UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - IH DEPARTAMENTO DE ECONOMIA PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA ALUNA: ANDRÉA LEMGRUBER PROF. ORIENTADORA: MARIA DA CONCEIÇÃO SAMPAIO DE SOUSA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO “A COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA EM ECONOMIAS FEDERATIVAS: ASPECTOS TEÓRICOS, CONSTATAÇÕES EMPÍRICAS E UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO” MARÇO/1999 ÍNDICE Introdução................................................................................................................. 004 Capítulo 1 - Aspectos Teóricos da Competição Tributária 1.1-Introdução......................................................................................................... 1.2 – Competição Tributária e Externalidade: o Modelo de Gordon....................... 1.2.1 – Descrição do Modelo............................................................................... 1.2.2 - Otimização e Principais Resultados......................................................... 1.3 - Síntese da Abordagem Moderna da Competição Tributária.......................... 1.3.1 - Modelos de Competição Tributária Federativa......................................... 1.3.2 - Modelos de Competição Fiscal Federativa: a Inter-relação entre a Tributação e o Gasto Público................................................................. 1.3.3 - Modelo de Competição Tributária Internacional...................................... 1.4 - Conclusão...................................................................................................... Capítulo 2 - Problemas Associados à Competição Tributária: Mensurações Empíricas e Possíveis Soluções 2.1 - Introdução...................................................................................................... 2.2 - Mensurações Empíricas da Competição Tributária....................................... 2.2.1 - Tributação sobre o Consumo................................................................... 2.2.2 - Tributação sobre a Renda das Pessoas Físicas....................................... 2.2.3 - Tributação sobre a Renda das Pessoas Jurídicas.................................. 2.2.4 - Os Impactos sobre a Movimentação de Fatores: Resultados de Equilíbrio Geral....................................................................................... 2.3 - Algumas Soluções Possíveis para os Problemas Gerados pela Competição Tributária........................................................................................................ 2.3.1 - Centralização do Poder Federativo....................................................... 2.3.2 - Criação de Instituições que Zelem pelo Ambiente Competitivo Saudável 2.3.3 - Adesão às Recomendações do Comitê Fiscal da OCDE........................ 2.3.4 – Harmonização Tributária.......................................................................... 2.4 - Conclusão...................................................................................................... Capítulo 3 - A Competição Tributária na Federação Brasileira 3.1 - Introdução...................................................................................................... 3.2 - Uma Breve Descrição do Sistema Tributário Brasileiro................................ 3.3 - Uma Análise da Competição Tributária na Federação Brasileira.................. 3.3.1 - Antecedentes e Principais Motivações.................................................. 3.3.2 - Competição Tributária Vertical................................................................. 3.3.3 - Competição Tributária Horizontal............................................................. 3.3.3.1 - Análise da Situação Financeira dos Governos Subnacionais.......... 3.3.3.2 - Análise dos Principais Impactos Gerados pela CTH........................ 3.4 - Conclusão...................................................................................................... 009 010 010 013 024 026 031 033 036 038 038 040 042 044 048 052 052 053 055 058 066 068 069 075 075 085 099 100 102 117 Conclusão................................................................................................................. 118 Apêndice I - Desenvolvimento das CPO do Problema de Maximização do 125 2 Modelo de Gordon............................................................................... Apêndice II - Recommendations and Guidelines for Dealing with Harmful Tax 130 Practices............................................................................................... Apêndice III - Detalhamento dos Cálculos da Simulação dos Impactos da 136 Competição Tributária sobre o Bem-estar Social.......................... Apêndice IV - Dados Estatísticos................................................................. 144 Bibliografia................................................................................................................ 147 3 INTRODUÇÃO A teoria das finanças públicas inicia-se pelo estudo das razões da existência e da intervenção do Estado na economia. Embora a economia competitiva de mercado, tão bem representada pela “mão invisível” de Adam Smith, seja, indubitavelmente, o melhor meio de se atingir a eficiência econômica, há importantes situações onde o livre mercado falha e não é possível obter um resultado eficiente. São precisamente esses casos, onde as hipóteses dos teoremas do bem-estar não são satisfeitas e, conseqüentemente, a eficiência de Pareto não é atingida, que justificam a intervenção do Estado na atividade econômica. No entanto, apesar de haver consenso sobre a necessidade de intervenção estatal na correção das falhas de mercado e na persecução das metas macroeconômicas e redistributivas, há substanciais divergências no que se refere à forma de atuação estatal na busca desses objetivos. Há duas correntes antagônicas presentes na literatura econômica. A primeira entende que o setor público deve agir similarmente ao setor privado e, portanto, a competição interjurisdicional, da mesma forma que no livre mercado, levaria à eficiência das decisões governamentais. A segunda corrente, de modo inverso, advoga que a competição entre governos é, per si, uma fonte de distorção econômica, pois leva à provisão sub-ótima de bens públicos. A visão em prol da eficiente competição interjurisdicional está edificada sobre o conhecido Modelo de Tiebout (1956), que resolve o problema da revelação de preferências para o setor público partindo do princípio de que, quando os eleitores escolhem o estado onde irão residir, estão revelando sua combinação preferida de impostos e bens públicos. Esse processo de voting with one’s feet, que requer total mobilidade dos indivíduos, pode ser entendido como análogo à escolha de uma cesta de bens no mercado privado. Aqueles estados que possuem políticas tributária e de gastos que agradam aos cidadãos deverão receber uma corrente imigratória em suas jurisdições. Essa imigração implica que as decisões governamentais foram tomadas de forma eficiente e, por isso, foram privilegiadas ou reveladas como preferidas pelos cidadãos. Tiebout argumenta que, se houver livre competição entre os estados federativos, aqueles governos que perdem cidadãos ajustarão suas políticas de modo que, no final do processo, todos os estados estarão oferecendo eficientemente os bens e serviços que são demandados pela sociedade. Conclui-se, portanto, que a descentralização governamental atua como uma “mão invisível” no setor público, trazendo benefícios inquestionáveis para a federação como um todo. Entretanto, desde que Charles Tiebout desenvolveu seu modelo, a literatura sobre competição tributária progrediu significativamente, mostrando que seus resultados são bastante limitados a condições econômicas um tanto quanto irrealistas. Em suma, Tiebout parte do princípio de que as condições dos teoremas do bem-estar são plenamente satisfeitas. Isto é, o modelo não considera a existência de falhas de mercado, em especial, externalidades e bens públicos. Porém, a competição interjurisdicional traz, em seu próprio bojo, uma série de externalidades distintas. Segundo Stiglitz (1980), a própria migração das pessoas entre estados pode ser entendida como uma classe de externalidade, pois esses novos cidadãos trazem 4 benefícios (aumentam a base contributiva) e custos (amentam a demanda por bens públicos) para a jurisdição em que escolhem residir, sem, no entanto, serem devidamente compensados ou onerados por isso. Ademais, a competição no modelo de Tiebout, da mesma forma que no mercado privado, requer um grande número de agentes envolvidos, o que não é o caso das federações. O número de estados que competem entre si é limitado e a interação existente entre eles é óbvia. Outro ponto importante a ser notado é que as decisões governamentais não ocorrem por maximização de lucros (e nem sempre por maximização de receitas), mas sim por decorrência do processo político. Como ensina a escola da escolha pública, as ações dos políticos nem sempre são representativas do eleitorado que os elegem e o equilíbrio resultante dessas escolhas, em geral, não é Pareto eficiente. Por último, vale notar que mesmo se a competição interjurisdicional levasse a um resultado eficiente, esse resultado poderia não ser desejado, dado que Pareto-eficiência nada diz a respeito da distribuição de renda na sociedade. Nesse sentido, a minimização das diferenças socioeconômicas inter-regionais, um dos objetivos primordiais de qualquer sistema federativo, não seria atingida. Essas críticas às hipóteses de Tiebout geraram uma outra interpretação do fenômeno da competição interjurisdicional. Essa corrente defende que, na luta pela atração de novos investimentos, os estados passariam a abrir mão do controle de seus próprios instrumentos de governabilidade, reduzindo salários, impostos, benefícios sociais e controles ambientais para tornarem-se mais competitivos. A menor arrecadação tributária levaria à sub-provisão de bens públicos e, assim, o equilíbrio seria ineficiente. Além disso, haveria um impacto diferenciado entre os diversos grupos sociais, pois aqueles que passam a se beneficiar com o novo investimento não são os mesmos que se beneficiavam com os serviços públicos que deixaram de ser oferecidos. Em resumo, contrariamente à linha de pensamento de Tiebout, a lógica da competição privada não pode ser analogamente atribuída ao setor público. Conforme citado por Oates (1988), “a competição tributária tende a produzir um baixo esforço fiscal por parte dos governos locais ou uma estrutura tributária local fortemente regressiva”. A regressividade advém do fato de que os fatores mais móveis têm maior facilidade de buscar regimes tributários preferenciais e, assim, pagar menos impostos. Dessa forma, serão os fatores imóveis, tipicamente o trabalho menos qualificado e os proprietários de terras e imóveis, que terão de suportar a carga tributária. Assim, constatada a ineficiência do resultado competitivo, algumas soluções têm sido apontadas para controlar ou minimizar a disputa predatória entre governos. A solução clássica sugere a intervenção do governo central para o controle dos governos subnacionais (ou, dito de outra forma, para save the states from themselves), pois a descentralização acarretaria custos substanciais para a federação. Desse modo, essa discussão pode ser analisada por outro prisma, que permeia o debate federativo: o trade-off centralização versus descentralização. Os argumentos a favor do Estado centralizado são a maior coerência e eficiência das políticas macroeconômicas e redistributivas, os ganhos de escala na produção de bens e serviços públicos e a harmonização fiscal entre os diversos níveis governamentais. Por outro lado, especialmente no que se refere às responsabilidades de gastos, a literatura econômica tem mostrado que a descentralização pode significar importantes ganhos de eficiência 5 e bem-estar. Isso porque os governos locais estão mais próximos dos cidadãos e podem mais facilmente captar suas demandas por serviços públicos, melhorando a alocação de recursos, além de permitir uma maior participação democrática nas decisões governamentais. É inquestionável que a tendência dos Estados democráticos é optar por governos descentralizados e, portanto, a solução clássica do fortalecimento do poder central fica descartada. De fato, a maioria das federações, inclusive a brasileira, tem desfrutado de regimes políticos mais abertos e, em decorrência, tem dado maiores poderes aos governos subnacionais. Assim, a solução moderna tem sido a busca da harmonização tributária entre os diversos governos, entendida como uma convergência dos diferentes sistemas tributários ou do nível de tributação, tema esse ainda não muito explorado pela teoria econômica. Nesse sentido, a controvérsia entre a competição e a harmonização tributárias também pode ser entendida como um aprofundamento do tradicional trade-off entre a tributação ótima e a tributação uniforme. Portanto, o estudo da competição tributária intergovernamental tem, cada vez mais, se tornado assunto de suma importância, pois além de sua relevância e atualidade em termos teóricos (grande parte da literatura econômica sobre o tema data dos anos 80 e 90), o fenômeno competitivo tem despertado um crescente interesse prático por parte de diversos governos. Isso porque, com a grande mobilidade dos fatores, decorrente do processo de globalização das economias, a competição tributária tem deixado de ser assunto interno de cada federação para atingir âmbito internacional. De fato, os agentes econômicos têm buscado beneficiar-se dos diferenciais de tributação existentes entre os diversos sistemas tributários e, com isso, têm incentivado a proliferação de áreas de regime tributário preferencial ou paraísos fiscais. São óbvios os prejuízos que esse tipo de jurisdição “benevolente” impõe sobre os demais estados ou países, que vêem suas bases tributárias migrarem em busca de uma tributação mais favorecida. Mesmo dentro de uma área de livre comércio, pequenos diferenciais de tributação efetiva podem levar a distorções na alocação ótima dos recursos econômicos. Ao mesmo tempo, internamente a cada federação, tem sido crescente a disputa interjurisdicional pela atração de investimentos privados, sobretudo de grandes empresas multinacionais, o que é, precisamente, o caso brasileiro. Desse modo, é imprescindível que a relação de custo-benefício desse processo competitivo fique clara para a população, que, se por um lado é beneficiada pela geração de empregos e pela atração de capitais, por outro é prejudicada pela menor arrecadação e, conseqüentemente, pelo menor nível de serviços públicos colocados à sua disposição. Indubitavelmente, a falta de transparência desse processo faz com que a população não perceba os reais ganhadores ou perdedores do jogo competitivo. Assim, a presente dissertação pretende cobrir uma enorme lacuna existente sobre o tema no Brasil. Apesar da federação brasileira estar convivendo com um processo de competição tributária intergovernamental de grandes proporções há vários anos, não há praticamente nenhum estudo ou estimativas oficiais sobre os possíveis impactos do fenômeno sobre o bem-estar da população. Mais do que isso, o processo passa, em geral, despercebido dos cidadãos ou, ainda pior, à margem da lei, 6 resultando em uma competição predatória que não tem sido coibida pelo Poder Público. É preocupante que um alto nível competitivo, que concede isenções e benefícios tributários em um verdadeiro “leilão” interestadual, possa ocorrer em um País com forte desequilíbrio fiscal e que não tem dado a devida importância à questão da Reforma Tributária. Desse modo, este trabalho visa a fornecer uma visão bastante abrangente da competição tributária, incluindo aspectos teóricos e experiências internacionais do fenômeno, de modo a ser possível realizar uma análise mais aprofundada do caso brasileiro. O capítulo 1 dedica-se ao estudo das principais contribuições da teoria econômica sobre a competição tributária, realizando uma análise comparativa dos recentes modelos que tratam do tema. Grande importância é concedida ao Modelo de Gordon (1983) que, por ser abrangente e geral, apresentando de forma clara os principais impactos do processo competitivo sobre a eficiência econômica e o bemestar social, é detalhadamente analisado na seção 1.2 desse primeiro capítulo. A seção 1.3 apresenta uma síntese de vários modelos posteriores ao de Gordon, identificando quais suas novas contribuições ao estudo da competição tributária. Em seguida, o capítulo 2 apresenta algumas constatações empíricas do fenômeno competitivo, mostrando como o processo tem ocorrido em distintos países e discutindo suas tendências. Desse modo, após apresentar a posição da teoria econômica sobre o assunto, esta dissertação busca verificar se os seus resultados podem ser comprovados, na prática, pela experiência internacional. Constatadas a importância e as principais ineficiências causadas pela competição tributária, a seção 2.3 é dedicada à análise das possíveis soluções que visam a minimizar os problemas gerados pelo processo competitivo. Especial atenção é dedicada ao estudo da harmonização tributária, qualificando-se detalhadamente o trade-off competição versus harmonização tributárias. Por último, de posse de todo o conhecimento que a teoria econômica e a experiência internacional podem oferecer no estudo do fenômeno da competição tributária, o capítulo 3 busca analisar o processo competitivo na federação brasileira. Para melhor situar o leitor dentro da realidade tributária do País, a seção 3.2 realiza um breve resumo do sistema brasileiro, definindo sua estrutura e seu nível de carga tributária. Em seguida, a seção 3.3 dedica-se ao estudo da “guerra fiscal” brasileira, apresentando, sempre que possível, dados quantitativos e análises históricas sobre o tema. Apesar da falta de informações confiáveis sobre o assunto, que poderiam facilitar qualquer estudo sobre o processo competitivo no País, esta dissertação busca apresentar, de modo bem geral, as principais características da competição intergovernamental brasileira, tentando mensurar seus impactos sobre a eficiência econômica e o bem-estar da população. Entretanto, não restam dúvidas que esse é apenas um começo, pois muito ainda há a ser aprofundado no entendimento da questão competitiva no Brasil. 7 Capítulo 1 Aspectos Teóricos da Competição Tributária 1.1 - INTRODUÇÃO Tradicionalmente, o fenômeno da competição tributária tem ocorrido em países federativos, sobretudo naqueles onde os governos subnacionais possuem ampla autonomia fiscal. A competição tributária ocorre, justamente, quando determinado governo, agindo de modo não-cooperativo, utiliza-se dessa autonomia e implementa medidas tributárias que influenciam os resultados econômicos e sociais de outros governos. Na definição de Mintz e Tulkens (1986), a competição tributária ocorre quando “fiscal decisions by one government affect the tax revenues of the others. Typically, by altering its tax rates relative to those of other jurisdictions, each government has the ability to modify the size of its tax base at the expense (or the benefit) of its neighbours”. A partir dessa definição, fica claro que a competição tributária pode ser analisada, basicamente, como um problema de externalidade, pois cada estado tem a capacidade de impor malefícios ou benefícios a outros governos de sua federação. Recentemente, a competição tributária tem se agravado devido a duas razões principais: em primeiro lugar, a maior parte dos países do mundo abriu seus regimes políticos à democracia, fortalecendo enormemente o federalismo e a descentralização fiscal; e, em segundo lugar, a globalização e a formação de mercados regionais têm expandido a fronteira da competição tributária para o âmbito internacional. Em outras palavras, a competição tributária tem se tornado cada vez mais forte dentro das federações ao mesmo tempo em que também passa a estar presente nas relações entre os países. Assim, sendo um fenômeno de relevante importância para as finanças públicas de vários países, a competição tributária tornou-se objeto de estudo da teoria econômica já há algum tempo. De fato, importantes economistas da área das finanças públicas têm se dedicado à análise do tema, especialmente a partir da segunda metade deste século XX. Nesse sentido, pode-se citar o trabalho pioneiro de Tiebout (1956), que agregou expressiva contribuição à teoria econômica, sobretudo no que se refere à análise da eficiência das ações governamentais quando unidades autônomas competem entre si. Mais tarde, Musgrave (1969) e Oates (1972) trataram de questões relativas ao federalismo e à descentralização fiscal e suas principais implicações. No entanto, as mudanças econômicas e políticas ocorridas nas últimas duas décadas, que levaram ao fortalecimento e à expansão do uso da competição tributária, impuseram a necessidade de elaboração de modelos cada vez mais sofisticados para a análise do tema. Nesse aspecto, o trabalho de Gordon (1983) pode ser considerado como um divisor de águas no tratamento do estudo da competição tributária, apresentando um modelo geral onde ficam estabelecidos os tipos de externalidades que podem gerar resultados ineficientes em ambiente federativo de descentralização não-coordenada. 8 A partir de então, vários outros trabalhos de interesse relevante para a teoria econômica foram dedicados ao estudo da competição tributária, em ambientes cada vez mais detalhados e realistas de hipóteses e impostos. Modelos como o de Mintz e Tulkens (1986) e de Tulkens e Crombrugghe (1990), por exemplo, foram desenvolvidos sobre o alicerce do moderno instrumental da Teoria dos Jogos. O próprio modelo de Gordon (1983) foi analisado e expandido por Inmam e Rubinfeld (1996), incorporando uma especificação mais rica em termos de economia política. Atualmente, pode-se afirmar que alguns resultados relativos às conseqüências da competição tributária já se encontram estabelecidos pela teoria econômica. Nesse sentido, este capítulo pretende analisar os aspectos teóricos da competição tributária, apresentando uma síntese dos principais modelos e conclusões a respeito do tema. Na seção seguinte, dada a sua importância e generalidade no tratamento da questão, será apresentado, de modo detalhado, o modelo de Gordon (1983) e seus principais resultados. Em seguida, na seção 3 será realizado um breve resumo de vários modelos considerados relevantes para o estudo da competição tributária, destacando-se suas principais contribuições à teoria econômica e estabelecendo os pontos de concordância e conflito existentes entre eles. 1.2 - COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA E EXTERNALIDADE: O MODELO DE GORDON 1.2.1 - DESCRIÇÃO DO MODELO O modelo de Gordon (1983) é desenvolvido para uma federação com dois níveis governamentais: um governo central e k governos intermediários ou locais (que passarão a ser denominados de estados). Cada governo tem competência para arrecadar um imposto sobre bens e serviços ( s ) e um imposto sobre fatores de produção ( t ). O modelo é bastante geral e, como afirma o próprio Gordon, “the modeling of the types of taxes communities can use is rather abstract, but includes as special cases most of the taxes that state or local governments use”.1 Os impostos, representando a cunha existente entre vendedores e compradores de bens, serviços ou fatores, são definidos da seguinte forma: • s jk = q jk − p jk , e • t jk = v jk − w jk onde, para cada estado k , temos os seguintes vetores de preço: q jk é o preço pago pelo consumidor na aquisição de um bem ou serviço j ; p jk é o preço recebido pela firma na venda de um bem ou serviço j ; v jk é o preço pago pela firma na remuneração de um fator j utilizado na produção; e w jk é o preço recebido pelo dono do fator de produção j . 1 Há modelos de competição tributária desenvolvidos especificamente para determinado tipo de imposto (em sua maioria, para impostos sobre o consumo ou sobre o capital), alguns dos quais serão apresentados na seção 1.3 deste capítulo. Logicamente, esses modelos são mais ricos na análise da tributação selecionada, mas perdem a visão geral de sistema tributário. 9 No que se refere à apropriação das receitas entre os k estados, Gordon adota o princípio da origem na modelagem de seus impostos, da mesma forma que a grande parte dos modelos que estudam competição tributária. Há dois bons motivos para se utilizar o princípio da origem: em primeiro lugar, permite que o modelo se torne mais completo, abrangendo a hipótese da exportação de tributos, que, indubitavelmente, é uma das maiores ineficiências geradas pela competição tributária. Ademais, embora recomendado teoricamente como um dos inibidores do processo competitivo, o princípio do destino envolve inúmeras dificuldades práticas em sua administração e, por isso, não é usual na maioria das federações2. A economia é composta por três grupos de agentes que possuem as seguintes inter-relações: as firmas (que adquirem fatores de produção dos indivíduos, consomem os bens e serviços públicos colocados à sua disposição, produzem e vendem bens e serviços privados e pagam impostos para o governo), os indivíduos (que vendem seus fatores de produção, compram bens e serviços privados, consomem os bens e serviços públicos colocados à sua disposição e pagam impostos para o governo) e o governo (que arrecada impostos dos contribuintes e disponibiliza à sociedade bens e serviços públicos). Existem, portanto, duas categorias de contribuintes: as pessoas jurídicas (firmas) e as pessoas físicas (indivíduos), que têm mobilidade pelo território federal, enfrentando, contudo, os respectivos custos de transporte. As firmas residentes no estado k produzem um vetor de bens e serviços (output), denotado por y jk , e compram insumos necessários ao processo produtivo, representados pelo vetor de fatores de produção (input) x jk . Cada firma escolhe os níveis de y jk e x jk de modo a maximizar seu lucro. O modelo assume que o mercado opera em concorrência perfeita e que a função de produção das firmas tem retornos constantes de escala. Os indivíduos, por sua vez, têm a escolha de viver no estado de sua preferência, independentemente de poderem trabalhar e adquirir bens ou serviços em outros estados. Há um número finito de tipos de indivíduos, indexados por i , que têm por objetivo a maximização de sua utilidade V ik . Certamente, a melhor alternativa de qualquer cidadão seria fixar residência no estado onde sua utilidade é maximizada. As variáveis que influenciam a utilidade dos indivíduos são os preços pós-imposto de bens 2 Há duas categorias básicas de impostos em qualquer federação: aqueles cobrados na residência ou no destino (a arrecadação tributária é do estado onde residem os proprietários dos fatores ou os consumidores dos bens) e aqueles cobrados na fonte ou na origem (as receitas são do estado onde os fatores foram empregados e os bens produzidos). A própria União Européia, até hoje, não instituiu definitivamente o sistema do destino para o IVA Intracomunitário. No Brasil, o ICMS adota um sistema misto entre a origem e o destino que tem sido apontado como um dos fatores responsáveis pela alta sonegação fiscal na fronteira e pela guerra fiscal entre os estados da federação. Esse assunto encontrase analisado, de forma detalhada, no capítulo 3 desta dissertação, que é dedicado ao estudo da competição tributária brasileira. 10 e serviços ( q jk ) e de fatores ( w jk ), o grau de congestionamento do estado ( ck )3 e o nível de serviços públicos colocados à sua disposição ( G jk ). Portanto, a utilidade indireta a ser maximizada é V ik = V i (q jk , w jk , ck , G jk ) . O número de indivíduos do tipo i que vivem no estado k é representado por n ik . O governo do estado k , para produzir e fornecer à população o vetor de serviços e bens públicos G jk , adquire fatores ou insumos b jk . A despesa governamental Dk é o montante gasto na aquisição do vetor b jk , ou seja, Dk = ∑ b jk ⋅ v jk . Para financiá-la, o governo arrecada uma receita tributária de [ j ] Tk = ∑ y jk ⋅ s jk + (x jk + b jk )⋅ t jk ; a partir da incidência de impostos sobre os bens e os j fatores de produção. O equilíbrio orçamentário impõe que Dk = Tk . 1.2.2 - OTIMIZAÇÃO E PRINCIPAIS RESULTADOS Os instrumentos de política tributária que os governos dispõem são, geralmente, causas primárias de distorção econômica, pois a imposição de qualquer imposto altera o comportamento dos agentes privados. A resposta dos contribuintes à imposição de um imposto pode ser decomposta em dois efeitos básicos: o efeito-renda (devido à redução do espaço-orçamentário do indivíduo, representando a diminuição do seu poder de compra, de suas alternativas de escolha e, conseqüentemente, de sua utilidade) e o efeito-substituição (devido ao fato de que o indivíduo alterará suas escolhas, buscando adaptar suas preferências aos novos preços vigentes, mantendo constante sua utilidade). O efeito-substituição é também referenciado, na literatura econômica, como a distorção que está associada a qualquer imposto, pois nenhum sistema tributário real baseia-se em impostos do tipo lump-sum, que, por não acarretarem distorções alocativas em uma economia, geram um equilíbrio que pode ser considerado como a melhor alternativa (first-best solution).4 Dessa forma, como advertem Atkinson e Stiglitz 3 Os indivíduos são negativamente afetados pelo grau de congestionamento do estado, isto é, um maior número de residentes em um estado pode levar à redução na quantidade e/ou qualidade dos serviços públicos, bem como à degradação do meio-ambiente. Para maiores detalhes, ver definição do “Efeito Congestionamento” na seção 1.2.2 deste capítulo. 4 A magnitude dessa ineficiência ou distorção é medida pela perda de peso morto do imposto, ou seja, pelo ganho de arrecadação tributária que ocorreria caso o governo houvesse introduzido, em seu lugar, um imposto não distorcivo (lump-sum tax). A inaplicabilidade real do imposto lump-sum deve-se a duas razões principais: primeiro, o governo deveria possuir condições de efetuar um monitoramento direto sobre o comportamento de cada indivíduo (para maior detalhamento do assunto, vide “Teoria da Triagem” ou Screening, que está relacionada à dificuldade de seleção das características observáveis que melhor substituem as características não-observáveis que o governo, de fato, desejaria tributar) e, segundo, o imposto possui sérias implicações distributivas por desconsiderar totalmente a capacidade contributiva dos cidadãos (o que representa o maior obstáculo à sua instituição). 11 (1980), “where first-best instruments are not available, the government has to decide on the policies that can attain a second-best solution”. Portanto, todo governo, mediante a utilização de impostos distorcivos, deve tentar minimizar a perda de peso morto desses impostos, de modo a proporcionar um maior nível de bem-estar à sua população. O modelo de Gordon, nesse aspecto, reflete bem a realidade quando disponibiliza aos governos apenas impostos distorcivos. Segundo o próprio autor, “Since the only taxes available to local governments are distorting, each level of government faces a second-best problem of how to raise tax revenue with the least loss in welfare”. Portanto, cada governo deverá escolher os níveis adequados de tributação (as variáveis do problema de maximização são t jk e s jk ), de modo a impactar o menos possível no bem-estar da sociedade. O objetivo primordial do modelo é verificar quais os efeitos gerados sobre a eficiência econômica quando os governos maximizam uma função de bem-estar social utilitarista, sujeita a uma restrição de orçamento equilibrado ( Tk = Dk ). Assim, o modelo de Gordon admite que o bem-estar social é composto da soma das utilidades individuais, isto é, W = V1 + V2 +L+ VI 5. De modo a analisar os impactos da descentralização federativa, o problema de otimização é desenvolvido para dois casos: política tributária elaborada coordenadamente pelos estados ou decidida de forma nãocoordenada. A função objetivo do caso coordenado considera o bem-estar de todos os cidadãos da federação, independentemente do estado onde residem. Da mesma forma, a restrição orçamentária refere-se ao somatório de todos os estados, o que permite a existência de transferência intergovernamental de receitas. Essa hipótese é bastante realista, pois desequilíbrios horizontais ocorrem em qualquer federação, sendo resolvidos mediante repasse de recursos dos estados que possuem maior potencial econômico-tributário para aqueles mais pobres. O problema de maximização para o caso coordenado é o seguinte 6: Max W = ∑ ωi ∑ n ik V ik i k (1) 5 As funções de bem-estar social, ao providenciar um critério para ordenar as alocações de recursos, vão além do princípio de Pareto, estabelecendo algum critério de justiça social. A grande dificuldade, no entanto, reside em qual tipo de função escolher. A opção pela função utilitarista leva a um desenho de sistema tributário onde a utilidade marginal da renda é a mesma para qualquer indivíduo, seja ele rico ou pobre. Isto é, ∆ Ua ∆ Ub , onde U representa a utilidade dos indivíduos a e b e T representa a = ∆T ∆T tributação. A presente dissertação ater-se-á a estudar os impactos da política tributária ( s e t ), não considerando, portanto, as variáveis de gasto e de produção dos serviços e dos bens públicos ( b e G ). 6 12 onde ω i é o peso de bem-estar dado aos indivíduos do tipo i . [ ] s.a ∑ ∑ y jk ⋅ s jk + (x jk + b jk )⋅ t jk = ∑∑ b jk ⋅ v jk k j k j (2) ou, considerando que t jk − v jk = − w jk , essa restrição pode ser reescrita como ∑∑ [y k jk ] ⋅ s jk + x jk ⋅ t jk − b jk ⋅ w jk = 0 j (3) Por outro lado, o caso não-coordenado envolve uma função-objetivo onde cada estado apenas maximiza o bem-estar de seus próprios residentes. Ademais, cada estado deve possuir seu próprio orçamento equilibrado, significando a inexistência de transferências intergovernamentais. Dessa forma, pode-se dizer que a descentralização representa o caso onde cada estado atém-se a resolver seus próprios problemas, desconsiderando os efeitos de suas ações sobre o restante da federação. Por hipótese, cada governo, agindo independentemente, considera a política tributária dos demais governos como dada. O problema de otimização do caso não-coordenado é o seguinte: Max ∑ω i n il V il i (4) s.a ∑ y jl ⋅ s jl + x jl ⋅ t jl − b jl ⋅ w jl = 0 [ ] j (5) Os cálculos dos problemas de maximização encontram-se detalhados no Apêndice I desta dissertação. Suas Condições de Primeira Ordem (CPO) constam da tabela a seguir, desagregadas de acordo com os efeitos gerados pela política tributária sobre determinadas variáveis econômicas7. Vale lembrar que, de acordo com as hipóteses do modelo, as Condições de Segunda Ordem estão satisfeitas. TABELA 1.1 CONDIÇÕES DE PRIMEIRA ORDEM DO PROBLEMA DE MAXIMIZAÇÃO DO MODELO DE GORDON Efeitos 7 1. Direto 2. Distributivo 3. 4. Conges- Indireto Serão apresentados os efeitos apenas para o imposto 5. Custos 6. Públicos Termos s jl , pois os resultados para o caso do imposto t jl são análogos. Deve-se substituir, em todos os termos, s jl por t jl e, além disso, no termo 1, y jl por x jl . 13 Caso Coorden ado Caso NãoCoorden ado (µ − θ ) y tioname nto ∑ ∑ dθ jl ik i (µ −θ n )y l l il jl k ⋅ ∂ I ik ∂ s jl ∂ I il d θil ⋅ ∑ ∂ s jl i ∈P ∂ Ck ∑∂ s k ∂ Cl ∂ s jl de Troca µ∑ k jl µl ∂ Tk ∂ s jl ∂ Tl ∂ s jl ∂ Dk ∂ s jl θ∑ ∂ Rl ∂ s jl θ −µ ∑ k − µl k ∂ Dk ∂ s jl ∑n il i ∂ Zl ∂ s jl Fonte: Gordon (1983) e Inman e Rubinfeld (1996) Uma primeira análise das CPO apresentadas revela que, no caso coordenado, a repercussão da política tributária do estado l sobre o bem-estar dos cidadãos do estado k é levada em consideração. O caso não-coordenado mostra que o estado l toma suas decisões sem ponderar o impacto de suas ações sobre os indivíduos do estado k .8 Ou seja, a ineficiência do caso descentralizado é gerada, basicamente, pelas externalidades que não são consideradas na tomada de decisão tributária por parte dos governos. A interpretação dos resultados será realizada, a seguir, para cada um dos efeitos acima descritos, comparando as diferenças entre ambos os casos. Sempre que possível, o provável sinal da derivada será analisado, indicando a direção que as variáveis econômicas deverão tomar em resposta às alterações da política tributária9. • Termo 1: Efeito Direto sobre a Arrecadação A mudança na política tributária pode causar um aumento ou uma diminuição do bem-estar social devido à transferência de recursos do setor privado para o setor público. O aumento das alíquotas dos impostos deve, normalmente, gerar um ganho de arrecadação. É importante observar, no entanto, que a arrecadação é negativamente relacionada com o grau de elasticidade da base tributável. Caso a tributação incida sobre bens normais e com baixa elasticidade-preço, esse ganho de arrecadação deve ser efetivado e criar um benefício social marginal de µ dólares (supõe-se que o governo utiliza esses recursos adicionais para financiar gastos que se revertem em prol da sociedade). Por outro lado, a arrecadação também impõe um custo social marginal 8 Para facilitar a apresentação, os demais estados da federação serão referidos como um único estado. Uma das maiores lacunas do trabalho de Gordon é não indicar o sinal das derivadas. Isso foi apontando por Tulkens e Crombrugghe (1990), p. 349: “In making their own fiscal choices, noncooperating regions ignore these external effects; this was also pointed out by Gordon (1983) without determining their sign, however”. (Grifo da autora). A presente dissertação buscará suprir essa deficiência, analisando as derivadas e suas mais prováveis direções. De modo a simplificar a exposição, a análise considerará apenas a hipótese de aumento das alíquotas dos impostos. 9 14 de θ dólares à sociedade, pois retira do setor privado recursos que, provavelmente, seriam alocados no consumo de bens e serviços10. Portanto, caso haja aumento na arrecadação, e se µ for maior que θ , o impacto direto da alteração tributária será um crescimento do bem-estar social de ( µ − θ ) y jl . Vale mencionar que se impostos do tipo lump-sum existissem, o valor de µ seria idêntico ao de θ . Entretanto, a utilização de impostos distorcivos leva a que o valor marginal de um dólar para o governo seja maior do que o valor de um dólar para o setor privado, pois há perda de eficiência quando esse dólar é arrecadado. Ou seja, normalmente, µ > θ e o termo 1 deve possuir, conseqüentemente, sinal positivo. No caso coordenado, esses benefícios e custos de ambos os estados são contabilizados ou internalizados. Entretanto, no caso descentralizado, os contribuintes residentes no estado que aumentou as alíquotas do imposto pagam apenas parte do total arrecadado nesse mesmo estado. A outra parte é suportada pelos contribuintes não-residentes que, dessa forma, acabam por subsidiar os residentes. Essa situação é conhecida por “exportação de tributos” , onde o estado l arrecada imposto dos contribuintes do estado k sem compensá-los pelo custo marginal que foi incorrido por eles. Assim, a descentralização não-coordenada leva à ineficiência econômica, pois o governo do estado l privilegiará o “imposto exportável” na composição de sua carga tributária11. • Termo 2: Efeito Distributivo Os sistemas tributários afetam a redistribuição de renda entre os agentes econômicos. Isso porque as mudanças nos impostos normalmente geram alterações nos preços dos fatores e dos bens da economia, o que impacta a renda real dos indivíduos ( I ). Esse impacto será diferenciado de acordo com a possibilidade de se repassar o imposto a determinados grupos sociais, ou até mesmo, da capacidade que certos grupos têm de elidir ou evadir tributos. Dessa forma, mesmo que 10 µ é o multiplicador de Lagrange e representa o ganho de bem-estar social quando um dólar adicional é arrecadado aos cofres públicos. θ representa o valor de um dólar, socialmente ponderado, dado ao cidadão médio da economia, no caso desse dólar permanecer disponível no setor privado. Matematicamente, θ ∑ω n = ∑n i ik ik α ik , onde ωi é o peso social do bem-estar dos indivíduos do tipo i, ik ik nik é o número de indivíduos do tipo i residindo no estado k e α ik é a utilidade privada marginal da renda para o indivíduo do tipo i residindo no estado k . Vide Apêndice I desta dissertação para maiores detalhes. 11 A exportação de tributos, apesar de ser teoricamente criticada, ainda é muito comum nos impostos sobre o consumo de países federativos que operam com base no sistema de origem, que é o caso do Brasil (vide capítulo 3, seção 3-C, onde a questão da origem e do destino na federação brasileira é analisada). No que se refere ao comércio exterior, a exportação de tributos tem sido bastante diminuída, especialmente a partir do processo de globalização, com o intuito de aumentar a competitividade internacional dos produtos exportados. 