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RicardoVargas,
38 anos,é
director-geralda
TMI Portugal e
Brasil e
fundador
daPlanB
Internacional
(consultoriade
gestão).Nascido
emMoçambique,
élicenciadoem
Psicologia,pela
Faculdadede
Psicologiada
Universidadede
Lisboa,e mestre
em Terapia
Familiar,pela
Faculdadede
Medicina de
í
Jevllna.l:,autor
dosliyros A, Arte
de Tornar-se
Inútil e Os Meios
Justificamos
Fins,publicados
em Portugal
pela Gradivae
no Brasilpela
FinancialTimes
/PrenticeHalI.
Esteensaioé uma
pré-publicaçãodo
seuúltimo livro
em Portugal.
88 exlrueserrvBRo
2oo5
RicardoVargas
Uma empresaque geÍe a ética
gasta menostempo a decidire
menosenergiaa resolverproblemas
criadospelafalta de alinhamento
entre ética individuale empÍesarial
Somos hoje confrontados com uma infinidade de
escolhas,tornada possível pelo desenvolvimento
tecnológicoe económico.Cadaactonossoencerraum
conjunto de decisõescomplexas.Escolherum tipo de
caÍéou detergentejá não pode ser feito simplesmente
em função do paladar ou da qualidade da lavagem.
século xx marcou uma busca de
Somosconstantementelembradosde cue o dinheiro
conhecimento sem precedentesna
que pagamospelabicapodeserusadopara financiar
história da humanidade. O avanÇo o exército de uma ditadura, que o impacte ambiental
da ciência, das artes e da tecnologia da limpezada nossaroupapode fazerde nós criminocriou um movimento imparável que sos,ou que a compra de um tapetepode tornar-nos
levou a uma reflexão constanteda humanidade scl- coniventes com a escravidãode crianças.
bre a sua própria condição e organização.
O indivíduo passou de entidade manipulada e inÁreastradicionalmentemais estáveis,
menospermeá- conscientea centro nevrálgico de todas as decisÕes
veisà mudança,viram-seinterrogadas.Os fundamen- que afectam a humanidade. Agora respondepor si e
tos da religião,da política,da moral, dasorganizaçÕes pelo bem-estar de todos os outros.
sociaisem geral deixaram de ser dados adquiridos. O alargamentoda esferade responsabilidade
individual,
Um pouco por todo o mundo assistimosa movimenpara incluir o impacte social do comportamento, é
tos de avançoe recuo nessasáreasdo conhecimento, um dado norro que deriva da informação disponientre a rigidez ç a flexibilidade, que acompanham ge- brhzada a quem decide. Descobrimos com espanto,
ralmente os momentos de revisãoprofunda.
atravésdos meios de comunicação,a complexidade
Um dos ganhos imateriais que a humanidade conda teia de relacionamentos entre causas,acçõese
seguiunesteprocessofoi a libertação do conceitode
consequências.
Como seuma coisaseligasseprogresdeterminismo histórico. Compreendemosno séçulo sivamentea todas as coisas,de múltiplas maneiras
xx que o passado não nos obriga a um futuro fixo,
e com diferentesresultados.Desconhecero impacte
que emboraÌimitadospelasnossasherançaspodemos dos comportamentosprópriosno universoqrã ttot
trabalhálas e modificá-las,em sentidosdiferentesdo
rodeia é hoje visto como manifestação segura de
inicialmente previsto, desdeque a competênciae a
irresponsabilidadesocial.
criatividadeno-lo permitam. As condiçõessócio-his- Mas, ao mesmo tempo que novosdadossãodisponitóricasrestringemou ampliam, apoiam ou limitam,
bilizados a quem decide,sãotambém constantemente
mas não apontam um caminho único, deixando-nos aÌteradosos pontos de referência.Os critérios do que é
a responsabilidadede escolhero próximo passo.
correctoparecemmudar, tornar-sedifusos e de cada
vez mais difícil entendimento. O que pareceuma boa
decisãono momento de agir pode tornar-se numa
má consequência,julgada previsível a posteriori. Ot
porque o comportamento é julgado por um grupo
de referência diferente do nosso, ou porque o nosso
próprio grupo de referênciamudou o seuposiciona_
mento sem que nos apercebêssemos.
Sozinho com a sua consciência no momento de
agir, sobrecarregadocom o peso do impacte do seu
comportamento em si e nos outros, inundado de in_
formação contraditória, sem estabilidadenos pontos
de referência,como pode o indivíduo decidirì
Homemex machina
O aumento do escrutínio público, a evolução da
consciênciae a explosãode informação têm tornado
a tomada de decisãoem contexto empresarial um
ponto central da actividade de gestão de pessoas.
