UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - IH
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
ALUNA: ANDRÉA LEMGRUBER
PROF. ORIENTADORA: MARIA DA CONCEIÇÃO SAMPAIO DE SOUSA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
“A COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA EM ECONOMIAS FEDERATIVAS:
ASPECTOS TEÓRICOS, CONSTATAÇÕES EMPÍRICAS E
UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO”
MARÇO/1999
ÍNDICE
Introdução................................................................................................................. 004
Capítulo 1 - Aspectos Teóricos da Competição Tributária
1.1-Introdução.........................................................................................................
1.2 – Competição Tributária e Externalidade: o Modelo de Gordon.......................
1.2.1 – Descrição do Modelo...............................................................................
1.2.2 - Otimização e Principais Resultados.........................................................
1.3 - Síntese da Abordagem Moderna da Competição Tributária..........................
1.3.1 - Modelos de Competição Tributária Federativa.........................................
1.3.2 - Modelos de Competição Fiscal Federativa: a Inter-relação entre a
Tributação e o Gasto Público.................................................................
1.3.3 - Modelo de Competição Tributária Internacional......................................
1.4 - Conclusão......................................................................................................
Capítulo 2 - Problemas Associados à Competição Tributária: Mensurações
Empíricas e Possíveis Soluções
2.1 - Introdução......................................................................................................
2.2 - Mensurações Empíricas da Competição Tributária.......................................
2.2.1 - Tributação sobre o Consumo...................................................................
2.2.2 - Tributação sobre a Renda das Pessoas Físicas.......................................
2.2.3 - Tributação sobre a Renda das Pessoas Jurídicas..................................
2.2.4 - Os Impactos sobre a Movimentação de Fatores: Resultados de
Equilíbrio Geral.......................................................................................
2.3 - Algumas Soluções Possíveis para os Problemas Gerados pela Competição
Tributária........................................................................................................
2.3.1 - Centralização do Poder Federativo.......................................................
2.3.2 - Criação de Instituições que Zelem pelo Ambiente Competitivo Saudável
2.3.3 - Adesão às Recomendações do Comitê Fiscal da OCDE........................
2.3.4 – Harmonização Tributária..........................................................................
2.4 - Conclusão......................................................................................................
Capítulo 3 - A Competição Tributária na Federação Brasileira
3.1 - Introdução......................................................................................................
3.2 - Uma Breve Descrição do Sistema Tributário Brasileiro................................
3.3 - Uma Análise da Competição Tributária na Federação Brasileira..................
3.3.1 - Antecedentes e Principais Motivações..................................................
3.3.2 - Competição Tributária Vertical.................................................................
3.3.3 - Competição Tributária Horizontal.............................................................
3.3.3.1 - Análise da Situação Financeira dos Governos Subnacionais..........
3.3.3.2 - Análise dos Principais Impactos Gerados pela CTH........................
3.4 - Conclusão......................................................................................................
009
010
010
013
024
026
031
033
036
038
038
040
042
044
048
052
052
053
055
058
066
068
069
075
075
085
099
100
102
117
Conclusão................................................................................................................. 118
Apêndice I - Desenvolvimento das CPO do Problema de Maximização do 125
2
Modelo de Gordon...............................................................................
Apêndice II - Recommendations and Guidelines for Dealing with Harmful Tax 130
Practices...............................................................................................
Apêndice III - Detalhamento dos Cálculos da Simulação dos Impactos da 136
Competição Tributária sobre o Bem-estar Social..........................
Apêndice IV - Dados Estatísticos.................................................................
144
Bibliografia................................................................................................................ 147
3
INTRODUÇÃO
A teoria das finanças públicas inicia-se pelo estudo das razões da existência e
da intervenção do Estado na economia. Embora a economia competitiva de mercado,
tão bem representada pela “mão invisível” de Adam Smith, seja, indubitavelmente, o
melhor meio de se atingir a eficiência econômica, há importantes situações onde o livre
mercado falha e não é possível obter um resultado eficiente. São precisamente esses
casos, onde as hipóteses dos teoremas do bem-estar não são satisfeitas e,
conseqüentemente, a eficiência de Pareto não é atingida, que justificam a intervenção
do Estado na atividade econômica. No entanto, apesar de haver consenso sobre a
necessidade de intervenção estatal na correção das falhas de mercado e na
persecução das metas macroeconômicas e redistributivas, há substanciais
divergências no que se refere à forma de atuação estatal na busca desses objetivos.
Há duas correntes antagônicas presentes na literatura econômica. A primeira entende
que o setor público deve agir similarmente ao setor privado e, portanto, a competição
interjurisdicional, da mesma forma que no livre mercado, levaria à eficiência das
decisões governamentais. A segunda corrente, de modo inverso, advoga que a
competição entre governos é, per si, uma fonte de distorção econômica, pois leva à
provisão sub-ótima de bens públicos.
A visão em prol da eficiente competição interjurisdicional está edificada sobre o
conhecido Modelo de Tiebout (1956), que resolve o problema da revelação de
preferências para o setor público partindo do princípio de que, quando os eleitores
escolhem o estado onde irão residir, estão revelando sua combinação preferida de
impostos e bens públicos. Esse processo de voting with one’s feet, que requer total
mobilidade dos indivíduos, pode ser entendido como análogo à escolha de uma cesta
de bens no mercado privado. Aqueles estados que possuem políticas tributária e de
gastos que agradam aos cidadãos deverão receber uma corrente imigratória em suas
jurisdições. Essa imigração implica que as decisões governamentais foram tomadas de
forma eficiente e, por isso, foram privilegiadas ou reveladas como preferidas pelos
cidadãos. Tiebout argumenta que, se houver livre competição entre os estados
federativos, aqueles governos que perdem cidadãos ajustarão suas políticas de modo
que, no final do processo, todos os estados estarão oferecendo eficientemente os bens
e serviços que são demandados pela sociedade. Conclui-se, portanto, que a
descentralização governamental atua como uma “mão invisível” no setor público,
trazendo benefícios inquestionáveis para a federação como um todo.
Entretanto, desde que Charles Tiebout desenvolveu seu modelo, a literatura
sobre competição tributária progrediu significativamente, mostrando que seus
resultados são bastante limitados a condições econômicas um tanto quanto irrealistas.
Em suma, Tiebout parte do princípio de que as condições dos teoremas do bem-estar
são plenamente satisfeitas. Isto é, o modelo não considera a existência de falhas de
mercado, em especial, externalidades e bens públicos. Porém, a competição
interjurisdicional traz, em seu próprio bojo, uma série de externalidades distintas.
Segundo Stiglitz (1980), a própria migração das pessoas entre estados pode ser
entendida como uma classe de externalidade, pois esses novos cidadãos trazem
4
benefícios (aumentam a base contributiva) e custos (amentam a demanda por bens
públicos) para a jurisdição em que escolhem residir, sem, no entanto, serem
devidamente compensados ou onerados por isso. Ademais, a competição no modelo
de Tiebout, da mesma forma que no mercado privado, requer um grande número de
agentes envolvidos, o que não é o caso das federações. O número de estados que
competem entre si é limitado e a interação existente entre eles é óbvia. Outro ponto
importante a ser notado é que as decisões governamentais não ocorrem por
maximização de lucros (e nem sempre por maximização de receitas), mas sim por
decorrência do processo político. Como ensina a escola da escolha pública, as ações
dos políticos nem sempre são representativas do eleitorado que os elegem e o
equilíbrio resultante dessas escolhas, em geral, não é Pareto eficiente. Por último, vale
notar que mesmo se a competição interjurisdicional levasse a um resultado eficiente,
esse resultado poderia não ser desejado, dado que Pareto-eficiência nada diz a
respeito da distribuição de renda na sociedade. Nesse sentido, a minimização das
diferenças socioeconômicas inter-regionais, um dos objetivos primordiais de qualquer
sistema federativo, não seria atingida.
Essas críticas às hipóteses de Tiebout geraram uma outra interpretação do
fenômeno da competição interjurisdicional. Essa corrente defende que, na luta pela
atração de novos investimentos, os estados passariam a abrir mão do controle de seus
próprios instrumentos de governabilidade, reduzindo salários, impostos, benefícios
sociais e controles ambientais para tornarem-se mais competitivos. A menor
arrecadação tributária levaria à sub-provisão de bens públicos e, assim, o equilíbrio
seria ineficiente. Além disso, haveria um impacto diferenciado entre os diversos grupos
sociais, pois aqueles que passam a se beneficiar com o novo investimento não são os
mesmos que se beneficiavam com os serviços públicos que deixaram de ser
oferecidos. Em resumo, contrariamente à linha de pensamento de Tiebout, a lógica da
competição privada não pode ser analogamente atribuída ao setor público. Conforme
citado por Oates (1988), “a competição tributária tende a produzir um baixo esforço
fiscal por parte dos governos locais ou uma estrutura tributária local fortemente
regressiva”. A regressividade advém do fato de que os fatores mais móveis têm maior
facilidade de buscar regimes tributários preferenciais e, assim, pagar menos impostos.
Dessa forma, serão os fatores imóveis, tipicamente o trabalho menos qualificado e os
proprietários de terras e imóveis, que terão de suportar a carga tributária.
Assim, constatada a ineficiência do resultado competitivo, algumas soluções têm
sido apontadas para controlar ou minimizar a disputa predatória entre governos. A
solução clássica sugere a intervenção do governo central para o controle dos governos
subnacionais (ou, dito de outra forma, para save the states from themselves), pois a
descentralização acarretaria custos substanciais para a federação. Desse modo, essa
discussão pode ser analisada por outro prisma, que permeia o debate federativo: o
trade-off centralização versus descentralização. Os argumentos a favor do Estado
centralizado são a maior coerência e eficiência das políticas macroeconômicas e
redistributivas, os ganhos de escala na produção de bens e serviços públicos e a
harmonização fiscal entre os diversos níveis governamentais. Por outro lado,
especialmente no que se refere às responsabilidades de gastos, a literatura econômica
tem mostrado que a descentralização pode significar importantes ganhos de eficiência
5
e bem-estar. Isso porque os governos locais estão mais próximos dos cidadãos e
podem mais facilmente captar suas demandas por serviços públicos, melhorando a
alocação de recursos, além de permitir uma maior participação democrática nas
decisões governamentais.
É inquestionável que a tendência dos Estados democráticos é optar por
governos descentralizados e, portanto, a solução clássica do fortalecimento do poder
central fica descartada. De fato, a maioria das federações, inclusive a brasileira, tem
desfrutado de regimes políticos mais abertos e, em decorrência, tem dado maiores
poderes aos governos subnacionais. Assim, a solução moderna tem sido a busca da
harmonização tributária entre os diversos governos, entendida como uma convergência
dos diferentes sistemas tributários ou do nível de tributação, tema esse ainda não muito
explorado pela teoria econômica. Nesse sentido, a controvérsia entre a competição e a
harmonização tributárias também pode ser entendida como um aprofundamento do
tradicional trade-off entre a tributação ótima e a tributação uniforme.
Portanto, o estudo da competição tributária intergovernamental tem, cada vez
mais, se tornado assunto de suma importância, pois além de sua relevância e
atualidade em termos teóricos (grande parte da literatura econômica sobre o tema data
dos anos 80 e 90), o fenômeno competitivo tem despertado um crescente interesse
prático por parte de diversos governos. Isso porque, com a grande mobilidade dos
fatores, decorrente do processo de globalização das economias, a competição
tributária tem deixado de ser assunto interno de cada federação para atingir âmbito
internacional. De fato, os agentes econômicos têm buscado beneficiar-se dos
diferenciais de tributação existentes entre os diversos sistemas tributários e, com isso,
têm incentivado a proliferação de áreas de regime tributário preferencial ou paraísos
fiscais. São óbvios os prejuízos que esse tipo de jurisdição “benevolente” impõe sobre
os demais estados ou países, que vêem suas bases tributárias migrarem em busca de
uma tributação mais favorecida. Mesmo dentro de uma área de livre comércio,
pequenos diferenciais de tributação efetiva podem levar a distorções na alocação
ótima dos recursos econômicos. Ao mesmo tempo, internamente a cada federação,
tem sido crescente a disputa interjurisdicional pela atração de investimentos privados,
sobretudo de grandes empresas multinacionais, o que é, precisamente, o caso
brasileiro. Desse modo, é imprescindível que a relação de custo-benefício desse
processo competitivo fique clara para a população, que, se por um lado é beneficiada
pela geração de empregos e pela atração de capitais, por outro é prejudicada pela
menor arrecadação e, conseqüentemente, pelo menor nível de serviços públicos
colocados à sua disposição. Indubitavelmente, a falta de transparência desse processo
faz com que a população não perceba os reais ganhadores ou perdedores do jogo
competitivo.
Assim, a presente dissertação pretende cobrir uma enorme lacuna existente
sobre o tema no Brasil. Apesar da federação brasileira estar convivendo com um
processo de competição tributária intergovernamental de grandes proporções há vários
anos, não há praticamente nenhum estudo ou estimativas oficiais sobre os possíveis
impactos do fenômeno sobre o bem-estar da população. Mais do que isso, o processo
passa, em geral, despercebido dos cidadãos ou, ainda pior, à margem da lei,
6
resultando em uma competição predatória que não tem sido coibida pelo Poder
Público. É preocupante que um alto nível competitivo, que concede isenções e
benefícios tributários em um verdadeiro “leilão” interestadual, possa ocorrer em um
País com forte desequilíbrio fiscal e que não tem dado a devida importância à questão
da Reforma Tributária. Desse modo, este trabalho visa a fornecer uma visão bastante
abrangente da competição tributária, incluindo aspectos teóricos e experiências
internacionais do fenômeno, de modo a ser possível realizar uma análise mais
aprofundada do caso brasileiro.
O capítulo 1 dedica-se ao estudo das principais contribuições da teoria
econômica sobre a competição tributária, realizando uma análise comparativa dos
recentes modelos que tratam do tema. Grande importância é concedida ao Modelo de
Gordon (1983) que, por ser abrangente e geral, apresentando de forma clara os
principais impactos do processo competitivo sobre a eficiência econômica e o bemestar social, é detalhadamente analisado na seção 1.2 desse primeiro capítulo. A seção
1.3 apresenta uma síntese de vários modelos posteriores ao de Gordon, identificando
quais suas novas contribuições ao estudo da competição tributária.
Em seguida, o capítulo 2 apresenta algumas constatações empíricas do
fenômeno competitivo, mostrando como o processo tem ocorrido em distintos países e
discutindo suas tendências. Desse modo, após apresentar a posição da teoria
econômica sobre o assunto, esta dissertação busca verificar se os seus resultados
podem ser comprovados, na prática, pela experiência internacional. Constatadas a
importância e as principais ineficiências causadas pela competição tributária, a seção
2.3 é dedicada à análise das possíveis soluções que visam a minimizar os problemas
gerados pelo processo competitivo. Especial atenção é dedicada ao estudo da
harmonização tributária, qualificando-se detalhadamente o trade-off competição versus
harmonização tributárias.
Por último, de posse de todo o conhecimento que a teoria econômica e a
experiência internacional podem oferecer no estudo do fenômeno da competição
tributária, o capítulo 3 busca analisar o processo competitivo na federação brasileira.
Para melhor situar o leitor dentro da realidade tributária do País, a seção 3.2 realiza um
breve resumo do sistema brasileiro, definindo sua estrutura e seu nível de carga
tributária. Em seguida, a seção 3.3 dedica-se ao estudo da “guerra fiscal” brasileira,
apresentando, sempre que possível, dados quantitativos e análises históricas sobre o
tema. Apesar da falta de informações confiáveis sobre o assunto, que poderiam facilitar
qualquer estudo sobre o processo competitivo no País, esta dissertação busca
apresentar, de modo bem geral, as principais características da competição
intergovernamental brasileira, tentando mensurar seus impactos sobre a eficiência
econômica e o bem-estar da população. Entretanto, não restam dúvidas que esse é
apenas um começo, pois muito ainda há a ser aprofundado no entendimento da
questão competitiva no Brasil.
7
Capítulo 1
Aspectos Teóricos da Competição Tributária
1.1 - INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, o fenômeno da competição tributária tem ocorrido em países
federativos, sobretudo naqueles onde os governos subnacionais possuem ampla
autonomia fiscal. A competição tributária ocorre, justamente, quando determinado
governo, agindo de modo não-cooperativo, utiliza-se dessa autonomia e implementa
medidas tributárias que influenciam os resultados econômicos e sociais de outros
governos. Na definição de Mintz e Tulkens (1986), a competição tributária ocorre
quando “fiscal decisions by one government affect the tax revenues of the others.
Typically, by altering its tax rates relative to those of other jurisdictions, each
government has the ability to modify the size of its tax base at the expense (or the
benefit) of its neighbours”. A partir dessa definição, fica claro que a competição
tributária pode ser analisada, basicamente, como um problema de externalidade, pois
cada estado tem a capacidade de impor malefícios ou benefícios a outros governos de
sua federação.
Recentemente, a competição tributária tem se agravado devido a duas razões
principais: em primeiro lugar, a maior parte dos países do mundo abriu seus regimes
políticos à democracia, fortalecendo enormemente o federalismo e a descentralização
fiscal; e, em segundo lugar, a globalização e a formação de mercados regionais têm
expandido a fronteira da competição tributária para o âmbito internacional. Em outras
palavras, a competição tributária tem se tornado cada vez mais forte dentro das
federações ao mesmo tempo em que também passa a estar presente nas relações
entre os países.
Assim, sendo um fenômeno de relevante importância para as finanças públicas
de vários países, a competição tributária tornou-se objeto de estudo da teoria
econômica já há algum tempo. De fato, importantes economistas da área das finanças
públicas têm se dedicado à análise do tema, especialmente a partir da segunda metade
deste século XX. Nesse sentido, pode-se citar o trabalho pioneiro de Tiebout (1956),
que agregou expressiva contribuição à teoria econômica, sobretudo no que se refere à
análise da eficiência das ações governamentais quando unidades autônomas
competem entre si. Mais tarde, Musgrave (1969) e Oates (1972) trataram de questões
relativas ao federalismo e à descentralização fiscal e suas principais implicações. No
entanto, as mudanças econômicas e políticas ocorridas nas últimas duas décadas, que
levaram ao fortalecimento e à expansão do uso da competição tributária, impuseram a
necessidade de elaboração de modelos cada vez mais sofisticados para a análise do
tema. Nesse aspecto, o trabalho de Gordon (1983) pode ser considerado como um
divisor de águas no tratamento do estudo da competição tributária, apresentando um
modelo geral onde ficam estabelecidos os tipos de externalidades que podem gerar
resultados ineficientes em ambiente federativo de descentralização não-coordenada.
8
A partir de então, vários outros trabalhos de interesse relevante para a teoria
econômica foram dedicados ao estudo da competição tributária, em ambientes cada
vez mais detalhados e realistas de hipóteses e impostos. Modelos como o de Mintz e
Tulkens (1986) e de Tulkens e Crombrugghe (1990), por exemplo, foram desenvolvidos
sobre o alicerce do moderno instrumental da Teoria dos Jogos. O próprio modelo de
Gordon (1983) foi analisado e expandido por Inmam e Rubinfeld (1996), incorporando
uma especificação mais rica em termos de economia política.
Atualmente, pode-se afirmar que alguns resultados relativos às conseqüências
da competição tributária já se encontram estabelecidos pela teoria econômica. Nesse
sentido, este capítulo pretende analisar os aspectos teóricos da competição tributária,
apresentando uma síntese dos principais modelos e conclusões a respeito do tema. Na
seção seguinte, dada a sua importância e generalidade no tratamento da questão, será
apresentado, de modo detalhado, o modelo de Gordon (1983) e seus principais
resultados. Em seguida, na seção 3 será realizado um breve resumo de vários modelos
considerados relevantes para o estudo da competição tributária, destacando-se suas
principais contribuições à teoria econômica e estabelecendo os pontos de concordância
e conflito existentes entre eles.
1.2 - COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA E EXTERNALIDADE: O MODELO DE GORDON
1.2.1 - DESCRIÇÃO DO MODELO
O modelo de Gordon (1983) é desenvolvido para uma federação com dois níveis
governamentais: um governo central e k governos intermediários ou locais (que
passarão a ser denominados de estados). Cada governo tem competência para
arrecadar um imposto sobre bens e serviços ( s ) e um imposto sobre fatores de
produção ( t ). O modelo é bastante geral e, como afirma o próprio Gordon, “the
modeling of the types of taxes communities can use is rather abstract, but includes as
special cases most of the taxes that state or local governments use”.1 Os impostos,
representando a cunha existente entre vendedores e compradores de bens, serviços
ou fatores, são definidos da seguinte forma:
• s jk = q jk − p jk , e
• t jk = v jk − w jk
onde, para cada estado k , temos os seguintes vetores de preço:
q jk é o preço pago pelo consumidor na aquisição de um bem ou serviço j ;
p jk é o preço recebido pela firma na venda de um bem ou serviço j ;
v jk é o preço pago pela firma na remuneração de um fator j utilizado na produção; e
w jk é o preço recebido pelo dono do fator de produção j .
