 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 68 ANEXOS ............................................................................................................. 71 12 1INTRODUÇÃO O Brasil é um país que está em crescimento acelerado. O Mundo o observa como um país próprio para investimentos, mas ainda há algumas preocupações no que se refere à Segurança Pública, pois a mídia brasileira a cada dia divulga alguns comportamentos negativos por parte de alguns profissionais agentes de segurança pública. Praticamente todas as semanas são noticiados vários comportamentos violentos nos centros urbanos, das grandes cidades brasileiras. Por causa desses comportamentos uma das preocupações governamentais é investir em material bélico, porém mais do que qualquer investimento, há a necessidade urgente de bem observar e educar a pessoa que vai manipular este arsenal. O profissional deve estar bem preparado psicologicamente, porque ele é a força armada do Estado para segurança do cidadão. Soma-se a isto uma imensa curiosidade em relação aos mecanismos de defesa psíquica desenvolvidos por estes grupos policiais, que permitem aos seus membros de desfrutarem de uma vida psicossocial satisfatória ou, pelo menos, dentro de parâmetros próximos aos padrões tidos como normais sob a ótica de uma dada comunidade. O trabalho psicológico na Segurança Pública deve começar na seleção dos candidatos e se estender durante toda sua vida como policial da ativa e da reserva, estendendo-se aos seus dependentes. O referido trabalho deve ser diário e contínuo com todos os profissionais das forças policiais, uma vez que os policiais homens/mulheres por serem servidores que lidam com o público necessitam ter equilíbrio psíquico suficiente para agir, no momento correto, com presteza, ética e sensibilidade, pois é basicamente este desejo das comunidades que pagam para ter funcionários eficientes, confiáveis e totalmente à sua disposição, em tempo integral (LIMA, 2002). É sabido que o ser humano submetido a pressões sociais desagradáveis reage negativamente em relação a si e à sociedade, além de não conseguir, consequentemente, concentra-se em seu trabalho. (ABBUD et al., 2006). O desgaste emocional provocado pelos novos modelos de configuração do trabalho e Gestão de significativo na determinação de transtornos relacionados ao estresse, como é o caso das depressões, ansiedade patológica, pânico, fobias e doenças psicossomáticas. Os indivíduos afetados diretamente pelos agentes estressores ocupacionais não respondem à demanda do trabalho e geralmente se encontram irritáveis e deprimidos (DEJOURS, 2000 apud ABBUD et al.; 2006). 13 Dessa forma, os policiais que, como todo ser humano, são extremamente vulneráveis ao ambiente que os cercam, podem apresentar, frente a uma urgência policial, uma atitude em desacordo com o que ele espera. A presença de Psicólogos atuantes nas instituições policiais propicia mais segurança para eles mesmos, seus dependentes e toda sociedade. Portanto, há que se investir na saúde psíquica e na prevenção dos males psicológicos que afligem os policiais se o objetivo for que seu trabalho alcance os anseios das comunidades, sem esquecer que o próprio profissional e sua família encontram-se inseridos em uma destas comunidades e lembrando também que comumente os familiares mais próximos sentem-se orgulhosos por possuir um indivíduo com condutas decisórias em suas vidas. 14 2ORIGEM DA POLÍCIA MILITAR DO BRASIL 2.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA POLÍCIA MILITAR A Polícia Militar do Brasil, segundo Fátima Souza, é oriunda das Forças Policiais do Império. A mais antiga é a do Rio de Janeiro, conhecida como ―Guarda Real de Polícia‖ criada em 13 de maio de 1809 por Dom João 6º, Rei de Portugal. Esta foi à primeira Policia Militar do Brasil e do Estado do Guanabara. Ela era subordinada ao Governador das armas da corte, comandante da força militar, que era subordinado ao intendente geral de Polícia. Quando Dom Pedro I abdica do trono em 1830, e Dom Pedro II, ainda menor, não tinha condições de assumir o trono, o Brasil passou a ser dirigido por regentes que não eram aceitos pelo povo. Por este motivo surgiram vários movimentos colocando-se contra esses governos regentes como: Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul; a balaiada no Maranhão e a sabinada na Bahia. Para manter a estabilidade e a Ordem Pública, através do Padre Antônio Diogo Feijó, então Ministro da Justiça, foi criado no Rio de Janeiro, um Corpo de Guardas Municipais. Em 10 de Outubro de 1831 foi criado o Corpo de Guardas do Rio de Janeiro, através de decreto regencial. Este decreto autorizava outras províncias criar suas guardas também. Outros Estados aderiram à ideia e criaram suas Polícias também. Na Constituição Federal Brasileira de 1946 as antigas Guardas Policiais, passaram a ser denominada POLÍCIA MILITAR, exceto do Rio Grande do Sul, que manteve o nome de Brigada Militar. Historiadores afirmam que bem antes da família real vir para o Brasil existia em Vila Velha (Ouro Preto), Minas Gerais, uma força militar de patrulhamento, chamada em 1775 de Regimento Regular de Cavalaria de Minas. Ela era responsável em manter a ordem Pública. 2.2 BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO Durante o século XIX a Corporação policial de São Paulo recebeu várias denominações: Corpo de Municipais Permanentes, Corpo de Municipais Provisórios, 15 Guarda de Polícia, Brigada Policial, Força Policial e finalmente, Força Pública, nome com o qual conquistou vitórias e participou de grandes eventos, até já no século XX. Durante os oitocentos, a Corporação Policial Militar Paulista participou praticamente de todas as campanhas em que o país se viu envolvido, destacandose a Guerra dos Farrapos, (1838), em que foram combatidos os separatistas da República de Piratini; a colonização dos Campos das Palmas (1839), no extremo da província, hoje pertencente ao Paraná; a Revolução Liberal de Sorocaba, em 1842; a Guerra do Paraguai (1865/1870); a Revolta da Armada e a Revolução Federalista (1893/1894); a Questão dos Protocolos, em que a nova colônia italiana de São Paulo se amotinou, gerando um conflito que não teve maiores consequências graças a pronta intervenção da Milícia Paulista; a Campanha de Canudos (1897), quando Euclides da Cunha chegou a elogiar a atuação do 1º Batalhão em terras do Rio Vaza Barris. A Polícia Militar é hoje uma instituição fardada, organizada militarmente, subordinada ao Governo do Estado, através da Secretaria da Segurança Pública e do Comando Geral da Corporação e que presta seus serviços dentro do rigoroso cumprimento de dever legal. Por ser um corpo militar, dispõe de meios e ferramentas para coibir excessos no seio da tropa, fatos esses a que nenhuma organização está imune, mas que, devido ao rigor das penas aplicadas aos infratores, inibe e desestimula atitudes antissociais. Como exemplo, a definição deste órgão de controle interno da polícia militar do Estado de São Paulo: Compete a Corregedoria da polícia Militar do Estado de São Paulo assegurar a disciplina e a apuração das infrações penais na Corporação, fornecendo amplos poderes ao Corregedor para a consecução do objetivo maior de oferecer à população um serviço de segurança de excelente qualidade. Ainda, e com orgulho, são mantidas as investigações para apuração de casos em que o policial é vítima, para a satisfação dos anseios de justiça, da Corporação e da família daquele que tomba em serviço ou em razão dele (POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO, 2013). 16 2.3 HISTÓRICO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE RONDÔNIA Conforme a revista comemorativa de 30 anos da PMRO e Biblioteca virtual Wikipédia, [...] a Polícia Militar de Rondônia (PMRO) tem por função primordial o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública no Estado de Rondônia. Ela é Força Auxiliar e Reserva do Exército Brasileiro, e integra o Sistema de Segurança Pública e Defesa Social do Brasil. Seus integrantes são denominados militares dos Estados (artigo 42 da CRFB), assim como os membros do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Rondônia. Com a criação do Território Federal de Rondônia, então Guaporé, pelo Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, com áreas desmembradas dos Estados do Amazonas e Mato Grosso, o governador, então Coronel Aluízio Ferreira, necessitando de uma organização para a manutenção da ordem e mão-de-obra na execução de trabalhos públicos, o Decreto nº 01 de 11 de fevereiro de 1944, criando a GuardaTerritorial, corporação de caráter civil, comandada por um oficial do exército. A Guarda Territorial, após sofrer várias modificações em sua estrutura, em muito se aproximou, ultimamente, de uma organização policial-militar, possuindo, inclusive, Corpo de Bombeiros. A Polícia Militar de Rondônia foi criada pela Lei nº 6.270, de 26 de novembro de 1975, cuja regulamentação só foi baixada a 11 de janeiro de 1977, através do Decreto Federal nº 79.108. Em 9 de setembro de 1977, já com a Polícia Militar criada, mas ainda em sua fase embrionária, editou-se o Decreto Territorial nº 864, da mesma data, que considerou extinta, de vez, a Guarda Territorial de Rondônia, conforme preconizado na Lei de Criação da Polícia Militar. Com a extinção da Guarda Territorial aceleram-se os trabalhos de implantação e organização da Polícia Militar recém criada. Pelo transcurso de tempo da edição da Lei de Criação, bem assim do Decreto que a regulamentou, pode-se vislumbrar que montar uma estrutura policial militar complexa, desdobrada nas atividades administrativas e operacionais e, ao mesmo tempo, prover à segurança pública da área, não era empresa para pouco tempo. 17 Quadro 1: Efetivo Existente - Praças PmQpmg - 1 Fonte: Diretoria de Pessoal da PMRO – Divisão e Condecoração (2012) Quadro 2:Efetivo Existente – Oficiais da PmRo Fonte: Diretoria de Pessoal da PMRO – Divisão e Condecoração (2012) Graduação Quadro SUBTEN 1º SGT 2º SGT 3º SGT CABO SD TOTAL QPMP – 0 66 190 283 538 703 3406 5186 QPMP – 4 5 10 0 0 0 0 15 QPMP – 6 0 0 0 0 0 0 0 283 538 703 3406 5201 TOTAL 71 200 2.4 REFLEXÕES SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL DA POLÍCIA MILITAR BRASILEIRA Posto Quadro CEL TEN.CEL MAJ CAP 1º TEM 2º TEN TOTAL QOPM 16 34 51 15 14 89 219 QOPM S 0 7 16 4 0 0 27 QOA 0 0 0 6 7 59 72 QOC 0 0 1 0 0 0 1 QOE 0 0 0 0 0 0 0 41 68 25 21 148 319 TOTTTTTTAL 16 Interessante citar Ribeiro (1995) apontando que no século XVII costumava-se dizer que ―a farda afidalga, eleva e branqueia.‖ O alistamento militar configurou-se uma tábua de salvação. Se a farda ―afidalga‖, ou seja, transmuta-lhe o fenótipo e lhe confere maneirismos nobres, também eleva o vivente, permitindo-lhe ingresso em uma classe social abastada que mal repararia em seus parcos recursos financeiros. A farda ―branqueia‖, finalmente, o soldado, acenando-lhe com todos os privilégios a que os brancos tinhamdireito (RIBEIRO, 1995). Observa Oliveira Vianna (1956), que assim era o reconhecimento ao inóspito executado pelos regimentos militares. E completa dizendo que a perversa estratificação social impulsionava o indivíduo em direção ao serviço militar, por que, apesar de toda esta conotação racista e do separatismo cultural, os mulatos, os negros e mesmo os brancos pobres e sem 18 opções de subsistência consideravam vantajoso fazer parte da corporação como um modo de usufruir de umas poucas benesses. Da fusão dos conceitos dos povos da antiguidade sobre a ética, instinto natural de sobrevivência e perpetuação da espécie, e os estudos acerca da evolução do povo brasileiro, depreende-se que, antes mesmo de começar a atuar como defensor dos limites geográficos e posses materiais dos indivíduos e da coletividade, o policial militar brasileiro depara-se com problemas sociais muitas vezes tidos como intransponíveis (RIBEIRO, 1995). Os riscos a que se expõem, para salvar vidas e promover benemerências, abdicando de uma saudável vida íntima e familiar, protegida contra avaliações contínuas, para se dedicar integralmente aos membros da coletividade, provocam sentimentos vários e conflitantes na população (LIMA, 2002); É comum supor que o PM se alimenta, material e espiritualmente, das loas à sua generosidade e bravura, contentando-se com um mínimo de compensação monetária: [...] baixos rendimentos levam ao aumento de jornada de trabalho, daí o agravamento da saúde, esgotamento gradual das energias físicas e mentais. Processo que acompanha a pobreza aponta para interdição de saúde, que é a mais violenta forma de violência latente (BOSCHI, 1982apud PATROCÍNIO; SOUZA, 2004). 