RECLASSIFICANDO O ESPECTRO DE PACIENTES SÉPTICOS COM O USO DO LACTATO: SEPSE GRAVE, CHOQUE CRÍPTICO, CHOQUE VASOPLÉGICO E CHOQUE DISÓXICO. Otavio Tavares Ranzani*, Mariana Barbosa Monteiro, Elaine Maria Ferreira, Sergio Ricardo Santos, Flavia Ribeiro Machado, Danilo Teixeira Noritomi. * Unidade de Terapia Intensiva, Disciplina de Emergências Clínicas, Hospital das Clínicas, Universidade de São Paulo USP. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013; 25(4): 270-278. www.paulomargotto.com.br ; Brasília, 2 de abril de 2014 Artigo Integr 1.[PDF] Reclassificando o espectro de pacientes sépticos com o uso do lactato www.scielo.br/pdf/rbti/v25n4/0103-507x-rbti-25-04-0270.pdf Artigo Apresentado na UTI Pediátrico do HRAS/HMIB sob Coordenação do Dr. Alexandre INTRODUÇÃO - A incidência de sepse vem aumentando nos últimos anos, e a mortalidade associada a ela permanece alta, com grande variabilidade entre países e continentes. - Para melhor estratificação da sepse, o lactato sérico tem sido utilizado universalmente. - A definição atual de sepse grave pressupõe a presença de disfunções orgânicas associadas à infecção, incluindo a lactatemia como variável. INTRODUÇÃO - Choque séptico é definido pela presença de sepse associada à hipotensão persistente, após reposição volêmica adequada e necessidade de droga vasoativa. - Os pacientes classificados como sepse grave ou choque séptico variam muito no que se refere a fenótipo, desfecho clínico e prognóstico. - Recentemente tem sido propostas as definições de choque críptico, choque vasoplégico e choque disóxico. INTRODUÇÃO Choque críptico: sepse grave hiperlactatemia, sem hipotensão. associada a Choque vasoplégico: choque séptico com lactato normal. Choque disóxico: choque séptico associado a hiperlactatemia. - Pacientes com choque vasoplégico apresentaram melhor desfecho que aqueles com choque disóxico. INTRODUÇÃO - Poucos estudos abordaram este tópico, de fundamental importância para melhor classificação e manejo adequado da sepse. - Este estudo procurou comparar pacientes com sepse grave, choque críptico, choque vasoplégico e choque disóxico. - Secundariamente, objetivou-se avaliar se valores intermediários de lactato inicial no grupo de pacientes com sepse grave exercem algum papel prognóstico. MATERIAIS E MÉTODOS - Análise post-hoc de uma coorte retrospectiva, multicêntrica e observacional realizada por meio de análise de base de dados coletada prospectivamente. - Dez hospitais da rede Amil em São Paulo – SP, sendo um especializado em doenças cardíacas, os demais sendo hospitais gerais. - Foi utilizada uma ficha para a coleta de dados a partir da qual se montou a base de dados inicial, e posteriormente foi feita revisão do prontuário. MATERIAIS E MÉTODOS Critérios de inclusão: pacientes com diagnóstico de sepse grave ou choque séptico conforme as definições da conferência de consenso em sepse, diagnosticados em todas as áreas do hospital (PS, enfermaria ou UTI), e somente o primeiro episódio de sepse foi incluído. Critérios de exclusão: pacientes < 18 anos; em cuidados paliativos; os que recusaram tratamento intensivo; pacientes sem dosagem de lactato nas primeiras 06 horas do diagnóstico. MATERIAIS E MÉTODOS Definições - Sepse grave: dois ou mais sinais de SIRS decorrentes de processo infeccioso confirmado ou suspeito e ao menos uma disfunção orgânica associada à sepse. - Choque séptico: sepse grave associada a hipotensão refratária à reposição volêmica adequada, com subsequente necessidade de vasopressores. MATERIAIS E MÉTODOS Disfunção orgânica: - Pressão arterial sistólica < 90 mmHg, pressão arterial média < 65 mmHg ou redução de mais de 40 mmHg na pressão arterial sistólica; - PaO2 / FiO2 menor ou igual a 300 + infiltrado bilateral na radiografia de tórax ou necessidade de O2 suplementar para manter Saturação de O2 acima de 90% (excluída necessidade prévia de O2); - Bilirrubina sérica total > 2 mg/dL; - Diurese menor ou igual a 0,5 mL/kg/h por mais de 2 h ou creatinina maior que 2 mg/dL. MATERIAIS E MÉTODOS Disfunção orgânica (cont.): - Contagem de plaquetas menor ou igual a 100 x 109 / L; - INR (relação normatizada internacional) > 1,5 ou TTPA > 60 s; - Lactato sérico maior ou igual a 2 mmol/L. - Hipoperfusão sistêmica: lactato (arterial ou venoso central) maior ou igual a 4 mmol/L. - Choque críptico: sepse grave + hipoperfusão sistêmica. MATERIAIS E MÉTODOS - Choque vasoplégico: presença de choque séptico sem hipoperfusão sistêmica. - Choque disóxico: choque séptico associado a hipoperfusão sistêmica. MATERIAIS E MÉTODOS Foram coletados dados demográficos, características clínicas e laboratoriais, local do diagnóstico, sítio de infecção. Também foram calculados escores de gravidade. - APACHE II: Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation. - SOFA: Sequential Organ Failure Assessment. - Desfechos: sobrevida com 28 dias após o diagnóstico, mortalidade hospitalar e tempo de internação (na UTI e no hospital). MÉTODOS Análise Estatística -Para análise de distribuição dos dados, foi realizada uma análise visual de histogramas e o teste de Kolmogorov-Smirnov ou Shapiro-Wilk, quando apropriado. -Para variáveis contínuas, os dados foram apresentados como média e desvio padrão ou mediana e interquartis, se distribuídos de forma normal ou não normal, respectivamente. –Para variáveis categóricas, os dados foram apresentados como porcentagens. Análise Estatística -Os pacientes foram distribuídos em quatro grupos (conforme a classificação em sepse grave / choque séptico e seus subtipos), e foram analisadas as diferenças entre os grupos (p ≤ 0,05). -As variáveis contínuas foram comparadas entre os quatro grupos por análise de variância (ANOVA) para aquelas com distribuição normal e com o teste de Kruskall-Wallis para aquelas com distribuição não normal. -Para comparações post-hoc, foi utilizada a correção proposta por Bonferroni. As variáveis categóricas foram comparadas Análise Estatística -A probabilidade de sobrevida entre os grupos foi analisada pelo teste de log-ranke; para comparações múltiplas post-hoc, o método de Holm-Sidak -Por meio do modelo de regressão de Cox,foi avaliado o efeito de cada grupo na sobrevida em 28 dias, tanto ajustado e não ajustado -Calculou-se o hazard ratio (HR) e seu respectivo intervalo de confiança (CI95%) para cada grupo, tendo o grupo sepse grave como referência. -Para análise entre a variável contínua lactato e o desfecho mortalidade hospitalar nos pacientes com sepse grave e choque séptico, foi ajustada uma função não linear, ponderada local, denominada Locally Weighted Scatterplot RESULTADOS - Período de maio/2010 a janeiro/2012. - Total de pacientes: 2120. - Foram excluídos 172 pacientes (68 não tiveram coleta de lactato e 104 tiveram a primeira coleta deste exame após as 06 h iniciais do estudo). - A amostra estudada incluiu 1948 pacientes (1180 com sepse grave e 768 com choque séptico). RESULTADOS Sepse grave: 1180 (61%) - Sem hiperlactatemia: 1018 (86% / 52%) - Choque críptico: 162 (14% / 8%) Choque séptico: 768 (39%) - Choque vasoplégico: 549 (72% / 28%) - Choque disóxico: 219 (28% / 11%) - A idade média dos pacientes era de 60 anos, sendo que a média de idade do grupo de choque vasoplégico era maior em relação aos subgrupos de sepse grave (p<0,001). RESULTADOS - O grupo de sepse grave sem hipoperfusão apresentou mais frequentemente febre, hipotermia e leucopenia em relação ao grupo de choque disóxico. - A pontuação no APACHE II aumentou significativamente entre os grupos (maior no grupo de choque disóxico). - A sobrevida aos 28 dias foi semelhante entre os grupos de choque críptico e choque vasoplégico, e diferente quando comparados os demais grupos. RESULTADOS - Após ajustes para idade, APACHE II e SOFA, a sobrevida nos 04 grupos foi diferente (p<0,001), sendo menor no choque disóxico (Modelo A). - Após ajustes para idade, APACHE II, SOFA, uso precoce de antibióticos, hospital de origem e local de diagnóstico, a sobrevida nos 04 grupos também foi diferente (Modelo B), menor no choque disóxico. - A análise dos valores de lactato e dados de mortalidade mostrou que a partir da dosagem de 2,0 mmol/L o risco de óbito passa a aumentar significativamente em todos os grupos. DISCUSSÃO - Os resultados reafirmam que pacientes com diagnóstico clínico de sepse grave e choque séptico apresentam grande variabilidade de apresentação e desfechos. - A medida do lactato sérico inicial é bem aceita como marcador prognóstico e método de avaliação da perfusão tecidual em várias populações de pacientes graves. Sua medida inicial é, muitas vezes, utilizada como triagem, sendo o gatilho para o início de condutas de ressuscitação da sepse. DISCUSSÃO - Entre os pacientes com hipotensão persistente, 72% não tinham hiperlactatemia, número maior em relação a estudos anteriores com amostras menores. - Já se sabe que a hipoperfusão pode existir sem que se percebam alterações na pressão arterial, frequência cardíaca e débito urinário. - Este e outros estudos mostraram que pacientes com choque séptico e níveis normais de lactato tiveram menor risco de óbito. DISCUSSÃO - O metabolismo do lactato pode sofrer interferência nos quadros sépticos quando há lesão renal. O mesmo aumenta quando são utilizadas aminas vasoativas (adrenalina, noradrenalina) devido à exacerbação da via glicolítica. - O lactato foi dosado neste estudo em um momento precoce (primeiras 06 horas), provavelmente o efeito de drogas vasoativas ainda não era significativo. - O estudo também mostrou aumento do risco de óbito para níveis de lactato acima de 2 mmol/L. DISCUSSÃO Limitações do estudo: - Observacional e retrospectivo; - Não verificou outras varíaveis hemodinâmicas (SvcO2); - Não avaliou uso de drogas vasoativas; - Não avaliou a presença de hepatopatias (interferem no metabolismo do lactato). - Novos estudos podem ser realizados estratificando os pacientes sépticos em subgrupos, para melhor adequação da terapêutica e fornecendo novos dados para futuras pesquisas. Margotto Para melhor compreensão dos resultados deste estudo, com o uso de testes para a normalidade da distribuição das variáveis, testes estatísticos empregados, Curva de Kaplan-Meier, Regressão de Cox, hazard ratio e log-ran test, consultem: Estatística computacional: Uso do SPSS - o essencial Autor(es): Paulo R. Margotto