A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como
instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil1
The intervention of the Judicial Power in the private health sector – advanced granting as a health assistance guarantee
instrument in Brazil
Maria Hildete S. C. Souza2, Ligia Bahia3, Maria Lúcia W. Vianna4, Mário Scheffer5, Andrea Salazar6 & Karina B. Grou7
RESUMO
O objetivo deste estudo foi investigar e contextualizar algumas relações conflituosas no mercado de planos
e seguros de saúde, sob a ótica de soluções judiciais singulares para estes conflitos de interesse. Esta questão
vem sendo investigada por diversos pesquisadores que obser vam o protagonismo do Poder Judiciário e a
garantia dos direitos sociais. Por um lado, um reforço da lógica democrática e, por outro, uma inter venção
concorrencial com outras instâncias políticas e legislativas. A este protagonismo, com sua inter venção no
âmbito das relações sociais e políticas, os cientistas sociais descrevem como um fenômeno de Judicialização,
que diz respeito a uma transformação das normas e das formas de atuação dos membros do Poder Judiciário,
colocando-os
frente à escolha entre exercer um ativismo judicial
diante das demandas advindas do
recrudescimento da chamada “questão social” ou manterem sua clássica postura de neutralidade política.
Este fenômeno tem origem comum ao movimento de constitucionalização do direito ordinário, porém, o que
mudou foi a infiltração de princípios de justiça social onde havia o império da lei. Na perspectiva de descrever
a inter venção judiciária nos conflitos inerentes ao setor de saúde suplementar, a análise de seiscentas e onze
decisões judiciais permitiu demonstrar que o Poder Judiciário tem agido no sentido de conceder, ou mesmo de
garantir, o direito à cobertura reclamada. Têm validado o direito à saúde, tanto no sentido de preser var a vida
humana numa situação dramática, quanto tem garantido o direito em casos de permanência em planos de
saúde, reajustes, carências, entre outros itens. O fato deste comportamento do Judiciário como aliado do
1
Este trabalho se baseia na dissertação de mestrado apresentada por Maria Hildete Souza ao Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob orientação da Profa Dra
Ligia Bahia, em setembro de 2005.
2
Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Saúde, Rio de
Janeiro, Brasil.
3
Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva e Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
4
Instituto de Economia e Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
5
Pela Vidda/SP & CNS.
6
Consultora jurídica.
7
Consultora jurídica.
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
cliente em posição de vulnerabilidade, tem trazido para a superfície do debate regulatório, questões envolvendo
demandas que se repetem na justiça. Não é da natureza do Poder Judiciário criar direito, porém, tem funcionado
como mecanismo de afirmação e vocalização social, por maior abrangência do escopo dos contratos privados
de assistência à saúde.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde Suplementar; Planos de Pré-Pagamento em Saúde; Seguro Saúde;
Política – legislação &
jurisprudência; Poder Judiciário.
ABSTRACT
This study refers to the investigation and context of how conflicts of interest within the private health
insurance market are solved by means of judicial decisions in Brazil. The increasing demand for judicial
solutions and the consequent notability of the Judicial Power is interpreted, by different researchers, both as
a reinforcement of democratic founded values, and as a strategy to compete with other political and legislative
institutions. According to social scientists, the increasing inter vention of the Judicial Power within the social
and political arena is characterized by the alteration of its norms, as well as its usual way of acting, when
facing the choice between advocating in favour of social demands – for whom the judicial pathway has proved
to be a potential means for social changes – or assuming its traditional neutral political position. Such
strengthening of the Judicial Power in the mediation of social relations originated, along with the movement
for the review of ordinar y laws based on constitutional principles, during the second half of the 80’s in Brazil,
favouring the principles of social justice instead of the strict obser vation of lawful statements. Within the
perspective of describing the inter vention of the Judiciary Power in the conflicts inherent to the private health
sector, the analysis of 611 judicial decisions enabled the demonstration that the Judiciary Power has been
granting, or even assuring, the right to the claimed coverage. It has been validating the right to health, not
only in the preser vation of human life in a dramatic situation, but also assuring the right to permanence in
health plans, readjustment, grace periods, amongst other items. The fact is that this behaviour of the Judiciar y
Power, as an ally to client in a vulnerable position, has been bringing to surface the regulating debate, issues
involving demands repeated in court. I.e., on one hand, it is not the Judiciary Power’s nature to create a right,
however, it has been working as a mechanism of social affirmation and verbalization, for a greater inclusion
in the scope of private healthcare contracts.
KEYWORDS: Supplemental Health; Prepaid Health Plans; Insurance, Health; Politics – law & jurisprudence;
Judicial Power.
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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
INTRODUÇÃO
Este texto está dividido em duas
dos tribunais. De certa maneira as
sociais e políticas, os cientistas so-
exigências dos diferentes contextos
ciais costumam descrever como fe-
históricos coloca os tribunais frente
nômeno da judicialização.
partes. Na primeira, revisaremos al-
à escolha entre exercer um ativis-
Esse fenômeno da judicialização
guns autores caros ao estudo da Ju-
mo judicial, diante das demandas
das relações sociais tem origem co-
dicialização, acentuando a transfor-
advindas do recrudescimento da cha-
mum com o movimento de consti-
mação do papel do Poder Judiciário
mada “questão social”, ou manter
tucionalização do direito ordinário.
sua clássica postura de neutralida-
O que mudou foi a infiltração de
de política. Tanto um aspecto quan-
princípios de justiça social onde
to o outro, ativismo ou neutralida-
havia o império da lei.
entre os Poderes Republicanos, migrando, ao longo do tempo, de uma
posição periférica e neutra, para um
rasgo de ativismo político quando
confrontado com questões sociais
advindas tanto do desabastecimento
de políticas sociais públicas, quanto
de, têm um preço a ser pago. O pre-
Entretanto, o desempenho dos
ço da neutralidade e omissão frente
tribunais não depende só de fatores
ao vigor das demandas sociais co-
políticos, não depende só de legiti-
das relações assimétricas provenien-
midade, capacidade ou independên-
tes do campo dos mercados. Na se-
cia. Este desempenho, tanto o midi-
gunda parte, analisaremos este ‘pro-
ático quanto aquele de rotina, guar-
tagonismo’ do Poder Judiciário na
da relação com outros fatores: com
garantia dos direitos sociais. Para tan-
O QUE MUDOU FOI
o nível de desenvolvimento do país,
to, examinaremos ações judiciais sin-
A INFILTRAÇÃO DE
e sua posição no sistema de econo-
gulares, promovidas por clientes de
planos privados de saúde, coletadas
PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA
pelo observatório jurídico do Labora-
SOCIAL ONDE HAVIA
tório de Economia Política da Saúde
(LEPS) da Universidade Federal do Rio
O IMPÉRIO DA LEI
tação; por outro lado, esta busca de
soluções judiciais abre possibilidades
grandes sistemas ou famílias de direito; com o processo histórico, por
emergiu e se desenvolveu; e com a
alguns autores apontam um risco na
arena regulatória diante da presença
der de influir no marco da regulamen-
jurídica dominante, associada aos
meio do qual essa cultura jurídica
de Janeiro (UFRJ). Por fim, de um lado
plural de várias instâncias com po-
mia mundializado; com a cultura
propensão litigiosa da sociedade
estudada, associada aos meios e
locava-o no risco da inutilidade ins-
recursos, formais e informais, de
titucional, tornando-o obsoleto para
resolução de litígios em determina-
influir nos processos decisórios. O
da cultura (SANTOS, 1996).