2.5 A PSICOLOGIA COMO ESTRATÉGIA À SAÚDE OCUPACIONAL Após o contexto histórico das Policias Militares, Polícia Militar de Rondônia e São Paulo o cerne deste trabalho visa abordar a psicologia como estratégia de ação preventiva à saúde ocupacional, bem como os modelos epidemiológicos e o sofrimento no trabalho do policial militar. Para Mendes, (1985) é da Medicina Preventiva que emergem bases para enunciação da Saúde Ocupacional pela OIT/OMS, ao usar termos como prevenção, proteção, riscos, adaptação, visando a intervir na saúde dos trabalhadores. E, o paradigma da causalidade dos agravos à saúde dá-se pela precedência das condições de trabalho, numa visão histórica e descontextualizada das relações econômicas, político ideológicas e sociais que influem nos nexos entre trabalho e saúde- doença. De acordo com Mendes (1985), citado por Mosci ; Diniz (1997), o estímulo desencadeador do processo posterior da doença é originado do desiquilíbrio na 19 interação dinâmica de múltiplos fatores causais relacionados com os três elementosvértices do triângulo epidemiológico: o agente, o hospedeiro e o meio ambiente. O agente patogênico é um elemento cuja presença, segui de um contato efetivo com o hospedeiro humano susceptível, serve de estímulo a uma perturbação específica, em condições ambientais favoráveis. Este ambiente abrange caracteres físicos, biológicos, sociais e econômicos. Em saúde ocupacional, o período pré-patogênico corresponde à fase em que ocorre a exposição ao agente causador do agravo, muito antes do momento no qual o equilíbrio dinâmico mantido entre os vértices do ―triângulo agente-hospedeiro-meio ambiente‖ venha a ser rompido e instale-se o desequilíbrio-doenças (MENDES, 1985apud MOSCI; DINIZ, 1997). Na observação destas conclusões verificam-se características comuns em que as análises dos casos de doenças já instaladas poderão confirmar as assertivas sobre o triângulo epidemiológico. Uma das formas de se investigar o grau de exposição a um determinado agente – também no caso do distúrbio mental – é através de avaliações ambientais diretas, como bem evidencia o texto do Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde, do Ministério da Saúde brasileiro: Para a comprovação diagnóstica e estabelecimento da relação da doença com o trabalho podem ser necessárias informações complementares sobre fatores de risco identificados a partir da entrevista com paciente. No caso de trabalhadores empregados, essas informações poderão ser solicitadas ao empregador, como os registros de estudos e levantamentos ambientais, qualitativos ou quantitativos, contidos no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), feito por exigência da Norma Regulamentadora Nº. 9 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho.Também podem ser úteis os resultados de avaliações clínicas laboratoriais realizados para o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) em cumprimento da Norma Reguladora Nº.7 da mesma Portaria referida anteriormente, registros de fiscalizações realizadas pelo poder público. Considerando-se que o excesso de pressões psicológicas sobre o indivíduo provoca aumento de reações orgânicas de ―alerta‖, o fato, na prática, significa que uma pessoa submetida a estresse prolongado apresenta uma consequente baixa da resistência imunológica, o que, possivelmente, contribuirá para a instalação do estado de doença física (LIPP, 1990). Segundo Denver (1988), a epidemiologia apresenta três objetivos principais: estudar a ocorrência, distribuição, extensão e progressão da saúde e da doença nas 20 populações humanas; contribuir para a compreensão da etiologia de saúde e doença; e promover utilização de conceitos epidemiológicos na administração dos serviços de saúde. Estes objetivos se relacionam e têm, como meta, o encontro de uma política de saúde que promova e preserve a saúde da população (DENVER, 1988). O autor considera que o maior potencial para a ocorrência de uma política pública eficaz encontra-se nas ações preventivas. Para que parâmetros possam ser estabelecidos, com a consequente ação prevenção de doenças, o pré-requisito é possuir uma noção global do que seja saúde. O conceito de ―campo de saúde‖ é bastante adequado para fornecer esta visão holística do indivíduo e das comunidades, e, por sua maior abrangência, presta-se e adapta-se muito melhor à concepção ―múltipla causa/múltiplo efeito‖ da saúde e da doença e à ampliação dos conceitos de risco (DENVER, 1988). Permite uma abordagem mais real e racional sobre as causas de doenças com as consequentes ações preventivas melhor delineadas. No quadro 1 pode-se observar os elementos que compõem o conceito ―campo de saúde‖ Estilo de Vida riscos das atividades do lazer padrões de consumo riscos ocupacionais da produção Ambiente dimensão física dimensão social dimensão psicológica Biologia humana herança genética maturidade envelhecimento Organização do sistema de serviços médicos ações preventivas ações curativas ações de recuperação Quadro 3: Quadro– Conceito de ―Campo de Saúde‖ Fonte: Adaptado de Denver (1988) No caso específico dos policiais militares, sujeitos desta pesquisa, a exposição contínua a agentes estressores poderá, hipoteticamente, induzir ao aparecimento de doenças psíquicas e físicas, de tal maneira que quando este 21 profissional manifestar algum distúrbio comportamental e/ou físico perceber-se-á que esta escalada insidiosa rumo à doença poderia, em algum momento, ter sido preventivamente interrompida. Enfim, a identificação do problema principal, ou seja, o primeiro degrau do período pré-patogênico, bem como o diagnóstico precoce de distúrbios psicossomáticos, com instituições de ações preventivas antes que estes transformem o policial em um indivíduo incapacitado para o trabalho e para a vida em sociedade, são os principais objetivos desta pesquisa. 2.6 SOFRIMENTO E SAÚDE MENTAL ENTRE POLICIAIS MILITARES Foi a partir do início dos anos 80 que a Psicopatologia do Trabalho se preocupou em fundamentar a clínica do sofrimento, na relação psíquica com o trabalho. Nessa nova abordagem o trabalho (CODO, 1993), na clínica psicológica, pode então ultrapassar seus conceitos filosóficos, econômicos e sociológicos, passando a ser definido como uma psicopatologia, sendo que a etiologia (o agente causal) dessa psicopatologia tem sua origem nas pressões do trabalho; pressões essas que põem em xeque o equilíbrio psíquico e a saúde mental, na organização do trabalho (DEJOURS, 1993). Mais do que identificar doenças mentais específicas correlacionadas ao trabalho, o que se toma como eixo é a dinâmica que se refere à gênese e às transformações do sofrimento mental vinculadas à organização do trabalho. Desse modo, a investigação em saúde mental e trabalho impõe uma ruptura com modelos médico e psiquiátrico clássicos. Além disto, impõe realizar uma reviravolta epistemológica suplementar, deslocando o eixo de análise da loucura para a normalidade (DEJOURS, 1993). O desgaste emocional a que pessoas são submetidas nas relações com o trabalho é fator muito significativo na determinação de transtornos relacionados ao estresse, como é o caso das depressões, ansiedade patológica, pânico, fobias, doenças psicossomáticas, alcoolismo etc. Em suma, submetido à exposição constante a agentes estressores relacionados ao seu fazer profissional, o sujeito apresenta maior vulnerabilidade, de modo a comprometer sua resposta à demanda do trabalho, podendo vir a desenvolver respostas patológicas, geralmente identificadas como irritabilidade, nervosismo, humor deprimido, dentre outros. 22 O profissional de segurança pública, mais especificamente, o policial militar, carrega implícito em seu papel à responsabilidade de promover o bem-estar da população mantendo a calma, controle e coerência em suas ações. Tais fatos levam-no a defrontar-se o tempo todo com a polaridade: expectativas versus limitação, além de favorecer um intenso gasto de energia, na busca pela manutenção de estereótipos e representações, reforçando a imagem de força e imunidade. Tais representações em muito contradizem corriqueiras de impotência, não-saber e fragilidade. suas experiências 23 3 FUNDAMENTOS GERAIS SOBRE ESTRESSE E SÍNDROMEBURNOUT 3.1 ESTRESSE: O QUE É ISSO? Ao se deparar com o Agente Estressor, que pode ser interno ou externo, o organismo desenvolve um processo fisiológico, que consiste no somatório de todas as reações sistêmicas, conhecido como Síndrome Geral de Adaptação. Assim, podemos entender que essa Síndrome Geral de Adaptação ou Estresse é a alteração global de nosso organismo para adaptar-se à uma situação nova ou às mudanças de um modo geral. O Estresse é, portanto, um mecanismo normal necessário e benéfico ao organismo, pois faz com que o ser humano fique mais atento e sensível diante de situações de perigo ou de dificuldade. Mesmo situações consideradas positivas e benéficas, como é o caso, por exemplo, das promoções profissionais, casamentos desejados, nascimento de filhos, etc., podem produzir Estresse. Na adaptação do organismo (e da mente) aos estímulos estressores, devemos entender que mesmo as situações que requerem pequenas mudanças ou adaptações, podem gerar um grau discreto de estresse, variável de pessoa a pessoa, conforme as características pessoais de reagir aos estímulos. Em termos científicos, o estresse é a resposta fisiológica e de comportamento de um indivíduo que se esforça para adaptar-se e ajustar-se a estímulos internos e externos. Como a energia necessária para esta adaptação é limitada, se houver persistência do estímulo estressor, mais cedo ou mais tarde o organismo entra em uma fase de esgotamento. Sabendo que cada pessoa reage de forma diferente aos estímulos da vida, elas também terão limiares diferentes de esgotamento por estresse. Segundo a sensibilidade afetiva da pessoa, portanto, segundo a "visão" que cada um tem da realidade, da valorização do passado ou das perspectivas do futuro, as reações de estresse podem ser mais favorecidas ou menos. Uma representação pessimista da realidade pode favorecer estas reações, enquanto a representação positiva produz amenizar os efeitos estressores. 24 Efeitos indiretos sobre o comportamento Menor adesão ao tratamento; Atraso na busca de atendimento; Menor probabilidade de buscar atendimento; Sintomas ocultos. Efeitos indiretos mediados pelo comportamento Aumento do hábito de fumar, beber e usar drogas; Nutrição pior; Efeitos fisiológicos diretos Sono deficiente. Elevação da pressão arterial; Elevação do colesterol; Redução da imunidade; Maior atividade hormonal. Quadro 4: Efeitos do Estresse Fonte: Psiqweb, 2008 3.2FATORES ESTRESSANTES Em tese, Estresse é a resposta fisiológica, psicológica e comportamental de um indivíduo que procura se adaptar e se ajustar às solicitações internas e/ou externas. Essas solicitações capazes de levar ao Estresse são chamadas de Fatores Estressantes ou Agentes Estressores. Assim sendo, Fator Estressor é um acontecimento, uma situação, uma pessoa ou um objeto capaz de proporcionar suficiente tensão emocional, portanto, capaz de induzir à reação de Estresse. Os fatores estressantes podem variar amplamente quanto à sua natureza, abrangendo desde componentes emocionais, como por exemplo a frustração, ansiedade, perda, até componentes de origem ambiental, biológica e física, como é o caso do ruído excessivo, da poluição, variações extremas de temperatura, problemas de nutrição, sobrecarga de trabalho, etc. De um modo geral vale a classificação dos estressores como está no quadro ao lado. Podemos ainda considerar os estressores como tendo origem interna ou externa ao indivíduo. Se colocarmos um gato junto de um cão feroz, depois de algum tempo o gato estará esgotado; primeiro ele terá muita ansiedade, entrará em Estresse e, se o estímulo estressor persistir (presença do cão), ele se esgotará. Tendo em vista o fato de o gato representar para o cão uma ameaça menos agressiva que o cão representa para ele, o cão ficará esgotado depois do gato. Nesse caso o cão representa para o gato um estímulo estressor externo, por estar fora do gato e, inato, por fazer parte da natureza biológica de todos os gatos. 25 Assim sendo, nos animais os estímulos para desencadear a ansiedade podem ter duas naturezas e uma só origem: quanto à natureza eles podem serinatos, como vimos do tipo gato tem medo de cachorro ou, por outro lado, condicionados por treinamento e experiência. Quanto à origem serão predominantemente externos, partindo do pressuposto que os animais não têm condições para alimentarem conflitos intrapsíquicos. Mesmo assim, podemos dizer que alguns estímulos estressores para animais têm origem interna quando provém de comportamentos inatos. No ser humano, dito civilizado, esses estímulos costumam ter duas origens; podem ser externos e, principalmente, internos. Os estímulos internos são oriundos dos conflitos pessoais os quais, em última instância, refletem sempre a tonalidadeafetiva de cada um. Os estímulos externos, por sua vez, representam as ameaças concretas do cotidiano de cada um. Nossa capacidade de perceber o mundo individualmente proporciona uma representação pessoal da realidade. Essa percepção pessoal da realidade, diferente em cada um de nós, é chamada de procepção da realidade. O principal conhecimento que devemos ter disso é que a realidade será sempre representada intimamente e de acordo com os filtros afetivos de cada um (para entender melhor veja a sugestão no quadro abaixo). Origem Nos Animais Natureza Origem No Ser Humano Natureza Externos Condicionados Externos Adversidades, conflitos. Internos Inatos Internos Transtornos afetivos, traços de personalidade. Quadro 5: Procepção da realidade Fonte: Psiqweb,2008 Portanto, por causa da percepção individual que temos da realidade não é totalmente lícito dizer que esse ou aquele determinado fato são estressores, pois alguns fatos podem representar estressores para alguns e não para outros. A percepção pessoal da realidade engloba toda a realidade ou toda nossa maneira de ver e sentir o mundo. Engloba não apenas a concepção que temos das coisas que estão fora da gente como os conceitos que temos dentro da gente. Isso 26 inclui também a imagem que nós temos de nós mesmos, ou seja, inclui nossa própria autoestima. 