Aspectos Econômicos do Novo Sistema Portuário criado pela Medida
Provisória 595/2012
César Mattos1
I)
Introdução
O Poder Executivo em 07/12/2012 apresentou Medida Provisória (MP
595/2012) com significativas alterações na legislação de portos do país. Algumas
alterações com impacto econômico são de particular importância:
• Sempre houve controvérsia de se os terminais de uso privativo
poderiam movimentar livremente carga de terceiros ou estariam
sujeitos à restrição de movimentação preponderante de carga própria
definida no Decreto nº 6.620/08. Na nova legislação deixa-se claro que
esta restriçãode movimentação não mais se verifica. Entendemos que
esta é, de longe, a mais relevante (e positiva) modificação da MP.
• A escolha do licitante vencedor passaria do atual critério de “maior
valor pago pela outorga” para os critérios de “maior movimentação de
carga pela menor tarifa”. Outros critérios também podem ser incluídos.
• A ANTAQ passa a regular o acesso de todas as instalações portuárias
para uso por terceiros.
As seções a seguir tratam de cada um desses três pontos.
II) Assimetria Regulatória e a Preponderância da Carga Própria para Terminais
de Uso Privativo Misto2
Os TUPs partem da constatação que há assimetrias regulatórias entre os
regimes dos TUPs e os TUMs, com mais obrigações e menos direitos dos primeiros em
relação aos segundos. Nesse contexto, a limitação da capacidade dos TUMs de
concorrer com os TUPs, com base na “preponderância de carga própria”,
reestabeleceria o equilíbrio competitivo (ou o levelplayingfield) deste mercado. As
diferenças alegadas entre os regimes, as quais justificariam a restrição à concorrência
dos TUPs pelos TUMs,seriam as seguintes:
(i)
osTUPs são arrendados e concedidos via leilão, enquanto os TUMs são
simplesmente autorizados, sem qualquer mecanismo de leilão, o que geraria um ônus
a mais para os TUPs, não arcados pelos TUMs;
(ii)
osTUPs são concedidos por 25 anos (renováveis por mais 25 anos),
enquanto os TUMs seriam autorizados sem previsão de término do contrato, o que
viabilizaria preços menores para estes últimos para efeito de realizar a devida
recuperação dos investimentos;
(iii)
a contratação de mão de obra pelo Órgão Gestor da Mão de Obra
(OGMO) seria obrigatória para os TUPs e optativa para os TUMs;
1
Doutor em Economia e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados.
Esta seção baseia-se em Mattos, C.: “Assimetria Regulatória e Competição no Setor Portuário” (cap.
20). In “Economia Pública Brasileira”. Escola de Administração Fazendária – ESAF e Universidade
de Brasília – Orgs. Sampaio, Conceição; Versiani, Flavio e Pianto-Tannuri, Maria Eduarda. 2010.
2
(iv)
osTUPs teriam obrigação de atender a todas as solicitações de
movimentação de cargas, inclusive as menos rentáveis, enquanto os TUMs poderiam
escolher as cargas mais rentáveis, configurando uma situação regulatória conhecida
como cream-skimmingou cherry picking; a rigidez das obrigações dos TUPs estaria
diretamente associada a seu status de concessionária de serviço público, o que
supostamente implicaria, além do atendimento de todas as solicitações de operações
de cargas, modicidade tarifária e continuidade do serviço;
(v)
a prática de free-riding, visto que os TUPs pagariam taxas à autoridade
portuária que não seriam pagas pelos TUMs, revertidas para investimento em bens
coletivos do porto. O fato de os TUMs se beneficiarem, mas não pagarem pelo
benefício, caracterizaria o free-riding.
Vejamos um a um desses pontos.
Leilão X Autorização
Está longe de ser claro em que direção a distinção de regras (concessão via
leilão versus autorização sem ônus) gera um custo maior ou menor para a entrada no
negócio portuário. Isso porque os TUPs arrendam por leilão uma área já construída e
em operação, enquanto os TUMs devem fazer investimento greenfield. Em ambos os
casos, há desembolso de recursos do concessionário/autorizatário para investir, seja
no que já existe (caso dos TUPs), seja no que ainda não existe (caso dos TUMs).