1
Há modelos de competição tributária desenvolvidos especificamente para determinado tipo de imposto
(em sua maioria, para impostos sobre o consumo ou sobre o capital), alguns dos quais serão
apresentados na seção 1.3 deste capítulo. Logicamente, esses modelos são mais ricos na análise da
tributação selecionada, mas perdem a visão geral de sistema tributário.
9
No que se refere à apropriação das receitas entre os k estados, Gordon adota
o princípio da origem na modelagem de seus impostos, da mesma forma que a grande
parte dos modelos que estudam competição tributária. Há dois bons motivos para se
utilizar o princípio da origem: em primeiro lugar, permite que o modelo se torne mais
completo, abrangendo a hipótese da exportação de tributos, que, indubitavelmente, é
uma das maiores ineficiências geradas pela competição tributária. Ademais, embora
recomendado teoricamente como um dos inibidores do processo competitivo, o
princípio do destino envolve inúmeras dificuldades práticas em sua administração e,
por isso, não é usual na maioria das federações2.
A economia é composta por três grupos de agentes que possuem as seguintes
inter-relações: as firmas (que adquirem fatores de produção dos indivíduos, consomem
os bens e serviços públicos colocados à sua disposição, produzem e vendem bens e
serviços privados e pagam impostos para o governo), os indivíduos (que vendem seus
fatores de produção, compram bens e serviços privados, consomem os bens e serviços
públicos colocados à sua disposição e pagam impostos para o governo) e o governo
(que arrecada impostos dos contribuintes e disponibiliza à sociedade bens e serviços
públicos). Existem, portanto, duas categorias de contribuintes: as pessoas jurídicas
(firmas) e as pessoas físicas (indivíduos), que têm mobilidade pelo território federal,
enfrentando, contudo, os respectivos custos de transporte.
As firmas residentes no estado k produzem um vetor de bens e serviços
(output), denotado por y jk , e compram insumos necessários ao processo produtivo,
representados pelo vetor de fatores de produção (input) x jk . Cada firma escolhe os
níveis de y jk e x jk de modo a maximizar seu lucro. O modelo assume que o mercado
opera em concorrência perfeita e que a função de produção das firmas tem retornos
constantes de escala.
Os indivíduos, por sua vez, têm a escolha de viver no estado de sua preferência,
independentemente de poderem trabalhar e adquirir bens ou serviços em outros
estados. Há um número finito de tipos de indivíduos, indexados por i , que têm por
objetivo a maximização de sua utilidade V ik . Certamente, a melhor alternativa de
qualquer cidadão seria fixar residência no estado onde sua utilidade é maximizada. As
variáveis que influenciam a utilidade dos indivíduos são os preços pós-imposto de bens
2
Há duas categorias básicas de impostos em qualquer federação: aqueles cobrados na residência ou no
destino (a arrecadação tributária é do estado onde residem os proprietários dos fatores ou os
consumidores dos bens) e aqueles cobrados na fonte ou na origem (as receitas são do estado onde os
fatores foram empregados e os bens produzidos). A própria União Européia, até hoje, não instituiu
definitivamente o sistema do destino para o IVA Intracomunitário. No Brasil, o ICMS adota um sistema
misto entre a origem e o destino que tem sido apontado como um dos fatores responsáveis pela alta
sonegação fiscal na fronteira e pela guerra fiscal entre os estados da federação. Esse assunto encontrase analisado, de forma detalhada, no capítulo 3 desta dissertação, que é dedicado ao estudo da
competição tributária brasileira.
10
e serviços ( q jk ) e de fatores ( w jk ), o grau de congestionamento do estado ( ck )3 e o
nível de serviços públicos colocados à sua disposição ( G jk ). Portanto, a utilidade
indireta a ser maximizada é V ik = V i (q jk , w jk , ck , G jk ) . O número de indivíduos do tipo i
que vivem no estado k é representado por n ik .
O governo do estado k , para produzir e fornecer à população o vetor de
serviços e bens públicos G jk , adquire fatores ou insumos b jk . A despesa
governamental
Dk
é
o
montante
gasto
na
aquisição
do
vetor
b jk ,
ou
seja, Dk = ∑ b jk ⋅ v jk . Para financiá-la, o governo arrecada uma receita tributária de
[
j
]
Tk = ∑ y jk ⋅ s jk + (x jk + b jk )⋅ t jk ; a partir da incidência de impostos sobre os bens e os
j
fatores de produção. O equilíbrio orçamentário impõe que Dk = Tk .
1.2.2 - OTIMIZAÇÃO E PRINCIPAIS RESULTADOS
Os instrumentos de política tributária que os governos dispõem são, geralmente,
causas primárias de distorção econômica, pois a imposição de qualquer imposto altera
o comportamento dos agentes privados.
A resposta dos contribuintes à imposição
de um imposto pode ser decomposta em dois efeitos básicos: o efeito-renda (devido à
redução do espaço-orçamentário do indivíduo, representando a diminuição do seu
poder de compra, de suas alternativas de escolha e, conseqüentemente, de sua
utilidade) e o efeito-substituição (devido ao fato de que o indivíduo alterará suas
escolhas, buscando adaptar suas preferências aos novos preços vigentes, mantendo
constante sua utilidade).
O efeito-substituição é também referenciado, na literatura econômica, como a
distorção que está associada a qualquer imposto, pois nenhum sistema tributário real
baseia-se em impostos do tipo lump-sum, que, por não acarretarem distorções
alocativas em uma economia, geram um equilíbrio que pode ser considerado como a
melhor alternativa (first-best solution).4 Dessa forma, como advertem Atkinson e Stiglitz
3
Os indivíduos são negativamente afetados pelo grau de congestionamento do estado, isto é, um maior
número de residentes em um estado pode levar à redução na quantidade e/ou qualidade dos serviços
públicos, bem como à degradação do meio-ambiente. Para maiores detalhes, ver definição do “Efeito
Congestionamento” na seção 1.2.2 deste capítulo.
4
A magnitude dessa ineficiência ou distorção é medida pela perda de peso morto do imposto, ou seja,
pelo ganho de arrecadação tributária que ocorreria caso o governo houvesse introduzido, em seu lugar,
um imposto não distorcivo (lump-sum tax). A inaplicabilidade real do imposto lump-sum deve-se a duas
razões principais: primeiro, o governo deveria possuir condições de efetuar um monitoramento direto
sobre o comportamento de cada indivíduo (para maior detalhamento do assunto, vide “Teoria da
Triagem” ou Screening, que está relacionada à dificuldade de seleção das características observáveis
que melhor substituem as características não-observáveis que o governo, de fato, desejaria tributar) e,
segundo, o imposto possui sérias implicações distributivas por desconsiderar totalmente a capacidade
contributiva dos cidadãos (o que representa o maior obstáculo à sua instituição).
11
(1980), “where first-best instruments are not available, the government has to decide on
the policies that can attain a second-best solution”. Portanto, todo governo, mediante a
utilização de impostos distorcivos, deve tentar minimizar a perda de peso morto desses
impostos, de modo a proporcionar um maior nível de bem-estar à sua população.
O modelo de Gordon, nesse aspecto, reflete bem a realidade quando
disponibiliza aos governos apenas impostos distorcivos. Segundo o próprio autor,
“Since the only taxes available to local governments are distorting, each level of
government faces a second-best problem of how to raise tax revenue with the least loss
in welfare”. Portanto, cada governo deverá escolher os níveis adequados de tributação
(as variáveis do problema de maximização são t jk e s jk ), de modo a impactar o menos
possível no bem-estar da sociedade.
O objetivo primordial do modelo é verificar quais os efeitos gerados sobre a
eficiência econômica quando os governos maximizam uma função de bem-estar social
utilitarista, sujeita a uma restrição de orçamento equilibrado ( Tk = Dk ). Assim, o modelo
de Gordon admite que o bem-estar social é composto da soma das utilidades
individuais, isto é, W = V1 + V2 +L+ VI 5. De modo a analisar os impactos da
descentralização federativa, o problema de otimização é desenvolvido para dois casos:
política tributária elaborada coordenadamente pelos estados ou decidida de forma nãocoordenada.
A função objetivo do caso coordenado considera o bem-estar de todos os
cidadãos da federação, independentemente do estado onde residem. Da mesma
forma, a restrição orçamentária refere-se ao somatório de todos os estados, o que
permite a existência de transferência intergovernamental de receitas. Essa hipótese é
bastante realista, pois desequilíbrios horizontais ocorrem em qualquer federação,
sendo resolvidos mediante repasse de recursos dos estados que possuem maior
potencial econômico-tributário para aqueles mais pobres.
O problema de maximização para o caso coordenado é o seguinte 6:
Max W = ∑ ωi ∑ n ik V ik
i
k
(1)
5
As funções de bem-estar social, ao providenciar um critério para ordenar as alocações de recursos, vão
além do princípio de Pareto, estabelecendo algum critério de justiça social. A grande dificuldade, no
entanto, reside em qual tipo de função escolher. A opção pela função utilitarista leva a um desenho de
sistema tributário onde a utilidade marginal da renda é a mesma para qualquer indivíduo, seja ele rico ou
pobre. Isto é,
∆ Ua ∆ Ub
, onde U representa a utilidade dos indivíduos a e b e T representa a
=
∆T
∆T
tributação.
A presente dissertação ater-se-á a estudar os impactos da política tributária ( s e t ), não considerando,
portanto, as variáveis de gasto e de produção dos serviços e dos bens públicos ( b e G ).
6
12
onde ω i é o peso de bem-estar dado aos indivíduos do tipo i .
[
]
s.a ∑ ∑ y jk ⋅ s jk + (x jk + b jk )⋅ t jk = ∑∑ b jk ⋅ v jk
k
j
k
j
(2)
ou, considerando que t jk − v jk = − w jk , essa restrição pode ser reescrita como
∑∑ [y
k
jk
]
⋅ s jk + x jk ⋅ t jk − b jk ⋅ w jk = 0
j
(3)
Por outro lado, o caso não-coordenado envolve uma função-objetivo onde cada
estado apenas maximiza o bem-estar de seus próprios residentes. Ademais, cada
estado deve possuir seu próprio orçamento equilibrado, significando a inexistência de
transferências intergovernamentais. Dessa forma, pode-se dizer que a
descentralização representa o caso onde cada estado atém-se a resolver seus próprios
problemas, desconsiderando os efeitos de suas ações sobre o restante da federação.
Por hipótese, cada governo, agindo independentemente, considera a política tributária
dos demais governos como dada.
O problema de otimização do caso não-coordenado é o seguinte:
Max
∑ω
i
n il V il
i
(4)
s.a ∑ y jl ⋅ s jl + x jl ⋅ t jl − b jl ⋅ w jl = 0
[
]
j
(5)
Os cálculos dos problemas de maximização encontram-se detalhados no
Apêndice I desta dissertação. Suas Condições de Primeira Ordem (CPO) constam da
tabela a seguir, desagregadas de acordo com os efeitos gerados pela política tributária
sobre determinadas variáveis econômicas7. Vale lembrar que, de acordo com as
hipóteses do modelo, as Condições de Segunda Ordem estão satisfeitas.
TABELA 1.1
CONDIÇÕES DE PRIMEIRA ORDEM DO PROBLEMA DE MAXIMIZAÇÃO DO MODELO DE GORDON
Efeitos
7
1. Direto
2. Distributivo
3.
4.
Conges- Indireto
Serão apresentados os efeitos apenas para o imposto
5. Custos 6.
Públicos
Termos
s jl , pois os resultados para o caso do imposto
t jl são análogos. Deve-se substituir, em todos os termos, s jl por t jl e, além disso, no termo 1, y jl por
x jl .
13
Caso
Coorden
ado
Caso
NãoCoorden
ado
(µ − θ ) y
tioname
nto

∑ ∑  dθ
jl
ik
i
(µ −θ n )y
l
l
il
jl
k
⋅
∂ I ik 

∂ s jl 

∂ I il 
 d θil ⋅

∑
∂ s jl 
i ∈P 
∂ Ck
∑∂ s
k
∂ Cl
∂ s jl
de Troca
µ∑
k
jl
µl
∂ Tk
∂ s jl
∂ Tl
∂ s jl
∂ Dk
∂ s jl
θ∑
∂ Rl
∂ s jl
θ
−µ ∑
k
− µl
k
∂ Dk
∂ s jl
∑n
il
i
∂ Zl
∂ s jl
Fonte: Gordon (1983) e Inman e Rubinfeld (1996)
Uma primeira análise das CPO apresentadas revela que, no caso coordenado, a
repercussão da política tributária do estado l sobre o bem-estar dos cidadãos do
estado k é levada em consideração. O caso não-coordenado mostra que o estado
l toma suas decisões sem ponderar o impacto de suas ações sobre os indivíduos do
estado k .8 Ou seja, a ineficiência do caso descentralizado é gerada, basicamente,
pelas externalidades que não são consideradas na tomada de decisão tributária por
parte dos governos. A interpretação dos resultados será realizada, a seguir, para cada
um dos efeitos acima descritos, comparando as diferenças entre ambos os casos.
Sempre que possível, o provável sinal da derivada será analisado, indicando a direção
que as variáveis econômicas deverão tomar em resposta às alterações da política
tributária9.
• Termo 1: Efeito Direto sobre a Arrecadação
A mudança na política tributária pode causar um aumento ou uma diminuição do
bem-estar social devido à transferência de recursos do setor privado para o setor
público. O aumento das alíquotas dos impostos deve, normalmente, gerar um ganho de
arrecadação. É importante observar, no entanto, que a arrecadação é negativamente
relacionada com o grau de elasticidade da base tributável. Caso a tributação incida
sobre bens normais e com baixa elasticidade-preço, esse ganho de arrecadação deve
ser efetivado e criar um benefício social marginal de µ dólares (supõe-se que o
governo utiliza esses recursos adicionais para financiar gastos que se revertem em prol
da sociedade). Por outro lado, a arrecadação também impõe um custo social marginal
8
Para facilitar a apresentação, os demais estados da federação serão referidos como um único estado.
Uma das maiores lacunas do trabalho de Gordon é não indicar o sinal das derivadas. Isso foi
apontando por Tulkens e Crombrugghe (1990), p. 349: “In making their own fiscal choices, noncooperating regions ignore these external effects; this was also pointed out by Gordon (1983) without
determining their sign, however”. (Grifo da autora). A presente dissertação buscará suprir essa
deficiência, analisando as derivadas e suas mais prováveis direções. De modo a simplificar a exposição,
a análise considerará apenas a hipótese de aumento das alíquotas dos impostos.
9
14
de θ dólares à sociedade, pois retira do setor privado recursos que, provavelmente,
seriam alocados no consumo de bens e serviços10.
Portanto, caso haja aumento na arrecadação, e se µ for maior que θ , o
impacto direto da alteração tributária será um crescimento do bem-estar social de
( µ − θ ) y jl . Vale mencionar que se impostos do tipo lump-sum existissem, o valor de µ
seria idêntico ao de θ . Entretanto, a utilização de impostos distorcivos leva a que o
valor marginal de um dólar para o governo seja maior do que o valor de um dólar para
o setor privado, pois há perda de eficiência quando esse dólar é arrecadado. Ou seja,
normalmente, µ > θ e o termo 1 deve possuir, conseqüentemente, sinal positivo.
No caso coordenado, esses benefícios e custos de ambos os estados são
contabilizados ou internalizados. Entretanto, no caso descentralizado, os contribuintes
residentes no estado que aumentou as alíquotas do imposto pagam apenas parte do
total arrecadado nesse mesmo estado. A outra parte é suportada pelos contribuintes
não-residentes que, dessa forma, acabam por subsidiar os residentes. Essa situação é
conhecida por “exportação de tributos” , onde o estado l arrecada imposto dos
contribuintes do estado k sem compensá-los pelo custo marginal que foi incorrido por
eles. Assim, a descentralização não-coordenada leva à ineficiência econômica, pois o
governo do estado l privilegiará o “imposto exportável” na composição de sua carga
tributária11.
• Termo 2: Efeito Distributivo
Os sistemas tributários afetam a redistribuição de renda entre os agentes
econômicos. Isso porque as mudanças nos impostos normalmente geram alterações
nos preços dos fatores e dos bens da economia, o que impacta a renda real dos
indivíduos ( I ). Esse impacto será diferenciado de acordo com a possibilidade de se
repassar o imposto a determinados grupos sociais, ou até mesmo, da capacidade que
certos grupos têm de elidir ou evadir tributos. Dessa forma, mesmo que
10
µ
é o multiplicador de Lagrange e representa o ganho de bem-estar social quando um dólar adicional
é arrecadado aos cofres públicos. θ representa o valor de um dólar, socialmente ponderado, dado ao
cidadão médio da economia, no caso desse dólar permanecer disponível no setor privado.
Matematicamente,
θ
∑ω n
=
∑n
i
ik
ik
α ik
, onde
ωi é o peso social do
bem-estar dos indivíduos do tipo
i,
ik
ik
nik é o número de indivíduos do tipo i residindo no estado k e α ik é a utilidade privada marginal da
renda para o indivíduo do tipo i residindo no estado k . Vide Apêndice I desta dissertação para maiores
detalhes.
11
A exportação de tributos, apesar de ser teoricamente criticada, ainda é muito comum nos impostos
sobre o consumo de países federativos que operam com base no sistema de origem, que é o caso do
Brasil (vide capítulo 3, seção 3-C, onde a questão da origem e do destino na federação brasileira é
analisada). No que se refere ao comércio exterior, a exportação de tributos tem sido bastante diminuída,
especialmente a partir do processo de globalização, com o intuito de aumentar a competitividade
internacional dos produtos exportados.
15
involuntariamente, as decisões de política tributária acabam por privilegiar
determinadas categorias sociais em detrimento de outras, possuindo importantes
repercussões sobre a eficiência econômica. Assim, o trade-off a ser vencido pelos
governos, em termos de política tributária, sempre foi o da eqüidade versus eficiência12.
O termo 2 mensura os efeitos distributivos gerados pela política tributária. A
expressão dθik = ωiαik − θ representa a diferença entre o valor social de um dólar dado
a um indivíduo do tipo i no estado k e o valor desse mesmo dólar quando dado ao
indivíduo médio da sociedade. Nesse sentido, espera-se que dθ ik assuma valores
positivos para cidadãos mais pobres e valores negativos para aqueles mais ricos (note
que o valor marginal de um dólar é maior para um pobre do que para um rico). A
 ∂ w jk
∂ q jk 
∂ I ik
 representa o efeito-renda ou o impacto da
expressão
= n ik  x ikjl
− y ikjl


∂ s jl
∂
s
∂
s
jl
jl 

mudança tributária sobre a renda dos indivíduos. O termo 2 é o produto interno entre
∂ I ik
, mensurando o impacto distributivo da renda derivado da mudança na
dθ ik e
∂ s jl
política tributária. Se o produto interno for positivo (negativo), significará que a
mudança tributária beneficiou a classe pobre (rica).
Diferentemente do caso coordenado, onde as externalidades são internalizadas,
no caso descentralizado apenas os efeitos sobre os residentes são considerados,
sendo ignorados todos os impactos sobre a distribuição de renda dos não-residentes.
Assim, na ausência de comportamento coordenado, os governos competirão entre si e,
provavelmente, os fatores mais móveis (tipicamente aqueles detidos pelos indivíduos
mais ricos) sairão daqueles estados que possuem tributação mais alta e buscarão um
tratamento tributário mais favorável em outros estados da federação (isto é, naquelas
jurisdições que detêm menor tributação efetiva). Conseqüentemente, a tributação no
estado que possui maiores alíquotas tenderá a tornar-se mais regressiva, pois os
fatores imóveis (que, geralmente, são detidos pelos indivíduos mais pobres) terão que
suportar o ônus da carga tributária. Em resumo, o processo competitivo gera
desequilíbrios na eqüidade vertical13.
• Termo 3: Efeito Congestionamento
12
A visão tradicional tem apontado a progressividade como pré-requisito para a obtenção de um sistema
tributário justo. No entanto, a tendência moderna recomenda a redução dessa progressividade com o
objetivo de aumentar a eficiência das economias, de modo que a tributação não reduza o incentivo ao
trabalho ou à atividade produtiva. Além disso, a tributação poderia ser complementada pela política de
gastos para a obtenção dos objetivos redistributivos, pois, em vários casos, existe evidência que o
impacto do gasto público é mais eficiente para melhorar a distribuição de renda, além de representar
uma ação governamental mais transparente.
13
Esse assunto também é analisado na seção 2.2.2 desta dissertação (Tributação sobre a renda das
pessoas físicas), onde alguns estudos empíricos são apresentados para demonstrar os efeitos da
competição sobre a regressividade tributária.
