O ÔNUS DA PROVA NA
AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
José Miguel Garcia Medina*
Rafael de Oliveira Guimarães**
RESUMO
O presente artigo visa sistematizar a regra do ônus da prova na ação
de improbidade administrativa. Tendo em vista tal objetivo, mister se
faz uma visita às regras gerais sobre ônus da prova. Posteriormente,
far-se-á uma pincelada na referida regra no tocante ao Código de
Defesa do Consumidor, assim identificando a aplicação daquela no
micro-sistema das ações coletivas, e por fim, se tal aplicação é atinente
às ações de improbidade, mesmo sendo esta uma ação coletiva, mas
com características político-criminais.
Palavras-chave: Improbidade. Ações coletivas. Ônus da prova.
Presunção de inocência.
ABSTRACT
This present article seeks to systematize the burden of proof rule in the
Government Improbity Action. Considering this aim, it is necessary
take a look at the general rules about burden of proof. Later, it will
be made a brush up in the referred rule concerning to the Consumer
Protection Act, this way identifying the application of that one in the
* Mestre e doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP; professor do
Mestrado na UEM, UNIAERP e UNIPAR; advogado em Maringá e Curitiba. Contato:
www.medina.adv.br
** Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP.Contato: guimaraes rafael@
terra.com.br
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES
minor system of the classes actions, and, finally, if such application is
related to the improbity actions, even thought it is a class action, but
with criminal-policy characteristics.
Keywords: Improbity. Classes actions. Burden of proof. Guiltless
presumption.
1 INTRODUÇÃO
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) está
em vigor há mais de quinze anos, e, apesar disso, muito se discute
ainda quanto à sua interpretação. Um dos pontos mais sensíveis, e
que motivam muitas destas discussões, refere-se ao ônus da prova na
referida demanda, e a possibilidade de sua inversão.
Como é cediço, o Código do Consumidor em seu art. 6o, inc. VIII,
estabeleceu a possibilidade da inversão do ônus da prova quando
constatada pelo magistrado a hipossuficiência técnica da parte, ou a
verossimilhança das alegações desta. Já o art. 21 da Lei de Ação Civil
Pública prevê a aplicação do Livro III do CDC às demandas coletivas,
mas não fere o assunto da inversão do ônus da prova.
Por isso, é necessária uma rápida passagem pelos conceitos de
ônus da prova e a possibilidade de sua inversão. Ainda, se tal inversão
do ônus probatório é aplicada em todas as demandas coletivas.
Como ponto principal, far-se-á uma associação das ações
coletivas com a ação de improbidade, motivar por que esta se encontra
naquelas, e de acordo com os princípios norteadores da ação de
improbidade, verificar se nas ações de improbidade também ocorre a
inversão do ônus da prova.
2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ÔNUS DA PROVA
A palavra ônus, mais precisamente dentro da relação jurídica
processual, significa
poder ou faculdade (em sentido amplo) de executar livremente certos atos
ou adotar certa conduta prevista na norma, para benefício e interesses
próprios, sem sujeição nem coerção, e sem que exista outro sujeito que
tenha o direito de exigir o seu cumprimento, mas cuja inobservância
acarreta conseqüências desfavoráveis (PACÍFICO, 2000, p. 37).
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Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
O ônus da prova na ação de improbidade administrativa
A parte tem o ônus de alegar, e posteriormente de provar que
tal fato ocorreu ou não, visando ao esclarecimento do magistrado sob
pena deste poder decidir de modo prejudicial àquela. O sujeito é livre
para adotar a conduta prescrita pela norma, podendo, arcar com as
eventuais conseqüências.
O que difere o ônus do dever é que neste seria a subordinação
de um interesse próprio a outro alheio, assim, no dever, há o
comprometimento de alguém perante a outrem, obrigando a
realização do ato. O não exercício de um dever se configura um ilícito,
seja em virtude da norma, ou de contrato, o que não ocorre no ônus.
No ônus, há a idéia de carga (LOPES, 1999). Tal obrigação não ocorre,
facultando a quem tem o ônus de realizar o ato, a possibilidade de
ocorrer prejuízo somente sobre o próprio autor do ato.