Tanto os lances do leilão para arrematar áreas já construídas nos TUPs quanto a
disposição para despender no investimento greenfield dos TUMs levam em conta o
valor presente do capital aplicado. Se for muito mais vantajoso a entrada no setor
portuário via TUPs, a concorrência nos leilões destes TUPs será tão intensa que boa
parte ou provavelmente toda esta vantagem será erodida. Ou seja, naturalmente os
lances dos leilões dos TUPs deverão calibrar a rentabilidade dos TUPs ao que seria a
opção pelo investimento em um TUM.
Assim, tal assimetria não justifica a restrição à concorrência dos TUPs pelos
TUMs.
Concessão por tempo limitado x autorização por tempo (teoricamente)
ilimitado
O argumento é que enquanto os TUPs teriam apenas 25 anos da concessão
para recuperar seus investimentos, os TUMs não teriam prazo para tal. Os TUPs,
portanto, perderiam competitividade ao serem obrigados a trabalhar com margens
maiores para a recuperação mais célere de seus investimentos.
Os TUPS trabalham com a ideia de que uma autorização pode ser tratada como
uma perpetuidade, desconsiderando a probabilidade de cancelamento da autorização,
que pode ocorrer inclusive antes dos 25 anos de concessão dos TUPs. Este tipo de
contingência pode ser até mais provável no contrato de autorização que no de
concessão. Motivações políticas podem ter, inclusive, um caráter de expropriação do
investimento com a compensação paga por um “valor justo” que esteja subestimado.
De outro lado, cabe incorporar no prazo esperado da concessão a
probabilidade de renovação da concessão. Isto faz com que a comparação não seja
entre 25 anos da concessão e uma perpetuidade da autorização, mas entre 25 mais 25
anos (este último ponderado pela probabilidadede renovação) e algo com um prazo
bem inferior ao infinito, provavelmente inferior a 50 anos. Em ambos os casos, a
percepção sobre a probabilidade de uma contingência de intervenção do Estado na
concessão ou autorização deve ser considerada.
Mais uma vez está longe de ser claro que as assimetrias de prazo dos regimes
de concessão e autorização justifiquem restrições na concorrência.
OGMO
Uma outra fonte de assimetria alegada seria a necessidade de os TUPs
contratarem pessoal do Órgão Gestor da Mão de obra (OGMO), enquanto o regime
dos TUMs seria mais flexível. A MP 595/2012, inclusive, estaria tornando esta
flexibilidade dos TUMs mais clara, o que é positivo.
O problema principal é que permanece elevada a ineficiência gerada na
contratação pelo OGMO, especialmente pela definição dos chamados “ternos”, que
obrigam o contratante a pagar mais mão de obra do que a necessária para a operação.
Esta talvez seja a assimetria mais significativa entre os regime, sendo que não
nos parece fazer sentido estender esta ineficiência aos TUMs. Daí que a melhor
solução seja o constrangimento à concorrência dos TUMs vai um longo caminho. Se o
modelo de OGMO já se revelou inapropriado, comprometendo a eficiência de um
setor com significativos spill-overs para o resto da economia como portos, urge que
seja revisto. No limite, caberia a simples extinção do modelo tornando todos os
portuários funcionários das concessionárias/autorizatárias, como em qualquer
empresa3.
Cream-Skimming
O argumento de que, como concessionários, os TUPs são obrigados a operar
com todo tipo de carga e os TUMs não, é falacioso.
Primeiro, não há metas impostas pelo regulador sobre a movimentação da
carga. Segundo, como não há regulação de tarifas e nem restrições à discriminação de
preços pelo operador, basta ao TUP cobrar uma tarifa mais alta para recusar, na
prática, o transporte de uma carga tida como deficitária. Enquanto há setores em que
se impõem metas de universalização com segmentos deficitários como em energia
elétrica, ônibus ou telecomunicações, o mesmo não se verifica no setor portuário.