16
O nível de qualidade de vida que os cidadãos de um estado desfrutam é função
do equilíbrio entre a quantidade de residentes, os serviços públicos colocados à sua
disposição e os recursos naturais existentes, dentre outros fatores. Atualmente, são
bem conhecidos os custos de aglomeração das grandes cidades, onde o desequilíbrio
entre esses fatores geram desperdícios e ineficiências substanciais para os setores
público e privado. Considerando-se a mobilidade dos agentes econômicos, um estado
pode “expulsar” contribuintes de sua jurisdição mediante o aumento de sua tributação
efetiva, pois, em geral, cidadãos ou empresas mudam seu domicílio fiscal na busca por
minimizar suas obrigações tributárias. Assim, o estado que perde contribuintes deverá
possuir ruas, escolas e hospitais menos congestionados e meio-ambiente menos
poluído, o que poderá levar a um aumento da qualidade de vida de seus residentes. O
contrário é verdadeiro para aqueles estados que recebem novos contribuintes.
A análise que deve ser realizada é a do custo-benefício, pois é possível que as
receitas arrecadadas no estado que perdeu contribuintes sejam reduzidas (caso o
incremento nas alíquotas não gere uma arrecadação suficiente para cobrir as perdas
com a contração da base tributável) e a carga tributária (individual média) dos
contribuintes que permaneceram no estado aumente. No entanto, pode ocorrer que o
novo nível de receitas seja suficiente para o fornecimento de serviços públicos
adequados e que a nova carga tributária seja um preço justo para se viver em um
estado menos congestionado.
Matematicamente, o efeito congestionamento pode ser definido da seguinte
forma:
∂ V ik ∂ c k
∂ Ck
= ∑ ωi nik
,
∂ c k ∂ s jl
∂ s jl
i
onde Ck representa o congestionamento total, mensurado em termos de bem-estar.
O termo
∂ ck
tem provável sinal positivo, pois o aumento de alíquotas no estado
∂ s jl
l leva ao aumento do congestionamento no estado k . Por sua vez, a expressão
∂ V ik
possui sinal negativo, pois o aumento do congestionamento no estado k leva à
∂ ck
diminuição do bem-estar de seus residentes. Portanto, o impacto do aumento de
∂ Ck
alíquotas do estado l sobre o congestionamento total do estado k ,
, tem provável
∂ s jl
sinal negativo.
O caso descentralizado, mais uma vez, ignora os impactos da política de um
determinado estado nos demais estados da federação. Dessa forma, o estado l tenderá
a utilizar excessivamente a tributação para desencorajar as atividades
“congestionantes” em seu território. Isso porque esse estado não leva em consideração
os efeitos maléficos que sua política causa no estado k , isto é, as externalidades
negativas geradas por suas ações. Assim, pode ocorrer que atividades socialmente
17
desejáveis sejam sobre-tributadas pelo fato de serem localmente danosas. Esse tipo de
política denomina-se Not-In-My-Backyard Taxation, denotando o poder que a política
tributária possui de expulsar as atividades não desejadas para fora de sua jurisdição
fiscal.
• Termo 4: Efeito Indireto sobre a Arrecadação
As mudanças na política tributária significam alterações nos padrões de
consumo de bens e de utilização de fatores dos agentes econômicos, que, por sua vez,
significam alterações na composição da base tributável. Em geral, os indivíduos
escolhem uma nova cesta de consumo que melhor se adapte às suas preferências,
dado que o aumento nas alíquotas do imposto alteram os preços da economia. O termo
4 mensura o impacto indireto que essa mudança no consumo produz na arrecadação
tributária, isto é, o efeito gerado na arrecadação do estado k (ou seja, sua “nova” base
tributável multiplicada pelas alíquotas existentes) em função do aumento da alíquota do
imposto no estado l . Matematicamente:
 ∂ y jk
∂ x jk 
∂ Tk
= ∑  s jk
+ t jk

∂ s jl
∂ s jl 
j 
 ∂ s jl
A elevação da carga tributária no estado l , provavelmente, provocará um
deslocamento da sua demanda para o estado k e, conseqüentemente, as receitas de
impostos desse estado crescerão. O termo 4 tem, portanto, provável sinal positivo.
Enquanto no caso centralizado os efeitos sobre as receitas totais são considerados, no
caso descentralizado, o estado l somente enxerga a sua perda de arrecadação,
ignorando os ganhos obtidos pelo outro estado. Assim, as alíquotas do imposto serão
definidas em um nível inferior ao ótimo social, levando a que, como advertem Inman e
Rubinfeld (1996), “taxes with mobile tax bases will typically be underutilized in
competitive federalist economies”. Desse modo, tal como no termo 2, essa política
competitiva pode aumentar a regressividade da carga tributária devido à maior
imposição da tributação sobre os fatores com menor mobilidade.
• Termo 5: Efeito Indireto sobre os Custos Públicos
Além do reflexo sobre o setor privado, as alterações de política tributária também
repercutem sobre o governo, pois o setor governamental utiliza fatores na produção
dos bens públicos. O termo 5 mede o efeito gerado pela variação na política tributária
sobre a despesa pública, mediante o impacto sobre os preços ( w jk ) dos insumos
adquiridos pelo governo ( b jk ). Esse resultado deverá ser valorado em termos do
benefício social de um dólar quando alocado no setor público, ou seja, µ . O efeito
indireto sobre os custos governamentais do estado k é o seguinte:

∂ w jk 
∂ Dk
= ∑ b jk ⋅

∂ s jl
∂ s jl 
j 

18
Nesse caso, o sinal da derivada depende das condições do mercado de fatores.
No entanto, o principal aspecto a ser considerado diz respeito à mobilidade do fator de
produção. Em geral, quanto mais móvel, maior será a probabilidade de seu
deslocamento em direção ao estado k , que permaneceu com a tributação inalterada
(e, por isso, mais baixa). Caso o mercado de fatores no estado k opere em
concorrência perfeita, a maior quantidade irá provocar uma queda nos preços. Nessa
hipótese, é provável que os custos do governo possam ser reduzidos, significando um
ganho para o estado k .
Nesse sentido, a interpretação dos termos 4 e 5 é semelhante, pois ambos estão
relacionados aos efeitos indiretos gerados sobre o setor público do estado k devido à
mobilidade dos agentes econômicos que migram do estado l . No caso
descentralizado, a repercussão da política do estado l sobre o estado k não é
considerada, pois o estado l não internaliza em suas ações a provável externalidade
positiva que está fazendo ao seu vizinho, isto é, diminuindo seus custos de aquisição
de insumos. Conforme Inman e Rubinfeld (1996), “As state l raises its taxes on goods
or factors, consumption and factors in that state may migrate outside the state. This
migration raises tax revenues (Term 4) and lowers the costs of buying public sector
inputs (Term 5) in the other, recipient states”.
• Termo 6: Efeito sobre os Termos de Troca
A mudança na política tributária altera os preços dos bens e fatores e,
conseqüentemente, a renda dos agentes econômicos. No entanto, a hipótese de
competição perfeita do modelo de Gordon implica que os lucros das empresas são zero
no longo prazo. Em decorrência, no caso coordenado, quando esses impactos sobre a
renda são somados para toda a federação, os efeitos sobre as rendas privadas se
anulam, restando, apenas, o impacto sobre os fatores utilizados pelo setor público.
Dessa forma, o termo 6, avaliado em termos de θ , a utilidade social marginal da renda
∂ Dk
privada, nada mais é do que
. Por isso, Gordon nem mesmo trata esse termo
∂ s jl
separadamente na análise do caso coordenado, agregando-o ao Termo 5.
Entretanto, no caso descentralizado, esse termo aparece de forma explícita, já
que somente os impactos sobre o estado l são considerados e, portanto, não se pode
somar as mudanças nas rendas para todos os agentes privados da economia. Dessa
forma, o Termo 6 passa a mensurar o impacto gerado pela alteração de alíquota sobre
os preços pré-imposto de bens e fatores, que têm impacto nas rendas pré-imposto da
sociedade, isto é:
19

∂ p jl
∂ v jl 
∂ Zl
= ∑ n il − y iljl
+ x iljl

∂ s jl
∂ s jl
∂ s jl 
i

Uma interpretação interessante a fazer é que, no curto prazo, que reflete o caso
descoordenado, é possível que a competição tributária permita que alguns agentes
ganhem em cima de outros, isto é, não haja compensação entre as rendas privadas.
Contudo, isso não poderia ocorrer no longo prazo, onde as rendas privadas serão
anuladas.
Por último, vale a pena realizar uma interpretação única de todos esses termos,
de modo a obter uma melhor compreensão do significado da Condição de Primeira
Ordem do Modelo de Gordon. Para isso, pode-se reescrever a CPO da seguinte
maneira:
(µ − θ n ) y
l
l
il
jl
+µ
∂ Tl
∂ Dl
∂I
∂ Cl
∂ Zl
−µ
+ ∑ d θ il il =
+ θ ∑ n il
∂ s jl
∂ s jl
∂ s jl ∂ s jl
∂ s jl
i
i
(6)
Os três primeiros termos podem ser entendidos como a variação da renda do
governo, pois referem-se à arrecadação pública (note que T − D pode ser interpretado
como a receita líquida), enquanto que o quarto termo refere-se à variação da renda
privada. Por outro lado, os termos constantes do lado direito da equação dizem
respeito à variação na produção, pois nada mais são do que a soma dos efeitos
congestionamento e sobre os termos de troca da economia. Assim, tem-se a restrição
de que a variação total na renda deve se igualar à variação total na produção.
Em resumo, a principal conclusão do modelo é que uma política tributária
baseada em impostos distorcivos, quando operada em ambiente federativo competitivo,
gera um rol de externalidades cominadas por determinados governos sobre outros,
levando a um resultado ineficiente do ponto de vista econômico. O modelo identificou
seis diferentes tipos de externalidades geradas pelo estado que alterou sua política
tributária sobre os demais estados da federação, a saber: os não-residentes pagam
uma parcela dos impostos cobrados pelo estado competidor14; os efeitos redistributivos
sobre os não-residentes são ignorados; os custos de congestionamento suportados
pelos não-residentes não são considerados; a arrecadação de outros estados altera-se
em função da mobilidade da atividade e dos agentes econômicos; os custos dos
insumos utilizados na produção pública de outros estados sofrem modificações; e as
mudanças nos preços dos fatores privilegiam os residentes em detrimento dos nãoresidentes. Assim, mesmo que cada governo, per si, esteja agindo em prol de seus
próprios cidadãos, nenhum estará se preocupando com os benefícios ou malefícios
que impõem sobre os cidadãos de outros governos e, assim, a decisão econômica será
ineficiente e o bem-estar social estará em nível abaixo do ótimo. Em decorrência, a
federação como um todo sairá perdendo.
14
Este é o caso típico de externalidade gerada pela tributação na origem e intitula-se “exportação de
tributos”.
20
1.3 - SÍNTESE DA ABORDAGEM MODERNA DA COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA
A literatura sobre competição tributária tem recebido importantes contribuições
nos últimos anos. Em geral, os estudos podem ser classificados em duas categorias: a
que envolve uma abordagem mais ampla, analisando o caso onde um grande número
de jurisdições ou países competem entre si; e aquela onde há uma menor quantidade
de agentes competitivos, mas onde as interações estratégicas existentes entre eles
não podem ser ignoradas. Na primeira categoria, enquadram-se os trabalhos de Wilson
(1986), Zodrow e Mieszkowski (1986), Oates e Schwab (1988), Keen e Marchand
(1997), além do já referido modelo de Gordon. Na segunda categoria, basicamente
utilizando a abordagem da Teoria dos Jogos, destacam-se os estudos de Mintz e
Tulkens (1986), Crombrugghe e Tulkens (1990) e Kanbur e Keen (1993).
No entanto, independentemente do enfoque particular de cada autor, a questão
básica a que todos tentam responder diz respeito à eficiência dos resultados gerados
pela competição tributária. A grande maioria dos modelos conclui que o equilíbrio nãocooperativo fixa a arrecadação tributária e, conseqüentemente, os gastos públicos, em
nível inferior ao ótimo social. Aliás, vale notar que essa é, indubitavelmente, a
importante conclusão que pode ser tirada do estudo da abordagem moderna da
competição tributária, e que já foi aqui demonstrada mediante a análise do modelo de
Gordon. Ratificando essa posição, o trabalho de Kanbur e Keen (1993) prova que, em
ambiente não-cooperativo, a federação como um todo sai perdendo, pois a
arrecadação global diminui, apesar de poder haver ganhos isolados para determinados
estados.
Uma exceção a esse resultado é o modelo básico de Oates e Schwab (1988). O
resultado eficiente desse modelo deve-se às hipóteses irrealistas trabalhadas pelos
autores (inclusive, utilizando lump-sum taxes), o que muito se aproxima das hipóteses
e conclusões do modelo de Tiebout (1956). Entretanto, pode-se dizer que os próprios
autores desenvolveram o modelo básico apenas para utilizá-lo como um exemplo
ilustrativo, pois, logo em seguida, sob hipóteses bem mais realistas e interessantes,
provaram que a competição tributária leva, efetivamente, à ineficiência econômica.
Outro resultado que mostra a eficiência do equilíbrio não-cooperativo foi demonstrado
por Crombrugghe e Tulkens (1990), mas apenas para o caso onde os estados
encontram-se em autarquia, isto é, quando não existe exportação de bens ou tributos
entre eles. Conseqüentemente, também não há externalidades15.
De fato, a visão de que as ineficiências geradas pela competição tributária são
advindas de externalidades é compartilhada por diversos autores. Fica, assim,
comprovado que o grande problema do ambiente federativo competitivo é que os
estados não levam em consideração, quando decidem questões de política tributária, o
benefício ou malefício impostos sobre outros estados. Para solucionar o problema,
15
Vale ressaltar que a autarquia é um arranjo cada vez menos presente nas economias atuais, seja em
ambiente federativo, seja internacionalmente. A tônica atual é a da globalização e, com isso, da maior
interdependência entre estados ou nações.
21
Wildasin (1989), baseando-se na teoria da externalidade, sugere a existência de um
sistema intragovernamental de subsídios, que internalizaria os efeitos externos gerados
pela competição tributária.
É interessante observar, ainda, que a abordagem moderna da competição
tributária também estuda os seus impactos sobre os gastos públicos. Dessa forma,
passa-se a um conceito mais amplo, que engloba a competição fiscal. Wildasin (1988),
inclusive, diferentemente dos demais modelos de competição, trabalha com a hipótese
de que o nível de gastos é a variável estratégica e as receitas é que variam
passivamente. Keen e Marchand (1997) mostram que a competição não leva apenas a
um nível ineficiente de gastos, mas também à ineficiência em sua composição.
Portanto, fica claro que a teoria da competição fiscal tem evoluído
substancialmente nos últimos anos, acompanhando o desenvolvimento desse
fenômeno no âmbito das relações federativas e internacionais. Por isso, a seguir, de
modo a tornar a análise deste capítulo mais completa e atualizada, serão apresentados
alguns modelos que tratam sobre a competição tributária, sintetizando suas principais
contribuições ao debate. Os modelos serão apresentados de acordo com seu ambiente
de competição: federativo ou internacional. Sem dúvida, os modelos federativos são
muito mais numerosos, pois, afinal, o tema começou a ocorrer e a ser discutido dentro
das federações. A literatura sobre competição entre países é assunto mais recente,
pois sua importância surge com o processo de globalização das economias, podendo,
entretanto, ser entendida como uma expansão dos modelos federativos para o âmbito
internacional.
1.3.1 - MODELOS DE COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERATIVA
Dentre os modelos que tratam da competição em ambiente federativo, o trabalho
de Mintz e Tulkens (1986) pode ser considerado como ponto de referência, sendo mais
específico que o de Gordon ao trabalhar com apenas um imposto e dois estados, mas
trazendo excelentes noções a respeito das motivações da competição tributária, das
estratégias dos governos e da existência e eficiência do equilíbrio. Para isso, os
autores utilizam-se do moderno instrumental da Teoria dos Jogos que, aliás, adapta-se
muito bem ao estudo da competição tributária, dada a sua natureza eminentemente
estratégica. Posteriormente, em 1990, Crombrugghe e Tulkens publicaram um trabalho
que aprofunda alguns pontos do modelo, especialmente aqueles relativos à discussão
da eficiência do equilíbrio.
No modelo, cada estado tem competência para cobrar um imposto, incidente na
origem, sobre uma mercadoria privada, de modo a financiar a produção de um bem
público. Os consumidores de um estado, semelhantemente ao modelo de Gordon,
podem adquirir a mercadoria privada tanto na sua própria região como no outro estado,
desde que, no último caso, paguem os devidos custos de transporte. Para adquiri-la, os
consumidores ofertam seu fator trabalho em qualquer um dos dois estados. O
Equilíbrio de Mercado Regional (EMR), que representa as escolhas ótimas de trabalho
e consumo dos cidadãos de determinado estado, é encontrado a partir da maximização
22
da função utilidade do consumidor, sujeita à restrição orçamentária16. O EMR pode
assumir três formas, a saber: equilíbrio autárquico (onde os consumidores de um
estado compram apenas bens produzidos em sua própria região); equilíbrio misto
(onde os consumidores de um estado compram bens produzidos em ambos os
estados); e equilíbrio sem produção (onde os consumidores de um estado só compram
o bem no outro estado).
Após definido o EMR, os autores passam a analisar o Equilíbrio Fiscal Regional
(EFR), isto é, os níveis ótimos de tributação e bem público de cada estado. O EFR é a
solução do problema de maximização da função de bem-estar estadual, sujeita à
restrição de orçamento equilibrado17, assumindo-se a política tributária do outro estado
como dada. O resultado obtido mostra que a alíquota ótima do imposto torna-se menor
quanto mais o bem público e o bem privado forem substitutos entre si e quanto mais
forte for a sensibilidade da demanda do bem privado em relação a mudanças no
imposto.
O modelo de Mintz e Tulkens também aponta para importantes conclusões em
termos de externalidades, mostrando, de acordo com o modelo de Gordon, que o bemestar de um estado depende não apenas de suas políticas fiscais e de suas próprias
decisões de mercado, mas também do nível de imposto vigente no outro estado. Os
autores classificam essa externalidade tributária em dois efeitos. O primeiro, chamado
de “efeito de consumo público” é benéfico para o estado que não aumentou sua
alíquota ( k , por exemplo), pois o aumento da alíquota do outro estado ( l ) leva ao
crescimento da demanda da mercadoria produzida no estado k . Assim, a arrecadação
tributária do estado k eleva-se e é possível produzir e consumir um maior nível de bem
público, aumentando o bem-estar de seus cidadãos. O segundo efeito, chamado de
“efeito de consumo privado”, é prejudicial para o bem-estar do estado k . Isso porque o
aumento da alíquota do estado l diminuirá a renda real dos consumidores do estado
k , que enfrentarão um aumento do preço de suas compras. Para que os efeitos de
consumo público e privado possam ocorrer, é necessário que k seja um estado
exportador e importador, respectivamente. Quando um estado está sujeito a ambos os
efeitos, Crombrugghe e Tulkens provaram que o efeito de consumo público é sempre
dominante.
O trabalho passa, então, a analisar a competição tributária, definida como um
jogo não-cooperativo, onde os jogadores são os governos estaduais, as estratégias são
os impostos e os payoffs são as funções de bem-estar. O Equilíbrio Fiscal NãoCooperativo (EFNC) do jogo é o equilíbrio de Nash, representando uma situação onde
qualquer estado encontra-se em um ótimo fiscal, dada a escolha fiscal feita pelo outro
estado. Os autores verificaram que as funções de reação fiscal (isto é, as funções de
melhor resposta correspondente ao jogo) possuem uma descontinuidade para baixo
(downward jump) em algum ponto de sua imagem. Esse fato implica, em primeiro lugar,
que o EFNC pode não existir em determinados casos e, em segundo lugar, que é
16
Neste caso, a restrição orçamentária é que o total das compras do consumidor (realizadas em ambos
os estados da federação) seja menor ou igual ao valor do seu fator trabalho.
17
Isto é, a arrecadação tributária estadual deve ser maior ou igual à despesa pública.
23
vantajoso para um estado diminuir abruptamente sua alíquota e, assim, começar a
exportar bens e impostos, quando a alíquota do outro estado atinge determinado nível.
Os autores também abordam a questão da eficiência do equilíbrio e, em
concordância com Gordon, mostram que os impostos do EFNC não são, em geral,
eficientes de Pareto. Essa ineficiência, sempre presente quando um estado encontrase em autarquia e o outro em equilíbrio misto, é advinda das externalidades relativas
aos efeitos de consumo privado e público que não são levadas em consideração. No
entanto, Crombrugghe e Tulkens (1990) mostram que o EFNC sempre será eficiente
quando ambos os estados encontrarem-se em autarquia. Logicamente, isso pode ser
explicado pelo fato de que, em autarquia, não há externalidades presentes. Outra
importante contribuição do trabalho de Crombrugghe e Tulkens foi concluir, sem
ambigüidades, que a competição tributária leva sempre a alíquotas de impostos e
provisão de bens públicos muito baixas. Além disso, esses autores estabeleceram que,
em um EFNC ineficiente, ambas as regiões saem ganhando (isto é, têm uma melhoria
de Pareto) se, e somente se, elas, simultaneamente, aumentarem suas alíquotas. No
entanto, caso um estado desvie desse acordo, esse estado receberá todos os ganhos
e, por isso, “a prisoner’s dilemma situation characterizes cooperative tax changes at an
equilibrium”.