O direito preza pelo Estado Democrático de Direito, e, por
conseqüência, pela estabilidade das relações jurídicas. Assim, para
que haja uma interferência na esfera jurídica de outrem, é dever de
quem pretende essa “invasão”(autor), alegar fatos que, de acordo com
a norma jurídica, são suficientemente robustos para justificar a lide,
e, posteriormente, provar que tais fatos são verdadeiros. Cabe ao réu
simplesmente alegar a inexistência de tais fatos, assim permanecendo o
ônus com o autor, ou ainda, alegar outros que prejudiquem a pretensão
do autor; neste caso, tais fatos deverão ser provados pelo réu.
Num exemplo bem sucinto, a regra de ônus da alegação e ônus
da prova é assim elucidada: “A” apresenta sua pretensão em juízo,
somente a podendo fazê-lo, alegando fatos que tem o ônus de provar.
“B” contesta a ocorrência de tais fatos e alega outro que prejudica os
apresentados pelo autor. Somente quanto a estes alegados em defesa é
que o ônus da prova compete a “B”.
Desta forma é o regramento básico do Diploma Processual em
seu artigo 333, I, a de que “o ônus da prova incumbe ao autor, quanto
ao fato constitutivo do seu direito”, ou seja, quem alega os fatos, tem
o ônus de prová-los. Não pode haver a presunção de existência dos
fatos, é ônus de quem os alegou demonstrar sua veracidade.
Sábias palavras são ditas por Moacyr Amaral dos Santos ao
afirmar que:
[...] quem primeiro age na causa, quem primeiro alega um fato do qual
pretende induzir uma relação do direito, é o autor. Donde, abstração
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JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES
feita ainda da atuação do réu no processo, cabe ao autor, aplicando-lhe
o princípio fundamental do ônus da prova, dar as provas das alegações
que fizer. (SANTOS, 1967, p. 129).
Assim, vê-se que, de acordo com o regramento do Código
de Processo Civil, cabe ao autor alegar os fatos relevantes para
fundamentar seu direito, pois há a presunção de que tal direito não
existe, assim, devendo este mesmo autor provar os referidos fatos
para dirimir tal presunção, e deste modo ter o seu direito reconhecido.
Essa é a regra do ônus da prova.
3 O REGRAMENTO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A Lei n. 8.078/90 estabelece em seu artigo 6o, inc. VIII, como
direito fundamental do consumidor “a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação
ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias
da experiência.”. Vê-se que o Diploma do Consumidor muda a
regra ordinária do ônus da prova trazida no item anterior, quando
estabelece que no caso de o juiz constatar a verossimilhança das
alegações do consumidor, ou a hipossuficiência técnica deste, pode
mudar a presunção que protegia o réu, para vigorar em benefício
do autor, assim, fazendo com que o réu se obrigue a provar que a
pretensão do autor não encontra resguardo no ordenamento jurídico.
Isso é a inversão do ônus da prova.
Nos dizeres de Arruda Alvim,
[...] a inversão do ônus da prova, a critério do juiz, é outra norma de
natureza processual civil com o fito de, em virtude do princípio da
vulnerabilidade do consumidor, procurar equilibrar a posição das
partes, atendendo aos critérios da existência da verossimilhança do
alegado pelo consumidor, ou sendo este hipossuficiente, alteração do
onus probandi que se dá ope iudicis e não ope legis. Ocorrendo a hipótese
da hipossuficiência do lesado, a análise da plausibilidade da alegação
do consumidor deve ser feita com menos rigor pelo magistrado, tendose, ademais, sempre em vista que basta que esteja presente qualquer
um desses dois requisitos para que seja lícita a inversão. (ARRUDA
ALVIM et al, 1995, p. 68-69)
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Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
O ônus da prova na ação de improbidade administrativa
Estabelecido que o juiz deve se manifestar se há ou não a
inversão do ônus da prova, necessário é somente definir o momento
de tal manifestação judicial.
Ocorre muito no sistema processual brasileiro tal inversão na
sentença de mérito, tendo como justificativa o fato que, por ser uma
relação de consumo, tal possibilidade de inversão já era algo previsível
pelo réu na demanda; sendo assim esta uma regra de julgamento. No
entanto, conforme adverte Ricardo de Barros Leonel (2002, p. 338),
“nada impede que o magistrado, vislumbrando a possibilidade de
inversão no caso concreto, utilize seu poder de direção e em fase de
saneamento do feito preconize às partes que voltem sua atenção para
este escopo”.