preço do ativismo político chama
Portanto, uma análise do siste-
produza uma ação sinérgica entre os
para si questionamentos a respeito
ma judiciário não deve prescindir de
agentes envolvidos, capaz de tradu-
de sua legitimidade, capacidade e
abordar uma periodização do de-
zir-se em benefício coletivo.
independência frente aos demais
sempenho judicial de rotina ou de
Poderes Republicanos, ao mesmo
massa, e dos fatores sociais, econô-
tempo em que o fortalece enquanto
micos, políticos e culturais que con-
instância representacional.
dicionam, historicamente, o âmbito
de que esta pluralização institucional
BREVE REVISÃO HISTÓRICA DO PAPEL
DESEMPENHADO PELO PODER JUDICIÁRIO
A este protagonismo do Poder
Uma série de fatos colaborou
nessa rotação na postura política
Judiciário enquanto espaço representacional no âmbito das relações
e a natureza da judicialização.
Santos distinguirá três grandes
variações neste “significado socio-
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
político da função judicial” nas so-
nomia e administrar o social, o go-
A elevação dos direitos sociais e
ciedades
modernas: o período do
verno começa a demandar, do Le-
econômicos a direitos constitucio-
Estado Liberal; o período do Esta-
gislativo, uma enorme produção de
nais – direito ao trabalho e ao salá-
do-Providência e o período atual, ao
leis de alcance específico.
rio justo, à segurança no emprego,
qual designa como período da “cri-
Para CAPPELLETTI (apud WERNECK
à saúde, à educação, à habitação, à
VIANNA, 1999), em razão dessa cres-
segurança social – significa, entre
O período do Estado liberal inicia-
cente necessidade de produção legis-
outras coisas, “a juridificação da
se no século XIX e se estende até a
lativa ocorre o fenômeno de overlo-
justiça distributiva”.
Primeira Guerra Mundial. Sua longa
ad do Parlamento. Ou seja, os par-
A emergência dos movimentos
duração histórica tornou-o particular-
lamentos perdem a capacidade de
sociais em luta por direitos é, em
mente importante para a consolida-
responder, a tempo e com competên-
parte, a causa desta proliferação
ção do modelo judicial moderno.
cia técnica, às complexas questões
normativa do Estado Social. A dife-
envolvidas nas tentativas de “orga-
renciação entre conflitos individuais
se do Estado-Providência”.
Com uma clara delimitação de
fronteiras para a ação judicial con-
e coletivos torna-se difícil, pois os
substanciada principalmente no fato
interesses individuais emergem as-
de os tribunais estarem circunscri-
sociados a interesses coletivos.
tos aos parâmetros da lei – princí-
As respostas que o Poder Judiciá-
pio da legalidade – acabou influin-
A ELEVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E
rio deu a este fenômeno incluíram re-
do para que esses ficassem à mar-
ECONÔMICOS A DIREITOS
formas, tais como: informalização da
CONSTITUCIONAIS SIGNIFICA, ENTRE
justiça; reaparelhamento dos tribunais,
gem do processo de explosão de conflituosidade social desse período,
pois seu âmbito funcional “se limi-
OUTRAS COISAS, “A JURIDIFICAÇÃO
tava à microlitigiosidade interindi-
DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA”
em recursos humanos e infra-estruturais, inclusive com a informatização e
a automatização da justiça; criação de
vidual, e não à macrolitigiosidade
juizados especiais para as pequenas
social” (SANTOS, 1996).
causas, tanto em matéria civil como
No período pós-Segunda Guerra
criminal; inserção de novos e alterna-
Mundial, consolida-se nos países
tivos mecanismos de resolução de con-
centrais uma nova forma política do
nizar” o capitalismo, e assim trans-
flitos – mediação, negociação, arbitra-
Estado: o Estado-providência, o Wel-
ferem, para o Executivo, grande
gem; diversas reformas processuais –
fare State, que emerge na esteira das
parte de sua atividade.
ações populares, tutela de interesses
lutas do movimento operário.
Diante do enorme empreendimen-
difusos, ação civil pública.
Esta “publicização” da esfera da
to de regular, a um só tempo, os flu-
A “explosão de litigiosidade” con-
vida privada, agora sob a jurisdi-
xos das variáveis econômicas e da
cedeu maior relevo aos tribunais. Os
ção da administração publica do
ordenação do social, o desafio do
diferenciais entre a demanda e a
Estado, passa, também, a regular a
Estado Social foi sincronizar o seu
capacidade de oferta de tutela judi-
economia em todos os seus aspec-
agir, com a temporalidade desses
cial, porém, questionam a efetivida-
tos. Inclusive o próprio mercado de
dois processos. Ou seja, com o tem-
de e as possibilidades de acesso à
trabalho, regulado por direito espe-
porário, o provisório, o incerto, con-
tutela judicial.
cial – o direito do trabalho. Para
fundindo o tempo do direito, assim
cumprir as metas de regular a eco-
criado, com o da política.
Durante as décadas de 1970 e 80
emergiriam as primeiras manifesta-
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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
ções da denominada crise do Esta-
poder judicial, tanto em países cen-
a criação de instâncias judiciais
do-Providência. À declaração dos
trais como nos periféricos, requer
transnacionais, a exemplo do Tri-
Estados Nacionais sobre as limita-
diversas chaves de interpretação,
bunal Penal Internacional; e final-
ções de recursos
entre as quais as seguintes: a emer-
mente, a emergência de discursos
atender aos gastos sociais crescen-
gência do fenômeno de normatiza-
acadêmicos e doutrinários, vincu-
tes, adicionaram-se as críticas
ção de direitos, especialmente em
lados à cultura jurídica, que per-
oriundas de setores situados à es-
face de sua natureza, difusa e cole-
cebem no protagonismo / expansão
querda, no espectro de posições po-
tiva, derivada da característica mas-
do poder judicial uma via de refor-
líticas, quanto à publicização exces-
sificadora de nossa sociedade; as
ço da lógica democrática.
siva da esfera privada. Essa última
transições pós-autoritárias que mar-
Assim, o fenômeno de judiciali-
teria criado os cidadãos-clientes,
caram as décadas de 1970 e 80, e
zação da política e das relações so-
cujas opções de vida (de atividade e
trouxeram consigo a edição de Cons-
ciais pode ser observado por duas
de movimento) são controladas e
tituições democráticas, preocupadas
vertentes: a afirmativa, referente aos
financeiros para
supervisionadas por agências buro-
direitos já declarados, e por meio da
cráticas, despersonalizadas.
possibilidade de virem a ser criados
direitos ainda ignorados. Esse fenô-
As transformações nos sistemas
produtivo e de regulação do trabalho, tornadas possíveis graças às
meno reafirma um processo de “de-
AS TRANSFORMAÇÕES NOS SISTEMAS
sestatalização do direito”.
revoluções tecnológicas, acompa-
PRODUTIVO E DE REGULAÇÃO DO TRABALHO,
nharam a “difusão do modelo neo-
TORNADAS POSSÍVEIS GRAÇAS ÀS REVOLUÇÕES
dado neste trabalho, em que este
liberal e do seu credo desregula-
TECNOLÓGICAS, ACOMPANHARAM A “DIFUSÃO
protagonismo do Poder Judiciário
mentador”. A influência e a expansão da presença de agências multilaterais de fomento, e a adoção dos
DO MODELO NEOLIBERAL E DO
O cenário mais específico estu-
tenta estabelecer-se, é o da democracia brasileira. Democracia que se
SEU CREDO DESREGULAMENTADOR”
encontra em processo de consolida-
cânones neoliberais para a inserção
ção, muito embora autores (WERNECK
de economias nacionais nos circui-
VIANNA et al., 2003; SADER, 2005) apon-
tos globalizados da economia, contribuíram para o aprofundamento da
crise do Estado-Providência.