O gestoré hoje visto como responsávelnão só pelas
suasdecisÕes,
mas também pelòspadroesde deásoes
tomadaspor outros dentro da empresa.
Entre o exercícioincontestadode pôder e a fragilidade
provocadapela exposiçãonos meios de comunicaçào,
a evoluçãoda gestãode pessoasno séculoxx representa
bem as tensÕese dúvidas em que estefoi ferìil.
Ao longo dos últimos 100 anoì duas grandesf<rrças
influíram na gestãode forma constante.A primeira, e
mais facilmente reconhecível,foi o desenvolvimento
tecnológico.
Crescendo de forma exponencial em diversidade e
qualidade, a tecnologia colocada à disposição das
empresaspara os pïocessosprodutivos, de comu_
nicação, de informação, de distribuição, de geração
de valor, de gestão,etc., trouxe a interrogaçãã sobre
qual o papel das pessoasnas empresas.
De motor inalienáveldetodososprocessos
empresariais,
antesda revoluçãoindustrial, a simplesmecanismo de
execuçãoou controlo, substituível p or mecanização
e informatização, as pessoasviram o seu papel nas
empresasformulado e reformulado, inúmeras vezes,
sem conclusãoà vista.
A segunda força influindo na gestãode pessoasfoi o
desenvolvimento de uma nova ciência: ã psicologia.
O conhecimentodo comportamento huÃano e das
suas múltiplas variáveis evoluiu também de forma
exponencial ao longo do século xx, e entïou defini_
tivamente na gestão.
lando o seufuncionamento.Nos anos60 o despontar
da economia de serviço recolocou aspessoase a sua
motivação na preocupação dos gestores,de onde
voltaram a sair nas décadasseguintespor meio da
robotização e informatização crescente.Na década
de 90 o conhecimentoe as competênciastrouxeram
de novo as pessoasà ordem de trabalhos do gestor,
com o capital intelectual,a gestãopor competências
e a gestãodo conhecimento.
Apesar de toda a evolução,a maioria dos gestoresnão
entrou ainda em pleno no novo século.Isto torna_se
particularmente evidenteperante práticase discursos
de gestãode pessoasultrapassados.Mesmo quando
procuram ser modernos, utilizando as palawas em
voga, os gestoresmostram a desacÍualizaçãodos seus
pressupostos.
É comum ouvir dizer: 'As pessoassãoo nossoactivo
mais importante", ou "os recursoshumanos sào o
principal vector da estratégia".Embora estasfrases
pareçamatribuir importância àspessoasna empresa,
na verdadenão o fazem.
Podemos gerir activos investindo-os, reduzindo-os, controlando-os. Podemosexplorar
os recursos
até à exaustão.Podemosgeri-los iomando decisões
uniÌaterais com implementaçãoimediata. Mas não
podemos fazê-),oda mesma forma com as pessoas.
Não podemosinvestiraspessoas,
controlálas e contar
indiscriminadamente com elas,independentemente
da sua vontade.
Na era do conhecimento as pessoassão a empresa.
Pensá-lascomo activosrevelauma noção de instrumentalização inadequada a esteséculo. A dialéctica
marxista, que preconiza a tensão entre a possedos
meiosde produção pelo capitalisra e o aiuguer de
mão-de-obra pela classetrabalhadora, não faz )
Noinício
doséculo
passado,
com
dotrabalho
a força
ão
as pessoas
foramvistas
comosimples
extensão
da máquina
e processos,entre pessoase capital?No fundo: qual
o papel das pessoasna empresa?
No início do séculopassado,com a organização científica do trabalho e aforça da revolução industrial,
as pessoasforam vistas como simples extensõesda
máquina, alimentando o pro..so piodutivo e contro-
sETEr\1BRo
2oo5EXAME89
Numa economiabaseadaem
competênciase conhecimentos,
mão-de-obrae meiosde produção
sãoa mesmacoisa. Ao nomear
aspessoaspor recursosou activos,
marxistas
os gestores-revelam-se
mas o dinamismo interno da empresa, anatureza da
sualigaçãocom os clientes,a forma como aspessoas
se relacionam entre si e com os objectivos,não,
O limite da gestãoé a imprevisibilidade.Sóconseguimos
gerir o que é previsír'el.E as pessoasparecem,vezes
de mais, orientadaspor uma irracionalidadeincompreensível.Confrontados com a natural dificuldade
de prever o comportamento dos seuscolaboradores,
) qualquer sentido numa economia baseada em
muitos gestorespreferemnegara própria incapacidade,
afirmando que a cultura da empresaé ingerível,ou de
competênciase conhecimentos.
Numa economiabaseadaem competênciase conhe- somenosimportància. Eliminam assimo problema,
cimentos,mão-de-obra (ou antes: "cabeça-de-obra") declarando-oinexistenre.