O E. Superior Tribunal de Justiça1 já se manifestou no sentido
de que a inversão do ônus na dilação probatória traria maior
utilidade ao processo, não podendo o fornecedor ser surpreendido
na sentença, quando não há mais a possibilidade de se produzir a
maioria das provas, com a decisão de que o ônus da prova era dele.
O mais adequado é que o magistrado avalie a conveniência ou não da
inversão do ônus probatório ainda na fase de dilação probatória para
estabelecer em tempo hábil o ônus da prova para o réu.
A regra, mesmo na incidência do Código de Defesa do
Consumidor, é a do ônus da prova para o autor (CPC, 333, I), e se
o juiz entender que há a presença da hipossufuciência técnica ou da
verossimilhança das alegações do autor, pode inverter o ônus da
prova, se possível, no despacho de saneamento. A regra da inversão
é subsidiária.
4 A AMPLIAÇÃO DA REGRA DO CDC A TODAS AS
DEMANDAS COLETIVAS. O MICRO SISTEMA DAS
AÇÕES COLETIVAS
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, houve a
alteração ao artigo 21 da Lei de Ação Civil Pública, e este estabelece que
o Título III do Diploma do Consumidor é aplicável a todas as demandas
que versem sobre direito difuso, coletivo ou individual homogêneo.
Estabelece um regramento processual aos direitos coletivos lato sensu.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu Livro III, passou a regrar
como lei adjetiva todo o micro sistema das ações coletivas.
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JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES
Ao mesmo tempo, surgiu o questionamento: pelo fato de o
artigo 21 versar sobre questões processuais, se outros regramentos
processuais do CDC também deveriam nortear as demais ações
coletivas.
Eduardo Arruda Alvim2 é um dos partidários de que a parte
processual do CDC é aplicável às ações coletivas, mesmo não
estando tal norma processual inserida no Título III do Diploma do
Consumidor; mas o processualista paulista não fere o tema “ônus da
prova”.
Ricardo de Barros Leonel já vislumbra a aplicação da regra do
ônus da prova às demais demandas coletivas em virtude do art. 21 da
LACP. Este afirma que “quando o legislador afirma que às demandas
coletivas com fundamento na Lei de Ação Civil Pública aplicam-se as
normas do ‘capítulo processual’ do código do Consumidor, não faz
referência meramente formal ou gramatical. Não apenas no ‘capítulo
processual’ do Código identificam-se normas processuais. Exemplo
típico disto é a norma sobre o ônus da prova”. (LEONEL, 2002, p. 340).
No mesmo sentido, Gregório Assagra de Almeida opina
claramente pela aplicabilidade da regra de ônus da prova do Código
do Consumidor a todas as demandas que versem sobre direitos
coletivos. Justamente por ser o ônus da prova uma regra processual
é que, apesar de não se situar no Título III do CDC, como tal deve ser
tratada. O Promotor de Justiça mineiro é preciso ao preceituar que
[...] são aplicáveis às ações ajuizadas com fundamento na LACP as
disposições processuais que se encontram pelo corpo do CDC, como,
por exemplo, a inversão do ônus da prova (CDC, 6o, VI). Este instituto,
embora se encontre topicamente no Tit. I do Código, é disposição
processual e, portanto, integra ontológica e teleologicamente o Tit. III,
isto é, a defesa do consumidor em juízo. (ALMEIDA, 2003, p. 582).
Desta forma, constata-se que a regra da possibilidade de
inversão do ônus da prova, assim como no CDC, deve ser aplicada
a todo o micro-sistema das ações coletivas. A presunção de que o réu
não pode ter sua esfera jurídica invadida sem que haja fatos robustos
alegados muda substancialmente. Imagine-se na ocorrência de um
vazamento de produtos químicos em um rio noticiado amplamente
pela imprensa. Nesta situação, no caso de uma associação ambiental
demandar a indústria causadora em juízo, pode (e deve) o juiz
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Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
O ônus da prova na ação de improbidade administrativa
entender que há claramente a verossimilhança das alegações, e
determinar que a empresa prove que não causou dano ambiental
algum ao rio, e assim se eximir das conseqüências legais de tal ato.