Nos países centrais, os impactos
da “crise da seguridade” sobre o sistema jurídico e sobre a atividade dos
tem para um déficit em seu funcioem reforçar instituições de garantia
do Estado Democrático de Direito,
dentre elas a Magistratura e o Ministério
Público; a emergência do
fenômeno de criminalização da res-
tribunais relacionam-se com “uma
ponsabilidade política, ou melhor,
nova onda de inflação legislativa”
da irresponsabilidade política, que
– cujas causas podem ser buscadas
veio à baila diante das numerosas
na “desregulamentação da econo-
investigações sobre corrupção
mia” – e com a exigência de novos
classe política; os novos formatos
processos de regulação.
Para CITTADINO (2003), a compreensão do processo de expansão do
na
institucionais, derivados da mundialização dos mercados e a emergência de uma pauta de debates sobre
namento que poderia pervertê-la em
um sistema de procedimentos formalizados, extremamente fechados às
expectativas e demandas sociais.
Esse funcionamento deficitário
guardaria relação com a predominância do Executivo sobre o Legislativo, que ganhou relevo em virtude da paralisia decisória da representação da maioria; em conseqüência, evidencia-se a primazia do outro poder através da prática, antidemocrática, da edição de Medidas
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
Provisórias. Esse processo de toma-
mentais da população mais pobre,
no hiato entre a importância atribu-
da de decisões vem subtraindo a
na década de 1990. Para a autora, a
ída à questão social na Carta de 1988
formação da opinião, tanto no âm-
Constituição Federal de 1988, que
e a adoção de estratégias de Refor-
bito parlamentar, quanto no da so-
abraçou todos os direitos da Decla-
ma do Estado, orientadas por uma
ciedade civil, nas questões estraté-
ração da ONU como direitos funda-
agenda neoliberal.
gicas para os rumos da sociedade
mentais no Brasil (parágrafo 2º do
No Brasil, problemas considera-
(WERNECK VIANNA, 2003).
art. 5º), e introduziu, diversos me-
dos fundamentais como o ajuste fis-
primazia do
canismos processuais, que buscam
cal do Estado, a privatização e a
Executivo concedida à política eco-
dar eficácia a estes direitos é, certa-
abertura comercial – criação de con-
nômica, e da concomitante diminui-
mente, a principal referência da in-
dições para a abertura de mercados
ção da esfera pública, têm-se obser-
corporação da linguagem dos direi-
–, entram na agenda da reforma. A
vado uma crescente reação, por parte
tos (CITTADINO, 2003. p.17).
opção pela Reforma Administrativa,
Em virtude dessa
da sociedade civil, das minorias
entretanto, só entra em pauta em
políticas às organizações sociais –
1995, após a eleição e posse de
quando não do simples cidadão –,
Fernando Henrique Cardoso. Neste
no sentido de recorrerem ao Poder
momento, a reforma é considerada
Judiciário, contra leis, contra des-
condição, de um lado, da consoli-
contra a omissão do papel do Esta-
NOS ANOS 1990, A REFORMA DO
ESTADO TORNOU-SE TEMA CENTRAL
do em relação às demandas sociais.
EM TODO O MUNDO COMO PARTE
cia no país de um serviço público
mandos da Administração, por fim,
No que tange aos direitos sociais
propriamente ditos, CITTADINO (2003)
DAS RESPOSTAS AO PROCESSO
destaca que no Brasil o movimento
DE GLOBALIZAÇÃO DA
de incorporação da linguagem dos
ECONOMIA EM CURSO
dação do ajuste fiscal do Estado
brasileiro e, de outro, da existênmoderno, profissional e eficiente,
voltado para o atendimento das
necessidades dos cidadãos.
A reforma administrativa brasi-
direitos ao debate político, e ao or-
leira vai sendo implementada e os
denamento jurídico, se deu por meio
desenhos das novas políticas soci-
da confluência de fatos que assola-
ais públicas focalizam, cada vez
ram o país, nas já citadas décadas,
Nos anos 1990, a Reforma do
mais, a questão da pobreza e nos
tais como: a emergência dos movi-
Estado tornou-se tema central em
mecanismos de amortizá-la, em de-
mentos de defesa dos direitos huma-
todo o mundo como parte das res-
trimento da ampliação da cidadania
nos, na década de 1970 como reação
postas ao processo de globalização
e políticas redistributivas.
ao regime autoritário vigente; a luta
da economia em curso. A redução
Diante de duas dinâmicas, por
pela reconquista dos direitos de par-
da autonomia dos Estados Nacio-
um lado, o texto constitucional re-
ticipação política durante a transição
nais para formular e implementar
cém aprovado, por outro, a agenda
democrática nos anos 1980; a orga-
políticas começa a se delinear nos
de Reforma do Estado – que para
nização de diversos setores da socie-
anos 1970, mas só assume plena
ser implementada exige uma larga
dade civil, a partir de 1985 para par-
definição na década de 1980. Por-
produção legislativa e/ou o uso de
ticipar da elaboração da nova Cons-
tanto, parte das razões que explicam
Medidas Provisórias pelo Poder Exe-
tituição de 1988; a reação a denún-
a centralidade do Poder Judiciário na
cutivo – a sociedade civil começa a
cias de violações de direitos funda-
vida nacional pode ser encontrada
enxergar nos instrumentos proces-
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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
suais disponíveis, a possibilidade de
legais mediando este tipo de transa-
1999, reajustassem as mensalidades
adentrar o espaço decisório do Esta-
ção, quanto no que orientou a cria-
acima do percentual de 11,69%, au-
do, ou seja, o espaço regulamentar.
ção de uma cultura de consumo. O
torizado, em 2005, pela ANS para
Durante a década de 1980, o Ju-
consumidor de serviços assistenci-
os contratos novos.
diciário brasileiro descreveu uma tra-
ais de saúde passa a contestar arbi-
Essa dicotomia entre opiniões es-
jetória de informalização e facilita-
trariedades cometidas pelos opera-
tabelecidas pelo Judiciário é mais um
ção de acesso, por meio da abertura
dores de seus planos de saúde por
exemplo das contradições endógenas
dos Juizados de Pequenas Causas.
meio de reclamações ao Programa
de uma instituição judicial que tem
de Defesa do Consumidor (Procon),
se aproximado do cenário político.
Para Werneck Vianna, a percepção cappellettiana do caráter estra-
que promove a proteção da relação
tégico do acesso à justiça para a for-
consumeirista.
mação da cidadania encontrou recepção na magistratura brasileira.