3.3A FORÇA DOS ESTRESSORES Vários autores tentaram estabelecer alguma espécie de graduação de importância para os vários estímulos estressores possíveis no cotidiano. Embora algumas listas possam dar a ideia de grau ou da força variável dos estressores, como por exemplo, o caso da separação conjugal que seria mais estressante que mudança de emprego e menos do que a morte do filho, tais tabelas perdem o valor quando consideramos que as pessoas são muito diferentes quanto à sua forma de reagir aos desafios impostos pela vida. Algumas pessoas podem superar perfeitamente alguma perda importante, enquanto outros podem desenvolver um transtorno emocional como resposta à acontecimentos estressantes de menor importância. As variáveis pessoais desempenham um papel decisivo na maneira de reagir aos eventos de vida. De um modo geral, pelo menos é bom termos em mente que existem categorias de estressores que nos impõem grandes esforços adaptativos, como por exemplo, a morte de um ente querido, uma grande perda, severos revezes econômicos, constatação de doença séria, etc., e, ao lado desses, existem os pequenos acontecimentos estressantes do cotidiano que acontecem com maior frequência na vida das pessoas e, finalmente, existem ainda a influência dos conflitos íntimos pessoais. Ao se estudar a Violência Urbana e suas consequências psiquiátricas, podemos encontrar tabelas (como a abaixo) que listam estímulos estressores relacionados ao desenvolvimento Transtorno por Estresse Pós-Traumático de intensidade moderada ou grave. Atualmente, as guerras e os refugiados que estas ocasionam, também estão sendo objeto de especial atenção por parte dos investigadores. 27 Estímulos estressantes e porcentagem de Transtorno por Estresse PósTraumático Autor Ano Acontecimento % Terr 1981 Sequestro 100 Pynoos 1987 Ataque de franco-atirador 93 McLeer 1988 Abuso sexual 48 McLeer 1993 Agressão física 25 Reinherz 1996 Furacão 70 Shaw 1996 Terremoto 32 Najarian 1996 Guerra 71 Savin 1997 Incêndio 12 March 1999 Desastre nuclear 88 Korol 1999 Guerra 50 Sack 2000 Violência doméstica 24 Tabela 1: Violência urbana e suas conseqüências psiquiátricas Fonte: Psiqweb, 2008 De qualquer forma é fundamental ter em mente que a força dos estressores depende mais da sensibilidade do sujeito do que do valor do objeto, ou seja, depende de como e com que peso a pessoa valoriza o evento (interno ou externo), mais do que o evento em si. Há pessoas que vivenciam as mesmas experiências que outros e regem diferentemente, experimentando estresse de grau variado ou, às vezes, nem se estressando. É por isso que estudamos, a seguir, o aspecto pessoal dos estressores. 3.4EFEITOS PESSOAIS DOS ESTRESSORES Nossa capacidade de conhecer o mundo decorre de nossa percepção pessoal da realidade. Essa percepção pessoal da realidade, diferente em cada um de nós, é chamada de procepção da realidade. O principal conhecimento que devemos ter disso, é que a realidade será sempre representada intimamente e de acordo com os filtros afetivos de cada um, ou seja, de acordo com a sensibilidade (afetiva) de cada um. A percepção pessoal da realidade engloba toda a realidade ou toda nossa maneira de ver e sentir o mundo e só essa realidade (única para nós) nos interessa. Nossa percepção pessoal da realidade engloba não apenas a concepção que temos das coisas que estão fora da gente, como os fatos, eventos, objetos, pessoas, etc., mas também os conceitos que cultivamos dentro da gente, nossas escalas de 28 valores, nossos conflitos e complexos. Dentro de todo esse material interno ou intrapsíquico inclui-se, também, a imagem que nós temos de nós mesmos, ou seja, inclui nossa autoestima. Nossa autoestima, por exemplo, poderá ser representada mais negativamente ou mais positivamente, de acordo com a tonalidade afetiva de cada um. Algumas pessoas se veem ótimos, outras se veem péssimos. Assim sendo, a ideia que temos de nós mesmos pode, por si só, ser um estímulo agressivo e causador de ansiedade, caso seja uma ideia de nós seja uma ideia ruim e que nos perturba constantemente. 3.5ESTRESSE E TRABALHO Talvez o ambiente do trabalho tenha se modificado e acompanhado o avanço das tecnologias com mais velocidade do que a capacidade de adaptação dos trabalhadores. Os profissionais vivem hoje sob contínua tensão, não só no ambiente de trabalho, como também na vida em geral. Há, portanto, uma ampla área da vida moderna onde se misturam os estressores do trabalho e da vida cotidiana. A pessoa, além das habituais responsabilidades ocupacionais, além da alta competitividade exigida pelas empresas, além das necessidades de aprendizado constante, tem que lidar com os estressores normais da vida em sociedade, tais como a segurança social, a manutenção da família, as exigências culturais, etc. É bem possível que todos esses novos desafios supere os limites adaptativos levando ao estresse. O tipo de desgaste à que as pessoas estão submetidas permanentemente nos ambientes e as relações com o trabalho são fatores determinantes de doenças. Os agentes estressores psicossociais são tão potentes quanto os micro-organismos e a insalubridade no desencadeamento de doenças. Tanto o operário, como o executivo, podem apresentar alterações diante dos agentes estressores psicossociais. Um dos agravantes do Estresse no Trabalho é a limitação que a sociedade submete as pessoas quanto às manifestações de suas angústias, frustrações e emoções. Por causa das normas e regras sociais as pessoas acabam ficando prisioneiras do politicamente correto, obrigadas a aparentar um comportamento emocional ou motor incongruente com seus reais sentimentos de agressão ou medo. 29 No ambiente de trabalho os estímulos estressores são muitos. Podemos experimentar ansiedade significativa (reação de alarme) diante de desentendimentos com colegas, diante da sobrecarga e da corrida contra o tempo, diante da insatisfação salarial e, dependendo da pessoa, até com o tocar do telefone. A desorganização no ambiente ocupacional põe em risco a ordem e a capacidade de rendimento do trabalhador. Geralmente as condições pioram quando não há clareza nas regras, normas e nas tarefas que deve desempenhar cada um dos trabalhadores, assim como os ambientes insalubres, a falta de ferramentas adequadas. Fatores intrapsíquicos (interiores) relacionados ao serviço também contribuem para a pessoa manter-se estressada, como é o caso da sensação de insegurança no emprego, sensação de insuficiência profissional, pressão para comprovação de eficiência ou, até mesmo, a impressão continuada de estar cometendo erros profissionais. Isso tudo sem contar os fatores internos que a pessoa traz consigo para o emprego, tais como, seus conflitos, suas frustrações, suas desavenças conjugais, etc. 3.6SÍNDROME DE BURNOUT Chamada Síndrome de Burnout é definida por alguns autores como uma das consequências mais marcantes do estresse profissional, e se caracteriza por exaustão emocional, avaliação negativa de si mesmo, depressão e insensibilidade com relação a quase tudo e todos (até como defesa emocional). Enfim, a Síndrome de Burnout representa o quadro que poderíamos chamar ―de saco cheio‖ ou ―não aguento mais‖. O termo Burnout é uma composição de burn= queima e out = exterior, sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse consome-se física e emocionalmente, passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço. A expressão Burnoutem inglês, entretanto, significa aquilo que deixou de funcionar por completa falta de energia, por ter sua energia totalmente esgotada, metaforicamente, aquilo que chegou ao seu limitemáximo. A prevalência da Síndrome de Burnout ainda é incerta, embora os dados sugiram que acomete um número muito expressivo de pessoas. A epidemiologia da Síndrome de Burnout tem aspectos bastante curiosos, como mostrou o detalhado 30 trabalho de Martinez, onde os primeiros anos da carreira profissional resultaram os mais vulneráveis ao desenvolvimento da síndrome. Também parece haver uma preponderância do transtorno nas mulheres, possivelmente devido à dupla carga de trabalho que concilia a prática profissional e a tarefa familiar. Com relação ao estado civil, tem-se associado a síndrome mais com as pessoas sem parceiro estável. Com muita frequência este quadro está associado a outros transtornos emocionais, geralmente com a depressão e/ou ansiedade. Esse transtorno tem importância na medida em que afeta a vida pessoal, seja através das repercussões físicas desse estresse psíquico, seja no comprometimento profissional quanto a eficiência e desempenho, seja social na desarmonia dos relacionamentos interpessoais. Como síndrome, o Burnoutseria o resultado da combinação entre as características individuais do paciente com as condições do ambiente ou do trabalho, o qual geraria excessivose prolongados momentos de estresse no trabalho. Essa síndrome se refere a um tipo de estresse ocupacional e institucional com predileção para profissionais que mantêm uma relação constante e direta com outras pessoas, principalmente quando esta atividade é considerada de ajuda (médicos, enfermeiros, professores). De fato, esta síndrome foi observada, originalmente, em profissões predominantemente relacionadas a um contato interpessoal mais exigente, tais como médicos, psicanalistas, carcereiros, assistentes sociais, comerciários, professores, atendentes públicos, enfermeiros, funcionários de departamento de pessoal, telemarketing e bombeiros. Hoje, entretanto, as observações já se estendem a todos profissionais que interagem de forma ativa com pessoas, que cuidam e/ou solucionam problemas de outras pessoas, que obedecem a técnicas e métodos mais exigentes, fazendo parte de organizações de trabalho submetidas às avaliações. Outros autores, entretanto, julgam a Síndrome de Burnout algo diferente do estresse genérico. Para nós, de modo geral, vamos considerar esse quadro de apatia extrema e desinteresse, não como sinônimo de algum tipo de estresse, mas como uma de suas consequências bastante sérias. Definida como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho, essa doença faz com que a 31 pessoa perca a maior parte do interesse em sua relação com o trabalho, de forma que as coisas deixam de ter importância e qualquer esforço pessoal passa a parecer inútil. Entre os fatores aparentemente associados ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout está a pouca autonomia no desempenho profissional, problemas de relacionamento com as chefias, problemas de relacionamento com colegas ou clientes, conflito entre trabalho e família, sentimento de desqualificação e falta de cooperação da equipe. Os autores que defendem a Síndrome de Burnout como sendo diferente do estresse, alegam que esta doença envolve atitudes e condutas negativas com relação aos usuários, clientes, organização e trabalho, enquanto o estresse apareceria mais como um esgotamento pessoal com interferência na vida do sujeito e não necessariamente na sua relação com o trabalho. No Brasil, segundo o decreto 3.048 de 6 de maio de 1999, que fala sobre agentes patogênicos causadores de doenças ocupacionais, a Síndrome de Burnout está classificada junto aos Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho, manifestando-se com a sensação de estar acabado. Neste caso a Síndrome de Burnout aparece como sinônimo deSíndrome de Esgotamento Profissional. Refletindo mais realisticamente sobre alguns preceitos culturais que envolvem o trabalho, tais como ―o trabalho enobrece... etc.‖, Dejours (1992) já afirmava que nem sempre o trabalho possibilita a realização profissional. Algumas vezes o trabalho pode causar desde insatisfação ou frustração, até a exaustão emocional. Freudenberg foi um dos primeiros a descrever essa síndrome em 1974, inicialmente constatando-a apenas em funcionários das equipes de saúde mental. Observava que, com o passar do tempo, alguns desses funcionários apresentavam uma síndrome composta por exaustão emocional e adaptativa, desilusão ou frustração e vontade de isolamento social. Os sintomas básicos dessa síndrome seriam, inicialmente, uma exaustão emocional onde a pessoa sente que não pode mais dar nada de si mesma. Em seguida desenvolve sentimentos e atitudes muito negativas, como por exemplo, certo cinismo na relação com as pessoas do seu trabalho e aparente insensibilidade afetiva. 32 Finalmente o paciente manifesta sentimentos de falta de realização pessoal no trabalho, afetando sobremaneira a eficiência e habilidade para realização de tarefas e de adequar-se à organização. Esta síndrome é o resultado do estresse emocional incrementado na interação com outras pessoas. Algo diferente do estresse genérico, a Síndrome de Burnout geralmente incorpora sentimentos de fracasso. Seus principais indicadores são: cansaço emocional, despersonalização e falta de realização pessoal. 33 4A PROFISSÃO POLICIAL MILITAR NO BRASIL ATUAL 4.1 O ESTRESSE VIVIDO PELO POLICIAL MILITAR Enquanto instituição, a Polícia Militar (PM) do Brasil tem uma estrutura burocrática, com raízes no século XIX, cuja lógica sofreu reconfigurações no período dos governos militares. Mesmo com essas mudanças, o princípio de atuação se manteve, com o impedimento de qualquer ideia de contestação social de grupos legais (ou ilegais) contrários ao poder vigente na época. Mas a atual conjuntura social, pela qual passa a sociedade brasileira, diferencia-se daquela de tempos idos. Hoje, a PM não tem como prioridade acompanhar ou coibir esses grupos, uma vez que existe uma realidade cadenciada pelo aumento da violência difusa na sociedade e da criminalidade. Além disso, as sociedades contemporâneas se caracterizam por um descompasso crescente em relação às políticas públicas de cunho social e de infraestrutura.De um modo geral, considera-se que a atividade exercida pelo policial militar é de alto risco, pois são profissionais que lidam diariamente com a violência e a brutalidade. Segundo a literatura, a profissão do policial militar é uma das que mais sofre de estresse, pois trabalha sob forte tensão, muitas vezes em meio a situações que envolvem risco de vida. (COSTA, 2007). A principal função da polícia ostensiva, por exemplo, é o combate à criminalidade. Então, pode-se dizer que estes policiais lidam diretamente com a violência e, portanto, exercem uma atividade que envolve riscos à vida e à saúde, desencadeando, muitas vezes, um desgaste físico e psicológico, o que acaba por gerar estresse (BARCELLOS, 1999). Segundo Amador (2000), outro aspecto importante do trabalho policial é que este não tem reconhecimento da sociedade, o que acaba por gerar sentimentos de frustração, inutilidade e improdutividade nos profissionais. Para Moraes, Gusmão, Pereira e Souza (2001), a insatisfação dos próprios policiais se evidencia através das greves e comportamentos violentos que ocorreram na última década. Tal insatisfação, somada ao não reconhecimento do trabalho policial, resulta em uma queda da autoestima dos policiais, o que influencia na motivação e no comprometimento dos mesmos, propiciando, talvez, maior vulnerabilidade ao estresse e outros transtornos.Ao se deparar com essa situação, os estudiosos da área de segurança pública chegam a questionar a eficiência da organização do 34 trabalho que a PM brasileira emprega. Nesse contexto, a percepção de insegurança pública torna-se visível e preocupante, para não dizer assustadora, nas grandes cidades. 