Nem a cultura da empresaé ingerível,nem é de pouca
e meios de produção são a mesma coisa.Não o reimportância. Falar de cultura, de gestãode pessoas,
conhecer é entender a realidade do século xxl com
ou de ética empresarial, é o mesmo que falar de
conceitoscriados no séculoxrx.
Ao nomearaspessoas
comorecursosou activos,pressu- competitividade. Trata-sede diferentesaspectosda
pondo quepessoas
e empresasãorealidadesseparadas, mesma realidade.
os gestoresrevelam-semarxistas. Não adequaram
ainda os seusconceitose práticas a uma economia Ética e tomada de decisão
baseadaem competênciase conhecimentos.
Gerir a ética de uma empresaé gerir o alinhamento
Gerir uma empresaé acima de tudo gerir as pessoas do comportamento dos seuscolaboradorescom um
indispensáveis,
que a compõem.Tecnologia,instalações,indicadores conjuntodenormasqueconsideramos
e que formam a base da cultura desejadapara ela.
de qualidade e produtividade, fluxos de tesouraria,
Nestesentido, a gestãoda éticaempresarialassenta
balanços,mapasestratégicose demonstraçõesde reda actividadedaspessoas, no conhecimentodos critérios de tomada de decisão
sultadossãoconsequências
que os colaboradoresutiÌizam para orientar o seu
não o contrário. Como consequênciasque são não
podem ser geridas,podem, isso sim, ser utilizadas
comportamento.
como indicadoresde gestão.
Quando decidecomprar a um fornecedore não a outro,
que critérios segueo nossochefede compras?Quando
Viver na era do conhecimento significa que o que
gera valor e riqueza é autilização da competência e
decide promover uma pessoaemvez de outra, que
factoresprefereo nossodirector comercial?Quando
conhecimentoindividuais num processoprodutivo
que muitas vezesseinicia e termina dentro da cabeça decide comprar uma tecnologia em vez de outra, que
vantagens valoriza o nosso director de engenharia?
de alguém. As pessoas,não os recursos humanos,
fazemaempresa com a adequadaaplicação das suas A ética da empresaé reveladapelas acçõesdos seus
colaboradores.
competênciase conhecimentos.
Acreditar que secontrola totalmente como e quando
O alinhamento das diferentesdecisõestomadas na
seguindo
essascompetênciasserãoaplicadasé uma ilusão que empresa,pelosseusdiferentesprotagonistas,
pode revelar-seperigosa,mas em que muitos gestores critérioscomuns e aceites,é a única forma de garantir
preferem acreditar.
que a ética proclamada pela empresaé idêntica à que
Isso acontecesobretudoporque o seuconhecimento acontecena prática. O principal desafioé descobrir
do comportamento humano é limitado, e também
o melhor caminho parao conseguir.
porque os pontos de referência do que é um gestor Por défice de entendimento, a ética empresarial é
demasiadasvezesconfundida com os seusepifenóestão a mudar, sem que muitos se apercebam.
menos: os códigosde ética e deontológicos,ascartas
Gestãoe prcvisibilidade
de valores,os programasde responsabilidadesocial,
gestão
pessoas
afalar
se
fala
de
de
estamos
as sançõese punições que limitam as diferentesacQuando
de gerir comportamentos, expectativas, atitudes, tividades.Defendo que uma empresanào precisade
cultura de empresa. Coisas que são muitas vezes definir um código de ética para ter uma ética, nem
identificadas como não sendo totalmente geríveis, de uma carta de valorespara professarum conjunto
planeáveise controláveis. E é verdade que não o são, de valores.Não é possíveldecidir e agir sem o fazer
mas não é por isso que perdem importância.
de acordo com normas de conduta, que exemplificam
É exactamentepor não serem 1000/ocontroláveise
os nossosvalores.A carta de valores,o código de ética
geríveis que comportamentos, atitudes e cultura de
e os demais instrumentos de gestãoda ética só são
empresasãoimportantes.Fazdelesfactorescompetitivos úteis sequeremosgerir ou mudar aéticadaempresa,
que não podem ser copiados.A tecnologiapode ser a sua cultura, as atitudesdos seuscolaboradores.Se
copiada,os processospodem serreplicados,asestra- queremos que tudo permaneça como está, então
tégiaspodem serplagiadase os produtos pirateados, tornam-se irrelevantes.
Epornão
serem1-000/o
controláveis
que
e gerÍveis
comportamento,
atitude
e cultura
da
empresa
são
importantes:
fazdeles
factores
competitivos
quenãopodem
sercopiados
90 exarurserrvBRo
2oo5
A confusãoentre a implementaçãode instrumentos de
gestãoda éticae a éticaempresarial,entreo processoe
o seuresultado,é uma das consequênciasde projectos
de ética e valores empresariais mal definidôs.