15 involuntariamente, as decisões de política tributária acabam por privilegiar determinadas categorias sociais em detrimento de outras, possuindo importantes repercussões sobre a eficiência econômica. Assim, o trade-off a ser vencido pelos governos, em termos de política tributária, sempre foi o da eqüidade versus eficiência12. O termo 2 mensura os efeitos distributivos gerados pela política tributária. A expressão dθik = ωiαik − θ representa a diferença entre o valor social de um dólar dado a um indivíduo do tipo i no estado k e o valor desse mesmo dólar quando dado ao indivíduo médio da sociedade. Nesse sentido, espera-se que dθ ik assuma valores positivos para cidadãos mais pobres e valores negativos para aqueles mais ricos (note que o valor marginal de um dólar é maior para um pobre do que para um rico). A ∂ w jk ∂ q jk ∂ I ik representa o efeito-renda ou o impacto da expressão = n ik x ikjl − y ikjl ∂ s jl ∂ s ∂ s jl jl mudança tributária sobre a renda dos indivíduos. O termo 2 é o produto interno entre ∂ I ik , mensurando o impacto distributivo da renda derivado da mudança na dθ ik e ∂ s jl política tributária. Se o produto interno for positivo (negativo), significará que a mudança tributária beneficiou a classe pobre (rica). Diferentemente do caso coordenado, onde as externalidades são internalizadas, no caso descentralizado apenas os efeitos sobre os residentes são considerados, sendo ignorados todos os impactos sobre a distribuição de renda dos não-residentes. Assim, na ausência de comportamento coordenado, os governos competirão entre si e, provavelmente, os fatores mais móveis (tipicamente aqueles detidos pelos indivíduos mais ricos) sairão daqueles estados que possuem tributação mais alta e buscarão um tratamento tributário mais favorável em outros estados da federação (isto é, naquelas jurisdições que detêm menor tributação efetiva). Conseqüentemente, a tributação no estado que possui maiores alíquotas tenderá a tornar-se mais regressiva, pois os fatores imóveis (que, geralmente, são detidos pelos indivíduos mais pobres) terão que suportar o ônus da carga tributária. Em resumo, o processo competitivo gera desequilíbrios na eqüidade vertical13. • Termo 3: Efeito Congestionamento 12 A visão tradicional tem apontado a progressividade como pré-requisito para a obtenção de um sistema tributário justo. No entanto, a tendência moderna recomenda a redução dessa progressividade com o objetivo de aumentar a eficiência das economias, de modo que a tributação não reduza o incentivo ao trabalho ou à atividade produtiva. Além disso, a tributação poderia ser complementada pela política de gastos para a obtenção dos objetivos redistributivos, pois, em vários casos, existe evidência que o impacto do gasto público é mais eficiente para melhorar a distribuição de renda, além de representar uma ação governamental mais transparente. 13 Esse assunto também é analisado na seção 2.2.2 desta dissertação (Tributação sobre a renda das pessoas físicas), onde alguns estudos empíricos são apresentados para demonstrar os efeitos da competição sobre a regressividade tributária. 16 O nível de qualidade de vida que os cidadãos de um estado desfrutam é função do equilíbrio entre a quantidade de residentes, os serviços públicos colocados à sua disposição e os recursos naturais existentes, dentre outros fatores. Atualmente, são bem conhecidos os custos de aglomeração das grandes cidades, onde o desequilíbrio entre esses fatores geram desperdícios e ineficiências substanciais para os setores público e privado. Considerando-se a mobilidade dos agentes econômicos, um estado pode “expulsar” contribuintes de sua jurisdição mediante o aumento de sua tributação efetiva, pois, em geral, cidadãos ou empresas mudam seu domicílio fiscal na busca por minimizar suas obrigações tributárias. Assim, o estado que perde contribuintes deverá possuir ruas, escolas e hospitais menos congestionados e meio-ambiente menos poluído, o que poderá levar a um aumento da qualidade de vida de seus residentes. O contrário é verdadeiro para aqueles estados que recebem novos contribuintes. A análise que deve ser realizada é a do custo-benefício, pois é possível que as receitas arrecadadas no estado que perdeu contribuintes sejam reduzidas (caso o incremento nas alíquotas não gere uma arrecadação suficiente para cobrir as perdas com a contração da base tributável) e a carga tributária (individual média) dos contribuintes que permaneceram no estado aumente. No entanto, pode ocorrer que o novo nível de receitas seja suficiente para o fornecimento de serviços públicos adequados e que a nova carga tributária seja um preço justo para se viver em um estado menos congestionado. Matematicamente, o efeito congestionamento pode ser definido da seguinte forma: ∂ V ik ∂ c k ∂ Ck = ∑ ωi nik , ∂ c k ∂ s jl ∂ s jl i onde Ck representa o congestionamento total, mensurado em termos de bem-estar. O termo ∂ ck tem provável sinal positivo, pois o aumento de alíquotas no estado ∂ s jl l leva ao aumento do congestionamento no estado k . Por sua vez, a expressão ∂ V ik possui sinal negativo, pois o aumento do congestionamento no estado k leva à ∂ ck diminuição do bem-estar de seus residentes. Portanto, o impacto do aumento de ∂ Ck alíquotas do estado l sobre o congestionamento total do estado k , , tem provável ∂ s jl sinal negativo. O caso descentralizado, mais uma vez, ignora os impactos da política de um determinado estado nos demais estados da federação. Dessa forma, o estado l tenderá a utilizar excessivamente a tributação para desencorajar as atividades “congestionantes” em seu território. Isso porque esse estado não leva em consideração os efeitos maléficos que sua política causa no estado k , isto é, as externalidades negativas geradas por suas ações. Assim, pode ocorrer que atividades socialmente 17 desejáveis sejam sobre-tributadas pelo fato de serem localmente danosas. Esse tipo de política denomina-se Not-In-My-Backyard Taxation, denotando o poder que a política tributária possui de expulsar as atividades não desejadas para fora de sua jurisdição fiscal. • Termo 4: Efeito Indireto sobre a Arrecadação As mudanças na política tributária significam alterações nos padrões de consumo de bens e de utilização de fatores dos agentes econômicos, que, por sua vez, significam alterações na composição da base tributável. Em geral, os indivíduos escolhem uma nova cesta de consumo que melhor se adapte às suas preferências, dado que o aumento nas alíquotas do imposto alteram os preços da economia. O termo 4 mensura o impacto indireto que essa mudança no consumo produz na arrecadação tributária, isto é, o efeito gerado na arrecadação do estado k (ou seja, sua “nova” base tributável multiplicada pelas alíquotas existentes) em função do aumento da alíquota do imposto no estado l . Matematicamente: ∂ y jk ∂ x jk ∂ Tk = ∑ s jk + t jk ∂ s jl ∂ s jl j ∂ s jl A elevação da carga tributária no estado l , provavelmente, provocará um deslocamento da sua demanda para o estado k e, conseqüentemente, as receitas de impostos desse estado crescerão. O termo 4 tem, portanto, provável sinal positivo. Enquanto no caso centralizado os efeitos sobre as receitas totais são considerados, no caso descentralizado, o estado l somente enxerga a sua perda de arrecadação, ignorando os ganhos obtidos pelo outro estado. Assim, as alíquotas do imposto serão definidas em um nível inferior ao ótimo social, levando a que, como advertem Inman e Rubinfeld (1996), “taxes with mobile tax bases will typically be underutilized in competitive federalist economies”. Desse modo, tal como no termo 2, essa política competitiva pode aumentar a regressividade da carga tributária devido à maior imposição da tributação sobre os fatores com menor mobilidade. • Termo 5: Efeito Indireto sobre os Custos Públicos Além do reflexo sobre o setor privado, as alterações de política tributária também repercutem sobre o governo, pois o setor governamental utiliza fatores na produção dos bens públicos. O termo 5 mede o efeito gerado pela variação na política tributária sobre a despesa pública, mediante o impacto sobre os preços ( w jk ) dos insumos adquiridos pelo governo ( b jk ). Esse resultado deverá ser valorado em termos do benefício social de um dólar quando alocado no setor público, ou seja, µ . O efeito indireto sobre os custos governamentais do estado k é o seguinte: ∂ w jk ∂ Dk = ∑ b jk ⋅ ∂ s jl ∂ s jl j 18 Nesse caso, o sinal da derivada depende das condições do mercado de fatores. No entanto, o principal aspecto a ser considerado diz respeito à mobilidade do fator de produção. Em geral, quanto mais móvel, maior será a probabilidade de seu deslocamento em direção ao estado k , que permaneceu com a tributação inalterada (e, por isso, mais baixa). Caso o mercado de fatores no estado k opere em concorrência perfeita, a maior quantidade irá provocar uma queda nos preços. Nessa hipótese, é provável que os custos do governo possam ser reduzidos, significando um ganho para o estado k . Nesse sentido, a interpretação dos termos 4 e 5 é semelhante, pois ambos estão relacionados aos efeitos indiretos gerados sobre o setor público do estado k devido à mobilidade dos agentes econômicos que migram do estado l . No caso descentralizado, a repercussão da política do estado l sobre o estado k não é considerada, pois o estado l não internaliza em suas ações a provável externalidade positiva que está fazendo ao seu vizinho, isto é, diminuindo seus custos de aquisição de insumos. Conforme Inman e Rubinfeld (1996), “As state l raises its taxes on goods or factors, consumption and factors in that state may migrate outside the state. This migration raises tax revenues (Term 4) and lowers the costs of buying public sector inputs (Term 5) in the other, recipient states”. • Termo 6: Efeito sobre os Termos de Troca A mudança na política tributária altera os preços dos bens e fatores e, conseqüentemente, a renda dos agentes econômicos. No entanto, a hipótese de competição perfeita do modelo de Gordon implica que os lucros das empresas são zero no longo prazo. Em decorrência, no caso coordenado, quando esses impactos sobre a renda são somados para toda a federação, os efeitos sobre as rendas privadas se anulam, restando, apenas, o impacto sobre os fatores utilizados pelo setor público. Dessa forma, o termo 6, avaliado em termos de θ , a utilidade social marginal da renda ∂ Dk privada, nada mais é do que . Por isso, Gordon nem mesmo trata esse termo ∂ s jl separadamente na análise do caso coordenado, agregando-o ao Termo 5. Entretanto, no caso descentralizado, esse termo aparece de forma explícita, já que somente os impactos sobre o estado l são considerados e, portanto, não se pode somar as mudanças nas rendas para todos os agentes privados da economia. Dessa forma, o Termo 6 passa a mensurar o impacto gerado pela alteração de alíquota sobre os preços pré-imposto de bens e fatores, que têm impacto nas rendas pré-imposto da sociedade, isto é: 19 ∂ p jl ∂ v jl ∂ Zl = ∑ n il − y iljl + x iljl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl i Uma interpretação interessante a fazer é que, no curto prazo, que reflete o caso descoordenado, é possível que a competição tributária permita que alguns agentes ganhem em cima de outros, isto é, não haja compensação entre as rendas privadas. Contudo, isso não poderia ocorrer no longo prazo, onde as rendas privadas serão anuladas. Por último, vale a pena realizar uma interpretação única de todos esses termos, de modo a obter uma melhor compreensão do significado da Condição de Primeira Ordem do Modelo de Gordon. Para isso, pode-se reescrever a CPO da seguinte maneira: (µ − θ n ) y l l il jl +µ ∂ Tl ∂ Dl ∂I ∂ Cl ∂ Zl −µ + ∑ d θ il il = + θ ∑ n il ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl i i (6) Os três primeiros termos podem ser entendidos como a variação da renda do governo, pois referem-se à arrecadação pública (note que T − D pode ser interpretado como a receita líquida), enquanto que o quarto termo refere-se à variação da renda privada. Por outro lado, os termos constantes do lado direito da equação dizem respeito à variação na produção, pois nada mais são do que a soma dos efeitos congestionamento e sobre os termos de troca da economia. Assim, tem-se a restrição de que a variação total na renda deve se igualar à variação total na produção. Em resumo, a principal conclusão do modelo é que uma política tributária baseada em impostos distorcivos, quando operada em ambiente federativo competitivo, gera um rol de externalidades cominadas por determinados governos sobre outros, levando a um resultado ineficiente do ponto de vista econômico. O modelo identificou seis diferentes tipos de externalidades geradas pelo estado que alterou sua política tributária sobre os demais estados da federação, a saber: os não-residentes pagam uma parcela dos impostos cobrados pelo estado competidor14; os efeitos redistributivos sobre os não-residentes são ignorados; os custos de congestionamento suportados pelos não-residentes não são considerados; a arrecadação de outros estados altera-se em função da mobilidade da atividade e dos agentes econômicos; os custos dos insumos utilizados na produção pública de outros estados sofrem modificações; e as mudanças nos preços dos fatores privilegiam os residentes em detrimento dos nãoresidentes. Assim, mesmo que cada governo, per si, esteja agindo em prol de seus próprios cidadãos, nenhum estará se preocupando com os benefícios ou malefícios que impõem sobre os cidadãos de outros governos e, assim, a decisão econômica será ineficiente e o bem-estar social estará em nível abaixo do ótimo. Em decorrência, a federação como um todo sairá perdendo. 14 Este é o caso típico de externalidade gerada pela tributação na origem e intitula-se “exportação de tributos”. 20 1.3 - SÍNTESE DA ABORDAGEM MODERNA DA COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA A literatura sobre competição tributária tem recebido importantes contribuições nos últimos anos. Em geral, os estudos podem ser classificados em duas categorias: a que envolve uma abordagem mais ampla, analisando o caso onde um grande número de jurisdições ou países competem entre si; e aquela onde há uma menor quantidade de agentes competitivos, mas onde as interações estratégicas existentes entre eles não podem ser ignoradas. Na primeira categoria, enquadram-se os trabalhos de Wilson (1986), Zodrow e Mieszkowski (1986), Oates e Schwab (1988), Keen e Marchand (1997), além do já referido modelo de Gordon. Na segunda categoria, basicamente utilizando a abordagem da Teoria dos Jogos, destacam-se os estudos de Mintz e Tulkens (1986), Crombrugghe e Tulkens (1990) e Kanbur e Keen (1993). No entanto, independentemente do enfoque particular de cada autor, a questão básica a que todos tentam responder diz respeito à eficiência dos resultados gerados pela competição tributária. A grande maioria dos modelos conclui que o equilíbrio nãocooperativo fixa a arrecadação tributária e, conseqüentemente, os gastos públicos, em nível inferior ao ótimo social. Aliás, vale notar que essa é, indubitavelmente, a importante conclusão que pode ser tirada do estudo da abordagem moderna da competição tributária, e que já foi aqui demonstrada mediante a análise do modelo de Gordon. Ratificando essa posição, o trabalho de Kanbur e Keen (1993) prova que, em ambiente não-cooperativo, a federação como um todo sai perdendo, pois a arrecadação global diminui, apesar de poder haver ganhos isolados para determinados estados. Uma exceção a esse resultado é o modelo básico de Oates e Schwab (1988). O resultado eficiente desse modelo deve-se às hipóteses irrealistas trabalhadas pelos autores (inclusive, utilizando lump-sum taxes), o que muito se aproxima das hipóteses e conclusões do modelo de Tiebout (1956). Entretanto, pode-se dizer que os próprios autores desenvolveram o modelo básico apenas para utilizá-lo como um exemplo ilustrativo, pois, logo em seguida, sob hipóteses bem mais realistas e interessantes, provaram que a competição tributária leva, efetivamente, à ineficiência econômica. Outro resultado que mostra a eficiência do equilíbrio não-cooperativo foi demonstrado por Crombrugghe e Tulkens (1990), mas apenas para o caso onde os estados encontram-se em autarquia, isto é, quando não existe exportação de bens ou tributos entre eles. Conseqüentemente, também não há externalidades15. De fato, a visão de que as ineficiências geradas pela competição tributária são advindas de externalidades é compartilhada por diversos autores. Fica, assim, comprovado que o grande problema do ambiente federativo competitivo é que os estados não levam em consideração, quando decidem questões de política tributária, o benefício ou malefício impostos sobre outros estados. Para solucionar o problema, 15 Vale ressaltar que a autarquia é um arranjo cada vez menos presente nas economias atuais, seja em ambiente federativo, seja internacionalmente. A tônica atual é a da globalização e, com isso, da maior interdependência entre estados ou nações. 21 Wildasin (1989), baseando-se na teoria da externalidade, sugere a existência de um sistema intragovernamental de subsídios, que internalizaria os efeitos externos gerados pela competição tributária. É interessante observar, ainda, que a abordagem moderna da competição tributária também estuda os seus impactos sobre os gastos públicos. Dessa forma, passa-se a um conceito mais amplo, que engloba a competição fiscal. Wildasin (1988), inclusive, diferentemente dos demais modelos de competição, trabalha com a hipótese de que o nível de gastos é a variável estratégica e as receitas é que variam passivamente. Keen e Marchand (1997) mostram que a competição não leva apenas a um nível ineficiente de gastos, mas também à ineficiência em sua composição. Portanto, fica claro que a teoria da competição fiscal tem evoluído substancialmente nos últimos anos, acompanhando o desenvolvimento desse fenômeno no âmbito das relações federativas e internacionais. Por isso, a seguir, de modo a tornar a análise deste capítulo mais completa e atualizada, serão apresentados alguns modelos que tratam sobre a competição tributária, sintetizando suas principais contribuições ao debate. Os modelos serão apresentados de acordo com seu ambiente de competição: federativo ou internacional. Sem dúvida, os modelos federativos são muito mais numerosos, pois, afinal, o tema começou a ocorrer e a ser discutido dentro das federações. A literatura sobre competição entre países é assunto mais recente, pois sua importância surge com o processo de globalização das economias, podendo, entretanto, ser entendida como uma expansão dos modelos federativos para o âmbito internacional. 1.3.1 - MODELOS DE COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERATIVA Dentre os modelos que tratam da competição em ambiente federativo, o trabalho de Mintz e Tulkens (1986) pode ser considerado como ponto de referência, sendo mais específico que o de Gordon ao trabalhar com apenas um imposto e dois estados, mas trazendo excelentes noções a respeito das motivações da competição tributária, das estratégias dos governos e da existência e eficiência do equilíbrio. Para isso, os autores utilizam-se do moderno instrumental da Teoria dos Jogos que, aliás, adapta-se muito bem ao estudo da competição tributária, dada a sua natureza eminentemente estratégica. Posteriormente, em 1990, Crombrugghe e Tulkens publicaram um trabalho que aprofunda alguns pontos do modelo, especialmente aqueles relativos à discussão da eficiência do equilíbrio. No modelo, cada estado tem competência para cobrar um imposto, incidente na origem, sobre uma mercadoria privada, de modo a financiar a produção de um bem público. Os consumidores de um estado, semelhantemente ao modelo de Gordon, podem adquirir a mercadoria privada tanto na sua própria região como no outro estado, desde que, no último caso, paguem os devidos custos de transporte. Para adquiri-la, os consumidores ofertam seu fator trabalho em qualquer um dos dois estados. O Equilíbrio de Mercado Regional (EMR), que representa as escolhas ótimas de trabalho e consumo dos cidadãos de determinado estado, é encontrado a partir da maximização 22 da função utilidade do consumidor, sujeita à restrição orçamentária16. O EMR pode assumir três formas, a saber: equilíbrio autárquico (onde os consumidores de um estado compram apenas bens produzidos em sua própria região); equilíbrio misto (onde os consumidores de um estado compram bens produzidos em ambos os estados); e equilíbrio sem produção (onde os consumidores de um estado só compram o bem no outro estado). Após definido o EMR, os autores passam a analisar o Equilíbrio Fiscal Regional (EFR), isto é, os níveis ótimos de tributação e bem público de cada estado. O EFR é a solução do problema de maximização da função de bem-estar estadual, sujeita à restrição de orçamento equilibrado17, assumindo-se a política tributária do outro estado como dada. O resultado obtido mostra que a alíquota ótima do imposto torna-se menor quanto mais o bem público e o bem privado forem substitutos entre si e quanto mais forte for a sensibilidade da demanda do bem privado em relação a mudanças no imposto. O modelo de Mintz e Tulkens também aponta para importantes conclusões em termos de externalidades, mostrando, de acordo com o modelo de Gordon, que o bemestar de um estado depende não apenas de suas políticas fiscais e de suas próprias decisões de mercado, mas também do nível de imposto vigente no outro estado. Os autores classificam essa externalidade tributária em dois efeitos. O primeiro, chamado de “efeito de consumo público” é benéfico para o estado que não aumentou sua alíquota ( k , por exemplo), pois o aumento da alíquota do outro estado ( l ) leva ao crescimento da demanda da mercadoria produzida no estado k . Assim, a arrecadação tributária do estado k eleva-se e é possível produzir e consumir um maior nível de bem público, aumentando o bem-estar de seus cidadãos. O segundo efeito, chamado de “efeito de consumo privado”, é prejudicial para o bem-estar do estado k . Isso porque o aumento da alíquota do estado l diminuirá a renda real dos consumidores do estado k , que enfrentarão um aumento do preço de suas compras. Para que os efeitos de consumo público e privado possam ocorrer, é necessário que k seja um estado exportador e importador, respectivamente. Quando um estado está sujeito a ambos os efeitos, Crombrugghe e Tulkens provaram que o efeito de consumo público é sempre dominante. O trabalho passa, então, a analisar a competição tributária, definida como um jogo não-cooperativo, onde os jogadores são os governos estaduais, as estratégias são os impostos e os payoffs são as funções de bem-estar. O Equilíbrio Fiscal NãoCooperativo (EFNC) do jogo é o equilíbrio de Nash, representando uma situação onde qualquer estado encontra-se em um ótimo fiscal, dada a escolha fiscal feita pelo outro estado. Os autores verificaram que as funções de reação fiscal (isto é, as funções de melhor resposta correspondente ao jogo) possuem uma descontinuidade para baixo (downward jump) em algum ponto de sua imagem. Esse fato implica, em primeiro lugar, que o EFNC pode não existir em determinados casos e, em segundo lugar, que é 16 Neste caso, a restrição orçamentária é que o total das compras do consumidor (realizadas em ambos os estados da federação) seja menor ou igual ao valor do seu fator trabalho. 17 Isto é, a arrecadação tributária estadual deve ser maior ou igual à despesa pública. 23 vantajoso para um estado diminuir abruptamente sua alíquota e, assim, começar a exportar bens e impostos, quando a alíquota do outro estado atinge determinado nível. Os autores também abordam a questão da eficiência do equilíbrio e, em concordância com Gordon, mostram que os impostos do EFNC não são, em geral, eficientes de Pareto. Essa ineficiência, sempre presente quando um estado encontrase em autarquia e o outro em equilíbrio misto, é advinda das externalidades relativas aos efeitos de consumo privado e público que não são levadas em consideração. No entanto, Crombrugghe e Tulkens (1990) mostram que o EFNC sempre será eficiente quando ambos os estados encontrarem-se em autarquia. Logicamente, isso pode ser explicado pelo fato de que, em autarquia, não há externalidades presentes. Outra importante contribuição do trabalho de Crombrugghe e Tulkens foi concluir, sem ambigüidades, que a competição tributária leva sempre a alíquotas de impostos e provisão de bens públicos muito baixas. Além disso, esses autores estabeleceram que, em um EFNC ineficiente, ambas as regiões saem ganhando (isto é, têm uma melhoria de Pareto) se, e somente se, elas, simultaneamente, aumentarem suas alíquotas. No entanto, caso um estado desvie desse acordo, esse estado receberá todos os ganhos e, por isso, “a prisoner’s dilemma situation characterizes cooperative tax changes at an equilibrium”. Por sua vez, Oates e Schwab (1988) desenvolveram um modelo de competição interestadual a partir das seguintes hipóteses: os estados são suficientemente grandes de modo que os indivíduos residem e trabalham em uma mesma jurisdição; e a ação de um estado não gera qualquer tipo de externalidade no bem-estar de outros governos. Cada estado tenta atrair para si o estoque de capital existente na federação, que é fixo e altamente móvel. Para isso, utilizam-se das políticas tributária e ambiental. Desse modo, um estado pode diminuir os impostos incidentes sobre o capital e os padrões de controle de poluição como incentivos à entrada de novas indústrias. Em conseqüência, os residentes receberão o benefício de maiores salários; mas, por outro lado, também incorrerão nos custos advindos das reduções da arrecadação tributária e da qualidade ambiental. Os resultados do modelo são interessantes e corroboram, guardadas as diferenças de hipóteses e objetivos, aqueles obtidos por Gordon. No entanto, é importante mencionar que o resultado do modelo básico, ao contrário da maioria dos modelos que estudam o tema, estabelece que a competição interestadual leva à eficiência econômica. Porém, há dois pontos de substancial relevância a serem observados ao analisar a eficiência desse resultado, ambos relacionados às hipóteses um tanto irrealistas utilizadas no modelo básico. O primeiro deles, ressaltado pelos próprios autores, refere-se à ausência de externalidades entre os estados da federação. Na presença de externalidades, geradas a partir do transporte interestadual da poluição, o resultado não seria eficiente; o que é, precisamente, o caso analisado pelo modelo de Gordon.18 Aliás, nesse caso, o modelo de Oates e Schwab poderia ser analisado à luz do efeito congestionamento de Gordon. Um estado, por exemplo, 18 Neste ponto, os autores citam o trabalho de Gordon, o definindo como um “excelente tratamento geral sobre uma variedade de externalidades interestaduais”. 24 poderia jogar a estratégia de “Not In My Backyard Taxation” e manter suas alíquotas altas, de modo a não atrair empresas poluidoras para seu território19. A segunda consideração diz respeito à necessidade de que o governo tenha à sua disposição instrumentos tributários não-distorcivos, pois o resultado do modelo aponta para uma alíquota do imposto sobre o capital igual a zero.20 Cientes dessa realidade, Oates e Schwab modificaram seu modelo básico, incorporando novas hipóteses, e mostraram que os resultados obtidos podem levar à ineficiência econômica. Dado que o governo não possui instrumentos tributários eficientes, introduziu-se a hipótese de adoção de uma alíquota tributária positiva sobre o capital, como uma solução second-best. Não é surpresa que, nesse caso, o resultado apresentou ineficiência, não somente nas decisões fiscais, mas também na escolha do nível de qualidade ambiental, ambas ineficientemente estabelecidas em um nível muito baixo. Além da tributação do capital, outras duas hipóteses foram introduzidas no modelo, analisando os caso onde as decisões públicas não representam o desejo do eleitorado21 e onde a sociedade é composta de grupos heterogêneos que possuem conflito de interesse. Ambos os resultados apresentaram ineficiências. Portanto, podese concluir que o modelo de Oates e Schwab corrobora os resultados encontrados por Gordon quando analisado sob hipóteses semelhantes. Wildasin (1989) é mais um autor a mostrar que as ineficiências advindas da competição tributária podem ser entendidas como externalidades. Isso porque o aumento da alíquota do imposto em um estado “expulsa” as bases tributáveis para outros estados, que terão, assim, suas receitas tributárias aumentadas. Dessa forma, o aumento de alíquota gera uma externalidade positiva para outras jurisdições e, conseqüentemente, a atividade geradora desse tipo de externalidade tenderá a ser sub-provida no equilíbrio. Aliás, esse tipo de externalidade é precisamente aquele descrito pelo Termo 4 do Modelo de Gordon (Efeito indireto sobre a arrecadação). Para solucionar esse problema, Wildasin utiliza a mesma argumentação da teoria da externalidade, sugerindo que os estados beneficiados paguem um subsídio ao estado que teve sua base tributável reduzida, de forma a compensá-lo pelo valor da perda de arrecadação. Na análise do autor, essas externalidades não são nada desprezíveis, pois a taxa de subsídio marginal para o estado gerador de externalidade, definida como o subsídio que esse estado deve receber quando aumenta em um real sua arrecadação tributária, gira em torno de 40%.22 19 Para maior detalhamento, vide seção 1.2.2 (Termo 3 - Efeito Congestionamento) do presente capítulo. Como já explanado anteriormente nesta dissertação, nenhum sistema tributário do mundo baseia-se em lump-sum taxes e, mais que isso, a tributação do capital é largamente utilizada como fonte de receitas tributárias na maioria dos países (talvez com a exceção óbvia dos paraísos fiscais). 21 Esse caso baseia-se no trabalho de Niskanen e tem sido muito discutido na literatura de escolha pública, mostrando que, muitas vezes, a máquina governamental age em seu próprio interesse, que nem sempre representa a vontade ou as opiniões do eleitor. 22 Logicamente, a taxa de 40% é advinda de uma série de hipóteses realizadas pelo autor. Em seus estudos, essa taxa pode variar de 11% a mais de 70%. Para maiores informações a respeito desse estudo quantitativo, vide Wildasin (1989). 20 25 1.3.2 - MODELOS DE COMPETIÇÃO FISCAL FEDERATIVA: A INTER-RELAÇÃO ENTRE A TRIBUTAÇÃO E O GASTO PÚBLICO Em outro trabalho, Wildasin (1988) agregou uma interessante contribuição à literatura, atentando para o fato de que a tributação é apenas um aspecto da política fiscal e que incentivos à competição também podem ocorrer pelo lado dos gastos23. Até então, os modelos eram construídos sobre a hipótese de que um estado deve escolher suas alíquotas tributárias ótimas, dadas as alíquotas dos demais estados. Isto é, trabalhava-se com o conceito de equilíbrio de Nash onde as alíquotas dos impostos são as variáveis estratégicas. Com o trabalho de Wildasin, surge o conceito mais amplo de “competição fiscal”. São definidos, assim, dois tipos de equilíbrio: o T-Equilíbrio (que deve ser considerado como o equilíbrio “clássico”), onde cada estado maximiza a utilidade de seus cidadãos mediante variações na política tributária e o nível de gastos varia passivamente, dadas as alíquotas dos impostos dos estados competidores; e o ZEquilíbrio, onde a variável estratégica é o nível de gastos e são as receitas tributárias que devem ajustar-se automaticamente. A princípio, se a restrição orçamentária do governo for respeitada, as políticas tributária e de gastos devem variar na mesma magnitude e, assim, o senso comum apontaria para o fato de que ambos os equilíbrios deveriam coincidir24. Entretanto, o mérito de Wildasin foi provar que a alíquota tributária do T-Equilíbrio é superior àquela do Z-Equilíbrio e, conseqüentemente, a quantidade de bem público também é maior no T-Equilíbrio. A intuição econômica que está por trás desse fato é a seguinte: no TEquilíbrio, quando o estado l aumenta a alíquota de seu imposto, o capital responde imediatamente indo em direção ao estado k . Esse último, com sua base tributária ampliada, aumenta o nível de serviços públicos ofertados, posto que sua alíquota tributária é dada. Por outro lado, no Z-Equilíbrio, quando o estado l aumenta a tributação de suas empresas, o estado k , ao receber novos contribuintes, tem capacidade para reduzir a alíquota do seu imposto, mantendo a arrecadação e o nível dos serviços públicos constantes. No entanto, Wildasin notou que a diferença entre esses dois equilíbrios só é relevante em modelos com um número restrito de jurisdições. Sendo assim, aqueles modelos que trabalham com uma grande quantidade de estados não necessitam preocupar-se com as implicações do resultado aqui apresentado. Isso porque, quando se trabalha com um modelo com muitas jurisdições, o impacto da política do estado l na alíquota do imposto do estado k torna-se desprezível, no Z-Equilíbrio, dado que a participação do estado l no estoque total de capital da federação é ínfimo. Portanto, a recomendação de Wildasin é que as análises de competição entre poucos estados devam especificar, claramente, quais são os instrumentos de estratégia (impostos ou gastos), considerando que os resultados do modelo podem ser influenciados por essa especificação. 23 Efetivamente, um estado pode atrair empresas ou indivíduos colocando à sua disposição uma infraestrutura adequada e serviços públicos eficientes, por exemplo. 24 Assume-se que a arrecadação tributária é coletada com o fim de financiar algum bem público. 26 Em trabalho recente, Keen e Marchand (1997) aprofundam ainda mais essa visão de como a competição tributária pode afetar a política de gastos. De fato, a maioria dos modelos desenvolvidos mostra que o nível de provisão de gastos públicos é estabelecido abaixo do ótimo25. No entanto, pouca atenção foi dada à questão do impacto da competição tributária sobre a composição do gasto público, e aqui entra a grande contribuição desses economistas ao debate do tema. O objetivo central do estudo é verificar se, em um equilíbrio não-cooperativo, a composição do gasto público é eficiente, dado o nível agregado desses gastos. Para isso, Keen e Marchand classificam o gasto público em dois tipos básicos: G , que corresponde a despesas de consumo, como parques, bibliotecas ou serviços sociais; e P , que representa gastos que afetam o lado produtivo da economia, como infra-estrutura (estradas, portos e similares). A partir da utilização do modelo de Zodrow e Mieszkowski (1986) como base, os autores provam que a competição tributária leva a uma composição ineficiente entre os dois tipos de gastos públicos. A principal proposição do trabalho estabelece que “em um equilíbrio simétrico não-cooperativo, mantendo-se constantes as alíquotas dos impostos, o bem-estar aumenta quando ocorre um crescimento em G financiado por uma redução em P ”. Em outras palavras, a competição fiscal leva a que os gastos nos itens de produção sejam sobredimensionados relativamente aos itens que beneficiam diretamente os consumidores. Essa ineficiência na composição do gasto público tem uma estreita relação com a problemática da externalidade. É intuitivo verificar que o componente G não induz a efeitos externos em outras jurisdições, o que não ocorre com P . De fato, um estado pode gerar uma externalidade negativa nos demais estados, mediante a oferta de um “ambiente empresarial” mais propício ao setor privado e, conseqüentemente, passa a atrair a base tributável dos demais estados para si. Como preceitua a literatura sobre finanças públicas, uma atividade geradora de externalidades negativas tende a ser fixada em níveis acima do ótimo, o que precisamente ocorre com P . Portanto, a relevante contribuição de Keen e Marchand foi mostrar que a competição tributária induz a despesas que visam a, basicamente, atrair empresas de outras jurisdições (business centers, aeroportos, sistema de transporte), não dando a devida importância a gastos que significam consumo direto dos seus cidadãos (escolas, hospitais, áreas de lazer). Assim, além do ineficiente estabelecimento do nível dos gastos públicos, a composição desses últimos também é fixada de forma não-ótima26. 1.3.3 - MODELO DE COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL 25 Vide Mintz-Tulkens-Crombrugghe (1986 e 1990) para imposto sobre consumo e Zodrow-Mieszkowski (1986) para imposto sobre capital, por exemplo. 26 A competição interestadual baseada na oferta de bens de infra-estrutura tem sido uma das tônicas da guerra fiscal brasileira. Alguns estados, inclusive, doam terrenos públicos às empresas, além de providenciarem toda a infra-estrutura de escoamento da produção e até oferecerem isenção de taxas de energia elétrica e água. Vide seção 3.3.3 para maiores detalhes a respeito desse assunto. 27 A principal contribuição de Kanbur e Keen (1993) à teoria econômica foi expandir a noção de competição tributária para o âmbito internacional. O foco central do trabalho é analisar como a diferença entre os tamanhos dos países pode influenciar o equilíbrio não-cooperativo até aqui estudado. O modelo, em grande medida, aproxima-se do trabalho de Mintz-Tulkens-Crombrugghe, tanto por causa da utilização da Teoria dos Jogos, como pela similaridade de algumas hipóteses - basicamente, a existência de dois países e de um bem tributável. Há dois países vizinhos que são classificados em “pequeno” ou “grande”, de acordo com o tamanho relativo de suas populações, e que produzem e comercializam um bem tributável. Os cidadãos de cada país possuem um preço de reserva, acima do qual preferem abdicar do consumo do bem. No entanto, caso o preço do bem seja igual ou inferior ao preço de reserva, os indivíduos irão consumi-lo, pagando exatamente o valor do imposto cobrado pelo país27. Se o indivíduo quiser fazer suas compras no país estrangeiro, deverá pagar um preço que é a soma do imposto cobrado naquele país mais o custo de transporte por cruzar a fronteira. O primeiro resultado estabelecido por Kanbur e Keen refere-se ao equilíbrio do caso onde a fronteira entre os países é fechada ou, dito de outro modo, o princípio da tributação no destino é totalmente obedecido. Não haverá, nesse caso, consumo crossborder induzido pela política tributária e, assim, cada governo irá arrecadar o total do excedente de seus cidadãos, fixando o imposto no nível do preço de reserva dos indivíduos. Vale mencionar que o trabalho utiliza a hipótese de que os governos têm por objetivo a maximização de suas receitas (Estado Leviatan). Em seguida, os autores passam a analisar o caso onde a fronteira é aberta, permitindo a existência de competição tributária. Utilizando uma abordagem semelhante ao de Mintz-TulkensCrombrugghe, o trabalho analisa o equilíbrio de Nash não-cooperativo quando cada governo fixa a alíquota de seu imposto, considerando dada a política tributária do outro país. As funções de melhor resposta para cada país revela um resultado bastante interessante: elas são assimétricas, isto é, a diferença entre os tamanhos dos países influencia a estratégia de cada governo. Para o caso onde o país doméstico é menor que o estrangeiro, seu comportamento será o seguinte: se o país estrangeiro fixar sua alíquota em níveis muito baixos, o país doméstico instituirá uma alíquota maior. Certamente que alguns consumidores domésticos passarão a fazer compras no estrangeiro, mas a alíquota do país vizinho é tão baixa que não vale a pena reduzir a doméstica de modo a manter esses consumidores no mercado nacional. À medida que a alíquota estrangeira aumenta, a melhor resposta do país doméstico é continuar aumentanto sua alíquota até que, em determinado ponto, será interessante diminuir a alíquota, de forma descontínua, acabando em uma posição onde a alíquota doméstica é inferior à estrangeira. Essa é a estratégia dominante porque, sendo pequeno, o país doméstico atrairá uma fatia do mercado estrangeiro, que é maior que o seu. No caso do país doméstico ser o grande, sua melhor resposta será sempre aumentar sua alíquota à medida que a alíquota estrangeira também cresce. O raciocínio é que, como o país 27 Assume-se que o preço de produção é constante e idêntico em ambos os países. 28 estrangeiro é pequeno, o país grande não tem vantagens fixando sua alíquota em um nível baixo para atrair poucos contribuintes. Aqui reside a diferença fundamental em relação aos trabalhos de Mintz-Tulkens-Crombrugghe, onde as funções de melhor resposta sempre sofrem pelo menos uma descontinuidade para baixo (downward jump). Dessa forma, o aumento na demanda que cada país espera ter quando compete com o outro país mediante a redução de sua alíquota (para um nível menor do que a alíquota do país vizinho) depende dos tamanhos relativos de ambos os países. É o país pequeno que percebe a vantagem de “roubar” um mercado maior - maior elasticidade - e parte para a competição tributária. Esse é um resultado de relevante importância prática, pois explica o porquê dos Paraísos Fiscais serem sempre países pequenos. Conseqüentemente, comparando-se a situação da fronteira fechada com a aberta, os resultados mostram que o maior país fica em pior posição, perdendo contribuintes e não mais extraindo o total do excedente daqueles que continuam a comprar no mercado interno, tendo, assim, suas receitas reduzidas. A situação do país pequeno é menos clara, pois também não mais extrai o total do excedente de seus consumidores, mas, por outro lado, absorve novos contribuintes do país grande. No entanto, pode-se afirmar que, se a diferença entre os tamanhos dos países for suficientemente grande, o país pequeno terá aumento de arrecadação. Por último, vale notar que - e esse também é um resultado interessante - as receitas somadas de ambos os países diminui, o que mostra que a competição tributária afeta negativamente a arrecadação global. Os autores ainda demonstram que, em termos absolutos, a receita tributária do país grande é maior que a do pequeno, porém, a arrecadação per capita do país pequeno é maior do que a do país grande. Quanto à questão da eficiência, a redução da diferença entre os tamanhos dos países leva, estritamente, à melhoria de Pareto. Por um lado, o país grande estaria em melhor posição se fosse menor, pois, apesar de perder consumidores domésticos, sofreria uma menor agressividade por parte do país pequeno em sua competição tributária, e isso compensaria a diminuição de seu mercado interno. Por outro lado, o país pequeno seria beneficiado caso fosse maior, pois teria um mercado interno mais “rentável” para explorar. Os autores sintetizam esses fatos da seguinte maneira: “Abrir a fronteira pode ser ou não beneficial para o país pequeno. Porém, depois que a fronteira está aberta, a assimetria entre os tamanhos dos países é, por si mesma, prejudicial para ambos.” Por fim, Kanbur e Keen afirmam, em concordância com a grande maioria dos modelos até aqui estudados, que a competição tributária leva à fixação de alíquotas abaixo do nível ótimo. Mais uma vez, surge o clássico argumento da externalidade, pois cada país ignora o efeito benéfico que gera nas receitas do outro país quando aumenta sua alíquota doméstica, fazendo com que vários consumidores passem a fazer compras no mercado estrangeiro. Portanto, o trabalho ratifica o resultado de ineficiência do equilíbrio de Nash em competição tributária, trazendo uma enorme contribuição no que diz respeito à análise de como diferenças de tamanho podem influenciar esse resultado. Indubitavelmente, os autores fornecem um consistente 29 aparato teórico para explicar problemas de substancial importância prática no campo da tributação internacional, como os Paraísos Fiscais e o cross-frontier shopping28. 