Isto desqualifica o argumento de cream-skimming como base para reduzir a
concorrência no setor.
Free-Riding
Outra fonte alegada de assimetria regulatória residiria no argumento que taxas
relativas ao funcionamento do porto seriam pagas pelos TUPs, mas não pelos TUMs.
Os TUMs seriam tipicamente free-riders (ou caronas) no esforço de provisão de bens
coletivos no porto.
3
Note que o pool de mão de obra do OGMO pode ser justificável economicamente quando há
sazonalidades diferentes dos terminais. Este não parece ser o caso.
Claramente, a forma mais eficiente de lidar com esse problema não seria
restringir a concorrência, mas cobrar as tarifas devidas dos TUMs. De qualquer
maneira, os TUPs nunca conseguiram demonstrar em quais taxas este problema de
fato aconteceria.
Em síntese, a eliminação das restrições para trabalhar com carga de terceiros
pelos TUMs é positiva para a concorrência no setor e nenhuma das assimetrias
regulatórias levantadas pelos TUPs justificaria limitar os TUMs preponderantemente às
cargas próprias.
III) Modificação de Critérios de Licitação para Maior Movimentação de
Carga pela Menor Tarifa
O art. 6º do Projeto de Lei de Conversão define a nova regra das licitações para
exploração de terminais portuários:
“Art. 6º Nas licitações dos contratos de concessão e arrendamento serão
considerados como critérios para julgamento, de forma isolada ou combinada, a maior
capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de
carga, e outros estabelecidos no edital, na forma do regulamento”
O governo federal já defende há algum tempo a ideia de que o melhor modelo
de licitação seria baseado nos lances da “menor tarifa do serviço” e não no usual
“maior valor da outorga”. A intuição seria muito direta: basear-se na menor tarifa seria
naturalmente mais pró-consumidor ao induzir os participantes do certame a reduzir ao
máximo os preços4. Este argumento foi muito ressaltado pelo governo no caso das
concessões rodoviárias em 2007.
A despeito da intuição deste raciocínio, esta desconsidera os incentivos que
permeiam o comportamento dos participantes do certame em cada um desses tipos
de licitação (menor pedágio ou maior preço da concessão).
Na verdade, esta não é uma discussão nova na teoria econômica da regulação.
Demsetz (1968)5 propôs que concessões de serviços regulados fossem realizadas por
um leilão de menor preço do serviço. Isto resolveria dois dos problemas fundamentais
dos reguladores, em um contexto de assimetria de informações sobre custos das
firmas reguladas: definir qual seria o preço ótimo do serviço e qual o melhor
concessionário. Assumindo um leilão suficientemente competitivo, os participantes
estariam dispostos a fazer lances, oferecendo preços dos serviços menores até atingir
os seus respectivos custos médios. No critério de menor preço do serviço, o vencedor
seria aquele com menor custo médio, pois este estaria disposto a fazer lances em
valores entre o seu próprio custo médio e o do segundo mais eficiente. Neste intervalo
logo abaixo do custo médio do segundo mais eficiente todos os outros participantes
4 Esta análise se baseia em Mattos, C.: “Por que o modelo de concessões de rodovias federais no Brasil
não está apresentando bons resultados?”Site Brasil Economia e Governo do Instituto Fernand Braudel.
http://www.brasil-economia-governo.org.br/. 07/12/2011.onde se avalia o caso das concessões de
rodovias no Brasil.
5
Demsetz, Harold: “Why Regulate Utilities?”. Journal of Law and Economics, Vol. 11, No. 1,
(Apr., 1968).
não estariam dispostos a fazer mais lances. Se o fizessem, incorreriam em prejuízo pois
seus preços ficariam abaixo dos respectivos custos médios. Assim, além do certame
baseado no menor preço do serviço se constituir em um mecanismo de revelação da
informação sobre o preço ótimo do serviço regulado para o regulador (uma
preciosidade em um contexto de assimetria crônica de informação do regulador),
também viabilizaria que o escolhido fosse aquele participante com maior eficiência.