4.2 O POLICIAL MILITAR A prioridade, para a polícia militar, é guardar a cidade, promover a ordem e garantir a segurança do cidadão, respeitando os direitos humanos fundamentais (JESUS, 2004). Para que possa ser um servidor eficiente, o policial militar, sem distinção de sexo ou idade, terá que submeter-se a treinamento constante e assim evitar a criação de soluções individuais para os mais variados problemas. A hierarquia deverá ser absolutamente observada e o policial militar terá que adequar-se às situações que se apresentem no trabalho diário, a fim de cumprir suas funções a contento. Mais que acusar o funcionário policial militar pela insegurança generalizada, nos dias atuais, a opinião pública dirige seus protestos contra a instituição ―Polícia Militar‖, da qual o homem policial é legítimo representante (JESUS, 2004). A polícia é uma organização administrativa cuja atribuição é impor limites à liberdade, na exata medida da salvaguarda e da preservação da ordem pública (JESUS, 2004). O mesmo autor afirma que é correto pensar que a polícia militar precisa ser eficaz naquilo que lhe cabe, e, para isso, deve e necessita melhorar muito, justamente para resgatar a confiança da população assistida. Um ponto importante a se considerar é que os policiais militares são oriundos desta sociedade que lhes cabe proteger. Desta forma, Jesus (2004) acredita que os especialistas em segurança pública, os políticos, as elites policiais, os intelectuais, fazem um ―exercício perverso de análise das questões policiais‖, prejudicando o encontro de soluções consistentes para o combate à criminalidade, arbitrariedade, corrupção policial, por que insistem em ignorar que o policial militar atuante é produto desta comunidade que exige competência em segurança. É consenso que ser policial é uma atividade perigosa, e é evidente que um ser humano – que se lança com tanto empenho para salvar vidas e promover o bemestar da coletividade – tem um desprendimento emocional diferenciado, sugerindo ou uma propensão autodestrutiva (RIBEIRO, 1995) ou o ―complexo de super- 35 homem‖ (LIMA, 2002). O ―ser herói‖ está envolto em um profundo simbolismo sociocultural, mas, sendo uma conduta habitual no cotidiano do policial militar, esta aura de ―mocinho cinematográfico‖ é incorporada pelo servidor, que passa a agir como se fosse imune aos percalços da profissão, inclusive com a sensação de ser blindado, ou, como diz Lima (2002), uma ―fênix‖, que renasce diariamente de suas cinzas a cada início de turno. O indivíduo internaliza esta sensação de imortalidade e julga-se superior aos outros mortais. ―Com o passar do tempo, há uma sedimentação deste pensamento no inconsciente do policial, a ponto de supor-se um ―árbitro do comportamento humano‖, ―um verdadeiro super-homem‖. Esta configuração psicológica, associada à rotina, termina por criar uma alteração de ―complexo de super-homem‖ (LIMA, 2002). O ―complexo de super-comportamental chamadohomem‖ exige do policial a criação de uma couraça psicológica, no dizer de Lima (2005). Esta couraça é variável conforme as configurações psicológicas de cada policial, mas o objetivo principal é proteger o indivíduo de agressões psíquicas do cotidiano: as inerentes ao trabalho acrescidas dos problemas familiares, conjugais, financeiros, consumo de bebidas alcoólicas, demandas administrativas, enfim, tudo que conduza a um desequilíbrio psíquico imediato e coloque em risco o emprego deste servidor. Obviamente esta couraça cumpre sua função, na guerra diária vivida pelo policial, e traz em si pontos positivos e negativos. Os positivos seriam reforçar o ânimo do policial e permitir-lhe sobreviver psiquicamente a tantos dissabores trazidos pela sua atividade laboral. Os aspectos negativos surgem quando o policial confia demasiadamente em seu equilíbrio psicológico e enfrenta incidentes traumáticos sem que esteja absolutamente preparado. Muitas vezes, nestes eventos críticos, sua débil couraça se rompe e o policial sente-se fragilizado e incapaz de atuar, a curto e médio prazo. Os perigos da formação desta couraça psicológica traduzem-se no excessivo distanciamento emocional em contatos interpessoais, atingindo o policial quanto à sensibilidade nas relações humanas e enfoque de mundo (LIMA, 2005). Outro fator que assombra o homem policial é o temor da morte. O heroísmo é primeiro, e, sobretudo, um reflexo do terror da morte (LIMA, 2005). ―O medo é uma manifestação instintiva, de intensidade variável em cada um de nós e é parte de um conjunto de impulsos próprios da autopreservação, visto que nos faz fugir das situações de perigo‖ (GIKOVATE, 2002).Zilboorg (1943, apud 36 LIMA, 2005) salienta que o medo é, de fato, uma expressão do instituto da autoconservação, que funciona como um impulso constante para conservar a vida e sobrepujar os perigos que a ameaçam. Concluem, portanto, estes autores, que o medo da morte é essencial para a manutenção da vida e Lima (2005) ousa, ao sugerir que o temor da morte é que mantém o policial vivo e com sentidos aguçados, em permanente estado de vigília. Lima (2005) apresenta um modelo de perfil psicológico idealizado para o trabalhador que pretende ser policial militar. Esta lista, que inclui itens como autoridade, sensibilidade, atenção aos detalhes, resistência física, capacidade de comunicação oral, inteligência, sociabilidade, adaptabilidade entres outros, fica além do que se pode esperar de jovens que desejam seguir a carreira policial militar. Já foi dito, anteriormente, que a profissão não é valorizada como deveria, em face dos múltiplos problemas enfrentados pelos policiais militares, sendo um dos mais visíveis a remuneração, insuficiente para manter uma boa qualidade de vida. Portanto, existem algumas regras mínimas para avaliação psicológica dos candidatos a policial militar, como em todas as profissões em que o sistema organizacional precisa exercer controle sobre seus funcionários com o intuito de evitar problemas. Qualquer erro praticado por agente da lei, como aponta Lima (2005), afeta diretamente o cidadão, vítima do despreparo ou erro policial; afeta a imagem da instituição à qual pertence, maculando sua imagem e a confiabilidade pública; afeta genericamente a sociedade que deve ser protegida pelo aparelho de segurança, e afeta o próprio policial, que tem prejuízos funcionais com seu desempenho. Finalmente, Lima (2005), enumera os tipos de perfis propensos a causar danos a si e à instituição ―Polícia Militar‖, baseado em pesquisas realizadas por psicólogos para o Instituto Nacional de Justiça do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O estudo foi realizado como proposta de rastreamento e estabelecimento de perfis problemáticos, e se utilizou de entrevistas com policiais militares envolvidos com o uso indevido da força. Os tópicos objetivaram evidenciar: policiais com desordem de personalidade, grau de experiência dos policiais, policiais com problemas nos estágios, policiais que apresentavam problemas pessoais e os que desenvolviam estilos de patrulhamento impróprios. Através da análise destes parâmetros pode ser programada uma política de recursos humanos que atinjam os objetivos institucionais (LIMA, 2005). 37 Quanto ao efetivo brasileiro, os números encontram-se no site da Revista Exame, tendo como fontes o Ministério da Justiça, a Polícia Militar do Estado de Sergipe e a Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, Censo 2010. O Brasil tem mais de 400 mil PMs, responsáveis pelo policiamento ostensivo. A presença deles em cada Estado, porém, varia – dados de 2011, contabilizando um total de 404.990 policiais militares em atividade. A apresentação destes dados está relacionada à região de atuação do servidor. Há nítida maioria de policiais na região sudeste, como se pode ver na tabela 2, a despeito de menor área geográfica em relação às demais – com exceção da região sul, que é a menor região do Brasil. Região Número de Policiais Norte 37.480 Nordeste 110.301 Centro - oeste 38.275 Sudeste 172.465 Sul 46.469 TOTAL 404.990 Tabela 2: Distribuição da presença policial conforme as regiões do Brasil. Fonte: Ministério da Justiça, Polícia Militar do Estado de Sergipe e Secretaria de DefesaSocial de Minas Gerais. Sobre gêneros, Calazans (2004) relata que, no Brasil, a facilitação para o ingresso de mulheres nos quadros das policias militares deu-se na década de 80. O Estado de São Paulo foi pioneiro nesta questão e, em 1955, passou a admitir mulheres na instituição policial. Completa, observando que, até o ano de 2004, eram 26 os Estados brasileiros com policiais militares femininas em suas companhias e batalhões. No Brasil, a filosofia tradicional de policiamento é movida pelo espírito belicoso do Exército Nacional e por ideologias machistas, assim, o tratamento para a inserção de mulheres nos quadros das polícias dá-se de uma forma muito limitada e com pouca visibilidade. Atualmente, nos Estados brasileiros, encontramos os mais diversos tratamentos à incorporação de mulheres nas polícias militares, manifestos, sobretudo por meio de restrições legais e informais, o que vem dificultando a inserção e a ascensão na carreira. (CALAZANS, 2004). 38 4.3 ELEMENTOS QUE GERAM TRANSTORNOS PSÍQUICOS PSICOSSOMÁTICOS NO POLICIAL MILITAR A constatação do elevado índice de suicídios, em pesquisa realizada no início dos anos 90, pela corporação policial militar do Estado de São Paulo, despertou a cúpula administrativa das policias militares para um grave problema que exigia intervenções imediatas. O estarrecedor resultado, acusando os policiais militares de recorrerem ao suicídio de cinco a oito vezes mais que a população civil, veio confirmar as suposições dos comandantes das instituições (RIBEIRO, 1995). Segundo o autor, os oficias mais graduados observavam policiais com problemas de suicídio, depressão, alcoolismo, indefinições amorosas, ao lado de patologias físicas que provocavam incapacidades temporárias. Para Ribeiro (1995), a mais traumatizante experiência do policial militar ocorre à época de seu ingresso na corporação: a exigência – tida como pré-requisito para o desempenho adequado de suas funções – da desvinculação do homem policial de suas origens. A justificativa para esta imposição é garantir que o novo policial exerça sua autoridade sem resistências, numa atuação isenta de chantagens emocionais. Num primeiro instante, o indivíduo recebe uma nova identidade social: será conhecido pelo seu ―nome de guerra‖, que consta, em geral, do prenome abreviado e da prevalência do nome da família. ―O conhecido José da Silva, além de receber um novo atributo que é o de ser Aluno soldado, deixa de ser simplesmente o José, ou Zé, como sempre foi conhecido, desde criança, e passa a ser aluno Soldado PMSilva‖ (RIBEIRO, 1995). Este fato, completa Ribeiro (1995), associado à mudança de sua perspectiva existencial, pode provocar uma dolorosa ruptura em sua história de vida e um atroz acometimento de dúvidas quanto ao seu presente e seu futuro, pois ele nem está totalmente inserido na nova realidade como nem se liberou da anterior. Outro evento de impacto considerável na vida do policial militar em início de carreira é a ―ordem unida‖. Consiste em exercício de marcha, em grupo, sob o comando de um instrutor. O objetivo é condicionar e ensinar aos homens que todos devem se sujeitar ao comando do seu superior – o comandante – e explicitar que as ordens deverão ser cumpridas reflexamente e sem questionamentos. E, finalmente, para mostrar que as ações serão mais efetivas se forem executadas em grupo. Ribeiro (1995), conclui que por mais que a Corporação se esforce, o indivíduonão romperá com facilidade 39 os seus vínculos anteriores, o que dificultará a introjeção dos valores morais e éticoculturais pretendidos. A ambivalência de sentimentos que o policial militar apresenta, a partir do momento em que passa a pertencer à organização militar, constitui-se num importante fator de desequilíbrio psicossomático. Segundo Filho;Gall (2002) quando policiais mais capacitados são submetidos a humilhações injustificadas, a tendência é direcionarem sua revolta contra a própria família, contra os cidadãos comuns, e investirem com agressividade contra si mesmos, tornando-se alcoolistas e tentando autoextermínio. Lima (2002) aponta que o suicídio é o pior efeito da tensão no policial. Informa, como Ribeiro (1995), que a taxa de suicídios em policiais militares é muito maior que na população civil, apesar da precariedade das pesquisas brasileiras. Lima (2002) listou algumas características que promovem intenso estresse nos policiais militares em atividade: 1) São vistos como figuras de autoridade, e, ao mesmo tempo, temidas. A população civil trata os policiais como se diuturnamente estes servidores estivessem de plantão. Esperam, sempre, que os policiais militares resolvam seus inúmeros problemas, mesmo os não relacionados à atividade laboral do servidor. 