1.4 - CONCLUSÃO O presente capítulo buscou oferecer uma visão sintética da evolução da teoria da competição tributária, analisando e contrapondo os principais trabalhos realizados sobre o tema nos últimos anos. A análise foi centrada no modelo de Gordon, que determina e analisa as possíveis conseqüências geradas pela competição tributária em uma economia federativa. A abrangência do modelo, analisando as diversas repercussões da política tributária sobre a atividade econômica e sobre o bem-estar social, é o principal mérito do trabalho de Gordon e o motivo pelo qual esse modelo foi adotado como o ponto de referência teórico desta dissertação. No entanto, com o intuito de fazer deste capítulo um survey sobre a abordagem moderna da competição tributária, foram também apresentadas sínteses de outros estudos relevantes para a análise do tema. A principal conclusão que pode ser retirada a partir desses estudos é que a competição tributária, quando operada em ambiente não cooperativo, leva à ineficiência econômica e, em conseqüência, à diminuição do bem-estar social. De fato, os poucos casos onde surgiram resultados eficientes deveram-se a hipóteses irrealistas utilizadas nos modelos, reconhecidas como tal pelos próprios autores. Além disso, a teoria econômica atribui essa ineficiência a um problema de externalidade, pois as ações de um governo geram, sobre outros governos, benefícios ou malefícios que não são considerados quando da formulação da política tributária. Assim, ciente desses resultados teóricos, a presente dissertação buscará apresentar e discutir as evidências e os exemplos empíricos que corroboram a posição da teoria econômica, além de demonstrar a importância prática que a competição tributária tem assumido em anos recentes. O capítulo 2 desta dissertação, apresentado a seguir, é dedicado à análise dessas questões de natureza empírica, tratando, ainda, das possíveis soluções que podem ser adotadas no combate à competição tributária nociva, de modo a minimizar suas ineficiências socioeconômicas. Capítulo 2 Problemas Associados à Competição Tributária: Mensurações Empíricas e Possíveis Soluções 28 As seções 2.2.1 e 2.2.3 são dedicadas ao estudo de exemplos de competição tributária no âmbito da tributação sobre o consumo e sobre a renda das pessoas jurídicas, respectivamente. Em ambas as seções, discute-se e exemplifica-se a importância prática de mecanismos como o cross-border shopping, a atuação dos paraísos fiscais e os preços de transferência. 30 2.1 - INTRODUÇÃO A teoria econômica mostra que a competição tributária, em geral, é responsável por um nível sub-ótimo de receitas e de bens públicos, conforme demonstrado no primeiro capítulo desta dissertação. No entanto, é de extrema importância a avaliação e comprovação práticas desse resultado, buscando-se determinar se a tributação é, de fato, uma variável relevante na tomada de decisão dos agentes econômicos. Atualmente, a competição tributária pode ser considerada como um fato consumado nas economias globalizadas. Ou seja, não é mais um fenômeno restrito às fronteiras de algumas federações, sem nenhum tipo de influência sobre outros países. Portanto, não cabe mais analisar a competição tributária apenas visando a definir, teoricamente, se seus efeitos são benéficos ou nocivos. É preciso verificar quais são seus reais efeitos práticos e buscar soluções para evitar eventuais impactos prejudiciais a países ou agentes econômicos. O presente capítulo dedica-se à essa tarefa, apresentando, na seção 2.2, uma consolidação dos principais estudos realizados com o objetivo de mensurar o impacto da competição tributária na alocação econômica. Constatando-se que o processo competitivo gera, na prática, várias ineficiências, diversos especialistas, organizações e mesmo países têm sugerido algumas propostas para coibir ou minimizar esses efeitos prejudiciais. A seção 2.3, então, discutirá essas soluções, dando especial atenção às propostas que tratam do combate multilateral à competição tributária nociva, da criação de instituições especializadas em controlar o ambiente tributário competitivo e, especialmente, da busca de harmonização tributária. 2.2 - MENSURAÇÕES EMPÍRICAS DA COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA A competição tributária somente ocorre se houver mobilidade de fatores entre as diversas jurisdições competidoras. Assim, torna-se importante verificar é se os fatores de produção, de fato, são sensíveis às mudanças econômicas e, especialmente, às diferenças tributárias entre estados ou países. Inman e Rubinfeld (1996), em sua excelente síntese de mensurações empíricas do fenômeno da competição tributária, afirmam que “as evidências práticas provam que as barreiras geográficas e sociais desaparecem frente aos mais modestos incentivos econômicos”. Naturalmente, esses incentivos não são compostos apenas da tributação, pois os fatores buscam, além de um ambiente econômico favorável, uma situação político-social estável. De fato, sabese que a taxa de juros, o nível salarial, a qualificação da mão-de-obra, as condições infra-estruturais e a própria burocracia são variáveis relevantes para a alocação dos recursos econômicos. No entanto, o processo de globalização tem implicado uma forte tendência à homogeneização de vários desses componentes. E, em um ambiente equalizado, qualquer componente que signifique um diferencial na lucratividade do capital ou na remuneração do trabalho influenciará a alocação de recursos. O componente tributário, símbolo tradicional da autonomia dos Estados, ainda hoje 31 apresenta grandes divergências interestaduais e internacionais, tornando-se, portanto, um fator de alta influência no retorno do investimento ou na renda real dos indivíduos29. Desse modo, cientes do poder econômico dos sistemas tributários, os governos passaram a utilizá-lo não apenas como fonte de financiamento de suas atividades, mas como instrumento de atração de capital ou mão-de-obra qualificada. Por outro lado, os próprios agentes econômicos, ao decidir a localização de seus investimentos, acabam por forçar uma espécie de “leilão tributário”, onde negociam com cada governo níveis favorecidos de tributação efetiva. Isso porque, ao ter que escolher entre estados ou países que estejam em condições político-econômicas semelhantes, os agentes irão tentar aumentar sua lucratividade mediante a diminuição da carga tributária a que estarão sujeitos, pois essa é uma das poucas variáveis que pode ser totalmente controladas e negociadas pelos governos. Isso, inclusive, tem dado espaço à proliferação dos paraísos fiscais ou áreas de tributação favorecida. Dentre as três bases clássicas de incidência tributária, o consumo, a renda e o patrimônio, as evidências empíricas mostram que as duas primeiras são as mais sensíveis às alterações tributárias. O capital é a base que detém maior mobilidade, especialmente devido à integração crescente dos mercados financeiros. Os fluxos migratórios por trabalho, embora sejam atualmente muito mais facilitados do que em décadas passadas, sobretudo graças ao barateamento dos custos de transporte, ainda hoje sofrem algum tipo de restrição, seja por impedimentos legais à imigração ou mesmo por motivos culturais. O patrimônio, por tratar-se de um fator imóvel ou inelástico, tem menor possibilidade de deslocamento rumo a regimes tributários favorecidos. A seguir, serão analisados os principais problemas associados à interrelação entre carga tributária e alocação de recursos, ilustrando-os com casos práticos e, quando possível, associando-os às externalidades apontadas no modelo de Gordon. Essa análise será realizada de acordo com o tipo de incidência tributária, mostrando quais os efeitos mais prováveis do processo competitivo sobre cada categoria de tributo. 2.2.1 - TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO No que se refere aos impostos sobre o consumo, a externalidade mais comum é a exportação de tributos (Termo 1 do modelo de Gordon – Efeito Direto sobre a Arrecadação30), que é geralmente realizada mediante a prática do cross-border 29 De fato, a carga tributária total varia de menos de 10%, em alguns países latino-americanos, a cerca de 50% nos países nórdicos. Ademais, há grandes diferenças na composição da carga tributária. Por exemplo, enquanto alguns países nem mesmo tributam a renda pessoal, a arrecadação do imposto de renda das pessoas físicas significa 53,7% da carga tributária dinamarquesa. Mesmo no âmbito da União Européia, onde a mobilidade dos fatores tem forçado uma equalização dos níveis de tributação ao longo das últimas três décadas, ainda há substanciais divergências no patamar e na composição da carga tributária. Vide Tabela 1 do Apêndice IV para informações sobre carga tributária em países selecionados. 30 A externalidade do Termo 1 refere-se ao fato de que os não-residentes pagam uma parte dos impostos cobrados por determinado estado ou país. Para maiores detalhes, vide seção 1.2.2 desta dissertação. 32 shopping e já foi provada como sendo elástica mesmo com respeito a pequenos diferenciais tributários. Na observação de Vito Tanzi (1996), “some countries are trying to entice foreign consumers to do some shopping in their territories... these actions are particularly advantageous for small countries, which may be able to attract buyers from larger neighbours. For these smaller countries the elasticity of tax revenue with respect to changes in their tax rates may be particularly high because of the possibility of crossfrontier shopping.”31 Essa prática tornar-se-á cada vez mais utilizada, não apenas pelos países pequenos, dada a crescente facilidade de se comprar bens mediante catálogos e, sobretudo, via Internet32. Como exemplo desse tipo de competição tributária, há o caso de uma província canadense que, ao tentar desincentivar o consumo de cigarro mediante o aumento da tributação desse bem, em 1994, teve sua política frustrada pelo deslocamento da demanda rumo aos Estados Unidos, que, tradicionalmente, têm patamares inferiores de tributação sobre o consumo33. Atualmente, tanto o Canadá como o México possuem alíquotas menores de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) naqueles estados que fazem fronteira com os EUA. O México, por exemplo, adota uma alíquota de 15% para todo o país, exceto para a região fronteiriça, que possui alíquota de 10%. No Brasil, é bastante conhecido o alto volume de compras que brasileiros fazem no Paraguai, aproveitando as vantagens tributárias daquele país. No caso específico dos cigarros, o que tem ocorrido é a exportação do produto para o Paraguai (com isenção de impostos, em decorrência) e sua posterior internalização ilegal no Brasil, sem o pagamento de nenhum imposto sobre a importação. O incentivo para esse tipo de prática é a própria quantidade de impostos presente no preço da mercadoria, que é de cerca de 75%. As estimativas de perda de arrecadação em função dessa prática atingem R$ 1 bilhão ao ano. Quanto à exportação de tributos nas operações de comércio exterior, a tendência internacional tem sido a eliminação da imposição tributária sobre os bens exportados, de modo a não prejudicar a competitividade internacional do país. No Brasil, por exemplo, apenas recentemente se eliminou a incidência do ICMS sobre a exportação de produtos primários e semi-elaborados (Lei Complementar 87/96) e se passou a conceder um crédito para compensar o PIS/PASEP e a COFINS que oneram os bens exportados (Lei 9.363/96)34. No entanto, quando um país é monopolista ou 31 Para uma demonstração teórica das vantagens de um país pequeno sobre o grande na competição tributária, ver síntese do modelo de Kanbur e Keen (1993), na seção 1.3.3 desta dissertação. 32 A tributação está sendo afetada pela nova fronteira tecnológica do consumo: o comércio eletrônico. A Internet tem aberto possibilidades inimagináveis de compras e de prestação de serviços, oferecendo as vantagens do baixo custo, do conforto e da anonimidade. A pergunta que se coloca é como controlar e tributar a imensa quantidade de transações eletrônicas que ocorre no comércio internacional. Alguns países já discutem a hipótese de se criar um imposto sobre essas operações, o que se convencionou chamar de bit tax. No entanto, esse imposto sofre todas as críticas daqueles países que são contra medidas que possam desestimular o crescimento da Internet e que a tratem de forma diferenciada das demais atividades econômicas. 33 Os Estados Unidos são um dos poucos países do mundo que não possuem um imposto sobre o valor agregado em sua tributação sobre o consumo, utilizando o imposto sobre vendas a varejo (sales tax). 34 A estrutura do sistema tributário brasileiro e suas principais características estão detalhadas na seção 2 do terceiro capítulo desta dissertação. 33 oligopolista de determinado bem, a situação é diferente, pois é lógico que haverá como tirar vantagens substanciais da exportação de tributos. Sem a concorrência internacional, o melhor a fazer é impor sua carga tributária aos não-residentes. Nesse sentido, Inman e Rubinfeld (1996) apontam para a relevância da exportação de tributos pelos cartéis ou pelos produtores de mercados oligopolizados, destacando que “Internationally, OPEC nations have historically earned significant rents from implicitly taxing exported oil; other international cartels have taxed copper and bauxite”. 2.2.2 - TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS A análise do Imposto sobre a Renda pode ser classificada entre pessoas físicas e jurídicas. Dessa forma, tornam-se mais claros os efeitos sobre os fatores trabalho e capital, respectivamente. As evidências práticas mostram que o capital é o fator que detém a maior mobilidade e, por isso, é muito mais afetado pelos diferenciais tributários. O trabalho, por estar ligado a questões culturais e sociais e, sobretudo, em função de impedimentos legais, tem menor capacidade de mover-se entre fronteiras. No entanto, o surgimento das áreas de integração regional tem implicado o crescimento do fluxo migratório entre os países, pois facilita o deslocamento do fator trabalho em busca da minimização de suas obrigações tributárias. No âmbito das federações, dadas as menores disparidades lingüísticas, culturais e legais, essa migração sempre ocorreu. A competição na tributação da renda dos indivíduos tem um óbvio impacto sobre a distribuição de renda da sociedade (Termo 2 do modelo de Gordon – Efeito Distributivo35). A característica mais comum gerada pela competição nessa base de incidência é a regressividade da estrutura tributária. Isso porque os indivíduos de alta renda têm maior possibilidade de mudar seu domicílio fiscal com o objetivo de aproveitar benefícios tributários. Além disso, os próprios governos locais, cientes desse fato, para não perder a mão-de-obra mais qualificada e os indivíduos com maior capacidade de poupança, acabam por substituir a tributação da renda pela tributação do patrimônio ou do consumo. Muitas vezes, mesmo o patrimônio dos mais ricos não pode ser progressivamente tributado, de modo a evitar que tenham o incentivo de adquirir bens imóveis em outras jurisdições. Assim, aqueles que não têm condições ou possibilidades de mudança de domicílio fiscal, geralmente os mais pobres e desqualificados, terminam por arcar com um custo mais que proporcional na composição da carga tributária. Sinn (1990) adverte que “The losers of tax competition will be those who cannot escape and those who benefit from a large government sector. The first group includes immobile workers and landowners. The second group consists of the poor. The poor will lose because goverments will no longer be able to maintain their current scales of redistribution”. Conforme apontado por Inman e Rubinfeld (1996), “A bias toward regressive tax structures in decentralized public economies is well documented”. Os exemplos da 35 O Termo 2 procura mensurar como a competição tributária afeta a distribuição de renda entre ricos e pobres. A externalidade gerada por esse termo deve-se ao fato de que os efeitos redistributivos sobre os não-residentes são ignorados pelo estado competidor. Vide seção 1.2.2 para maiores detalhes. 34 mobilidade dos mais ricos rumo à áreas de tributação favorecida são inúmeros, a começar pelo fato de ser de conhecimento comum que a residência fiscal de artistas e esportistas internacionalmente famosos geralmente é fixada em algum tipo de “paraíso fiscal”, como Mônaco, por exemplo. Outro exemplo ocorreu na Suécia, em 1997, onde grandes empresas, incluindo a Ericson, ameaçaram sair do país devido às altas alíquotas do imposto de renda da pessoa física, que atingem, marginalmente, 60%. O argumento dessas empresas foi que esse nível de tributação estava impedindo o recrutamento e a permanência de profissionais altamente qualificados no país. Kirchgässner e Pommerehne (1996) realizaram um interessante estudo econométrico sobre a competição tributária do imposto sobre a renda pessoal na Suíça. A escolha desse país é justificada por características que, em teoria, incentivam a competição entre seus cantões (unidades federativas): forte estrutura democrática e federalismo descentralizado, tributação da renda sob competência cantonal ou municipal e pequena área geográfica (o que facilita a migração interna). O estudo constata que, fixando a média ponderada de carga tributária sobre a renda pessoal da Suíça em 100, os índices variam de 54,8 no cantão Zug a 150,5 no cantão Valais. Essa diferença faz com que uma família possa economizar 12% da sua renda se tiver domicílio fiscal em Zug. Conseqüentemente, em 1987, 1,8% da população de Zug era formada por contribuintes considerados ricos, enquanto que a média da Suíça foi de 0,9%. O resultado do modelo pode ser sintetizado na seguinte observação dos autores: “These results strongly suggest that there is a least some tax competition in Switzerland and that some people, especially high income earners, choose their place of residence depending on the amount of income (and property) taxes that have to be paid”. No entanto, apesar dessas evidências de competição tributária e de mobilidade fiscal dos mais ricos, a federação Suíça não entrou em colapso e não existe um grave problema distributivo no país. Para os autores, isso pode ser explicado pela existência de transferências governamentais que modificam a distribuição de renda da economia36. Assim, o trabalho de Kirchgässner e Pommerehne tem o mérito de comprovar a existência de competição tributária na Suíça e, ao mesmo tempo, apresentar a solução governamental que tem evitado suas conseqüências distributivas prejudiciais. 2.2.3 - TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS JURÍDICAS O capital é, indubitavelmente, um fator de alta mobilidade e, portanto, espera-se que, dentre as bases de incidência, seja a mais sensível a variações tributárias. Nesse sentido, De Bonis (1997) mostra que uma pesquisa de opinião conduzida pelo Ruding Committee, em 1992, fez a seguinte pergunta a empresas da União Européia: “how often are taxes faced in alternative locations a factor in the decision in which country to locate investment?”. As respostas das firmas localizadas em importantes centros financeiros foram as mais positivas, com 52% das empresas respondendo “sempre”, 36 Pode-se estimar esses efeitos redistributivos mediante a comparação da distribuição de renda antes e depois dessas transferências. As estimativas mostram que o coeficiente de Gini para a renda dos fatores era de 0,334 e, para a renda final, de 0,226. Dessa diferença, 37,4% pode ser atribuída à política tributária e 62,6% à política de gastos do governo. Assim, “the distributional impact of the public budget is quite strong, and this holds also compared with other western countries”. 35 26% “usualmente”, 13% “em algumas vezes” e 9% “nunca”. Para as demais firmas, as respostas foram as seguintes: 22% “sempre”, 26% “usualmente”, 33% “em algumas vezes” e 19% “nunca”. Mesmo na segunda alternativa, não é possível desconsiderar que a tributação exerce algum tipo de influência na decisão dos agentes econômicos. Certamente que essa influência varia em função do tipo de capital investido, aumentando à medida que seu perfil seja de curto prazo e esteja desvinculado de qualquer atividade produtiva. Nesse sentido, o capital de portfolio é mais elástico (relativamente às variações da tributação) do que o investimento direto, pois esse último, possuindo prazo indeterminado de permanência em um país ou estado, depende também de fatores como mão-de-obra e infra-estrutura. Assim, é mais provável que a tributação tenha maior influência na alocação dos capitais do tipo hot money, que buscam retorno alto e imediato de sua aplicação. No entanto, como ficará demonstrado a seguir, a competição tributária relativa aos investimentos diretos tornase cada vez mais intensa, dada a crescente homogeneidade - entre países ou estados - dos demais fatores que influenciam a alocação desse tipo de capital. Estudo do Departamento Econômico da OCDE (1997), intitulado Taxation and Economic Performance, a respeito dos efeitos da tributação sobre os fluxos internacionais de capital, destaca que as diferenças nas alíquotas nominais afetam, principalmente, a localização do capital financeiro, isto é, lucros empresariais e rendimentos de juros e dividendos. Por outro lado, as diferenças nas alíquotas efetivas afetam a localização dos investimentos estrangeiros diretos. “Thus, countries interested in attracting foreign financial investment (i.e. tax havens) will tend to reduce their statutory tax rates, while countries wishing to attract foreign direct investment are likely to focus more on incentives that reduce the tax base.” Isso é, de fato, o que geralmente ocorre: paraísos fiscais fixam alíquotas de imposto de renda sobre o capital financeiro em níveis extremamente baixos, ou mesmo zero; enquanto que a guerra fiscal por investimentos estrangeiros se dá, principalmente, mediante postergação de pagamento de imposto ou concessão de isenções fiscais37. • Capital Financeiro A alta sensibilidade do capital financeiro com respeito à tributação pode ser comprovada mediante a análise de vários estudos e constatações empíricos. Como exemplo, vale mencionar que o imposto de renda retido na fonte, cobrado pelos Estados Unidos sobre os rendimentos de juros de não-residentes (à alíquota de 30%), fez com que empresas americanas abrissem subsidiárias financeiras nas Antilhas Holandesas, cujos residentes são isentos desse imposto. Outro caso aconteceu na Alemanha, que introduziu, em 1989, um imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos de juros de residentes e não-residentes, cobrado à alíquota de 10%. Em apenas alguns meses após sua adoção, esse imposto teve que ser extinto graças à 37 Um excelente exemplo é a guerra fiscal brasileira por investimentos estrangeiros diretos, baseada no postergamento do ICMS por prazos extremamente longos e isenção de taxas públicas. Vide seção 3.3.3 para maiores detalhes. 36 fuga substancial de ativos financeiros rumo às subsidiárias localizadas em Luxemburgo. Um exemplo bastante atual é a aparição das Ilhas Cayman como um importante parceiro comercial nas importações brasileiras. Entre janeiro e agosto de 1998, 9,40% das importações brasileiras foram provenientes desse país, ocupando o terceiro lugar na pauta de importação, apenas atrás dos EUA (25,87%) e da Argentina (11,43%). Além disso, impressiona saber que 80% desse volume foram importados em petróleo e derivados, embora esse país não seja produtor dessa mercadoria. Isso mostra que, sendo um paraíso fiscal, esse país está simplesmente intermediando as operações financeiras do comércio exterior brasileiro. Outro exemplo tem ocorrido nas bolsas de valores brasileiras, que têm perdido negócios depois que o ADR da Telebrás passou a poder ser negociado na Bolsa de Nova Iorque. A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) tem sido apontada como um dos fatores que têm contribuído para aumentar o custo das operações no Brasil, deslocando as negociações rumo aos Estados Unidos. • Preços de Transferência Entretanto, não seria possível analisar a inter-relação entre fluxos de capital e tributação sem mencionar a prática dos Preços de Transferência. Esse mecanismo, cada vez mais utilizado por empresas internacionais que possuem algum grau de interdependência, consiste em um tipo de planejamento tributário que visa, dentre outros objetivos, a minimizar as obrigações tributárias globais de determinado contribuinte. Para isso, as empresas migram seus lucros em direção a países que possuem nível de tributação mais favorecido, mediante a realização de operações contratadas a preços distintos daqueles que ocorreriam caso as empresas fossem independentes. Isto é, estabelecendo negócios a preços “fora de mercado” (como operações de royalties ou empréstimos, por exemplo), empresas interligadas conseguem apropriar seus lucros em países de baixa tributação e seus prejuízos em países de alta tributação. Há vários estudos que buscam estimar ou constatar a importância do mecanismo de preços de transferência. Por exemplo, de acordo com o documento “Taxation and Economic Performance”, da OCDE, “Harris et al. (1993) found that US companies that had subsidiaries in low-tax countries showed lower overall US tax ratios than US companies with subsidiaries in high-tax countries, which is consistent with profit shifting”. O controle da prática dos preços de transferência transformou-se em uma preocupação constante das administrações tributárias de vários países, dada a grande dificuldade e o alto custo de monitorar e fiscalizar essas operações. A OCDE e os Estados Unidos foram os primeiros a estabelecer regras e legislações específicas para o controle dos preços de transferências. Atualmente, vários outros países passaram a incluir dispositivos que tratam sobre o tema em suas legislações de 37 imposto sobre a renda. Esse é precisamente o caso do Brasil, que adotou legislação específica a partir de 199638. • Investimentos Diretos No que se refere aos investimentos diretos, a competição tributária ocorre, sobretudo, pela redução da base tributável. Em geral, esse tipo de negociação pode ser, inclusive, realizada em nível de contribuinte, pois cada governo pode conceder benefícios específicos a determinados setores ou empresas. O documento Harmful Tax Competition, da OCDE, aponta que foreign direct investment by G7 countries in a number of jurisdictions in the Caribbean and in the South Pacific island states, which are generally considered to be low-tax jurisdictions, increased more than five-fold over the period 1985-1994, to more than US$ 200 billion, a rate of increase well in excess of the growth of total outbound Foreign Direct Investment”. Segundo Papke (1991), os incentivos tributários são largamente utilizados pelos governos estaduais e locais com o objetivo de atingir o desenvolvimento econômico. Nos Estados Unidos,“the incentives range from conventional investment tax credits to lower the costs of purchase or construction of new plant and equipment (in 23 states) to property tax abatement programs for the partial or total forgiveness of the tax on eligible property for a stipulated number of years (31 states)”. Apesar da grande utilização desse tipo de competição tributária, praticamente não há estimativas dos custos desses programas, pois, mesmo nos Estados Unidos, nem todos os estados mantêm um orçamento completo de benefícios tributários. Assim, a guerra fiscal entre os estados norte-americanos está se agravando e intensificando o debate sobre os custos efetivamente impostos à sociedade americana. Como exemplo, “a Micron Technology recebeu US$ 80 milhões do Estado de Utah para construir uma fábrica de chips. Em 1993, o Alabama ganhou uma fábrica da MercedesBenz com um pacote de mais de US$ 250 milhões. A Blue Water Fibre recebeu do Michigan US$ 80 milhões em incentivos para instalar uma usina de reciclagem de papel com 34 empregados - isto é, US$ 2,4 milhões por emprego gerado.”39 A falta de mensuração e acompanhamento do retorno socioeconômico desses investimentos faz com que parte do orçamento público, que poderia estar sendo investida em atividades tipicamente estatais, esteja financiando uma pseuda-criação de empregos, a custos exorbitantes. De modo a assegurar a vitória nessa acirrada competição tributária, geralmente o vencendor arca com um custo exageradamente caro para ganhar. A 38 A Lei 9.249/95 introduziu a tributação mundial da renda na legislação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. Assim, conforme seu artigo 25, os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior passaram a ser computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano. Posteriormente, a Lei 9.430/96, em sua seção V, introduziu o tratamento legal de Preços de Transferência no Brasil. Vide, ainda, Instrução Normativa nº 38/97 para outros detalhes sobre o assunto. 39 As informações referentes aos custos da atração de empresas em estados norte-americanos foram retiradas da reportagem “Cresce a guerra fiscal nos Estados Unidos”, publicada no jornal “O Estado de São Paulo” do dia 04/01/98. 38 Teoria dos Leilões afirma que, quando há um número elevado de participantes, o vencedor pode tornar-se um perdedor, pois paga além do que deveria para ganhar. Essa é a chamada “Praga do Vencedor”. Um exemplo interessante aconteceu no estado da Pensilvânia que, em 1978, gastou US$ 70 milhões para atrair uma fábrica da Volkswagen, com a geração esperada de 20 mil empregos. Uma década depois, essa fábrica, que empregou apenas 6 mil funcionários, foi desativada. No que se refere às mensurações quantitativas, há vários modelos econométricos que abordam o tema. Papke (1991), por exemplo, estudou o impacto dos diferenciais tributários estaduais e locais (dos Estados Unidos) na localização de indústrias e na criação de novas firmas. A conclusão de seu trabalho aponta que a competição tributária tem efeito na composição da estrutura industrial dentro do estado. Além disso, suas estimativas indicam que a elasticidade da criação de novas indústrias (new manufacturing plant births) em relação à alíquota tributária varia de 1,6 a 15,7. Em algumas estimativas, “a one percentage point (100 basis point) increase in the ETR (Effective Tax Rate) leads to a 26% decline in Outwear births, an 8,8% decline in Printing births and a 3,2% decline in Communication Equipment”. 2.2.4 - OS IMPACTOS SOBRE A MOVIMENTAÇÃO DE FATORES: RESULTADOS DE EQUILÍBRIO GERAL As mensurações dos efeitos alocativos gerados pela competição tributária podem ser bem visualisadas mediante a utilização de Modelos de Equilíbrio Geral Computáveis (MEGC)40. Já foi demonstrado que a tributação aplicada por um determinado estado sobre os fatores de produção (trabalho e, especialmente, capital), por incidir sobre uma base de incidência móvel, tem grande probabilidade de influenciar a arrecadação e os custos públicos dos estados vizinhos, isto é, gerar tax spillovers (Termos 4 e 5 do modelo de Gordon – Efeitos Indiretos sobre a Arrecadação e sobre os Custos Públicos41). Esse tipo de externalidade, por envolver substanciais impactos alocativos, pode ser avaliado mediante a aplicação de MEGC. Segundo Inman e Rubinfeld (1996), “computable general equilibrium tax models for regional economies have shown tax spillovers with factor taxation to be very important. Kimbell and Harrison (1984) and Jones and Whalley (1988) show for plausible parametrizations of a federalist economy that tax increases on capital in one state or province will lead to an economically significant relocation of capital and subsequent changes in factor and goods prices in the other regions”. Morgan, Mutti e Partridge (1989) desenvolveram um MEGC regional para os Estados Unidos, buscando mensurar os efeitos da política tributária sobre a produção e a alocação de fatores entre as diversas regiões. Em linhas gerais, o estudo analisa os efeitos da substituição da atual estrutura tributária por impostos lump-sum que geram o 40 Grande parte desses modelos inspiram-se no trabalho pioneiro de Harberger. Para maiores detalhes, ver Harberger, A.C. (1962) “The Incidence of Corporate Income Tax”, Journal of Political Economy 70, 215-240. 41 Vide seção 1.2.2 desta dissertação para maiores detalhes. 39 mesmo nível de arrecadação. Dessa forma, os autores demonstram como um sistema tributário distorcivo leva à alocação ineficiente de recursos, pois, ao se implementar a estrutura neutra, haverá migração de fatores entre as regiões. O estudo divide os Estados Unidos em seis regiões, a saber: Great Lakes (GL), New England-Mideast (NE-M), Plains-Rocky Mountains (PRM), Southeast (SE), Southwest (SW) e Far West (FW). Há três casos básicos de análise: a remoção multilateral de todos os impostos regionais, a remoção unilateral dos impostos regionais (isto é, cada região muda a sua estrutura, mantidas constantes as políticas tributárias das demais regiões) e, por último, a remoção multilateral dos impostos regionais e federais. A Tabela 2.1 apresenta os resultados calculados pelos autores, mostrando, claramente, a movimentação dos fatores e o impacto no crescimento das regiões causados pelas alterações na política tributária42. TABELA 2.1 IMPACTO DA POLÍTICA TRIBUTÁRIA NA EFICIÊNCIA ALOCATIVA NORTE-AMERICANA em % Alterações Tributárias Caso 1 Valor Agregado Capital Trabalho Caso 2 Valor Agregado Capital Trabalho Caso 3 Região Great New Lakes Engl. Mideast Pl. Rock Mountain s Southeas t Southwe st Far West -0,6 0,0 -0,8 1,9 3,0 1,9 0,3 1,1 0,0 -1,6 -2,4 -1,4 -2,4 -3,1 -2,5 0,9 -0,3 1,6 0,0 0,0 0,0 7,5 10,1 7,6 8,8 11,2 9,0 8,9 11,5 9,2 6,5 7,5 7,0 6,5 7,9 6,8 9,7 9,8 10,9 0,0 0,0 0,0 -3,7 -7,5 -3,9 -1,4 -3,4 -1,6 -0,5 -2,9 -0,7 0,6 0,0 0,0 Valor Agregado 3,3 4,0 -0,6 Capital 6,4 5,0 0,0 Trabalho 2,2 3,4 -1,5 Fonte: Tabela 4 - Morgan, Mutti e Partridge (1989) Total E.U.A. No caso 1, ao se remover os impostos regionais multilateralmente, os fatores migram primariamente para a New England-Mideast e Far West (nesse último caso, a migração refere-se ao trabalho). A região da New England-Mideast tem um crescimento de 3% em seu estoque de capital. Por outro lado, as regiões Southweast e Southeast têm as maiores perdas de fatores: a redução do estoque de capital atinge 3,1% e 2,4%, respectivamente; enquanto que a perda do fator trabalho é de 2,5% e 1,4%, respectivamente. Isso pode ser explicado pelo fato de que as estruturas atuais de impostos das regiões Southweast e Southeast são desenhadas justamente para atrair os fatores econômicos. Esse é um resultado muito interessante, pois comprova a “crença geral” de que o crescimento econômico alcançado pelos estados do sul, na 42 Os dados apresentados na Tabela 2.1 referem-se à hipótese de que o fator trabalho é totalmente móvel. Os autores também apresentam cálculos para as hipóteses onde esse fator é parcialmente móvel e imóvel. Obviamente, a total mobilidade é a hipótese que gera as maiores movimentações de fatores. 40 última década, foi, em grande parte, decorrente da guerra fiscal. Pode-se explicar o fluxo de recursos rumo à região da New England-Mideast, que tem um aumento máximo estimado de seu valor adicionado em torno de 2%, pelo fato de que essa região possui, atualmente, um nível relativamente alto de tributação. Em resumo, os fatores que deveriam estar alocados no nordeste americano foram em busca de alíquotas mais baixas, principalmente nos estados do sul. O segundo caso, que abrange a hipótese de remoção unilateral dos impostos regionais, revela que a região que mudou sozinha sua política tributária sempre acaba em uma posição melhor do que no primeiro caso. Em verdade, não apenas melhor, mas com valores de acréscimo de produto e fatores significativamente mais altos. Como exemplo, o Far West conseguiria aumentar seu valor agregado em 9,7%. Conforme os próprios autores afirmam, esse é um resultado esperado pela teoria da competição tributária. De fato, nesse caso, uma única região extingue suas distorções tributárias e, com isso, pode atrair recursos das demais regiões que permaneceram com a política tributária estagnada (e distorciva). “Therefore, when tax policies are altered unilaterally, economic growth in a particular region occurs almost totally at the expense of economic activity in the other five regions”. Assim, o crescimento econômico global para os Estados Unidos é zero, pois o modelo em questão é estático, indicando que os fatores migram entre as regiões. Quanto aos ganhos de valor adicionado para as regiões propriamente ditas, esses podem ser significativos, variando entre 6,5% a 9,7%. O último caso corresponde à remoção multilateral dos impostos federais e regionais, e mostra que a política tributária federal não é neutra entre as regiões. Na prática, isso pode ser explicado pelas diferenças nas alíquotas efetivas dos impostos federais entre os diversos setores econômicos e, conseqüentemente, dados os diferentes níveis de concentração setorial de cada região, entre as próprias regiões. Mais uma vez, a New England-Mideast receberia um afluxo de fatores, podendo expandir seu valor agregado em 4%, e o Southeast incorreria em uma perda de 3,7%. Neste terceiro caso, o crescimento do valor agregado dos Estados Unidos seria de 0,6%, significando que essa é a perda de produto nacional resultante da má alocação de recursos devido à política tributária. 2.3 - ALGUMAS SOLUÇÕES POSSÍVEIS TRIBUTÁRIA PARA OS PROBLEMAS GERADOS PELA COMPETIÇÃO As seções anteriores desta dissertação mostraram, teorica e empiricamente, que a competição tributária pode gerar ineficiências econômicas ou externalidades. Portanto, dados os diversos tipos de problemas que podem ser causados pela descentralização não-coordenada, a questão que se coloca diz respeito às suas possíveis soluções. De fato, desde que a literatura econômica começou a tratar da competição tributária, algumas soluções teóricas têm sido apontadas com o objetivo de resolver seus problemas. No entanto, a maioria dessas soluções é de difícil ou indesejável aplicação prática, como a tributação no destino e a centralização do poder federativo, respectivamente. Mais recentemente, dado o agravamento dos conflitos competitivos, várias iniciativas de coordenacão e cooperação intergovernamental ou 41 internacional têm sido sugeridas. A seguir, serão apresentadas algumas dessas soluções, dando-se especial ênfase àquelas que envolvem, efetivamente, viabilidade e importância práticas no combate à competição tributária. 2.3.1 - CENTRALIZAÇÃO DO PODER FEDERATIVO A solução tradicional tem apontado para o fortalecimento do Governo Federal, seja por meio da provisão centralizada de bens públicos ou do estabelecimento de um sistema de transferências que internalize as externalidades geradas pela competição tributária. Entretanto, a total centralização não parece ser a solução mais adequada. Em primeiro lugar, apesar de resolver as ineficiências, a centralização traz, em seu bojo, outros problemas com semelhante grau de importância. O principal deles, talvez, seja a tomada de decisão sem considerar as demandas - ou necessidades - efetivas dos cidadãos. É natural que os governos locais, estando mais próximos dos cidadãos, possam melhor identificar suas demandas e, conseqüentemente, saibam melhor como alocar os recursos públicos. Portanto, especialmente nas federações de grande extensão territorial, é praticamente impossível governar de maneira fortemente centralizada, pois isso traria, em última instância, distorções e ineficiências alocativas análogas àquelas geradas pela competição tributária. Além disso, mesmo que a centralização resolvesse os problemas competitivos internos de uma federação, seria muito difícil aplicar a mesma solução para a competição internacional. Nesse sentido, torna-se desaconselhável a simples opção pelo fortalecimento do poder central, até mesmo porque, com o fim de grande parte dos regimes ditatoriais e a crescente liberdade democrática, a descentralização pode ser considerada, atualmente, uma tendência mundial. No entanto, cabe ao governo central um importante papel: o de atuar como “supervisor” e “controlador” das ações competitivas dos governos subnacionais, priorizando os interesses da federação em detrimento de ganhos locais. Para isso, o governo central deve possuir poder suficiente para agir de forma a contrabalançar eventuais desequilíbrios gerados pela competição tributária. Desse modo, a interveniência do governo central se daria mediante a regulamentação e monitoramento das ações competitivas dos governos locais, e não visando a centralizar a tomada de decisões econômicas e políticas da federação. 2.3.2 - CRIAÇÃO DE INSTITUIÇÕES QUE ZELEM PELO AMBIENTE COMPETITIVO SAUDÁVEL Considerando que, na prática, é utópico imaginar a eliminação total das disputas competitivas, seria bastante útil o estabelecimento de alguma convenção que pudesse determinar a partir de que momento uma jurisdição passa a agir de modo nocivo à federação (ou um país passa a prejudicar as relações econômicas internacionais). De certa forma, isso vem sendo feito, apesar que de uma maneira pouco precisa, ao se utilizar dois conceitos que são conhecidos por “competição tributária saudável” e “competição tributária nociva”. 