II ENCONTRO NACIONAL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DEFESA CIVIL 01 DE JULHO DE 2008 ESCOLA POLITÉCNICA DA USP A NOVA PROBLEMÁTICA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA DA RMSP PALESTRA DO ENG° JULIO CERQUEIRA CESAR NETO www.juliocerqueiracesarneto.com E-MAIL: [email protected] PROMOÇÃO: ABEPPOLAR ESCOLA POLITÉCNICA/USP IPT IUAPPA A NOVA PROBLEMÁTICA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA DA RMSP 1. Final do ano de 2004 Há quase quatro anos estava preocupado com a deficiência da capacidade dos nossos mananciais, 66,1 m³/s, face à demanda, 68 m³/s. Um sistema desse porte e complexidade trabalhando sem nenhuma folga, pior, já no vermelho. Sem plano de contingência. O PDAA – Plano Diretor de Abastecimento de Água da SABESP previa a entrada de 5,7 m³/s do SPAT – Sistema Produtor do Alto Tietê para 2005. Os reservatórios de Biritiba e Paraitinga que forneceriam esses 5,7 m³/s ficaram prontos em 2005 como previsto e há quatro anos vem vertendo água sem aproveitamento para distribuição porque as obras de ampliação da Estação de Tratamento de Taiaçupeba até hoje não foram feitas. Se tudo der certo com o processo de licitação para essas obras esse novo aporte de água deverá estar à disposição do sistema no final de 2010, ou seja, 6 anos após a previsão da sua necessidade. O mesmo PDAA previa para o período 2005-2025 o uso de uma série de pequenas captações mantendo sempre o sistema com folga zero além do agravante de que todas essas novas fontes apresentam sérias dificuldades de viabilização por vários motivos, especialmente licenças ambientais. . Além disso a deterioração da qualidade das águas do Guarapiranga (20% do total) em franco progresso levantava a perspectiva da eventual perda desse reservatório como manancial. A possibilidade latente da reversão de uso das águas subterrâneas (cerca de 8m³/s) para a SABESP devido a poluição ou interdição dessa fonte assim como as perspectivas de eventos hidrológicos desfavoráveis, que a evolução histórica dessas ocorrências não descarta fechavam no final de 2004 um quadro extremamente preocupante com o nosso sistema de abastecimento. Em 2003 o sistema Cantareira por pouco não entrou em colapso. Essa situação mostrava a urgente necessidade de se pensar num manancial de grande porte e com melhor qualidade para equilibrar o sistema. 2. Hoje Com relação à quantidade a situação do final de 2004 piorou bastante: manteve-se a capacidade dos mananciais em 66,1 m³/s mas a demanda já deve ter atingido quase 72 m³/s e quando entrarem os 5,7 m³/s do SPAT no final de 2010 o déficit estará próximo de 8 m³/s. Entretanto o novo Governo do Estado decidiu estudar a proposição de alternativas de novos mananciais para uso múltiplo da água ampliando a área da RMSP para a da Macrometrópole no horizonte de 30 anos. Não deixa de ser uma luz no fim do túnel. Além disso passou a se preocupar com a proteção dos nossos mananciais, especialmente Guarapiranga. Se trata de excelente perspectiva, em confronto com os 2 últimos Governos que ignoraram completamente esse assunto, porém de resultados no mínimo à médio e longo prazos como também se pode esperar de medidas já em curso para controle de perdas e reuso da água. A curto prazo nada, a não ser uma economia de 1,7 m³/s no controle de perdas (2% da demanda). Com relação à qualidade das águas uma situação que no final de 2004 se apresentava ainda meio nebulosa hoje está perfeitamente caracterizada: a presença no nosso meio ambiente e especialmente nos mananciais de produtos emergentes tóxicos de diversos tipos e natureza que não são retidos nos processos convencionais ainda adotados nas estações de tratamento de água da SABESP. Esses produtos certamente já estão sendo distribuídos à população através das redes de água e podem ocasionar doenças a curto, médio ou longo prazos. Para melhor caracterização dessa situação seria de fundamental importância a imediata implantação de monitoramento de todos os nossos mananciais, a definição de padrões de qualidade para esses produtos e o desenvolvimento de estudos epidemiológicos. Nada disso ainda temos. Embora seja necessário avançar nesses estudos e definições já não resta a menor dúvida de que já deveríamos estar implantando nas nossas estações, tratamentos avançados cujas tecnologias já são disponíveis. 