PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE JANDAIA DO SUL
VARA CÍVEL
AUTOS nº 330/2011
DECISÃO
Trata-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ em face do ESTADO DO PARANÁ
alegando, em síntese, que a Cadeia Pública desta cidade se encontra em
condições precárias, com problemas na instalação elétrica, vazamento na
instalação hidráulica, deficiência na ventilação das celas, problemas nos vãos do
solário, piso sem malha de ferro de concreto, corrosão na estrutura do solário;
que tal situação ocasiona risco à integridade física dos detentos; que a cadeia
pública local não atende as condições mínimas de segurança; que possui
superlotação; que os presos provisórios não permanecem separados dos presos
definitivos; que a situação de pessoal é caótica. Ao final, pugnou pela concessão
de liminar para: a) designar e manter um investigador, um escrivão e um
carcereiro, concursados para os respectivos cargos para os Municípios de São
Pedro do Ivaí, Bom Sucesso, Kaloré e Marumbi; b) reformar a Cadeia Pública de
Jandaia do Sul com o fim de sanar todas as irregularidades apontadas no laudo
elaborado pelo Instituto de Criminalística e aumentar a capacidade para 60
detentos. Juntou documentos.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Passo a decidir.
O requerente busca com a liminar a reforma da Cadeia Pública de
Jandaia do Sul e a designação de servidores públicos para ocupar os cargos de
investigador, escrivão e carcereiro nos Municípios de São Pedro do Ivaí, Bom
Sucesso, Kaloré e Marumbi.
Em juízo de cognição superficial vislumbra-se a existência do
“fumus boni iuris” nas razões expostas pela parte autora, diante da plausibilidade
do direito alegado na inicial, em face da previsão na Constituição Federal do
princípio da dignidade da pessoa humana e do dever do Estado em fornecer
segurança pública à coletividade. Vejamos:
Autos nº330/2011, fl. 01
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VARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA
DECONTRADITÓRIO. REJEIÇÃO. REFORMA PENITENCIÁRIA, DE
CADEIA PÚBLICA, CONSTRUÇÃO DE CADEIAS NAS COMARCAS,
CONCURSO
PARA
SERVIDORES,
AQUISIÇÃO
DEVEÍCULOS.
SEPARAÇÃO DOS PODERES. RESERVA DO POSSÍVEL. Dignidade da pessoa
humana - Diminuição da multa e ampliação do prazo para consecução do determinado
na sentença. Provimento parcial. (TJRR; AC 0010.06.138962-2; Rel. Des. Robério
Nunes; Julg. 24/05/2011; DJERR 27/05/2011).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. MEDIDA QUE ESGOTA, EM PARTE, O OBJETO DA AÇÃO.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE
FAZER. REFORMA E AMPLIAÇÃO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL.
DEMORA INJUSTIFICADA NA REALIZAÇÃO DE OBRAS NECESSÁRIAS.
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE
INGERÊNCIA INDEVIDA. MULTA POR DESCUMPRIMENTO EXCESSIVA.
REDUÇÃO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. O princípio da dignidade
humana autoriza a antecipação de tutela para determinar que o Estado tome
providências, há muito reclamadas, para Resolução de situação precária, insalubre e de
insegurança existente em estabelecimento prisional, ainda que esgote, em parte, o
objeto da ação. "Não obstante haja certa reserva quanto à possibilidade de conceder
tutela antecipada em ações movidas contra a Fazenda Pública, o certo é que não se
mostra razoável deixar de se adotar tal medida, que é necessária para evitar riscos à
vida dos detentos e funcionários da cadeia pública, bem como garantir a segurança da
população em geral." (Dra. Giovana Pasqual, Juíza de Direito). É cabível a cominação
de multa, em valor razoável, para o caso de descumprimento da ordem judicial.
(TJMT; RAI 96343/2006; Juína; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Juracy Persiani; Julg.
06/06/2007).
APELAÇÃO CÍVEL. CADEIA PÚBLICA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE
GUAPIARA. PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES E SUPERLOTAÇÃO.
PROPENSÃO A FUGAS E REBELIÃO. Atentado à incolumidade física e moral
dos presos, bem como à tranquilidade da coletividade que está instalada aos arredores
do estabelecimento. Dever do Estado de promover a segurança pública. Poder
Judiciário que deve determinar o cumprimento do mandamento constitucional.
Precedente do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pedido inicial julgado
improcedente em primeiro grau. Reforma da r. Sentença atacada Provimento. (TJSP;
APL-Rev 389.067.5/1; Ac. 2592452; Capão Bonito; Décima Segunda Câmara de
Direito Público; Rel. Des. Prado Pereira; Julg. 23/04/2008; DJESP 10/06/2008)
A Constituição Federal elenca a segurança pública entre os direitos
fundamentais do indivíduo (art. 5º) e estabelece que ela “é dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
Autos nº330/2011, fl. 02
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pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos seguintes
órgãos (...)” (art. 144).