42 Poder-se-ia, por exemplo, fixar uma faixa de alíquotas dentro da qual estados ou países pudessem competir livremente. Dentro desse limite de segurança, a competição poderia, até mesmo, estimular uma menor carga tributária para um mesmo nível de serviços públicos, mediante a busca de um melhor desempenho da administração governamental. Essa situação seria considerada como uma “competição saudável”. Porém, caso alguma jurisdição não respeite a alíquota mímina e tente atrair os fatores econômicos a despeito de serviços públicos insuficientes, salários mais baixos ou descontrole ambiental, seria considerada um “competidor nocivo”. Em recente Informe43, a OCDE reconheceu a distinção entre regimes tributários “aceitáveis” e “nocivos”. “If the spillover effects of particular tax practices are so substancial that they are concluded to be poaching other countries’ tax bases, such practices would be doubtlessly labelled “harmful tax competition”. Entretanto, essas definições só fazem sentido se houver uma estrutura institucional capaz de aplicá-las e monitorá-las. Ademais, seria necessário existir algum tipo de sanção para aquelas jurisdições que jogam deslealmente em sua política tributária. Em âmbito federativo, o papel regulador do governo central é de fundamental importância nessa questão, sobretudo se coordenado com representantes dos governos sub-nacionais, que devem ter bastante clara a relevância de se discutir os problemas federativos de forma colegiada, já que os ganhos individuais serão sempre menores do que as perdas coletivas em um processo de competição tributária nociva. Assim, a federação deve buscar o desenvolvimento de instituições sólidas e democráticas que zelem pela continuidade da organização federativa mediante a existência de uma competição intergovernamental saudável. A mesma solução poderia ser aplicada ao ambiente internacional, pois é notória a falta de uma instituição que zele pela justa prática tributária entre os países. Essa lacuna torna-se cada vez mais evidente à medida que se agravam os problemas competitivos entre as nações e, sobretudo, quando a política tributária de um país afeta substancialmente a economia dos demais. Portanto, da mesma forma que o mundo pós-guerra decidiu lutar contra as práticas desleais de comércio internacional, inclusive mediante a criação de organizações especializadas na matéria (como o antigo General Agreement on Tariffs and Trade - GATT, atual Organização Mundial do Comércio - OMC), é necessária a criação de instituição semelhante que combata as práticas desleais de tributação internacional. Certamente, essas práticas prejudicam a competição econômica saudável, distorcem a alocação ótima de recursos e agravam a delicada situação fiscal em que se encontram vários países44. 43 Vide seção seguinte deste capítulo (2.3.3), intitulada “Adesão às recomendações da OCDE”, para maiores detalhes sobre o referido Informe. 44 A importância e urgência dessa idéia ficaram patentes durante a realização da 32ª Assembléia Geral do Centro Interamericano de Administradores Tributários (CIAT), em maio de 1998, onde, em particular, o Sr. Vito Tanzi, do Fundo Monetário Internacional, e a Secretaria da Receita Federal do Brasil defenderam essa posição. 43 2.3.3 - ADESÃO ÀS RECOMENDAÇÕES DO COMITÊ FISCAL DA OCDE45 Uma importante iniciativa no campo da contenção da competição tributária foi dada, recentemente, pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 1996, a OCDE foi requisitada a “desenvolver medidas para conter os efeitos distorcivos da competição tributária nociva sobre as decisões de investimento e financiamento e suas conseqüências para as bases tributárias nacionais, e apresentar um informe em 1998”.46 O Informe que resultou desse projeto foi aprovado pelo Conselho da OCDE em 9 de abril de 1998, adotando recomendações dirigidas aos países-membros e buscando desenvolver um diálogo com países nãomembros. Luxemburgo e Suíça abstiveram-se de participar da aprovação do Informe em nível do Conselho. O Informe é dividido em três partes: a primeira apresenta uma visão geral do problema da competição tributária, a segunda define fatores que buscam identificar “Paraísos Fiscais” e “Regimes Tributários Preferenciais Nocivos” e, por último, a terceira parte propõe 19 recomendações, de ampla extensão, para o combate às práticas fiscais nocivas. O Informe inicia-se reconhecendo os efeitos benéficos da globalização sobre o bem-estar e o padrão de vida em todo o mundo, mediante a alocação e a utilização mais eficiente dos recursos. Entretanto, adverte que a globalização também gera impactos negativos quando cria novas maneiras pelas quais os agentes econômicos podem minimizar ou evadir impostos e pelas quais países podem desenvolver políticas tributárias orientadas a atrair os fatores móveis. Nesse sentido, considera que esses tipos de contribuinte e de governo são “free riders” que se beneficiam dos serviços públicos prestados pelos países não competidores, sem contribuir para seu financiamento. A OCDE orienta seu Informe, em um primeiro momento, para as “práticas competitivas nocivas”, assim consideradas quando um país “rouba” a base tributável de outro. Ao fixar sua alíquota incidente sobre as atividades móveis em níveis significativamente inferiores aos de outros países, um Paraíso Fiscal ou um Regime Tributário Preferencial Nocivo geram os seguintes prejuízos: distorcem os fluxos de investimentos financeiros e reais; corroem a integridade e a justiça das estruturas tributárias; alteram o nível e a composição desejados dos impostos e das despesas públicas; causam uma mudança indesejada, sobrecarregando o ônus da carga tributária sobre os fatores menos móveis, como o trabalho, a propriedade e o consumo; e aumentam o custo administrativo e de cumprimento tributário sobre os fiscos e os contribuintes. 45 Todos os conceitos e definições utilizados na seção 2.3.3 foram retirados do documento “Harmful Tax Competition - An Emerging Global Issue”, da OCDE. 46 Essa requisição foi endossada pelo G-7, que expediu a seguinte nota (constante do documento Harmful Tax Competition, OCDE, p. 7): “Finally, globalisation is creating new challenges in the field of tax policy. Tax schemes aimed at atttracting financial and other geographically mobile activities can create harmful tax competition between States, carrying risks of distorting trade and investment and could lead to the erosion of national tax bases. We strongly urge the OECD to vigorously pursue its work in this field, aimed at establising a multilateral approach under which countries could operate individually and collectively to limit the extent of these practices”. 44 Em seguida, o Informe identifica três situações onde o imposto cobrado por um determinado país, incidente sobre atividades geograficamente móveis, é inferior àquele que seria cobrado sobre a mesma renda em outro país: o primeiro país é um paraíso fiscal e, como tal, geralmente não impõe nenhum imposto sobre a renda, ou somente um nominal; o primeiro país obtém receitas importantes provenientes do imposto sobre a renda de pessoas físicas ou jurídicas, mas seu sistema tributário apresenta características preferenciais que permitem que os rendimentos relevantes sejam tributados a uma alíquota reduzida ou não sejam sujeitos à imposição tributária; e, por último, o primeiro país obtém receitas importantes provenientes do imposto sobre a renda de pessoas físicas ou jurídicas, mas a alíquota efetiva aplicada geralmente é inferior àquela que se aplica no segundo país. A partir dessas situações, a OCDE buscou, na medida do possível, distinguir o conceito de “Paraíso Fiscal” de “Regimes Tributários Preferenciais Nocivos”: “While the concept of tax haven does not have a precise technical meaning, it is recognised that a useful distinction may be made between, on one hand, countries that are able to finance their public services with no or nominal income taxes and that offer themselves as places to be used by non-residents to escape tax in their country of residence and, on the other hand, countries which raise significant revenues from their income tax but whose tax system has features constituing harmful tax competition”. Dessa forma, a OCDE deu um importante passo na definição de fatores que identificam se um país é um Paraíso Fiscal ou um Regime Tributário Preferencial Nocivo, o que é, sem dúvida, altamente relevante para a implementação efetiva de medidas de contenção da competição tributária nociva. Os fatores-chave para a identificação de Paraísos Fiscais, segundo a OCDE, são: a não imposição de impostos ou somente imposição de impostos nominais; a falta de intercâmbio efetivo de informação47; a falta de transparência; e a não existência de atividades substanciais48. Por sua vez, os Regimes Tributários Preferenciais Nocivos podem ser identificados pelas seguintes características: alíquotas efetivas baixas ou zero49; isolamento (ring fencing) dos regimes50; falta de transparência; e falta de intercâmbio efetivo de informação. Há, 47 “Tax havens typically have in place laws or administrative practices under which businesses and individuals can benefit from strict secrecy rules and other protections against scrutiny by tax authorities thereby preventing the effective exchange of information on taxpayers benefiting from the low tax jurisdiction”. 48 “The absence of a requirement that the activity be substancial is important since it would suggest that a jurisdiction may be attempting to attract investment or transactions that are purely tax driven”. 49 “A low or zero effective tax rate on the relevant income is a necessary starting point for an examination of whether a preferential tax regime is harmful. A zero or low effective tax rate may arise because the schedule rate itself is very low or because of the way in which a country defines the tax base to which the rate is applied”. 50 “Some preferential tax regimes are partly or fully insulated from the domestic markets of the country providing the regime. The fact that a country feels the need to protect its own economy from the regime by ring-fencing provides a strong indication that a regime has the potential to create harmful spillover effects. Ring-fencing may take a number of forms, including: - a regime may explicitly or implicitly exclude resident taxpayers from taking advantage of its benefits; - enterprises which benefit from the regime may be explicitly or implicitly prohibited from operating in the domestic market”. 45 ainda, outros fatores que podem auxiliar na identificação de países que utilizam práticas tributárias nocivas, como, por exemplo: definição artificial da base tributária, não adesão aos princípios internacionais de preços de transferência, utilização do sistema de tributação territorial da renda, possibilidade de negociar bases ou alíquotas tributárias e existência de sigilo bancário. Identificados e relatados todos esses problemas, o Informe, em sua última parte, admite que “os governos não podem ficar esperando enquanto suas bases tributáveis são erodidas pelas ações de Paraísos Fiscais e Regimes Tributários Preferenciais Nocivos que oferecem aos contribuintes maneiras de reduzir um imposto que, de outro modo, seria devido a esses governos”. Assim, é necessário se implementar medidas que possam combater esses efeitos nocivos. A OCDE reconhece que, tipicamente, essas medidas têm sido implementadas mediante ações unilaterais ou bilaterais de governos, mas que, entretanto, medidas desse tipo são limitadas porque a competição tributária é um problema de natureza global. Assim, é necessário estabelecer uma ação coordenada em nível internacional, pois “coordinated action is the most effective way to respond to the pressures created in the new world of global capital mobility”. A OCDE, iniciando esse processo, preceituou 19 Recomendações que visam a combater a competição tributária nociva. Essas recomendações são divididas em três categorias: Recomendações concernentes à legislação doméstica; Recomendações concernentes aos tratados tributários; e Recomendações para a intensificação da cooperação internacional. Dada a sua substancial relevância, essas 19 recomendações do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE encontram-se integralmente relatadas no Apêndice II desta dissertação. Dentre elas, destaca-se a recomendação de criação de um Fórum internacional com o objetivo de avaliar os regimes (existentes ou propostos) em paísesmembros e não membros, de analisar a efetividade das medidas de combate à competição tributária nociva e examinar se uma jurisdição enquadra-se no conceito de paraíso fiscal. Além disso, um ano após a primeira reunião do Fórum, uma lista com os nomes dos países considerados paraísos fiscais deverá ser apresentada. Certamente, essa pode ser considerada como uma das iniciativas de maior relevância já tomadas por uma organização internacional para o combate da competição tributária. 2.3.4 - HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA Dentre as possíveis soluções para os problemas gerados pela competição tributária, a harmonização tributária é, indubitavelmente, a que tem despertado maior interesse, tanto no meio acadêmico como entre economistas governamentais. De fato, a discussão acerca da harmonização tem crescido substancialmente, sobretudo em âmbito internacional, nos debates envolvendo as áreas de integração regional. No entanto, a literatura econômica ainda encontra-se em estágio embrionário na análise do tema e, por isso, seus resultados sobre a eficiência alocativa e o bem-estar social não estão plenamente estabelecidos. Conforme citado por Keen (1987), “But despite the fact that harmonisation has been on the policy agenda for some decades - or perhaps because of it - the welfare consequences of such tax coordination have received little atention. As a result, the economic case for harmonisation has been - at best obscure”. 46 De certa forma, pode-se, inclusive, afirmar que há divergências no que tange ao próprio conceito de harmonização tributária. Alguns a definem como o estabelecimento de uma alíquota única por parte de distintos estados ou países; outros a vêem apenas como uma convergência das alíquotas rumo a um patamar específico, permitindo que as alíquotas variem dentro de uma determinada banda. Há, ainda, a possibilidade da fixação de uma alíquota mínima, o que pode - ou não - ser entendido como um tipo de harmonização tributária. A discussão, entretanto, torna-se mais profunda quando passa a envolver, também, a harmonização das bases de cálculo, benefícios tributários e hipóteses de incidência do imposto, dentre outros. Afinal, de nada adiantaria a simples convergência das alíquotas nominais, enquanto a tributação efetiva permanece discrepante. Apesar dessa amplitude conceitual, há um consenso em torno do objetivo da harmonização tributária: a negociação de um acordo entre diversos governos para estabelecer uma estrutura tributária “comum”, de modo a impedir a proliferação da prática competitiva nociva entre os mesmos e, portanto, evitar a corrosão de suas receitas tributárias. Assim, a harmonização pode ser entendida como um acordo político que busca solucionar os problemas gerados pela competição tributária. Por outro lado, a harmonização pode surgir como uma resultante do processo competitivo, pois é natural se supor que aqueles estados ou países que possuem tributação mais alta tendam a reduzi-la ao perderem receitas para seus competidores. Comparando-se esses dois casos, a importante questão a ser respondida diz respeito ao nível de carga tributária que acaba por ser imposto à sociedade - possivelmente alto no primeiro caso e, certamente, baixo no segundo. Neste ponto, abre-se um interessante - e antigo - debate entre os economistas que são favoráveis e os que são opositores à competição intergovernamental, discutindo se ela é ou não um meio para se atingir a eficiência econômica. Essa discussão vestiu nova roupagem e encontra-se, atualmente, crescendo em importância. O novo debate envolve, de um lado, os defensores da harmonização tributária (e, conseqüentemente, contrários à competição) e, de outro, aqueles que pensam justamente o oposto. De certa forma, essa discussão também faz ressurgir um outro debate tradicional da teoria econômica: o da tributação uniforme - ou, em outras palavras, harmonizada - versus a tributação ótima51. Esse debate encontra-se bem analisado no trabalho de Frey e Eichenberger (1996) intitulado “To harmonize or to compete? That’s not the question”, cujas idéias serão aqui apresentadas. A discussão é assim sintetizada pelos autores: “Tax harmonization is normally advocated because it reduces economic distortions, and tax competition because it reduces political distortions. Thus, there exists a conflict between harmonization and competition, and we are tempted to formulate the implied trade-off by a possibility frontier relating economic 51 Não é objeto desta dissertação posicionar-se a favor ou contra qualquer um dos lados, até mesmo porque, como qualquer trade-off econômico, essa não é uma questão a ser decidida na base do “certo ou errado”, mas sim de uma escolha social que deverá ponderar e julgar a quantidade ideal de competição e harmonização para determinada sociedade, isto é, aquela que gera o maior nível de utilidade para seus cidadãos. 47 and political distortions.” De fato, as ineficiências geradas pela tributação são um resultado plenamente estabelecido pela teoria econômica e podem ser agravadas caso haja competição tributária entre as diversas jurisdições. Conseqüentemente, a harmonização tributária pode diminuir essas ineficiências, favorecendo que a alocação econômica ocorra em ambiente tributário neutro. Isso porque, conforme Frey e Eichenberger, “welfare theory demands the imposition of harmonized taxes, which means that producers and consumers are to carry the same tax burden for the same economic activities”. A harmonização, portanto, age em prol da competição econômica saudável, ou seja, da eliminação das distorções econômicas. Por outro lado, a teoria da escolha pública define como distorções políticas os desvios entre a política governamental e as preferências dos cidadãos, gerados pelo fato de que, após eleitos, os políticos perseguem seus próprios objetivos, nem sempre coincidentes com as demandas de seus eleitores. Utilizando esse conceito, a harmonização tributária é vista como um instrumento gerador de distorções políticas, pois permite que os governos adotem uma tributação alta e uniforme, impedindo que os contribuintes possam buscar a combinação entre carga tributária e serviços públicos que mais lhe agrada. Em verdade, a possibilidade do eleitor-contribuinte migrar entre diversas jurisdições é um importante mecanismo que faz com que os governos respeitem as preferências de seus cidadãos. A competição tributária favorece esse mecanismo, contrariamente à harmonização tributária. Há uma analogia muito interessante, feita por Cnossen (1990), comparando a harmonização tributária à prática do cartel: “Tax harmonization may be compared with cartelization ... may be described as a process whereby governments of independent nation-states conclude agreements on the level and the structure of their tax systems: the type of tax that will be levied, the basis of assessment that will be employed, and the rates that will be applied. It is then possible that the tax burden is raised to a higher level than would have been the case without the agreement”. No entanto, apesar dessas semelhanças, o autor afirma que a harmonização tributária é vista como algo positivo, contrariamente aos cartéis. “It cannot be denied that tax harmonization looks surprisingly like cartelization. Yet, thus far, tax harmonization, unlike ‘smelly’ cartelization, has had an aura of great respectability”. De fato, Frey e Eichenberger também concordam que a harmonização tributária tem sido vista positivamente tanto por acadêmicos como por membros do governo. Há três principais razões para isso, que são analisadas a seguir. Primeiramente, quanto à visão da teoria econômica, essa assume que o governo é uma entidade maximizadora de bem-estar, agindo sempre em prol de seus cidadãos52. Assim, a teoria parte do princípio de que o sistema democrático funciona perfeitamente, não produzindo distorções políticas. Em decorrência, na presença apenas de distorções econômicas, os teóricos assumem que a harmonização tributária 52 De fato, a ampla maioria dos modelos estudados em finanças públicas visa a maximizar uma função de bem-estar social. Isso pode ser constatado pela leitura do Capítulo 1 desta dissertação, onde todos os modelos de competição tributária trabalham com essa hipótese. 48 é a opção correta a ser seguida na busca da eficiência alocativa. Ou seja, a solução poderia ser outra se as distorções políticas também fossem incorporadas ao modelo. Em segundo lugar, no que concerne à posição dos funcionários governamentais, a proposta de harmonizar tributos parece ser mais plausível do que a de competir, pois essa última significaria rivalidades entre as jurisdições que os próprios funcionários representam. Além disso, a harmonização pressupõe um planejamento tributário por parte de estados ou países, o que implica uma razoável previsão das receitas a serem arrecadadas e sua distribuição entre os participantes do acordo. Todos esses motivos vão muito mais ao encontro dos interesses dos burocratas do que simplesmente esperar o resultado “de mercado” gerado pela competição tributária. Em suma, os autores afirmam que “one may state that people rarely meet in commissions to stimulate competition, but rather to suppress it by harmonizing tax policy, and government policy more generaly”. Por último, quanto à classe política, o interesse pela harmonização é devido ao fato de que, em ambiente não competitivo, os eleitores-contribuintes não têm como comparar as políticas tributárias das diversas jurisdições e, assim, não podem protestar ou mudar de domicílio fiscal. Sem dúvida, essa é uma situação bem confortável para os políticos, que evitam sofrer os desgastes da competição interjurisdicional, tendo seus interesses protegidos pelo “cartel” da harmonização tributária. Portanto, seja por razões de caráter econômico - o aumento da eficiência e do bem-estar - ou pelo favorecimento a determinados grupos de interesse, a harmonização tem sido apontada como uma solução factível para o problema da competição tributária. Por motivos óbvios, o tema tem sido bastante discutido pelos países da União Européia e, por isso mesmo, grande parte da literatura econômica relativa à harmonização tributária está aplicada sobre as propostas da Comissão Européia. De fato, para muitos economistas, a harmonização seria a única opção realista para a resolução dos problemas tributários da Europa Unificada. Na opinião de Sinn (1990), “A Europe with competing tax systems and unrestricted migration would be like an insurance market where the customers can select their company and pay the premium after they know whether or not a loss has ocurred. There are only two options for avoiding this dilemma. One is to introduce binding redistribution contracts with the government of choice. ... The other, more practicable, option is simply to harmonize tax rates via collective agreements between the European governments or, more or less equivalent, to allocate all redistributive activities to a central European government. With a collective planned harmonization, rather than one enforced by the competition of tax systems, Europe would not have to give up its social achievements, and it would not have to suffer the tax-induced distortions described”. No entanto, apesar dessa corrente em prol da harmonização tributária e de já ter havido várias propostas da Comissão Européia rumo a esse objetivo, a harmonização de facto nunca ocorreu. A explicação para a dificuldade da instituição prática de um acordo pró-harmonização pode dever-se ao fato de que alguns agentes econômicos sofrerão perdas com o processo. A harmonização implica que algumas das vantagens tributárias usufruídas por determinados grupos serão eliminadas e, assim, haverá 49 incentivos para barrar o processo de convergência dos tributos. Além disso, mesmo após instaurada a harmonização, os incentivos para que os contribuintes evadam impostos e que os governos desviem-se do cartel são grandes. Por isso, Frey e Eichenberger crêem que a tributação efetiva será menos harmonizada do que a tributação nominal e, assim, algum grau de competição entre as jurisdições será reinstalado. Na opinião dos autores, “Reality is thus characterized by a combination of official harmonization with (mostly unofficial) disharmonization of government policy. The ‘ideal’ world projected by formal economic models of harmonized taxes (e.g., Sinn, 1990) disregards the incentives created by the very fact of harmonization to re-establish differences in taxation and regulation”. Por último, para completar a presente análise sobre a harmonização tributária, será apresentada, a seguir, uma breve síntese dos principais argumentos e resultados estabelecidos pela teoria econômica sobre o tema. Dessa forma, a presente dissertação passa a abranger o “estado das artes” da literatura econômica não somente em relação à competição tributária, mas também sobre o seu “contrário”, isto é, a harmonização tributária. Vale mencionar que a maioria dos estudos realizados sobre harmonização tributária baseia-se na experiência européia. Isso porque, devido à necessidade de estabelecer uma tributação neutra no âmbito do mercado comum, os países europeus vêm discutindo o assunto por alguns anos e várias propostas já foram sugeridas e/ou implementadas pela Comunidade. Apesar disso, a harmonização tributária, entendida como a unificação das alíquotas e legislações, ainda não ocorreu, nem mesmo para o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). A opção atual para o IVA foi o estabelecimento de uma alíquota mínima, dada a grande oposição de alguns países relativamente à adoção de uma alíquota única. Quanto aos impostos sobre a renda, as divergências de alíquotas ainda são grandes, para não se falar na existência de paraísos fiscais, como Luxemburgo, e de países que protegem totalmente o sigilo bancário, como a Suíça53. Tudo isso tem tornado a implementação da harmonização tributária uma árdua tarefa. A grande contribuição da teoria econômica tem sido tentar mostrar os ganhos potenciais de um processo de harmonização. Entretanto, sendo um tema ainda muito recente, os resultados não estão plenamente estabelecidos, havendo divergências de opiniões sobre seus impactos em relação à eficiência econômica e ao bem-estar social. O trabalho de Keen (1987) baseou-se nas propostas para o IVA que estavam sendo discutidas pela Comissão Européia na época, mas que ainda continuam bastante atuais. A questão que Keen tentou responder diz respeito ao fato de que as propostas da Comissão não visavam à eliminação das distorções existentes no sistema tributário europeu, mas apenas à convergência parcial das alíquotas dos impostos. Provavelmente, a alíquota comum deveria ser calculada mediante a aplicação de algum tipo de média das alíquotas então adotadas pelos países-membros. Segundo o autor, problemas de second-best surgem imediatamente ao analisar uma política como essa, pois não é claro por que um sistema distorcivo com uma alíquota média comum 53 A Suíça, apesar de não pertencer à União Européia, desempenha um papel importante na competição fiscal intra-comunitária devido às características de seu sistema bancário. 50 deve ser necessariamente preferido a vários sistemas distorcivos com alíquotas distintas. O autor desenvolveu um modelo para verificar o impacto sobre o bem-estar de reformas tributárias multilaterais e chegou a uma conclusão interessante: utilizando um modelo padrão de comércio internacional, uma convergência das alíquotas domésticas rumo à uma média comunitária apropriada pode gerar uma melhoria de Pareto54. Para isso, no entanto, é necessária a existência de um sistema de compensações entre os países, pois quando se adota uma alíquota média, necessariamente, há uma melhora para alguns países e uma piora para outros. Por isso, conforme o próprio autor ressalta, “compensation would generally be required for harmonization to generate an actual Pareto improvement”. No entanto, as dificuldades políticas de um sistema de transferências entre países distintos é óbvia. Em trabalho recente, Delipalla (1997) aprofunda o modelo de Keen, pois mesmo dez anos depois, e apesar da introdução da alíquota mínima e da abolição das fronteiras fiscais, a questão da alíquota única ainda continua a ser debatida na União Européia. A autora mantém a estrutura do trabalho de Keen, incorporando na análise a hipótese de que a arrecadação é utilizada para financiar bens públicos (o estudo de Keen supõe que a receita tributária volta aos cidadãos na forma de uma transferência lump-sum). Portanto, Delipalla pretende averiguar se o resultado de Keen se mantém quando uma alteração na alíquota muda o nível de bens públicos ofertados. O resultado principal do trabalho é que, assumindo neutralidade da arrecadação global, ou seja, caso as receitas tributárias sejam constantes para o conjunto de países em questão, a harmonização gera, potencialmente, uma melhoria de Pareto caso seja possível utilizar dois tipos de transferências: entre governos - para que nenhum país tenha suas despesas públicas afetadas - e entre consumidores - para que os consumidores de cada país possam se beneficiar da alocação mais eficiente do consumo. Mais uma vez, a fraqueza do resultado reside na necessidade da utilização de transferências compensatórias entre países, o que parece uma proposta bastante irrealista para ser mantida no longo prazo55. Na prática, a introdução da alíquota mínima já forçou a que três países tivessem que aumentar sua tributação para adequarem-se às regras da Comunidade. Caso ocorra a adoção de uma alíquota média, aqueles países que tributam abaixo dessa média terão que exigir um maior esforço tributário de seus cidadãos, provocando descontentamento e possível evasão fiscal. Por outro lado, os países que possuem tributação mais alta não terão como continuar financiando o padrão de bens e serviços públicos atualmente colocados à disposição de sua sociedade. A solução para esse impasse ainda não foi encontrada pela União Européia, mostrando, de fato, o distanciamento entre a teoria e a prática. Nesse sentido, o estudo de Perraudin e Pujol (1991) utilizou um modelo de equilíbrio geral para mensurar o impacto das medidas de harmonização fiscal sobre a 54 Isso acontece porque, a preços mundiais constantes, a perda de peso morto em cada país é função estritamente convexa do vetor de alíquotas domésticas. Assim, a perda de peso morto global também é uma função convexa e, portanto, se reduz quando há a convergência das alíquotas pré-existentes rumo à uma determinada média. Note que a soma de funções convexas também é uma função convexa. 55 A própria autora reconhece isso, afirmando que o princípio de Pareto não pode ser usado como um critério para escolhas sociais na maioria das situações reais onde alterações de políticas econômicas produzem ganhadores e perdedores. 51 economia francesa. Os autores trabalharam com a hipótese de que o processo de harmonização imporia à França duas medidas principais: a redução da alíquota do IVA - e posterior substituição da tributação indireta pela direta para a manutenção do nível de receitas - e redução do nível de tributação da poupança56. Os resultados apontaram para uma perda de bem-estar de cerca de 1% do PIB. No entanto, os autores advertem que seria importante realizar o mesmo estudo para outros países da Comunidade, pois se os ganhos dos demais países fossem suficientes para compensar os perdedores, a política de harmonização seria desejável. Estudo de Kanbur e Keen (1993), que avalia os impactos da competição tributária quando dois países diferem em tamanho, também se dedicou à análise dos efeitos das políticas de coordenação tributária. No caso específico, os autores avaliaram os impactos de duas políticas: a harmonização propriamente dita (entendida como o estabelecimento de uma alíquota única para os dois países) e a fixação de uma alíquota mínima. Os resultados obtidos mostram que a última alternativa é superior à primeira no que tange aos efeitos sobre o bem-estar dos países. No caso da harmonização, mesmo se a alíquota adotada for aquela já utilizada pelo país grande no jogo não cooperativo, a receita a ser arrecadada por esse país, proveniente da compra de seus residentes, não será suficiente para compensar o país pequeno da perda resultante com o fim do cross-frontier shopping. No caso do estabelecimento de alíquota mínima, os autores provaram que a resposta estratégica do país grande é tal que assegura a continuidade do comércio fronteiriço, de modo que o país pequeno também se beneficia. Em resumo, a principal conclusão que pode ser tirada desses estudos é que, apesar de parecer ser um instrumento eficiente no combate à competição, a harmonização tributária apresenta enormes dificuldades práticas em sua implementação. Em verdade, nenhum país ou estado quer perder autonomia sobre seu sistema tributário, até mesmo porque a tributação significa, atualmente, muito mais do que o poder de arrecadar; significa, sobretudo, o poder de isentar e atrair investimentos. Portanto, é claro que a discussão em torno do tema deverá continuar nos próximos anos, sendo necessária, no entanto, uma melhor definição de conceitos, escopo e impactos desse instrumento. 2.4 - CONCLUSÃO Este capítulo procurou qualificar o problema da competição tributária, apresentando, sempre que possível, estimativas empíricas de seu impacto sobre a alocação dos recursos econômicos. Demonstrou-se que a tributação tem exercido, de fato, certa influência sobre a decisão dos agentes econômicos e tem sido responsável pela ocorrência de vários tipos de externalidades. Esses efeitos externos variam em função da incidência tributária e, por isso, foram analisados de acordo com as 56 Vale ressaltar que, em 1997, a alíquota do IVA francês era de 20,6% enquanto que o IVA alemão incidia a 15%. Há países que tributam ainda mais fortemente que a França, como, por exemplo a Dinamarca, que possui alíquota de 25%. A média dos países da União Européia foi de 19,3%, enquanto que a média de todos os países da OCDE foi de 17,2%. 52 seguintes bases tributáveis: consumo, renda das pessoas físicas e renda das pessoas jurídicas. Constatou-se, ainda, que a crescente mobilidade das bases tributáveis pode estar significando o esgotamento do atual modelo de sistemas tributários, caso os níveis de competição tributária não sejam controlados.57 Dada a gravidade do problema da competição tributária, a seção 2.3 apresentou uma visão geral das principais propostas que estão sendo analisadas, tanto em âmbito acadêmico como institucional, para minimizar seus efeitos negativos. Em especial, vale ressaltar que as soluções unilaterais para o problema parecem não ser satisfatórias e, por isso, os especialistas entendem que as soluções passam, necessariamente, pela cooperação multilateral entre estados ou países. Dentro dessa ótica, foram apresentadas algumas soluções que vêm sendo discutidas, como a criação de um organismo especializado no combate à competição tributária, a adesão dos países a acordos como o sugerido pela OCDE e a harmonização tributária. Essas medidas, no entanto, dependem de ampla negociação com as jurisdições envolvidas e, por isso, apresentam dificuldades práticas para se chegar a uma posição consensual em um jogo onde há ganhadores e perdedores. Portanto, os governos devem atentar para as perdas reais e potenciais que estão incorrendo em função da competição tributária nociva, e buscar definir qual o grau de competição e harmonização tributárias (isto é, de distorções econômicas e políticas) que deve prevalecer em seus sistemas econômicos. Isso porque fica cada vez mais claro que não será possível a manutenção de uma completa autonomia tributária - seja federativa ou nacional - em uma economia crescentemente globalizada. Capítulo 3 A Competição Tributária na Federação Brasileira 3.1 - INTRODUÇÃO O presente capítulo tem por objetivo analisar, a partir dos conhecimentos teóricos e a evidência empírica disponível apresentados nos capítulos anteriores, o processo competitivo interno da federação brasileira. É amplamente reconhecido que o País convive, atualmente, com um alto grau de competição tributária envolvendo diversos estados da federação. Essa competição se dá, sobretudo, visando a atrair investimentos privados mediante a concessão de benefícios fiscais do ICMS. Mais que isso, é importante frisar que o processo competitivo ocorre à margem da lei e, portanto, de forma totalmente descoordenada. Desse modo, não há estatísticas nem estimativas confiáveis sobre o impacto da competição tributária sobre o bem-estar da população brasileira e sobre outras variáveis econômicas e sociais, o que torna de suma importância qualquer iniciativa de estudo e análise sobre a matéria em questão. 57 De fato, como adverte Vito Tanzi (1996), “the current tax systems of many countries are largely the product of a period (before, during and immediately after the Second World War) when economies were closed and capital movements were much limited. Because they do not reflect yet, or fully, recent economic development, there is ample scope for individuals to exploit these differences and for some countries to try to take advantage of opportunities to attract taxable bases from other countries to them. We thus observe a process that, at times, has been described as tax degradation...” 53 No entanto, além dessa competição tributária estadual, conhecida popularmente por “guerra fiscal” e que aqui denominamos de Competição Tributária Horizontal, também existe, no Brasil, um processo competitivo entre a União e os governos subnacionais, que será denominado de Competição Tributária Vertical. Esse último tipo de competição, desconhecido pela população em geral, ocorre mediante a manipulação do mecanismo de transferências de recursos intergovernamentais. Assim, pela priorização da arrecadação de receitas não partilháveis, sobretudo das contribuições sociais, o Governo Federal consegue alterar o volume de recursos repassados a estados e municípios, diminuindo a receita disponível desses governos. Portanto, dada a importância e a abrangência que a competição tributária vem atingindo dentro da federação brasileira, a análise será realizada da seguinte forma: primeiramente, será apresentada uma descrição do sistema tributário brasileiro, de modo a solidificar conceitos e fornecer informações estatísticas relevantes para o debate do tema; a seguir, o estudo do processo competitivo envolverá uma abordagem sobre seus principais antecedentes e motivações, uma análise sobre a competição tributária vertical e, por fim, a avaliação dos impactos da competição tributária horizontal na eficiência econômica e no bem-estar social do País. 3.2 - UMA BREVE DESCRIÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO O Brasil, na condição de país federativo, constitui-se de três níveis governamentais que gozam de independência e autonomia política, administrativa e financeira: a União ou Governo Federal, vinte e seis Estados e um Distrito Federal58 e pouco mais de 5.500 Municípios. No que se refere às receitas tributárias, cada nível governamental tem o direito de instituir os impostos que lhe são constitucionalmente atribuídos e que pertençam à sua competência privativa. Isto é, a Constituição define claramente a atribuição das receitas tributárias a cada esfera de governo, não havendo possibilidade de sobreposição de competências em relação aos impostos e às contribuições sociais. No entanto, é comum às três esferas a competência para instituir taxas (pelo exercício do poder de polícia e pela prestação de serviços públicos), contribuição de melhoria e contribuição para custeio da previdência e assistência social de seus servidores59. De modo a fornecer uma visão geral do Sistema Tributário Brasileiro, a Tabela 3.1 sintetiza as competências tributárias por categoria de tributo e por nível de governo. 58 O Distrito Federal possui uma estrutura institucional similar à dos Estados. Neste trabalho, todas as referências a Estados aplicam-se igualmente ao Distrito Federal. 59 O Sistema Tributário Brasileiro está definido na Constituição Federal de 1988, Título VI, Capítulo I, artigos 145 a 162. Note que a Emenda Constitucional nº 03/93 alterou alguns artigos originalmente constantes da CF/88. 