3. Dois conceitos antigos Ainda com relação à qualidade das águas o Professor Ivanildo Hespanhol lembrou em recente palestra no Instituto de Engenharia dois conceitos antigos que sempre nortearam as preocupações com a garantia da potabilidade da água distribuída às nossas populações. Preocupações que visavam especialmente a saúde pública: um deles, a manutenção de “mananciais protegidos” que precisaria ser mantido, porém abolido há já alguns anos e em contrapartida a manutenção de “tratamentos convencionais” que já deveriam ter sido superados e ainda persistem. 3.1 Mananciais protegidos Esse conceito antigo foi abolido da nossa RMSP há já bastante tempo. A não ser os mananciais de Rio Claro e Alto Cotia que juntos representam 7% da capacidade disponível hoje os demais são completamente desprotegidos. Essa situação aliada a completa ausência de uma política de uso e ocupação do solo expõe os nossos mananciais a uma ocupação desordenada de suas bacias hidrográficas comandada de um lado pelo mercado imobiliário e de outro pela invasão e ocupação irregular das populações carentes de baixa renda que não encontram outro lugar para morar pois também não existe política habitacional adequada às necessidades dessas populações. Só não participa desse comando as autoridades constituídas. A região, mais importante do país, contendo metade da população do Estado, não dispõe de gestão metropolitana. Aqui cada setor de atividade é livre e independente para fazer o que bem entende para atingir os seus próprios objetivos. Ninguém se preocupa com os objetivos da população como um todo. É uma verdadeira “colcha de retalhos”. No entanto, dispomos, desde 1997, da Lei Estadual nº9866 que estabelece a Política de Proteção e Recuperação de Mananciais, que até o final de 2006 não produziu nenhuma eficácia nesse sentido permitindo que o processo de degradação dessas áreas prosseguisse como se ela não existisse. Como já salientei o novo Governo do Estado demonstra estar empenhado em conseguir resultados. Deus queira! Apenas para dar uma medida do nível de preocupação com essa proteção, o sistema de abastecimento de água da cidade de Nova York que já possuía manancial relativamente bem protegido, preocupado com possível involução dessa situação e para garantir sua proteção total investiu recentemente US$ 2 bilhões na aquisição de toda a área da bacia. Observe-se que esse investimento não aumentou nem 1 litro na capacidade do sistema. 3.2 Sistemas Convencionais de Tratamento Os sistemas convencionais de tratamento são os constituídos por floculação, decantação, filtração rápida, controle de PH e cloração. O primeiro desses sistemas foi instalado na Escócia no final do século 19! Esse conceito antigo ainda não foi abolido e continua a ser empregado entre nós embora não sejam capazes de reter os produtos emergentes tóxicos que a indústria química moderna vem distribuindo e já se encontram presentes nos nossos mananciais. Esses produtos emergentes vem da indústria farmacêutica e de higiene pessoal e disruptores endócrinos (biocidas, retardantes de chamas, compostos enzotiazois perfluorados, ftalatos dentre outros). A tecnologia moderna cria esses novos poluentes mas também desenvolve técnicas para retê-los através dos chamados processos avançados de tratamento como por exemplo: sistemas de membranas, evaporadores, processos oxidativos avançados e carvão biologicamente ativado. Os poluentes já estão à nossa disposição precisamos agora construir os sistemas avançados para retê-los mas ainda não começamos a faze-los. 4. A nova problemática para o abastecimento de água na RMSP Essa problemática envolve decisões e providências importantes todas urgentes e de grande porte e complexidade. Além da necessidade da ampliação da capacidade dos mananciais para diminuir a incidência de rodízios e racionamentos ainda será preciso pensar na implantação dos processos avançados nas estações de tratamento, monitoramento dos mananciais, no estabelecimento de padrões de qualidade para os produtos emergentes e na promoção de estudos epidemiológicos. Tudo urgente. Esses tratamentos avançados certamente permitirão o uso para abastecimento de águas de qualidade inferior. Assim poderíamos pensar que não precisaremos mais nos preocupar com a proteção dos nossos mananciais. Se trata de uma alteração profunda de mentalidade muito além daquela que aboliu o conceito antigo de mananciais protegidos. Evidentemente estamos frente a um problema que não poderá ser resolvido pelas autoridades de plantão sem a participação ativa da sociedade. Lembre-se que os novaiorquinos, que enfrentam problemas semelhantes, continuam preferindo proteger os seus mananciais. Obrigado a todos!