O crédito na via judicial de solução de litígios passa a ficar mais
Mas, o Poder Judiciário encerra
atrativo, na medida que o instituto
contradições em relação à sua in-
da Tutela Antecipada passa a refle-
Com o amadurecimento da crítica
tir uma verdadeira revolução pro-
da processualística convencional, con-
cessual, antecipando os efeitos da
verge-se para a criação dos Juizados
futura decisão da ação (FUX, 2000).
Especiais Cíveis e Criminais, por meio
da Lei 9.090, em 26 de setembro de
1995. Então, o Judiciário é exposto a
microlitigiosidade em seu estado bruto. Isso tirou os magistrados do meio
relativamente neutro em que se man-
INFLUINDO NO CENÁRIO CONFLITUOSO
DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL,
A PARTIR DA DÉCADA DE 1990,
REGISTRAM-SE FATOS MARCANTES,
tinham e lhes conferiu uma posição
COMO O AMADURECIMENTO DAS
digna para a invenção da sociabili-
RELAÇÕES DE CONSUMO
Enquanto solução provisória e
paralela ao curso da ação judicial,
a antecipação da tutela é muitas
vezes buscada no Judiciário. E poderá ser aplicada, pelos magistrados, nos conflitos existentes entre
clientes, de um lado, e planos e seguros de saúde, de outro.
FUX (2000) destaca o caráter dis-
dade (WERNECK VIANNA, 1999).
Portanto, como o processamen-
cricionário da regra de aplicação
to, nesses Juizados Especiais, é
deste instituto, no sentido de que o
mais rápido, se comparado com a
tervenção no campo regulamentar
juiz dispõe desse poder de avalia-
Justiça Comum, eles concentraram
da saúde suplementar. A decisão
ção da situação de segurança e da
grande parte da demanda sobre di-
crucial do STF, em 2003, que deixa
situação de evidência.
reito do consumidor, inclusive de
fora da órbita da Lei 9.656/98 e da
A situação de segurança, por sua
planos de saúde.
ação da Agência Nacional de Saúde
vez, guarda ligação com a produção
Influindo no cenário conflituoso
(ANS) os planos antigos de saúde,
de prova inequívoca / verossimilhan-
da saúde suplementar no Brasil, a
parece contradizer as decisões da
ça, apresentada, no requerimento da
partir da década de 1990, registram-
maioria dos casos levantados du-
Tutela Antecipada (TA), pelo represen-
se fatos marcantes, como o amadu-
rante esta nossa pesquisa. Em pólo
tante legal do cliente / demandante.
recimento das relações de consumo,
oposto estaria a decisão, do TRF da
Essa prova precisa evidenciar um
atribuída à criação do próprio Códi-
5ª Região (Recife), de não permitir
incremento no perigo / risco de vida,
go de Defesa do Consumidor (CDC),
que as operadoras de planos e se-
associado à negação de cobertura
tanto no que criou de salvaguardas
guros-saúde antigos, anteriores a
pelo plano ou seguro de saúde.
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
De outra parte, a situação de evi-
Neste exemplo de conduta de se-
plos em que duelarão o pressuposto
dência se relaciona mais fortemente
tores do Judiciário é que se observa
da legalidade e da justiça. Ou seja, a
com aqueles casos em que existem
o agir político do Magistrado, o agir
lei escrita, já existente e altamente
direitos disponíveis a serem garan-
contra legem. Nos casos de anteci-
anacrônica, a conceder um direito
tidos por meio da tutela.
pação da tutela em situações urgen-
num parágrafo, e a limitá-lo, restrin-
A TA, porém, só poderá ser conce-
tes, podemos retirar exemplos da
gi-lo ou anulá-lo no outro, se defron-
dida mediante requerimento da par-
chamada constitucionalização do
tará com a sensibilidade discricioná-
te. Ou seja, o legislador excluiu a pos-
direito ordinário. Pois, nessas situ-
ria de alguns setores do Judiciário,
sibilidade de o magistrado, enquanto
ações urgentes, o bem da vida, o
que evocam o valor humano da vida
representante funcional do Estado, dar
direito à cobertura integral em saú-
como o bem maior a ser protegido.
início à tutela sem que, antes, tenha
de, é interpretado pelo juiz à luz de
Os efeitos do processo de judicia-
sido provocado para tanto. Ou seja, o
princípios valorativos da vida e da
lização geral na saúde são inequívo-
magistrado pode ter conhecimento da
dignidade humana.
cos. Os avanços alcançados, desde a
ação em curso e da necessidade da
Constituição de 1988, na definição de
tutela, mas não poderá oferecê-la sem
saúde enquanto direito social, e no
que haja um pedido formal.
entendimento de que a saúde é um
bem de relevância pública, e que sua
F UX (2000) esclarece que, no
jogo de poder entre os poderes republicanos,
“ (...) o pregoado ativismo judicial, que
poderia ser efetivado por meio da TA,
recebeu um contrapeso conservador
por parte do legislador, que retirou com
a outra mão, a sedutora idéia da TA, ao
dispor no parágrafo 2 do art. 273 do
Código de Processo Civil, que: ‘Não se
concederá a antecipação da tutela
quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado’ (...)
Aqui se evidencia a distância entre o
legislador e a vida fenomênica, pois,
invariavelmente, as situações de urgência na saúde, que reclamam a antecipação da tutela, geram situações
irreversíveis, dado que a satisfação da
necessidade do demandante, via de regra, deve ser imediata. Daí resultando,
quase sempre, que o fato do juiz decidir
pela concessão da TA já, por si só, resulta numa decisão de difícil contestação, visto seus efeitos não poderem ser
anulados pelo simples fato de ganho de causa para o plano de saúde
na ocasião do julgamento da ação.”
(FUX, 2000. p.45-46)
OS EFEITOS DO
denegação incorre em crime de res-
PROCESSO DE
ram, ainda que no plano formal, a
JUDICIALIZAÇÃO
ruptura com um modelo médico as-
ponsabilização jurídica, expressa-
sistencial privatista e meritocrático.
GERAL NA SAÚDE
Nesse sentido, o atual texto consti-
SÃO INEQUÍVOCOS
tucional adotou uma concepção mais
abrangente de seguridade social, em
rota oposta à do seguro.
No entanto, nas palavras de COHN
(2003), as tradicionais e históricas
Por tudo isso, os magistrados po-
dicotomias no setor saúde, entre o
dem conceder ou negar a antecipação
universal e o elegível, o público e o
da tutela. Os que a concedem, podem
privado, o preventivo e o curativo,
valer-se do que Fux chama do “dever
o rural e o urbano, o carente e o
geral de segurança”; os que a dene-
não-carente e entre o discurso e a
gam podem invocar o argumento da
prática das políticas de saúde não
irreversão, ou mesmo o da pertinên-
foram superadas. Os problemas e
cia de cláusulas contratuais, que ex-
impasses antepostos à perspectiva
cluam a cobertura ora reclamada.
da conformação, no Brasil, da cida-
Portanto, o contexto de antecipa-
dania de uma ordem democrática
ção da tutela judicial, em situações
também incidiram sobre a saúde. A
urgentes, no campo da saúde suple-
herança da concepção da saúde res-
mentar, será um dos possíveis exem-
trita à assistência médica e pertinen-
Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
51
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
te à esfera privada contrapôs-se à
venção do Poder Judiciário. Em es-
possibilidade de garantia de uma
definição da saúde como direito do
pecial, escolhemos descrever esta
cobertura assistencial médica digna.
cidadão e dever do Estado.
assimetria em relação ao mercado
As proposições de mudança de
rota na orientação privatizante da
de planos e seguros de saúde.