54 TABELA 3.1 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CATEGORIA Comércio Exterior GOVERNO União União Patrimônio Renda e Estados Municípios União Produção e Circulação Estados Municípios União Contribuições 1 Sociais TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO Imposto sobre Importação - II Imposto sobre Exportação - IE Imposto sobre a Renda - IR Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU Imposto sobre Transmissão Inter Vivos - ITBI Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI Imposto sobre Operações Financeiras - IOF Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS Imposto sobre Serviços - ISS Sobre a Folha de Pagamentos - INSS Para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS Para o Programa de Integração Social - PIS Para a Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP Sobre Movimentação Financeira - CPMF Sobre o Lucro Líquido - CSLL Sobre salários para custeio da previdência de seus funcionários Estados e Municípios Fonte: Constituição Federal de 1988 1 As contribuições sociais, que são receitas vinculadas à área de Seguridade Social, podem ter três bases de cálculo: folha de pagamentos, lucro ou faturamento. Todas essas bases têm sido, de fato, utilizadas no financiamento da Seguridade Social, que compreende a Previdência, a Saúde e a Assistência Social. Um dos principais problemas existentes em qualquer federação diz respeito à distribuição das bases tributárias entre os governos e a posterior repartição da receita tributária (tax assignment problem). Sem dúvida, o desenho federativo exerce papel fundamental sobre a possibilidade de ocorrência de competição tributária entre os diversos governos. De modo a minimizar esse problema, a teoria econômica sugere alguns critérios básicos que servem para orientar a atribuição de receitas intergovernamentais, maximizando os níveis de eficiência e eqüidade do sistema tributário, entendidos, respectivamente, como a minimização do custo de arrecadação dos tributos e a adequação entre receitas e gastos60. Analisando-se a Tabela 3.1, pode-se afirmar que a prática brasileira de atribuição de receitas não está muito distante das recomendações teóricas. De fato, o imposto sobre a renda, as 60 Em geral, sugere-se que impostos com finalidade redistributiva sejam centralmente administrados. Também são mais adequados ao Governo Federal impostos com objetivos de estabilização ou de caráter regulatório da atividade econômica, além daqueles que incidem sobre bases distribuídas irregularmente pelo território nacional ou sobre fatores extremamente móveis. No entanto, vale mencionar que essas recomendações teóricas são bastante discutíveis. Na prática, a atribuição de receitas ocorre em função de vários outros fatores, dependendo do próprio grau de descentralização do sistema federativo e dos condicionantes políticos e históricos do país. 55 contribuições e os impostos regulatórios (operações financeiras e comércio exterior) estão sob competência federal. Os estados arrecadam o imposto geral sobre o consumo e os municípios arrecadam impostos sobre serviços e sobre parte do patrimônio (apenas imóveis urbanos). Entretanto, vale a pena mencionar algumas características peculiares ao sistema brasileiro. Em primeiro lugar, o ITR, incidente sobre um fator de natureza imóvel, que teoricamente deveria ser cobrado pelos governos locais, é administrado pela União. Isso porque esse imposto passou à competência federal a partir da reforma tributária de 66, para ser usado como instrumento de incentivo à utilização produtiva da terra e para fins de reforma agrária. É discutível se, após essas três décadas, o Governo Federal conseguiu atingir esses objetivos. A priori, poderia-se dizer que não; porém, é muito provável que, caso estivesse sob competência municipal, o imposto seria administrado de acordo com critérios políticos, distorcendo a tributação da terra no Brasil. Outra característica peculiar do sistema brasileiro que foge à tradição internacional é o fato de existirem dois impostos sobre o consumo, do tipo valor agregado, administrados por níveis distintos de governo: o IPI, que incide apenas sobre bens industrializados, e o ICMS, que incide sobre a circulação de bens em geral e alguns serviços específicos. Em verdade, as bases desses dois impostos são muito semelhantes, bem como seus métodos de apuração, o que permitiria uma consolidação dos mesmos em um único tributo, de modo a obter-se maior racionalidade econômica e menor custo administrativo, tanto para o setor público como para o privado. A existência de dois impostos do tipo valor agregado representa fator que muito contribui para a complexidade e ineficiência de sistema tributário brasileiro. No entanto, a ineficiência da tributação do consumo não pára por aí. Além do IPI e do ICMS, também incidem sobre os bens e serviços o ISS, a COFINS e o PIS/PASEP61. Assim, o consumo é tributado pelas três esferas de governo, de modo complexo, sujeitando-se, inclusive, à tributação em cascata. Desde já, é importante mencionar que reside neste ponto um dos maiores (senão o maior) problemas federativos e de competição tributária do Brasil, assunto que será detalhadamente discutido na seção 3.3 deste capítulo. Além da atribuição de competências tributárias, a Constituição também estabelece regras de partilha e de transferências intergovernamentais de receitas, com o principal objetivo de corrigir desigualdades regionais. Em verdade, o Brasil, em função de sua grande extensão territorial e diversidade regional, possui sérios desequilíbrios verticais e horizontais em seu federalismo. O sistema de transferências visa a mitigar esses problemas, adequando a disponibilidade de receitas às responsabilidades de despesas entre os três níveis governamentais e repassando recursos das jurisdições mais desenvolvidas para aquelas com menor potencial 61 A COFINS e o PIS/PASEP, apesar de formalmente incidirem sobre o faturamento das empresas, são facilmente repassados para os preços dos bens e serviços, onerando, em última instância, o consumidor final. Vale mencionar, além disso, que essas contribuições têm a indesejável característica de possuir incidência em cascata. 56 econômico-tributário. Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as constitucionais, que são automaticamente realizadas após a arrecadação dos recursos, e as não constitucionais, que dependem de convênios ou vontade política entre governos. As transferências constitucionais podem ser classificadas em transferências diretas (repasse de parte da arrecadação para determinado governo) ou transferências indiretas (mediante a formação de fundos especiais). No entanto, independentemente do tipo, as transferências sempre ocorrem do governo de maior nível hierárquico para os de níveis inferiores, quais sejam: União para Estados; União para Municípios; ou Estados para Municípios. A Tabela 3.2 mostra os impostos que são transferidos diretamente a Estados e Municípios e seus respectivos percentuais de repasse. Por sua vez, a Tabela 3.3 apresenta os fundos constitucionais, mediante os quais se realizam as transferências indiretas, que são compostos pela arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre a Renda (IR)62. TABELA 3.2 TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DIRETAS GOVERNO IMPOSTO TRANSFERIDO RECEPTOR Estado ou Renda retida na fonte pelos governos estaduais ou Município municipais União Estados Operações Financeiras (sobre o Ouro) Municípios União Municípios Propriedade Territorial Rural Estados Municípios Circulação de Mercadorias e Serviços Estados Municípios Propriedade de Veículos Automotores Fonte: Constituição Federal de 1988 GOVERNO DOADOR União PERCENTUAL TRANSFERIDO 100% 30% 70% 50% 25% 50% TABELA 3.3 TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS INDIRETAS (FUNDOS) 1 TIPO DE FUNDO Participação dos Estados e DF (FPE) Participação dos Municípios (FPM) Compensação das Exportações (FPEx) Financiamento da Região Norte (FNO) Financiamento da Região Nordeste (FNE) Financiamento da Região Centro-Oeste (FCO) TOTAL Fonte: Constituição Federal de 1988 TRIBUTO FEDERAL IR (%) 21,5 22,5 0,6 1,8 0,6 47,0 IPI (%) 21,5 22,5 10,0 0,6 1,8 0,6 57,0 1 Em 1996, foi aprovado, adicionalmente, o Fundo de Compensação das Exportações de Manufaturados, que deverá viger em caráter temporário, com o objetivo de compensar os Estados e o Distrito Federal pelas perdas advindas da recente desoneração do ICMS sobre a exportação de produtos primários e semi-elaborados. 62 A Tabela 3.5 da seção 3.3.2 deste capítulo, apresenta dados relativos às transferências federais a Estados e Municípios para o ano de 1997. 57 Este novo fundo tem critérios de formação baseados na evolução das receitas totais de cada Estado. No que se refere à composição e distribuição da carga tributária, as Tabelas 2 e 3 do Apêndice IV consolidam os dados utilizados nesta seção. Em 1997, o total de receitas arrecadadas pelos três níveis de governo somou R$ 241 bilhões, correspondendo a 27,81% do PIB. A União participou com 68,61% desse montante, enquanto que Estados e Municípios foram responsáveis por 27,06 e 4,34% da carga tributária, respectivamente. É inegável que essa composição tem reflexos sobre o processo de competição tributária no Brasil. De fato, a guerra fiscal estadual não ocorre por acaso. O ICMS é o imposto de maior importância arrecadatória do País, representando quase o valor de todo o Orçamento Fiscal da União63. Além disso, esse imposto é de vital relevância para as finanças públicas estaduais, pois representa cerca de 90% das suas receitas totais. Assim, a importância financeira do ICMS pode explicar a forte competição tributária existente entre os Estados na administração desse imposto, pois quanto maiores os recursos disponíveis, maior a possibilidade de se atrair fatores produtivos mediante a concessão de benefícios fiscais para os contribuintes. Ademais, vale notar que houve uma forte tendência de crescimento das receitas da seguridade social durante os anos 90, em detrimento do Orçamento Fiscal e das receitas estaduais. A explicação para tal fato é simples: o incremento das contribuições sociais, que são receitas não compartilhadas com os governos subnacionais, foi resultado da reação do Governo Federal à descentralização de recursos promovida pela Constituição de 1988. Vê-se aqui, um tipo de competição tributária intergovernamental, diretamente relacionada às forças políticas de cada governo na determinação da competência tributária e na capacidade de um governo de mudar o perfil de sua arrecadação de modo a não partilhar recursos com os demais64. Quanto à distribuição da carga tributária, verifica-se que a União é doadora de recursos para toda a federação, pois arrecadou 66,15% da carga tributária líquida65 e repassou mais de 10% aos níveis subnacionais de governo. Os Estados, que recebem recursos da União mas também repassam recursos aos Municípios, transferem uma pequena parte de suas receitas para os níveis locais de governo. Os Municípios são, portanto, os grandes receptores do sistema brasileiro de transferências. Vale notar que, em função do próprio desenho do mecanismo de transferências constitucionais, toda a arrecadação disponível da União é proveniente de suas receitas próprias. Os Estados, por esforço próprio, arrecadam cerca de 80% de suas receitas disponíveis, enquanto que, para os Municípios, esta relação é de apenas 27,75%. É importante ressaltar que esse é um indicador médio, isto é, há Municípios que possuem arrecadação própria em nível satisfatório, mas, na verdade, a grande maioria é dependente do repasse das transferências. 63 A seção 3.3.3, intitulada “Competição Tributária Horizontal”, dedica-se à análise desse assunto. Essa competição existente entre os distintos níveis de governo encontra-se detalhadamente analisada na seção 3.3.2 deste capítulo, intitulada “Competição Tributária Vertical”. 65 Note que a Tabela 2 do Anexo IV refere-se à carga tributária bruta e a Tabela 3 trabalha com o conceito de carga tributária líquida. A diferença entre ambas corresponde aos incentivos fiscais (FINOR, FINAN, FUNRES, PIN/PROTERRA), às restituições/retificações e aos saques do FGTS. 64 58 Por último, vale mencionar dois problemas básicos relacionados aos critérios de transferências no Brasil. O primeiro diz respeito ao baixo incentivo dispensado ao esforço próprio de arrecadação, pois os critérios de transferência não consideram o desempenho tributário como um dos fatores que determinam o montante de recursos intergovernamentais a ser descentralizado. O segundo relaciona-se às regras de divisão de recursos entre municípios, que privilegiam aqueles de menor porte, incentivando a criação de novos municípios que, dessa forma, já nascem com sua fonte básica de receitas assegurada, independente de qualquer esforço próprio de arrecadação. Releva mencionar que o número de municípios existentes antes da Constituição de 1988 era de 4.112 e, atualmente, esse número é de 5.507 municípios, o que representa um crescimento de 34% em uma década. Vale mencionar que essa maior quantidade de municípios tem implicado a ineficiência na prestação dos serviços públicos por parte desses governos. De fato, segundo Sampaio de Sousa e Ramos de Sousa (1998), “Isso ocorre porque, aparentemente, municípios excessivamente pequenos não exploram as economias de escala que caracterizam muitos dos serviços públicos e, portanto, não utilizam de maneira ótima os recursos disponíveis”. 3.3 - UMA ANÁLISE DA COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA 3.3.1 - ANTECEDENTES E PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES A competição tributária não é um processo recente no Brasil, pois existem registros de “guerra fiscal” estadual já nos anos 70, ou seja, poucos anos após a criação do ICM. Não foi por acaso que, em 07 de janeiro de 1975, foi aprovada a Lei Complementar nº 24/75, que regulamentou a concessão de benefícios fiscais desse imposto e teve o claro objetivo de impedir a proliferação das práticas competitivas estaduais. Assim, a LC 24/75 somente autoriza a concessão de isenções ou quaisquer benefícios tributários do ICM mediante celebração de convênio entre os Estados, sendo que a decisão deve ser tomada por unanimidade em reunião que possua a maioria das Unidades Federativas (que passou a ser o Conselho de Política Fazendária – CONFAZ, órgão que reúne os Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal, instituído pela própria LC 24/75). No entanto, é desnecessário dizer que, na prática, essa LC vem sendo desrespeitada, até mesmo porque, se assim não fosse, não estaríamos falando sobre competição tributária do ICM(S). Mais do que isso, esse processo competitivo vem se agravando em anos recentes, sem nenhuma ação efetiva por parte da União ou dos governos subnacionais que possa coibi-la. De fato, conforme bem documentado no trabalho de Cavalcanti e Prado (1998)66, a guerra fiscal do ICM(S) tem dois grandes surtos no Brasil: um, que vai da segunda metade dos anos 60 até 1975, e outro (o atual) a partir do início dos anos 90. Segundo os autores, “Remonta pelo menos aos anos 60 a utilização, pelos governos estaduais, de isenções, reduções e diferimentos tributários como recurso para alavancar a industrialização regional. Após um período de maior intensidade e evidência, na segunda metade dos anos 60, esse tipo de prática aparentemente perde ímpeto e desaparece dos debates e da mídia. No início dos anos 90, ele retorna de forma inicialmente tímida para depois explodir, a partir de 1993/94, em grande polêmica nacional”. 66 O mencionado trabalho traz uma excelente retrospectiva histórica sobre a guerra fiscal do ICMS. 59 Assim, torna-se importante identificar e analisar as razões que explicam o surgimento e o acirramento desse ambiente competitivo no Brasil. Dentre os fatores que colaboraram para o surgimento da competição, podemos citar: a falta do aparato institucional necessário para a discussão e resolução dos conflitos federativos; a concessão da competência do ICMS aos estados; a adoção do princípio da origem na apropriação de receitas do ICMS; e, por fim, a falta de uma efetiva política industrial no país, que acaba por ser “compensada” pela política tributária. Quanto às razões que justificam o acirramento do processo competitivo nos anos 90, destacam-se a ampliação paulatina da autonomia estadual; a disputa pelo surto de investimentos estrangeiros e nacionais ocorrido nesta década; e, por último, a crise financeira dos estados. Dada a importância do estudo dessas questões para o entendimento do conflito competitivo no País, passamos, a seguir, a analisá-las de forma mais detalhada. • A falta do aparato institucional necessário para a resolução dos conflitos federativos Antes de mais nada, é necessário atentar-se para o tipo de federação “instituída” no Brasil. O pacto federativo não surgiu da vontade própria de agregação de vários Estados ou Colônias independentes, como é o caso das federações genuínas, mas sim da subdivisão do Poder Unitário Imperial em três esferas de governo, de modo a facilitar a administração e a manter a unificação do território nacional. Isto é, em última instância, a federação nasce para atender aos interesses da Coroa Portuguesa e, portanto, do ponto de vista das recém-criadas unidades federativas brasileiras, existe uma certa carência do motivo primordial que deve justificar o surgimento e manutenção de qualquer federação: o porquê e com qual finalidade o pacto federativo deve ser sustentado, especialmente quando se necessita, de modo substancial, de que algumas jurisdições financiem outras por período indeterminado de tempo. Essa questão parece inocente e simplista, mas não é. De fato, a teoria econômica, com raras exceções, baseia-se em um suposto: os agentes são egoístas, seja visando a maximização de seu bem-estar pessoal ou de seus lucros. Então, o que justificaria que alguns estados devam, altruisticamente, ceder parte da arrecadação coletada em sua jurisdição em prol de outros estados, sem receber nenhum retorno? Em outras palavras, por que os estados deveriam abrir mão de agir como agentes econômicos tradicionais? Esse é um ponto muito importante a ser analisado, pois a Competição Tributária é, justamente, o resultado da ação de Estados que visam a obter ganhos individuais, mesmo quando a federação como um todo incorre em perdas. Estariam eles errados de seu ponto de vista particular? A respeito dessa questão, Cavalcanti e Prado (1998) afirmam que “lutar por interesses próprios de forma não cooperativa é inerente a agentes federativos: a Federação é, nesse sentido, intrinsecamente conflituosa, composta por agentes em grande, e bem grande medida, competitivos entre si, o que exige a presença de um agente regulador das relações federativas - o governo central em conjugação com o Congresso. Este deve ser, no mínimo, o patrocinador de todo um corpo jurídico que regula esses conflitos, de forma a, se possível, impedir que iniciativas individuais dos governos subnacionais gerem 60 prejuízos para o conjunto da sociedade e, quando inevitáveis, miminizar ou equalizar os seus efeitos perversos sobre os demais agentes”. Na verdade, essa função reguladora deveria ser exercida por um tipo de “fórum federativo”, onde seria travada uma permanente discussão, ampla e democrática, visando a solucionar os problemas individuais de cada governo, desde que respeitados os interesses maiores da federação. Essa solução cooperativa e harmônica é muito pouco desenvolvida no Brasil, haja vista a inexistência de um órgão específico, com representantes dos três níveis governamentais, responsável pelo tratamento da questão federativa67. Assim, seria praticamente impossível deixar de apontar a falta de tradição acerca do debate federativo como uma causa básica do surgimento da competição tributária no País. Ademais, não se pode dizer que a União ou o Congresso Nacional venham exercendo satisfatoriamente um papel orientador ou regulador das relações federativas. Apesar do Governo Federal sempre ter desempenhado papel de fundamental importância para a sustentação da federação brasileira, sua atuação tem sido mais voltada à realização de transferências intergovernamentais de recursos e, no passado, à definição e alocação de investimentos no território nacional68. O Congresso, por sua vez, possuindo sérios problemas de representatividade de Estados, não tem sido o fórum político adequado para uma discussão séria dos problemas federativos. Em verdade, o Brasil ainda está carente do aparato institucional necessário para a consolidação da sua estrutura federativa. De fato, analisando essa questão de uma forma um pouco mais ampla, pode-se dizer que o problema da competição tributária, como tantas outras questões brasileiras, origina-se, em algum grau, da desconexão entre a teoria e a realidade, resultando na implementação de modelos para os quais o País ainda não está preparado em termos institucionais. Assim, como resultado, o Brasil convive com dois tipos de comportamento: ou, simplesmente, ignora-se as regras, ou o cumprimento das regras gera ineficiências. Por exemplo, a competição tributária, além de desrespeitar a obrigação de decisão unânime do CONFAZ na concessão de benefícios fiscais, tem como origem regras que desconsideraram a realidade nacional, como a adoção de um imposto tipo IVA em nível estadual quando a própria federação ainda não tinha a maturidade e as instituições necessárias para tal. • A concessão da competência do ICMS aos estados e a adoção do princípio da origem Outros dois motivos que também colaboraram para o surgimento da competição tributária brasileira foram a concessão do principal IVA da economia aos governos estaduais e a adoção do princípio da origem em sua cobrança (em verdade, um regime misto, que será analisado mais adiante). A Reforma Tributária de 66 instituiu o Imposto 67 O Conselho de Política Fazendária (CONFAZ), além de agregar somente os representantes de Estados, reduziu-se a um papel meramente formal, sem nenhuma eficácia na resolução dos conflitos federativos interestaduais. Essa questão será abordada de modo mais detalhado na seção 3.3.3. 68 Vale lembrar que o processo de industrialização do País, iniciado a partir dos anos 50, foi sustentado pela ação do Governo Federal, seja pela criação das grandes empresas estatais (CSN, Petrobras, etc.), seja pela atração de investimentos privados internacionais (como as indústrias automobilísticas). 61 sobre Circulação de Mercadorias (ICM) em substituição ao Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), que também era de competência estadual. Posteriormente, a Constituição de 88 ampliou o ICM, transformando-o em ICMS pela inclusão, em sua base, dos antigos Impostos Únicos que estavam sob competência federal. Desse modo, ao longo de sua existência, o ICM(S) transformou-se em um imposto amplo e economicamente poderoso, arrecadando cerca de 7% do PIB durante os anos 90. Para se ter uma idéia comparativa, a média da carga tributária do ICM, nos anos 70 e 80, foi de 5,47% e 4,93% do PIB, respectivamente. Assim, ao contrário da experiência internacional, onde o IVA tem sido instituído em nível central, o Brasil optou pela sua criação, manutenção e ampliação em nível subnacional. É bem verdade - e não se pode negar - que o Brasil foi um dos países pioneiros na adoção de um imposto tipo IVA, ainda nos anos 60, onde o padrão mundial era a tributação do consumo em cascata69. Desse modo, não existia uma “experiência internacional” na época e o País ainda estava no começo de sua industrialização (incentivada e ditada pela União), o que tornava difícil prever uma futura competição tributária estadual por atração de investimentos. No entanto, ao longo dos anos, a concessão de um imposto de tamanha importância econômica para os Estados, conjugada à adoção do regime de origem (que acabou por privilegiar os estados mais ricos e industrializados), gerou as condições necessárias para o surgimento de uma competição tributária interestadual70. Neste ponto, cabe realizar uma importante análise sobre o regime de tributação do ICMS. Em verdade, apesar de ser popularmente apresentado como um imposto sobre o consumo, o ICMS ainda é um imposto sobre a produção. O regime de tributação escolhido foi um misto entre a origem e o destino, de modo a evitar a grande concentração da arrecadação em poucos estados ricos71. Apesar desse sistema misto, onde os estados consumidores apropriam-se da diferença entre a alíquota interestadual e a interna, a forte concentração da produção e do consumo nos estados mais ricos tem aproximado o ICMS do regime de origem (afinal, a alíquota interestadual é positiva, apesar de inferior à interna). Além disso, somente há pouco tempo, 69 Em verdade, há uma discussão sobre qual país teria instituído, primeiramente, um IVA, imposto hoje de utilização generalizada e adotado por mais de 100 países. Brasil e França são os candidatos mais fortes a esse “título”. 70 A Constituição de 67 colocou nas mãos do Senado Federal a competência para fixar as alíquotas do imposto, como uma forma preventiva de evitar a guerra fiscal. No entanto, ao longo dos anos, os Estados foram ganhando - e descobrindo - mecanismos que ampliaram sua autonomia de legislar sobre o imposto ou de contornar as restrições existentes. Por exemplo, a Constituição de 88 passou a permitir que os Estados pudessem fixar, mediante lei própria, suas alíquotas internas e extinguiu a possibilidade da União conceder, à revelia dos Estados, isenções sobre o ICMS. Além disso, os Estados descobriram que, apesar de “deverem satisfação” ao Senado quanto à alteração das alíquotas interestaduais, nada os impedia de alterar, arbitrariamente, a base de cálculo do imposto - o que virou mania nacional, por gerar o mesmo resultado da mudança da alíquota nominal: a alteração da alíquota efetiva. A exigência de decisão unânime no CONFAZ para a concessão de benefícios fiscais também tem sido completamente desconsiderada, sem nenhum tipo de penalidade. 71 Para isso, instituiu-se uma alíquota para transações interestaduais inferior à alíquota aplicada sobre as operações internas. Assim, quando a transação é realizada das regiões Sul e Sudeste para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a alíquota aplicada é de 7%; nas demais transações interestaduais, a alíquota é de 12%. Apenas para referência do leitor, as alíquotas “normais” são de 17% ou 25%. 62 mediante a Lei Complementar 87/96, as exportações foram isentadas do ICMS e a aquisição de bens para o ativo permanente passou a ter direito a crédito do imposto. Desse modo, o ICMS passou a ser mais parecido com um IVA sobre o consumo, representando um avanço na legislação do imposto. No entanto, o regime da origem ainda permanece sendo um grande obstáculo a ser superado, pois é um dos principais fatores que estimulam a competição interestadual. Isso porque a arrecadação do ICMS de um estado não está vinculada ao pagamento do imposto por parte de seus residentes e sim por parte de todos aqueles (residentes ou não) que compram as mercadorias produzidas no estado. Dessa forma, os estados exportadores são beneficiados em detrimento dos estados importadores, o que, no caso brasileiro, refere-se especialmente a São Paulo. Assim, qualquer estado arrecada mais em função de sua produção do que de seu consumo, o que gera todo o incentivo de atrair empresas para sua jurisdição. Surge aí, portanto, uma importante razão que explica a guerra fiscal no País. Conforme Prado e Cavalcanti (1998), “O princípio da origem é a condição essencial que permite ao governo local negociar com cada empresa as condições e eventualmente a própria obrigatoriedade do recolhimento do imposto. Mesmo na situação extrema em que toda a produção seja exportada para outras unidades da Federação - há muitos casos próximos disso -, o governo que sedia a produção tem a possibilidade real de, como destinatário legal da arrecadação, eventualmente conceder incentivos, diferimentos e isenções do imposto”. Em outras palavras, a adoção do sistema de destino praticamente acabaria com a guerra fiscal do ICMS. As vantagens da adoção do destino estão bem colocadas por Varsano (1996): “Essa sistemática não elimina de todo a guerra fiscal, mas impõe fortíssima restrição à eficácia dos incentivos do ICMS. Como todas as saídas de mercadorias destinadas a outros estados ou ao exterior não são tributadas, não servem de base para a concessão de incentivos. A única forma possível de conceder benefício fiscal para atrair empreendimentos é a redução do imposto a recolher, cujo valor agora depende do volume de vendas da empresa para dentro do estado”. • A falta de uma efetiva política industrial no País A falta de uma política industrial, que possa efetivamente solucionar os problemas gerados pela extrema concentração econômico-industrial brasileira, é fator que também está na origem do problema competitivo no País. Para se ter uma idéia da grandeza dessa concentração, basta mencionar que a região Sudeste foi responsável, em 1997, por 56% do PIB brasileiro, sendo que somente São Paulo deteve 61% do PIB regional72. Dessa forma, é natural que os novos investimentos que vêm ao País sejam direcionados aos estados mais ricos, que já detêm toda a infra-estrutura necessária para viabilizar a inversão financeira. Cria-se, portanto, um círculo vicioso que deixa os estados pobres à margem do desenvolvimento industrial brasileiro. De modo a incentivar essas regiões menos favorecidas, o Governo Federal, tradicionalmente, ditou a alocação de recursos fiscais e o direcionamento dos investimentos no País. Essa 72 Os dados relativos ao Produto Interno Bruto para os demais Estados brasileiros encontram-se na Tabela 3.4. 63 atitude é plenamente coerente com um período histórico de centralização de poder. Alguns bons exemplos dessa política são a criação da SUDENE, da Zona Franca de Manaus e dos fundos de incentivo às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, todos utilizando benefícios fiscais com o objetivo de “levar o desenvolvimento ao interior do País”. Entretanto, com a descentralização de receitas e a crise fiscal da União, esse papel “orientador” perde importância e, na falta de um padrão planejado e coordenado de desenvolvimento industrial, cada Estado ou Município se vê na condição, ou até mesmo na “obrigação”, de atrair investimentos de forma própria, visando unicamente seus interesses particulares. Para atingir esse objetivo, o instrumento mais utilizado tem sido o incentivo tributário às empresas, valendo-se da ampla autonomia de que os governos subnacionais desfrutam ao amparo da própria Constituição Federal73. Assim, possuindo competência sobre o ICMS e autonomia suficiente para alterar suas alíquotas efetivas (mesmo que, algumas vezes, à margem da lei), os estados estão utilizando a política tributária como substituta da política industrial. Em certo sentido, esse tipo de “substituição” tem sido um padrão recorrente no Brasil, que, na incapacidade de adotar efetivas políticas sociais e desenvolvimentistas, acaba sempre por usar o sistema tributário para compensá-las. De fato, o Brasil e tantos outros países já tentaram resolver a questão distributiva via tributação e não obtiveram sucesso. Repetir a mesma estratégia, utilizando o sistema tributário como substituto da política industrial, seria incorrer no mesmo erro. Torna-se urgente, portanto, que o País discuta e implemente um projeto efetivo de desenvolvimento industrial, que possa permitir que cada estado se desenvolva de acordo com suas vantagens comparativas, pois, indubitavelmente, a tributação não é o instrumento mais adequado para definir a localização de investimentos privados. Do contrário, o País estará, simplesmente, renunciando receitas tributárias com vistas a incentivar uma alocação distorcida de recursos. • A ampliação paulatina da autonomia estadual Passando a analisar os fatores que justificam o acirramento da disputa competitiva nos anos 90, não há como deixar de mencionar que o crescente fortalecimento da autonomia estadual desempenha papel de grande relevância. Podese considerar de amplo conhecimento o fato de que a Constituição Federal de 88 aumentou a autonomia tributária-financeira dos Estados ao mesmo tempo em que retirou da União alguns antigos controles sobre disputas interestaduais (como o poder 73 Assim, por mais que se discuta a legitimidade desse mecanismo competitivo, é inegável que ele é fruto das próprias estruturas legal e econômica brasileira e, do ponto de vista de um agente econômico tradicional, cada estado está apenas buscando maximizar o bem-estar de seus cidadãos. No entanto, na falta de avaliações de custo-benefício da concessão dos benefícios tributários e devido ao padrão totalmente descoordenado no qual o processo competitivo tem se desenvolvido - muitas vezes à margem da lei - o que, provavelmente, está ocorrendo é uma perda de eficiência para a economia brasileira. 64 de conceder isenções sobre o ICMS à revelia dos Estados, por exemplo)74. No entanto, uma análise mais meticulosa mostra que o processo de descentralização já vinha ocorrendo há alguns anos, podendo a Carta de 88 ser considerada como seu ápice. O ponto crucial é que, ao longo dos anos, a federação brasileira foi “construindo” uma estrutura legal extremamente conivente, e até mesmo indutora, da competição tributária interestadual. Assim, já estando amadurecidos os fatores estruturais para o surgimento do processo competitivo, que foram acima analisados, o aumento da autonomia estadual, especialmente após da CF/88, agiu como um catalizador do conflito que, de fato, aflorou no início dos anos 90. • A disputa pelo novo surto de investimentos estrangeiros e nacionais Outro fator que pode ser considerado como de natureza conjuntural e que explica o acirramento do atual processo competitivo é o surto de investimentos estrangeiros e nacionais ocorrido nesta década. De fato, após a crise dos anos 80, os investimentos estrangeiros diretos voltaram a se direcionar ao Brasil a partir do começo desta década. Como já foi analisado anteriormente, na ausência de uma política industrial nacionalmente estruturada, cada estado resolveu fazer o seu próprio programa de atração de investimentos, mediante a utilização de um instrumento pouco transparente e questionável: a concessão de benefícios tributários e financeiros. Além disso, em decorrência do aumento da atividade econômica interna a partir de 1994, com a estabilidade da moeda, os investimentos nacionais também apresentaram crescimento. Assim, esse aumento nas inversões nacionais e estrangeiras tem gerado um verdadeiro leilão entre os Estados brasileiros, pois o empresário percorre todos aqueles estados que são de seu interesse (isto é, que podem oferecer condições satisfatórias e desejáveis para a localização de sua planta industrial) buscando saber qual ofertará os maiores benefícios. Sem dúvida, quanto menor a infra-estrutura de um estado, maior deverá ser o lance para permanecer na disputa, o que pode ser bastante perverso para os estados mais pobres. • A crise financeira estadual Por último, outro motivo que tem colaborado para o agravamento da guerra fiscal é um irônico paradoxo relacionado à crise financeira dos Estados. Encontrando-se em difícil situação orçamentária, os Estados vêem na competição tributária uma possível solução para esse problema, pois, mediante a atração de investimentos, podem aumentar a produção e gerar empregos. Além disso, novos investimentos são sempre politicamente muito favoráveis, especialmente quando os governantes estão publicamente desgastados na administração de um estado financeiramente insolvente. Entretanto, sem estudos de custo-benefício bem elaborados e sem uma visão mais 74 Segundo Cavalcanti e Prado, “A reconquista do espaço de representação política no Congresso Nacional, somada ao aumento significativo das receitas próprias - em particular do ICMS agora fortalecido pela incorporação dos antigos impostos únicos - dá aos estados autonomia suficiente para decidir por seus próprios destinos. Conseqüentemente, há um esgarçamento progressivo da capacidade coercitiva do governo federal e a fragilização do caráter impositivo das regras do CONFAZ”. 65 ampla do futuro, o que pode acabar ocorrendo é o próprio agravamento da crise financeira do Estado, pois além da renúncia tributária, geralmente um programa de atração de investimentos vem acompanhado de gastos públicos relevantes, como cessão de terrenos, financiamento de infra-estrutura e isenção do pagamento de taxas e tarifas públicas, dentre outros. A partir dessas considerações preliminares sobre a motivação da competição tributária na federação brasileira, passaremos a analisar e avaliar (quando possível, mediante a apresentação de dados e estimativas) os principais aspectos e conseqüências desse processo competitivo75. Para isso, trabalharemos com um conceito amplo de competição tributária, assim considerada qualquer ação realizada por um governo que, mediante a utilização de mecanismos de natureza tributária, acaba por influenciar as finanças públicas e/ou o bem-estar (dos cidadãos) de outro governo. Em outras palavras, analisaremos a competição tributária brasileira como um problema de externalidade. Muito provavelmente, conforme ficou demonstrado pela teoria econômica, estudada no capítulo 1 desta dissertação, esse efeito externo é negativo, no sentido de que as ações de um determinado governo, em ambiente competitivo, devem, a priori, prejudicar os demais entes federados. Nesse sentido, Varsano (1996) afirma que “a guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha - quando, de fato, existe um ganho - impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva”. Entretanto, em algumas situações específicas, é possível existir externalidades positivas em decorrência da competição tributária, como é o caso do efeito congestionamento relatado no Modelo de Gordon76. Considerando-se esse conceito, julgamos ser possível existir competição tributária não apenas entre governos de mesmo nível hierárquico, mas também entre diferentes esferas de poder. Essa visão mais ampla do fenômeno competitivo nos permite definir dois tipos básicos de competição tributária: vertical e horizontal, conforme ela se desenvolva entre diferentes níveis de governo ou dentro de um mesmo nível governamental, respectivamente. Assim, apesar da competição tributária horizontal ser a única amplamente reconhecida no Brasil, sendo popularmente chamada de “guerra fiscal”, a próxima seção irá mostrar que também existe uma luta por recursos entre os governos federal e subnacionais, dando origem à competição tributária vertical. 3.3.2 - COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA VERTICAL 75 Logicamente, a experiência brasileira tem suas especificidades, que devem ser consideradas em qualquer estudo sobre a matéria. Assim, o leitor deve possuir um conhecimento mínimo a respeito da estrutura e funcionamento do sistema tributário brasileiro e, por isso, recomendamos, quando necessário, a consulta à seção 3.2. 76 O efeito congestionamento refere-se ao Termo 3 do Modelo de Gordon, que se encontra analisado na seção 1.2.2 desta dissertação. A externalidade positiva ocorre caso a política tributária de um governo atraia para si fatores de produção de outro governo, deixando este último com melhores condições ambientais e serviços públicos menos congestionados. 66 A Competição Tributária Vertical (CTV) é aquela que se desenvolve entre diferentes níveis hierárquicos e tem sua origem na capacidade de alguns governos de exercer influência sobre as finanças públicas de outros governos devido às interrelações existentes entre eles. Dependendo do desenho federativo de cada país, é possível que esferas de governo distintas partilhem a arrecadação ou a fiscalização de um mesmo imposto, possuam bases tributárias que têm algum tipo de conexão entre si (por exemplo, quando a base de um imposto permite a dedução de outro imposto), administrem um imposto que depende da arrecadação de outro tributo (imposto adicional, por exemplo) ou realizem transferências de receitas intergovernamentais, dentre outras relações possíveis. Esses tipos de configurações, comuns em quase todas as federações, abrem espaço para a tomada de decisões tributárias, por parte de um governo, que geram externalidades em governos de outros níveis hierárquicos, podendo caracterizar-se como um tipo de competição tributária. No Brasil, a CTV tem sido uma prática bastante utilizada nos últimos anos, especialmente pela União, mediante alterações na partilha intergovernamental de receitas. De fato, como não há sobreposição de competências tributárias e cada governo tem ampla autonomia de gestão sobre seus impostos, o sistema de transferências de recursos é, praticamente, o único canal de “comunicação tributária” entre as esferas de governo. Entretanto, é um canal que não deve ser desprezado, dado o grande volume de recursos que movimenta e devido a sua importância para a maior parte dos governos subnacionais. Apesar das críticas plenamente cabíveis ao sistema de transferências brasileiro, o País não poderia prescindir desse tipo de mecanismo fiscal, dada a extrema concentração econômico-tributária existente em seu território. Nesse sentido, mostraremos como as transferências intergovernamentais desempenham papel de relevante importância para os governos subnacionais e como o aumento da descentralização de receitas está na origem do problema da CTV brasileira. As grandes variações de potencial econômico-tributário existentes no Brasil implicam um extremo desequilíbrio horizontal nas contas fiscais da federação. Em outras palavras, a concentração econômica leva à concentração da arrecadação tributária e, como conseqüência, à necessidade de financiar os estados mais pobres mediante um sistema de transferência de recursos. Conforme consta da tabela 3.4, as regiões Sudeste e Sul participaram, conjuntamente, com 76% da arrecadação total dos tributos estaduais. Essa concentração também se verifica para a arrecadação federal e municipal, implicando que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que detêm 25,8% do PIB e 42,7% da população nacional, arrecadam apenas 19,5% da carga tributária brasileira77. Percebemos, portanto, que a arrecadação tributária é ainda mais concentrada que a própria produção, o que faz com que grande parte dos Estados e Municípios brasileiros seja dependente do recebimento de transferências de recursos intergovernamentais. Essa tabela também apresenta a carga tributária estadual, isto é, 77 É importante frisar que, no caso da arrecadação federal, os dados apresentam uma distorção relativa à obrigatoriedade de centralização do pagamento do Imposto de Renda e da COFINS na matriz. Assim, uma empresa que possui filiais em todo o Brasil, mas tem sua sede em São Paulo acaba por recolher todo o tributo em São Paulo. 