Nota-se que a ordem constitucional vigente, em seu art. 144,
consagra a segurança pública como dever do Estado, devendo propiciar a todos
condições dignas de proteção.
De acordo com os documentos juntados autos (fls. 45-67/286301/311-312/327-334), restou evidenciado a necessidade da reforma e ampliação
da Cadeia Pública de Jandaia do Sul, bem como, a necessidade da designação de
servidores públicos para desempenhar funções nas delegacias dos Municípios de
São Pedro do Ivaí, Bom Sucesso, Kaloré e Marumbi (fls. 70-266/340-345).
Não se admite que o prédio da Cadeia Pública seja mantido nas
condições de insalubridade e insegurança que os autos descrevem, ou que os
presos sejam submetidos à superlotação e, ainda, que as demais Delegacias desta
Comarca permaneçam sem servidores públicos para desempenhar os serviços
básicos afetos à Polícia Civil.
O respeito aos direitos dos detentos e o atendimento da segurança
pública são garantias constitucionais que instrumentalizam um dos princípios
fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, inciso III), a qual não pode ser minimizada por omissão do
Estado no cumprimento de seu dever.
A doutrina e a jurisprudência vêm se inclinando no sentido de que
cabe ao Judiciário interferir nas prioridades do Executivo com relação à
realização de obras e destinação do dinheiro público, quando haja infração aos
direitos e garantias constitucionais do cidadão. Nesta hipótese não se pode falar
em ofensa ao princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), porém, deve-se
respeitar a necessidade de prévia dotação orçamentária (CF, art. 167), mediante a
fixação de prazo razoável ao cumprimento da liminar.
Não se vê fundamento para o Poder Judiciário não poder interferir na
ordem em que as reformas e construções devam ser realizadas, quando o Poder
Executivo seja omisso quanto ao cumprimento de seus deveres constitucionais.
Não se trata de interferência ou infração à separação de poderes, mas de
determinação a um dos poderes constituídos para que cumpra as cláusulas pétreas
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e os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º).
Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. MEDICAMENTO. OBSERVÂNCIA À CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E À LEI ESTADUAL Nº 9.908/93. RESPONSABILIDADE DE
TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 196
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS
PODERES. RESERVA DO POSSÍVEL. PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE. POSTULADO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
DIREITO À VIDA E À SAÚDE. 1. Responsabilidade solidária. Cumpre tanto à
união, quanto ao estado e ao município, modo solidário, à luz do disposto nos artigos
196 e 23, II da Constituição Federal de 1988, o fornecimento de medicamentos a quem
deles necessita, mas não pode arcar com os pesados custos. 2. Mérito. A)
autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal. Postulado constitucional da
dignidade da pessoa humana. O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art.
6º, caput, da carta, com aplicação imediata, leia-se, § 1º, do art. 5º, da mesma
constituição, e não um direito meramente programático. B) princípio da tripartição dos
poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Da proibição de
retrocesso. A despeito da alegação do estado de que há violação ao poder
discricionário da administração pública, em que pese não se possa desconsiderar a
conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer interferência judicial, pena
de afronta ao princípio da separação dos poderes, a violação de direitos fundamentais,
sobretudo a uma existência digna, haja vista a inércia do poder executivo, legitima o
controle judicial. C) direito aos medicamentos. Em sendo dever do ente público a
garantia da saúde física e mental dos indivíduos e, em restando comprovado nos autos
a necessidade da requerente de fazer uso dos medicamentos descritos na inicial,
imperiosa a procedência do pedido para que o ente público os custeie. Exegese que se
faz do disposto nos artigos 196, 200 e 241, X, da Constituição Federal, e Lei nº
9.908/93. D) substituição dos fármacos. É o médico responsável pela vida e pela saúde
da autora quem determina qual o medicamento indispensável ao tratamento da
enfermidade a que é acometida. O laudo juntado pelo ente público, data vênia, não se
presta para o fim colimado, qual seja, modificar a prescrição médica. E) denominação
comum brasileira. É possível que seja fornecido medicamento na forma da
denominação comum brasileira, desde que na mesma quantidade e dosagem prescritas
e com base no princípio ativo do postulado na inicial. Sentença que não dispôs de
forma diversa. Falta de interesse recursal. F) bloqueio de valores. Ausência de
interesse recursal, na medida em que não há previsão na sentença quanto ao bloqueio
de valores. Negado seguimento ao recurso. (TJRS; AC 275476-70.2011.8.21.7000;
Faxinal do Soturno; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Carlos Roberto Lofego
Canibal; Julg. 27/06/2011; DJERS 06/07/2011).
APELAÇÃO CÍVEL. FRALDAS DESCARTÁVEIS. OBSERVÂNCIA À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E À LEI ESTADUAL Nº 9.908/93.