O problema deste mecanismo foi apontado por Williansom (1976)6. No caso do
leilão baseado nos preços dos serviços haveria uma tendência sistemática dos
participantes do certame a realizarem lances com valores abaixo daqueles
minimamente consistentes com seus custos. Isso ocorreria na medida em que tais
participantes acreditassem ser capazes ex-post de convencer o regulador a permitir o
incremento dos preços dos serviços acima daquilo que foi resultado do lance no leilão.
O ponto principal para Williansom é que faltaria capacidade ex-ante ao regulador de se
comprometer (commitment) a não ceder às demandas ex-post de reajuste das tarifas
acima do combinado. Ou seja, o regulador não é capaz de se comprometer a não
renegociar o valor fundamental que ensejou o resultado do leilão, ou seja, o preço do
serviço. Isso decorre especialmente das dificuldades do poder público para trocar o
fornecedor do serviço ex-post rapidamente e com baixo custo.
Um dos maiores geradores de custos de troca ex-post são os elevados
sunkcosts (custos afundados) que permitem comportamentos oportunistas tanto do
concessionário como do próprio Estado7.
Se os participantes do certame racionalmente esperam ex-ante que faltará
commitment ao regulador ex-post se pressionado a renegociar, o valor do preço do
serviço que eles devem propor em seus lances passa a ser desvinculado dos seus reais
fundamentos de demanda e custo. Pior, é razoável postular que o valor do preço do
serviço definido no lance de cada participante reflita não a eficiência própria, como
custos menores, mas sim a capacidade percebida de cada um em realizar um lobby
bem sucedido no regulador quando o contrato estiver em operação. Ou seja, vencerá
quem tiver melhores conexões políticas ou quem for mais otimista em relação às
dificuldades do regulador em evitar uma renegociação.
Nesse contexto, um dos principais objetivos do mecanismo de leilão, que é o de
garantir a escolha do participante mais eficiente, é comprometido. Outro objetivo do
mecanismo que seria o de “revelar” para o regulador qual o “preço certo” do serviço
também não seria alcançado e a assimetria de informação regulador-regulado
perseveraria.
Dessa forma, a adoção do “critério da menor tarifa” tende a distorcer os
resultados da licitação, comprometendo a escolha do mais eficiente. Há uma
tendência grande à atração de “aventureiros” com baixa capacidade real de
implementar um serviço de qualidade e/ou realizar os investimentos demandados.
Note-se que o problema indicado não se limita aos leilões de concessão
baseados na variável “preço de serviço”. Qualquer critério de seleção de
concessionário que se basear em variáveis que vão se realizar ex-post também
6
Williamson, Oliver E. (1976), "Franchise Bidding for Natural Monopolies-in General and with
Respect to CATV", The Bell Journal of Economics, Vol. 7, No. 1 (Spring).
7
Note-se que há várias situações em que o oportunista é o Estado e não o concessionário:
após a realização dos custos afundados pelo último, o Estado (especialmente governos recémeleitos descomprometidos com a estabilidade das regras do procedimento licitatório) é que
tenta forçar as tarifas para níveis inferiores ao estabelecido.
padecem do mesmo problema se não forem dados incentivos apropriados ex-post para
o cumprimento da obrigação ofertada no lance. Sendo assim, os outros critérios
indicados na MP 595/2012 como “movimentação de carga” e “tempo de
movimentação” recaem exatamente no mesmo problema de “não commitment” dos
leilões baseados em menor tarifa com um agravante.