Tendo em vista que a regulamen-
Embora formalmente, segundo os
contratos novos – aqueles firmados
a partir de janeiro de 1999, de acor-
saúde, predominante, desde os anos
tação deste setor – Lei 9.656 – se
do com o artigo 10 da Lei nº 9.656/
1930, preconizadas pela Constituição
deu em 1998 e que algo em torno de
98, que institui o Plano-Referência de
Federal de 1988 (CF/88), por meio de
70% dos planos e seguros de saúde
assistência à saúde –, os planos de
prestações ativas por parte do Esta-
têm contratos anteriores a este mar-
saúde deveriam cobrir todas as do-
do ainda não lograram plena efeti-
co legal, e que a intervenção da ANS
enças listadas no CID 10 da OMS,
vação. O Sistema Único de Saúde
– criada em 2000, por meio da Lei
entretanto, isso ocorre parcialmente.
(SUS) convive com um expressivo
9.661 – foi limitada pelo STF, em
A permissão para a comercialização
mercado de planos e serviços priva-
2003, em relação a esses contratos
de quatro tipos opcionais de regimes
dos de saúde. Mas a própria CF/88
de atendimento – ambulatorial, hos-
previu o enquadramento dos servi-
pitalar, odontológico e obstétrico –,
ços privados de saúde. A CF/88, além
admite a limitação de acesso.
de elevar a saúde à condição de direito social, também assumiu a possibilidade de tal prestação de serviços assistenciais ser oferecida pela
iniciativa privada. O bem ofertado é
O SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE (SUS)
CONVIVE COM UM
Em relação a este mercado de planos e seguros de saúde encontramse conflitos nas mais variadas situações. Por exemplo: não-cobertura de
próteses e órteses; limitações em re-
tido como de relevância pública, de
EXPRESSIVO MERCADO DE
lação ao atendimento de urgência e
interesse público. Ou seja, a sua de-
PLANOS E SERVIÇOS
emergência; necessidades de transplantes de outros órgãos além dos
negação, independente da natureza
jurídica do prestador de serviço con-
PRIVADOS DE SAÚDE
de rins e córneas; descredenciamento de médicos, hospitais e laborató-
fere responsabilização jurídica.
rios; aumentos abusivos de mensa-
O constituinte, ao referir-se à re-
lidade relacionados à faixa etária;
levância pública das ações e dos
serviços de saúde, pretendeu elevar
antigos, fica óbvio que esse cenário
exigência de cheque-caução; limita-
a saúde à mesma condição do direi-
é gerador de situações conflitantes.
ção de tempo de internação; descum-
to à vida e da dignidade da pessoa
Esses contratos antigos limitam
primento contratual; cláusulas abu-
humana, um dos fundamentos da
a cobertura das chamadas doenças
sivas em contrato; propaganda en-
República (SANTOS, 1997).
e lesões preexistentes, e alguns até
ganosa e rescisão unilateral de con-
mesmo de doenças crônico-degene-
tratos por parte da operadora.
rativas, como diabetes, hipertensão,
A pesquisa do LEPS/UFRJ (SALAZAR,
câncer, hepatite B, hepatite C, Aids,
SCHEFFER & GROU, 2005) coletou deci-
O escopo de nossa pesquisa dá
entre outras. Quando não negam co-
sões que versavam sobre questões
prioridade às relações assimétricas
bertura, negam os procedimentos li-
de cobertura, carência, benefício le-
nos mercados, nos quais a defesa
gados ao tratamento da doença. Es-
gal, erro médico, reajustes, rescisão
da vulnerabilidade do consumidor
sas demandas do tipo “paiol de pól-
unilateral de contrato, rescisão uni-
encontra abrigo por meio da inter-
vora”, encontraram no Judiciário a
lateral de contrato por falta de pa-
A PESQUISA DE AÇÕES NO JUDICIÁRIO
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
gamento, descredenciamento de
Por meio dos registros coleta-
assunto cobertura, aproximada-
prestadores de serviços médicos e
dos, percebe-se que São Paulo com-
mente 80% das decisões analisa-
decisões sobre outros assuntos.
pareceu, no levantamento total, em
das. No Rio de Janeiro, 17% das de-
Foram avaliadas 611 decisões co-
cinco de cada seis decisões (Tabe-
cisões analisadas versaram sobre
letadas nos tribunais de Justiça dos
la 1). O assunto ‘cobertura’ respon-
RUC. Juntos, cobertura e RUC mo-
estados do Rio de Janeiro e São Pau-
deu por cerca de metade das deci-
tivaram perto de oito em cada dez
lo, correspondendo às decisões profe-
sões do TJSP e por cerca de dois
decisões
ridas em Agravo de Instrumento nos
terços no TJRJ. Os temas ‘benefício
Quando considerados em conjunto
anos de 2003 e 2004, relativas à con-
legal (BL)’ e ‘rescisão unilateral de
os dois tribunais, o perfil das de-
cessão de Tutela Antecipada como
contrato (RUC)’, com freqüências
cisões analisadas se assemelha ao
garantia provisória para conflitos
em torno de 18% e 9%, aparecem
da capital paulista, devido ao mai-
emergentes das relações entre clien-
em segundo e terceiro lugar em
or número de registros identifica-
tes e planos ou seguros de saúde.
São Paulo e totalizam junto com o
dos em São Paulo.
analisadas pelo TJRJ.
TABELA 1 – Distribuição das decisões segundo assunto abordado e tribunal, 2003 e 2004
TJSP
Assunto
TJRJ
Número de
decisões
%
Número de
decisões
Cobertura
275
53,8
65
Carência
13
2,5
Benefício legal –
91
17,8
Erro médico
12
Reajustes
Total
Número de
decisões
%
65,0
340
55,6
0
0,0
13
2,1
3
3,0
94
15,4
2,3
0
0,0
12
2,0
15
2,9
6
6,0
21
3,4
RUC*
46
9,0
17
17,0
63
10,3
RUC por falta de pagamento
21
4,1
2
2,0
23
3,8
5
1,0
0
0,0
5
0,8
33
6,5
7
7,0
40
6,5
511
100,0
100
100,0
611
100,0
Descredenciamentos
Outros assuntos
Decisões analisadas – total
%
Fonte: LEPS/UFRJ 2004.
No TJRJ tiveram alguma signifi-
freqüência das decisões recursais
duções do número de decisões favo-
cância as questões residuais sobre
favoráveis alcançou quase o dobro
ráveis, em segunda instância, em re-
reajustes e não ocorreram deman-
das de primeiro grau (Tabela 2).
lação às de primeiro grau (diferenças
das sobre carência, erro médico e
descredenciamento (Tabela 2).
Em ambos os tribunais, as deci-
Em São Paulo (Tabela 2), os as-
iguais ou superiores a 20%), foram
suntos que apresentaram as maiores
descredenciamento, erro médico e ca-
freqüências de decisões favoráveis em
rência, em ordem decrescente.