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RESPONSABILIDADE
DE
TODOS
OS
ENTES
FEDERATIVOS.
AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PRINCÍPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES. RESERVA DO POSSÍVEL.
PROPORCIONALIDADE
E
RAZOABILIDADE.
POSTULADO
DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. 1.
Responsabilidade solidária. Cumpre tanto à união, quanto ao estado e ao município,
modo solidário, à luz do disposto nos artigos 196 e 23, II da Constituição Federal de
1988, o fornecimento de medicamentos e insumos a quem deles necessita, mas não
pode arcar com os pesados custos. 2. Mérito. A) autoaplicabilidade do art. 196 da
Constituição Federal. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana. O
direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com
aplicação imediata, leia-se, § 1º, do art. 5º, da mesma constituição, e não um direito
meramente programático. B) princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. Da proibição de retrocesso. A despeito da alegação
do estado de que há violação ao poder discricionário da administração pública, em que
pese não se possa desconsiderar a conveniência e oportunidade, de forma a relegar
qualquer interferência judicial, pena de afronta ao princípio da separação dos poderes,
a violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja vista a
inércia do poder executivo, legitima o controle judicial. C) da reserva do possível. O
princípio da reserva do possível não se aplica quando se está diante de direitos
fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na
Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do nosso estado democrático
e social de direito (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal). D) direito às fraldas
descartáveis. O uso de fraldas descartáveis, e demais insumos, por quem delas
necessita, face à incapacidade de conter suas necessidades fisiológicas, corresponde à
manutenção da saúde e dignidade da pessoa, sendo obrigação do estado fornecê-las.
Princípio da dignidade da pessoa humana. E) custas. Terá o poder público estadual
direito à isenção de custas, despesas e emolumentos, nos termos do disposto na Lei
Estadual nº 13.471/2010, que deu nova redação ao artigo 11 do regimento de custas,
Lei nº 8.121/85. Observar decisão proferida na ADIN nº 70038755864. Recurso
provido em parte. (TJRS; AC 643713-20.2010.8.21.7000; São Gabriel; Primeira
Câmara Cível; Rel. Des. Carlos Roberto Lofego Canibal; Julg. 11/05/2011; DJERS
27/05/2011)
Há de ser ressaltado também que a reforma e a contratação de
pessoal pretendida não implicam severa realocação de recursos que prejudique as
contas públicas.
Outrossim, indubitável a presença do perigo da demora, pois o atraso
na realização das obras ou na contratação de pessoal poderá causar danos
irreparáveis aos detentos e à segurança pública. Estando comprometidos direitos e
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garantias constitucionais dos detentos e da coletividade, demonstrado está o
“periculum in mora”.
É cabível a concessão da liminar “inaudita altera pars”, por ser
medida de urgência. Vejamos posicionamento jurisprudencial:
“Cabe a tutela antecipada contra o Poder Público, exceto quando tenha por objeto
pagamento ou incorporação de vencimentos ou vantagens a servidor público” (STFRDA 222/244).
Tal posicionamento tem base constitucional, vale dizer, está
lastreado no princípio constitucional de acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV).
Dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em caso
de fundado receio de dano é o mesmo que afirmar que o direito do cidadão pode
ser lesado quando a Fazenda Pública for ré. É possível a concessão de tutela
antecipada contra a Fazenda Pública, desde que em situações não abrangidas pelo
disposto no artigo 1º, da Lei nº. 9.494/97.
Deve ser fixado prazo razoável para o cumprimento da liminar em
respeito à lei orçamentária anual e ao tempo necessário para a realização de um
concurso público. Atendendo a este paradigma e à urgência que a situação
concreta recomenda, entendo adequado a fixação do prazo de 01 ano para o início
das obras de reforma e para o provimento dos servidores públicos.
Ante ao exposto, DEFIRO a LIMINAR a fim de determinar que o
requerido dê início às obras de reforma da Cadeia Pública de Jandaia do Sul, com
o objetivo de aumentar a capacidade para 60 (sessenta) detentos, bem como, sanar
todas as irregularidades apontadas no laudo elaborado pelo Instituto de
Criminalística (fls. 327-334) e, ainda, promova a investidura de um investigador,
um escrivão e um carcereiro, mediante concurso público, para os Municípios de
São Pedro do Ivaí, Bom Sucesso, Kaloré e Marumbi, no prazo de 01 ano, contado
da data em que o requerido for citado pessoalmente acerca desta decisão, sob
pena de aplicação de multa diária que fixo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
com fulcro no art. 461 do Código de Processo Civil.
Cite-se.
Intime-se.
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VARA CÍVEL
Diligências necessárias.
Jandaia do Sul, 15 de julho de 2011.
João Gustavo Rodrigues Stolsis
Juiz de Direito
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