2) É consenso que o policial vive num mundo à parte. A partir do momento em que um novo policial enverga um uniforme e usa um distintivo, automaticamente será separado da sociedade à qual serve; considera-se que este impulso de segregação aplicado ao policial – pela corporação e pelas comunidades – termina por provocar sentimentos destrutivos no policial, e em particular, a agressividade. 3) A organização para a qual os policiais militares trabalham exige o sacrifício do indivíduo para o bem da coletividade. A instituição é hierarquizada e, assim estruturada, não se preocupa em analisar os anseios de cada um dos integrantes da corporação, interessando-se apenas em fazer ―O grupo‖ funcionar a contento. Por melhor que seja o trabalho do indivíduo, ele será sobrepujado pelas metas supremas à que a instituição se propôs. Como o elemento policial militar não pode reagir, por questões de disciplina, acumula, em si, as pressões externas – da sociedade e da corporação – e as internas: 40 suas dúvidas, seus temores, seu desejo de reconhecimento. Estas pressões conjugadas, fatores de geração de estresse, contribuem para o aparecimento de doenças físicas e mentais. 4) Inexiste, para os policiais militares, um horário regular de trabalho. O corpo humano segue padrões biológicos de funcionamento, sendo necessária uma certa regularidade temporal na programação da alimentação e repouso. As jornadas de trabalho estabelecem um rodízio de turnos e este procedimento influencia de modo importante a saúde física e mental dos servidores. Por influência destes horários irregulares, a vida familiar e o relacionamento conjugal ficam prejudicados, aumentando os desentendimentos entre pessoas, e predispondo o policial a situações como divórcio e incapacidade de acompanhar o desenvolvimento de seus filhos. 5) A camaradagem entre membros dos grupos é um fator importante para a manutenção da ordem e coesão da equipe. O policial que interage com seus pares com espírito de colaboração sabe que o apoio psicológico que o grupo oferece será de grande valia quando da ocorrência de transtornos inerentes à profissão. Necessário frisar o intenso sentimento de vergonha quando alguém do grupo pratica atos socialmente reprováveis; nestes casos, toda a instituição fica abalada, com sentimento de fracasso coletivo pela percepção da perda de credibilidade da comunidade para com o servidor. Fator extremo de tensão sobre o policial militar é quando um colega falece em serviço, no cumprimento do dever. 6) Tensão de estouro. Para a maioria das pessoas as tensões seguem um processo escalonado, ou seja, vão aumentando gradativamente sua intensidade, permitindo que, em algum momento, esta situação possa ser interrompida, preventivamente. No caso dos policiais, esta escalada não observa estas características, e, da calma completa o policial vai, em questão de segundos, para um nível máximo de tensão. Esta particularidade é chamada de tensão de estouro. O reflexo imediato desse ―estouro‖ é visto diariamente nas reações emocionais, as mais imprevisíveis possíveis, e nas ações intempestivas de alguns policiais militares, amplamente divulgadas pelas mídias. Pode-se imaginar o quanto este descontrole psíquico afeta o policial, a corporação e a sociedade civil. 41 7) O policial e os direitos humanos – o policial sob a orientação da lei, da justiça e do cumprimento do dever. A realidade cotidiana mostra, aos policiais militares, as variações a que estes conceitos são submetidos. Nem sempre o comportamento humano em relação ao padrão estabelecido está de acordo com o prescrito pela instituição militar. O policial que detecta a inobservância da lei em todas as suas fases e que identifica em si uma incerteza sobre a efetividade da justiça desenvolve sentimentos de desesperança quanto aos seus objetivos de vida e impotência na prática de seu ofício. 8) ―O mundo real do trabalho policial é muito negativo‖, conclui Lima (2002). Por conviver intimamente com os piores segmentos da sociedade, o policial militar perde a confiança irrestrita em seus amigos, vizinhos e familiares; o cinismo passa a comandar seu “modus operandi”e o indivíduo cria uma visão de mundo extremamente crítica. 9) Lima (2005) afirma: É mister que o serviço policial contínuo, sem mudanças de setores e alternâncias de funções é o que mais provoca traumas no policial e, quando associado a um incidente crítico de encontro mortal, acaba por se tornar fatal para a saúde mental dos policiais, que, de todos os agentes da lei, são os que de uma forma ou outra são maiores vítimas psiquiátricas reais ou em potencial no serviço policial. Durante as guerras e na vida militar ocorre a chamada ―síndrome de evacuação‖. Esta eventualidade, descrita por Lima (2005) está diretamente ligada ao trauma do afastamento da linha de combate. A tendência do policial é considerar que seu desligamento da linha de combate seja uma atitude arbitrária de seu comandante, ―uma forma de castigo‖, e, ato contínuo, retrai-se em dúvidas e temores, sendo reticente sobre as causas que provocaram o seu afastamento. Os policiais da equipe intuem esta conotação negativa que a dispensa por motivos indefinidos tem, e passam a mascarar seus traumas, com receio de também serem afastados de suas atividades laborais. Infelizmente, na maior parte das vezes, as vítimas de traumas, apesar de preventivamente dispensadas, retornam às suas lides sem terem sido socorridas psicologicamente. As instituições militares preocupam-se em fazer o funcionário reitegra-se ao serviço operacional rapidamente, sem atentarem para os graves problemas que ele traz em si, e que refletirão, muito provavelmente, nas atividades do grupo ao qual pertence. 42 O autor considera, também, que a interferência da mídia nas atividades policiais e a maneira como interpretam eventos são fatores de alta tensão para o policial, principalmente pelo desgaste e pela exposição pública à qual é submetido. Opinião semelhante sobre a importância, como gerador de estresse, do treinamento aplicado aos jovens aspirantes a policiais militares, têm Albuquerque; Machado (2001), quando da profunda análise sobre Jornada de Instrução Militar (JIM) em academia no Estado da Bahia. A Jornada de Instrução Militar (JIM) é vista como um rito revelador da enorme tensão hoje existente na corporação, entre o que se quer reproduzir e o que de fato reproduz quando da implementação de um novo quadro curricular e de uma nova mentalidade, segundo Linhares de Albuquerque (1999) e Bourdieu (1992). Foi a própria Corporação que contratou especialistas para a elaboração de um novo currículo capaz de dar conta de uma nova fisionomia policial. Paradoxamente, ela sustenta e celebra ritos que são formas de enfraquecer e boicotar essa mudança (ALBUQUERQUE; MACHADO, 2001). Essa jornada de instrução militar combina técnicas de sobrevivência na selva com ensinamentos antiguerrilha. O treinamento, por ser baseado em táticas que estimulam reações reflexas de medo e ansiedade, configura-se em fator altamente estressante. O resultado é que os participantes permanecem em estado de absoluto alerta emocional. O grupo de aprendizes é dividido em dois e implanta-se uma ideia de confronto bélico contínuo entre eles. A situação provoca enorme prejuízo em todos os confrontantes, e a ideia de crueldade psíquica e física dos procedimentos das jornadas transmitem-se de ano a ano, estabelecendo um clima de terror nos aspirantes que, obrigatoriamente, terão que passar por este treinamento brutal e perigoso. 4.4PROBLEMAS DO DIA A DIA DO POLICIAL MILITAR E SUA INCIDÊNCIA Percalços diários enfrentados pelos policiais militares já foram descritos ao longo do texto. Existem outros problemas para serem resolvidos e referem-se a: equipamento precário, falta de coletes à prova de balas, de protetores auriculares, de viaturas em boas condições, de armas modernas, enfim, falta de tudo o que possa fazer frente à criminalidade e permita ao policial desempenhar suas funções e contento. Neves (2007) relata que, durante pesquisa sobre gerenciamento do risco 43 ocupacional, pode-se perceber que os equipamentos de proteção utilizados pelos militares restringiam-se basicamente a: capacete balístico, colete à prova de tiro e, eventualmente, protetor auricular. A perda auditiva repentina resulta da pressão sonora elevada do ruído de impulso que excede o nível crítico, podendo causar lesões, mecânicas ou metabólicas, nas estruturas do ouvido interno. Já a perda auditivagradual é resultado de exposição durante anos aos ruídos de impulso de arma de fogo que não são suficientemente altos para causar o trauma acústico, mas têm efeitos danosos, a longo prazo, às estruturas do ouvido interno. (STEWART;et al 2002 apudNEVES, 2007). Além disso, tem-se a pressão da opinião pública, a sobrecarga de trabalho, os turnos que não respeitam o relógio biológico, a vigília permanente pela procura dos serviços do homem policial mesmo que ele não esteja em seu horário de trabalho, o salário não compatível com suas expectativas, a faltade reconhecimento do trabalho policial, e problemas íntimos muitas vezes não revelados pelos policiais, por receio da perda do emprego, ou vergonha de expor seus sentimentos e ser rotulado como ―fraco‖ (RIBEIRO, 1995). Corroborando o conceito: ―a teoria na prática é outra‖, os policiais militares, no seu dia a dia, precisam ―dar um jeito por fora‖ – é a cultura dos ―bicos‖. Os autores discorrem sobre envolvimento dos policiais com os mais diversos interesses e interessados, inclusive a perigosa camaradagem com o pessoal do ―crime organizado‖. Pela dificuldade posterior do policial abandonar esta rede insidiosamente armada à sua volta e composta pelos mais diversos tipos sociais, considera-se este expediente, o ―bico‖, ou ―segundo emprego‖, ilegal no Brasil, como um evento estressante, prejudicial ao indivíduo, a médio e longo prazo. Apesarde policiais que usam deste expediente considerarem a prática normalíssima, para complementar o salário e viver com um mínimo de dignidade, possibilitam o surgimento de intermediários, atravessadores ou mercadores do poder de polícia que se beneficiam e exploram a vagueza do mandato policial (MUNIZ; PROENÇA JR.2007). E mais, conformam um ambiente de tolerância e permissividade, em que florescem variedades de corrupção, nas quais intimidações e violências se apresentam como moedas de troca. As condições de moradia, saúde, lazer, enfim, a questão socioeconômica influencia o ―modus operandi‖ do policial militar, sendo que esta forma de atuação 44 refletirá na própria imagem da Corporação, que não deve ser temida ou repudiada pela sociedade (PATROCÍNIO; SOUZA, 2004). Relato comum, em atendimentos clínicos em consultórios de psicólogos são as longas distâncias que os policiais militares têm que percorrer, de suas casas até seus postos de trabalho, aliados às condições nem sempre ideais de moradia, e à escassez na alimentação culminando por prejudicar a sua saúde física e psíquica – pela ausência do mínimo de nutrientes necessários para quem depende primariamente do físico para atividade laboral (PATROCÍNIO; SOUZA, 2004). Conforme Silva(2000), os governos consideram o policial como um funcionário qualquer, esquecendo-se que nenhuma função pública ou privada reúne tantos fatores estressantes como o trabalho policial. O resultado deste descaso do estado para com a classe traduz-se em desinteresse e desesperança do militar em relação à sociedade que o pressiona continuamente. 4.5RELAÇÕES INTERPESSOAIS Lima (2002) salienta o quão importante é o apoio familiar aos policiais em atividade. É sabido que os entes queridos, próximos ao indivíduo afetado por problemas emocionais decorrentes do serviço, padecem psiquicamente: membros da família podem sentir-se feridos, alienados, frustrados ou desencorajados. Se o policial perde o interesse na família ou nas atividades familiares, elas acabam se irritando e sentindo-se abandonadas e esquecidas por este membro (LIMA, 2002). O autor frisa que frequentemente as famílias se ressentem quando percebem que o policial está distante, preocupado, exigente, e, consequentemente, apresentando condutas antissociáveis. A deterioração dos laços familiares torna-se uma constante quando o policial sucumbe aos efeitos negativos dos estressores. Ribeiro (1995) lembra que, durante a fase inicial de treinamento do novo policial, frequentemente lhe é dito que a sua família agora é a PM, e frisa que o relacionamento conjugal só tem chances de sucesso se o cônjuge introjetar esta mesma cultura a que o policial estará submetido doravante. Vale acrescentar que a diminuição da libido, resultado da pressão profissional e pessoal do indivíduo, afeta as pessoas a tal ponto que grande parte dos casais acaba por se separar (LIMA, 2002). 45 Porto (2004) observa, em pesquisa sobre violência realizada no Distrito Federal, com policiais militares, civis e do exército: ―distinção presente em algumas representações é entre o policial de rua e o que atua no interior das corporações. Por essa distinção, o policial de rua é visto como alguém que é violento à semelhança da sociedade da qual se origina, mas também para responder às expectativas e anseios dessa mesma sociedade‖. Em um dos depoimentos, o entrevistado contemporiza: [...] e procura reforçar a ideia de que a associação entre função policial e a violência é algo profundamente arraigado na cultura militar, esse sentido valorativo vem, por assim dizer, da própria sociedade. Nesse caso, o dirigente deixa de levar em consideração que o policial de rua está submetido a um risco e a uma pressão que em nada se compara à função desempenhada pelo policial que atua no interior das burocracias e dos quartéis. A violência como representação não apenas orienta como também justifica condutas (PORTO, 2004). A seguir, a autora expõe a opinião de um policial militar: ―então, a expectativa da própria sociedade é do policial violento. [...]