As tarifas são variáveis que estão mais no controle do
concessionário/autorizatário, enquanto “movimentação de carga” e “tempo de
movimentação” não. Se uma demanda menor se realizar, por exemplo, como
conseguir movimentar o volume de cargas prometido? Nesse caso, o concessionário
não precisa nem renegociar com o regulador. O tempo de movimentação, por sua vez,
depende da produtividade que também não é variável que esteja sob o controle direto
do concessionário. Ele pode fazer um grande esforço para isso, mas há características
intrínsecas suas que podem ser insuperáveis. Ou seja, ainda que a “vontade” do
concessionário resolva o problema de moral hazard com mais esforço, ela não resolve
o problema de seleção adversa (quão naturalmente eficiente o operador é). Assim,
mais até que no caso da menor tarifa, a inclusão desses critérios tende a politizar, na
prática, o processo de escolha do concessionário.
Um outro problema fundamental é que o critério de “menor tarifa” está
introduzindo no sistema portuário um controle de preços que atualmente não existe.
Mais do que isso, os diagnósticos existentes indicam que, em geral, o alto custo da
movimentação portuária decorre das várias ineficiências do sistema e do constante
excesso de demanda e não de poder de mercado. Ou seja, se está criando a solução
para um problema regulatório que não existe.
Na verdade, cria-se mais um inibidor para os incentivos ao investimento e, por
conseguinte, à expansão da oferta.
IV)
Regulação de Acesso no Porto Organizado
A regulação de acesso nos setores de infraestrutura, em geral, objetiva evitar
abusos de posição dominante resultante de integração vertical. Em telecomunicações,
por exemplo, obriga-se a negociar e regula-se o preço do acesso local (upstream) do
operador verticalmente integrado para evitar que este prejudique deliberadamente
seus concorrentes no serviço de longa distância (downstream).
A questão é qual a medida deste problema na prática para o setor portuário?
Recente estudo da OCDE (2011)8 sobre competição no setor aponta que foram
identificadas na experiência internacional a prática de recusa de negociar ligada à
participação do operador portuário em outros mercados downstream, recusando-se a
ofertar ou conceder acesso para competidores.
Dois exemplos foram colocados. Primeiro, a recusa de venda no Porto de
Puttgarden, Alemanh,a no qual a Scandlines teria impedido acesso de duas
companhias de navegação norueguesas, BastøFosen e Eidsiva. A Scandlines era o único
provedor do serviço na rota Puttgarden–Rødby.
Segundo, observou-se prática de recusa de venda no Porto de Marsden Point –
Nova Zelândia. A Companhia de Operações de Estiva acusou o operador Northport de
recusa de negociação. A Northport ofereceu um acordo em que a empresa poderia ter
acesso ao porto, mas a carga deveria ser armazenada fora do porto, com acesso
8
OCDE: Competition in Ports and Port Services. Policy Roundtables. 19/12/2011
rodoviário. A Companhia de Operações de Estiva concluiu que o armazenamento fora
do porto tornaria a operação excessivamente dispendiosa e anti-econômica.
anti
A
Comissão de Concorrência da Nova Zelândia considerou que a Northportusou
Northport
o poder
de monopólio para impedir competição no serviço de estiva, tendo que entrar em
acordo para garantir acesso em condições justas e não discriminatórias.
discriminatórias
Mesmo
esmo sem uma conduta de recusa a negociar concreta, a French Energy
RegulatoryCommission (CRE) decidiu regular as tarifas de longo prazo dos terminais de
Gás Natural Liquefeito
iquefeito (GNL),
(GNL), dominados pela GDF (Gas de France). A CRE determinou
que nenhum fornecedor
or poderia ter acesso a mais de 2/3 da capacidade do novo porto
de Fos Cavou para evitar que houvesse fechamento vertical no mercado. A GDF
aceitou o acordo para liberar capacidade em dois portos para outros players (Total e
EDF).
No Brasil,, o caso de concorrência
concorrência mais relevante no setor portuário foi o da
THC-2
2 em que duas empresas de operadores portuários foram condenadas por cobrar
dos armadores um valor a mais que deveriam ser pagos quando a armazenagem de
contêineres fosse realizada por concorrente. Assim,
Assim, se o armador optasse por
armazenar junto ao próprio operador, ele cobrava apenas um valor chamado de “Box
Rate” pela movimentação de contêineres. Caso optasse por armazenar em armazém
que não o de propriedade do operador,
operador o armador seriaa obrigado a pagar
p
um valor
adicional, a chamada THC-2.