Por sua vez, Oates e Schwab (1988) desenvolveram um modelo de competição
interestadual a partir das seguintes hipóteses: os estados são suficientemente grandes
de modo que os indivíduos residem e trabalham em uma mesma jurisdição; e a ação
de um estado não gera qualquer tipo de externalidade no bem-estar de outros
governos. Cada estado tenta atrair para si o estoque de capital existente na federação,
que é fixo e altamente móvel. Para isso, utilizam-se das políticas tributária e ambiental.
Desse modo, um estado pode diminuir os impostos incidentes sobre o capital e os
padrões de controle de poluição como incentivos à entrada de novas indústrias. Em
conseqüência, os residentes receberão o benefício de maiores salários; mas, por outro
lado, também incorrerão nos custos advindos das reduções da arrecadação tributária e
da qualidade ambiental.
Os resultados do modelo são interessantes e corroboram, guardadas as
diferenças de hipóteses e objetivos, aqueles obtidos por Gordon. No entanto, é
importante mencionar que o resultado do modelo básico, ao contrário da maioria dos
modelos que estudam o tema, estabelece que a competição interestadual leva à
eficiência econômica. Porém, há dois pontos de substancial relevância a serem
observados ao analisar a eficiência desse resultado, ambos relacionados às hipóteses
um tanto irrealistas utilizadas no modelo básico. O primeiro deles, ressaltado pelos
próprios autores, refere-se à ausência de externalidades entre os estados da
federação. Na presença de externalidades, geradas a partir do transporte interestadual
da poluição, o resultado não seria eficiente; o que é, precisamente, o caso analisado
pelo modelo de Gordon.18 Aliás, nesse caso, o modelo de Oates e Schwab poderia ser
analisado à luz do efeito congestionamento de Gordon. Um estado, por exemplo,
18
Neste ponto, os autores citam o trabalho de Gordon, o definindo como um “excelente tratamento geral
sobre uma variedade de externalidades interestaduais”.
24
poderia jogar a estratégia de “Not In My Backyard Taxation” e manter suas alíquotas
altas, de modo a não atrair empresas poluidoras para seu território19. A segunda
consideração diz respeito à necessidade de que o governo tenha à sua disposição
instrumentos tributários não-distorcivos, pois o resultado do modelo aponta para uma
alíquota do imposto sobre o capital igual a zero.20
Cientes dessa realidade, Oates e Schwab modificaram seu modelo básico,
incorporando novas hipóteses, e mostraram que os resultados obtidos podem levar à
ineficiência econômica. Dado que o governo não possui instrumentos tributários
eficientes, introduziu-se a hipótese de adoção de uma alíquota tributária positiva sobre
o capital, como uma solução second-best. Não é surpresa que, nesse caso, o resultado
apresentou ineficiência, não somente nas decisões fiscais, mas também na escolha do
nível de qualidade ambiental, ambas ineficientemente estabelecidas em um nível muito
baixo. Além da tributação do capital, outras duas hipóteses foram introduzidas no
modelo, analisando os caso onde as decisões públicas não representam o desejo do
eleitorado21 e onde a sociedade é composta de grupos heterogêneos que possuem
conflito de interesse. Ambos os resultados apresentaram ineficiências. Portanto, podese concluir que o modelo de Oates e Schwab corrobora os resultados encontrados por
Gordon quando analisado sob hipóteses semelhantes.
Wildasin (1989) é mais um autor a mostrar que as ineficiências advindas da
competição tributária podem ser entendidas como externalidades. Isso porque o
aumento da alíquota do imposto em um estado “expulsa” as bases tributáveis para
outros estados, que terão, assim, suas receitas tributárias aumentadas. Dessa forma, o
aumento de alíquota gera uma externalidade positiva para outras jurisdições e,
conseqüentemente, a atividade geradora desse tipo de externalidade tenderá a ser
sub-provida no equilíbrio. Aliás, esse tipo de externalidade é precisamente aquele
descrito pelo Termo 4 do Modelo de Gordon (Efeito indireto sobre a arrecadação).
Para solucionar esse problema, Wildasin utiliza a mesma argumentação da
teoria da externalidade, sugerindo que os estados beneficiados paguem um subsídio
ao estado que teve sua base tributável reduzida, de forma a compensá-lo pelo valor da
perda de arrecadação. Na análise do autor, essas externalidades não são nada
desprezíveis, pois a taxa de subsídio marginal para o estado gerador de externalidade,
definida como o subsídio que esse estado deve receber quando aumenta em um real
sua arrecadação tributária, gira em torno de 40%.22
19
Para maior detalhamento, vide seção 1.2.2 (Termo 3 - Efeito Congestionamento) do presente capítulo.
Como já explanado anteriormente nesta dissertação, nenhum sistema tributário do mundo baseia-se
em lump-sum taxes e, mais que isso, a tributação do capital é largamente utilizada como fonte de
receitas tributárias na maioria dos países (talvez com a exceção óbvia dos paraísos fiscais).
21
Esse caso baseia-se no trabalho de Niskanen e tem sido muito discutido na literatura de escolha
pública, mostrando que, muitas vezes, a máquina governamental age em seu próprio interesse, que nem
sempre representa a vontade ou as opiniões do eleitor.
22
Logicamente, a taxa de 40% é advinda de uma série de hipóteses realizadas pelo autor. Em seus
estudos, essa taxa pode variar de 11% a mais de 70%. Para maiores informações a respeito desse
estudo quantitativo, vide Wildasin (1989).
20
25
1.3.2 - MODELOS
DE
COMPETIÇÃO FISCAL FEDERATIVA: A INTER-RELAÇÃO
ENTRE A
TRIBUTAÇÃO E O GASTO PÚBLICO
Em outro trabalho, Wildasin (1988) agregou uma interessante contribuição à
literatura, atentando para o fato de que a tributação é apenas um aspecto da política
fiscal e que incentivos à competição também podem ocorrer pelo lado dos gastos23. Até
então, os modelos eram construídos sobre a hipótese de que um estado deve escolher
suas alíquotas tributárias ótimas, dadas as alíquotas dos demais estados. Isto é,
trabalhava-se com o conceito de equilíbrio de Nash onde as alíquotas dos impostos
são as variáveis estratégicas. Com o trabalho de Wildasin, surge o conceito mais amplo
de “competição fiscal”. São definidos, assim, dois tipos de equilíbrio: o T-Equilíbrio (que
deve ser considerado como o equilíbrio “clássico”), onde cada estado maximiza a
utilidade de seus cidadãos mediante variações na política tributária e o nível de gastos
varia passivamente, dadas as alíquotas dos impostos dos estados competidores; e o ZEquilíbrio, onde a variável estratégica é o nível de gastos e são as receitas tributárias
que devem ajustar-se automaticamente.
A princípio, se a restrição orçamentária do governo for respeitada, as políticas
tributária e de gastos devem variar na mesma magnitude e, assim, o senso comum
apontaria para o fato de que ambos os equilíbrios deveriam coincidir24. Entretanto, o
mérito de Wildasin foi provar que a alíquota tributária do T-Equilíbrio é superior àquela
do Z-Equilíbrio e, conseqüentemente, a quantidade de bem público também é maior no
T-Equilíbrio. A intuição econômica que está por trás desse fato é a seguinte: no TEquilíbrio, quando o estado l aumenta a alíquota de seu imposto, o capital responde
imediatamente indo em direção ao estado k . Esse último, com sua base tributária
ampliada, aumenta o nível de serviços públicos ofertados, posto que sua alíquota
tributária é dada. Por outro lado, no Z-Equilíbrio, quando o estado l aumenta a
tributação de suas empresas, o estado k , ao receber novos contribuintes, tem
capacidade para reduzir a alíquota do seu imposto, mantendo a arrecadação e o nível
dos serviços públicos constantes.
No entanto, Wildasin notou que a diferença entre esses dois equilíbrios só é
relevante em modelos com um número restrito de jurisdições. Sendo assim, aqueles
modelos que trabalham com uma grande quantidade de estados não necessitam
preocupar-se com as implicações do resultado aqui apresentado. Isso porque, quando
se trabalha com um modelo com muitas jurisdições, o impacto da política do estado l
na alíquota do imposto do estado k torna-se desprezível, no Z-Equilíbrio, dado que a
participação do estado l no estoque total de capital da federação é ínfimo. Portanto, a
recomendação de Wildasin é que as análises de competição entre poucos estados
devam especificar, claramente, quais são os instrumentos de estratégia (impostos ou
gastos), considerando que os resultados do modelo podem ser influenciados por essa
especificação.
23
Efetivamente, um estado pode atrair empresas ou indivíduos colocando à sua disposição uma infraestrutura adequada e serviços públicos eficientes, por exemplo.
24
Assume-se que a arrecadação tributária é coletada com o fim de financiar algum bem público.
26
Em trabalho recente, Keen e Marchand (1997) aprofundam ainda mais essa
visão de como a competição tributária pode afetar a política de gastos. De fato, a
maioria dos modelos desenvolvidos mostra que o nível de provisão de gastos públicos
é estabelecido abaixo do ótimo25. No entanto, pouca atenção foi dada à questão do
impacto da competição tributária sobre a composição do gasto público, e aqui entra a
grande contribuição desses economistas ao debate do tema. O objetivo central do
estudo é verificar se, em um equilíbrio não-cooperativo, a composição do gasto público
é eficiente, dado o nível agregado desses gastos.
Para isso, Keen e Marchand classificam o gasto público em dois tipos básicos:
G , que corresponde a despesas de consumo, como parques, bibliotecas ou serviços
sociais; e P , que representa gastos que afetam o lado produtivo da economia, como
infra-estrutura (estradas, portos e similares). A partir da utilização do modelo de Zodrow
e Mieszkowski (1986) como base, os autores provam que a competição tributária leva a
uma composição ineficiente entre os dois tipos de gastos públicos. A principal
proposição do trabalho estabelece que “em um equilíbrio simétrico não-cooperativo,
mantendo-se constantes as alíquotas dos impostos, o bem-estar aumenta quando
ocorre um crescimento em G financiado por uma redução em P ”. Em outras palavras,
a competição fiscal leva a que os gastos nos itens de produção sejam
sobredimensionados relativamente aos itens que beneficiam diretamente os
consumidores.
Essa ineficiência na composição do gasto público tem uma estreita relação com
a problemática da externalidade. É intuitivo verificar que o componente G não induz a
efeitos externos em outras jurisdições, o que não ocorre com P . De fato, um estado
pode gerar uma externalidade negativa nos demais estados, mediante a oferta de um
“ambiente empresarial” mais propício ao setor privado e, conseqüentemente, passa a
atrair a base tributável dos demais estados para si. Como preceitua a literatura sobre
finanças públicas, uma atividade geradora de externalidades negativas tende a ser
fixada em níveis acima do ótimo, o que precisamente ocorre com P . Portanto, a
relevante contribuição de Keen e Marchand foi mostrar que a competição tributária
induz a despesas que visam a, basicamente, atrair empresas de outras jurisdições
(business centers, aeroportos, sistema de transporte), não dando a devida importância
a gastos que significam consumo direto dos seus cidadãos (escolas, hospitais, áreas
de lazer). Assim, além do ineficiente estabelecimento do nível dos gastos públicos, a
composição desses últimos também é fixada de forma não-ótima26.
1.3.3 - MODELO DE COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL
25
Vide Mintz-Tulkens-Crombrugghe (1986 e 1990) para imposto sobre consumo e Zodrow-Mieszkowski
(1986) para imposto sobre capital, por exemplo.
26
A competição interestadual baseada na oferta de bens de infra-estrutura tem sido uma das tônicas da
guerra fiscal brasileira. Alguns estados, inclusive, doam terrenos públicos às empresas, além de
providenciarem toda a infra-estrutura de escoamento da produção e até oferecerem isenção de taxas de
energia elétrica e água. Vide seção 3.3.3 para maiores detalhes a respeito desse assunto.
27
A principal contribuição de Kanbur e Keen (1993) à teoria econômica foi expandir
a noção de competição tributária para o âmbito internacional. O foco central do trabalho
é analisar como a diferença entre os tamanhos dos países pode influenciar o equilíbrio
não-cooperativo até aqui estudado. O modelo, em grande medida, aproxima-se do
trabalho de Mintz-Tulkens-Crombrugghe, tanto por causa da utilização da Teoria dos
Jogos, como pela similaridade de algumas hipóteses - basicamente, a existência de
dois países e de um bem tributável.
Há dois países vizinhos que são classificados em “pequeno” ou “grande”, de
acordo com o tamanho relativo de suas populações, e que produzem e comercializam
um bem tributável. Os cidadãos de cada país possuem um preço de reserva, acima do
qual preferem abdicar do consumo do bem. No entanto, caso o preço do bem seja igual
ou inferior ao preço de reserva, os indivíduos irão consumi-lo, pagando exatamente o
valor do imposto cobrado pelo país27. Se o indivíduo quiser fazer suas compras no país
estrangeiro, deverá pagar um preço que é a soma do imposto cobrado naquele país
mais o custo de transporte por cruzar a fronteira.
O primeiro resultado estabelecido por Kanbur e Keen refere-se ao equilíbrio do
caso onde a fronteira entre os países é fechada ou, dito de outro modo, o princípio da
tributação no destino é totalmente obedecido. Não haverá, nesse caso, consumo crossborder induzido pela política tributária e, assim, cada governo irá arrecadar o total do
excedente de seus cidadãos, fixando o imposto no nível do preço de reserva dos
indivíduos. Vale mencionar que o trabalho utiliza a hipótese de que os governos têm
por objetivo a maximização de suas receitas (Estado Leviatan). Em seguida, os
autores passam a analisar o caso onde a fronteira é aberta, permitindo a existência de
competição tributária. Utilizando uma abordagem semelhante ao de Mintz-TulkensCrombrugghe, o trabalho analisa o equilíbrio de Nash não-cooperativo quando cada
governo fixa a alíquota de seu imposto, considerando dada a política tributária do outro
país. As funções de melhor resposta para cada país revela um resultado bastante
interessante: elas são assimétricas, isto é, a diferença entre os tamanhos dos países
influencia a estratégia de cada governo.
Para o caso onde o país doméstico é menor que o estrangeiro, seu
comportamento será o seguinte: se o país estrangeiro fixar sua alíquota em níveis
muito baixos, o país doméstico instituirá uma alíquota maior. Certamente que alguns
consumidores domésticos passarão a fazer compras no estrangeiro, mas a alíquota do
país vizinho é tão baixa que não vale a pena reduzir a doméstica de modo a manter
esses consumidores no mercado nacional. À medida que a alíquota estrangeira
aumenta, a melhor resposta do país doméstico é continuar aumentanto sua alíquota
até que, em determinado ponto, será interessante diminuir a alíquota, de forma
descontínua, acabando em uma posição onde a alíquota doméstica é inferior à
estrangeira. Essa é a estratégia dominante porque, sendo pequeno, o país doméstico
atrairá uma fatia do mercado estrangeiro, que é maior que o seu. No caso do país
doméstico ser o grande, sua melhor resposta será sempre aumentar sua alíquota à
medida que a alíquota estrangeira também cresce. O raciocínio é que, como o país
27
Assume-se que o preço de produção é constante e idêntico em ambos os países.
28
estrangeiro é pequeno, o país grande não tem vantagens fixando sua alíquota em um
nível baixo para atrair poucos contribuintes. Aqui reside a diferença fundamental em
relação aos trabalhos de Mintz-Tulkens-Crombrugghe, onde as funções de melhor
resposta sempre sofrem pelo menos uma descontinuidade para baixo (downward
jump).
Dessa forma, o aumento na demanda que cada país espera ter quando compete
com o outro país mediante a redução de sua alíquota (para um nível menor do que a
alíquota do país vizinho) depende dos tamanhos relativos de ambos os países. É o
país pequeno que percebe a vantagem de “roubar” um mercado maior - maior
elasticidade - e parte para a competição tributária. Esse é um resultado de relevante
importância prática, pois explica o porquê dos Paraísos Fiscais serem sempre países
pequenos. Conseqüentemente, comparando-se a situação da fronteira fechada com a
aberta, os resultados mostram que o maior país fica em pior posição, perdendo
contribuintes e não mais extraindo o total do excedente daqueles que continuam a
comprar no mercado interno, tendo, assim, suas receitas reduzidas. A situação do país
pequeno é menos clara, pois também não mais extrai o total do excedente de seus
consumidores, mas, por outro lado, absorve novos contribuintes do país grande. No
entanto, pode-se afirmar que, se a diferença entre os tamanhos dos países for
suficientemente grande, o país pequeno terá aumento de arrecadação. Por último, vale
notar que - e esse também é um resultado interessante - as receitas somadas de
ambos os países diminui, o que mostra que a competição tributária afeta
negativamente a arrecadação global. Os autores ainda demonstram que, em termos
absolutos, a receita tributária do país grande é maior que a do pequeno, porém, a
arrecadação per capita do país pequeno é maior do que a do país grande.
Quanto à questão da eficiência, a redução da diferença entre os tamanhos dos
países leva, estritamente, à melhoria de Pareto. Por um lado, o país grande estaria em
melhor posição se fosse menor, pois, apesar de perder consumidores domésticos,
sofreria uma menor agressividade por parte do país pequeno em sua competição
tributária, e isso compensaria a diminuição de seu mercado interno. Por outro lado, o
país pequeno seria beneficiado caso fosse maior, pois teria um mercado interno mais
“rentável” para explorar. Os autores sintetizam esses fatos da seguinte maneira: “Abrir
a fronteira pode ser ou não beneficial para o país pequeno. Porém, depois que a
fronteira está aberta, a assimetria entre os tamanhos dos países é, por si mesma,
prejudicial para ambos.”
Por fim, Kanbur e Keen afirmam, em concordância com a grande maioria dos
modelos até aqui estudados, que a competição tributária leva à fixação de alíquotas
abaixo do nível ótimo. Mais uma vez, surge o clássico argumento da externalidade,
pois cada país ignora o efeito benéfico que gera nas receitas do outro país quando
aumenta sua alíquota doméstica, fazendo com que vários consumidores passem a
fazer compras no mercado estrangeiro. Portanto, o trabalho ratifica o resultado de
ineficiência do equilíbrio de Nash em competição tributária, trazendo uma enorme
contribuição no que diz respeito à análise de como diferenças de tamanho podem
influenciar esse resultado. Indubitavelmente, os autores fornecem um consistente
29
aparato teórico para explicar problemas de substancial importância prática no campo
da tributação internacional, como os Paraísos Fiscais e o cross-frontier shopping28.
1.4 - CONCLUSÃO
O presente capítulo buscou oferecer uma visão sintética da evolução da teoria
da competição tributária, analisando e contrapondo os principais trabalhos realizados
sobre o tema nos últimos anos. A análise foi centrada no modelo de Gordon, que
determina e analisa as possíveis conseqüências geradas pela competição tributária em
uma economia federativa. A abrangência do modelo, analisando as diversas
repercussões da política tributária sobre a atividade econômica e sobre o bem-estar
social, é o principal mérito do trabalho de Gordon e o motivo pelo qual esse modelo foi
adotado como o ponto de referência teórico desta dissertação. No entanto, com o
intuito de fazer deste capítulo um survey sobre a abordagem moderna da competição
tributária, foram também apresentadas sínteses de outros estudos relevantes para a
análise do tema.
A principal conclusão que pode ser retirada a partir desses estudos é que a
competição tributária, quando operada em ambiente não cooperativo, leva à
ineficiência econômica e, em conseqüência, à diminuição do bem-estar social. De fato,
os poucos casos onde surgiram resultados eficientes deveram-se a hipóteses
irrealistas utilizadas nos modelos, reconhecidas como tal pelos próprios autores. Além
disso, a teoria econômica atribui essa ineficiência a um problema de externalidade, pois
as ações de um governo geram, sobre outros governos, benefícios ou malefícios que
não são considerados quando da formulação da política tributária.
Assim, ciente desses resultados teóricos, a presente dissertação buscará
apresentar e discutir as evidências e os exemplos empíricos que corroboram a posição
da teoria econômica, além de demonstrar a importância prática que a competição
tributária tem assumido em anos recentes. O capítulo 2 desta dissertação, apresentado
a seguir, é dedicado à análise dessas questões de natureza empírica, tratando, ainda,
das possíveis soluções que podem ser adotadas no combate à competição tributária
nociva, de modo a minimizar suas ineficiências socioeconômicas.