67 o montante total de tributos arrecadados no estado dividido por seu produto interno. Esse cálculo, no entanto, apresenta as distorções relativas à centralização do pagamento de tributos federais (vide nota de rodapé 77) e situações como a do Distrito Federal, que aparece como o “estado” de maior carga tributária do País. Isso se deve, contudo, ao fato de que recolhem imposto no DF contribuintes como o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, além do PIB distrital ser pequeno. TABELA 3.4 PRODUTO, POPULAÇÃO E CARGA TRIBUTÁRIA ESTADUAL CT-Tese, planilha Plan 9 em % ESTADO PIB (97) % Pop. (96) % Arrec Fed % Arrec Est % Arrec Mun % Arrec Tot % Carga Trib. REGIÃO NORTE 4,44% 7,20% 2,06% 4,36% 2,89% 14,31% 2,30% ACRE 0,16% 0,31% 0,06% 0,09% 0,07% 9,30% 0,08% AMAPÁ 0,13% 0,24% 0,05% 0,09% 0,07% 11,38% 0,06% AMAZONAS 1,16% 1,52% 1,09% 1,98% 1,38% 26,25% 0,77% PARÁ 2,01% 3,54% 0,57% 1,28% 0,85% 9,27% 1,02% RONDONIA 0,58% 0,77% 0,20% 0,58% 0,34% 12,71% 0,19% RORAIMA 0,08% 0,16% 0,04% 0,09% 0,06% 15,57% 0,05% TOCANTINS 0,32% 0,67% 0,06% 0,25% 0,13% 8,96% 0,14% REGIÃO NORDESTE 12,92% 28,90% 6,66% 12,76% 8,89% 15,14% 8,05% ALAGOAS 0,65% 1,70% 0,29% 0,61% 0,41% 13,95% 0,40% BAHIA 4,83% 8,15% 2,15% 4,15% 2,88% 13,13% 2,62% CEARÁ 1,72% 4,32% 1,12% 2,06% 1,45% 18,54% 1,15% MARANHÃO 0,94% 3,37% 0,33% 0,65% 0,46% 10,74% 0,58% PARAÍBA 0,65% 2,14% 0,41% 0,80% 0,54% 18,34% 0,33% PERNAMBUCO 2,24% 4,78% 1,48% 2,64% 1,91% 18,80% 1,94% PIAUÍ 0,51% 1,75% 0,27% 0,50% 0,35% 14,98% 0,19% RIO GRANDE DO NORTE 0,72% 1,67% 0,36% 0,76% 0,51% 15,55% 0,49% SERGIPE 0,66% 1,03% 0,25% 0,60% 0,38% 12,56% 0,34% REGIÃO CENTRO-OESTE 8,43% 6,64% 8,71% 6,85% 7,88% 20,57% 5,74% DISTRITO FEDERAL 2,44% 1,15% 6,98% 1,56% 4,79% 43,23% 2,25% GOIÁS 2,73% 2,86% 1,02% 2,63% 1,63% 13,13% 1,74% MATO GROSSO 1,41% 1,41% 0,40% 1,54% 0,82% 12,73% 0,65% MATO GROSSO DO SUL 1,85% 1,22% 0,31% 1,12% 0,64% 7,65% 1,10% REGIÃO SUDESTE 55,96% 42,40% 70,80% 61,08% 67,36% 26,48% 70,77% ESPÍRITO SANTO 1,51% 1,77% 2,50% 2,68% 2,50% 36,43% 1,35% MINAS GERAIS 9,79% 10,57% 6,22% 9,39% 7,43% 16,71% 7,83% RIO DE JANEIRO 10,60% 8,45% 14,07% 8,87% 12,32% 25,56% 15,51% SÃO PAULO 34,06% 21,61% 48,00% 40,13% 45,11% 29,14% 46,08% REGIÃO SUL 18,25% 14,86% 11,77% 14,95% 12,97% 15,64% 13,14% PARANÁ 6,82% 5,70% 4,38% 4,81% 4,62% 14,91% 5,99% RIO GRANDE DO SUL 7,98% 6,11% 5,25% 6,76% 5,74% 15,83% 4,50% SANTA CATARINA 3,45% 3,06% 2,14% 3,39% 2,61% 16,63% 2,65% TOTAL 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 22,00% 100,00% Obs.: A carga tributária apresentada nesta tabela não inclui dados relativos ao INSS e ao FGTS. Fonte: Anuário Estatístico do Brasil (IBGE) e SRF/COGET 68 Como não há previsão para transferências de recursos entre governos de mesmo nível hierárquico ou de governos hierarquicamente inferiores para as esferas superiores de poder, a União tem, tradicionalmente, desempenhado papel fundamental na arrecadação e distribuição das receitas tributárias da federação, o que tem contribuído para a ocorrência de um desequilíbrio fiscal vertical. Isto é, o financiamento dos governos subnacionais mais pobres advém, em última instância, apenas dos recursos arrecadados diretamente pela União, que, para isso, necessita coletar receitas suficientes para cobrir os seus gastos e o sistema de repasses. Assim, o desequilíbrio horizontal, conjugado ao desenho do sistema de transferências de recursos, gera, inevitavelmente, um desequilíbrio fiscal vertical na federação brasileira. Em decorrência, conforme pode-se verificar na Tabela 2 do Apêndice IV, a União tem uma arrecadação muito mais expressiva que os estados e municípios. Desse modo, tornase necessária uma substancial transferência aos níveis subnacionais de governo para que eles possam fazer frente às suas despesas. Assim, conforme apresentado na Tabela 3 do Apêndice IV, a União tem repassado cerca de 10% de sua receita líquida aos demais níveis de governo, o que representou, em 1997, aproximadamente, R$ 22 bilhões. Quando somamos a esse montante o volume de transferências de Estados a Municípios, obtemos o valor total das transferências intergovernamentais obrigatórias, o equivalente a cerca de 18% da carga tributária líquida ou R$ 40 bilhões78. A tabela 3.5 apresenta os dados relativos às transferências federais a Estados e Municípios (os valores referentes aos Municípios encontram-se agregados por seus respectivos Estados) para o ano de 199779. Verifica-se que, no que se refere ao FPE, a Bahia é o Estado que mais recebe recursos, seguida do Ceará e Maranhão. Em contrapartida, São Paulo e Distrito Federal são os menos beneficiados. Em termos regionais, o Norte e o Nordeste absorvem cerca de 78% dos recursos. Quanto ao FPM, a preponderância é do estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, especialmente devido à grande quantidade de municípios em suas jurisdições. O FPEx, distribuído em função direta das exportações de produtos industrializados de cada estado - se bem que limitado a um teto de 20% -, destina seus recursos principalmente para São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. 78 É importante mencionar que o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) por Estados e Municípios não se encontra incluído nos dados de carga tributária utilizados nesta dissertação. Essa é uma receita que não transita pelas contas da União, pois os governos subnacionais já a retêm diretamente. No entanto, estima-se que esse IRRF pode atingir 1% do PIB, o que significa que tanto a carga tributária como o volume de transferências podem estar subestimados nesse valor. 79 Vale lembrar que a participação de cada Estado no total dos Fundos de Participação não tem se alterado significativamente nos últimos anos, dada a rigidez dos índices de repasse, que são calculados pelo Tribunal de Contas da União. Nesse sentido, a análise do ano de 1997 nos traz uma boa noção da participação relativa dos estados no período pós-Constituição/88. 69 TABELA 3.5 TRANSFERÊNCIAS FEDERAIS A ESTADOS E MUNICÍPIOS - 1997 em R$ milhões ESTADO FPE REGIÃO NORTE 2.446,35 ACRE 335,41 AMAPÁ 334,53 AMAZONAS 273,58 PARÁ 558,05 RONDONIA 276,05 RORAIMA 243,22 TOCANTINS 425,51 REGIÃO NORDESTE 5.142,91 ALAGOAS 407,87 BAHIA 921,24 CEARÁ 719,34 MARANHÃO 707,70 PARAÍBA 469,52 PERNAMBUCO 676,52 PIAUÍ 423,69 RIO GRANDE DO NORTE 409,62 SERGIPE 407,40 REGIÃO CENTRO-OESTE 703,29 DISTRITO FEDERAL 67,67 GOIÁS 278,75 MATO GROSSO 226,28 MATO GROSSO DO SUL 130,59 REGIÃO SUDESTE 831,63 ESPÍRITO SANTO 147,07 MINAS GERAIS 436,74 RIO DE JANEIRO 149,78 SÃO PAULO 98,04 REGIÃO SUL 639,03 PARANÁ 282,68 RIO GRANDE DO SUL 230,87 SANTA CATARINA 125,48 TOTAL 9.763,22 % 25,06% 3,44% 3,43% 2,80% 5,72% 2,83% 2,49% 4,36% 52,68% 4,18% 9,44% 7,37% 7,25% 4,81% 6,93% 4,34% 4,20% 4,17% 7,20% 0,69% 2,86% 2,32% 1,34% 8,52% 1,51% 4,47% 1,53% 1,00% 6,55% 2,90% 2,36% 1,29% 100% FPM 854,45 54,81 40,27 134,67 349,51 87,53 28,48 159,18 3.647,31 237,99 919,70 542,34 425,03 336,72 529,85 257,92 254,28 143,49 770,42 30,46 383,22 198,04 158,70 3.223,39 184,13 1.350,76 319,70 1.368,80 1.812,13 704,56 705,39 402,18 10.307,69 % 8,29% 0,53% 0,39% 1,31% 3,39% 0,85% 0,28% 1,54% 35,38% 2,31% 8,92% 5,26% 4,12% 3,27% 5,14% 2,50% 2,47% 1,39% 7,47% 0,30% 3,72% 1,92% 1,54% 31,27% 1,79% 13,10% 3,10% 13,28% 17,58% 6,84% 6,84% 3,90% 100% FPEx % 87,31 5,27% 0,19 0,01% 1,35 0,08% 7,85 0,47% 76,36 4,61% 1,14 0,07% 0,40 0,02% 0,02 0,00% 199,21 12,03% 4,09 0,25% 115,35 6,96% 13,65 0,82% 27,92 1,69% 6,23 0,38% 24,29 1,47% 2,74 0,17% 2,97 0,18% 1,96 0,12% 30,40 1,84% 0,11 0,01% 10,63 0,64% 13,01 0,79% 6,65 0,40% 757,77 45,75% 86,85 5,24% 229,11 13,83% 109,32 6,60% 332,49 20,07% 581,76 35,12% 150,75 9,10% 274,31 16,56% 156,70 9,46% 1.656,45 100% ITR 2,11 0,10 0,08 0,15 0,62 0,30 0,07 0,80 5,66 0,30 2,87 0,44 0,63 0,22 0,38 0,52 0,15 0,15 15,04 0,08 4,86 4,70 5,40 17,11 0,60 8,56 0,40 7,54 12,80 5,75 5,69 1,36 52,73 % 4,01% 0,18% 0,14% 0,28% 1,18% 0,56% 0,14% 1,52% 10,74% 0,57% 5,44% 0,82% 1,20% 0,42% 0,71% 0,99% 0,29% 0,29% 28,53% 0,14% 9,22% 8,92% 10,24% 32,45% 1,14% 16,24% 0,77% 14,30% 24,27% 10,90% 10,78% 2,58% 100% IOF 1,72 0,01 0,16 0,06 1,30 0,15 0,04 0,01 0,24 0,00 0,22 0,00 0,02 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,81 0,00 0,04 0,77 0,00 0,20 0,00 0,17 0,02 0,01 0,01 0,01 0,00 0,00 2,98 % Total 57,87% 3.391,96 0,22% 390,51 5,28% 376,38 2,10% 416,32 43,55% 985,85 5,20% 365,17 1,23% 272,21 0,29% 585,52 8,03% 8.995,34 0,00% 650,25 7,35% 1.959,38 0,00% 1.275,76 0,69% 1.161,31 0,00% 812,70 0,00% 1.231,04 0,00% 684,88 0,00% 667,03 0,00% 553,00 27,26% 1.519,96 0,00% 98,31 1,39% 677,50 25,87% 442,80 0,00% 301,35 6,63% 4.830,09 0,00% 418,64 5,69% 2.025,34 0,61% 579,23 0,32% 1.806,88 0,21% 3.045,73 0,21% 1.143,75 0,00% 1.216,26 0,00% 685,72 100% 21.783,08 % 15,57% 1,79% 1,73% 1,91% 4,53% 1,68% 1,25% 2,69% 41,30% 2,99% 8,99% 5,86% 5,33% 3,73% 5,65% 3,14% 3,06% 2,54% 6,98% 0,45% 3,11% 2,03% 1,38% 22,17% 1,92% 9,30% 2,66% 8,29% 13,98% 5,25% 5,58% 3,15% 100% Fonte: STN FundosTransf, planilha Fundos1 A Tabela 3.6 permite verificar a importância do mecanismo de transferências para a maioria dos estados e municípios brasileiros mediante a comparação entre os recursos recebidos (transferências) e a receita própria dos governos subnacionais. Quanto aos estados, o FPE somado ao FPEx representa cerca de 18% das suas receitas próprias, na média Brasil. No entanto, esse valor médio esconde a realidade de que, para a região Norte, por exemplo, essa relação alcança mais de 90%, com estados em situação crítica, como o Acre, Amapá e Roraima. A região Nordeste possui 70 uma média de 66% e os estados que mais dependem das transferências são Maranhão e Piauí. No que se refere aos municípios, a situação de dependência em relação às transferências federais é ainda maior, pois a relação entre as transferências (FPM mais 25% de ICMS) e a receita própria alcança uma média de cerca de 240%. Fica patente, portanto, como as transferências desempenham papel relevante para as finanças públicas de grande parte dos governos subnacionais brasileiros. TABELA 3.6 RELAÇÃO ENTRE TRANSFERÊNCIAS RECEBIDAS E RECEITA PRÓPRIA em % ESTADO REGIÃO NORTE ACRE AMAPÁ AMAZONAS PARÁ RONDONIA RORAIMA TOCANTINS REGIÃO NORDESTE ALAGOAS BAHIA CEARÁ MARANHÃO PARAÍBA PERNAMBUCO PIAUÍ RIO GRANDE DO NORTE SERGIPE REGIÃO CENTRO-OESTE DISTRITO FEDERAL GOIÁS MATO GROSSO MATO GROSSO DO SUL REGIÃO SUDESTE ESPÍRITO SANTO MINAS GERAIS RIO DE JANEIRO SÃO PAULO REGIÃO SUL PARANÁ RIO GRANDE DO SUL SANTA CATARINA TOTAL RELAÇÃO ESTADUAL 91,21% 605,85% 567,20% 22,32% 77,77% 74,75% 439,01% 265,28% 65,75% 105,60% 39,22% 55,95% 176,91% 93,59% 41,73% 134,39% 85,68% 108,01% 16,82% 6,81% 17,30% 24,43% 19,18% 4,09% 13,69% 11,13% 4,59% 1,68% 12,82% 14,15% 11,74% 13,09% 17,93% RELAÇÃO MUNICIPAL 633,33% 849,04% 810,67% 552,01% 509,82% 902,36% 838,50% 1341,40% 666,54% 789,55% 570,91% 714,95% 868,66% 1332,25% 459,24% 1642,36% 714,70% 660,85% 300,43% 109,23% 430,26% 640,19% 284,74% 165,51% 425,27% 337,52% 100,57% 150,53% 293,60% 225,92% 362,84% 329,00% 241,18% 71 Fonte: cálculos da autora FundosTransf, planilha Rec. Disp., tabela à direita Portanto, concluímos que grande parte dos governos subnacionais não tem condições de sustentação própria e necessita largamente das transferências intergovernamentais para financiar seus gastos. Vale lembrar que são raros os governos que possuem situação orçamentária superavitária, o que significa que os recursos das transferências são efetivamente utilizados no financiamento de despesas necessárias e urgentes (geralmente despesas correntes, inclusive como folha de pagamentos dos servidores públicos). Por outro lado, a situação financeira do Governo Federal não é diferente: o déficit operacional alcançou 2,45% do PIB em 1997 e a situação se agravou em 1998 (somente entre janeiro e setembro, o déficit alcançou 5,37% do PIB). Isso ocorre porque, apesar de arrecadar um volume substancial de recursos, o Governo Federal também tem maiores responsabilidades na área do gasto e possui grande parte de seu orçamento “engessado”. Portanto, o motivo básico da CTV brasileira advém dessa situação de crise fiscal nos vários níveis de governo, aliada à grande dependência, por parte dos governos subnacionais, das transferências intergovernamentais, e a um desenho de sistema que permite, em alguma medida, legalmente “driblar” o volume de repasse das receitas. Na verdade, a disputa intergovernamental por recursos deve-se à forte descentralização que ocorreu nas últimas décadas. Fazendo uma breve retrospectiva histórica, a Reforma Tributária de 66 - que definiu as bases do atual Sistema Tributário Nacional - foi centralizadora em termos de arrecadação tributária. De fato, a União arrecadou, em média, cerca de 73% da carga tributária total nos anos 70 e 80. Entretanto, de modo a compensar essa centralização, foram criados os Fundos de Participação de Estados e Municípios, mecanismo de transferência de recursos federais aos níveis subnacionais de governo. No primeiro ano de implementação (1968), esses fundos foram compostos, atipicamente, por 10% da arrecadação do IR e do IPI. A partir do segundo ano, o percentual de 5% passou a vigorar como regra. As duas décadas que se seguiram à Reforma de 66 significaram, sobretudo, duas realidades: abertura política e crise econômica, esta última implicando em grave crise fiscal da União. A abertura política desencadeou uma descentralização progressiva de receitas, que começou a ocorrer nos anos 80 e culminou com a promulgação da Constituição de 88. De fato, a Carta de 88 não teve o mérito de fazer nenhuma modificação estrutural necessária no sistema tributário nacional, que continuou com as mesmas linhas traçadas pela reforma de 66, mas aumentou a autonomia e o poder tributário dos governos subnacionais, inclusive com a majoração dos percentuais de repasse dos fundos de transferência, que passaram a ser de 21,5% e 22,5% para o FPE e o FPM, respectivamente. Desse modo, a descentralização ocorrida acabou por agravar a situação de crise fiscal pela qual a União já vinha passando, em função da própria crise econômica brasileira dos anos 80. Em verdade, a crise econômica, per si, já estava provocando suas conseqüências negativas sob a arrecadação tributária, seja por meio da estagnação da própria base tributável, seja pela ocorrência do Efeito Tanzi - devido ao processo inflacionário. A esses problemas, somou-se a diminuição de receita 72 disponível devido à essa descentralização de recursos tributários, que, para completar, não foi acompanhada do respectivo repasse de encargos. Assim sendo, a União passou a priorizar a arrecadação daquelas receitas que não são partilhadas com Estados e Municípios, isto é, as Contribuições Sociais. De fato, conforme podemos constatar a partir da Tabela 3.7, as receitas do Orçamento da Seguridade Social cresceram 154,8% entre 1991 e 1997, enquanto que o Orçamento Fiscal teve um aumento de 106,3% no mesmo período. Desse modo, passando a priorizar a arrecadação das Contribuições Sociais em detrimento do Orçamento Fiscal e, ao mesmo tempo, quando for necessário conceder isenções ou benefícios fiscais, concedê-los contra o IR ou IPI, a União adotou um tipo de competição tributária com o objetivo de minimizar os repasses para os governos subnacionais. TABELA 3.7 RECEITAS DOS ORÇAMENTOS DA SEGURIDADE E FISCAL 1991 A 1997 US$ milhões ANO 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 ORÇAMENTO SEGURIDADE 31.706 31.587 37.505 54.057 68.653 77.066 80.783 ORÇAMENTO FISCAL 27.718 28.406 32.979 44.056 54.140 55.603 57.196 Fonte: SRF/COGET Portanto, a CTV brasileira origina-se do fato de que parte da arrecadação da União não pode ser repassada aos governos subnacionais, criando um incentivo para que esses tributos não partilháveis sejam priorizados em detrimentos dos demais. Entretanto, a CTV não é apenas um processo que aumenta as receitas disponíveis da União, sem outras conseqüências mais graves. Em verdade, esse processo competitivo tem gerado profundos impactos no desenho e na eficiência do sistema tributário nacional. Em especial, destacam-se duas principais conseqüências da CTV: em primeiro lugar, houve uma inegável opção por arrecadar contribuições sociais, que no caso brasileiro são, em sua maioria, tributos distorcivos, incidentes em cascata, que oneram a produção do País, em detrimento de impostos menos distorcivos, incidentes sobre a renda ou o valor agregado; e, em segundo lugar, houve paulatina retração do volume dos recursos que deveriam ser repassados a Estados e Municípios, diminuindo a receita disponível potencial dos governos subnacionais. Passamos, então, a uma análise mais detalhada de cada um desses impactos. • Aumento da arrecadação das contribuições sociais em detrimento de outros tributos A CTV tem feito com que o Brasil possua um nível de arrecadação de contribuições sociais semelhante a dos países europeus, que são, tradicionalmente, 73 verdadeiros Estados de bem-estar (welfare states). De fato, a Tabela 1 do Apêndice IV mostra claramente essa situação, pois a participação das contribuições sociais nas receitas totais atinge 28,4% para os países da OCDE-Europa e 28,2% para o Brasil. Para se ter uma idéia comparativa, esse percentual é de 19,5% para a OCDE-América e de 11,1% para a OCDE-Pacífico. Porém, a semelhança pára aí, no nível de carga tributária. Nossas contribuições sociais incidem em cascata sobre bases totalmente atípicas (como o faturamento e a movimentação financeira) e têm sua arrecadação vinculada, sendo, claramente, ineficientes do ponto de vista econômico. Desse modo, a CTV tem incentivado a substituição de impostos progressivos ou incidentes sobre o valor agregado por contribuições regressivas e incidentes em cascata. Esse é, sem dúvida, um alto custo que a CTV impõe sobre a eficiência e competitividade do País. Nesse sentido, pode-se afirmar que, em muitos pontos, o sistema tributário brasileiro regrediu de 1966 até hoje em dia. Especificamente, as principais alterações provocadas pela CTV na estrutura tributária brasileira foram os seguintes: criação da CSLL e da CPMF e aumento na arrecadação da COFINS e PIS/PASEP. Quanto à CSLL, vale mencionar que essa contribuição tem, praticamente, a mesma base de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), não havendo nenhum motivo econômico ou tributário que justifique sua existência, a não ser o fato dela ser vinculada ao Orçamento da Seguridade Social. Assim, por não estar incorporada ao IRPJ, não é partilhada com Estados e Municípios. A existência de um imposto e uma contribuição social sobre bases tão similares aumenta os custos público e privado da tributação, o que é desaconselhável do ponto-de-vista da eficiência tributária. A solução mais lógica para extinguir essa ineficiência seria a incorporação da CSLL ao IRPJ (que, naturalmente, teria sua alíquota majorada) e, em conseqüência, o repasse aos Fundos seria aumentado em 47% da arrecadação da CSLL. No que se refere ao Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), esses talvez sejam o melhor exemplo que como a CTV ocorre no Brasil. De fato, o IPMF, criado em 1993 na condição de imposto, fazia parte do Orçamento Fiscal da União e, por isso, não tinha destinação específica. Extinto em 1995, o tributo volta a ser cobrado a partir de 1997, desta vez, no entanto, não mais como imposto, mas sim como contribuição (CPMF), totalmente destinada à Saúde e, portanto, não podendo ser partilhada com Estados e Municípios. Por último, observe que o PIS/PASEP e, sobretudo, a COFINS, tiveram sua arrecadação claramente priorizada nos últimos anos, apesar de serem contribuições instituídas em décadas passadas80. Atualmente, a COFINS é a segunda maior rubrica de receita administrada pela Secretaria da Receita Federal, ficando atrás, apenas, do Imposto de Renda. A ineficiência dessas contribuições deve-se a que, na prática, elas recaem sobre o consumo, pois são facilmente repassadas para o preço final das 80 Aliás, a COFINS foi criada, em 1991, para dar fim à “montanha” de recursos contra as constantes alterações de alíquotas do antigo FINSOCIAL. Assim, extinto o FINSOCIAL, que teve sua alíquota progressivamente majorada de 0,5% a 2%, surge a COFINS com uma alíquota de 2% sobre o faturamento das empresas, acabando com as contestações judiciais. 74 mercadorias e, além de tudo, incidem em cascata, onerando o custo da produção brasileira. Em outras palavras, essas contribuições fazem com que o Brasil tenha um padrão de tributação que já foi abolido na grande parte dos sistemas tributários modernos. Na realidade, deveriam ser encaradas como um imposto mínimo, pois incidem, a grosso modo, sobre o faturamento das empresas, que as pagam quer tenham lucro ou não. Essa característica, aliás, faz com que sejam de fácil fiscalização e arrecadação. Caso o País decidisse pela extinção dessas contribuições, as alternativas para a manutenção de suas receitas não são tão claras como no caso da CSLL, onde existe uma solução natural pelo fato de incidir sobre base semelhante à de um imposto já existente. No entanto, existem duas alternativas viáveis, dependendo do objetivo de tributação do governo. A primeira seria majorar a alíquota de um imposto sobre o consumo, de modo a compensar a sua incidência, que também se dá sobre o consumo. Isso ajudaria, inclusive, a deixar um pouco mais claro ao consumidor/cidadão a carga tributária incidente sobre as mercadorias, o que, atualmente, é impossível, dado que incidem sobre o consumo nada menos do que cinco impostos e contribuições diferentes. O caminho lógico seria agregar essas contribuições ao ICMS, que é um imposto mais amplo que o IPI, ou incorporá-las a um novo IVA, que poderia ser criado na esfera federal e ter seus recursos partilhados com Estados e Municípios. Essa mudança seria um grande passo rumo à racionalização da tributação do consumo no País. De qualquer forma, ou a arrecadação seria diretamente arrecadada pelos Estados ou, no caso de um IVA federal, seria repassada, em parte, aos governos subnacionais. A segunda alternativa possível, se o governo quiser continuar tributando as empresas independentemente da existência de lucro81, seria a introdução de um imposto mínimo, à semelhança do que existe em outros países, como o México, por exemplo. Na realidade, estaríamos apenas trocando um atual imposto mínimo “camuflado”, mas que é repassado aos preços em cascata, por um imposto mínimo “às claras”, que poderia, inclusive, ser compensado com o IR. Em qualquer dessas alternativas, os governos subnacionais passariam a participar na arrecadação dos tributos, aumentando suas receitas disponíveis. Dessa forma, ao longo dos anos, a União foi trocando, paulatinamente, a arrecadação de impostos pela de contribuições sociais, de modo a manter a destinação desses recursos na órbita federal. Nesse ponto, cabe criticar a extrema vinculação de receitas do orçamento brasileiro que, em última instância, é o que justifica a existência da CTV. Isso porque, conforme ficou claro em nossa análise, a CTV inicia-se, dentre outros motivos, devido às vinculações das receitas da União aos Fundos de Participação. Entretanto, a única forma de escapar dessa vinculação é acabar incorrendo em outra vinculação, a de arrecadar as receitas na forma de contribuição social e, assim, amarrá-las ao Orçamento da Seguridade. • Diminuição da receita disponível potencial dos governos subnacionais 81 Essa atitude poderia se justificar porque o índice de prejuízos supostamente fabricados no Brasil não é baixo. Vale mencionar que, tradicionalmente, cerca de 50% das empresas que declaram pelo lucro real apresentam prejuízo, o que, se fosse realidade, já teria quebrado o setor privado há alguns bons anos! 75 Indubitavelmente, o impacto natural da CTV nos Estados e Municípios é provocar uma diminuição das suas receitas disponíveis (quando comparadas ao caso sem CTV) que, por sua vez, gera uma série de efeitos subseqüentes sobre a economia dos governos afetados. De fato, dispondo de uma menor receita disponível, Estados e Municípios reduzem o nível de serviços públicos prestados a seus cidadãos e, portanto, do ponto de vista estadual, há uma provável diminuição do bem-estar social. Porém, como esses recursos ficaram com a União, que deverá utilizá-los na área da Seguridade Social, também poderá haver um aumento do bem-estar social gerado pela ação do Governo Federal. Assim, da mesma forma que Gordon estabeleceu uma comparação entre os custos e os benefícios sociais marginais da transferência de um dólar do setor privado para o setor público82, de modo a mensurar o impacto líquido da competição tributária, teríamos que estabelecer uma comparação entre a eficiência do gasto da União e dos governos subnacionais, para poder afirmar qual o efeito líquido sobre o bem-estar social. No entanto, mesmo que a ação da União seja capaz de compensar a perda agregada do bem-estar estadual, é necessário destacar que sua atuação não é uniforme em todo o território nacional, o que pode gerar perdas ou ganhos individuais para estados e municípios. Por último, de modo a concluir nossa análise sobre o mecanismo da CTV, buscaremos avaliar se esse processo competitivo tem, efetivamente, conseguido atingir os objetivos a que se propôs e, na medida do possível, trabalharemos com algumas hipóteses que nos permitam estimar seus impactos sobre as finanças dos governos subnacionais. Quanto aos objetivos, pode-se dizer que a CTV tem, de fato, conseguido manter a receita disponível da União. Enquanto a receita própria do Governo Federal cresceu 127% entre 1991 e 1997, sua receita disponível teve um aumento de 132%. Além disso, em comparação com os governos subnacionais, a União apresentou o maior crescimento, tanto em termos de receita própria como disponível. No entanto, vale mencionar que esse crescimento nas receitas disponíveis não tem sido suficiente para colocar as finanças do Governo Federal em equilíbrio. Sem entrar em considerações sobre o gasto, uma das explicações é que, na realidade, o conceito de receita disponível aqui utilizado (receita própria menos transferências a Estados e Municípios) não representa aquilo que, de fato, está disponível para a União investir, já que sua grande parte está vinculada à Seguridade Social. Portanto, são poucos os recursos efetivamente “livres” para a União poder dispô-los como bem entender. Tanto é assim que, em 1994, foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), atual Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), que deveria vigorar apenas nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, mas que vem sendo regularmente prorrogado desde então. Na realidade, esse fundo nada mais é do que uma outra vinculação que busca desvincular parte dos recursos antes vinculados a Estados e Municípios, ou seja, outro exemplo de CTV. 82 Vide, para maiores detalhes, Termo 1 (Efeito Direto sobre a Arrecadação) do Modelo de Gordon, constante da seção 1.2.2 desta dissertação. 76 No que se refere ao impacto da CTV sobre as finanças dos governos subnacionais, realizaremos um exercício de simulação, estimando o volume de recursos que seriam destinados aos Estados e Municípios caso fossem eliminadas algumas das distorções criadas ou estimuladas pelo processo competitivo. Assim, trabalharemos com a hipótese de que a CSLL seria incorporada ao IRPJ e que a CPMF seria transformada em imposto, participando do Orçamento Fiscal (sendo repassada a um percentual de 20%). Quanto à COFINS e ao PIS/PASEP, é muito mais difícil fazer qualquer hipótese plausível de sua transferência a Estados e Municípios, dado que seu volume de arrecadação provavelmente forçaria a uma revisão dos próprios percentuais de repasse. No entanto, somente a título de ilustração, trabalharemos com sua incorporação a um IVA federal (que seria repassado ao mesmo percentual do atual IPI), que é uma hipótese mais conservadora, do ponto de vista do repasse, do que se fossem incorporadas ao ICMS, opção na qual Estados e Municípios ficariam com a arrecadação integral dessas contribuições83. Na realidade, essa é uma questão extremamente delicada, tanto que as próprias propostas de reforma tributária atuais não têm tratado claramente desse assunto. O principal objetivo dessa simulação será apenas mostrar que, se a União não tivesse utilizado a CTV para proteger suas receitas, seria obrigada a repassar o montante estimado a Estados e Municípios que, então, teriam uma receita disponível bem maior. Logicamente, se o mecanismo da CTV não pudesse ser utilizado, a União poderia valer-se de outras soluções, como a aprovação de Emenda Constitucional para alterar percentuais de repasse ou uma medida tipo FEF. No entanto, todas elas são muito mais complicadas, do ponto de vista político, do que a CTV, que passa despercebida da maioria da população. A Tabela 3.8 consolida os resultados encontrados. TABELA 3.8 SIMULAÇÃO DOS REPASSES ADICIONAIS DA UNIÃO A ESTADOS E MUNICÍPIOS NA AUSÊNCIA DE CTV em milhões de moeda corrente FPE (A) FPM (B) Total Fundos (C=A+B) 1991 1992 1.682.402 18.356.514 1.780.373 19.699.859 38.056.373 3.462.775 1993 449.128 470.092 919.220 1994 3.747 3.921 7.668 1995 1996 1997 7.722 8.736 9.763 8.081 9.142 10.308 15.803 17.878 20.071 83 Algumas dessas hipóteses estão contempladas nas propostas de Reforma Tributária que estão sendo atualmente discutidas. No que podemos chamar de primeira versão da Proposta de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda (MF), apresentada pelo Secretário-Executivo do MF, em setembro de 1997, estavam contempladas as seguintes medidas: incorporação da CSLL ao IRPJ, criação de IVA federal e de Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV) estadual/municipal, criação de Excise Tax federal e extinção da COFINS, PIS/PASEP, ICMS, IPI e ISS. Em novembro de 1998, o Ministro da Fazenda apresentou modificações nessa, elaborando uma segunda versão do documento. Basicamente, devido ao problema federativo, seria muito difícil aprovar um IVA federal e, assim, a nova proposta sugere a manutenção do ICMS em nível estadual, com base ampla, incorporando o IPI, a COFINS e o PIS/PASEP. Há também a continuidade do ISS em nível municipal. A idéia da criação de um Excise Tax continua na proposta, bem como a substituição da CPMF pelo IMF. Vale mencionar que, em nenhuma das propostas, a questão do repasse fica clara, não sendo estipulados percentuais ou novas regras de transferência. 77 CSLL *44% (D) 5.500.685 130.694 1.432 2.470 2.730 3.174 7.584.649 227.135 3.790 6.455 7.555 1.382 8.063 8.152.980 193.239 1.661 2.597 3.140 3.196 Total do Repasse 21.238.315 551.067 (H=D+E+F+G) 1.869.908 Part. Relativa (I=H/C) 54,00% 55,81% 59,95% 6.883 11.522 13.426 15.815 CPMF* 20% (E) COFINS* 44% (F) 198.707 931.352 PIS/PASEP*44% (G) 739.849 89,76% 72,91% 75,09% 78,80% Fonte: cálculos da autora Portanto, verificamos que, mesmo se somente a CSLL e a CPMF fossem repassadas aos governos subnacionais, o valor da transferência representaria, em 1997, recursos adicionais da ordem de R$ 4,5 bilhões a Estados e Municípios, ou seja, 22,70% da soma do FPE e do FPM. Caso a COFINS e o PIS/PASEP também fossem repassadas, essas transferências adicionais alcançariam R$ 15,8 bilhões, nada menos do que 78,80% das transferências atuais. Em primeiro lugar, vale destacar que esses são valores nada desprezíveis, isto é, são montantes que, de fato, podem justificar a CTV por parte da União. Em segundo lugar, é interessante verificar que a série de participações relativas tem tendência crescente ao longo dos anos, demonstrando como a CTV foi se agravando no período estudado84. 3.3.3 - COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA HORIZONTAL A Competição Tributária Horizontal (CTH) é aquela que se desenvolve entre governos de mesmo nível hierárquico e, indubitavelmente, tem se configurado como o maior e mais perverso processo competitivo da federação brasileira. Ela ocorre, sobretudo, em nível estadual, mediante a utilização do ICMS como instrumento de atração de capital privado, mas também vem sendo utilizada pelos Municípios em relação ao ISS. As razões que justificam legal, economica e politicamente a CTH na federação brasileira já foram detalhadas na seção 3.3.1. Portanto, nesta seção, passaremos diretamente à análise das possíveis ineficiências que estão sendo geradas por esse conflito competitivo. Vale ressaltar, mais uma vez, que a grande disputa interestadual ocorre no campo da concessão de benefícios tributários ou, mais especificamente, financeiro-tributários, pois envolvem um amplo rol de medidas relacionadas não apenas à isenção ou postergamento do imposto, mas também de incentivos infra-estruturais e creditícios85. Assim, sendo o benefício fiscal, em verdade, 84 É óbvio que essa simulação só pretende dar uma idéia do montante de recursos que estão envolvidos na CTV e de quanto isso representaria para Estados e Municípios. No entanto, há que ficar claro que, caso essas ineficiências sejam corrigidas, os percentuais de repasse deveriam ser recalculados (para baixo), pois, do contrário, haveria um grave problema de desequilíbrio fiscal no Governo Federal. Ou seja, extinguindo-se essas contribuições distorcivas, a União não poderia repassar a Estados e Municípios esses 78,80% adicionais de recursos, pois seria necessário continuar destinando receitas à Seguridade Social, que possui déficit expressivo. 85 Para isso, os próprios bancos estaduais são utilizados na concessão das linhas de financiamento, o que põe em dúvida a real taxa de retorno e prazo de maturação dos projetos em questão. É evidente que esse tipo de gestão colaborou para a falência da maioria dos bancos estaduais do País, que são, na verdade, outro problema de grande seriedade no federalismo brasileiro. 78 uma redução de alíquota efetiva, a teoria econômica apresentada no primeiro capítulo desta dissertação é plenamente aplicável à análise do caso brasileiro. 3.3.3.1 - Análise da Situação Financeira dos Governos Subnacionais Iniciaremos nossa análise elaborando uma “radiografia” das finanças públicas dos governos subnacionais, de modo a melhor precisar a realidade tributária dos estados e municípios brasileiros. A seção anterior, mediante o estudo da CTV, nos forneceu uma visão bastante clara do mecanismo de transferências de receitas intergovernamentais, indicando que grande parte dos governos subnacionais é dependente dos recursos repassados pela União, especialmente aqueles estados e municípios situados em regiões mais pobres. Agora, iremos aprofundar essa análise, passando a olhar essas transferências não como operações realizadas entre distintos níveis de governo, mas tentando verificar essas mesmas relações somente pela ótica subnacional de governo. Para isso, iremos analisar a formação dos Fundos de Participação, pois, por mais que eles sejam compostos por impostos federais, a União os arrecada nas diversas unidades federativas. Desse modo, será possível verificar não somente os estados recebedores de transferências, mas também os doadores. Isto é, na prática, “estadualizando” a ação do Governo Federal, poderemos ver qual a verdadeira transferência existente entre os estados brasileiros. A tabela 3.9 calcula dois índices de sustentabilidade para os governos subnacionais. O primeiro, que chamaremos de GSP, consiste no Grau de Sustentabilidade Própria, comparando os recebimentos de transferência de recursos com a arrecadação própria dos governos. Isto é, denominando as receitas recebidas de “ R ” e as receitas próprias de “ P ”, o índice é calculado da seguinte maneira: P−R . O índice é normalizado para ficar entre –1 e +1, sendo que –1 indica um GSP = P+R governo cuja receita disponível é totalmente composta por transferências e, ao contrário, +1 indica uma receita disponível formada apenas por arrecadação própria. Logicamente, quanto mais próximo a +1, um governo estará com melhor condição de se sustentar de forma autônoma, a partir de seus próprios recursos, sem depender do recebimento das transferências. O outro índice é o GSA, ou Grau de Sustentabilidade Alheia, comparando os recursos que um governo aportou aos Fundos de Transferência com aqueles que dele recebeu, de modo a verificar se um determinado estado está “sustentando” (valores positivos) ou “sendo sustentado” (valores negativos) pelos demais. Para isso, a tabela mostra a coluna “Doado”, que consiste no volume de IR e de IPI (44% do IR e 54% do IPI) que a União arrecada em cada estado. Assim, denominando os recursos que cada estado aporta aos fundos de transferência de “ D ”, D−R o índice é definido como GSA = . D+R 79 TABELA 3.9 GRAU DE SUSTENTABILIDADE PRÓPRIA (GSP) E GRAU DE SUSTENTABILIDADE ALHEIA (GSA) em R$ mil ESTADO REGIÃO NORTE ACRE AMAPÁ AMAZONAS PARÁ RONDONIA RORAIMA TOCANTINS REGIÃO NORDESTE ALAGOAS BAHIA CEARÁ MARANHÃO PARAÍBA PERNAMBUCO PIAUÍ RIO GRANDE DO NORTE SERGIPE REGIÃO CENTRO-OESTE DISTRITO FEDERAL GOIÁS MATO GROSSO MATO GROSSO DO SUL REGIÃO SUDESTE ESPÍRITO SANTO MINAS GERAIS RIO DE JANEIRO SÃO PAULO REGIÃO SUL PARANÁ RIO GRANDE DO SUL SANTA CATARINA TOTAL Doado (D) Recebido (R) Própria (P) A B C 332.216 3.388.120 3.019.834 9.258 390.407 63.401 9.889 376.152 65.912 157.741 416.105 1.341.588 108.525 983.928 922.639 30.911 364.716 390.525 6.965 272.099 60.505 8.927 584.713 175.264 1.385.373 8.989.434 8.969.995 59.052 649.948 432.395 430.661 1.956.292 2.918.234 230.606 1.275.324 1.430.507 61.756 1.160.653 476.489 92.549 812.479 543.015 326.801 1.230.662 1.883.371 62.892 684.355 337.767 74.129 666.871 533.425 46.926 552.849 414.792 1.614.443 1.504.105 4.729.524 1.286.081 98.236 1.359.142 187.886 672.600 1.855.070 84.300 437.324 1.048.149 56.176 295.946 831.173 15.982.049 4.812.785 46.327.124 624.738 418.040 1.849.847 1.492.810 2.016.610 6.804.340 2.932.570 578.803 7.279.262 10.931.932 1.799.331 30.393.674 2.413.284 3.032.921 10.903.097 832.220 1.137.990 3.691.590 1.123.933 1.210.576 4.777.472 457.131 684.356 2.434.035 21.727.365 21.727.365 74.131.579 Fonte: cálculos da autora P-R D=C-B -369.536 -327.047 -310.275 925.066 -61.841 25.708 -211.620 -409.526 -23.806 -217.771 960.521 154.561 -684.477 -269.642 651.654 -346.694 -133.715 -138.242 3.458.574 1.131.945 1.181.528 610.470 534.631 41.475.938 1.431.075 4.783.482 6.692.045 28.569.337 7.863.044 2.550.349 3.564.453 1.748.242 52.404.214 P+R GSP E=B+C F = D/E 6.406.705 -0,06 453.767 -0,72 442.029 -0,70 1.757.276 0,53 1.906.015 -0,03 755.139 0,03 332.579 -0,64 759.900 -0,54 17.955.061 0,00 1.082.125 -0,20 4.873.104 0,20 2.705.210 0,06 1.636.828 -0,42 1.355.315 -0,20 3.112.978 0,21 1.022.017 -0,34 1.200.028 -0,11 967.456 -0,14 6.466.785 0,53 1.328.417 0,85 2.526.728 0,47 1.485.118 0,41 1.126.522 0,47 51.101.507 0,81 2.267.155 0,63 8.816.702 0,54 7.849.651 0,85 32.167.998 0,89 13.928.887 0,56 4.826.329 0,53 5.985.604 0,60 3.116.953 0,56 95.858.944 0,55 D-R G=A-B -3.055.904 -381.149 -366.263 -258.364 -875.403 -333.805 -265.135 -575.786 -7.604.061 -590.896 -1.525.631 -1.044.718 -1.098.896 -719.930 -903.861 -621.464 -592.743 -505.923 110.337 1.187.845 -484.714 -353.024 -239.770 11.169.265 206.698 -523.801 2.353.767 9.132.601 -619.637 -305.769 -86.643 -227.225 0,00 D+R H=A+B 3.720.336 399.665 386.041 573.847 1.092.453 395.626 279.064 593.640 10.374.807 709.000 2.386.953 1.505.930 1.222.409 905.028 1.557.464 747.247 741.000 599.776 3.118.548 1.384.317 860.486 521.624 352.121 20.794.834 1.042.778 3.509.420 3.511.373 12.731.263 5.446.205 1.970.210 2.334.508 1.141.487 43.454.730 GSA I = G/H -0,82 -0,95 -0,95 -0,45 -0,80 -0,84 -0,95 -0,97 -0,73 -0,83 -0,64 -0,69 -0,90 -0,80 -0,58 -0,83 -0,80 -0,84 0,04 0,86 -0,56 -0,68 -0,68 0,54 0,20 -0,15 0,67 0,72 -0,11 -0,16 -0,04 -0,20 0,00 FundosTransf, planilha GSP-GSA 1 Os valores encontrados mostram que, em termos do GSP, apresentam índices negativos apenas estados pertencentes às regiões Norte e Nordeste. Dentre esses, destacam-se Acre, Amapá, Roraima e Tocantins, que, portanto, são os estados mais dependentes das transferências federais, pois essas são muito maiores que suas receitas próprias. Os estados das Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste apresentam somente índices positivos, indicando uma boa sustentabilidade mediante seus próprios recursos. Quanto ao GSA, percebemos que São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e, em menor grau, Espírito Santo, tiveram índices positivos, denotando que esses estados fornecem, de forma líquida, os recursos que irão formar os fundos de transferência. Todos os demais estados são, nesse sentido, “recebedores líquidos” dos recursos transferidos. No entanto, como já mencionado anteriormente, existe uma possível distorção que pode ser gerada pela centralização do pagamento do IRPJ na matriz dos contribuintes e o fato do DF ser a jurisdição do recolhimento de impostos de alguns importantes contribuintes estatais. Contudo, isso não reverteria a posição de São Paulo e Rio de Janeiro como dois estados ricos e industrializados, que, de qualquer forma, concentram a arrecadação de IR e IPI do País. 80 3.3.3.2 - Análise dos Principais Impactos Gerados pela CTH Constatada essa fragilidade das finanças públicas da maioria dos estados, tornase de grande relevância tentar responder às seguintes perguntas: como governos financeiramente debilitados podem se engajar em um processo competitivo; se o ganho esperado justifica, efetivamente, os custos incorridos nessa competição; quais os impactos esperados sobre as finanças públicas dos governos competidores e não competidores; qual o efeito sobre o bem-estar geral da população (há ganhadores e perdedores?); é a CTH brasileira um processo autofágico? A seguir, buscaremos responder essas questões apoiados nos conhecimentos da teoria econômica. • Considerações sobre o Bem-Estar A primeira questão que tentaremos responder diz respeito aos impactos da competição tributária do ICMS sobre o bem-estar da sociedade brasileira. Esse é um tópico delicado, até mesmo porque o conceito de bem-estar é bastante teórico, o que impõe dificuldades em sua mensuração prática. No entanto, no que se refere à competição tributária, há algumas conclusões claras e praticamente inevitáveis que surgem de nossa análise. De modo a apresentá-las de maneira mais formal, desenvolveremos, a seguir, a título de ilustração, uma simulação que busca captar, da melhor forma possível, o ambiente de competição do ICMS, utilizando parâmetros representativos da economia brasileira, como, por exemplo, nível de alíquota do imposto e concentração da produção e do consumo. A simulação é realizada para uma federação com dois estados, A e B, sendo que o primeiro será considerado o estado rico e, o segundo, o pobre, em termos de produção e consumo do valor agregado no país. Os parâmetros serão aplicados como se o estado A correspondesse às regiões Sul e Sudeste e o estado B às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Assim, a produção e o consumo de A são 70% e 60% do total do valor agregado nacional, respectivamente. O estado B fica com a diferença, isto é, 30% e 40%, respectivamente. Cada estado arrecada um imposto sobre o valor agregado (da mesma forma que o ICMS) à alíquota interna de 20%86 No entanto, de modo a analisarmos o caso do regime misto existente no Brasil, trabalharemos também com uma alíquota de 10% para operações interestaduais sempre quando A vender para B. Admite-se que o total da arrecadação é convertido em bens públicos e que o bem-estar social é medido pela quantidade de bens privados e públicos consumidos em cada estado. Isto é, o bem-estar social é função da arrecadação tributária. O estado B será a jurisdição competidora, pois, por ser mais pobre, tentará atrair parte dos investimentos do estado A para si, mediante o rebaixamento de sua alíquota (a ser 86 Note que a alíquota do ICMS é calculada “por dentro” e não “por fora”. Dessa forma, uma alíquota de 17% (alíquota modal do ICMS), significa uma alíquota efetiva de cerca de 20%. 