ASSUNTO: Qualidade de segurado do servidor e concessão de benefício previdenciário pelo RPPS. ANÁLISE JURÍDICA O prazo de manutenção da qualidade de segurado funciona como uma espécie de garantia para o contribuinte. Dessa forma, ele e seus dependentes ficam socialmente protegidos nos casos de idade avançada, doença, gravidez, reclusão e morte. Cabe ao trabalhador providenciar a manutenção da qualidade de segurado, seja através do trabalho com contribuição para o regime de previdência respectivo, ou com a contribuição facultativa para o Regime Próprio de Previdência Social-RPPS no caso de disposição ou licenciamento do cargo ou como contribuinte facultativo para o Regime Geral de Previdência Social-RGPS. Entende-se atribuída ao trabalhador/segurado a responsabilidade pela manutenção dessa qualidade, já que deve conhecer a lei, presunção legal inafastável por conta do princípio da publicidade das leis insculpido no artigo 3º do Decreto-Lei nº4.657/1942, batizado de Lei de Introdução ao Código Civil, in verbis: Art. 3º. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Desta forma, sendo a lei pública e de conhecimento geral, traçados os requisitos para a concessão dos benefícios previdenciários, cumpre ao segurado manter essa qualidade para prover proteção a si e seus dependentes. No caso da lei do Ente federado não prever expressamente o período em que há a manutenção da qualidade de segurado, deverá ser observado o que prescreve a legislação federal, atendendo o que determina o artigo 40, §12, da CF/88. Então vejamos: 1. O Decreto nº 3.048/1999 - Regulamento da Previdência Social, trouxe em seu artigo 13, II e §§1º, 3º e 4º a previsão de que o segurado manterá a qualidade de segurado por até doze meses após a cessação das contribuições quando licenciado sem remuneração, prevendo também que esse prazo poderá ser de até vinte e quatro meses se o segurado já tiver pago mais de cento e vinte contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado, in verbis: Decreto nº 3.048/1999 Da Manutenção e da Perda da Qualidade de Segurado Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: [...] II - até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; [...] § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até vinte e quatro meses, se o segurado já tiver pago mais de cento e vinte contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. [...] § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a previdência social. § 4º Aplica-se o disposto no inciso II do "caput" e no § 1º ao segurado que se desvincular de regime próprio de previdência social. (Acrescentado pelo D-003.265-1999) 1.1. O próprio Regulamento da Previdência Social, após as alterações introduzidas pelo Decreto nº4.729/2003, traz as exceções à necessidade da manutenção da qualidade de segurado para fins de percepção de benefício, conforme art.13: Art.13 [...] § 5º A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. § 6º Aplica-se o disposto no § 5º à aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com, no mínimo, o número de contribuições mensais exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício. 2. O artigo 60, XIII, do decreto supracitado, prevê que o período de licença remunerada em que tenha havido o recolhimento das contribuições previdenciárias será considerado como tempo de contribuição, do que se entenderia mantida a qualidade de segurado, in verbis: Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros: XIII - o período de licença remunerada, desde que tenha havido desconto de contribuições; 3. O artigo 35 da Orientação Normativa do Ministério da Previdência Social nº 02/2009, abaixo transcrita, prevê que o servidor licenciado sem recebimento de remuneração somente contará o tempo de licenciamento para fins de aposentadoria mediante o recolhimento mensal das contribuições previdenciárias. O atendimento a essa hipótese mantém a qualidade de segurado também para fins de outros benefícios previdenciários, através de um juízo de equidade e comparativamente em relação às normas gerais insculpidas no Regulamento da Previdência Social. ON-MPS 02/2009 Art. 35. O servidor afastado ou licenciado temporariamente do exercício do cargo efetivo sem recebimento de remuneração ou de subsídio pelo ente federativo, somente contará o respectivo tempo de afastamento ou licenciamento para fins de aposentadoria, mediante o recolhimento mensal das contribuições, conforme lei do respectivo ente. 4. A jurisprudência tem entendido pela existência de uma exceção a essa regra da necessidade da manutenção da qualidade de segurado, que seria a hipótese de o ex-segurado ter preenchido os requisitos para obtenção dos benefícios de aposentadoria por idade ou tempo de contribuição, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça: Ementa: PREVIDENCIÁRIO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO OCORRIDA ANTES DO ÓBITO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA PENSÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. O decisum agravado merece ser mantido por seu próprio fundamento, pois está afinado com o entendimento jurisprudencial sobre o tema, segundo o qual a perda da qualidade de segurado não impede a concessão de pensão por morte a dependentes se, antes do falecimento, o de cujus preencheu as exigências legais para aposentadoria. 2. Agravo regimental improvido. (Processo: AgRg no REsp 964594 / RS, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL, 2007/0148564-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI (1138), Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 28/02/2008, DJ 31.03.2008 p. 1, STJ). Ementa: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. PENSÃO POR MORTE. SEGURADO QUE NÃO PREENCHEU OS REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA ANTES DO FALECIMENTO. 1. "A perda da qualidade de segurado, quando ainda não preenchidos os requisitos necessários à implementação de qualquer aposentadoria, resulta na impossibilidade de concessão do benefício pensão por morte" (AgRgEREsp nº 547.202/SP, Relator Ministro Paulo Gallotti, in DJ 24/4/2006). 2. A perda da qualidade de segurado constitui óbice à concessão da pensão por morte quando o de cujus não chegou a preencher, antes de sua morte, os requisitos para obtenção de qualquer aposentadoria concedida pela Previdência Social, tal como ocorre nas hipóteses em que, embora houvesse preenchido a carência, não contava com tempo de serviço ou com idade bastante para se aposentar. 3. Embargos de divergência acolhidos. (Processo: EREsp 263005 / RS, EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL, 2004/0068345-0, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112), Órgão Julgador: S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento: 24/10/2007, DJ 17.03.2008 p. 1, STJ). Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. AUSÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO DE CUJUS. NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS PARA APOSENTADORIA. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que a perda da qualidade de segurado não obsta a concessão da pensão por morte a beneficiário, desde que o de cujus, à época do óbito, já tenha implementado as condições para aposentadoria. Precedentes da Terceira Seção. Agravo regimental a que se nega provimento. (Processo: AgRg no REsp 754988 / PR, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL, 2005/0089421-3, Relator: Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (1135), Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento: 04/10/2007, DJ 29.10.2007 p. 322, STJ). 5. Visto que a Carta Magna prevê no artigo 40, §12 a aplicação subsidiária das normas e critérios do RGPS, no que couber, para o RPPS, é possível observar o que prevê a Lei nº 8.213/1991, artigo 102 e §§1º e 2º, que traz a exceção quanto a necessidade da manutenção da qualidade de segurado para o direito ao benefício de aposentadoria que tenha seus requisitos preenchidos. Ainda, prevê que os beneficiários não terão direito a pensão se o segurado falecer após a perda desta qualidade, in verbis: Lei nº 8.213/1991 Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) § 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997) § 2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997) Assim, por análise da legislação e do posicionamento jurisprudencial da alta corte de justiça brasileira, conclui-se que a regra da manutenção da qualidade de segurado para fins de concessão de benefícios previdenciários é válida e tem previsão na legislação federal, assim como suas exceções, quando a legislação do Ente federativo for omissa. Assessoria Jurídica dos RPPS’s, março de 2011. Mauro André Branquinho Ferreira OAB/GO nº 26.853 [email protected]