Capítulo 2
Problemas Associados à Competição Tributária:
Mensurações Empíricas e Possíveis Soluções
28
As seções 2.2.1 e 2.2.3 são dedicadas ao estudo de exemplos de competição tributária no âmbito da
tributação sobre o consumo e sobre a renda das pessoas jurídicas, respectivamente. Em ambas as
seções, discute-se e exemplifica-se a importância prática de mecanismos como o cross-border shopping,
a atuação dos paraísos fiscais e os preços de transferência.
30
2.1 - INTRODUÇÃO
A teoria econômica mostra que a competição tributária, em geral, é responsável
por um nível sub-ótimo de receitas e de bens públicos, conforme demonstrado no
primeiro capítulo desta dissertação. No entanto, é de extrema importância a avaliação e
comprovação práticas desse resultado, buscando-se determinar se a tributação é, de
fato, uma variável relevante na tomada de decisão dos agentes econômicos.
Atualmente, a competição tributária pode ser considerada como um fato consumado
nas economias globalizadas. Ou seja, não é mais um fenômeno restrito às fronteiras de
algumas federações, sem nenhum tipo de influência sobre outros países. Portanto, não
cabe mais analisar a competição tributária apenas visando a definir, teoricamente, se
seus efeitos são benéficos ou nocivos. É preciso verificar quais são seus reais efeitos
práticos e buscar soluções para evitar eventuais impactos prejudiciais a países ou
agentes econômicos.
O presente capítulo dedica-se à essa tarefa, apresentando, na seção 2.2, uma
consolidação dos principais estudos realizados com o objetivo de mensurar o impacto
da competição tributária na alocação econômica. Constatando-se que o processo
competitivo gera, na prática, várias ineficiências, diversos especialistas, organizações e
mesmo países têm sugerido algumas propostas para coibir ou minimizar esses efeitos
prejudiciais. A seção 2.3, então, discutirá essas soluções, dando especial atenção às
propostas que tratam do combate multilateral à competição tributária nociva, da criação
de instituições especializadas em controlar o ambiente tributário competitivo e,
especialmente, da busca de harmonização tributária.
2.2 - MENSURAÇÕES EMPÍRICAS DA COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA
A competição tributária somente ocorre se houver mobilidade de fatores entre as
diversas jurisdições competidoras. Assim, torna-se importante verificar é se os fatores
de produção, de fato, são sensíveis às mudanças econômicas e, especialmente, às
diferenças tributárias entre estados ou países. Inman e Rubinfeld (1996), em sua
excelente síntese de mensurações empíricas do fenômeno da competição tributária,
afirmam que “as evidências práticas provam que as barreiras geográficas e sociais
desaparecem frente aos mais modestos incentivos econômicos”. Naturalmente, esses
incentivos não são compostos apenas da tributação, pois os fatores buscam, além de
um ambiente econômico favorável, uma situação político-social estável. De fato, sabese que a taxa de juros, o nível salarial, a qualificação da mão-de-obra, as condições
infra-estruturais e a própria burocracia são variáveis relevantes para a alocação dos
recursos econômicos. No entanto, o processo de globalização tem implicado uma forte
tendência à homogeneização de vários desses componentes. E, em um ambiente
equalizado, qualquer componente que signifique um diferencial na lucratividade do
capital ou na remuneração do trabalho influenciará a alocação de recursos. O
componente tributário, símbolo tradicional da autonomia dos Estados, ainda hoje
31
apresenta grandes divergências interestaduais e internacionais, tornando-se, portanto,
um fator de alta influência no retorno do investimento ou na renda real dos indivíduos29.
Desse modo, cientes do poder econômico dos sistemas tributários, os governos
passaram a utilizá-lo não apenas como fonte de financiamento de suas atividades, mas
como instrumento de atração de capital ou mão-de-obra qualificada. Por outro lado, os
próprios agentes econômicos, ao decidir a localização de seus investimentos, acabam
por forçar uma espécie de “leilão tributário”, onde negociam com cada governo níveis
favorecidos de tributação efetiva. Isso porque, ao ter que escolher entre estados ou
países que estejam em condições político-econômicas semelhantes, os agentes irão
tentar aumentar sua lucratividade mediante a diminuição da carga tributária a que
estarão sujeitos, pois essa é uma das poucas variáveis que pode ser totalmente
controladas e negociadas pelos governos. Isso, inclusive, tem dado espaço à
proliferação dos paraísos fiscais ou áreas de tributação favorecida.
Dentre as três bases clássicas de incidência tributária, o consumo, a renda e o
patrimônio, as evidências empíricas mostram que as duas primeiras são as mais
sensíveis às alterações tributárias. O capital é a base que detém maior mobilidade,
especialmente devido à integração crescente dos mercados financeiros. Os fluxos
migratórios por trabalho, embora sejam atualmente muito mais facilitados do que em
décadas passadas, sobretudo graças ao barateamento dos custos de transporte, ainda
hoje sofrem algum tipo de restrição, seja por impedimentos legais à imigração ou
mesmo por motivos culturais. O patrimônio, por tratar-se de um fator imóvel ou
inelástico, tem menor possibilidade de deslocamento rumo a regimes tributários
favorecidos. A seguir, serão analisados os principais problemas associados à interrelação entre carga tributária e alocação de recursos, ilustrando-os com casos práticos
e, quando possível, associando-os às externalidades apontadas no modelo de Gordon.
Essa análise será realizada de acordo com o tipo de incidência tributária, mostrando
quais os efeitos mais prováveis do processo competitivo sobre cada categoria de
tributo.
2.2.1 - TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO
No que se refere aos impostos sobre o consumo, a externalidade mais comum é
a exportação de tributos (Termo 1 do modelo de Gordon – Efeito Direto sobre a
Arrecadação30), que é geralmente realizada mediante a prática do cross-border
29
De fato, a carga tributária total varia de menos de 10%, em alguns países latino-americanos, a cerca
de 50% nos países nórdicos. Ademais, há grandes diferenças na composição da carga tributária. Por
exemplo, enquanto alguns países nem mesmo tributam a renda pessoal, a arrecadação do imposto de
renda das pessoas físicas significa 53,7% da carga tributária dinamarquesa. Mesmo no âmbito da União
Européia, onde a mobilidade dos fatores tem forçado uma equalização dos níveis de tributação ao longo
das últimas três décadas, ainda há substanciais divergências no patamar e na composição da carga
tributária. Vide Tabela 1 do Apêndice IV para informações sobre carga tributária em países selecionados.
30
A externalidade do Termo 1 refere-se ao fato de que os não-residentes pagam uma parte dos
impostos cobrados por determinado estado ou país. Para maiores detalhes, vide seção 1.2.2 desta
dissertação.
32
shopping e já foi provada como sendo elástica mesmo com respeito a pequenos
diferenciais tributários. Na observação de Vito Tanzi (1996), “some countries are trying
to entice foreign consumers to do some shopping in their territories... these actions are
particularly advantageous for small countries, which may be able to attract buyers from
larger neighbours. For these smaller countries the elasticity of tax revenue with respect
to changes in their tax rates may be particularly high because of the possibility of crossfrontier shopping.”31 Essa prática tornar-se-á cada vez mais utilizada, não apenas pelos
países pequenos, dada a crescente facilidade de se comprar bens mediante catálogos
e, sobretudo, via Internet32.
Como exemplo desse tipo de competição tributária, há o caso de uma província
canadense que, ao tentar desincentivar o consumo de cigarro mediante o aumento da
tributação desse bem, em 1994, teve sua política frustrada pelo deslocamento da
demanda rumo aos Estados Unidos, que, tradicionalmente, têm patamares inferiores
de tributação sobre o consumo33. Atualmente, tanto o Canadá como o México possuem
alíquotas menores de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) naqueles estados que
fazem fronteira com os EUA. O México, por exemplo, adota uma alíquota de 15% para
todo o país, exceto para a região fronteiriça, que possui alíquota de 10%. No Brasil, é
bastante conhecido o alto volume de compras que brasileiros fazem no Paraguai,
aproveitando as vantagens tributárias daquele país. No caso específico dos cigarros, o
que tem ocorrido é a exportação do produto para o Paraguai (com isenção de
impostos, em decorrência) e sua posterior internalização ilegal no Brasil, sem o
pagamento de nenhum imposto sobre a importação. O incentivo para esse tipo de
prática é a própria quantidade de impostos presente no preço da mercadoria, que é de
cerca de 75%. As estimativas de perda de arrecadação em função dessa prática
atingem R$ 1 bilhão ao ano.
Quanto à exportação de tributos nas operações de comércio exterior, a
tendência internacional tem sido a eliminação da imposição tributária sobre os bens
exportados, de modo a não prejudicar a competitividade internacional do país. No
Brasil, por exemplo, apenas recentemente se eliminou a incidência do ICMS sobre a
exportação de produtos primários e semi-elaborados (Lei Complementar 87/96) e se
passou a conceder um crédito para compensar o PIS/PASEP e a COFINS que oneram
os bens exportados (Lei 9.363/96)34. No entanto, quando um país é monopolista ou
31
Para uma demonstração teórica das vantagens de um país pequeno sobre o grande na competição
tributária, ver síntese do modelo de Kanbur e Keen (1993), na seção 1.3.3 desta dissertação.
32
A tributação está sendo afetada pela nova fronteira tecnológica do consumo: o comércio eletrônico. A
Internet tem aberto possibilidades inimagináveis de compras e de prestação de serviços, oferecendo as
vantagens do baixo custo, do conforto e da anonimidade. A pergunta que se coloca é como controlar e
tributar a imensa quantidade de transações eletrônicas que ocorre no comércio internacional. Alguns
países já discutem a hipótese de se criar um imposto sobre essas operações, o que se convencionou
chamar de bit tax. No entanto, esse imposto sofre todas as críticas daqueles países que são contra
medidas que possam desestimular o crescimento da Internet e que a tratem de forma diferenciada das
demais atividades econômicas.
33
Os Estados Unidos são um dos poucos países do mundo que não possuem um imposto sobre o valor
agregado em sua tributação sobre o consumo, utilizando o imposto sobre vendas a varejo (sales tax).
34
A estrutura do sistema tributário brasileiro e suas principais características estão detalhadas na seção
2 do terceiro capítulo desta dissertação.
33
oligopolista de determinado bem, a situação é diferente, pois é lógico que haverá como
tirar vantagens substanciais da exportação de tributos. Sem a concorrência
internacional, o melhor a fazer é impor sua carga tributária aos não-residentes. Nesse
sentido, Inman e Rubinfeld (1996) apontam para a relevância da exportação de tributos
pelos cartéis ou pelos produtores de mercados oligopolizados, destacando que
“Internationally, OPEC nations have historically earned significant rents from implicitly
taxing exported oil; other international cartels have taxed copper and bauxite”.
2.2.2 - TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS
A análise do Imposto sobre a Renda pode ser classificada entre pessoas físicas
e jurídicas. Dessa forma, tornam-se mais claros os efeitos sobre os fatores trabalho e
capital, respectivamente. As evidências práticas mostram que o capital é o fator que
detém a maior mobilidade e, por isso, é muito mais afetado pelos diferenciais
tributários. O trabalho, por estar ligado a questões culturais e sociais e, sobretudo, em
função de impedimentos legais, tem menor capacidade de mover-se entre fronteiras.
No entanto, o surgimento das áreas de integração regional tem implicado o
crescimento do fluxo migratório entre os países, pois facilita o deslocamento do fator
trabalho em busca da minimização de suas obrigações tributárias. No âmbito das
federações, dadas as menores disparidades lingüísticas, culturais e legais, essa
migração sempre ocorreu.
A competição na tributação da renda dos indivíduos tem um óbvio impacto sobre
a distribuição de renda da sociedade (Termo 2 do modelo de Gordon – Efeito
Distributivo35). A característica mais comum gerada pela competição nessa base de
incidência é a regressividade da estrutura tributária. Isso porque os indivíduos de alta
renda têm maior possibilidade de mudar seu domicílio fiscal com o objetivo de
aproveitar benefícios tributários. Além disso, os próprios governos locais, cientes desse
fato, para não perder a mão-de-obra mais qualificada e os indivíduos com maior
capacidade de poupança, acabam por substituir a tributação da renda pela tributação
do patrimônio ou do consumo. Muitas vezes, mesmo o patrimônio dos mais ricos não
pode ser progressivamente tributado, de modo a evitar que tenham o incentivo de
adquirir bens imóveis em outras jurisdições. Assim, aqueles que não têm condições ou
possibilidades de mudança de domicílio fiscal, geralmente os mais pobres e
desqualificados, terminam por arcar com um custo mais que proporcional na
composição da carga tributária. Sinn (1990) adverte que “The losers of tax competition
will be those who cannot escape and those who benefit from a large government sector.
The first group includes immobile workers and landowners. The second group consists
of the poor. The poor will lose because goverments will no longer be able to maintain
their current scales of redistribution”.
Conforme apontado por Inman e Rubinfeld (1996), “A bias toward regressive tax
structures in decentralized public economies is well documented”. Os exemplos da
35
O Termo 2 procura mensurar como a competição tributária afeta a distribuição de renda entre ricos e
pobres. A externalidade gerada por esse termo deve-se ao fato de que os efeitos redistributivos sobre os
não-residentes são ignorados pelo estado competidor. Vide seção 1.2.2 para maiores detalhes.
34
mobilidade dos mais ricos rumo à áreas de tributação favorecida são inúmeros, a
começar pelo fato de ser de conhecimento comum que a residência fiscal de artistas e
esportistas internacionalmente famosos geralmente é fixada em algum tipo de “paraíso
fiscal”, como Mônaco, por exemplo. Outro exemplo ocorreu na Suécia, em 1997, onde
grandes empresas, incluindo a Ericson, ameaçaram sair do país devido às altas
alíquotas do imposto de renda da pessoa física, que atingem, marginalmente, 60%. O
argumento dessas empresas foi que esse nível de tributação estava impedindo o
recrutamento e a permanência de profissionais altamente qualificados no país.
Kirchgässner e Pommerehne (1996) realizaram um interessante estudo
econométrico sobre a competição tributária do imposto sobre a renda pessoal na
Suíça. A escolha desse país é justificada por características que, em teoria, incentivam
a competição entre seus cantões (unidades federativas): forte estrutura democrática e
federalismo descentralizado, tributação da renda sob competência cantonal ou
municipal e pequena área geográfica (o que facilita a migração interna). O estudo
constata que, fixando a média ponderada de carga tributária sobre a renda pessoal da
Suíça em 100, os índices variam de 54,8 no cantão Zug a 150,5 no cantão Valais. Essa
diferença faz com que uma família possa economizar 12% da sua renda se tiver
domicílio fiscal em Zug. Conseqüentemente, em 1987, 1,8% da população de Zug era
formada por contribuintes considerados ricos, enquanto que a média da Suíça foi de
0,9%. O resultado do modelo pode ser sintetizado na seguinte observação dos autores:
“These results strongly suggest that there is a least some tax competition in Switzerland
and that some people, especially high income earners, choose their place of residence
depending on the amount of income (and property) taxes that have to be paid”. No
entanto, apesar dessas evidências de competição tributária e de mobilidade fiscal dos
mais ricos, a federação Suíça não entrou em colapso e não existe um grave problema
distributivo no país. Para os autores, isso pode ser explicado pela existência de
transferências governamentais que modificam a distribuição de renda da economia36.
Assim, o trabalho de Kirchgässner e Pommerehne tem o mérito de comprovar a
existência de competição tributária na Suíça e, ao mesmo tempo, apresentar a solução
governamental que tem evitado suas conseqüências distributivas prejudiciais.
2.2.3 - TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS JURÍDICAS
O capital é, indubitavelmente, um fator de alta mobilidade e, portanto, espera-se
que, dentre as bases de incidência, seja a mais sensível a variações tributárias. Nesse
sentido, De Bonis (1997) mostra que uma pesquisa de opinião conduzida pelo Ruding
Committee, em 1992, fez a seguinte pergunta a empresas da União Européia: “how
often are taxes faced in alternative locations a factor in the decision in which country to
locate investment?”. As respostas das firmas localizadas em importantes centros
financeiros foram as mais positivas, com 52% das empresas respondendo “sempre”,
36
Pode-se estimar esses efeitos redistributivos mediante a comparação da distribuição de renda antes e
depois dessas transferências. As estimativas mostram que o coeficiente de Gini para a renda dos fatores
era de 0,334 e, para a renda final, de 0,226. Dessa diferença, 37,4% pode ser atribuída à política
tributária e 62,6% à política de gastos do governo. Assim, “the distributional impact of the public budget is
quite strong, and this holds also compared with other western countries”.
35
26% “usualmente”, 13% “em algumas vezes” e 9% “nunca”. Para as demais firmas, as
respostas foram as seguintes: 22% “sempre”, 26% “usualmente”, 33% “em algumas
vezes” e 19% “nunca”. Mesmo na segunda alternativa, não é possível desconsiderar
que a tributação exerce algum tipo de influência na decisão dos agentes econômicos.
Certamente que essa influência varia em função do tipo de capital investido,
aumentando à medida que seu perfil seja de curto prazo e esteja desvinculado de
qualquer atividade produtiva. Nesse sentido, o capital de portfolio é mais elástico
(relativamente às variações da tributação) do que o investimento direto, pois esse
último, possuindo prazo indeterminado de permanência em um país ou estado,
depende também de fatores como mão-de-obra e infra-estrutura. Assim, é mais
provável que a tributação tenha maior influência na alocação dos capitais do tipo hot
money, que buscam retorno alto e imediato de sua aplicação. No entanto, como ficará
demonstrado a seguir, a competição tributária relativa aos investimentos diretos tornase cada vez mais intensa, dada a crescente homogeneidade - entre países ou estados
- dos demais fatores que influenciam a alocação desse tipo de capital.
Estudo do Departamento Econômico da OCDE (1997), intitulado Taxation and
Economic Performance, a respeito dos efeitos da tributação sobre os fluxos
internacionais de capital, destaca que as diferenças nas alíquotas nominais afetam,
principalmente, a localização do capital financeiro, isto é, lucros empresariais e
rendimentos de juros e dividendos. Por outro lado, as diferenças nas alíquotas efetivas
afetam a localização dos investimentos estrangeiros diretos. “Thus, countries interested
in attracting foreign financial investment (i.e. tax havens) will tend to reduce their
statutory tax rates, while countries wishing to attract foreign direct investment are likely
to focus more on incentives that reduce the tax base.” Isso é, de fato, o que geralmente
ocorre: paraísos fiscais fixam alíquotas de imposto de renda sobre o capital financeiro
em níveis extremamente baixos, ou mesmo zero; enquanto que a guerra fiscal por
investimentos estrangeiros se dá, principalmente, mediante postergação de pagamento
de imposto ou concessão de isenções fiscais37.
•
Capital Financeiro
A alta sensibilidade do capital financeiro com respeito à tributação pode ser
comprovada mediante a análise de vários estudos e constatações empíricos. Como
exemplo, vale mencionar que o imposto de renda retido na fonte, cobrado pelos
Estados Unidos sobre os rendimentos de juros de não-residentes (à alíquota de 30%),
fez com que empresas americanas abrissem subsidiárias financeiras nas Antilhas
Holandesas, cujos residentes são isentos desse imposto. Outro caso aconteceu na
Alemanha, que introduziu, em 1989, um imposto de renda retido na fonte sobre os
rendimentos de juros de residentes e não-residentes, cobrado à alíquota de 10%. Em
apenas alguns meses após sua adoção, esse imposto teve que ser extinto graças à
37
Um excelente exemplo é a guerra fiscal brasileira por investimentos estrangeiros diretos, baseada no
postergamento do ICMS por prazos extremamente longos e isenção de taxas públicas. Vide seção 3.3.3
para maiores detalhes.
36
fuga substancial de ativos financeiros rumo às subsidiárias localizadas em
Luxemburgo.
Um exemplo bastante atual é a aparição das Ilhas Cayman como um importante
parceiro comercial nas importações brasileiras. Entre janeiro e agosto de 1998, 9,40%
das importações brasileiras foram provenientes desse país, ocupando o terceiro lugar
na pauta de importação, apenas atrás dos EUA (25,87%) e da Argentina (11,43%).
Além disso, impressiona saber que 80% desse volume foram importados em petróleo e
derivados, embora esse país não seja produtor dessa mercadoria. Isso mostra que,
sendo um paraíso fiscal, esse país está simplesmente intermediando as operações
financeiras do comércio exterior brasileiro. Outro exemplo tem ocorrido nas bolsas de
valores brasileiras, que têm perdido negócios depois que o ADR da Telebrás passou a
poder ser negociado na Bolsa de Nova Iorque. A Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF) tem sido apontada como um dos fatores que têm
contribuído para aumentar o custo das operações no Brasil, deslocando as
negociações rumo aos Estados Unidos.