THC Esta última,, segundo a autoridade de concorrência, o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), não tinha qualquer conexão
com custos adicionais do operador com cargas armazenadas com terceiros.
terceiros A THC-2 foi
entendida, portanto, como uma forma velada de incrementar os custos do armador
quando este comercializasse com o rival no mercado de armazenagem. Assim, os
operadores utilizariam seu poder no mercado de movimentação de contêineres para
estendê-lo
lo ao mercado de armazenagem. O quadro a seguir resume o caso.
A OCDE (2011) sugere que faria sentido introduzir uma regulação de acesso
para concorrentes do operador portuário em outros mercados, com o regulador
definindo tarifas máximas, obrigações de transparência, separação
eparação contábil, medidas
9
similares a outros contextos regulatórios .
A imposição deste tipo de regulação, no entanto, deve ter como condição
necessária a identificação de uma “facilidade essencial” na infraestrutura do operador
para avaliar
valiar o poder de mercado e o grau de dependência dos competidores àquele
insumo. A OCDE (2011) faz uma interessante proposta de algoritmo para o regulador
avaliar quando uma regulação de acesso faz sentido no setor que poderia ser aplicada
no Brasil.
A imposição da regulação de acesso, portanto, requereria uma aplicação prévia
deste teste. Ademais, caberia ao regulador aguardar se há, de fato, terceiros
concorrentes em outros mercados prejudicados por condutas dos operadores antes de
embarcar em um custoso
toso processo regulatório como este. Por fim, mesmo existindo
estes terceiros interessados, cabe ao regulador avaliar se o caso pode ser resolvido de
forma adequada pela autoridade de concorrência. A questão principal aqui é indagar
se se trata de um comportamento
comportamento sistemático de conduta anticompetitiva do
operador, o que justificaria uma regulação em bases mais permanentes, ou se é um
exceção localizada.
V)
Conclusões
Analisamos três pontos relevantes da MP 595/2012 que modifica o regime
regulatório dos portos no país.
A eliminação das restrições à concorrência no setor removendo o requerimento
de preponderância de carga própria dos TUMs constitui significativo avanço
institucional no setor. Não há como justificar um constrangimento à operação dos
9
No Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) da Agência Nacional de Telecomunicações no Brasil,
estas são medidas que podem ser impostas a operadores considerados como detentores de Poder de
Mercado Significativo (PMS). Ver em www.anatel.gov.br.
TUMs e sua expansão em um setor com um excesso de demanda crônico e falta de
investimentos.
A mudança do critério das licitações em portos do “maior valor de outorga”
para “menor tarifa”, “movimentação de carga” e “tempo de movimentação” nos
parece negativa. Há grande chances deste novo critério estimular a entrada de agentes
oportunistas que fazem lances excessivamente agressivos com a esperança de
renegociar ex-post. Há indícios de que isto já ocorreu no caso de rodovias, o que vem
comprometendo o cronograma de investimentos e a esperada melhoria da qualidade.
No caso específico da “menor tarifa”, o problema maior reside em introduzir um
controle tarifário em um setor em que este não existe. Acreditamos que o controle de
tarifas seria totalmente anti-funcional no setor portuário neste momento,
comprometendo inclusive a meta de incrementar investimentos.
A introdução de uma regulação de acesso pode ser positiva, mas deve ser feita
com muito cuidado de forma a evitar desnecessário excesso de regulação. Propomos
que cada regulador portuário, antes de introduzir este tipo de regulação faça um teste
em três passos: 1) avalie se o operador portuário possui uma facilidade essencial; 2)
aguarde existir pelo menos um terceiro interessado na regulação de acesso; 3) avalie
se a atuação da autoridade de concorrência já não seria suficiente para tratar do
problema.
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"Aspectos Econômicos do Novo Sistema Portuário