. Quantas e quantas vezes a gente vê a mãeque o filho não quer comer: olha, se não comer, eu chamo o guarda. Então, o mecanismo repressivo é uma coisa que está também num inconsciente coletivo‖. Spode; Merlo (2006) apresentam o sentimento de ambivalência da população quando de sua interpretação do trabalho policial. Comentam os autores, que a atuação dos policiais ocupa um ―território de controvérsias‖. A mídia se encarrega de disseminar a conotação de ―heróis‖ destes indivíduos quando são veiculadas as ações policiais no combate ao crime. Da mesma forma, faz questão de retratá-los como vilões, quando corrompem, ou são corrompidos, e quando prejudicam inocentes. Esta particularidade do trabalho policial é interessante: ―a do policial trabalhador, cuja função é conter a violência, mas que, ao mesmo tempo, corre o risco de reproduzi-la e/ou de ser vítima dela‖. (SPODE; MERLO, 2006) Pensando o ofício policial a partir dessa perspectiva, não édifícil deduzir que se trata de uma categoria profissional bastante vulnerável à produção de sofrimento psíquico, uma vez que o exercício do trabalho é marcado por um cotidiano em que a tensão e os perigos estão sempre presentes. Em se tratando especificamente dos trabalhadores da Polícia Militar, às exigências do contexto de risco permanente vivido nas ruas, somam-se àquelas relacionadas à forma como o trabalho está organizado, marcado por um alto rigor prescritivo e alicerçado e vigilância também permanentes. (em um sistema de disciplina SPODE; MERLO, 2006). 46 Quando o resultado das relações interpessoais no trabalho é deficiente, os policiais se defrontam com outra ameaça à sanidade psíquica: a humilhação de se explicar para seus pares e, caso condenado por eles e pela opinião pública, sofrer draconianas punições. Lemgruber;Musumeci; Cano (2003) apontam para o fato de policiais de todas as patentes serem unânimes em afirmar que, quanto ao regulamento disciplinar da PM, ocorrem falhas e injustiças, derivadas sobretudo, do absurdo rigor com que ele pune pequenos desvios internos e da inconstitucionalidade dos procedimentos adotados. A Corregedoria da polícia militar enfrenta vários obstáculos em seu trabalho, a começar pela dificuldade de formação de equipes. Lemgruber, Musumeci; Cano (2003) referem que o órgão tem má fama, principalmente junto aos escalões inferiores das polícias. O setor é considerado um lugar de ―dedos duros‖, em que os policiais, por absoluta incompetência para fazer o ―verdadeiro‖ trabalho de polícia, dedicam-se a tarefas burocráticas, passando a ser conhecidos como ―carrascos‖ de seus pares. A composição das equipes, por esta razão, costuma depender de convites, dos próprios corregedores, a pessoas de seu conhecimento e confiança. Corregedores definem a tarefa como uma atividade ―antipática‖. Obviamente ninguém gosta de se indispor com seus colegas, mas, enfim, a sociedade exige uma resposta precisa aos seus apelos. Quanto a isso, há que se ter muito cuidado no recebimento das queixas pela Ouvidoria da polícia militar. Relatam os corregedores, que existem situações em que as denúncias não podem ser aceitas, para que se possa agir com extrema justiça. As denúncias anônimas são um problema para a Corregedoria, pois algumas vezes as pessoas são induzidas, ou incitadas a ligar e concretizar uma denúncia apenas por sentimentos de vingança ou rivalidade, atingindo, injustamente a reputação de policiais (LEMGRUBER; MUSUMECI; CANO, 2003). Estes autores salientam as opiniões de policiais militares que não trabalham em Corregedorias. Segundo estes servidores, a avaliação da atuação destes órgãos é direcionada para dois pontos: ―parcialidade ou imparcialidade‖, e ―a dependência ou independência dos instrumentos de correição‖. Para estes militares, apesar dos aspectos positivos que o órgão possa ter, há uma conduta nebulosa quando se trata de punir grupos distintos; o órgão também promove injustiças, por tratar, com presunção de culpa, todos os policiais, o que fere princípios elementares do Direito. De um corregedor da polícia militar: 47 Um policial bandido é pior que o próprio bandido. Policial bandido é pior do que qualquer outra pessoa que esteja no mundo do crime. Ele é uma pessoa treinada, trabalha dentro de uma instituição que tem como missão principal combater o crime, e ele, sendo um criminoso e estando dentro da instituição com a missão de combater o crime, ele provoca um mal muito maior do que qualquer criminoso. (LEMGRUBER;MUSUMECI;CANO, 2003) O procedimento das Corregedorias suscita reclamações. Salientam os policiais militares, que,como alvo da denúncia, é chamado a depor, não sabe do que está sendo acusado, e,não pode preparar previamente sua defesa. Segundo um soldado da PM, ―... Como é que pode? Você vai pra um lugar, quando então toma conhecimento da denúncia. Você fica pensando: O que eu fiz? Você não sabe nem o que você fez, chega perante o oficial que irá ouvir-lhe, ‗ah, não sei o que é não‘(LEMGRUBER;MUSUMECI;CANO, 2003). Informação relevante, disponível para o estado de São Paulo, é a notória diferença, influenciada pelos cargos e patentes, da punição aplicada pela polícia militar. Os policiais de graus hierárquicos inferiores sinalizam que a medida disciplinar é, preferencialmente, direcionada para as bases, preservando as cúpulas das corporações, garantindo impunidade para delegados e oficiais. (LEMGRUBER; MUSUMECI, CANO, 2003). 4.6ESTRESSE, DISTÚRBIOS MENTAIS E ALCOOLISMO NA POLÍCIA MILITAR Policiais, em todo o mundo, constituem uma das categorias de trabalhadores com maior risco de vida e de estresse. No caso específico dos policiais militares, o nível de estresse tem sido apontado como superior ao de outras categorias profissionais, não só pela natureza das atividades que realizam, mas também pela sobrecarga de trabalho e pelas relações internas à corporação cuja organização se fundamenta em hierarquia rígida e disciplina militar. Tais características estruturantes tornam a instituição resistente a mudanças e repercutem na saúde física e mental dos servidores. Destacam-se, ainda, como fontes geradoras de estresse, as relações, por vezes, tensas e conflituosas dos policiais com o Sistema de Justiça e com o público a quem atendem. Segundo Ribeiro (1995), o policial militar apresenta altíssima probabilidade de morrer em serviço, pelo muito que se encontra exposto a toda sorte de riscos. 48 Frequenta o submundo da sociedade, tem contato com criminosos, o que implica em ameaças físicas constantes, acrescido da facilidade em se conseguir bebidas, sexo e drogas. Schwartz (1977 apud RIBEIRO, 1995) relata que é tradição de alguns departamentos policiais o fornecimento e o incentivo ao uso do álcool como fator encorajador quando da saída dos policiais para uma diligência. Ora, é sabido que um dos efeitos das bebidas alcoólicas é a diminuição dos reflexos. Portanto, alguns autores delineiam um impasse: o policial que utiliza álcool como estímulo para o trabalho terá dificuldade para dirigir com segurança, empunhar uma arma de maneira adequada, além do que seu organismo físico sofrerá as consequências do uso contínuo desta substância (RIBEIRO, 1995). Dejours (2007) pontua que a organização do trabalho talvez inscreva seus efeitos mais nas possibilidades de tratamento de uma doença mental do que em seu determinismo. E acrescenta: ―mesmo que a realidade tratada nas descompensações psicóticas e neuróticas não tenha nenhum poder patogênico, a não ser pelo conteúdo que veicula, admitamos que a realidade, mesmo sem nenhuma ocorrência específica, pode favorecer o surgimento de uma descompensação‖. Explica que a descompensação psicótica, ou neurótica, depende da estrutura das personalidades. Dejours (2007) observa que a livre organização do trabalho torna-se uma peça essencial do equilíbrio psicossomático e da satisfação. Refere ainda que a organização do trabalho é a causa de uma fragilização somática, na medida em que ela pode bloquear os esforços do trabalhador para adequar o mundo operatório às necessidades de sua estrutura mental. Desta forma, se existe uma incompetência organizacional que provoque, além dos problemas mentais, doenças somáticas nos trabalhadores, mesmo em ambientes isentos de nocividade, é por que os sistemas orgânico e psíquico encontram-se perfeitamente integrados e sua desestruturação refletirá sobre a saúde física e mental dos indivíduos (DEJOURS, 2007). É consenso que a ansiedade decorrente do exercício profissional provoca alterações psíquicas no indivíduo, com consequente desintegração do núcleo familiar (RIBEIRO, 1995; SILVA, 2000; LIMA, 2002; LIMA, 2005; MYNAIO, 2007). Estes autores analisaram amplamente os efeitos que o excesso de estresse produz nos seres humanos. Na tentativa de entorpecer seus sentidos e sentimentos, o sofredor psíquico frequentemente recorre às bebidas alcoólicas, mais acessíveis que as drogas ilícitas, e, a partir de tal decisão, torna-se consumidor convicto. 49 Quanto à eficácia de sua escolha, obtém êxito nas primeiras investidas, porquanto o álcool é substância capaz de relaxar física e psicologicamente o indivíduo. Com o uso contínuo, problemas serão delineados, e, as descompensações – aa que se refere Dejours (2007) – proliferam neste terreno fértil. Kay;Tasman (2002) estimam que exista um risco de alcoolismo sete vezes maior em parentes de primeiro grau de pessoas dependentes do álcool. Destacam, também, que o risco de dependência do álcool pode ser determinado por fatores ambientais, que interagem com a genética, através de complexos mecanismos. No Brasil, até o presente momento, inexistem pesquisas que definam com exatidão o número de policiais militares alcoolistas e qual a correlação com doenças psíquicas. ―Os problemas – estresse e álcool – estão intimamente ligados e atingem um elevado percentual de militares – de soldados a coronéis. A estimativa é que a média de policiais atingidos com os dois problemas está em torno de 40% dos membros da Corporação, de acordo com o Comando Geral da Polícia Militar do estado da Paraíba‖ (SOARES, 2003). O presidente da Junta Médica Especial da Polícia Militar Tenente Coronel Roderico Toscano, afirmou que o número de policiais militares alcoólatras é significativo, mas a Polícia Militar nunca fez qualquer trabalho no sentido de levantar esses dados reais‖, completa Soares (2003). Distribuição de gráficos das amostras pesquisadas em questionários quanto à satisfação profissional dos policiais militares do Estado de Rondônia. Foram realizados 500 questionários no período de julho e agosto de 2013 (Gráfico 1). QUAL O MOTIVO QUE O LEVOU A SEGUIR A CARREIRA MILITAR Salário Estabilidade financeira Vocação Influência da família SEM RESPOSTA 29%7% 6% 48% 10% Gráfico 1 Fontes: do autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck 50 Esse gráfico mostra que 48% dos policiais militares ingressaram na Polícia Militar para terem estabilidade financeira. Porém a insatisfação salarial pode causar vários problemas na atividade fim, que é prestação de um serviço de qualidade a comunidade, pois um ser humano insatisfeito com o salário, provavelmente terá dificuldades em seu relacionamento familiar, social e profissional (Gráfico 2). ACHA SEU TRABALHO PREJUDICIAL A SAÚDE? SIM NÃO 9% 35% SEM RESPOSTA 0% 56% Gráfico 02 Fontes: do autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 56% dos policiais militares acham o seu trabalho prejudicial à saúde devido ao estresse vivido no dia a dia (Gráfico 3). ACHA SEU TRABALHO ESTRESSANTE? SIM NÃO SEM RESPOSTA 10% 15% 75% Gráfico 03 Fontes: do autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. 51 Esse gráfico mostra que 75% dos policiais militares acham o seu trabalho estressante, pois o tempo é determinante do sucesso das ações e da capacidade de prever, impedir e resolver situações de crise. O policial tem responsabilidade excessiva, uma vez que, precisa garantir a ordem pública através de atos de prevenção e repressão (Gráfico 4). FATORES QUE INFLUENCIAM DE FORMA NEGATIVA... ANSIEDADE /SOMATIZAÇÃO IRRITABILIDADE/DEPRESSÃO EXALTAÇÃO DO HUMOR DESVALORIZAÇÃO PROFISSIONAL 8% 57% 10% 10% 12% 3% Gráfico 04 Fontes: do autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 57% dos policiais militares acham que a desvalorização profissional devido a baixos salários e condições muitas vezes precárias de trabalho influenciam negativativamente a profissão (Gráfico 5). COMO É O SEU RELACIONAMENTO COM OS SUPERIORES HIERÁQUICOS? Ótimo Bom 12% Regular Péssimo 8% 3% Sem resposta 32% 45% Gráfico 05 Fontes: do autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck 52 Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 45% dos policiais militares têm um bom relacionamento com seus superiores hierárquicos onde os mesmos são tratados com respeitos e são ouvidos quando precisam falar (Gráfico 6). COMO É O SEU RELACIONAMENTO COM SEUS COLEGAS DE TRABALHO Ótimo Bom Regular 2% 0% Péssimo 9% Sem resposta 44% 45% Gráfico 06 Fontes: do autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 45% dos policiais militares têm um bom relacionamento com seus colegas de trabalho, pois os mesmos muitas vezes precisam um dos outros para troca de serviço e/ou turno (Gráfico 7). QUANTO TEMPO TEM DE SERVIÇO? 0a3 3a6 6a9 9 a 12 12 a 15 Acima de 15 Sem resposta 9% 5% 11% 15% 43% 11% 6% Gráfico 07 Fontes: do Autor, aplicado pelos Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. 53 Esse gráfico mostra que 43% dos policiais militares já têm acima de 15 anos de serviço, e de 03 a 06 anos 11%. A grande maioria se encontra mais perto da aposentadoria (Gráfico 8). QUAL A FUNÇÃO QUE EXERCE? Motorista Patrulheiro Praça Comandante NRA 4% 0% Sem resposta 8% 9% 25% 34% 20% Gráfico 08 Fontes: do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 34% dos policiais militares são praças, trabalham com a função de proteger a comunidade (Gráfico 9). QUAL O SEU ESTADO CIVIL? Casado Solteiro União estável Sem resposta Viúvo 20% 44% 15% 0% 21% Gráfico 09 Fontes: do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 44% dos policiais militaressão casados. Esses dados mostram a importância da psicologia como um benefício junto a esse público, que 54 em sua maioria possui um relacionamento conjugal estável. O policial militar deve saber se portar como autoridade de forma a não causar problemas na família e nem no trabalho. Assim os 21% que são solteiros com o trabalho da psicologia conhecerão os valores de família e a importância de sua família. Analisarão melhor uma ocorrência policial ao se deparar com ela, especialmente quando for um fato que envolva família, além de evitar que se envolvam em relacionamentos alheios, que posteriormente poderão trazer consequências desagradáveis para sua vida pessoal e profissional (Gráfico 10). COMO É O SEU RELACIONAMENTO FAMILIAR ATUALMENTE? Ótimo Bom Regular 5% 1% Péssimo Sem resposta 10% 57% 27% Gráfico 10 Fontes:do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 57% dos policiais militares têm um ótimo relacionamento com seus familiares, 27 % bom relacionamento e apenas 5% tem relacionamento regular 1% péssimo. É importante que haja um ótimo relacionamento familiar, pois a família é o alicerce de qualquer ser humano (Gráfico 11). 55 QUAL A SUA FAIXA ETÁRIA? 18 a 20 41 a 50 21 a 30 31 a 40 51 a 60 Sem resposta 11% 0% 22% 4% 26% 37% Gráfico 11 Fontes: do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 37% dos policiais militarestêm idade entre 41 a 50 anos, 26% entre 31 a 40 anos, 22 % entre 21 a 30 anos e uma minoria de 4% entre 18 a 20 anos (Gráfico 12). TEM DIFICULDADE PARA DORMIR? Sim Não Sem resposta 11% 33% 56% Gráfico 12 Fontes: do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 56% dos policiais militares não têm dificuldades para dormir e 33% sente essa dificuldade (Gráfico 13). 56 PREOCUPA-SE COM DOENÇA? Sim Não Sem resposta 11% 25% 64% Gráfico 13 Fontes: do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 64% dos policiais militares têm preocupação com doenças adquiridas ou não no trabalho que desempenha. Os 25% dos policiais militares não têm essa preocupação e nem pensa nisso (Gráfico 14). TEM PERÍODOS TRISTES? COM DESÂNIMO? Sim Não Sem resposta 12% 28% 60% Gráfico 14 Fontes: do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. 57 Esse gráfico mostra que 60% dos policiais militares enfrentam problemas como tristeza e desânimo, muitas vezes interferindo no desempenho de suas funções. Os 28% dos policiais militares não sofrem com esse problema(Gráfico 15). FICA AGRESSIVO, EXPLODE COM FACILIDADE? Sim Não Sem resposta 11% 31% 58% Gráfico 15 Fontes:do Autor, aplicado pelosMaj PM CPL Marrieli e Hilda Borck Dos 500 questionários distribuídos, 500 foram respondidos. Esse gráfico mostra que 60% dos policiais militares ficam agressivos eexplodem com facilidade não somente exercendo suas funções, mas também no dia a dia como um civil. Os 58% dos policiais militares não têm problemas com agressividade. Dos relatos apresentados pelos vários autores, já referendados neste trabalho monográfico, depreende-se que a reivindicação salarial está sempre em lugar de destaque, haja vista a necessidade de realização de ―bicos‖ para completar o orçamento mensal, como apontam Muniz; Proença Jr (2007). O tempo de cada jornada laboral é outro ponto importante a se considerar: os autores consultados relacionaram o estresse ocupacional à excessiva carga de trabalho, dentre outras razões. Pela constante humilhação imposta ao indivíduo, quando de sua formação policial, pelas chefias, pode-se inferir que novos policiais anseiam, também, por relacionamentos profissionais respeitosos. Freud (1921apud PATROCÍNIO; SOUZA, 2004) conclui que um grupo militar é mantido coeso através da ilusão de haver um chefe que dedica a todos um sentimento afetivo igual. 58 A grande dificuldade que se encontra para que se possa combater o estresse, segundo Fontana (1991, apud RIBEIRO, 1995), é: [...] que as pessoas afetadas pelo estresse não admitem estarem precisando de um apoio de um profissional de saúde. Acreditam que é um sinal de fraqueza, acham que devem aguentar a qualquer custo, quaisquer que sejam as consequências, tanto para o trabalho que insiste em continuar fazendo, como para a sua própria saúde física, mental ou psicológica e ainda para conturbar o seu relacionamento familiar ou com amigos e colegas de serviço. Ribeiro (1995), também policial militar, estudou exaustivamente as causas de suicídios entre seus pares, e, transcrevendo fidedignamente suas palavras: O que não está plenamente firmado na consciência individual, é que o estresse vai se acumulando dia a dia. [...]a atividade policial militar exige cada vez mais responsabilidades, com um horário muitas vezes apertado, com uma carga de trabalho que aumenta continuamente, somando-se ainda a dificuldade de encontrar algum colega com quem possa discutir seus problemas. A situação se agrava, pois eles abusam, não respeitando os sinais do corpo que pede para diminuir o seu ritmo, e vão trabalhar, mesmo que não estejam se sentindo bem, ou devido à necessidade de ‗provarem‘ para si mesmos que são capazes. Já para os oficiais, existe ainda o medo de que decisões desfavoráveis a ele e ao serviço sejam tomadas à sua revelia, e ainda de ser encarado como um ‗mão cansada‘. Provavelmente seja esta razão pela qual os policiais militares relutam em dar suas opiniões abertamente. O receio de serem considerados menos aptos para o serviço militar, com suas inevitáveis consequências no ambiente de serviço, fazem com que ocultem dos colegas de equipe, de seus superiores, de sua família, e também dos pesquisadores, detalhes de seus desejos e temores, preservando, deste modo, o perfil idealizado para si e por si, sobre o homem policial, guerreiro por natureza. 4.7AÇÕES PREVENTIVAS DE TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS NOS POLICIAIS MILITARES O Guia CEC (Guia da Comissão Europeia) apresenta uma lista de soluções preventivas do estresse ocupacional. A argumentação se refere à grande 59 possibilidade de sucesso se forem realizadas mudanças organizacionais (ROSSI; PERREWÉ; SAUTER, 2005). Basicamente, o guia sugere às organizações: 1) Dispor de tempo de trabalho adequado para desempenho satisfatório; 2) Descrever claramente o que se espera do trabalhador; 3) Recompensar o bom desempenho laboral; 4) Permitir que o trabalhador faça queixas, que serão tratadas com respeito; 5) Equilibrar a autoridade e responsabilidade de cada trabalhador; 6) Incentivar a tolerância, a segurança e a justiça no ambiente de trabalho; 7) Descartar exposições físicas desnecessárias; 8) Identificar fracassos e sucessos, e suas relações com saúde do trabalhador. De acordo com Putnam (2000) e Marmot (2004) e focalizado pó Rossi; Perrewé; Sauter(2005), atenção especial deverá ser dada ao ambiente de trabalho: ―proporcionar oportunidades de interação social, incluindo apoio emocional e social e ajuda entre os colegas de trabalho‖. Lima (2000), sobre as reações psicossomáticas apresentadas pelos indivíduos atingidos pelo estresse, pondera que ansiedade crônica e entorpecimento emocional também são considerados modos de aprender, identificar e administrar estados internos, concluindo que, a partir das manifestações fisiológicas pode-se conhecer o estado psíquico das pessoas. Recomenda, em primeiro lugar, sessões de treinamento em estresse, envolvendo todos os integrantes da unidade policial militar. Esta espécie de participação, monitorada por pessoas realmente capacitadas, estimularia os policiais a comentarem exaustivamente sobre a atividade profissional, identificando, assim, os pontos que provocam problemas psicológicos. A prática destes encontros, supervisionados por equipes multidisciplinares, proporcionaria, aos policiais, o entendimento dos mecanismos do estresse, o que culminaria numa maior tranquilidade durante suas atividades operacionais. ―processo educacional é uma troca mútua‖, completa Lima (2002), e pode existir desejo do policial em compartilhar, com seus conselheiros e sua equipe de ajuda, suas emoções mais íntimas. Como segunda técnica para prevenção do estresse no policial militar, Lima (2002) destaca a atividade física, acompanhada, obviamente, por um treinador habilitado. Se a iniciativa do exercício físico for deixada a cargo do policial, pobres serão os resultados obtidos. A interação com o preparador físico e com os demais 60 membros de sua equipe militar facilitam a assimilação da rotina de treinamentos, tornando-a uma atividade agradável, prazerosa. A nutrição tem participação efetiva no humor do indivíduo. A tendência, nos casos específicos de policiais que trabalham nas ruas, é o consumo exagerado de cafeína, na degustação contínua do ―cafezinho‖, durante todo o turno de trabalho. Os refrigerantes, chocolates e as mais variadas ervas para chás, têm elevada quantidade de cafeína, estimulante do sistema nervoso central, e secularmente utilizada. A deficiente alimentação, nos plantões e em casa, contribuem para debilitar o organismo físico, ao lado do consequente sentimento de angústia que a ausência de determinados nutrientes provoca no indivíduo (LIMA,2002). A espiritualidade representa importante fator na contenção de sentimentos aflitivos no indivíduo submetido a estresse. ―Para os adeptos das religiões principais, esta dimensão espiritual pode ser conceitualmente como sentir o amor de Deus‘, sentencia Lima (2002), mas atenta para o fato de muitas pessoas entenderem a espiritualidade como sentimento sublime de harmonia e comunhão com a humanidade ou natureza. Merwin; Smith-Kurtz(1988 apud LIMA, 2002) consideram a espiritualidade um estado de estar completamente vivo e aberto ao momento. Lima (2002) aponta para o fato de a espiritualidade influenciar positivamente a vida psicossocial de indivíduos com a atividade ocupacional permeada por problemas, como é o caso dos policiais. Concomitantemente a estas ações preventivas de alterações psicossomáticas, acrescenta-se o papel fundamental que o apoio e a integração social exercem na vida do indivíduo, mesmo que este não verbalize esta intenção. Encerrando suas considerações, Lima (2002) formula propostas para reuniões psicoterápicas com os policiais e suas famílias, sempre que possível, pois estas ajudarão seus entes queridos a encontrarem soluções para transtornos inevitáveis, isto é, um caminho menos traumático em sua trajetória profissional. Ribeiro (1995) corrobora as instruções de Lima (2002), e adiciona recomendações: o exame admissional, na polícia militar, deveria ser usado como parâmetro rastreador de problemas psíquicos. Ribeiro (1995) relata que testes psicológicos são aplicados, a intervalos regulares, nas unidades policiais. O resultado destes testes deveria ser utilizado para identificar comportamentos limítrofes, próximos a um limiar de fragilização. O que ocorre, na prática, segundo o 61 autor, é que os médicos da PM são extremamente sujeitos a pressões para não abordarem adequadamente a questão do homem estressado, além do que, existe a preocupação com a doença e um corporativismo muito forte. Desta forma, o autor insiste que a avaliação do policial em início de carreira e a dos policiais com comprometimento comportamental não devam ser apenas do profissional médico e, sim, de equipe multidisciplinar. Finalmente, é provável que a preservação da espécie humana não dependa apenas de evitar transtornos: a questão salarial é decisiva para a saúde psicossocial das corporações policiais. Conforme Patrocínio; Souza (2004) ocorre adoecimento dos policiais quando se sobrecarregam em trabalhos, os ―bicos‖, onde procuram complementar a renda familiar. Ainda no que concerne à nutrição, a Polícia Militar da Bahia criou um spa para tratar policiais acima do peso. Somente os casos mais críticos, onde há a procura individual do policial ou indicação de superiores, têm acesso. O CORREIO DA BAHIA mostrou ontem 15/07/2013 que a tropa da PM baiana não só está acima do peso como beira a obesidade. O Índice de Massa Corporal (IMC) atinge, em média, 29,5 Kg/m², bem próximo dos 29,9 Kg/m², limite dos obesos de nível 1. Mas, poderia ser pior. Há pouco mais de um ano, diante do porte físico avantajado de boa parte da corporação, o Departamento de Saúde (DS) criou uma espécie de spa para cuidar dos policiais mais gordinhos. A chamada Clínica de Profilaxia e Saúde, com centro de educação física, funciona na Academia da Polícia Militar, nos Dendezeiros. Somente os casos mais críticos, onde há a procura individual do policial ou indicação de superiores, têm acesso. Como qualquer spa, o centro tem como premissas a reeducação alimentar com dietas rigorosas e, claro, muita atividade física. 62 Desde o início do funcionamento da clínica, 150 policiais já passaram pelo tratamento, ficando afastados de suas atividades de rua em períodos de seis meses. ―Temos capacidade para turmas de 50 PMs. É o início de um trabalho para mudar a realidade física da tropa‖, afirmou o coronel Nelson Ribeiro, coordenador do DS. O número de reabilitados é pequeno, reclamam os policiais. ―O período de acompanhamento também é curto. Eu mesmo fiz cirurgia de redução do estômago e deveria dar continuidade ao tratamento, mas não posso porque existe um período máximo‖, disse um soldado, que recentemente passou pelo spa. ―É muito pouco. A demanda é bem maior‖, critica o presidente da Associação de policiais e Bombeiros da Bahia (Aspra), Marco Prisco. De qualquer forma, o projeto da PM da Bahia é anterior a um programa semelhante lançado em abril deste ano pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), a tropa de elite do Rio. É que 13 caveiras acima do peso tiveram que ficar confinados ao longo de semanas e enfrentaram uma maratona de exercícios, além de dieta rigorosa. Tudo para conseguir carregar 30 quilos a mais, entre coletes à prova de bala, munições e fuzil. A programação é um pouco mais pesada que o da PM baiana. Incluiu caminhadas de quase duas horas na mata fechada. O cardápio de 1,2 mil calorias por dia era metade da necessidade diária para um adulto homem. 