•
Preços de Transferência
Entretanto, não seria possível analisar a inter-relação entre fluxos de capital e
tributação sem mencionar a prática dos Preços de Transferência. Esse mecanismo,
cada vez mais utilizado por empresas internacionais que possuem algum grau de
interdependência, consiste em um tipo de planejamento tributário que visa, dentre
outros objetivos, a minimizar as obrigações tributárias globais de determinado
contribuinte. Para isso, as empresas migram seus lucros em direção a países que
possuem nível de tributação mais favorecido, mediante a realização de operações
contratadas a preços distintos daqueles que ocorreriam caso as empresas fossem
independentes. Isto é, estabelecendo negócios a preços “fora de mercado” (como
operações de royalties ou empréstimos, por exemplo), empresas interligadas
conseguem apropriar seus lucros em países de baixa tributação e seus prejuízos em
países de alta tributação.
Há vários estudos que buscam estimar ou constatar a importância do
mecanismo de preços de transferência. Por exemplo, de acordo com o documento
“Taxation and Economic Performance”, da OCDE, “Harris et al. (1993) found that US
companies that had subsidiaries in low-tax countries showed lower overall US tax ratios
than US companies with subsidiaries in high-tax countries, which is consistent with
profit shifting”. O controle da prática dos preços de transferência transformou-se em
uma preocupação constante das administrações tributárias de vários países, dada a
grande dificuldade e o alto custo de monitorar e fiscalizar essas operações. A OCDE e
os Estados Unidos foram os primeiros a estabelecer regras e legislações específicas
para o controle dos preços de transferências. Atualmente, vários outros países
passaram a incluir dispositivos que tratam sobre o tema em suas legislações de
37
imposto sobre a renda. Esse é precisamente o caso do Brasil, que adotou legislação
específica a partir de 199638.
•
Investimentos Diretos
No que se refere aos investimentos diretos, a competição tributária ocorre,
sobretudo, pela redução da base tributável. Em geral, esse tipo de negociação pode
ser, inclusive, realizada em nível de contribuinte, pois cada governo pode conceder
benefícios específicos a determinados setores ou empresas. O documento Harmful Tax
Competition, da OCDE, aponta que foreign direct investment by G7 countries in a
number of jurisdictions in the Caribbean and in the South Pacific island states, which
are generally considered to be low-tax jurisdictions, increased more than five-fold over
the period 1985-1994, to more than US$ 200 billion, a rate of increase well in excess of
the growth of total outbound Foreign Direct Investment”.
Segundo Papke (1991), os incentivos tributários são largamente utilizados pelos
governos estaduais e locais com o objetivo de atingir o desenvolvimento econômico.
Nos Estados Unidos,“the incentives range from conventional investment tax credits to
lower the costs of purchase or construction of new plant and equipment (in 23 states) to
property tax abatement programs for the partial or total forgiveness of the tax on
eligible property for a stipulated number of years (31 states)”. Apesar da grande
utilização desse tipo de competição tributária, praticamente não há estimativas dos
custos desses programas, pois, mesmo nos Estados Unidos, nem todos os estados
mantêm um orçamento completo de benefícios tributários.
Assim, a guerra fiscal entre os estados norte-americanos está se agravando e
intensificando o debate sobre os custos efetivamente impostos à sociedade americana.
Como exemplo, “a Micron Technology recebeu US$ 80 milhões do Estado de Utah para
construir uma fábrica de chips. Em 1993, o Alabama ganhou uma fábrica da MercedesBenz com um pacote de mais de US$ 250 milhões. A Blue Water Fibre recebeu do
Michigan US$ 80 milhões em incentivos para instalar uma usina de reciclagem de
papel com 34 empregados - isto é, US$ 2,4 milhões por emprego gerado.”39 A falta de
mensuração e acompanhamento do retorno socioeconômico desses investimentos faz
com que parte do orçamento público, que poderia estar sendo investida em atividades
tipicamente estatais, esteja financiando uma pseuda-criação de empregos, a custos
exorbitantes. De modo a assegurar a vitória nessa acirrada competição tributária,
geralmente o vencendor arca com um custo exageradamente caro para ganhar. A
38
A Lei 9.249/95 introduziu a tributação mundial da renda na legislação do Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica. Assim, conforme seu artigo 25, os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior
passaram a ser computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao
balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano. Posteriormente, a Lei 9.430/96, em sua seção V,
introduziu o tratamento legal de Preços de Transferência no Brasil. Vide, ainda, Instrução Normativa nº
38/97 para outros detalhes sobre o assunto.
39
As informações referentes aos custos da atração de empresas em estados norte-americanos foram
retiradas da reportagem “Cresce a guerra fiscal nos Estados Unidos”, publicada no jornal “O Estado de
São Paulo” do dia 04/01/98.
38
Teoria dos Leilões afirma que, quando há um número elevado de participantes, o
vencedor pode tornar-se um perdedor, pois paga além do que deveria para ganhar.
Essa é a chamada “Praga do Vencedor”. Um exemplo interessante aconteceu no
estado da Pensilvânia que, em 1978, gastou US$ 70 milhões para atrair uma fábrica da
Volkswagen, com a geração esperada de 20 mil empregos. Uma década depois, essa
fábrica, que empregou apenas 6 mil funcionários, foi desativada.
No que se refere às mensurações quantitativas, há vários modelos
econométricos que abordam o tema. Papke (1991), por exemplo, estudou o impacto
dos diferenciais tributários estaduais e locais (dos Estados Unidos) na localização de
indústrias e na criação de novas firmas. A conclusão de seu trabalho aponta que a
competição tributária tem efeito na composição da estrutura industrial dentro do estado.
Além disso, suas estimativas indicam que a elasticidade da criação de novas indústrias
(new manufacturing plant births) em relação à alíquota tributária varia de 1,6 a 15,7. Em
algumas estimativas, “a one percentage point (100 basis point) increase in the ETR
(Effective Tax Rate) leads to a 26% decline in Outwear births, an 8,8% decline in
Printing births and a 3,2% decline in Communication Equipment”.
2.2.4 - OS IMPACTOS
SOBRE A
MOVIMENTAÇÃO
DE
FATORES: RESULTADOS
DE
EQUILÍBRIO GERAL
As mensurações dos efeitos alocativos gerados pela competição tributária
podem ser bem visualisadas mediante a utilização de Modelos de Equilíbrio Geral
Computáveis (MEGC)40. Já foi demonstrado que a tributação aplicada por um
determinado estado sobre os fatores de produção (trabalho e, especialmente, capital),
por incidir sobre uma base de incidência móvel, tem grande probabilidade de influenciar
a arrecadação e os custos públicos dos estados vizinhos, isto é, gerar tax spillovers
(Termos 4 e 5 do modelo de Gordon – Efeitos Indiretos sobre a Arrecadação e sobre os
Custos Públicos41). Esse tipo de externalidade, por envolver substanciais impactos
alocativos, pode ser avaliado mediante a aplicação de MEGC. Segundo Inman e
Rubinfeld (1996), “computable general equilibrium tax models for regional economies
have shown tax spillovers with factor taxation to be very important. Kimbell and Harrison
(1984) and Jones and Whalley (1988) show for plausible parametrizations of a federalist
economy that tax increases on capital in one state or province will lead to an
economically significant relocation of capital and subsequent changes in factor and
goods prices in the other regions”.
Morgan, Mutti e Partridge (1989) desenvolveram um MEGC regional para os
Estados Unidos, buscando mensurar os efeitos da política tributária sobre a produção e
a alocação de fatores entre as diversas regiões. Em linhas gerais, o estudo analisa os
efeitos da substituição da atual estrutura tributária por impostos lump-sum que geram o
40
Grande parte desses modelos inspiram-se no trabalho pioneiro de Harberger. Para maiores detalhes,
ver Harberger, A.C. (1962) “The Incidence of Corporate Income Tax”, Journal of Political Economy 70,
215-240.
41
Vide seção 1.2.2 desta dissertação para maiores detalhes.
39
mesmo nível de arrecadação. Dessa forma, os autores demonstram como um sistema
tributário distorcivo leva à alocação ineficiente de recursos, pois, ao se implementar a
estrutura neutra, haverá migração de fatores entre as regiões. O estudo divide os
Estados Unidos em seis regiões, a saber: Great Lakes (GL), New England-Mideast
(NE-M), Plains-Rocky Mountains (PRM), Southeast (SE), Southwest (SW) e Far West
(FW). Há três casos básicos de análise: a remoção multilateral de todos os impostos
regionais, a remoção unilateral dos impostos regionais (isto é, cada região muda a sua
estrutura, mantidas constantes as políticas tributárias das demais regiões) e, por último,
a remoção multilateral dos impostos regionais e federais. A Tabela 2.1 apresenta os
resultados calculados pelos autores, mostrando, claramente, a movimentação dos
fatores e o impacto no crescimento das regiões causados pelas alterações na política
tributária42.
TABELA 2.1
IMPACTO DA POLÍTICA TRIBUTÁRIA NA EFICIÊNCIA ALOCATIVA NORTE-AMERICANA
em %
Alterações
Tributárias
Caso 1
Valor Agregado
Capital
Trabalho
Caso 2
Valor Agregado
Capital
Trabalho
Caso 3
Região
Great
New
Lakes Engl.
Mideast
Pl. Rock
Mountain
s
Southeas
t
Southwe
st
Far
West
-0,6
0,0
-0,8
1,9
3,0
1,9
0,3
1,1
0,0
-1,6
-2,4
-1,4
-2,4
-3,1
-2,5
0,9
-0,3
1,6
0,0
0,0
0,0
7,5
10,1
7,6
8,8
11,2
9,0
8,9
11,5
9,2
6,5
7,5
7,0
6,5
7,9
6,8
9,7
9,8
10,9
0,0
0,0
0,0
-3,7
-7,5
-3,9
-1,4
-3,4
-1,6
-0,5
-2,9
-0,7
0,6
0,0
0,0
Valor Agregado 3,3
4,0
-0,6
Capital
6,4
5,0
0,0
Trabalho
2,2
3,4
-1,5
Fonte: Tabela 4 - Morgan, Mutti e Partridge (1989)
Total
E.U.A.
No caso 1, ao se remover os impostos regionais multilateralmente, os fatores
migram primariamente para a New England-Mideast e Far West (nesse último caso, a
migração refere-se ao trabalho). A região da New England-Mideast tem um
crescimento de 3% em seu estoque de capital. Por outro lado, as regiões Southweast e
Southeast têm as maiores perdas de fatores: a redução do estoque de capital atinge
3,1% e 2,4%, respectivamente; enquanto que a perda do fator trabalho é de 2,5% e
1,4%, respectivamente. Isso pode ser explicado pelo fato de que as estruturas atuais
de impostos das regiões Southweast e Southeast são desenhadas justamente para
atrair os fatores econômicos. Esse é um resultado muito interessante, pois comprova a
“crença geral” de que o crescimento econômico alcançado pelos estados do sul, na
42
Os dados apresentados na Tabela 2.1 referem-se à hipótese de que o fator trabalho é totalmente
móvel. Os autores também apresentam cálculos para as hipóteses onde esse fator é parcialmente móvel
e imóvel. Obviamente, a total mobilidade é a hipótese que gera as maiores movimentações de fatores.
40
última década, foi, em grande parte, decorrente da guerra fiscal. Pode-se explicar o
fluxo de recursos rumo à região da New England-Mideast, que tem um aumento
máximo estimado de seu valor adicionado em torno de 2%, pelo fato de que essa
região possui, atualmente, um nível relativamente alto de tributação. Em resumo, os
fatores que deveriam estar alocados no nordeste americano foram em busca de
alíquotas mais baixas, principalmente nos estados do sul.
O segundo caso, que abrange a hipótese de remoção unilateral dos impostos
regionais, revela que a região que mudou sozinha sua política tributária sempre acaba
em uma posição melhor do que no primeiro caso. Em verdade, não apenas melhor,
mas com valores de acréscimo de produto e fatores significativamente mais altos.
Como exemplo, o Far West conseguiria aumentar seu valor agregado em 9,7%.
Conforme os próprios autores afirmam, esse é um resultado esperado pela teoria da
competição tributária. De fato, nesse caso, uma única região extingue suas distorções
tributárias e, com isso, pode atrair recursos das demais regiões que permaneceram
com a política tributária estagnada (e distorciva). “Therefore, when tax policies are
altered unilaterally, economic growth in a particular region occurs almost totally at the
expense of economic activity in the other five regions”. Assim, o crescimento econômico
global para os Estados Unidos é zero, pois o modelo em questão é estático, indicando
que os fatores migram entre as regiões. Quanto aos ganhos de valor adicionado para
as regiões propriamente ditas, esses podem ser significativos, variando entre 6,5% a
9,7%.
O último caso corresponde à remoção multilateral dos impostos federais e
regionais, e mostra que a política tributária federal não é neutra entre as regiões. Na
prática, isso pode ser explicado pelas diferenças nas alíquotas efetivas dos impostos
federais entre os diversos setores econômicos e, conseqüentemente, dados os
diferentes níveis de concentração setorial de cada região, entre as próprias regiões.
Mais uma vez, a New England-Mideast receberia um afluxo de fatores, podendo
expandir seu valor agregado em 4%, e o Southeast incorreria em uma perda de 3,7%.
Neste terceiro caso, o crescimento do valor agregado dos Estados Unidos seria de
0,6%, significando que essa é a perda de produto nacional resultante da má alocação
de recursos devido à política tributária.
2.3 - ALGUMAS SOLUÇÕES POSSÍVEIS
TRIBUTÁRIA
PARA OS
PROBLEMAS GERADOS
PELA
COMPETIÇÃO
As seções anteriores desta dissertação mostraram, teorica e empiricamente, que
a competição tributária pode gerar ineficiências econômicas ou externalidades.
Portanto, dados os diversos tipos de problemas que podem ser causados pela
descentralização não-coordenada, a questão que se coloca diz respeito às suas
possíveis soluções. De fato, desde que a literatura econômica começou a tratar da
competição tributária, algumas soluções teóricas têm sido apontadas com o objetivo de
resolver seus problemas. No entanto, a maioria dessas soluções é de difícil ou
indesejável aplicação prática, como a tributação no destino e a centralização do poder
federativo, respectivamente. Mais recentemente, dado o agravamento dos conflitos
competitivos, várias iniciativas de coordenacão e cooperação intergovernamental ou
41
internacional têm sido sugeridas. A seguir, serão apresentadas algumas dessas
soluções, dando-se especial ênfase àquelas que envolvem, efetivamente, viabilidade e
importância práticas no combate à competição tributária.
2.3.1 - CENTRALIZAÇÃO DO PODER FEDERATIVO
A solução tradicional tem apontado para o fortalecimento do Governo Federal,
seja por meio da provisão centralizada de bens públicos ou do estabelecimento de um
sistema de transferências que internalize as externalidades geradas pela competição
tributária. Entretanto, a total centralização não parece ser a solução mais adequada.
Em primeiro lugar, apesar de resolver as ineficiências, a centralização traz, em seu
bojo, outros problemas com semelhante grau de importância. O principal deles, talvez,
seja a tomada de decisão sem considerar as demandas - ou necessidades - efetivas
dos cidadãos. É natural que os governos locais, estando mais próximos dos cidadãos,
possam melhor identificar suas demandas e, conseqüentemente, saibam melhor como
alocar os recursos públicos. Portanto, especialmente nas federações de grande
extensão territorial, é praticamente impossível governar de maneira fortemente
centralizada, pois isso traria, em última instância, distorções e ineficiências alocativas
análogas àquelas geradas pela competição tributária. Além disso, mesmo que a
centralização resolvesse os problemas competitivos internos de uma federação, seria
muito difícil aplicar a mesma solução para a competição internacional.
Nesse sentido, torna-se desaconselhável a simples opção pelo fortalecimento do
poder central, até mesmo porque, com o fim de grande parte dos regimes ditatoriais e a
crescente liberdade democrática, a descentralização pode ser considerada,
atualmente, uma tendência mundial. No entanto, cabe ao governo central um
importante papel: o de atuar como “supervisor” e “controlador” das ações competitivas
dos governos subnacionais, priorizando os interesses da federação em detrimento de
ganhos locais. Para isso, o governo central deve possuir poder suficiente para agir de
forma a contrabalançar eventuais desequilíbrios gerados pela competição tributária.
Desse modo, a interveniência do governo central se daria mediante a regulamentação
e monitoramento das ações competitivas dos governos locais, e não visando a
centralizar a tomada de decisões econômicas e políticas da federação.
2.3.2 - CRIAÇÃO
DE
INSTITUIÇÕES
QUE
ZELEM
PELO
AMBIENTE COMPETITIVO
SAUDÁVEL
Considerando que, na prática, é utópico imaginar a eliminação total das disputas
competitivas, seria bastante útil o estabelecimento de alguma convenção que pudesse
determinar a partir de que momento uma jurisdição passa a agir de modo nocivo à
federação (ou um país passa a prejudicar as relações econômicas internacionais). De
certa forma, isso vem sendo feito, apesar que de uma maneira pouco precisa, ao se
utilizar dois conceitos que são conhecidos por “competição tributária saudável” e
“competição tributária nociva”.
42
Poder-se-ia, por exemplo, fixar uma faixa de alíquotas dentro da qual estados ou
países pudessem competir livremente. Dentro desse limite de segurança, a competição
poderia, até mesmo, estimular uma menor carga tributária para um mesmo nível de
serviços públicos, mediante a busca de um melhor desempenho da administração
governamental. Essa situação seria considerada como uma “competição saudável”.
Porém, caso alguma jurisdição não respeite a alíquota mímina e tente atrair os fatores
econômicos a despeito de serviços públicos insuficientes, salários mais baixos ou
descontrole ambiental, seria considerada um “competidor nocivo”. Em recente
Informe43, a OCDE reconheceu a distinção entre regimes tributários “aceitáveis” e
“nocivos”. “If the spillover effects of particular tax practices are so substancial that they
are concluded to be poaching other countries’ tax bases, such practices would be
doubtlessly labelled “harmful tax competition”.
Entretanto, essas definições só fazem sentido se houver uma estrutura
institucional capaz de aplicá-las e monitorá-las. Ademais, seria necessário existir algum
tipo de sanção para aquelas jurisdições que jogam deslealmente em sua política
tributária. Em âmbito federativo, o papel regulador do governo central é de fundamental
importância nessa questão, sobretudo se coordenado com representantes dos
governos sub-nacionais, que devem ter bastante clara a relevância de se discutir os
problemas federativos de forma colegiada, já que os ganhos individuais serão sempre
menores do que as perdas coletivas em um processo de competição tributária nociva.
Assim, a federação deve buscar o desenvolvimento de instituições sólidas e
democráticas que zelem pela continuidade da organização federativa mediante a
existência de uma competição intergovernamental saudável. A mesma solução poderia
ser aplicada ao ambiente internacional, pois é notória a falta de uma instituição que
zele pela justa prática tributária entre os países. Essa lacuna torna-se cada vez mais
evidente à medida que se agravam os problemas competitivos entre as nações e,
sobretudo, quando a política tributária de um país afeta substancialmente a economia
dos demais.
Portanto, da mesma forma que o mundo pós-guerra decidiu lutar contra as
práticas desleais de comércio internacional, inclusive mediante a criação de
organizações especializadas na matéria (como o antigo General Agreement on Tariffs
and Trade - GATT, atual Organização Mundial do Comércio - OMC), é necessária a
criação de instituição semelhante que combata as práticas desleais de tributação
internacional. Certamente, essas práticas prejudicam a competição econômica
saudável, distorcem a alocação ótima de recursos e agravam a delicada situação fiscal
em que se encontram vários países44.
43
Vide seção seguinte deste capítulo (2.3.3), intitulada “Adesão às recomendações da OCDE”, para
maiores detalhes sobre o referido Informe.
44
A importância e urgência dessa idéia ficaram patentes durante a realização da 32ª Assembléia Geral
do Centro Interamericano de Administradores Tributários (CIAT), em maio de 1998, onde, em particular,
o Sr. Vito Tanzi, do Fundo Monetário Internacional, e a Secretaria da Receita Federal do Brasil
defenderam essa posição.
43
2.3.3 - ADESÃO ÀS RECOMENDAÇÕES DO COMITÊ FISCAL DA OCDE45
Uma importante iniciativa no campo da contenção da competição tributária foi
dada, recentemente, pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Em 1996, a OCDE foi requisitada a “desenvolver medidas para
conter os efeitos distorcivos da competição tributária nociva sobre as decisões de
investimento e financiamento e suas conseqüências para as bases tributárias
nacionais, e apresentar um informe em 1998”.46 O Informe que resultou desse projeto
foi aprovado pelo Conselho da OCDE em 9 de abril de 1998, adotando recomendações
dirigidas aos países-membros e buscando desenvolver um diálogo com países nãomembros. Luxemburgo e Suíça abstiveram-se de participar da aprovação do Informe
em nível do Conselho. O Informe é dividido em três partes: a primeira apresenta uma
visão geral do problema da competição tributária, a segunda define fatores que buscam
identificar “Paraísos Fiscais” e “Regimes Tributários Preferenciais Nocivos” e, por
último, a terceira parte propõe 19 recomendações, de ampla extensão, para o combate
às práticas fiscais nocivas.