No Rio de Janeiro, as proporções
sões favoráveis em primeira instân-
segunda instância (iguais ou superi-
cia foram mais freqüentes do que as
ores a cerca de 70%) foram, em or-
de decisões favoráveis, tanto de pri-
de segundo grau, exceto para o tema
dem decrescente: BL, reajuste, RUC,
meira quanto de segunda instânci-
“reajustes” em São Paulo, em que a
cobertura e carência. As maiores re-
as foram sempre mais elevadas do
Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
53
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
sidade mórbida’, em ambos os tribu-
que em São Paulo. De maneira ge-
Como demonstra a Tabela 3, das
ral, as proporções de decisões de
decisões sobre cobertura com moti-
nais, e ‘urgência e emergência’
segunda instância mostraram-se
vo especificado, aquelas relaciona-
transplantes no TJRJ. Cabe destacar,
sempre maiores que 70% (Tabela 2).
das com “próteses e outros materi-
entretanto, que as baixas freqüências
Quando consideradas todas
ais” foram as mais freqüentes em
observadas no Rio de Janeiro podem
ambos os tribunais.
estar associadas às expressivas vari-
as
demandas em conjunto, em ambos
os tribunais, o perfil das decisões
e
ações registradas nas proporções das
No TJSP aparecem, em segundo
analisadas, quanto ao resultado fa-
e terceiro lugares, as decisões so-
decisões favoráveis nas primeira e
vorável, se assemelha ao do tema
bre câncer e obesidade mórbida. No
segunda instâncias (Tabela 4).
cobertura, em decorrência da eleva-
TJRJ tais posições foram ocupadas
Quanto à fundamentação jurídi-
da freqüência de registros (acima de
pelos motivos ‘obesidade mórbida’
ca das decisões dos magistrados (Ta-
50%) identificados (Tabela 2).
e ‘urgência e emergência’, este úl-
bela 5), houve referência à legisla-
timo em condições iguais com
ção específica do setor – Lei 9.656/
home-care (Tabela 3).
98 – em cerca de 129 das 611 coleta-
Na análise da Tabela 3, para
cada dez decisões sobre “cobertura” cerca de cinco (45,29%) versa-
De forma geral, as decisões fa-
das, o que representa algo em torno
vam sobre ‘coberturas diversas’,
voráveis em segunda instância no
de 20%, quando consideradas tam-
tema que agrega muitos motivos,
Rio de Janeiro, tenderam a apresen-
bém as referências à Lei 9.656 asso-
com freqüências individuais bai-
tar freqüências mais elevadas do
ciadas ao CDC. Comparando com o
xas. Quando considerados em con-
que no TJSP (Tabela 4).
observado por Fux em 2000, quan-
junto, tais motivos geraram a mai-
Tal como observado nos demais
do de 66 decisões coletadas, em São
or demanda por cobertura, em am-
assuntos coletados na amostra, as
Paulo e no Rio de Janeiro, apenas três
bos os estados. Observa-se, ainda,
decisões de segunda instância tende-
mencionavam essa Lei, ou seja, ape-
que a metade restante das decisões
ram a ser menos favoráveis do que
nas 4,54%, pode estar sinalizando um
sobre o tema ‘cobertura’ versou
as correspondentes em primeiro grau.
crescimento da influência deste mar-
sobre seis temas.
As exceções foram as relativas à ‘obe-
co legal do setor.
TABELA 2 – Número e proporção de decisões favoráveis nas primeira e segunda instâncias, segundo tribunal, 2003 e 2004
Tribunal
TJSP
Assunto
Número de
decisões
%
Decisões
favoráveis
em 1º grau
%
Decisões
favoráveis
em 2º grau
%
Cobertura
275
100,0
217
78,9
197
71,6
Carência
13
100,0
12
92,3
9
69,2
Benefício legal – permanência no
plano coletivo
91
100,0
83
91,2
74
81,3
Erro médico
12
100,0
10
83,3
4
33,3
Reajustes
15
100,0
6
40,0
11
73,3
Rescisão unilateral do contrato*
46
100,0
38
82,6
33
71,7
Rescisão unilateral do contrato por
falta de pagamento
21
100,0
15
71,4
14
66,7
5
100,0
5
100,0
2
40,0
33
100,0
20
60,6
14
42,4
511
100,0
406
079,5
358
070,1
Descredenciamentos
Outros assuntos
Decisões analisadas – total
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
TABELA 2 – Número e proporção de decisões favoráveis nas primeira e segunda instâncias, segundo tribunal, 2003 e 2004 (continuação)
Tribunal
TJRJ
Total
Assunto
Número de
decisões
%
Decisões
favoráveis
em 1º grau
%
Decisões
favoráveis
em 2º grau
%
Cobertura
65
100,0
55
84,6
51
78,5
Carência
0
—
0
—
0
—
Benefício legal – permanência no
plano coletivo
3
100,0
3
100,0
3
100,0
Erro médico
0
—
0
—
0
—
Reajustes
6
100,0
5
83,3
5
83,3
17
100,0
15
88,2
13
76,5
Rescisão unilateral do contrato por
falta de pagamento
2
100,0
2
100,0
2
100,0
Descredenciamentos
0
—
0
—
0
—
Outros assuntos
7
100,0
7
100,0
6
85,7
Decisões analisadas – total
100
100,0
087
087,0
080
080,0
Cobertura
340
100,0
272
80,0
248
72,9
Carência
13
100,0
12
92,3
9
69,2
Benefício legal – permanência no
plano coletivo
94
100,0
86
91,5
77
81,9
Erro médico
12
100,0
10
83,3
4
33,3
Reajustes
21
100,0
11
52,4
16
76,2
Rescisão unilateral do contrato*
63
100,0
53
84,1
46
73,0
Rescisão unilateral do contrato por
falta de pagamento
23
100,0
17
73,9
16
69,6
5
100,0
5
100,0
2
40,0
Rescisão unilateral do contrato*
Descredenciamentos
Outros assuntos
Decisões analisadas – total
40
100,0
27
67,5
20
50,0
611
100,0
493
080,7
438
071,7
* O número de decisões tratando da rescisão unilateral de contratos coletivo é 49 (77,77%) frente a 14 (22,22%) de rescisão de contratos individuais ou familiares.
Fonte: LEPS/UFRJ 2004.
TABELA 3 – Distribuição das decisões sobre cobertura, segundo o problema de saúde e o tribunal, 2003 e 2004
Assunto
TJSP
TJRJ
Total
Número de decisões
%
Número de decisões
%
Número de decisões
%
Obesidade mórbida
31
11,3
7
10,8
38
11,2
Home care
21
7,6
6
9,2
27
7,9
Câncer
35
12,7
2
3,1
37
10,9
Transplante
19
6,9
3
4,6
22
6,5
Prótese e outros materiais
38
13,8
10
15,4
48
14,1
8
2,9
6
9,2
14
4,1
Urgência e emergência
Cobertura diversas
123
44,7
31
47,7
154
45,3
Decisões sobre cobertura – total
275
100,0
65
100,0
340
100,0
Fonte: LEPS/UFRJ 2004.
Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
55
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
TABELA 4 – Número e proporção de decisões favoráveis sobre cobertura nas primeira e segunda instâncias, segundo tribunal e problema de
saúde, 2003 e 2004
Tribunal
TJSP
Número de
decisões
%
Decisões
favoráveis
em 1º grau
%
Decisões
favoráveis
em 2º grau
%
Obesidade mórbida
31
100,0
19
61,3
22
71,0
Home care
21
100,0
16
76,2
11
52,4
Câncer
35
100,0
33
94,3
30
85,7
Transplante
19
100,0
17
89,5
9
47,4
Prótese e outros materiais
38
100,0
25
65,8
22
57,9
8
100,0
8
100,0
7
87,5
Cobertura diversas
123
100,0
99
80,5
96
78,0
Decisões sobre cobertura – total
275
100,0
217
78,9
197
071,6
Obesidade mórbida
7
100,0
3
42,9
5
71,4
Home care
6
100,0
6
100,0
5
83,3
Câncer
2
100,0
2
100,0
2
100,0
Transplante
3
100,0
2
66,7
3
100,0
Prótese e outros materiais
10
100,0
10
100,0
7
70,0
Urgência e emergência
6
100,0
5
83,3
6
100,0
Cobertura diversas
31
100,0
27
87,1
23
74,2
065
100,0
055
84,6
051
078,5
Obesidade mórbida
38
100,0
22
57,9
27
71,1
Home care
27
100,0
22
81,5
16
59,3
Câncer
37
100,0
35
94,6
32
86,5
Transplante
22
100,0
19
86,4
12
54,5
Prótese e outros materiais
48
100,0
35
72,9
29
60,4
Urgência e emergência
14
100,0
13
92,9
13
92,9
Cobertura diversas
154
100,0
126
81,8
119
77,3
Decisões sobre cobertura – total
340
100,0
272
80,0
248
072,9
Assunto
Urgência e emergência
TJRJ
Decisões sobre cobertura – total
Total
Fonte: LEPS/UFRJ 2004.
TABELA 5 – Distribuição da fundamentação jurídica das decisões proclamadas segundo tribunal, 2003 e 2004
Fundamentação Jurídica
Total
%
TJSP
%
TJRJ
%
CDC
68
11,1
55
10,8
13
13,0
Lei 9656/98
113
18,5
93
18,2
20
20,0
CDC e Lei 9656/98
181
29,6
16
3,1
0
0,0
6
1,9
6
1,2
0
0,0
Não específica – CPC
408
66,8
341
66,7
67
67,0
Total
611
100,0
511
100,0
100
100,0
Constituição Federal / 88
Fonte: LEPS/UFRJ 2004.
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança de rota na postura
política dos tribunais pode ser evi-
de da ANS no processo de regula-
A maior ou menor dificuldade
ção da assistência médica suplemen-
dessas demandas de alcançarem sua
tar (GAMA, 2002).
realização pode ser explicada por
Embora o impacto da interven-
meio de um conjunto relevante de
denciada sob diversos focos de aná-
ção do Judiciário na situação de
variáveis. Dentre elas abordaremos,
lise. A intervenção de Poder Judiciá-
melhoria ou ampliação de cobertu-
nesse momento, apenas três: o grau
rio no âmbito privado da saúde é
ra dos serviços assistenciais priva-
de mobilização da coletividade de
mais um exemplo, entre outros, do
dos, de uma forma geral, não pos-
usuários, ou da sociedade civil em
ativismo político de alguns magis-
sa ser mensurado, tendo em vista
geral; o grau de acomodação de in-
trados. O marco da constitucionali-
o escopo desta pesquisa, o tempo
teresses políticos expressados no
zação do direito ordinário reforça
de vigência da Lei 9.656/98 e o ní-
marco regulatório do setor; e a ca-
essa postura. A pressão da socieda-
vel de crescimento da cultura soci-
pacidade administrativa / fiscaliza-
de civil por justiça, proveniente tan-
etal de busca de soluções judiciais
dora da ANS em relação aos opera-
to das relações consumeiristas de
dores de planos de saúde que des-
mercado quanto das relações com o
cumprem a lei, e o tipo de solução
Estado, tem encontrado abrigo na
enfatizada por essa instância. Essa
intervenção desta terceira parte.
O complexo processo de produção regulamentar que envolve, hoje,
o setor de assistência à saúde suplementar põe a ANS diante de imen-
NO BRASIL A LUTA PELA
mente, à situação fiscal e ao nível
CONSOLIDAÇÃO DE UM
SUS
variável relaciona-se, mais fortede renda do operador de plano de
JUSTO E DIGNO
saúde. Esse fator também é deci-
PARA TODA A POPULAÇÃO
sivo, na medida que indica a capacidade, do operador de oferecer
sos desafios. Na análise de GAMA
(2002), a tônica pragmática que pre-
É O QUE DEVERIA NORTEAR
dominou na elaboração e na imple-
AS POLÍTICAS PÚBLICAS
a cobertura assistencial acordada
(DRAIBE , 1999).
mentação da Lei 9.656/98 não pare-
Pesquisadores sobre modelos de
ce predominar em outras instâncias
seguridade social (VIANNA, 2000) re-
de decisão. As decisões provenien-
velam que os seguros universais e
tes do Poder Judiciário estão ampa-
– que está sendo monitorado a par-
públicos, ou administrados sem fi-
radas em legislações mais abrangen-
tir dos dados coletados nessa amos-
nalidades lucrativas, são a forma
tes e em princípios fundamentais da
tra pelo LEPS / UFRJ em relação ao
custo-efetiva mais justa de se garan-
República brasileira, e buscam, cla-
setor assistencial privado da saú-
tir a saúde da população. No Brasil
ramente, a defesa do bem da vida e
de –, na conjuntura atual, a possi-
a luta pela consolidação de um SUS
da dignidade humana.
bilidade de que esta pluralização
justo e digno para toda a população
O perigo que existe na arena re-
institucional produza uma ação si-
é o que deveria nortear as políticas
gulatória diante da presença plural
nérgica entre os agentes envolvidos,
públicas. A escolha pelas soluções
de várias instâncias com poder de
capaz de traduzir-se em benefício
de mercado na área da saúde deve-
influir no marco regulatório, é o de
coletivo, abre perspectivas poten-
ria ser uma escolha e não uma fata-
que estes marcos reguladores mais
cialmente inovadoras em termos de
lidade advinda da crença de que o
ampliados entrarem em rota de co-
ampliação do espaço público, de
sistema público de saúde é para os
lisão e ultrapassarem a centralida-
ação para a cidadania.
pobres. Além disso, o mercado de
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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
planos de saúde é perspicaz na sele-
institucional – ANS – com normas
al de escassez de recursos frente ao
ção dos riscos que serão cobertos e
de natureza mais abrangente no
vigor da demanda, houve, graças ao
na maioria das vezes tem demons-
sentido de se garantir a integrali-
do marco regulatório, uma real ex-
trado um descumprimento no cuida-
dade de cobertura assistencial à
pansão de cobertura, no período re-
do integral à saúde de seus clientes.
saúde. Nesse sentido, a necessida-
cente, após um tempo de disparida-
Cabe assinalar a tensão que per-
de de flexibilizar os requisitos de
des na oferta de produtos. A meta
meia o desenho regulamentar do
acesso das representações de todos
da integralidade, porém, permane-
setor. Um pressuposto implícito na
os atores envolvidos constitui um
ce como um ideal a ser perseguido.
formulação regulamentar é que os
grande desafio.