81 chamada de alíquota competitiva de B)87. Por hipótese, para cada 1 ponto percentual de diminuição de alíquota, B consegue atrair 1% do valor agregado de A88. De modo a cobrir todas as possibilidades de ganhos ou perdas em função da apropriação de receitas interestaduais, a simulação será realizada para os regimes de origem, misto e de destino. Além disso, serão analisados os seguintes casos de atração de investimentos: atração de investimentos já instalados em A; atração de novos investimentos que iriam se instalar em A; atração de novos investimentos que não iriam se instalar na federação (nem em A nem em B); e, por último, atração de investimentos que já iriam se instalar em B, mas agem como se fossem para A e fazem B agir de maneira competitiva, concedendo o benefício tributário. Vale mencionar que os resultados da simulação podem ser influenciados pelas hipóteses, mas essas, no presente caso, são bastante razoáveis e próximas à realidade. Além disso, veremos que os resultados apontam para direções bastante claras, o que não deixa dúvida sobre o provável impacto global do processo competitivo. A lógica da simulação é a seguinte: partindo-se das hipóteses assumidas, o estado A tem uma produção de 70 e um consumo de 60 unidades monetárias. Caso estejamos trabalhando no regime da origem e sem competição tributária, a arrecadação será de 14, isto é, a incidência da alíquota interna de 20% sobre o produto estadual. O bem-estar é a soma o consumo público e privado, isto é, 74. O mesmo raciocínio aplica-se ao estado B, que possuirá, portanto, um bem-estar de 46. Caso haja competição tributária, o estado B passará a utilizar sua alíquota competitiva, digamos de 10%, para atrair parte dos investimentos do estado A. De acordo com as hipóteses, 10% pontos percentuais a menos implicam atrair 10% do produto do estado A. Portanto, o estado A terá um produto de 63 e uma arrecadação de 12,6, gerando um bem-estar de 72,6. Por sua vez, B continuará com a antiga produção de 30, sobre a qual incide a alíquota interna de 20%, mais a nova produção de 7, sobre a qual incide a alíquota competitiva de 10%, gerando uma arrecadação total de 6,7. O bem-estar será de 46,7. Portanto, ao se comparar os casos não-competitivo e competitivo, verifica-se que o bem-estar de A diminuiu enquanto que o de B aumentou. No entanto, devido à diminuição da alíquota de B e, em decorrência, da arrecadação total, o bem-estar geral da federação foi reduzido de 120 para 119,3. O mesmo raciocínio aplica-se aos demais casos e aos regimes misto e de destino. Note, no entanto, que no regime misto há a utilização da alíquota interestadual (o que leva a que o estado B receba um diferencial de arrecadação) e, no regime de destino, a arrecadação ocorre em função do consumo estadual (e não da produção). Os cálculos e detalhamentos da simulação encontram-se no Apêndice III; apresentamos, abaixo, os resultados obtidos. 87 Vale a pena esclarecer, portanto, que existem três tipos de alíquotas: a alíquota normal interna (cobrada por A e por B nas operações internas e por B quando vende para A), a alíquota normal interestadual cobrada quando A vende para B e a alíquota competitiva (cobrada pelo estado competidor para atrair investimentos do outro estado). 88 Análise de sensibilidade para outras hipóteses de atração de investimento não alteram a direção do resultado (perda ou ganho), mas apenas seu valor. 82 TABELA 3.11 QUADRO RESUMO DOS RESULTADOS DA SIMULAÇÃO Hipóteses 1. Valor Agregado Produzido (A) 2. Valor Agregado Produzido (B) 3. Valor Agregado Consumido (A) 4. Valor Agregado Consumido (B) 5. Valor Agregado Novo Investimento 6. Alíquota Interna 7. Alíquota Interestadual 8. Alíquota com CTH (B) 9. Atração de Investimento (1 p.p.) 70 30 60 40 20 20% 10% 10% 1% Resultados Caso Ganho ou Perda de Bem-Estar Ótica Federativa Ótica Estado A Ótica Estado B SEM CTH COM CTH G/P SEM CTH COM CTH G/P SEM CTH COM CTH G/P 1. Investimentos Já Instalados em A Regime: Origem Regime: Misto Regime: Destino 120,00 120,00 120,00 119,30 119,30 119,30 P P P 74,00 73,00 72,00 72,60 72,30 72,00 P P - 46,00 47,00 48,00 46,70 47,00 47,30 G P 2. Novo Investimento (iria para A) Regime: Origem Regime: Misto Regime: Destino 144,00 144,00 144,00 143,80 143,80 143,80 P P P 90,00 88,20 86,40 89,60 88,00 86,40 P P - 54,00 55,80 57,60 54,20 55,80 57,40 G P 3. Novo Investimento (não viria ao Brasil) Regime: Origem Regime: Misto Regime: Destino 120,00 120,00 120,00 122,20 122,20 122,20 G G G 74,00 73,00 72,00 75,20 74,32 86,40 G G G 46,00 47,00 48,00 47,00 47,88 48,76 G G G 4. Novo Investimento (já iria para B) Regime: Origem Regime: Misto Regime: Destino 144,00 144,00 144,00 142,00 142,00 142,00 P P P 86,00 86,00 86,40 86,00 86,00 86,20 P 58,00 58,00 57,60 56,00 56,00 55,80 P P P Fonte: cálculos da autora Sim BES-3, planilha Resumo Os resultados acima apontam para as seguintes conclusões: 1. Do ponto de vista agregado, a federação sempre perde com o processo competitivo interno, pois os valores de bem-estar social da situação sem competição são, em condições normais, maiores que aqueles da situação competitiva (em nossa simulação, casos 1, 2 e 4). Esse é um resultado já previsto pela teoria econômica e bastante lógico, pois quando B atrai o investimento de A, ele está reduzindo o nível global de arrecadação e, portanto, de bens públicos e de bem-estar social. Isso é compatível com os resultados dos modelos teóricos analisados no capítulo 1 desta dissertação. Em particular, essa é, precisamente, a conclusão do trabalho de Kanbur e Keen (1993) – seção 1.3.2 – que mostra que, em ambiente não cooperativo, a federação como um todo perde pelo fato da arrecadação global 83 diminuir, mesmo que alguns estados possam ter ganhos isolados. Só há duas opções possíveis de ganho federativo: quando a competição atrai um investimento externo que não viria para o país ou faz com que permaneça no país um investimento nacional que iria para o exterior (caso 3 da simulação). No entanto, essas alternativas, embora factíveis, parecem não representarem o que ocorre no caso brasileiro. Em geral, o capital estrangeiro primeiramente anuncia seu investimento no País para depois participar do leilão estadual de benefícios fiscais. Por outro lado, não é usual a realização de guerra fiscal para bloquear a saída de um investimento nacional rumo ao mercado externo. Portanto, seria possível afirmar que, na maioria dos casos ocorridos no Brasil, a federação tem seu bem-estar diminuído pela CTH. 2. Do ponto de vista do estado A, ele geralmente perde caso não tome nenhuma medida competitiva para barrar a efetividade da ação do estado B89. Essa conclusão implica que a guerra fiscal não se extingue sozinha, pois se um estado a inicia, o outro tem incentivo para também ter atitude competitiva. É por isso que a CTH se espalhou por grande parte dos estados brasileiros. Mais do que isso, se A entra no jogo, ele tem condições de aumentar seu bem-estar em relação à situação com CTH quando somente B tem ação competitiva. Logicamente, seu bem-estar fica menor do que na situação sem CTH, pois ele teve que renunciar a parte de sua arrecadação, mas é o melhor a fazer depois que B agiu competitivamente. 3. Do ponto de vista do estado B, a situação pode se alterar de acordo com o regime de tributação. Nos casos 1 e 2, o estado B ganha com o regime da origem e perde com o de destino, comprovando a idéia de que esse último regime não incentiva a competição tributária. Ademais, para as hipóteses adotadas, pode-se afirmar que ele ganha nas situações onde a federação e o estado A também ganham, e perde quando concede o incentivo fiscal à empresa que já iria se instalar em sua jurisdição. Esse último caso é lógico, pois ele já teria o investimento de qualquer forma arrecadando à alíquota normal interna. Mas, como entra acredita no blefe do empresário, acaba deixando que o capital privado pague menos imposto. Vale ressaltar que esse não é um caso hipotético, pois vem acontecendo com muitos estados brasileiros. Nas palavras de Varsano (1996), “há os que insistem em participar de verdadeiros leilões promovidos por empresas que já decidiram instalar novos estabelecimentos no país. Em alguns casos, até mesmo o estado de localização já foi escolhido, e o leilão nada mais é que um instrumento para forçar a unidade a conceder vantagens adicionais”. Os demais casos (atração de investimentos já instalados ou de novos investimentos em A) alteram-se de acordo com as hipóteses adotadas, podendo significar ganhos ou perdas para o estado B. Portanto, engana-se quem pensa que o estado competidor nunca perde. Aliás, se ele concede isenção total do imposto (alíquota competitiva zero), ele sempre sai 89 As exceções a esse resultado são os casos já relatados no item anterior, pois o consumo de A aumentaria com o investimento adicional vindo para o Brasil. Além desses, há casos onde a situação se mantém constante, isto é não há ganho nem perda. Verifica-se que isso ocorre no regime de destino (casos 1 e 2), pois a arrecadação é função do consumo estadual e não da produção. 84 perdendo (pelo menos em uma perspectiva estática), pois não arrecada nada e não coloca bens públicos à disposição de sua sociedade, diminuindo seu bem-estar atual. Assim, é extremamente necessário que cada estado tenha consciência das reais implicações da CTH e que tentem mensurar seus impactos sobre a sociedade, pois facilmente podem se enganar, acabando numa situação pior quando pensam que estão contribuindo para a melhoria do bem-estar de seus cidadãos. 4. Do ponto de vista do capital privado, sempre há ganho em relação à situação sem CTH. Considerando que seu bem-estar é o faturamento líquido, isto é, seu valor agregado (digamos que o preço é unitário) menos o imposto a pagar, ele sempre fatura mais com a CTH. Desse modo, conclui-se que, numa CTH, o agente que está em melhor posição é o empresário, pois pode negociar com ambos os lados, força a existência de um leilão e tem condições de blefar. É bom deixar claro que em nenhum momento queremos afirmar que essas são atitudes erradas por parte do empresário. Pelo contrário, se a legislação permite e o governo incentiva, é legítimo que o empresário busque diminuir seus custos tributários. É, sim, papel do governo zelar pelo patrimônio público e bem-estar social, não entregando, quando não tem motivos claros ou não tem idéia de suas implicações, recursos públicos para a iniciativa privada, seja ela nacional ou estrangeira. • Considerações sobre a Exportação de Tributos (A Questão da Origem e do Destino) Conforme ficou demonstrado pela análise do Modelo de Gordon, no primeiro capítulo desta dissertação, a exportação de tributos é uma das externalidades geradas pela competição tributária. Essa ineficiência consiste no fato de que os não-residentes pagam os tributos dos residentes e está intimamente ligada à questão da tributação na origem ou no destino. Esse é um tópico há longo tempo debatido tanto pelos economistas acadêmicos quanto governamentais e sua análise já está plenamente sedimentada. De fato, conforme colocado por Gordon, caso seu modelo se baseasse no regime do destino, as equações dos casos coordenado e não-coordenado seriam idênticas para o Termo 1, sugerindo a correção da ineficiência. Assim, não resta dúvida que a tributação no destino seria economicamente mais eficiente e socialmente mais justa, pois cada estado estaria arrecadando baseado no seu consumo, e não em sua produção. Além disso, o regime do destino praticamente acabaria com o incentivo à competição tributária. No entanto, apesar de ser uma boa solução teórica, a tributação no destino apresenta uma série de complicações em sua aplicação prática, especialmente relacionadas ao custo de controle do sistema, que tem inviabilizado sua adoção. Mesmo na União Européia, o regime de tributação do IVA Intracomunitário tem gerado grandes debates e disputas nos últimos anos. Quanto ao Brasil, a questão da controvérsia entre o sistema da origem e do destino já foi devidamente analisada na seção 3.3.1 deste capítulo. Portanto, dada a extrema importância dessa questão para a eliminação da CTH brasileira, a pergunta que se coloca é por que o sistema de destino ainda não foi implantado no ICMS. A resposta é clara: além de todas as dificuldades práticas de sua adoção (em especial, os controles para evitar o aumento da sonegação na fronteira), 85 os estados mais ricos perderiam expressiva arrecadação, o que demandaria um fundo de compensações, assunto sempre extremamente complicado e conflituoso na federação brasileira. Um exemplo preciso dessa situação ocorre neste exato momento, dezembro de 1998, quando a proposta de reforma tributária do Ministério da Fazenda que propunha a criação de um IVA federal no destino foi substituída por outra que mantém o ICMS na origem por mais quatro anos, com um regime de transição para o destino em oito anos. Fica visível a dificuldade política de se resolver problemas críticos da federação, quando interesses individuais estão em jogo. Como a tributação sempre significa um pacto social e federativo que, na grande parte das vezes, não tem como atender simultaneamente a todos os interesses, a opção é sempre a de manter a situação inalterada, mesmo que isso signifique permanecer com um sistema tributário cheio de distorções e ineficiências. Apesar da grande importância do tema, o Brasil não conta com estimativas do impacto sobre as finanças estaduais da mudança do regime da origem para o destino. Isso porque nem mesmo a fonte primária de dados, a balança comercial interestadual, não é computada no País há alguns anos. Recentemente, a Comissão Técnica Permanente do ICMS (COTEPE) processou as informações de alguns estados, o que nos permite apenas ter uma idéia parcial da estrutura das transações comerciais interestaduais. Outro problema crítico é a inexistência de dados sobre o consumo estadual nas estatísticas oficiais brasileiras (anuário estatístico do Brasil, divulgado pelo IBGE). Desse modo, o máximo que se pode fazer, atualmente, são estimativas preliminares sobre uma eventual transição da origem para o destino, mais para mostrar os possíveis estados ganhadores e perdedores do que para estimar, efetivamente, o montante envolvido nessas perdas e ganhos. Assim, a seguir, apresentaremos duas estimativas que buscam sinalizar os impactos dessa transição. A primeira delas baseia-se em calcular a arrecadação de cada estado sobre a sua base de consumo (ao invés da produção). Por não existirem dados sobre o consumo, utilizaremos uma “proxy”, utilizando o consumo de energia elétrica residencial e comercial do estado. Na realidade, construiremos um índice que será a média do consumo de energia elétrica e do PIB estadual (multiplicado pela propensão marginal a consumir)90. Esse índice, que permitirá distribuir a arrecadação total do ICMS pelos diversos estados, encontra-se na primeira coluna da Tabela 3.11. Essa distribuição, que intitularemos “ICMS estimado”, indica qual seria a arrecadação estadual caso o imposto incidisse sobre o consumo. Comparando essa “arrecadação sobre o consumo” com a arrecadação atual do ICMS de cada estado, temos uma estimativa do volume de receita a ser obtido ou perdido pelos estados. De acordo com essa metodologia, os estados que sofreriam perdas seriam Amazonas, Ceará, Paraíba, Goiás, Mato Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. 90 A metodologia de cálculo desse índice é a seguinte: toma-se a participação relativa de cada estado no consumo de energia elétrica (A); a partir da renda per capita estadual, estima-se qual o volume destinado ao consumo mediante a construção de um redutor (que, na realidade, é a propensão marginal a poupar); essa propensão foi estimada como sendo de 20% para o estado de maior renda per capita e de 0% para o estado de menor renda per capita; em seguida, o PIB estadual é diminuído desse redutor, indicando a parcela do produto que é consumida; depois, calcula-se a participação relativa estadual nesse “PIB corrigido” (B); por último, a média entre A e B fornece o índice desejado. 86 A segunda estimativa é baseada em trabalho intitulado “Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços no Brasil”, de Pedrosa (1998), que utiliza as informações da COTEPE sobre 14 estados e o DF para elaborar uma matriz de transações interestaduais com mercadorias e serviços, relativamente ao ano de 1996. A partir desses dados, o autor fornece o valor das saídas e entradas de todos os estados da federação91, possibilitando, assim, determinar quais deles são superavitários ou deficitários em suas relações comerciais. Desse modo, torna-se possível ter uma indicação daqueles estados que perderiam com a transição do regime da origem para o destino, pois, em geral, pode-se dizer que os estados exportadores beneficiam-se com o regime atual, em detrimento dos estados importadores. O resultado encontrado pelo autor é o seguinte: “Consideradas todas as Unidades (saldo das transações tributadas), foram superavitárias: Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo (9 das 27). As demais apresentaram-se deficitárias (18 das 27)”. Os valores de entrada e saída de mercadorias e prestações de serviços (base de cálculo do ICMS) encontrados por Pedrosa (1998) constam da Tabela 3.11. A partir desses dados, verifica-se que quase todos os estados das regiões Sul e Sudeste são superavitários (com exceção do Paraná), mas que os grandes exportadores são, efetivamente, Rio de Janeiro e São Paulo. Por outro lado, apesar de Alagoas entrar na lista dos superavitários, pode-se considerar o estado como em equilíbrio, pois a diferença entre saídas e entradas é mínima. TABELA 3.11 ESTIMATIVA DO IMPACTO DA MUDANÇA DO REGIME DA ORIGEM PARA O DESTINO R$ milhões 91 Os dados sobre os estados que não forneceram os dados foram obtidos a partir da informação dos estados que os forneceram. Conforme citado pelo autor, “a matriz utiliza as informações de saídas dos Estados para os quais se dispõe de dados para suprir as lacunas dos Estados que não informaram suas entradas e saídas”. 87 METODOLOGIA 1 Índice ICMS estimado ICMS Efetivo REGIÃO NORTE 4,46% 2.656,46 2.678 Acre 0,17% 102,80 51 Amapá 0,13% 77,37 55 Amazonas 1,15% 683,51 1.235 Pará 2,02% 1.202,32 770 Rondônia 0,61% 361,07 358 Roraima 0,09% 54,69 53 Tocantins 0,29% 174,69 156 REGIÃO NORDESTE 13,89% 8.273,84 7.833 Alagoas 0,73% 434,20 376 Bahia 4,67% 2.780,73 2.572 Ceará 1,99% 1.187,81 1.254 Maranhão 1,06% 633,58 397 Paraíba 0,72% 427,34 491 Pernambuco 2,76% 1.642,68 1.611 Piauí 0,53% 313,27 306 Rio Grande do Norte 0,80% 473,83 459 Sergipe 0,64% 380,39 367 REGIÃO CENTRO-OESTE 7,64% 4.548,64 4.124 Distrito Federal 2,11% 1.258,28 905 Goiás 2,52% 1.500,85 1.588 Mato Grosso 1,42% 845,39 957 Mato Grosso do Sul 1,58% 944,12 675 REGIÃO SUDESTE 57,25% 34.104,04 36.061 Espírito Santo 1,76% 1.050,74 1.661 Minas Gerais 9,00% 5.362,62 5.642 Rio de Janeiro 13,24% 7.887,90 5.239 São Paulo 33,24% 19.802,79 23.519 REGIÃO SUL 16,77% 9.991,82 8.879 Paraná 6,28% 3.739,01 2.839 Rio Grande do Sul 7,18% 4.277,55 4.007 Santa Catarina 3,32% 1.975,26 2.033 BRASIL 100,00% 59.574,80 59.575 ESTADO Diferença (21,86) 51,47 22,50 (551,33) 432,35 3,28 1,35 18,51 441,28 58,09 208,65 (66,44) 236,85 (63,86) 31,67 7,75 14,92 13,66 424,56 353,14 (86,75) (111,44) 269,61 (1.956,78) (610,20) (279,03) 2.648,72 (3.716,28) 1.112,80 899,99 270,98 (58,17) 0,00 METODOLOGIA 2 Entradas Saídas Diferença 5.645,80 9.159,60 (3.513,80) 414,70 66,40 348,30 190,10 104,80 85,30 1.341,60 7.956,20 (6.614,60) 2.354,00 558,20 1.795,80 725,10 295,40 429,70 288,60 39,00 249,60 331,70 139,60 192,10 22.609,20 14.004,10 8.605,10 746,30 756,70 (10,40) 5.058,60 4.941,80 116,80 5.493,80 1.612,90 3.880,90 1.904,60 305,80 1.598,80 1.418,90 1.082,80 336,10 3.803,10 3.502,70 300,40 489,50 406,70 82,80 2.530,50 737,60 1.792,90 1.163,90 657,10 506,80 16.492,00 9.232,80 7.259,20 3.550,00 1.204,50 2.345,50 8.336,50 4.041,10 4.295,40 1.122,30 2.191,80 (1.069,50) 3.483,20 1.795,40 1.687,80 78.314,70 155.883,40 (77.568,70) 3.284,80 4.905,70 (1.620,90) 13.985,60 23.968,20 (9.982,60) 14.096,10 44.400,70 (30.304,60) 46.948,20 82.608,80 (35.660,60) 37.318,50 41.212,80 (3.894,30) 14.914,50 11.982,90 2.931,60 12.457,30 16.105,30 (3.648,00) 9.946,70 13.124,60 (3.177,90) 160.380,20 229.492,70 (69.112,50) Fonte: COTEPE, Pedrosa (1988) e cálculos da autora Para a tese.xls, planilha plan2, à direita Portanto, considerando-se ambas as metodologias apresentadas acima, cada uma delas estimou que 9 estados são exportadores, sendo que há uma coincidência de 6 estados, que podem ser considerados, de fato, os prováveis perdedores com a transição do regime de origem para destino: Amazonas, Mato Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. Além disso, dos estados não coincidentes, a maioria apresentou valores pequenos em relação aos estados mencionados acima, podendo ser, inclusive, desprezados, como é o caso de Alagoas. O único estado que merece maior detalhamento é o Rio de Janeiro, que aparece em uma estimativa como sendo deficitário e na outra como superavitário, em ambas com valores relevantes. Isso pode ser devido a vários fatores, inclusive a uma arrecadação tributária efetiva, em 1997, abaixo do potencial do estado. • Considerações sobre a Distribuição de Renda O Modelo de Gordon refere-se ao impacto do processo competitivo sobre a distribuição de renda, na medida em que indivíduos pobres e ricos são afetados de 88 maneira distinta pela competição tributária92. A aplicação desse conceito, em nível individual, para o caso da CTH do ICMS seria tarefa extremamente complexa, o que fugiria ao escopo desta dissertação. No entanto, é possível realizarmos uma análise bastante interessante sobre o impacto da CTH em nível estadual, segregando as unidades federativas em estados pobres ou ricos. O primeiro ponto a notar é que, em geral, os estados pobres estarão em desvantagem em um processo competitivo e, portanto, tendem a perder relativamente aos estados ricos. Isso ocorre por uma razão muito simples: sai muito mais caro para um estado pobre manter-se na disputa por atração de investimento. Um estado pobre dispõe de níveis de infra-estrutura e mão-de-obra inferiores a de um estado rico, o que faz com que sua “compensação tributária” tenha que ser muito alta para que o capital privado se desloque em sua direção. Assim, com menor renúncia tributária, especialmente quando comparada proporcionalmente à arrecadação estadual, o estado rico mantém o capital privado em seu território. Se o estado pobre quiser continuar na “briga”, colocará em risco seu equilíbrio fiscal muito mais rapidamente que o rico. No entanto, o estado rico tem um sério problema porque, como possui maior infra-estrutura montada, é possível que as empresas já instaladas peçam equiparação de tratamento tributário, o que significaria estender as renúncias ficais para número significativo de contribuintes, o que também é arriscado para as finanças públicas estaduais. No caso brasileiro, não há duvidas que o “estado rico” é São Paulo, que tem tentado se manter à distância da CTH, justamente pelo motivo acima relatado. Nesse sentido, afirma-se que São Paulo é o grande perdedor da guerra fiscal do ICMS. Por outro lado, não restam dúvidas que, sendo o maior pólo exportador da federação, São Paulo beneficia-se largamente com o regime misto de apropriação de receitas. Essa é uma situação paradoxal para o estado, pois justamente o regime que o beneficia gera incentivos para que outros estados pratiquem a CTH que o prejudica. Dessa forma, estando entre “a cruz e a espada”, São Paulo não tem apoiado as últimas iniciativas de Reforma Tributária que buscam implantar o regime do destino no ICMS e, ao mesmo tempo, para evitar que a guerra fiscal continue, tenta impedi-la mediante questionamentos legais. Afinal, bastaria que a legislação fosse efetivamente cumprida, isto é, que as isenções só pudessem valer se aprovadas por unanimidade no CONFAZ, para que a CTH e suas conseqüências sobre São Paulo se extinguissem. No entanto, realizando uma análise mais ampla da federação brasileira, podemos considerar que o estado A, o mais rico, é formado pelas regiões Sul e Sudeste, enquanto que B, o mais pobre, é representado pelo Norte, Nordeste e CentroOeste93. Considerando essa divisão, seria difícil afirmar que o estado B estaria em franca vantagem competitiva. De fato, o que percebemos é que o capital privado, apesar de ser influenciado pelas vantagens fiscais, não deixa de considerar outros aspectos na hora de decidir sua localização. De acordo com trabalho da CNI/CEPAL, apresentado no estudo de Cavalcanti e Prado (1988) e aqui reproduzido na tabela 3.12, 92 93 Ver capítulo 1, seção 1.2 para maiores detalhes. Essa segregação foi feita pelo critério de renda per capita. 89 a proximidade do mercado é tão importante quanto os benefícios fiscais na escolha do local de instalação de uma empresa. Assim, a grosso modo, os estados que têm conseguido desviar os investimentos de São Paulo são aqueles também localizados em nosso “estado A”, pois é onde está concentrado o mercado consumidor brasileiro. De fato, os grandes investimentos que têm saído do (ou não têm se direcionado ao) estado de São Paulo, estão indo para estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul, por exemplo. A maioria desses (ou sua totalidade) não pode ser considerada como estados pobres; muito pelo contrário, são estados ricos frente à realidade brasileira. Nesse sentido, Varsano (1996) afirma que “os vencedores das guerras fiscais são, em geral, os estados de maior capacidade financeira, que vêm a ser os mais desenvolvidos, com maiores mercados e melhor infra-estrutura”, e ainda “Com o passar do tempo, as renúncias fiscais se avolumam e os estados de menor poder financeiro perdem a capacidade de prover os serviços e a infra-estrutura de que as empresas necessitam para produzir e escoar a produção. As batalhas da guerra fiscal passam a ser vencidas somente pelos de maior poder financeiro, que são também os que têm acesso mais fácil a crédito”. TABELA 3.12 RAZÕES DA INSTALAÇÃO DE PLANTAS PRODUTIVAS EM OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO RAZÕES Benefícios fiscais Proximidade do mercado Custo da mão-de-obra Vantagens locacionais específicas Sindicalismo atuante na região Saturação espacial % DAS RESPOSTAS RELEVANTES 57,3 57,3 41,5 39,0 24,4 14,6 Fonte: Cavalcanti e Prado (1998) Além disso, quando comparamos dados relativos aos investimentos direcionados às regiões Sul e Sudeste, com aqueles destinados ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, percebemos como as regiões mais pobres têm que oferecer muito mais benefícios para receber um volume bem menor de investimento. Isso fica claro quando analisamos a atual questão do setor automotivo no Brasil. Segundo Cavalcanti e Prado (1998), “A MP do setor automotivo, como é sabido, incluía originalmente incentivos fiscais para a implantação de empresas no país. Quando da sua reedição, a bancada dos estados menos desenvolvidos exigiu a introdução de incentivos diferenciados para suas regiões, o que altera substancialmente o seu alcance. Ela passou a contemplar um vultoso elenco de incentivos diferenciais para empresas que decidissem localizar suas plantas naqueles estados”. De fato, segundo dados dos citados autores, os investimentos nas regiões Sul e Sudeste estão previstos em R$ 55 bilhões, o que significa uma média de R$ 391 milhões por investimento, enquanto que para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste esse valor é da ordem de R$ 3,3 bilhões, com uma média de R$ 132 milhões por investimento. Dessa forma, os estados menos 90 desenvolvidos acabam por renunciar um significativo volume de receitas para atrair um investimento médio inferior ao dos estados ricos. Portanto, é necessário que os governos atentem para as possíveis conseqüências da CTH sobre a distribuição da renda nacional e verifiquem o quanto está sendo necessário renunciar em troca da atração de investimentos. É possível que haja casos de ganhos para os estados mais pobres, tanto em termos de bem-estar como de renda, mas os governos devem estar conscientes que também há possibilidades de ocorrerem perdas, perdas essas que estarão ocultadas, em um primeiro momento, pelas vantagens econômicas e políticas de aumento do parque industrial e de geração de empregos. • Considerações sobre o Congestionamento Outra provável conseqüência da CTH é gerar algum reflexo sobre o congestionamento de alguns estados, o que é reportado por Gordon em seu Termo 394. No Brasil, esse efeito tem ocorrido, especialmente no estado de São Paulo, à medida que alguns investimentos têm se deslocado para estados vizinhos, sobretudo no que se refere ao setor automotivo. No entanto, outros deslocamentos de empresas têm ocorrido, sobretudo em setores mais intensivos em mão-de-obra, onde a saída de São Paulo tende a baratear o custo com pessoal e sindicatos. Por exemplo, de acordo com Cavalcanti e Prado (1998), o governo de Minas Gerais procedeu a levantamentos estatísticos que indicam que, entre 1995 e 1998, aproximadamente 50 empresas do setor têxtil foram atraídas para o estado, levando um investimento total de cerca de R$ 300 milhões. Dessas empresas, a grande maioria deslocou-se de São Paulo para o sul mineiro. No entanto, como já mencionado anteriormente, há muito poucas estatísticas sobre a CTH e suas conseqüências, e portanto, não há dados confiáveis do volume e impacto desses deslocamentos produtivos sobre São Paulo e sobre o estado competidor. Certamente que existe hoje, no País, uma tendência rumo à interiorização, isto é, a fuga das grandes capitais, por vários problemas que elas apresentam, como trânsito, violência e mesmo sindicatos mais fortes e organizados. Dessa forma, a CTH pode estar contribuindo para minorar esses altos custos gerados pela aglomeração de cidades como São Paulo e esse tem sido apontado, muitas vezes, como um efeito positivo da guerra fiscal. De fato, há uma forte corrente cuja opinião pode ser sintetizada no seguinte argumento sobre a guerra fiscal95: “A guerra fiscal interna tem feito muito bem ao Brasil, ajudando a desconcentrar o desenvolvimento. Não há nada melhor, por exemplo, do que constatar que algumas regiões do Nordeste estão crescendo a 7% ao ano”. É lógico que também não há nada que possa nos fazer afirmar que o crescimento econômico do Nordeste está tão relacionado assim ao processo competitivo, mas não restam dúvidas que existe um efeito-deslocamento de 94 O Termo 3 do Modelo de Gordon refere-se ao efeito congestionamento e encontra-se analisado na seção 1.2.2. 95 Afirmação do empresário L. R. Furlan, retirada do jornal Gazeta Mercantil, de 03/12/98, de matéria intitulada “Guerra fiscal tem sido útil, diz Furlan”. 91 São Paulo rumo a outras regiões. Portanto, é possível que a CTH tenha um impacto positivo sobre a enorme concentração industrial brasileira, contribuindo para a melhoria do padrão de vida nas grandes cidades e para o ganho de eficiência empresarial, que pode ter seus custos com segurança e com a produtividade da mão-de-obra diminuídos ao fugir dos grandes congestionamentos urbanos do País. • Considerações sobre a Arrecadação Tributária A CTH também pode gerar impactos sobre a arrecadação de tributos, pois o processo competitivo leva à diminuição ou à isenção do imposto devido pelos contribuintes. Entretanto, essa questão e seus efeitos sobre as finanças estaduais ainda estão longe de serem pacificadas e efetivamente mensuradas na federação brasileira. De fato, recorrendo ao nosso modelo de simulação, percebemos que, em geral, similarmente ao caso da análise do bem-estar, a federação como um todo sai perdendo em termos de arrecadação global. Portanto, muito provavelmente, a arrecadação nacional do ICMS deve estar abaixo do seu potencial. De fato, de acordo com a tabela 2 do Apêndice IV, a arrecadação do ICMS atingiu, em 1997, 6,87% do PIB, isto é, o mesmo patamar de 1991. Além disso, esse imposto teve sua participação relativa diminuída de 27,93%, em 1991, para 24,72% em 1997. Desse modo, verificamos que as receitas advindas desse imposto estão estagnadas, enquanto existem pelo menos duas razões para que elas tivessem aumentado: a recuperação do nível de consumo no período pós-real e o esforço fiscal das administrações tributárias estaduais (que estão, em sua grande maioria, desenvolvendo projetos de modernização - especialmente junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento). Logicamente, esses dados são meramente indicativos, mas, na falta de estimativas confiáveis a respeito do impacto da CTH sobre a arrecadação do ICMS, podem representar uma linha de investigação sobre o assunto. Analisando a questão pela ótica do estado B, o argumento mais utilizado pelos estados brasileiros é que a CTH não deve gerar perdas de receitas (para o próprio estado), pois a competição geralmente tem sido utilizada para atrair investimentos que, em sua ausência, não seriam destinados ao estado. Aliás, argumento muito semelhante vem sendo tradicionalmente utilizado pela Zona Franca de Manaus para justificar seus incentivos. Assim, a arrecadação atual estaria mantida, enquanto se concede um benefício tributário na expectativa de aumentar as receitas futuras. Sem dúvida, esse é um raciocínio legítimo por parte do estado B, especialmente se estiver vinculado ao regime de origem, mas que desconsidera totalmente a questão federativa do País, pois o estado não está internalizando o custo imposto às demais unidades da federação. Quanto ao estado A, ele deve, a princípio, sair prejudicado, pois perde o investimento que estava instalado em sua jurisdição. De acordo com Cavalcanti e Prado (1998), referindo-se a São Paulo, “Estimativas divulgadas na imprensa pela Secretaria da Fazenda, em 1995, davam conta de que, no ano de 1994, essas perdas totalizariam, aproximadamente, 12% da arrecadação total, representando R$ 1,9 bilhão”. A partir desses números, percebe-se que o custo da CTH pode estar sendo mais alto do que se imagina, especialmente para São Paulo, mas que, logicamente, tem reflexos na federação como um todo. 92 • Efeito sobre os Custos Públicos Quanto aos impactos da CTH sobre as despesas estaduais, vale acrescentar uma breve consideração a tudo o que já foi dito até aqui. É de conhecimento comum que a guerra fiscal não se trava apenas no campo tributário, mas também no financeiro, geralmente com ampla participação de bancos estaduais de desenvolvimento e de empresas estatais. Isso repercute sobre os custos públicos estaduais, pois o estado acaba financiando gastos com infra-estrutura ou concedendo os mais diversos benefícios, como terrenos e isenção de taxas públicas. Os exemplos desses gastos são pródigos na guerra fiscal brasileira, sobretudo no que se refere aos investimentos do setor automotivo: doação de 3 milhões de m2 de terrenos à Mercedes Benz por Minas Gerais; isenção do IPTU e do ISS da Volkswagen pelo Rio de Janeiro, além do diferimento do seu ICMS por cinco anos; participação de 40% no capital da Renault pelo Paraná e redução em 25% da taxa de energia elétrica a ser paga pela empresa, dentre tantos outros exemplos. Portanto, deve-se discutir, em primeiro lugar, qual a prioridade desse gasto para a população, pois são recursos que beneficiam agentes econômicos específicos quando existem serviços públicos essenciais não sendo fornecidos satisfatoriamente à população e, em segundo lugar, qual sua fonte de financiamento. Dado que a maioria dos estados encontra-se em situação financeira insolvente, provavelmente o estado está se endividando para conceder esses benefícios, deslocando receitas que poderiam ser melhor aplicadas em outras finalidades ou aumentando impostos e taxas de outros segmentos sociais. 3.4 - CONCLUSÃO O presente capítulo dedicou-se ao estudo da competição tributária no Brasil, identificando os fatores estruturais e conjunturais que justificam sua origem e seu acirramento ao longo dos últimos anos. Na primeira categoria incluem-se a falta de solidez da estrutura federativa, o desenho do sistema tributário nacional e a inexistência de uma política industrial efetiva, dentre outros. Os fatores conjunturais estão relacionados à retomada do fluxo de investimentos estrangeiros e ao crescimento econômico nesta década de 90, além da situação de crise financeira estadual. Assim, a confluência de todos esses fatores colaborou para o surgimento e o agravamento do processo competitivo tributário dentro da federação brasileira. Esse processo pode ser classificado em dois tipos: a competição tributária vertical, que ocorre entre a União e os governos subnacionais, e a competição tributária horizontal, que se desenvolve entre os governos de mesmo nível hierárquico. Indubitavelmente, ambos os tipos de competição tributária trazem ineficiências à economia nacional, pois as ações dos governos competitivos produzem externalidades sobre toda a federação, sem haver qualquer tipo de compensação àqueles governos que sofrem perdas com o processo. No entanto, apesar de ser amplamente reconhecido que a “guerra fiscal” tem importado custos à federação brasileira, não há estimativas confiáveis sobre sua dimensão e seus ganhadores ou perdedores efetivos, até mesmo porque todo o processo competitivo tem se desenvolvido à margem da lei. Mais que isso, não se tem observado a vontade política necessária para estancar ou reverter a competição tributária, já que o processo atinge estados ricos e pobres de 93 maneira distinta. Essa é uma situação preocupante, pois o País não pode continuar convivendo com uma situação competitiva a longo prazo, que pode comprometer a própria solidez do federalismo brasileiro, sem possuir uma estimativa confiável do custo-benefício que está sendo incorrido. CONCLUSÃO A presente dissertação objetivou estudar a competição tributária, definida como uma ação realizada por um governo que, mediante a utilização de mecanismos de natureza tributária, influencia as finanças públicas e o bem-estar dos cidadãos de outros governos. De acordo com Mintz e Tulkens (1986), existe a ocorrência de um processo competitivo quando as decisões fiscais de um governo afetam as receitas tributárias de outros governos. Tipicamente, mediante a alteração de suas alíquotas relativamente às alíquotas de outras jurisdições, cada governo tem a habilidade de modificar sua base tributária às custas (ou ao benefício) de seus vizinhos. Nesse sentido, a análise da teoria econômica, realizada no primeiro capítulo desta dissertação, mostrou que a competição tributária deve ser entendida como uma externalidade. Dessa forma, a grande maioria dos recentes trabalhos teóricos demonstra que o resultado do processo competitivo interjurisdicional é ineficiente, posição essa contrária ao tradicional modelo de Tiebout (1956). Isso porque esse processo, quando operado em ambiente não-cooperativo, diminui a arrecadação tributária total dos governos nela envolvidos e, em decorrência, o nível dos bens e serviços públicos colocados à disposição da população também é reduzido. Desse modo, mesmo que cada governo, per si, esteja agindo em prol de seus cidadãos, nenhum estará se preocupando com os benefícios ou malefícios que impõe sobre os cidadãos de outros governos e, assim, o equilíbrio econômico será ineficiente. Esses efeitos externos ficaram bastante claros mediante o estudo do modelo de Gordon (1983), que identificou seis tipos distintos de impactos da ação competitiva de um governo sobre os demais: exportação de tributos, efeitos distributivos, congestionamento, efeitos indiretos sobre a arrecadação tributária, alteração dos custos públicos e efeitos sobre os termos de troca. Assim, constatada a ineficiência do equilíbrio não-cooperativo pela teoria econômica, este trabalho buscou identificar quais seus reais impactos sobre a governabilidade de estados ou países, o que foi realizado no segundo capítulo da dissertação. Demonstrou-se que, de fato, a tributação exerce influência sobre a tomada de decisão dos agentes econômicos. Isso porque, com a crescente mobilidade dos fatores de produção, o componente tributário tem sido cada vez mais considerado como um fator relevante para a minimização dos custos dos negócios. Desse modo, os governos passam a utilizar os sistemas tributários não apenas como fonte de financiamento de suas atividades, mas como instrumento de atração de capital ou mãode-obra qualificada. Quanto aos agentes privados, eles acabam por forçar uma espécie de “leilão tributário”, negociando com cada governo níveis favorecidos de tributação efetiva. Em decorrência, a competição tributária tornou-se fato consumado nas 94 economias globalizadas, assumindo importância não só para os países federativos, mas também para todos aqueles que participam ativamente das relações internacionais. Sem dúvida, a crescente facilidade que algumas jurisdições detêm para “roubar” a base tributária de seus vizinhos já está sendo considerada um fenômeno de degradação tributária e pode estar implicando o esgotamento do atual modelo de sistemas tributários. Dadas a importância e a gravidade que o fenômeno competitivo tem assumido para a maioria dos governos mundiais, tornou-se urgente a discussão de soluções que possam coibir, ou ao menos minimizar, seus efeitos nocivos. O segundo capítulo desta dissertação também se dedicou a esse assunto, dando especial atenção às soluções que estão sendo efetivamente discutidas nos principais foros internacionais. Em geral, pode-se afirmar que a tendência atual é partir para soluções que se baseiem na cooperação multilateral entre os governos envolvidos, posto que a competição tributária, obviamente, é um problema que dificilmente seria resolvido mediante ações unilaterais. Dentre as possíveis soluções discutidas, destacam-se a criação de instituições que zelem pela prática tributária competitiva saudável (a exemplo do papel que a Organização Mundial do Comércio - OMC desempenha para as relações comerciais internacionais), a adesão dos países ao Informe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE (que busca definir, de forma clara, Paraíso Fiscal e Área de Regime Tributário Preferencial, fornecendo recomendações a serem seguidas pelos países-membros e não-membros no sentido de combater a competição tributária nociva) e, por fim, a harmonização tributária. Indubitavelmente, a harmonização tributária, muitas vezes entendida como o antônimo do processo competitivo, é a solução que tem despertado maior interesse da academia e dos diversos governos, sobretudo os da União Européia. Apesar disso, pode-se afirmar que a teoria econômica ainda encontra-se em estágio incipiente em relação ao assunto e as tentativas práticas de harmonização têm sido frustradas ao longo dos últimos anos. De fato, o próprio conceito de harmonização tributária tem gerado controvérsias, pois alguns a consideram como uma equalização total de alíquotas, enquanto outros a vêem apenas como uma convergência dos sistemas tributários rumo a estruturas semelhantes. No entanto, pode-se dizer que há certo consenso quanto ao seu objetivo primordial, que é o impedimento da proliferação da prática competitiva entre os governos, evitando a corrosão de suas receitas tributárias. Nesse sentido, a harmonização poderia ser considerada como um acordo político intergovernamental, e pode ser criticada por ter a possibilidade de se tornar um cartel de governos contra os contribuintes, já que se todos os governos, conjuntamente, fossem decidir um nível de tributação, certamente não teriam nenhum incentivo em escolher o nível mínimo. Assim, estabelece-se um trade-off entre a competição e a harmonização tributárias que, de certa forma, faz ressurgir um outro debate tradicional da teoria econômica: o da tributação uniforme, ou harmonizada, e da tributação ótima. Na prática, segundo a opinião de Frey e Eichenberger (1996), haverá uma combinação entre uma harmonização oficial e um certo grau (não oficial) de competição entre as jurisdições, já que sempre existirão incentivos para que os contribuintes evadam impostos e os governos desviem-se do “cartel da harmonização”. 95 Após essa ampla análise do processo competitivo, de seus impactos e suas possíveis soluções, esta dissertação procurou aplicar os conceitos e constatações estudados em seus dois primeiros capítulos à realidade tributária do Brasil. Assim, o terceiro e último capítulo foi dedicado à análise da competição tributária na federação brasileira, buscando contribuir para o estudo do tema no País. Para isso, procurou-se realizar uma apresentação metódica do sistema tributário nacional e das origens e características do nosso processo competitivo intergovernamental. Buscou-se, sempre que possível, ilustrar as análises com dados quantitativos, simulações ou constatações históricas. No entanto, vale mencionar que a falta de dados e informações oficiais sobre o assunto restringiu, sobremaneira, o alcance das análises aqui realizadas. A análise iniciou-se pelo estudo dos antecedentes e das principais motivações da competição tributária brasileira. Uma retrospectiva histórica mostra que o atual processo competitivo é produto de uma paulatina deterioração da estrutura tributária do País, reflexo das próprias crises econômicas que o Brasil tem convivido nas últimas décadas. De fato, em muitos aspectos, o atual sistema tributário nacional é menos neutro e detém maiores ineficiências do que aquele introduzido com a Reforma Tributária de 66. Assim, demonstrou-se que as origens da competição interna da federação brasileira residem em fatores de natureza estrutural e conjuntural. Na primeira categoria, incluem-se a falta de solidez ou maturidade da própria estrutura federativa (que nem mesmo possui um fórum legal permanente onde os problemas da federação possam ser tecnicamente discutidos), o desenho do sistema tributário nacional (especialmente no que concerne à competência tributária do ICMS e à adoção do regime da origem) e a inexistência de uma política industrial efetiva (que tem forçado a que estados utilizem-se da tributação como o principal instrumento de atração de investimentos). Na segunda categoria, a dos fatores conjunturais, identificou-se que a retomada do fluxo de investimentos estrangeiros, o crescimento econômico proporcionado pelo Plano Real e a crise fiscal dos estados contribuíram para que diversos governos subnacionais entrassem na disputa pela absorção desses novos capitais e investimentos. Em seguida, constatadas e identificadas as razões do surgimento e agravamento da competição tributária na federação brasileira, este trabalho procurou analisar, de modo mais detalhado, as características e impactos desse processo. Nesse sentido, verificou-se que o processo competitivo ocorre não apenas entre os estados, como é amplamente reconhecido no País, mas também entre a União e os governos subnacionais. Essa constatação implicou a classificação da competição tributária brasileira em dois tipos: a vertical e a horizontal, de acordo com sua ocorrência entre governos de distintos níveis hierárquicos ou no âmbito de uma mesma esfera de governo, respectivamente. A seção 3.3.2 do terceiro capítulo realizou uma ampla análise da competição tributária vertical, mostrando que esse processo originou-se, sobretudo, na crescente descentralização que ocorreu nas últimas décadas no País (que culminou com a Constituição de 88), conjugada com a crise fiscal da União. Esse tipo de competição tem ocorrido mediante a substituição de tributos partilháveis, isto é, daqueles que entram na composição dos fundos de transferência, por contribuições sociais, que não 96 podem ser repassadas a estados e municípios. Especificamente, foi priorizada a arrecadação da COFINS e criadas a CSLL e a CPMF. Em decorrência, houve uma crescente retração do volume dos recursos que deveriam ser repassados a Estados e Municípios, diminuindo a receita disponível potencial dos governos subnacionais. Essa situação, como qualquer processo competitivo, tem implicado ineficiências ao sistema tributário nacional. Primeiramente, ao se privilegiar essas contribuições sociais, houve uma inegável opção por tributos distorcivos, incidentes em cascata. Além disso, a participação de contribuições sociais na carga tributária brasileira atingiu níveis semelhantes aos dos países europeus, sem, no entanto, ter o retorno em termos de serviços públicos desejado. Em segundo lugar, devido à redução da receita disponível dos Estados e Municípios, é bem provável que tenha ocorrido diminuição do bem-estar social em alguns governos subnacionais, decorrente da queda ou realocação dos serviços públicos na jurisdição, caso a União não tenha investido o mesmo montante que seria aplicado pelo governo local. Por último, pode ter havido impactos sobre a distribuição de renda e sobre a arrecadação própria dos governos subnacionais. No entanto, a mensuração desses impactos requer maiores informações e dados disponíveis, devendo ser objeto de um estudo mais específico e detalhado do que esta dissertação pretendeu abranger. Por sua vez, a seção 3.3.3 dedicou-se à análise da competição tributária horizontal, enfocando a “guerra fiscal” do ICMS existente entre grande parte dos estados brasileiros. Esse processo tem por objetivo a concessão dos mais diversos tipos de benefícios tributários e financeiros às empresas, de modo a atrair investimentos privados, sobretudo os estrangeiros. Sem dúvida, pode-se afirmar que o Brasil está utilizando a política tributária como substituta da política industrial, substituição essa que pode se revelar danosa à arrecadação global da federação e à alocação ótima dos investimentos dentro do País. De fato, de acordo com o modelo de simulação desenvolvido nesta dissertação, o processo competitivo brasileiro implica, em geral, uma perda de bem-estar social para a população como um todo, o que está plenamente de acordo com os resultados previstos pela teoria econômica. Isso porque, quando a competição ocorre para investimentos já instalados ou que certamente serão destinados ao País, o estado competidor tem que renunciar uma parte de sua arrecadação para atrair o capital privado. Ademais, há uma perda de eficiência alocativa, já que o capital passará a se instalar em um estado que não apresenta os melhores índices de competitividade sob condições normais de concorrência, justamente porque necessita renunciar parte de sua arrecadação para se tornar competitivo. Outra questão de alta relevância abordada no terceiro capítulo diz respeito ao sistema de apropriação de receitas do ICMS ou, em outras palavras, a questão da origem e do destino. De fato, a tributação na origem dá margem à exportação de tributos, causando uma das externalidades apontadas pelo Modelo de Gordon. Na prática, o que ocorre é que a sistemática do ICMS aproxima-o mais de um imposto sobre a produção do que sobre o consumo, gerando o incentivo necessário para que estados atraiam empresas para sua jurisdição (mesmo que toda a produção seja exportada). Sem dúvidas, a adoção do sistema de destino praticamente acabaria com o processo competitivo horizontal brasileiro, mas, por outro lado, implicaria em maior 97 necessidade de controles tributários e perdas para os estados mais ricos da federação. Sobretudo esse último motivo tem sido o empecilho político suficiente para evitar a adoção de qualquer medida em prol da adoção do sistema de destino na tributação do ICMS. Vale a pena ressaltar que essa é uma questão de grande seriedade e importância para a federação brasileira e que, talvez até por isso mesmo, tem sido tratada com tamanho descaso no País. Como conseqüência, nem mesmo uma balança comercial interestadual tem sido calculada e divulgada oficialmente nos últimos anos, o que não permite nem ao menos saber quais estados sairiam ganhando ou perdendo caso o regime do destino fosse adotado. Visando preencher essa lacuna, esta dissertação realizou duas estimativas com o objetivo de identificar os prováveis perdedores com a transição do regime, e chegou aos seguintes estados: Amazonas, Mato Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. No entanto, uma estimativa mais aprofundada merece ser realizada sobre o tema, especialmente após a divulgação de dados mais confiáveis, até mesmo para definir a posição do Rio de Janeiro, que ficou dúbia nas análises aqui realizadas. Por último, a presente dissertação também buscou analisar outros impactos da “guerra fiscal” na economia brasileira. Quanto aos possíveis efeitos distributivos, constatou-se que os estados mais pobres poderão estar em desvantagem relativamente aos mais ricos, pois, em geral, terão que abrir mão, proporcionalmente, de uma maior parcela de sua arrecadação para atrair o investimento desejado. No que se refere ao efeito congestionamento, é possível que o processo competitivo esteja ajudando a interiorizar a estrutura produtiva do País, o que tem um impacto positivo na minimização dos custos de aglomeração das grandes cidades, especialmente São Paulo. Além desses, poderão ocorrer efeitos sobre a arrecadação tributária que, em um primeiro momento, do ponto de vista do estado competidor, deverá ser diminuída, mas que poderá ser recuperada no futuro, quando cessar a concessão dos benefícios fiscais. O grande problema, no entanto, é a falta de avaliações de custo-benefício que possam mensurar quanto os cidadãos atuais estão renunciando de seu bem-estar em prol dos cidadãos futuros. Em resumo, após essa ampla análise teórica e prática sobre a competição tributária, ficou constatado que esse é um processo que pode gerar, indubitavelmente, impactos negativos sobre a economia e o bem-estar social da população. É evidente que o processo competitivo tem, em si mesmo, um mecanismo de auto-alimentação, pois tanto os governos como os agentes privados lucram com a existência e continuidade dessa prática. Além disso, todas as soluções factíveis no sentido de coibir ou minimizar a competição dependem de grande esforço político, pois necessitam de cooperação multilateral dos governos envolvidos. Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que algum grau de competição até poderia ser saudável, na medida em que os cidadãos pudessem escolher a melhor combinação de impostos e bens públicos a eles oferecida. Portanto, analisando o fenômeno de maneira pragmática, o que deve ser perseguido pelos governos e pela sociedade é uma definição clara do grau de competição (saudável) que pode ser tolerado pelos cidadãos, ou seja, o ponto de equilíbrio do trade-off competição versus harmonização tributárias. É sempre bom lembrar que os extremos dessa curva de possibilidade pode levar à competição predatória ou ao cartel dos governos harmonizados. 98 Nesse sentido, a mais importante recomendação a ser deixada por este trabalho é a de que os governos passem a calcular e divulgar os custos e benefícios do processo competitivo. Especialmente no que se refere ao Brasil, não se pode tolerar que os governos continuem a competir sem, ao menos, possuir um orçamento realista de renúncias tributárias, sem apresentar uma análise efetiva dos impactos esperados do novo investimento atraído (em termos de perda de arrecadação, geração de empregos, impacto ambiental, etc.) e sem possuir estimativas dos efeitos da guerra fiscal sobre a federação brasileira, isto é, sem se atentar para a importante questão das externalidades. Sem dúvida, medidas como essas, por si só, já significarão um importante passo no controle da competição tributária predatória no País, contribuindo sobremaneira para o fortalecimento e consolidação da estrutura federativa brasileira. APÊNDICE I Desenvolvimento das Condições de Primeira Ordem do Problema de Maximização de Gordon (1983), apresentado na página 15 desta dissertação. A) Caso Centralizado Max W = ∑ ω i ∑ n ikV ik i s. a ∑∑ (y j k jk ⋅ s jk + x jk ⋅ t jk − b jk ⋅ w jk ) = 0 k O Lagrangeano é: L = ∑ ω i ∑ n ikV ik + µ ∑∑ ( y jk ⋅ s jk + x jk ⋅ t jk − b jk ⋅ w jk ) i k j k ik ∂ V ik ∂ q jk ∂ V ik ∂ w jk ∂ V ik ∂ c k ∂L + ∑ ω i ∑ ∂ n V ik + = ∑ ω i ∑ n ik + + ∂q ∂s ∂ s jl ∂ w jk ∂ s jl ∂ c k ∂ s jl i i k k ∂ s jl jk jl ∂ y jk ∂ x jk ∂ w jk + µ y jl + ∑∑ s jk + ∑ ∑ t jk − ∑∑ b jk = 0 k j ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl 99 Mas, observe que: • ∂ n ik o termo é zero (derivada de uma constante); e ∂ s jl • como s jk = q jk − p jk , temos: ∂ s ik ∂ qik ∂ pik = − ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl ∂ q jk ⇒ = 1+ ∂ s jl ∂ w jk ∂ p jk ∂ s jl • como t jk = v jk − w jk , temos: • pelo Teorema da Dualidade, temos: ∂ V ik = − α ik y ikjl ∂ q jl ∂ s jl = ∂ v jk ∂ s jl (Roy) ∂ V ik = α ik x ikjl (Shephard) ∂ w jl Assim, substituindo os termos acima em ∂ p jk ∂L = ∑ ω i ∑ n ik − α ik y ikjl 1 + ∂ s jl ∂ s jl i k ∂L , temos: ∂ s jl ik ∂v + α ik x ikjl ⋅ jk + ∂ V ∂ ck + ∂ s jl ∂ c k ∂ s jl ∂ y jk ∂ x jk ∂ w jk + µ y jl + ∑∑ s jk + ∑ ∑ t jk − ∑∑ b jk = 0 k j ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl ⇒ − ∑∑ n ik ω i α ik y ikjl − ∑∑ n ik ω i α ik y ikjl ⋅ i k i k ∂ p jk ∂ s jl + ∑∑ n ik ω i α ik x ikjl ⋅ i k ∂ v jk ∂ s jl + 100 + ∑∑ n ik ω i i k ∂ y jk ∂ x jk ∂ w jk ∂ V ik ∂ c k + µ y jl + ∑∑ s jk + ∑ ∑ t jk − ∑∑ b jk = 0 ∂ c k ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl Substituindo ω i α ik por θ + dθ ik , temos: −θ ∑∑ n i +θ ik y ikjl − ∑∑ n ik y ikjl dθ ik − θ k ∑∑ n ik x ikjl i k i ∑∑ n k ∂ v jk ∂ s jl i + ∑∑ n ik x ikjl i k ∂ v jk ik y ikjl ∂ p jk ∂ s jl k − ∑∑ n ik y ikjl dθ ik + ∑∑ n ik ω i ∂ s jl i k i k ∂ p jk ∂ s jl dθ ik + ∂ V ik ∂ c k + ∂ c k ∂ s jl ∂ y jk ∂ x jk ∂ w jk + µ y jl + ∑∑ s jk + ∑ ∑ t jk − ∑∑ b jk = 0 k j ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl Colocando em evidência θ e dθ ik , temos: θ − ∑∑ n ik y ikjl − ∑∑ n ik y ikjl i k i k ∂ p jk ∂ s jl + ∑∑ n ik x ikjl i k ∂ v jk + ∂ s jl ∂ p jk ∂ v jk ∂ V ik ∂ c k ik + ∑∑ dθ ik − n ik y ikjl − n ik y ikjl + n ik x ikjl + + ∑∑ n ω i ∂ s jl ∂ s jl i k ∂ c k ∂ s jl i k ∂ y jk ∂ x jk ∂ w jk + µ y jl + ∑∑ s jk + ∑ ∑ t jk − ∑∑ b jk = 0 k j ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl Note que: • − n ik y ikjl − n ik y ikjl ∂ p jk ∂ s jl ∂ q jk ∂ q jk = −n ik y ikjl − n ik y ikjl − 1 = −n ik y ikjl ∂s ∂ s jl jl E que, pelas condições de Market Clearing: 101 ∑∑ n • i y ikjl = y jl ik x ikjl = x jl + b jl k ∑∑ n • ik i k Então, substituindo: ∂ p jk ∂ s jl θ − y jl − y jl + ∑∑ n ik ω i i k + x jl ∂ v jk ∂ s jl + b jl ik ik ∂ q jk ∂ v jk ∂ v jk + n ik x ikjl + ∑∑ dθ ik − n y jl + ∂ s jl i k ∂ s jl ∂ s jl ∂ y jk ∂ x jk ∂ w jk ∂ V ik ∂ c k + µ y jl + ∑∑ s jk + ∑ ∑ t jk − ∑∑ b jk = 0 ∂ c k ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl k j ∂ s jl ∂ p jk ∂ v jk ∂ Dk ∂ I ik ⇒ − θ y jl − θ y jl − x jl + ∑∑ dθ ik + +θ ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl i k +∑ k ∂ Ck ∂T ∂ Dk + µ y jl + µ ∑ k − µ ∑ =0 ∂ s jl k ∂ s jl k ∂ s jl Mas, note que, no equilíbrio, o lucro é zero, então y jl ∂ p jk ∂ s jl − x jl ∂ v jk ∂ s jl =0 Portanto, ⇒ (µ − θ ) y + ∑ ∑ d θ jl i k ik ∂ I ik ∂ Ck +∑ +µ ∂ s jl k ∂ s jl ∂ Tk ∑∂s k jl ( − µ −θ ) ∑ ∂∂ Ds k k =0 jl onde: ∂ w jk ∂ q jk ∂I ik = n ik x ikjl − y ikjl ∂ s jl ∂ s ∂ s jl jl ∂ Ck ∂ V ik ∂ c k = ∑ n ik ω i ∂ s jl ∂ c k ∂ s jl i 102 ∂ y jk ∂ x jk ∂ Tk = ∑ s jk + t jk ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl j ∂ w jk ∂ Dk = ∑ b jk ∂ s jl ∂ s jl j ∑∑ ω α θ= ∑∑ n i i ik n ik k i ik k dθ ik = ω iα ik − θ B) Caso Descentralizado A maximização para o caso descentralizado é similar à resolução acima descrita. Note, no entanto, que as condições de market clearing não se aplicam neste caso, o que leva a seguinte modificação no termo 1 e no surgimento (explícito) do termo 6: l • Termo 1: − θ n il y jl + µ l y jl • ∂ p jl ∂ v jl Termo 6: θ − ∑ n il y iljl + ∑ n il x iljl ∂ s jl ∂ s jl i i Assim, a Condição de Primeira Ordem para o caso descentralizado fica sendo: (µ l ) − θ n il y jl + ∑ d θ il onde: l i ∂ I il ∂ Cl ∂ Tl ∂ Dl ∂ Zl + +µ −µ + θ ∑ n il =0 ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl i ∂ p jl ∂ v jl ∂ Zl = − y iljl + x iljl ∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl APÊNDICE II 103 Recommendations and Guidelines for Dealing With Harmful Tax Practices I - Recommendations concerning domestic legislation and practices 1. Recommendation concerning Controlled Foreign Corporations (CFC) or equivalent rules: that countries that do not have such rules consider adopting them and that countries that have such rules ensure that they apply in a fashion consistent with the desirability of curbing harmful tax practices. 2. Recommendation concerning foreign investment fund or equivalent rules: that countries that do not have such rules consider adopting them and that countries that have such rules consider applying them to income and entities covered by practices considered to constitute harmful tax competition. 3. Recommendation concerning restrictions on participation exemption and other systems of exempting foreign income in the context of harmful tax competition: that countries that apply the exemption method to eliminate double taxation of foreign source income consider adopting rules that would ensure that foreign income that has benefited from tax practices deemed as constituting harmful tax competition do not qualify for the application of the exemption method. 4. Recommendation concerning foreign information reporting rules: that countries that do not have rules concerning reporting of international transactions and foreign operations of resident taxpayers consider adopting such rules and that countries exchange information obtained under these rules. 5. Recommendation concerning rulings: that countries, where administrative decisions concerning the particular position of a taxpayer may be obtained in advance of planned transactions, make public the conditions for granting, denying or revoking such decisions. 6. Recommendation concerning transfer pricing rules: that countries follow the principles set out in the OECD’s 1995 Guidelines on Transfer Pricing and thereby refrain from applying or not applying their transfer pricing rules in a way that would constitute harmful tax competition. 7. Recommendation concerning access to banking information for tax purposes: in the context of counteracting harmful tax competition, countries should review their laws, regulations and practices which govern access to banking information with a view to removing impediments to the access to such information by tax authorities. II - Recommendations concerning tax treaties 8. Recommendation concerning greater and more efficient use of exchanges of information: that countries should undertake programs to intensify exchange of 104 relevant information concerning transactions in tax havens and preferential tax regimes constituting harmful tax competition. 9. Recommendation concerning the entitlement to treaty benefits: that countries consider including in their tax conventions provisions aimed at restricting the entitlement to treaty benefits for entities and income covered by measures constituting harmful tax practices and consider how the existing provisions of their tax conventions can be applied for the same purpose; that the Model Tax Convention be modified to include such provisions or clarifications as are needed in that respect. 10. Recommendation concerning the clarification of the status of domestic antiabuse rules and doctrines in tax treaties: that the Commentary on the Model Tax Convention be clarified to remove any uncertainty or ambiguity regarding the compatibility of domestic anti-abuse measures with the Model Tax Convention. 11. Recommendation concerning a list of specific exclusion provisions found in treaties: that the Committee prepare and maintain a list of provisions used by countries to exclude from the benefits of tax conventions certain specific entities or types of income and that the list be used by Member countries as a reference point when negotiating tax conventions and as a basis for discussions in the Forum. 12. Recommendation concerning tax treaties with tax havens: that countries consider terminating their tax conventions with tax havens and consider not entering into tax treaties with such countries in the future. 13. Recommendation concerning co-ordinated enforcement regimes (joint audits: co-ordinated training programmes, etc.): that countries consider undertaking coordinated enforcement programs (such as simultaneous examinations, specific exchange of information projects or joint training activities) in relation to income or taxpayers benefiting from practices constituting harmful tax competition. 14. Recommendation concerning assistance in recovery of tax claims: that countries be encouraged to review the current rules applying to the enforcement of tax claims of other countries and that the Committee pursue its work in this area with a view to drafting provisions that could be included in tax conventions for that purpose. III - Recommendations to intensify international co-operation in response to harmful tax competition 15. Recommendation for Guidelines and a Forum on Harmful Tax Practices: that the Member countries endorse the Guidelines on harmful preferential tax regimes set out in the following Box and establish a Forum to implement the Guidelines and other Recommendations in this Report. 105 16. Recommendation to produce a list of tax havens: that the Forum be mandated to establish, within one year of the first meeting of the Forum, a list of tax havens on the basis of the factors identified in section II of Chapter 2. 17. Recommendation concerning links with tax havens: that countries that have particular political, economic or other links with tax havens ensure that these links do not contribute to harmful tax competition and, in particular, that countries that have dependencies that are tax havens ensure that the links that they have with these tax havens are not used in a way that increase or promote harmful tax competition. 18. Recommendation to develop and actively promote Principles of Good Tax Administration: that the Committee be responsible for developing and actively promoting a set of principles that should guide tax administrations in the enforcement of the Recommendations included in this report. 19. Recommendation on associating non-member countries with the Recommendation: that the new Forum engage in a dialogue with non-member countries using, where appropriate, the fora offered by other international tax organisations, with the aim of promoting the Recommendations set out in this Chapter, including the Guidelines. Guidelines for Dealing with Harmful Preferential Tax Regimes in Member Countries While recognising the positive aspects of the new global environment in which tax systems operate, Member countries have concluded that they need to act collectively and individually to curb harmful tax competition and to counter the spread of harmful preferential tax regimes directed at financial and service activities. Harmful preferential tax regimes can distort trade and investment patterns, and are a threat both to domestic tax systems and to the overall structure of international taxation. These regimes undermine the fairness of the tax systems, cause undesired shifts of part of the tax burden from income to consumption, shift part of the tax burden from capital to labour and thereby may have a negative impact on employment. Since it is generally considered that it is difficult for individual countries to combat effectively the spread of non-member countries, is required to achieve the “level playing field” which is so essential to the continued expansion of global economic growth. International cooperation must be intensified to avoid an aggressive competitive bidding by countries for geographically mobile activities. The Guidelines are: 1. To refrain from adopting new measures, or extending the scope of, or strengthening existing measures, in the form of legislative provisions or administrative practices related to taxation, that constitute harmful tax practices as defined in Section III of Chapter 2 of the Report. 106 2. To review their existing measures for the purpose of identifying those measures, in the form of legislative provisions or administrative practices related to taxation, that constitute harmful tax practices as defined in Section III of Chapter 2 of the Report. These measures will be reported to the Forum on Harmful Tax Practices and will be included in a list within 2 years from the date on which these Guidelines are approved by the OECD Council. 3. To remove, before the end of 5 years starting from the date on which the Guidelines are approved by the OECD Council, the harmful features of their preferential tax regimes identified in the list referred to in paragraph 2. However, in respect of taxpayers who are benefiting from such regimes on 31 December 2000, the benefits that they derive will be removed at the latest on the 31 December 2005. This will ensure that such particular tax benefits have been entirely removed after that date. The list referred to in paragraph 2 will be reviewed annually to delete those regimes that no longer constitute harmful preferential tax regimes. 4. Each Member country which believes that an existing measure not already included in the list referred to in paragraph 2, or a proposed or new measure of itself or of another country, constitutes a measure, in the form of legislative provision or administrative practice related to taxation, that might constitute a harmful tax practice in light of the factors identified in Section III of Chapter 2 of the Report, may request that the measure be examined by the Member countries, through the Forum on Harmful Tax Practices, for purposes of the application of paragraph 1 or for inclusion in the list referred to in paragraph 2. The Forum may issue a non-binding opinion on that question. 5. To co-ordinate, through the Forum, their national and treaty responses to harmful tax practices adopted by other countries. 6. To use the Forum to encourage actively non-member countries to associate themselves with these Guidelines. APÊNDICE III Detalhamento dos cálculos da simulação dos impactos da competição tributária sobre o bem-estar social apresentada no Capítulo 3, Seção 3.3.3 A partir das hipóteses do modelo, já apresentadas e explicadas no terceiro capítulo desta dissertação, a simulação objetiva verificar os impactos da competição tributária sobre a produção, o consumo e a arrecadação dos estados A e B. A soma do consumo e da arrecadação fornece o bem-estar estadual, pois supomos que a receita tributária converte-se inteiramente em bens públicos. Assim, o bem-estar é advindo do consumo de bens privados e públicos. Os resultados para a federação (F) são encontrados pela soma dos resultados estaduais. 107 A coluna “Produção” refere-se à divisão do produto nacional (que é igual a 100 unidades de valor agregado) entre os dois estados. Em situação sem competição tributária, as hipóteses são que A e B produzem 70% e 30% do valor agregado nacional, respectivamente. No entanto, quando B age competitivamente, ele atrai parte da produção de A (algumas firmas mudam seu domicílio fiscal em busca de uma menor obrigação tributária) e, então, para nossas hipóteses, A fica com 63 unidades de produto enquanto B aumenta sua produção para 37. Note que, no regime misto, é importante segregar a produção em “interna” e “exportada”, pois o estado B vai receber o diferencial de arrecadação sobre a exportação de A para B (isso nada mais é do que a aplicação da alíquota interestadual sobre a parcela do produto que A vende para B). A coluna “Consumo” apresenta a composição do consumo do valor agregado nacional entre os dois estados. Essa informação é necessária para calcular a arrecadação no regime do destino. Ressaltamos que, no regime da origem, a arrecadação é do estado produtor e, no regime do destino, a arrecadação pertence ao estado consumidor. A coluna “Arrecadação” mostra , então, a aplicação da devida alíquota (interna, interestadual ou competitiva) sobre a devida base de cálculo (produção ou consumo). Por último, a coluna “Bem-estar” nada mais é do que a soma do consumo e da arrecadação. A seguir, apresentamos, em forma de tabelas, todos os resultados encontrados para os casos analisados. Serão sempre apresentadas simulações para o caso sem competição tributária, de modo a ser possível comparar essa situação com os resultados do caso competitivo. Hipóteses: Valor Agregado Produzido em A Valor Agregado Produzido em B Valor Agregado Consumido em A Valor Agregado Consumido em B Valor Agregado do novo investimento Alíquota Interna Alíquota Interestadual Alíquota Competitiva Atração de Investimento (1 p.p.) 70 30 60 40 20 20% 10% 10% 1% 108 1. Caso SEM CTH para investimentos já instalados Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação produção interna produção interna produção total Produção Consumo 70 30 100 Arrecadação 60 40 100 Bem-estar 14 6 20 74 46 120 Regime: MISTO Estado A B F Especificação produção interna produção exportada produção total produção interna diferencial de arrec. regime misto produção total produção total Produção Consumo 60 10 70 30 30 100 Arrecadação Bem-estar 12 1 13 6 1 7 20 60 40 100 73 47 120 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação produção interna produção interna produção total Produção 70 30 100 Consumo 60 40 100 Arrecadação Bem-estar 12 8 20 72 48 120 109 2. Caso COM CTH para investimentos já instalados Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação produção original menos perdida produção original produção atraída perda de eficiência produção total produção total Produção Consumo Arrecadação Bem-estar 63,00 60,00 12,60 72,60 30,00 6,00 7,00 0,70 0,00 0,00 37,00 40,00 6,70 46,70 100,00 100,00 19,30 119,30 Regime: MISTO Estado A B F Especificação prod. original menos perdida (total) produção interna produção exportada produção original produção atraída perda de eficiência diferencial de arrec. regime misto produção total produção total Produção Consumo Arrecadação Bem-estar 63,000 60,000 12,300 72,300 60,000 12,000 3,000 0,300 30,000 6,000 7,000 0,700 0,000 0,000 0,300 37,000 40,000 7,000 47,000 100,000 100,000 19,300 119,300 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação prod. original menos perdida produção original produção atraída perda de eficiência produção total produção total Produção Consumo Arrecadação Bem-estar 63,000 60,000 12,000 72,000 30,000 30,000 6,000 7,000 7,000 0,700 0,000 3,000 0,600 37,000 40,000 7,300 47,300 100,000 100,000 19,300 119,300 110 3. Caso SEM CTH para novos investimentos Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação produção original novo investimento produção total produção original produção total Produção Consumo 70 20 90 30 120 Arrecadação 72 48 120 Bem-estar 18 6 24 90 54 144 Regime: MISTO Estado A B F Especificação prod. original novo investimento prod. total interna exportada prod. original diferencial de arrec. regime misto produção total produção total Produção Consumo Arrecadação 70 20 90 72 18 30 48 120 120 72 16,2 14,4 1,8 6 1,8 7,8 24 Bem-estar 88,2 55,8 144 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação prod. original novo investimento prod. total prod. original produção total Produção 70 20 90 30 120 Consumo 72 48 120 Arrecadação 14,4 9,6 24 Bem-estar 86,4 57,6 144 111 4. Caso COM CTH para novos investimentos Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação prod. original novo invest. (total menos perdido) prod. total prod. original prod. atraída perda de eficiência prod. total prod. total Produção Consumo 70 18 88 30 2 0 32 120 Arrecadação 72 48 120 17,6 6 0,2 0 6,2 23,8 Bem-estar 89,6 54,2 143,8 Regime: MISTO Estado A B F Especificação prod. original novo invest. (total menos perdido) prod. total interna exportada prod. original prod. atraída perda de eficiência diferencial de arrec. regime misto prod. total prod. total Produção Consumo 70 18 88 72 16 30 2 0 32 120 Arrecadação 72 48 120 16 14,4 1,6 6 0,2 0 1,6 7,8 23,8 Bem-estar 88 55,8 143,8 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação prod. original novo invest. (total menos perdido) prod. total prod. original prod. atraída perda de eficiência prod. total prod. total Produção 70 18 88 30 2 0 32 120 Consumo 72 30 2 16 48 120 Arrecadação 14,4 6 0,2 3,2 9,4 23,8 Bem-estar 86,4 57,4 143,8 112 5. Caso COM CTH que efetivamente atrai o novo investimento Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação prod. original prod. original prod. atraída perda de eficiência prod. total prod. total Produção 70 30 2 0 32 102 Consumo Arrecadação Bem-estar 61,2 14 75,2 6 0,2 0 40,8 6,2 47 102 20,2 122,2 Regime: MISTO Estado A B F Especificação prod. original interna exportada prod. original prod. atraída perda de eficiência diferencial de arrec. regime misto prod. total prod. total Produção Consumo Arrecadação Bem-estar 61,2 13,12 74,32 12,24 0,88 6 0,2 0 0,88 32 40,8 7,08 47,88 102 102 20,2 122,2 70 61,2 8,8 30 2 0 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação prod. original prod. original prod. atraída perda de eficiência prod. total prod. total Produção 70 30 2 0 32 102 Consumo Arrecadação Bem-estar 61,2 12,24 73,44 30 6 2 0,2 8,8 1,76 40,8 7,96 48,76 102 20,2 122,2 113 6. Caso BLEFADO: Caso SEM CTH quando o novo investimento já iria para B mas ameaça ir para A Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação prod. original prod. original novo investimento prod. total prod. total Produção Regime: MISTO => mesmo resultado do caso anterior, pois a produção de A é menor que o seu consumo 70 30 20 50 120 Consumo Arrecadação Bem-estar 72 14 86 48 120 10 24 58 144 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação prod. original prod. original novo investimento prod. total prod. total Produção 70 30 20 50 120 Consumo 72 Arrecadação Bem-estar 14,4 86,4 48 120 9,6 24 57,6 144 7. Caso BLEFADO: Caso COM CTH quando o novo investimento já iria para B mas ameaça ir para A Regime: ORIGEM Estado A B F Especificação prod. original prod. original novo investimento prod. total prod. total Produção 70 30 20 50 120 Consumo Arrecadação 72 48 120 Bem-estar 14 6 2 8 22 86 56 142 Regime: DESTINO Estado A B F Especificação prod. original prod. original novo investimento prod. total prod. total Produção 70 30 20 50 120 Consumo 72 30 18 48 120 Arrecadação Bem-estar 14,2 86,2 6 1,8 7,8 55,8 22 142 114 APÊNDICE IV DADOS ESTATÍSTICOS TABELA 1 CARGA TRIBUTÁRIA PARA PAÍSES SELECIONADOS (MEMBROS DA OCDE) E BRASIL - 1995 País Carga 1 Tributária Composição da Carga Tributária Renda Renda Consumo PF PJ 27,3 2,8 27,8 13,9 3,7 27,3 26,2 8,7 27,3 18,0 8,0 43,5 23,8 5,5 28,7 35,3 6,1 24,3 27,4 9,5 34,7 36,3 9,4 17,9 37,3 8,1 25,5 25,92 55,7 12,4 12,3 17,9 16,7 4,8 44,9 22,9 7,7 35,2 21,6 6,7 37,6 21,4 15,2 15,1 18,9 12,2 42,6 40,6 14,7 29,2 27,0 8,0 32,4 36,8 8,8 33,0 Contribuições Sociais 39,4 43,3 31,7 27,0 36,2 29,1 17,7 25,1 16,8 16,7 40,7 30,5 30,4 12,0 36,3 8,0 25,1 19,5 Alemanha 39,2 França 44,5 Itália 41,3 Portugal 33,8 Espanha 34,0 Suécia 49,7 R.Unido 35,3 EUA 27,9 Canadá 37,2 México 16,0 Rep. Tcheca 44,3 Hungria 39,2 Polônia 42,7 Turquia 22,5 Japão 28,5 Coréia 22,3 Austrália 30,9 OCDE Total 37,4 OCDE 27,0 América OCDE 30,0 31,3 13,5 30,1 11,1 Pacífico OCDE Europa 40,1 25,3 7,0 32,8 28,4 BRASIL 28,5 10,5 7,9 50,1 28,2 1 Calculada como percentual do PIB. 2 Refere-se ao total da tributação sobre a renda, isto é, pessoas físicas e jurídicas. 3 Refere-se ao ano de 1994. Fonte: OCDE - Revenue Statistics e SRF/COGET Patrimônio 2,8 5,2 5,7 2,5 5,3 2,8 10,5 11,2 10,5 1,23 1,3 1,3 2,8 3,1 11,6 14,6 8,7 5,4 10,8 10,0 4,1 3,3 115 TABELA 2 CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA 1991 ANO % UNIÃO Orçamento Fiscal 1992 % PIB % 1993 % PIB % 1994 % PIB % 1995 % PIB % 1996 % PIB % 1997 % PIB % % PIB 65,48 27,76 16,12 6,83 66,88 28,90 16,97 7,33 70,79 30,59 17,76 7,68 69,56 28,35 19,90 8,11 68,06 26,95 19,38 7,67 67,98 25,55 19,08 7,17 68,61 25,58 19,08 7,11 14,16 9,07 2,52 1,78 0,08 0,00 0,15 3,49 2,23 0,62 0,44 0,02 0,00 0,04 15,20 9,42 2,52 1,61 0,01 0,00 0,15 3,86 2,39 0,64 0,41 0,00 0,00 0,04 15,42 9,72 3,22 1,78 0,03 0,29 0,14 3,87 2,44 0,81 0,45 0,01 0,07 0,04 12,97 7,47 2,36 1,77 0,01 3,63 0,14 3,71 2,14 0,67 0,51 0,00 1,04 0,04 15,15 7,17 1,71 2,61 0,05 0,08 0,17 4,31 2,04 0,49 0,74 0,02 0,02 0,05 15,05 6,99 1,30 1,94 0,09 0,00 0,19 4,22 1,96 0,36 0,54 0,03 0,00 0,05 14,76 6,89 1,56 2,12 0,10 0,00 0,15 4,10 1,92 0,43 0,59 0,03 0,00 0,04 Orçamento Seguridade 31,75 7,82 32,14 8,16 34,78 8,73 34,79 9,95 34,18 9,73 35,42 9,94 36,13 10,05 Contr. s/ Folha de Pagamento COFINS CPMF CSLL PIS/PASEP Outras Contr. Sociais 18,85 5,48 0,00 1,17 4,35 1,90 4,64 1,35 0,00 0,29 1,07 0,47 18,67 3,99 0,00 2,90 4,29 2,29 4,74 1,01 0,00 0,73 1,09 0,58 20,77 5,32 0,00 3,06 4,53 1,09 5,21 1,34 0,00 0,77 1,14 0,27 18,32 8,47 0,00 3,20 3,71 1,09 5,24 2,42 0,00 0,92 1,06 0,31 18,75 7,83 0,00 3,00 3,15 1,45 5,34 2,23 0,00 0,85 0,90 0,41 19,99 7,86 0,00 2,84 3,27 1,47 5,61 2,20 0,00 0,80 0,92 0,41 18,32 7,60 2,87 2,99 3,01 1,33 5,09 2,11 0,80 0,83 0,84 0,37 5,97 1,47 5,84 1,48 5,43 1,36 6,42 1,84 6,93 1,97 7,01 1,97 6,90 1,92 5,45 0,52 0,00 1,34 0,13 0,00 5,20 0,64 0,00 1,32 0,16 0,00 5,00 0,43 0,00 1,25 0,11 0,00 4,83 0,38 1,21 1,38 0,11 0,35 5,22 0,45 1,27 1,49 0,13 0,36 5,34 0,40 1,26 1,50 0,11 0,35 5,36 0,38 1,15 1,49 0,11 0,32 29,73 7,32 29,25 7,42 26,15 6,56 27,12 7,76 27,30 7,77 27,66 7,76 27,06 7,52 27,93 0,33 0,02 0,28 1,17 6,87 0,08 0,01 0,07 0,29 27,23 0,55 0,08 0,38 1,01 6,91 0,14 0,02 0,10 0,26 24,36 0,52 0,07 0,12 1,07 6,11 0,13 0,02 0,03 0,27 25,30 0,59 0,08 0,00 1,15 7,24 0,17 0,02 0,00 0,33 25,20 1,31 0,10 0,00 0,69 7,18 0,37 0,03 0,00 0,20 25,48 1,43 0,09 0,00 0,65 7,15 0,40 0,03 0,00 0,18 24,72 1,59 0,11 0,00 0,63 6,87 0,44 0,03 0,00 0,18 4,79 1,18 3,87 0,98 3,06 0,77 3,32 0,95 4,64 1,32 4,37 1,22 4,34 1,21 1,37 1,86 0,55 0,78 0,24 0,34 0,46 0,13 0,19 0,06 1,25 1,25 0,37 0,73 0,28 0,32 0,32 0,09 0,18 0,07 1,38 0,59 0,24 0,51 0,34 0,35 0,15 0,06 0,13 0,09 1,46 0,72 0,29 0,60 0,25 0,42 0,21 0,08 0,17 0,07 1,77 1,47 0,34 0,88 0,17 0,50 0,42 0,10 0,25 0,05 1,99 1,17 0,35 0,81 0,04 0,56 0,33 0,10 0,23 0,01 1,84 1,29 0,34 0,82 0,04 0,51 0,36 0,09 0,23 0,01 100,00 24,61 100,00 25,38 100,00 25,09 100,00 28,61 100,00 28,47 100,00 28,06 100,00 27,81 IR IPI IOF II e IE ITR IPMF Taxas Demais FGTS Contr. Econômicas Salário-Educação ESTADOS ICMS IPVA ITCD AIR Contr. p/ Seguridade Social MUNICÍPIOS ISS IPTU ITBI Taxas Outros Tributos TOTAL Fonte: SRF/COGET 116 TABELA 3 TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS em % da carga tributária líquida 1991 MUNICÍPIOS ESTADOS UNIÃO ARREC. PRÓPRIA TOTAL = 1994 1995 1996 69,08 68,26 65,92 65,54 TRANSF. P/ REGIÕES 0,69 0,66 0,68 0,54 0,61 0,60 TRANSF. P/ ESTADOS 5,54 5,40 5,84 4,59 5,16 5,32 TRANSF. P/ MUNICÍPIOS 4,92 4,86 5,13 3,37 4,61 4,54 52,55 53,87 57,42 59,76 55,54 55,08 31,27 31,09 27,68 28,28 29,13 29,76 TRANSF. P/ MUNICÍPIOS 7,52 7,53 6,72 6,90 7,42 7,63 TRANSF. DA UNIÃO 6,22 6,06 6,52 5,12 5,77 5,92 29,98 29,63 27,49 26,50 27,48 28,06 5,04 4,12 3,24 3,46 4,95 4,70 RECEITA DISPONÍVEL RECEITA DISPONÍVEL ARREC. PRÓPRIA TOTAL + + = 1993 64,79 ARREC. PRÓPRIA TOTAL + = 1992 63,69 TRANSF. DA UNIÃO 4,92 4,86 5,13 3,37 4,61 4,54 TRANSF. DOS ESTADOS 7,52 7,53 6,72 6,90 7,42 7,63 17,48 16,51 15,10 13,73 16,98 16,86 RECEITA DISPONÍVEL Fonte: SRF/COGET BIBLIOGRAFIA Atkinson, A. and J. Stiglitz, 1980, Lectures on Public Economics, McGraw Hill. Burbidge, J. and G. Myers, 1994, Population mobility and capital tax competition, Regional Science and Urban Economics 24, 441-459. Cavalcanti, C. e S. Prado, 1998, Aspectos da guerra fiscal no Brasil, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA/Fundação do Desenvolvimento Administrativo - FUNDAP. Cnossen, S., 1990, On the direction of tax harmonization in the European Community, 209-227. Crombrugghe, A. and H. Tulkens, 1990, On Pareto improving commodity tax changes under fiscal competition, Journal of Public Economics 41, 335-350. Daly, M., 1992, Harmonization of corporate taxes in a single european market: recent developments and prospects, Canadian Tax Journal 40, 1051-1085. 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