O Informe inicia-se reconhecendo os efeitos benéficos da globalização sobre o
bem-estar e o padrão de vida em todo o mundo, mediante a alocação e a utilização
mais eficiente dos recursos. Entretanto, adverte que a globalização também gera
impactos negativos quando cria novas maneiras pelas quais os agentes econômicos
podem minimizar ou evadir impostos e pelas quais países podem desenvolver políticas
tributárias orientadas a atrair os fatores móveis. Nesse sentido, considera que esses
tipos de contribuinte e de governo são “free riders” que se beneficiam dos serviços
públicos prestados pelos países não competidores, sem contribuir para seu
financiamento.
A OCDE orienta seu Informe, em um primeiro momento, para as “práticas
competitivas nocivas”, assim consideradas quando um país “rouba” a base tributável de
outro. Ao fixar sua alíquota incidente sobre as atividades móveis em níveis
significativamente inferiores aos de outros países, um Paraíso Fiscal ou um Regime
Tributário Preferencial Nocivo geram os seguintes prejuízos: distorcem os fluxos de
investimentos financeiros e reais; corroem a integridade e a justiça das estruturas
tributárias; alteram o nível e a composição desejados dos impostos e das despesas
públicas; causam uma mudança indesejada, sobrecarregando o ônus da carga
tributária sobre os fatores menos móveis, como o trabalho, a propriedade e o consumo;
e aumentam o custo administrativo e de cumprimento tributário sobre os fiscos e os
contribuintes.
45
Todos os conceitos e definições utilizados na seção 2.3.3 foram retirados do documento “Harmful Tax
Competition - An Emerging Global Issue”, da OCDE.
46
Essa requisição foi endossada pelo G-7, que expediu a seguinte nota (constante do documento
Harmful Tax Competition, OCDE, p. 7): “Finally, globalisation is creating new challenges in the field of tax
policy. Tax schemes aimed at atttracting financial and other geographically mobile activities can create
harmful tax competition between States, carrying risks of distorting trade and investment and could lead
to the erosion of national tax bases. We strongly urge the OECD to vigorously pursue its work in this field,
aimed at establising a multilateral approach under which countries could operate individually and
collectively to limit the extent of these practices”.
44
Em seguida, o Informe identifica três situações onde o imposto cobrado por um
determinado país, incidente sobre atividades geograficamente móveis, é inferior àquele
que seria cobrado sobre a mesma renda em outro país: o primeiro país é um paraíso
fiscal e, como tal, geralmente não impõe nenhum imposto sobre a renda, ou somente
um nominal; o primeiro país obtém receitas importantes provenientes do imposto sobre
a renda de pessoas físicas ou jurídicas, mas seu sistema tributário apresenta
características preferenciais que permitem que os rendimentos relevantes sejam
tributados a uma alíquota reduzida ou não sejam sujeitos à imposição tributária; e, por
último, o primeiro país obtém receitas importantes provenientes do imposto sobre a
renda de pessoas físicas ou jurídicas, mas a alíquota efetiva aplicada geralmente é
inferior àquela que se aplica no segundo país.
A partir dessas situações, a OCDE buscou, na medida do possível, distinguir o
conceito de “Paraíso Fiscal” de “Regimes Tributários Preferenciais Nocivos”: “While the
concept of tax haven does not have a precise technical meaning, it is recognised that a
useful distinction may be made between, on one hand, countries that are able to finance
their public services with no or nominal income taxes and that offer themselves as
places to be used by non-residents to escape tax in their country of residence and, on
the other hand, countries which raise significant revenues from their income tax but
whose tax system has features constituing harmful tax competition”. Dessa forma, a
OCDE deu um importante passo na definição de fatores que identificam se um país é
um Paraíso Fiscal ou um Regime Tributário Preferencial Nocivo, o que é, sem dúvida,
altamente relevante para a implementação efetiva de medidas de contenção da
competição tributária nociva. Os fatores-chave para a identificação de Paraísos Fiscais,
segundo a OCDE, são: a não imposição de impostos ou somente imposição de
impostos nominais; a falta de intercâmbio efetivo de informação47; a falta de
transparência; e a não existência de atividades substanciais48. Por sua vez, os
Regimes Tributários Preferenciais Nocivos podem ser identificados pelas seguintes
características: alíquotas efetivas baixas ou zero49; isolamento (ring fencing) dos
regimes50; falta de transparência; e falta de intercâmbio efetivo de informação. Há,
47
“Tax havens typically have in place laws or administrative practices under which businesses and
individuals can benefit from strict secrecy rules and other protections against scrutiny by tax authorities
thereby preventing the effective exchange of information on taxpayers benefiting from the low tax
jurisdiction”.
48
“The absence of a requirement that the activity be substancial is important since it would suggest that a
jurisdiction may be attempting to attract investment or transactions that are purely tax driven”.
49
“A low or zero effective tax rate on the relevant income is a necessary starting point for an examination
of whether a preferential tax regime is harmful. A zero or low effective tax rate may arise because the
schedule rate itself is very low or because of the way in which a country defines the tax base to which the
rate is applied”.
50
“Some preferential tax regimes are partly or fully insulated from the domestic markets of the country
providing the regime. The fact that a country feels the need to protect its own economy from the regime
by ring-fencing provides a strong indication that a regime has the potential to create harmful spillover
effects. Ring-fencing may take a number of forms, including:
- a regime may explicitly or implicitly exclude resident taxpayers from taking advantage of its benefits;
- enterprises which benefit from the regime may be explicitly or implicitly prohibited from operating in
the domestic market”.
45
ainda, outros fatores que podem auxiliar na identificação de países que utilizam
práticas tributárias nocivas, como, por exemplo: definição artificial da base tributária,
não adesão aos princípios internacionais de preços de transferência, utilização do
sistema de tributação territorial da renda, possibilidade de negociar bases ou alíquotas
tributárias e existência de sigilo bancário.
Identificados e relatados todos esses problemas, o Informe, em sua última parte,
admite que “os governos não podem ficar esperando enquanto suas bases tributáveis
são erodidas pelas ações de Paraísos Fiscais e Regimes Tributários Preferenciais
Nocivos que oferecem aos contribuintes maneiras de reduzir um imposto que, de outro
modo, seria devido a esses governos”. Assim, é necessário se implementar medidas
que possam combater esses efeitos nocivos. A OCDE reconhece que, tipicamente,
essas medidas têm sido implementadas mediante ações unilaterais ou bilaterais de
governos, mas que, entretanto, medidas desse tipo são limitadas porque a competição
tributária é um problema de natureza global. Assim, é necessário estabelecer uma ação
coordenada em nível internacional, pois “coordinated action is the most effective way to
respond to the pressures created in the new world of global capital mobility”. A OCDE,
iniciando esse processo, preceituou 19 Recomendações que visam a combater a
competição tributária nociva. Essas recomendações são divididas em três categorias:
Recomendações concernentes à legislação doméstica; Recomendações concernentes
aos tratados tributários; e Recomendações para a intensificação da cooperação
internacional. Dada a sua substancial relevância, essas 19 recomendações do Comitê
de Assuntos Fiscais da OCDE encontram-se integralmente relatadas no Apêndice II
desta dissertação. Dentre elas, destaca-se a recomendação de criação de um Fórum
internacional com o objetivo de avaliar os regimes (existentes ou propostos) em paísesmembros e não membros, de analisar a efetividade das medidas de combate à
competição tributária nociva e examinar se uma jurisdição enquadra-se no conceito de
paraíso fiscal. Além disso, um ano após a primeira reunião do Fórum, uma lista com os
nomes dos países considerados paraísos fiscais deverá ser apresentada. Certamente,
essa pode ser considerada como uma das iniciativas de maior relevância já tomadas
por uma organização internacional para o combate da competição tributária.
2.3.4 - HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
Dentre as possíveis soluções para os problemas gerados pela competição
tributária, a harmonização tributária é, indubitavelmente, a que tem despertado maior
interesse, tanto no meio acadêmico como entre economistas governamentais. De fato,
a discussão acerca da harmonização tem crescido substancialmente, sobretudo em
âmbito internacional, nos debates envolvendo as áreas de integração regional. No
entanto, a literatura econômica ainda encontra-se em estágio embrionário na análise do
tema e, por isso, seus resultados sobre a eficiência alocativa e o bem-estar social não
estão plenamente estabelecidos. Conforme citado por Keen (1987), “But despite the
fact that harmonisation has been on the policy agenda for some decades - or perhaps
because of it - the welfare consequences of such tax coordination have received little
atention. As a result, the economic case for harmonisation has been - at best obscure”.
46
De certa forma, pode-se, inclusive, afirmar que há divergências no que tange ao
próprio conceito de harmonização tributária. Alguns a definem como o estabelecimento
de uma alíquota única por parte de distintos estados ou países; outros a vêem apenas
como uma convergência das alíquotas rumo a um patamar específico, permitindo que
as alíquotas variem dentro de uma determinada banda. Há, ainda, a possibilidade da
fixação de uma alíquota mínima, o que pode - ou não - ser entendido como um tipo de
harmonização tributária. A discussão, entretanto, torna-se mais profunda quando passa
a envolver, também, a harmonização das bases de cálculo, benefícios tributários e
hipóteses de incidência do imposto, dentre outros. Afinal, de nada adiantaria a simples
convergência das alíquotas nominais, enquanto a tributação efetiva permanece
discrepante.
Apesar dessa amplitude conceitual, há um consenso em torno do objetivo da
harmonização tributária: a negociação de um acordo entre diversos governos para
estabelecer uma estrutura tributária “comum”, de modo a impedir a proliferação da
prática competitiva nociva entre os mesmos e, portanto, evitar a corrosão de suas
receitas tributárias. Assim, a harmonização pode ser entendida como um acordo
político que busca solucionar os problemas gerados pela competição tributária. Por
outro lado, a harmonização pode surgir como uma resultante do processo competitivo,
pois é natural se supor que aqueles estados ou países que possuem tributação mais
alta tendam a reduzi-la ao perderem receitas para seus competidores. Comparando-se
esses dois casos, a importante questão a ser respondida diz respeito ao nível de carga
tributária que acaba por ser imposto à sociedade - possivelmente alto no primeiro caso
e, certamente, baixo no segundo.
Neste ponto, abre-se um interessante - e antigo - debate entre os economistas
que são favoráveis e os que são opositores à competição intergovernamental,
discutindo se ela é ou não um meio para se atingir a eficiência econômica. Essa
discussão vestiu nova roupagem e encontra-se, atualmente, crescendo em
importância. O novo debate envolve, de um lado, os defensores da harmonização
tributária (e, conseqüentemente, contrários à competição) e, de outro, aqueles que
pensam justamente o oposto. De certa forma, essa discussão também faz ressurgir um
outro debate tradicional da teoria econômica: o da tributação uniforme - ou, em outras
palavras, harmonizada - versus a tributação ótima51. Esse debate encontra-se bem
analisado no trabalho de Frey e Eichenberger (1996) intitulado “To harmonize or to
compete? That’s not the question”, cujas idéias serão aqui apresentadas. A discussão é
assim sintetizada pelos autores: “Tax harmonization is normally advocated because it
reduces economic distortions, and tax competition because it reduces political
distortions. Thus, there exists a conflict between harmonization and competition, and we
are tempted to formulate the implied trade-off by a possibility frontier relating economic
51
Não é objeto desta dissertação posicionar-se a favor ou contra qualquer um dos lados, até mesmo
porque, como qualquer trade-off econômico, essa não é uma questão a ser decidida na base do “certo
ou errado”, mas sim de uma escolha social que deverá ponderar e julgar a quantidade ideal de
competição e harmonização para determinada sociedade, isto é, aquela que gera o maior nível de
utilidade para seus cidadãos.
47
and political distortions.” De fato, as ineficiências geradas pela tributação são um
resultado plenamente estabelecido pela teoria econômica e podem ser agravadas caso
haja competição tributária entre as diversas jurisdições. Conseqüentemente, a
harmonização tributária pode diminuir essas ineficiências, favorecendo que a alocação
econômica ocorra em ambiente tributário neutro. Isso porque, conforme Frey e
Eichenberger, “welfare theory demands the imposition of harmonized taxes, which
means that producers and consumers are to carry the same tax burden for the same
economic activities”. A harmonização, portanto, age em prol da competição econômica
saudável, ou seja, da eliminação das distorções econômicas.
Por outro lado, a teoria da escolha pública define como distorções políticas os
desvios entre a política governamental e as preferências dos cidadãos, gerados pelo
fato de que, após eleitos, os políticos perseguem seus próprios objetivos, nem sempre
coincidentes com as demandas de seus eleitores. Utilizando esse conceito, a
harmonização tributária é vista como um instrumento gerador de distorções políticas,
pois permite que os governos adotem uma tributação alta e uniforme, impedindo que os
contribuintes possam buscar a combinação entre carga tributária e serviços públicos
que mais lhe agrada. Em verdade, a possibilidade do eleitor-contribuinte migrar entre
diversas jurisdições é um importante mecanismo que faz com que os governos
respeitem as preferências de seus cidadãos. A competição tributária favorece esse
mecanismo, contrariamente à harmonização tributária.
Há uma analogia muito interessante, feita por Cnossen (1990), comparando a
harmonização tributária à prática do cartel: “Tax harmonization may be compared with
cartelization ... may be described as a process whereby governments of independent
nation-states conclude agreements on the level and the structure of their tax systems:
the type of tax that will be levied, the basis of assessment that will be employed, and the
rates that will be applied. It is then possible that the tax burden is raised to a higher level
than would have been the case without the agreement”. No entanto, apesar dessas
semelhanças, o autor afirma que a harmonização tributária é vista como algo positivo,
contrariamente aos cartéis. “It cannot be denied that tax harmonization looks
surprisingly like cartelization. Yet, thus far, tax harmonization, unlike ‘smelly’
cartelization, has had an aura of great respectability”. De fato, Frey e Eichenberger
também concordam que a harmonização tributária tem sido vista positivamente tanto
por acadêmicos como por membros do governo. Há três principais razões para isso,
que são analisadas a seguir.
Primeiramente, quanto à visão da teoria econômica, essa assume que o governo
é uma entidade maximizadora de bem-estar, agindo sempre em prol de seus
cidadãos52. Assim, a teoria parte do princípio de que o sistema democrático funciona
perfeitamente, não produzindo distorções políticas. Em decorrência, na presença
apenas de distorções econômicas, os teóricos assumem que a harmonização tributária
52
De fato, a ampla maioria dos modelos estudados em finanças públicas visa a maximizar uma função
de bem-estar social. Isso pode ser constatado pela leitura do Capítulo 1 desta dissertação, onde todos
os modelos de competição tributária trabalham com essa hipótese.
48
é a opção correta a ser seguida na busca da eficiência alocativa. Ou seja, a solução
poderia ser outra se as distorções políticas também fossem incorporadas ao modelo.
Em segundo lugar, no que concerne à posição dos funcionários governamentais,
a proposta de harmonizar tributos parece ser mais plausível do que a de competir, pois
essa última significaria rivalidades entre as jurisdições que os próprios funcionários
representam. Além disso, a harmonização pressupõe um planejamento tributário por
parte de estados ou países, o que implica uma razoável previsão das receitas a serem
arrecadadas e sua distribuição entre os participantes do acordo. Todos esses motivos
vão muito mais ao encontro dos interesses dos burocratas do que simplesmente
esperar o resultado “de mercado” gerado pela competição tributária. Em suma, os
autores afirmam que “one may state that people rarely meet in commissions to
stimulate competition, but rather to suppress it by harmonizing tax policy, and
government policy more generaly”.
Por último, quanto à classe política, o interesse pela harmonização é devido ao
fato de que, em ambiente não competitivo, os eleitores-contribuintes não têm como
comparar as políticas tributárias das diversas jurisdições e, assim, não podem protestar
ou mudar de domicílio fiscal. Sem dúvida, essa é uma situação bem confortável para os
políticos, que evitam sofrer os desgastes da competição interjurisdicional, tendo seus
interesses protegidos pelo “cartel” da harmonização tributária.
Portanto, seja por razões de caráter econômico - o aumento da eficiência e do
bem-estar - ou pelo favorecimento a determinados grupos de interesse, a
harmonização tem sido apontada como uma solução factível para o problema da
competição tributária. Por motivos óbvios, o tema tem sido bastante discutido pelos
países da União Européia e, por isso mesmo, grande parte da literatura econômica
relativa à harmonização tributária está aplicada sobre as propostas da Comissão
Européia. De fato, para muitos economistas, a harmonização seria a única opção
realista para a resolução dos problemas tributários da Europa Unificada. Na opinião de
Sinn (1990), “A Europe with competing tax systems and unrestricted migration would be
like an insurance market where the customers can select their company and pay the
premium after they know whether or not a loss has ocurred. There are only two options
for avoiding this dilemma. One is to introduce binding redistribution contracts with the
government of choice. ... The other, more practicable, option is simply to harmonize tax
rates via collective agreements between the European governments or, more or less
equivalent, to allocate all redistributive activities to a central European government. With
a collective planned harmonization, rather than one enforced by the competition of tax
systems, Europe would not have to give up its social achievements, and it would not
have to suffer the tax-induced distortions described”.
No entanto, apesar dessa corrente em prol da harmonização tributária e de já ter
havido várias propostas da Comissão Européia rumo a esse objetivo, a harmonização
de facto nunca ocorreu. A explicação para a dificuldade da instituição prática de um
acordo pró-harmonização pode dever-se ao fato de que alguns agentes econômicos
sofrerão perdas com o processo. A harmonização implica que algumas das vantagens
tributárias usufruídas por determinados grupos serão eliminadas e, assim, haverá
49
incentivos para barrar o processo de convergência dos tributos. Além disso, mesmo
após instaurada a harmonização, os incentivos para que os contribuintes evadam
impostos e que os governos desviem-se do cartel são grandes. Por isso, Frey e
Eichenberger crêem que a tributação efetiva será menos harmonizada do que a
tributação nominal e, assim, algum grau de competição entre as jurisdições será
reinstalado. Na opinião dos autores, “Reality is thus characterized by a combination of
official harmonization with (mostly unofficial) disharmonization of government policy.
The ‘ideal’ world projected by formal economic models of harmonized taxes (e.g., Sinn,
1990) disregards the incentives created by the very fact of harmonization to re-establish
differences in taxation and regulation”.
Por último, para completar a presente análise sobre a harmonização tributária,
será apresentada, a seguir, uma breve síntese dos principais argumentos e resultados
estabelecidos pela teoria econômica sobre o tema. Dessa forma, a presente
dissertação passa a abranger o “estado das artes” da literatura econômica não
somente em relação à competição tributária, mas também sobre o seu “contrário”, isto
é, a harmonização tributária. Vale mencionar que a maioria dos estudos realizados
sobre harmonização tributária baseia-se na experiência européia. Isso porque, devido à
necessidade de estabelecer uma tributação neutra no âmbito do mercado comum, os
países europeus vêm discutindo o assunto por alguns anos e várias propostas já foram
sugeridas e/ou implementadas pela Comunidade. Apesar disso, a harmonização
tributária, entendida como a unificação das alíquotas e legislações, ainda não ocorreu,
nem mesmo para o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). A opção atual para o IVA foi
o estabelecimento de uma alíquota mínima, dada a grande oposição de alguns países
relativamente à adoção de uma alíquota única. Quanto aos impostos sobre a renda, as
divergências de alíquotas ainda são grandes, para não se falar na existência de
paraísos fiscais, como Luxemburgo, e de países que protegem totalmente o sigilo
bancário, como a Suíça53. Tudo isso tem tornado a implementação da harmonização
tributária uma árdua tarefa. A grande contribuição da teoria econômica tem sido tentar
mostrar os ganhos potenciais de um processo de harmonização. Entretanto, sendo um
tema ainda muito recente, os resultados não estão plenamente estabelecidos, havendo
divergências de opiniões sobre seus impactos em relação à eficiência econômica e ao
bem-estar social.
O trabalho de Keen (1987) baseou-se nas propostas para o IVA que estavam
sendo discutidas pela Comissão Européia na época, mas que ainda continuam
bastante atuais. A questão que Keen tentou responder diz respeito ao fato de que as
propostas da Comissão não visavam à eliminação das distorções existentes no sistema
tributário europeu, mas apenas à convergência parcial das alíquotas dos impostos.
Provavelmente, a alíquota comum deveria ser calculada mediante a aplicação de
algum tipo de média das alíquotas então adotadas pelos países-membros. Segundo o
autor, problemas de second-best surgem imediatamente ao analisar uma política como
essa, pois não é claro por que um sistema distorcivo com uma alíquota média comum
53
A Suíça, apesar de não pertencer à União Européia, desempenha um papel importante na competição
fiscal intra-comunitária devido às características de seu sistema bancário.