Os problemas apontados em re-
laços burocráticos e clientelistas
O marco regulatório do setor de
lação à regulamentação do setor de
que regem os interesses setoriais
saúde suplementar vem sendo imple-
planos e seguros de saúde privados,
devem ser rompidos na medida em
mentado em um quadro de mudan-
examinados durante esse trabalho,
que se criem mecanismos institu-
ças estruturais no setor e em um
sugerem a necessidade de um refi-
cionais de participação social que
namento no debate, sobre qual deve
representem, equanimente, todos
ser o modelo de regulamentação bra-
os atores envolvidos. Assume-se,
sileiro para o setor.
assim, que a capacidade propositiva destas representações tenha peso
igualitário nas decisões sobre a re-
A falta de capacidade demons-
É IMPORTANTE PARA A
SOCIEDADE BRASILEIRA QUE A
gulamentação, diminuindo assim a
trada pelo Poder Executivo em implantar um consenso em torno do
desenho da política regulatória, le-
margem de atuação de outras ins-
REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE
vou a uma sistemática reedição de
tâncias regulatórias, como o Judi-
SUPLEMENTAR SEJA PACTUADA
Medidas Provisórias, desde a pro-
ciário tem se convertido.
A presente avaliação permite que
EM BASES DEMOCRÁTICAS
mulgação da Lei 9.656/98, hoje sob
a guarda da ANS.
se conclua que, embora o novo dese-
Entretanto, é importante para a
nho regulamentar tenha levado a uma
sociedade brasileira que a regula-
maior eficiência e representatividade,
mentação da saúde suplementar seja
também apresenta um viés distribu-
ambiente marcado por profundas in-
pactuada em bases democráticas.
tivo, quando efetivamente posto em
certezas. O baixo investimento pú-
Para tanto, torna-se importante a
prática. Com efeito, vem ocorrendo
blico na oferta de serviços assisten-
participação não apenas do Congres-
um sancionamento das desigualdades
ciais de saúde tem justificado a pro-
so Nacional, como também da soci-
existentes entre as diversas enverga-
cura por soluções privadas e a ofer-
edade civil organizada. Estas instân-
duras das empresas de saúde, como
ta de serviços pelo mercado. E isso
cias devem se pronunciar sobre a
suas capacidades implementadora,
implica mudanças institucionais
criação de uma Lei que esteja em
técnica e financeira. Nesse sentido, ao
marcantes, introduzidas por uma
harmonia com o conceito ampliado
premiar os agentes mais capacitados,
nova agenda do setor. Essa agenda,
de saúde (GAMA, 2002).
corre-se o risco de reproduzir a desi-
hoje, tem como centro o aperfeiçoa-
gualdade (COHN, 2003).
Algumas pressões operam no
sentido de reduzir o compromisso
mento do marco regulatório.
É importante ressaltar que, a
despeito da contínua queixa setori-
A presença de outros atores no
cenário regulamentar é uma questão que merece ser profundamente
estudada. O papel do Poder Judiciá-
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil
rio é moldar comportamentos e ar-
permanência em planos de saúde,
CPC associado a referências ines-
bitrar conflitos. A litigiosidade pre-
reajustes, carências, entre outros
pecíficas, em ambos os estados,
sente nas relações sociais que per-
itens. Esse comportamento do Ju-
evidenciando que as situações nas
passam o setor privado de assis-
diciário, como aliado do consumi-
quais se concederam as TA, podem
tência à saúde tem dado voz a re-
dor em posição de vulnerabilidade,
ter sido as que Fux atribui ao ca-
clamos dos clientes que, amiúde,
tem trazido para a superfície do
ráter discricionário da regra de
se vêem a descoberto diante de
debate regulatório demandas que se
aplicação deste instituto, no senti-
suas necessidades.
repetem na justiça. Assim, embora
do de que o juiz dispõe desse poder
O fato de estes conflitos ganha-
não seja da natureza do Judiciário
de avaliação da situação de segu-
rem espaço no Judiciário pode estar
criar direito, esse Poder tem funci-
rança e da situação de evidência. A
demonstrando uma necessidade de
onado como mecanismo de afirma-
referência ao CDC foi pequena, e a
maior amadurecimento da regula-
ção e de vocalização social, no sen-
CF/88 mostrou-se residual.
ção dos planos de saúde. Não pode-
tido de ampliar a abrangência do
Assim, o Judiciário tem sido um
mos ser injustos em dizer que a le-
escopo dos contratos privados de
instrumento muito valioso para o
gislação não tem avançado na re-
assistência à saúde.
exercício de uma cidadania jurídi-
gulamentação. Mas parece que, en-
A robustez das demandas associ-
ca. Mas se estamos diante de um
quanto espaço público de articula-
adas à cobertura assistencial, de-
Poder Judiciário com um papel cen-
ção de interesses, a ANS tem demons-
monstrada pela pesquisa, revela que
tral na construção da sociabilida-
trado maior permeabilidade ao em-
há um nó crítico em relação à imple-
de e diante de um desafio imenso,
presariado do que aos clientes / be-
mentação da extensão de cobertura
sob o ponto de vista pedagógico,
neficiários de planos de saúde. Esse
nos marcos do Plano Referencial pro-
na criação de uma cultura cívica
fato pode ganhar contornos nítidos
posto pela Lei 9.656/98, e as restri-
republicana, só o tempo, e futuros
ao analisarmos as demandas que
ções de acesso impostas pelos regi-
estudos, o poderão afirmar.
encontramos no Judiciário. Pois es-
mes segmentados de atendimento,
sas demandas convergem para o Ju-
além de tratamentos não incluídos
diciário por não encontrarem abri-
na legislação, como quimioterapia e
go em soluções extrajudiciais, que
radioterapia, transplantes de outros
CITTADINO, G. Judicialização da Polí-
poderiam partir da própria agência.
órgãos além de rins e córneas, trata-
tica, Constitucionalismo Democrá-
mento domiciliar, entre outros.
tico e Separação de Poderes. In:
Dentro da perspectiva de descre-
REFERÊNCIAS
ver a intervenção Judiciária nos con-
Quanto à fundamentação jurí-
W ERNECK VIANNA , L. (Org.). A Demo-
flitos inerentes ao setor de saúde
dica, a referência à Lei 9.656/98
cracia e os Três Poderes no Brasil.
suplementar, a análise das 611 de-
ocorreu em cerca de 20% das deci-
[S.l.:S.n.], 2003.
cisões judiciais permitiu demonstrar
sões coletadas. Esse é um sinal de
que o Poder Judiciário tem agido no
certo crescimento da utilização
sentido de conceder, ou mesmo ga-
desse instrumento legal em rela-
rantir, o direito à cobertura recla-
ção ao observado por Fux em 2000,
mada. Tem validado o direito à saú-
quando de 66 decisões coletadas,
de, no sentido de preservar a vida
em São Paulo e no Rio de Janeiro,
D RAIBE, S. M. et al. Avaliação Quali-
humana numa situação dramática,
apenas três mencionavam tal Lei.
tativa de Programas Sociais Priori-
tem garantido o direito em casos de
A maior referência jurídica foi o
tários. Universidade Estadual de
COHN, A. Estado e sociedade e as reconfigurações do direito à saúde.
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.8, n.1, p.9-18, 2003.
Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
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A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde