Os atos processuais e os atores que os protagonizam Ministro Antônio José de Barros Levenhagen Diretor da ENAMAT Para bem aquilatar o significado dos atos praticados no processo, pelos que o protagonizam, é imprescindível ter em mente o conceito de processo. Afastada a concepção que o associa aos autos, nos quais se materializam os atos processuais, o processo, sem embargo de ser uma relação jurídica entre as partes e o Juiz, é essencialmente um método de composição de litígios. E como a idéia de processo sugere movimento, trata-se de um método dinâmico cujo ápice se encontra na sentença através da qual se aplica a lei ao caso concreto. O dinamismo que o singulariza provém da atuação dos seus personagens, realizada através de atos com expressão jurídica, em razão de a lei os regulamentar, em que a finalidade é a constituição, a conservação, o desenvolvimento, a modificação ou a definição de uma relação processual. Vale dizer que os atos processuais são espécies do gênero ato jurídico, pelo qual se constitui, se desenvolve ou se extingue uma relação interpessoal, com a diferença de as suas consequências se exaurirem no âmbito da relação processual. Mas, ao lado dos atos processuais, que à semelhança dos atos jurídicos são expressão da vontade humana, existem os fatos processuais, consubstanciados em acontecimentos naturais, não provocados pelos protagonistas do processo, que produzem efeitos sobre ele, como a morte da parte e o perecimento do bem litigioso. Assinalado que os atos processuais se singularizam por serem frutos da vontade humana, os agentes que os promovem são as partes (autor e réu), o Juiz e seus auxiliares, além de terceiros estranhos ao litígio, tal como se verifica no incidente de exibição de documento ou coisa. Por conta da marcante atuação desses personagens, o Código de Processo Civil de 73 optou por classificá-los através do critério subjetivo, dividindo-os em atos das partes e atos dos órgãos jurisdicionais. Os atos das partes compreendem tanto os praticados pelo autor e réu como os que o são pelos terceiros intervenientes e pelo Ministério Público, quando no exercício de direitos ou poderes processuais. Esses, por sua vez, comportam as mais variadas classificações, de acordo com a orientação de cada processualista, a exemplo de COUTURE que os distingue a partir do fim colimado. Segundo ensina, há os atos de obtenção e os dispositivos, em que os primeiros se referem à provocação do órgão jurisdicional, e os outros à criação, modificação ou extinção de situações processuais. Entre os atos de obtenção se incluem os de petição, consubstanciados no pedido do autor e na defesa do réu, os de afirmação, em que a parte age criando situações concretas, como a exibição de um documento, e os de prova, pelos quais são conduzidos aos autos os meios destinados à demonstração da verdade dos fatos alegados na inicial e na contestação. Os atos dispositivos, a seu turno, dizem respeito aos de submissão, em que o réu reconhece a procedência do pedido, aos de desistência, envolvendo tanto a desistência do processo quanto a renúncia ao direito em que se funda a ação, e aos de transação como forma de autocomposição da lide. Tais atos, indiferentemente da constatação de ora consistirem em declarações unilaterais, ora em declarações bilaterais de vontade, produzem efeitos imediatos, pelo que de regra prescindem de redução a termo ou de homologação judicial, com exceção da desistência, da transação e da conciliação. Já em relação aos atos dos órgãos jurisdicionais, mais especificamente em relação aos atos do Juiz, antes de os detalhar, convém frisar que o Juiz deixou de ser mero espectador da demanda para se tornar vivo personagem do processo, a quem a lei encarregou da sua condução e da solução da lide. Esses se dividem em decisórios e não decisórios, incluindo-se entre os primeiros a sentença, a decisão interlocutória e os despachos, enquanto os outros se referem à presidência das audiências e inspeção judicial de pessoas e coisas, além dos chamados atos administrativos do processo, em que o Juiz os pratica investido do poder de polícia, como a condução das audiências, e do poder disciplinar sobre os serventuários da Justiça. A sentença, segundo definição contida no § 1º do art. 162 do CPC, “é o ato pelo qual o Juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Em razão disso, é classificada em definitiva e terminativa, sendo definitiva a sentença que põe fim ao processo com a solução do litígio, cuja consequência é a imutabilidade oriunda da coisa julgada, e terminativa a que o extingue sem composição da lide, singularidade que dá ensejo ao fenômeno da reiteração da instância, ou seja, o direito de renovar a ação. A decisão interlocutória, ao contrário, “é o ato pelo qual o Juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (§ 2º do art. 162). Embora decisão, em sentido amplo, compreenda qualquer pronunciamento do Juiz, dirimindo uma controvérsia, pelo que abrangeria a própria sentença, a interlocutória identificase por não acarretar a extinção do feito. Já os despachos são “todos os demais atos do Juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece forma” (§ 3º do art. 162). São classificados em ordinatórios e de expediente, pelos quais o Juiz não decide qualquer incidente, mas apenas impulsiona o processo. E embora possam ser praticados mediante requerimento da parte, comumente o são de ofício pelo Juiz, em virtude de o processo, depois de instaurado (e só a parte o pode instaurar), se desenvolver por impulso oficial. Os atos processuais, independentemente de o serem das partes ou do Juiz, por vezes reclamam determinada forma, a fim de que sejam plenamente eficazes, e por vezes a dispensam, classificando-se, então, em solenes e nãosolenes. Mas sem embargo da solenidade exigida para determinados atos, eventual preterição não acarreta, necessariamente, a sua nulidade, desde que tenha sido alcançado o seu objetivo, por injunção do princípio da instrumentalidade das formas. Esse só não se aplica nos casos em que a própria lei disponha sobre a nulidade do ato, pela inobservância de formalidade, tal como ocorre com a sentença, cuja eficácia se encontra subordinada ao concurso dos requisitos do art. 458 do CPC, quais sejam relatório, fundamentação e parte dispositiva. A propósito das formas dos atos processuais, é sabido da generalizada aversão que alguns lhes devotam. Essas, no entanto, não foram instituídas por mero capricho do legislador, mas para a segurança das partes, sendo condenável apenas o excesso de formalismo, deslize em que não incorreram nem o processo comum nem o processo do trabalho, uma vez que se inclinam por dar prevalência sobre a forma a substância e a finalidade do ato processual. Esse se realiza no tempo e no espaço. E, segundo ensina Humberto Theodoro Jr., o tempo, no Código de Processo Civil, é encarado sob dois enfoques distintos, um relacionado ao momento adequado ou útil à atividade processual, e o outro ao prazo fixado para a prática do ato. A primeira regra sobre o tempo hábil à prática do ato se refere à determinação de que o seja em dias úteis, das seis às vinte horas, em que a inobservância redunda na sua ineficácia, salvo em situações excepcionais, elencadas no § 1º do art. 172 do CPC. Por conta disso, são considerados feriados os dias não-úteis, nos quais não há expediente forense, como os domingos, sábados e os dias de festa nacional ou local, além dos períodos de férias da Justiça, aí incluindo o recesso de fim de ano do Judiciário. Os atos processuais são realizados, em regra, na sede do juízo, isto é, no edifício do fórum ou do Tribunal. Excepcionalmente o são em outro lugar por razões de deferência, como a tomada de depoimento do Presidente da República, por interesse da justiça, no caso de inspeção judicial, ou por obstáculo arguido pela parte, a exemplo da oitiva de testemunha enferma. Já em relação ao tempo do ato associado ao prazo fixado para sua prática, convém frisar o fato de ser o fundamento do sistema da oficialidade, pelo qual o processo, com ou sem colaboração das partes, se desenvolve rumo ao seu desfecho. A doutrina o define como o espaço de tempo em que o ato processual da parte pode ser validamente praticado. Ele é delimitado por dois termos, o do início e o do final, nos quais se verificam o nascimento e a extinção da faculdade de o litigante o promover. Os prazos são classificados em legais, judiciais e convencionais, assim entendidos os que são fixados na lei, os que o são pelo Juiz e os que podem sê-lo de comum acordo entre as partes. Além disso, dividem-se em dilatórios e peremptórios, em que os primeiros, embora oriundos da lei, admitem ampliação pelo Juiz ou mediante avença entre os contendores, enquanto os outros são infensos a qualquer alteração, sequer por iniciativa do Juiz, salvo no caso de justa causa. Os prazos, por sua vez, são contínuos no sentido de que não se suspendem com a superveniência de sábados, domingos e feriados, à exceção das hipóteses elencadas no art.180 do CPC, a par de serem contados segundo a regra da exclusão do dia do início e inclusão do termo final. De resto, por ser o prazo o fundamento do sistema da oficialidade, dele decorre, quer se trate de prazo dilatório ou peremptório, o fenômeno da preclusão, definido como a perda da faculdade da prática do ato por não ter sido exercido em tempo hábil. Através da preclusão, indiferentemente temporal, consumativa ou lógica, evitase, na lição de COUTURE, o desenvolvimento arbitrário do processo, em que a consequência seria a balbúrdia, a perplexidade e o caos.