63 No interior, corporação conta com quatro unidades de atendimento. Além da clínica de profilaxia, a PM acompanha a saúde dos policiais de Salvador através do ambulatório médico do DS e de cinco unidades descentralizadas e juntas médicas. No interior, há unidades de atendimento médico apenas em Alagoinhas, Feira de Santana, Itabuna e Teixeira de Freitas. O antigo Hospital da Polícia Militar está fechado há dois anos. Até a Copa do Mundo 2014, segundo o coordenador do DS, Nelson Ribeiro, o objetivo é inaugurar sete unidades básicas de saúde, além de um centro de reabilitação para PMs. Também existe um projeto para que todos mais de 30 mil policiais da tropa passem a fazer exames periódicos. Atualmente, a única exceção dentro da PM é a Tropa de Choque — que passa por exames de sangue a cada seis meses e tem acesso à academia de ginástica e outras atividades físicas. Em nota, a PM informou que policiais submetidos a cursos de atualização e especialização também são submetidos à avaliação clínica e exercícios. (Jornal Correio da Bahia, 2013). 4.8CONSIDERAÇÕES GERAIS Diante do exposto apresentado, pode-se inferir que a vida do policial militar não tem sido exatamente o que o indivíduo esperava, em termos de atividade profissional. É uma atividade que por si só, gera situações de tensão, apreensão, perigo e medo. O policial militar sofre um desgaste físico e mental, decorrente da demanda cada vez maior do serviço, em detrimento do número usificiente do recurso humano, o que causa uma péssima qualidade de vida no trabalho dos profissionais que ali atuam, estressando-os e acarretando problemas, em função, inclusive do trabalho árduo do seu dia a dia. O policial militar deve, pela lógica da corporação militar, comportar-se de maneira cortez, dar sua vida pelo bem-estar da população, concordar placidamente com os turnos de serviço, fazer as diligências com rapidez e eficiência, controlar seus impulsos agressivos em todos os momentos e, sendo, muito das vezes impiedoso para consigo mesmo, tendo oficialmente a polícia militar como sua verdadeira família, em detrimento dos laços afetivos com pais, cônjuges e filhos. Convém lembrar que o Brasil dispõe de poucas pesquisas e estatísticas sobre descontentamento e desagregação social dos policiais militares. A cultura 64 estressante das academias de polícia foi exaustivamente descrita por alguns dos autores pesquisados, mas deduz-se que a sociedade policial militar não aceita que o realinhamento psíquico pretendido seja a maior fonte de estresse do policial atual. Enquanto não for valorizado o fator humano e suas relações com a atividade laboral, independentemente do segmento da sociedade que tenha gerado o homem policial, as comunidades continuarão a ver seus homens de confiança sofrendo e fazendo sofrer. Historicamente o ethos guerreiro valida esta opção profissional, não importando as justificativas sociais a ela atribuídas; inclusive sobrepuja o status intrínseco ao fardamento e finge-se cego ao irrisório salário recebido às custas de tanto sacrifício. A correlação da cultura policial militar com os transtornos psicossomáticos advindos desta atividade ocupacional enquadram-se perfeitamente no modelo epidemiológico ―campo de saúde‖ (DENVER, 1988). Poderia ser incluído, neste contexto, os ―eventos-sentinela de Rutstein‖, que ligam um acontecimento desfavorável a uma possibilidade de prevenção (DENVER,1988); no caso dos policiais, o sinal de alerta é emitido observando-se as características das corporações como um todo, e analisando cada integrante das unidades como um indivíduo que precisa ter mantida, em boas condições, a sua saúde psíquica e social. Importante salientar que, no Brasil, não há registros de setores da polícia militar dedicados à prevenção de psicopatologias. Quando muito, após algum evento traumático de grande repercussão na mídia, o policial militar psicologicamente fragilizado é encaminhado a psicólogos e psiquiatras que trabalham para planos de saúde, ou para ambulatórios especializados que são referência para as regiões do estado, ou, ainda, para postos de saúde, que praticam o SUS – sistema único de saúde. Pela incapacidade financeira do servidor dos baixos escalões em pagar serviços médicos e avaliações com psicólogos, o tratamento consiste em resolver rapidamente a queixa do paciente policial e devolvê-lo, urgentemente, ao trabalho nas ruas. Pela ênfase dada por Dejours (2007) sobre uma tendência prévia – ao trabalho estressante – do indivíduo para a doença mental, a adição de uma atividade ocupacional problemática anteciparia o descontrole e a descompensação psicossocial deste trabalhador. Provavelmente estes fatores coexistentes é que 65 provocam as doenças psicossomáticas. De vital importância seria a avaliação psicológica dos candidatos a polícia militar, e, após o ingresso, acompanhamento constante. Pode-se afirmar que os pensamentos e conclusões dos autores consultados estão direcionados para ações preventivas, inclusive por razões econômicas (custobenefício), de disfunções psicossomáticas. O policial militar, cuja face visível não deixa transparecer a turbulência psíquica que o acomete, merece uma reavaliação das normas e conduatas do setor de recursos humanos da corporação, pelo muito que faz num mundo onde a violência desmesuradamente avança. Os autores reforçam a ideia de ambivalência, tanto nos anseios das comunidades como no comportamento conflitante que o policial militar ostenta em sua prática diária. O poder da polícia e de polícia não tem sido exercido de acordo com a legislação do país, mesmo porque cada estado tem suas regras próprias e as corporações a elas são submissas. Fica clara a importância do bem-estar e a saúde do indivíduo no trabalho, pois é no trabalho que se passa a maior parte do tempo. A qualidade de vida está diretamente relacionada com as necessidades e expectativas humanas e com a respectiva satisfação desta. Corresponde ao bem-estar do indivíduo, no ambiente de trabalho, expresso através de relações saudáveis e harmônicas. A Saúde do Trabalhador se define, não enquanto uma disciplina homogênea, mas por metas e bases de ação, dentre os quais a luta pela saúde, produzida nas transformações dos processos, na eliminação dos riscos e na superação das condições precárias de trabalho. Outra base está na valorização das demandas e dos conhecimentos advindos da experiência, fazendo com que a participação dos trabalhadores seja considerada fecunda e indispensável. 66 5 CONCLUSÃO O policial militar brasileiro desde o momento em que resolve, por inúmeras razões, ser um indivíduo policial, traz em seu íntimo uma predisposição para a superação. A ambiguidade de emoções, a que está submetido, constantemente mescla-se aos conflitos da comunidade que o gerou, e à qual desejar servir. Porém, vê-se, de repente, na margem oposta. Paradoxais e ambivalentes são também os sentimentos desta sociedade, exigindo o máximo deste homem-guerreiro, que ali está para proteger ou censurar pessoas, na dependência dos atos de cada um. A cultura militar introjeta seus valores no novo policial; após constatar que o indivíduo assimilou características que permitam a sua atuação como agente da lei, a instituição policial conduz este homem a um sem número de situações inusitadas, das quais terá que se desvencilhar de acordo com o seu equilíbrio psíquico. A prioridade é a sobrevivência do policial e da comunidade à qual presta serviços. Os momentos de desesperança sobre o seu futuro, a incerteza quanto a seus laços afetivos, o lazer escasso, o excesso de trabalho minando suas forças físicas e psicológicas, o permanente contato com transgressores, a ausência de ética nas relações humanas, a exacerbação da auto-crítica, sem dúvida alguma elegem o trabalhador policial como um exemplo de persistência. Quanto mais anódino o indivíduo policial, mais integrado à sua equipe estará, maior será sua identificação com os ideais militares e mais resultados satisfatórios obterá em suas jornadas operacionais. Métodos preventivos de alterações psicossociais existem e são eficazes. É necessário que os comandos da polícia militar apliquem os novos conhecimentos, embasados cientificamente, e permitam que os policiais possam ser melhor acolhidos por seus chefes, aprendendo a absorver os impactos da profissão com maior tranquilidade e segurança que seus antecessores. O risco inerente a esta atividade ocupacional não deixará de existir, mas a deterioração física e psíquica poderá ser retardada e, talvez, eliminada. O policial militar brasileiro atual realmente transcende: pela sociedade que o admira sem compreendê-lo. O que não se pode esquecer é que os policiais são seres humanos, que possuem vínculo familiar e que possuem vínculo social. Enxergá-los como máquinas de segurança pública ou robôs é chamar o caos para a sociedade, pois um homem descompensado psicologicamente, treinado e armado é uma máquina de guerra e 67 não um defensor da sociedade. Investir em tecnologias, treinamentos, compra de veículos e material bélico é necessário, mas, se o homem que foi investido de autoridade pelo Estado não está psicologicamente habilitado para manuseá-los pode-se dizer que se equipou uma arma de guerra que causará danos físicos, sociais e emocionais na sociedade. Diante da pesquisa sugere-se o seguinte: Contratação de Psicólogos através de concurso público ou não, que trabalhem nas áreas clínicas, sociais, do trabalho, familiar, infantil, hospitalar e ambiental dentro das várias abordagens da psicologia em número suficiente para atender os Policiais e familiares; Criação de grupos de encontro em dias e horários diferenciados para atender o público alvo; Realização de pesquisas em todos os quartéis dos Estados para avaliar suas necessidades. Avaliação periódica sobre a atuação do psicólogo; Criação de uma força tarefa composta por psicólogo, assistente social e capelão para atender o policial e sua família; Acredita-se que havendo atendimentos físicos, emocionais, sociais e espirituais, na próxima pesquisa os resultados serão diferentes, com teor positivo e a sociedade realmente estará recebendo um ser humano responsável pela sua segurança. Então o investimento em tecnologias, treinamentos, compra de veículos e armamentos poderão ser bem utilizados porque haverá equilíbrio interno e externo na ação policial. Espera-se que este trabalho subsidie os Comandos das Policias Militares em sua análise sobre a real situação dos policiais, de forma que possa entender que o policial militar como profissional possui família e solicita ajuda para si e para sua família. Como a Policia Militar tem a missão de fazer o policiamento preventivo e ostensivo, infere-se que a prevenção é o seu principal trabalho, então a prevenção no que se refere ao cuidado com o policial militar é inadiável, pois posteriormente pode ser irreparável. REFERÊNCIAS 68 ABBUD, E.L: BENEDICTO, S.C. Estresse e psicopatologias no ambiente detrabalho: conceitos, contextos, manifestações e consequências. In: SEMINÁRIO EM ADMINISTRAÇÃO, 2006. São Paulo:Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, USP, 2006. ALAGOAS (Estado). Polícia Militar. O alcoolismo como sintoma do sofrimento dos policiais militares de Alagoas. Alagoas, 2007. Disponível em: <http:// www.pm.al.gov.br./cas.asp>. Acesso em: 03 mai. 2007. ALBUQUERQUE, Carlos Linhares de.; MACHADO, Eduardo Pães. Sociologias. Porto Alegre:2001. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/sociologias>. Acesso em: 03. mar 2013. AMADOR, F.S. Violência policial: verso e reverso do sofrimento. 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Dessa elaboradas perguntas que podem contribuirpara caracterizar os deste estudo e os fatores causadores do adoecimento no trabalho. relacionadas militares da forma foram participantes 1.Qual o motivo que levou a seguir a carreira militar? a. ( ) Salário b.( ) Estabilidade financeira c. ( ) ? d. ( ) ? 2. Acha seu trabalho prejudicial à saúde? a. ( ) Sim b. ( ) Não 3. Acha seu trabalho estressante? a. ( ) Sim b. ( ) Não 4. Fatores que mais influenciam de forma negativa no bom desempenho de seu trabalho. a. ( ) Ansiedade/somatização b. ( ) Irritabilidade/ depressão c. ( ) Exaltação de humor d. ( ) Valorização profissional e. ( ) Outros Quais?___________________________________________________________ ________________________________________________________ 5. Como é o seu relacionamento com os superiores hierárquicos? a. ( ) Ótimo b. ( ) Bom c. ( ) Regular d. ( ) Péssimo 6. Como é o seu relacionamento com seus colegas de trabalho? a. ( ) Ótimo 72 b. ( ) Bom c. ( ) Regular d. ( ) Péssimo 7. Quanto tempo tem de serviço? a. ( ) 0-3 b. ( ) 3-6 c. ( ) 6-9 d. ( ) 9-12 e. ( ) 12- 15 f. ( ) Acima de 15 8. Qual a função que exerce? a. ( ) Motorista b. ( ) Patrulheiro c. ( ) Praça d. ( ) Comandante e. ( ) NRA 9. Qual o seu Estado Civil? a. ( ) Casado b. ( ) Solteiro c. ( ) Viúvo d. ( ) União estável e. ( ) Amaziado 10. Como é o seu relacionamento familiar atualmente? a. ( ) Ótimo b. ( ) Bom c. ( ) Regular d. ( ) Péssimo 11. Qual a sua Faixa Etária a. ( ) 18 a 20 anos b. ( ) 21 a 30 anos c. ( ) 31 a 40 anos d. ( ) 41 a 50 anos e. () 51 a 60 anos 73 f. ( ) acima de 60 anos. 12. Tem dificuldades para dormir? a. ( ) Sim b. ( ) Não 13. Preocupa-se com doenças? a. ( ) Sim b. ( ) Não 14. Têm períodos tristes? Com desânimo? a. ( ) Sim b. ( ) Não 15. Fica agressivo, explode com facilidade? a. ( ) Sim b. ( ) Não Fontes: Maj PM CPL Marrieli e Hilda Borck