Os defeitos mais comuns das abordagens à ética
empresarialsão:
r Seremmais filosóficas do que empresariais,lidando
com o problema da éÍicaempresarial com conceitos
extraídosda religião ou filosofia;
r Imporem um sistema de valores que os seusauto_
res consideram "certo", ou serem de alguma forma
dogmáticas, negando o papel de neutrjidade que o
investigador deve ter;
r Não terem vertente prática, não demonstrando
como podem os valores e a ética ser usados para
gerir pessoas;
r Não levarem em conta o conhecimentocientíficoadquirido
pelasciênciassociaise humanas,
persistindo em conceitos e
abordagenscomprovadamente
ultrapassados.
A operacionalizaçãodosvalores
e a sua ligaçãocom aspráticas
e políticasde gestãode pessoas
são as basesda gestãoda ética
empresarial.Gestãode pessoas
e gestão da ética empresarial
têm o mesmo objectivo, ambas
procuram responderà questão:
como se comporta um bom
colaborador?
Aéticaindividual nem sempre estáde acordo com a
ética empresarial,e estanem sempre coincide com
a ética socialmente esperada.A falta de coincidên_
Alinhamentode valoÍes
Uma empresa com valores claros e com sistemasde
gestãoadequados,nelesbaseados,consegueum maior
grau de alinhamento doscomportament;s individuais,
maior colaboraçãonas equipas de trabalho e mais
facilmente atinge os objectivos que se propõe.
Uma empresa que gere a éÍicagasta menìs tempo
a decidir e menos energia a
resolverproblemascriadospela
falta de alinhamento.
O aumento de consciência do
impactesocialdo comportamento
individual,quemencioneiantes,
tem tambémcomoconsequência
o aumentoda responsabiliaud"
individual no colectivoempresarial, Devidoà enormefacilìdade
de comunicação e disponibilidade da informação que hoje
vivemos, uma decisão erradaa
nível individual pode provocar
sérios danos no mercado, no
ecossistema,na imaqem e no
valor da empresa.
Libertaçãode energia
A gestãode pessoaspreocupaMuitas vezesasnormas tácitas Na décadade 90 aspessoas
regressaram
sehoje, sobretudo, em garantir
vigentesnas empresasnão são à ordemde trabalhodo gestor,com o
capital
que os colaboradores tenham
uniformes,variam de grupopara intelectual,a gestãopor competências
a competêncianecessáriapara
grupo conforme os diferentes e a gestãodo conhecimento
desempenharo seu trabalho.
universosde referência.Aquilo
Progressivamente passará a
que os subordinadosesperamde um chefenem sempre preocupar-se
mais em garantir que aspessoastomam
é compatívelcom o que os accionistasdelepretendem. as decisões
acertadas.Mesmo um colaboradorcom_
A decisãoque agrada ao cliente r.-,"-pr"
é a que
petente pode cometer erros de julgamento e decisão
mais benefícios proporciona à empresa.Àsatisfafao
que afectema sobrevivênciada empresa,simplesmente
de necessidades
de um colegapodeiolidir com o bom
por utilizar os critérioserrados.
funcionamento da equipa
Apoiar a gestãode pessoasem processos
de estabeleci_
As empresasestãocheiasde conflitos causadospela mento de missão,
visão e valoresempresariais,criando
dificuldade em compatibilizar diferentes pontoi de
mecanismose ferramentasde gestãoadequados,serâ
vista, interessese objectivos.Os critérios de tomada de
o futuro próximo da gestão.A libertaçao de energia
decisãovariam de indivíduo para indivíduo, consoante que acontecenestes
processos,clarificando o foco de
as suaspreferênciase grupo de pertença.
actuaçãoda empresa,inspirando aspessoaspara ob_
Demasiadaenergiaé desperdiçadaa resolverprobiemas jectivosgrandiosos,
e alinhando os comportãmentos
provocadospela falta de alinhamento com normas de
de todos para as realizaçÕescomuns, è demasiado
conduta coerentescom a estratégia da empresa.
evidentepara poder ser ignorada.
A concretizaçãode uma visão grandiosa,ou de uma
Os valores são a força invisível por trás do compor_
missão arrebatadora,na empresa,esbarram frequen_ tamento humano.
Entender essaforça e gerir o seu
temente com padrões de comportamento instalados
uso pode fazer a diferença entre o sucessoe outra
que são incompatíveis com elas.
coisa qualquer.
E
Gestão
de pessoas
e $estão
da ética
empresarial
têm o mesmo
o ectivo,
ambas
procuram
responder
à questão:
comose
comporta
um bom
colaborador?
sETEtvtBRo
2oo5Exlrvtg91
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Da ética individual à empresarial