Não poderia a associação autora ter o ônus de provar alguma
irregularidade cometida pela empresa quando se trata de direito de
tamanha importância, e visto que, neste caso, há a dificuldade de
aquela conseguir tal prova. A notoriedade do acontecimento presume
a ilicitude do réu, obrigando a este se desincumbir de tais alegações
mediante a prova de que não polui o rio.
Nas demais ações coletivas, diferentes das consumeristas, a
hipossufiência técnica é menos constatável; os réus de tais ações
não poderiam ser obrigados a ficar sempre produzindo provas
quando demandados por partes com menos condições técnicas. A
regra para inversão do ônus da prova nas demais ações coletivas é
a verossimilhança, como no exemplo citado, ou seja, na avaliação
da alegação,3 mas sempre com a determinação judicial anterior pela
ocorrência da inversão de tal ônus.
Assim, defende-se que sempre se está diante de direitos coletivos
lato sensu, pode o magistrado, na constatação da verossimilhança das
alegações, inverter o ônus da prova.
5 A AÇÃO DE IMPROBIDADE COMO AÇÃO COLETIVA
VISANDO À PROTEÇÃO DE INTERESSE DIFUSO
A ação de improbidade administrativa, apesar da natureza mista
(processual e material) é usada frequentemente como fundamento da
ação civil pública. Mas raramente se encontra alguma fundamentação
para justificar o porquê de a referida ação ser direito coletivo e poder
usar o instrumento da ação civil pública (art. 1o, IV da LACP).
A ação civil pública visa à realização de uma obrigação de fazer
ou uma indenização que vai para o Fundo dos Direitos Difusos. Na
ação de improbidade, eventual indenização tem como destinatário
a pessoa jurídica de direito público lesada, ou seja, em um desvio
de verba de uma prefeitura, a esta é dirigida a verba recuperada.
Constata-se que a ação de improbidade tem a característica de
reparação de danos da administração pública, assemelhar-se ia a
uma execução fiscal, que também teria esta função a de abastecer o
cofre da pessoa jurídica de direito público com verba que a esta lhe
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JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES
pertence. Mas se fosse a ação de improbidade uma simples ação de
reparação, o objeto não seria indivisível, teria a pessoa jurídica lesada a
titularidade de tal direito. Por isso, não cabe a afirmação de que a ação
de improbidade objetive a simples reparação do erário, pois vários
outros instrumentos também atingiriam o mesmo fim, tais como a Lei
no 3.164, de 1o/6/57 (Lei Pitombo Godói), o Decreto-Lei Federal no
3.240/41, o Decreto-Lei no 201/67, dentre outros. A lei de improbidade
veio para proteger a moralidade administrativa esculpida no art.
37 da Constituição Federal, essa é a meta da referida ação. Tanto o
é que a lei estabelece em seus artigos 9o e 10o condutas que possam
causar enriquecimento ilícito e dano ao erário, mas essas não podem
ser aplicadas sozinhas, sem a incidência do art. 11, que prega pelo
princípio da moralidade administrativa; e somente o referido
dispositivo legal pode perfeitamente incidir sozinho, sem a invocação
dos outros dois artigos. Seria o caso de um dano moral coletivo à
administração pública, quando não constatado enriquecimento ilícito
ou lesão ao erário, por exemplo.
A lei de improbidade, muito mais do que punir enriquecimentos
ilícitos e recuperar verbas desviadas, veio proteger a moralidade dos
agentes políticos, regular condutas, que às vezes nem causam prejuízo
aos cofres públicos, mas causam uma crise de credibilidade no nosso
sistema administrativo. Condutas como a de parlamentares encenando
comemorações em pleno Congresso Nacional ante a absolvição
de colegas julgados por corrupção são condutas que deveriam
ser punidas, e infelizmente não foram, pela ora comentada lei. A
honestidade dos agentes políticos é a que lei tem como fim tutelar. O
direito tutelado não fica na esfera da pessoa jurídica de direito público,
mas de toda a comunidade, sai da esfera de interesse público e entra
na do interesse difuso.4 “Como exigência do Estado Democrático de
Direito, a probidade administrativa é, portanto, direito difuso por
excelência, razão pela qual o seu controle jurisdicional é feito, de regra,
por intermédio de uma ação coletiva.” (ALMEIDA, 2003, p. 452). É a
moralidade administrativa; esta sendo um bem de todos é que tem
como objeto a da lei de improbidade, e por isso indivisível. Aqui se
constata o direito difuso na referida ação.
Em magistral acórdão da lavra do Ministro Luiz Fux, é afirmado
categoricamente que “é lícito que o interesse difuso à probidade
administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública máxime
porque a conduta do Prefeito interessa a toda a comunidade local”.5
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Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
O ônus da prova na ação de improbidade administrativa
Deste modo, verifica-se que a ação de improbidade corresponde
perfeitamente a uma ação de direito difuso por tutelar a moralidade
administrativa, e sendo este um direito indivisível, o uso do
instrumento da ação civil pública é perfeitamente viável.
6 O ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
Fazendo um breve retrospecto do preconizado no referido
estudo, constatou-se que o ônus da prova pode ser invertido nas
ações coletivas, e a ação de improbidade nada mais é do que uma ação
coletiva que tutela direito difuso.
Diante disso é que facilmente se leva ao entendimento de que
poderia haver a inversão do ônus da prova nas ações de improbidade,
por se tratar de direito indisponível e pelo fato da existência da
possibilidade de inversão do ônus no micro-sistema das ações
coletivas.
As demandas coletivas, em sua maioria, objetivam a despoluição
de um manancial, a substituição de um produto, condutas estas nas
quais se vislumbra uma facilitação da produção da prova pelo réu e,
na maioria dos casos, nada mais estabelece do que sanções financeiras.
Nas ações de improbidade, tal fenômeno não ocorre. A ação de
improbidade possui características sui generis, como pesadas sanções
no artigo 12 da Lei n. 8.429/92; exemplo disso é a perda do cargo, a
proibição de contratar com o Poder Público e multa de até 100 vezes
o valor envolvido; possui a preponderância do dolo nas condutas,6 e
uma grande reprovação social. Desta forma, tal lei assume um caráter
político-adminitrativo conforme entende Flávio Chein Jorge (2006, p.
260), não de natureza penal, mas com vários princípios que norteiam
tal ramo do direito, pois penaliza o agente público com as penas aqui
citadas.
É por isso que vigora nos atos de improbidade administrativa
a garantia constitucional da presunção de inocência, assegurada pelo
inciso LVII do art. 5o da CF/88, que preceitua que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória”. Vê-se que há uma “pequena” semelhança com o art.
20 da Lei de Improbidade que preceitua que “a perda da função
pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o
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JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES
trânsito em julgado da sentença condenatória.” Não bastasse, tal
garantia constitucional “tem sido admitida em relação às sanções
administrativas, até mesmo nas de natureza tipicamente disciplinar”.
(PRADO, 2001, p. 45).
Verificando-se algumas situações, como o art. 9o, VII da LIA,
onde está estabelecido que incorrerão em ato ímprobo os agentes
políticos que tiverem patrimônio incompatível com sua renda – assim
se presumindo que o autor alega tal disparidade e que o réu deve
provar a inocorrência desta – mesmo neste caso, a inversão do ônus
da prova não existe. Fábio Medina Osório (2000, p. 388) afirma que
“[...] basta a prova da ausência de origem do patrimônio adquirido,
tornando-se ilícita a renda assim obtida, sobretudo levando-se em
conta a transparência advinda do regime publicista do trabalho
daqueles que lidam com a coisa pública, o que não traduziria,
tecnicamente, inversão do ônus da prova”.
Assim, vê-se que o princípio do processo penal da presunção de
inocência norteia a lei de improbidade. Não por fundamento diferente,
que o Min. Teori Albino Zavascki7 atribui o ônus da prova ao autor,
e mais do que isso, a existência de defesa efetiva, como no processo
penal, também nas ações de improbidade.
É importante salientar que, felizmente, os tribunais pátrios8 vêm
adotando o entendimento de que as ações de improbidade possuem
características diferentes das demais demandas coletivas no que
tange à prova do fato constitutivo do direito, e por isso não podem se
submeter à regra da inversão do ônus da prova.
7 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
De acordo com o manuseado no presente trabalho, constatouse que o ônus da prova no Código de Processo Civil é do autor, pois
corresponde a uma faculdade da parte que o tem de exercê-lo, sob
pena de esta mesmo sofrer as conseqüências de sua inércia.
Como regra subsidiária presente no Diploma do Consumidor,
há a inversão do ônus da prova quando o magistrado verificar a
verossimilhança das alegações do consumidor ou a hipossuficiência
técnica deste. E pela inteligência do art. 21 da LACP, tal possibilidade
de inversão se estende a todo o microssistema das ações coletivas.
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Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
O ônus da prova na ação de improbidade administrativa
Nas ações de improbidade administrativa, entendeu-se que
ocorre fenômeno diverso. Em virtude da gravidade das sanções
da Lei n. 8.429/92, da preponderância do dolo nas condutas e pela
grande reprovação social que a referida lei impõe aplica-se, nas ações
de improbidade, o princípio constitucional da presunção da inocência
esculpido no art. 5o, LVII da Carta Magna, que se estende às sanções
administrativas no geral. Assim, não ocorre a inversão do ônus da
prova nas ações de improbidade.
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um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.
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VIGORITI, Vicenzo. Mauro Cappelletti e altri: davvero impossible la
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ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. São Paulo: RT, 2006.
Notas
1
“Inversão do ônus da prova. Art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Momento processual. 1. É possível ao Magistrado deferir a inversão do ônus
da prova no momento da dilação probatória, não sendo necessário aguardar o
oferecimento da prova e sua valoração, uma vez presentes os requisitos do art.
6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que depende de circunstâncias
concretas apuradas pelo Juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do
consumidor..” (STJ, 3.ª T., REsp 598620-MG, rel. Min. Carlos Menezes Direito, j.
07.12.04, DJ 18.04.2005, p. 314, REVFOR vol. 382, p. 334).
2
“O sistema do Código de Defesa do Consumidor de tutela de direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos, aplica-se, mesmo que não estejam envolvidas
relações de consumo, por força do art. 21 da Lei 7.347/85, que recebeu nova
redação pelo art. 117 do CDC. Por esse dispositivo, a parte processual do Código
do Consumidor tornou-se como que um sistema geral do processo das ações
coletivas.” (ARRUDA ALVIM, Eduardo. Apontamento sobre o processo das
ações coletivas. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. (coord.). Processo
civil coletivo. São Paulo: Quarter Latin, 2005, p. 46).
3
“A inversão do ônus pela verossimilhança da alegação, em verdade, não trata de
modificação do encargo de produção de prova deferido ao autor ou demandado.
Encontra-se no campo da avaliação.” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do
processo coletivo. São Paulo: RT, 2002, p. 335-336).
4
Os italianos afirmam que o interesse difuso possui a característica básica de
não ser nem público nem privado. “ Quegli interessi non sono né pubblici (nel
senso di generali), né privati (nel senso di singoli individuali): sono collettivi o diffusi.”
(VIGORITI, Vicenzo. Mauro Cappelletti e altri: davvero impossible la class action
in Itália?. In: Revista de Processo n. 131. São Paulo: RT, Janeiro de 2006, p. 85).
5
“Administrativo e Processual. Improbidade Administrativa. Ação civil Pública.
1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa,
anseio popular e, a fortiori, difuso. 2. A característica da ação civil pública
está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza mutifária legitimação,
dentre outras, a do Ministério Público como o mais adequado órgão de tutela,
intermediário entre o Estado e o cidadão. 3. A Lei de Improbidade Administrativa,
em essência, não é lei de ritos senão substancial, ao enumerar condutas contra
162
Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
O ônus da prova na ação de improbidade administrativa
legem, sua exegese e sanções correspondentes. 4. Considerando o cânone de
que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, é lícito que o interesse
difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública
máxime porque a conduta do prefeito interessa a toda a comunidade local mercê
de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes, poupandolhes de novas demandas. 5. As consequências da ação civil pública quanto aos
provimentos jurisdicionais não inibem a eficácia da sentença que pode obedecer
à classificação quinária ou trinária das sentenças 6. A fortiori, a ação civil pública
pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, autoexecutável ou
mandamental. 7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa
e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também
influa na categorização da demanda. 8. A lei de improbidade administrativa,
juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de
segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da
Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos
interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se
e subsidiam-se. 9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que “A ação
civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público
para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo
tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto
à aplicação das sanções do art. 37, § 4o, da Constituição Federal, previstas ao
agente público, em decorrência de sua conduta irregular [...]. Torna-se, pois,
indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para
ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma
mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de
interesses meta-individuais. Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública
se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos
princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de
improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais,
conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, §
4o, da Constituição Federal e art. 3o da Lei no 7.347/85)” (Alexandre de Moraes in
Direito constitucional, 9. ed., p. 333-334) 10. Recurso especial desprovido.” (STJ,
1.ª T., REsp 510150-MA, rel. Min. Luiz Fux, j. 17.02.04, DJU 29.03.2004, p. 173,
RNDJ vol. 54, p. 112).
6
“Em outras palavras, a vontade específica de violar a Lei é requisito fundamental
da imposição das pesadas sanções previstas na Lei ora comentada.” (PORTO
FILHO, Pedro Paulo de Rezende. Improbidade administrativa – requisitos para
tipicidade. In: Interesse Público. n. 11, p. 83). “A Lei no 8.429/92 consagrou a
responsabilidade subjetiva do servidor público exigindo o dolo nas três espécies
de ato de improbidade administrativa. (MORAES, Alexandre de. Direito
constitucional administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 2002, p. 320-321).
7
“Um dos princípios do processo penal que é também comum ao sistema punitivo
de atos de improbidade é o da presunção de inocência. No campo do processo,
a consequência principal decorrente da adoção desse princípio é impor ao autor
da ação todo o ônus da prova dos fatos configuradores do ilícito imputado. No
que se refere à ação de improbidade, é descabida, assim, a invocação, contra o
réu, dos efeitos da revelia, notadamente o da confissão ficta (CPC, art. 319). A
falta de contestação, ou a contestação por negativa geral, sem o detalhamento
163
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES
preconizado no art. 300 do CPC, não dispensa o autor do ônus imposto pelo art.
333, I, de fazer prova dos fatos constitutivos da infração.” (ZAVASCKI, Teori
Albino. Processo coletivo. São Paulo: RT, 2006, p. 116).
8
“Ação Civil Pública. Ato de Improbidade Administrativa. Contrato Administrativo. Ausência Indevida de Prévia Licitação. Dano ao Erário Público. Não
Comprovação. Ônus da Prova. Autor. Artigo 333, Inciso I, do CPC. Sentença
Confirmada. Não obstante a ocorrência de ato de improbidade administrativa,
atinente à ausência indevida de prévia licitação para firmar contrato
administrativo, o ressarcimento ao erário imprescinde que o autor traga aos autos
prova de dano material ao patrimônio público, pois o ônus da prova incumbe a
quem alega, segundo o artigo 333, I, do CPC. Não se desincumbindo do “”onus
probandi””, inviável o acolhimento do pedido inicial. Recurso desprovido.”
(TJMG, ApCív. n. 1.0439.04.030152-5/001(1), rel. Des. Batista Franco, j. 07.03.2006,
DJ 31.03.2006) “Ação civil pública. Improbidade administrativa. Ministério
Público. O prejuízo ao erário público deve restar sobejamente comprovado
ante o princípio, a que se submete o Ministério Público, de que o autor tem o
ônus de provar o fato constitutivo do seu direito. [...]” (TJRS, 3.ª Câm. Civ., Ap.
Cív. 70001704360, rel. Juiz Augusto Otávio Stern, j. 22.03.2001, disponível em:
<www.tj.rs.gov.br>.) “Apelação Cível. Ação Civil Pública. Ato de Improbidade
Administrativa. Artigo 18 da Lei n. 7.347/85. Ausência de Prova. Improcedência
do Pedido. Inaplicabilidade de Invesão do Ônus da Prova na Ação Civil. Apelo
Desprovido” (TJPR, 8.ª Câm. Cív., ApCiv. n. 125537-0, rel. Des. Celso Rotoli de
Melo, j. 12.11.2003).
Recebido para publicação em: 10/12/2007
Aprovado em: 28/12/2007
164
Depoimentos, Vitória, n. 12, p. 151-164, jul./dez. 2007.
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o ônus da prova na ação de improbidade administrativa