50
deve ser necessariamente preferido a vários sistemas distorcivos com alíquotas
distintas. O autor desenvolveu um modelo para verificar o impacto sobre o bem-estar
de reformas tributárias multilaterais e chegou a uma conclusão interessante: utilizando
um modelo padrão de comércio internacional, uma convergência das alíquotas
domésticas rumo à uma média comunitária apropriada pode gerar uma melhoria de
Pareto54. Para isso, no entanto, é necessária a existência de um sistema de
compensações entre os países, pois quando se adota uma alíquota média,
necessariamente, há uma melhora para alguns países e uma piora para outros. Por
isso, conforme o próprio autor ressalta, “compensation would generally be required for
harmonization to generate an actual Pareto improvement”. No entanto, as dificuldades
políticas de um sistema de transferências entre países distintos é óbvia.
Em trabalho recente, Delipalla (1997) aprofunda o modelo de Keen, pois mesmo
dez anos depois, e apesar da introdução da alíquota mínima e da abolição das
fronteiras fiscais, a questão da alíquota única ainda continua a ser debatida na União
Européia. A autora mantém a estrutura do trabalho de Keen, incorporando na análise a
hipótese de que a arrecadação é utilizada para financiar bens públicos (o estudo de
Keen supõe que a receita tributária volta aos cidadãos na forma de uma transferência
lump-sum). Portanto, Delipalla pretende averiguar se o resultado de Keen se mantém
quando uma alteração na alíquota muda o nível de bens públicos ofertados. O
resultado principal do trabalho é que, assumindo neutralidade da arrecadação global,
ou seja, caso as receitas tributárias sejam constantes para o conjunto de países em
questão, a harmonização gera, potencialmente, uma melhoria de Pareto caso seja
possível utilizar dois tipos de transferências: entre governos - para que nenhum país
tenha suas despesas públicas afetadas - e entre consumidores - para que os
consumidores de cada país possam se beneficiar da alocação mais eficiente do
consumo. Mais uma vez, a fraqueza do resultado reside na necessidade da utilização
de transferências compensatórias entre países, o que parece uma proposta bastante
irrealista para ser mantida no longo prazo55. Na prática, a introdução da alíquota
mínima já forçou a que três países tivessem que aumentar sua tributação para
adequarem-se às regras da Comunidade. Caso ocorra a adoção de uma alíquota
média, aqueles países que tributam abaixo dessa média terão que exigir um maior
esforço tributário de seus cidadãos, provocando descontentamento e possível evasão
fiscal. Por outro lado, os países que possuem tributação mais alta não terão como
continuar financiando o padrão de bens e serviços públicos atualmente colocados à
disposição de sua sociedade. A solução para esse impasse ainda não foi encontrada
pela União Européia, mostrando, de fato, o distanciamento entre a teoria e a prática.
Nesse sentido, o estudo de Perraudin e Pujol (1991) utilizou um modelo de
equilíbrio geral para mensurar o impacto das medidas de harmonização fiscal sobre a
54
Isso acontece porque, a preços mundiais constantes, a perda de peso morto em cada país é função
estritamente convexa do vetor de alíquotas domésticas. Assim, a perda de peso morto global também é
uma função convexa e, portanto, se reduz quando há a convergência das alíquotas pré-existentes rumo
à uma determinada média. Note que a soma de funções convexas também é uma função convexa.
55
A própria autora reconhece isso, afirmando que o princípio de Pareto não pode ser usado como um
critério para escolhas sociais na maioria das situações reais onde alterações de políticas econômicas
produzem ganhadores e perdedores.
51
economia francesa. Os autores trabalharam com a hipótese de que o processo de
harmonização imporia à França duas medidas principais: a redução da alíquota do IVA
- e posterior substituição da tributação indireta pela direta para a manutenção do nível
de receitas - e redução do nível de tributação da poupança56. Os resultados apontaram
para uma perda de bem-estar de cerca de 1% do PIB. No entanto, os autores advertem
que seria importante realizar o mesmo estudo para outros países da Comunidade, pois
se os ganhos dos demais países fossem suficientes para compensar os perdedores, a
política de harmonização seria desejável.
Estudo de Kanbur e Keen (1993), que avalia os impactos da competição
tributária quando dois países diferem em tamanho, também se dedicou à análise dos
efeitos das políticas de coordenação tributária. No caso específico, os autores
avaliaram os impactos de duas políticas: a harmonização propriamente dita (entendida
como o estabelecimento de uma alíquota única para os dois países) e a fixação de uma
alíquota mínima. Os resultados obtidos mostram que a última alternativa é superior à
primeira no que tange aos efeitos sobre o bem-estar dos países. No caso da
harmonização, mesmo se a alíquota adotada for aquela já utilizada pelo país grande no
jogo não cooperativo, a receita a ser arrecadada por esse país, proveniente da compra
de seus residentes, não será suficiente para compensar o país pequeno da perda
resultante com o fim do cross-frontier shopping. No caso do estabelecimento de
alíquota mínima, os autores provaram que a resposta estratégica do país grande é tal
que assegura a continuidade do comércio fronteiriço, de modo que o país pequeno
também se beneficia.
Em resumo, a principal conclusão que pode ser tirada desses estudos é que,
apesar de parecer ser um instrumento eficiente no combate à competição, a
harmonização tributária apresenta enormes dificuldades práticas em sua
implementação. Em verdade, nenhum país ou estado quer perder autonomia sobre seu
sistema tributário, até mesmo porque a tributação significa, atualmente, muito mais do
que o poder de arrecadar; significa, sobretudo, o poder de isentar e atrair
investimentos. Portanto, é claro que a discussão em torno do tema deverá continuar
nos próximos anos, sendo necessária, no entanto, uma melhor definição de conceitos,
escopo e impactos desse instrumento.
2.4 - CONCLUSÃO
Este capítulo procurou qualificar o problema da competição tributária,
apresentando, sempre que possível, estimativas empíricas de seu impacto sobre a
alocação dos recursos econômicos. Demonstrou-se que a tributação tem exercido, de
fato, certa influência sobre a decisão dos agentes econômicos e tem sido responsável
pela ocorrência de vários tipos de externalidades. Esses efeitos externos variam em
função da incidência tributária e, por isso, foram analisados de acordo com as
56
Vale ressaltar que, em 1997, a alíquota do IVA francês era de 20,6% enquanto que o IVA alemão
incidia a 15%. Há países que tributam ainda mais fortemente que a França, como, por exemplo a
Dinamarca, que possui alíquota de 25%. A média dos países da União Européia foi de 19,3%, enquanto
que a média de todos os países da OCDE foi de 17,2%.
52
seguintes bases tributáveis: consumo, renda das pessoas físicas e renda das pessoas
jurídicas. Constatou-se, ainda, que a crescente mobilidade das bases tributáveis pode
estar significando o esgotamento do atual modelo de sistemas tributários, caso os
níveis de competição tributária não sejam controlados.57
Dada a gravidade do problema da competição tributária, a seção 2.3 apresentou
uma visão geral das principais propostas que estão sendo analisadas, tanto em âmbito
acadêmico como institucional, para minimizar seus efeitos negativos. Em especial, vale
ressaltar que as soluções unilaterais para o problema parecem não ser satisfatórias e,
por isso, os especialistas entendem que as soluções passam, necessariamente, pela
cooperação multilateral entre estados ou países. Dentro dessa ótica, foram
apresentadas algumas soluções que vêm sendo discutidas, como a criação de um
organismo especializado no combate à competição tributária, a adesão dos países a
acordos como o sugerido pela OCDE e a harmonização tributária. Essas medidas, no
entanto, dependem de ampla negociação com as jurisdições envolvidas e, por isso,
apresentam dificuldades práticas para se chegar a uma posição consensual em um
jogo onde há ganhadores e perdedores. Portanto, os governos devem atentar para as
perdas reais e potenciais que estão incorrendo em função da competição tributária
nociva, e buscar definir qual o grau de competição e harmonização tributárias (isto é,
de distorções econômicas e políticas) que deve prevalecer em seus sistemas
econômicos. Isso porque fica cada vez mais claro que não será possível a manutenção
de uma completa autonomia tributária - seja federativa ou nacional - em uma economia
crescentemente globalizada.
Capítulo 3
A Competição Tributária na Federação Brasileira
3.1 - INTRODUÇÃO
O presente capítulo tem por objetivo analisar, a partir dos conhecimentos
teóricos e a evidência empírica disponível apresentados nos capítulos anteriores, o
processo competitivo interno da federação brasileira. É amplamente reconhecido que o
País convive, atualmente, com um alto grau de competição tributária envolvendo
diversos estados da federação. Essa competição se dá, sobretudo, visando a atrair
investimentos privados mediante a concessão de benefícios fiscais do ICMS. Mais que
isso, é importante frisar que o processo competitivo ocorre à margem da lei e, portanto,
de forma totalmente descoordenada. Desse modo, não há estatísticas nem estimativas
confiáveis sobre o impacto da competição tributária sobre o bem-estar da população
brasileira e sobre outras variáveis econômicas e sociais, o que torna de suma
importância qualquer iniciativa de estudo e análise sobre a matéria em questão.
57
De fato, como adverte Vito Tanzi (1996), “the current tax systems of many countries are largely the
product of a period (before, during and immediately after the Second World War) when economies were
closed and capital movements were much limited. Because they do not reflect yet, or fully, recent
economic development, there is ample scope for individuals to exploit these differences and for some
countries to try to take advantage of opportunities to attract taxable bases from other countries to them.
We thus observe a process that, at times, has been described as tax degradation...”
53
No entanto, além dessa competição tributária estadual, conhecida popularmente
por “guerra fiscal” e que aqui denominamos de Competição Tributária Horizontal,
também existe, no Brasil, um processo competitivo entre a União e os governos
subnacionais, que será denominado de Competição Tributária Vertical. Esse último tipo
de competição, desconhecido pela população em geral, ocorre mediante a
manipulação do mecanismo de transferências de recursos intergovernamentais. Assim,
pela priorização da arrecadação de receitas não partilháveis, sobretudo das
contribuições sociais, o Governo Federal consegue alterar o volume de recursos
repassados a estados e municípios, diminuindo a receita disponível desses governos.
Portanto, dada a importância e a abrangência que a competição tributária vem
atingindo dentro da federação brasileira, a análise será realizada da seguinte forma:
primeiramente, será apresentada uma descrição do sistema tributário brasileiro, de
modo a solidificar conceitos e fornecer informações estatísticas relevantes para o
debate do tema; a seguir, o estudo do processo competitivo envolverá uma abordagem
sobre seus principais antecedentes e motivações, uma análise sobre a competição
tributária vertical e, por fim, a avaliação dos impactos da competição tributária
horizontal na eficiência econômica e no bem-estar social do País.
3.2 - UMA BREVE DESCRIÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
O Brasil, na condição de país federativo, constitui-se de três níveis
governamentais que gozam de independência e autonomia política, administrativa e
financeira: a União ou Governo Federal, vinte e seis Estados e um Distrito Federal58 e
pouco mais de 5.500 Municípios. No que se refere às receitas tributárias, cada nível
governamental tem o direito de instituir os impostos que lhe são constitucionalmente
atribuídos e que pertençam à sua competência privativa. Isto é, a Constituição define
claramente a atribuição das receitas tributárias a cada esfera de governo, não havendo
possibilidade de sobreposição de competências em relação aos impostos e às
contribuições sociais. No entanto, é comum às três esferas a competência para instituir
taxas (pelo exercício do poder de polícia e pela prestação de serviços públicos),
contribuição de melhoria e contribuição para custeio da previdência e assistência social
de seus servidores59. De modo a fornecer uma visão geral do Sistema Tributário
Brasileiro, a Tabela 3.1 sintetiza as competências tributárias por categoria de tributo e
por nível de governo.
58
O Distrito Federal possui uma estrutura institucional similar à dos Estados. Neste trabalho, todas as
referências a Estados aplicam-se igualmente ao Distrito Federal.
59
O Sistema Tributário Brasileiro está definido na Constituição Federal de 1988, Título VI, Capítulo I,
artigos 145 a 162. Note que a Emenda Constitucional nº 03/93 alterou alguns artigos originalmente
constantes da CF/88.
54
TABELA 3.1
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
CATEGORIA
Comércio
Exterior
GOVERNO
União
União
Patrimônio
Renda
e
Estados
Municípios
União
Produção e
Circulação
Estados
Municípios
União
Contribuições
1
Sociais
TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO
Imposto sobre Importação - II
Imposto sobre Exportação - IE
Imposto sobre a Renda - IR
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR
Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA
Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD
Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU
Imposto sobre Transmissão Inter Vivos - ITBI
Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI
Imposto sobre Operações Financeiras - IOF
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS
Imposto sobre Serviços - ISS
Sobre a Folha de Pagamentos - INSS
Para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS
Para o Programa de Integração Social - PIS
Para a Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP
Sobre Movimentação Financeira - CPMF
Sobre o Lucro Líquido - CSLL
Sobre salários para custeio da previdência de seus funcionários
Estados
e
Municípios
Fonte: Constituição Federal de 1988
1
As contribuições sociais, que são receitas vinculadas à área de Seguridade Social,
podem ter três bases de cálculo: folha de pagamentos, lucro ou faturamento. Todas
essas bases têm sido, de fato, utilizadas no financiamento da Seguridade Social, que
compreende a Previdência, a Saúde e a Assistência Social.
Um dos principais problemas existentes em qualquer federação diz respeito à
distribuição das bases tributárias entre os governos e a posterior repartição da receita
tributária (tax assignment problem). Sem dúvida, o desenho federativo exerce papel
fundamental sobre a possibilidade de ocorrência de competição tributária entre os
diversos governos. De modo a minimizar esse problema, a teoria econômica sugere
alguns critérios básicos que servem para orientar a atribuição de receitas
intergovernamentais, maximizando os níveis de eficiência e eqüidade do sistema
tributário, entendidos, respectivamente, como a minimização do custo de arrecadação
dos tributos e a adequação entre receitas e gastos60. Analisando-se a Tabela 3.1,
pode-se afirmar que a prática brasileira de atribuição de receitas não está muito
distante das recomendações teóricas. De fato, o imposto sobre a renda, as
60
Em geral, sugere-se que impostos com finalidade redistributiva sejam centralmente administrados.
Também são mais adequados ao Governo Federal impostos com objetivos de estabilização ou de
caráter regulatório da atividade econômica, além daqueles que incidem sobre bases distribuídas
irregularmente pelo território nacional ou sobre fatores extremamente móveis. No entanto, vale
mencionar que essas recomendações teóricas são bastante discutíveis. Na prática, a atribuição de
receitas ocorre em função de vários outros fatores, dependendo do próprio grau de descentralização do
sistema federativo e dos condicionantes políticos e históricos do país.
55
contribuições e os impostos regulatórios (operações financeiras e comércio exterior)
estão sob competência federal. Os estados arrecadam o imposto geral sobre o
consumo e os municípios arrecadam impostos sobre serviços e sobre parte do
patrimônio (apenas imóveis urbanos).
Entretanto, vale a pena mencionar algumas características peculiares ao sistema
brasileiro. Em primeiro lugar, o ITR, incidente sobre um fator de natureza imóvel, que
teoricamente deveria ser cobrado pelos governos locais, é administrado pela União.
Isso porque esse imposto passou à competência federal a partir da reforma tributária
de 66, para ser usado como instrumento de incentivo à utilização produtiva da terra e
para fins de reforma agrária. É discutível se, após essas três décadas, o Governo
Federal conseguiu atingir esses objetivos. A priori, poderia-se dizer que não; porém, é
muito provável que, caso estivesse sob competência municipal, o imposto seria
administrado de acordo com critérios políticos, distorcendo a tributação da terra no
Brasil.
Outra característica peculiar do sistema brasileiro que foge à tradição
internacional é o fato de existirem dois impostos sobre o consumo, do tipo valor
agregado, administrados por níveis distintos de governo: o IPI, que incide apenas sobre
bens industrializados, e o ICMS, que incide sobre a circulação de bens em geral e
alguns serviços específicos. Em verdade, as bases desses dois impostos são muito
semelhantes, bem como seus métodos de apuração, o que permitiria uma
consolidação dos mesmos em um único tributo, de modo a obter-se maior
racionalidade econômica e menor custo administrativo, tanto para o setor público como
para o privado. A existência de dois impostos do tipo valor agregado representa fator
que muito contribui para a complexidade e ineficiência de sistema tributário brasileiro.
No entanto, a ineficiência da tributação do consumo não pára por aí. Além do IPI e do
ICMS, também incidem sobre os bens e serviços o ISS, a COFINS e o PIS/PASEP61.
Assim, o consumo é tributado pelas três esferas de governo, de modo complexo,
sujeitando-se, inclusive, à tributação em cascata. Desde já, é importante mencionar
que reside neste ponto um dos maiores (senão o maior) problemas federativos e de
competição tributária do Brasil, assunto que será detalhadamente discutido na seção
3.3 deste capítulo.
Além da atribuição de competências tributárias, a Constituição também
estabelece regras de partilha e de transferências intergovernamentais de receitas, com
o principal objetivo de corrigir desigualdades regionais. Em verdade, o Brasil, em
função de sua grande extensão territorial e diversidade regional, possui sérios
desequilíbrios verticais e horizontais em seu federalismo. O sistema de transferências
visa a mitigar esses problemas, adequando a disponibilidade de receitas às
responsabilidades de despesas entre os três níveis governamentais e repassando
recursos das jurisdições mais desenvolvidas para aquelas com menor potencial
61
A COFINS e o PIS/PASEP, apesar de formalmente incidirem sobre o faturamento das empresas, são
facilmente repassados para os preços dos bens e serviços, onerando, em última instância, o consumidor
final. Vale mencionar, além disso, que essas contribuições têm a indesejável característica de possuir
incidência em cascata.
56
econômico-tributário. Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as
constitucionais, que são automaticamente realizadas após a arrecadação dos recursos,
e as não constitucionais, que dependem de convênios ou vontade política entre
governos. As transferências constitucionais podem ser classificadas em transferências
diretas (repasse de parte da arrecadação para determinado governo) ou transferências
indiretas (mediante a formação de fundos especiais). No entanto, independentemente
do tipo, as transferências sempre ocorrem do governo de maior nível hierárquico para
os de níveis inferiores, quais sejam: União para Estados; União para Municípios; ou
Estados para Municípios. A Tabela 3.2 mostra os impostos que são transferidos
diretamente a Estados e Municípios e seus respectivos percentuais de repasse. Por
sua vez, a Tabela 3.3 apresenta os fundos constitucionais, mediante os quais se
realizam as transferências indiretas, que são compostos pela arrecadação do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre a Renda (IR)62.
TABELA 3.2
TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DIRETAS
GOVERNO
IMPOSTO TRANSFERIDO
RECEPTOR
Estado
ou Renda retida na fonte pelos governos estaduais ou
Município
municipais
União
Estados
Operações Financeiras (sobre o Ouro)
Municípios
União
Municípios
Propriedade Territorial Rural
Estados
Municípios
Circulação de Mercadorias e Serviços
Estados
Municípios
Propriedade de Veículos Automotores
Fonte: Constituição Federal de 1988
GOVERNO
DOADOR
União
PERCENTUAL
TRANSFERIDO
100%
30%
70%
50%
25%
50%
TABELA 3.3
TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS INDIRETAS (FUNDOS) 1
TIPO DE FUNDO
Participação dos Estados e DF (FPE)
Participação dos Municípios (FPM)
Compensação das Exportações (FPEx)
Financiamento da Região Norte (FNO)
Financiamento da Região Nordeste (FNE)
Financiamento da Região Centro-Oeste (FCO)
TOTAL
Fonte: Constituição Federal de 1988
TRIBUTO FEDERAL
IR (%)
21,5
22,5
0,6
1,8
0,6
47,0
IPI (%)
21,5
22,5
10,0
0,6
1,8
0,6
57,0
1
Em 1996, foi aprovado, adicionalmente, o Fundo de Compensação das Exportações
de Manufaturados, que deverá viger em caráter temporário, com o objetivo de
compensar os Estados e o Distrito Federal pelas perdas advindas da recente
desoneração do ICMS sobre a exportação de produtos primários e semi-elaborados.
62
A Tabela 3.5 da seção 3.3.2 deste capítulo, apresenta dados relativos às transferências federais a
Estados e Municípios para o ano de 1997.
57
Este novo fundo tem critérios de formação baseados na evolução das receitas totais de
cada Estado.
No que se refere à composição e distribuição da carga tributária, as Tabelas 2 e
3 do Apêndice IV consolidam os dados utilizados nesta seção. Em 1997, o total de
receitas arrecadadas pelos três níveis de governo somou R$ 241 bilhões,
correspondendo a 27,81% do PIB. A União participou com 68,61% desse montante,
enquanto que Estados e Municípios foram responsáveis por 27,06 e 4,34% da carga
tributária, respectivamente. É inegável que essa composição tem reflexos sobre o
processo de competição tributária no Brasil. De fato, a guerra fiscal estadual não ocorre
por acaso. O ICMS é o imposto de maior importância arrecadatória do País,
representando quase o valor de todo o Orçamento Fiscal da União63. Além disso, esse
imposto é de vital relevância para as finanças públicas estaduais, pois representa cerca
de 90% das suas receitas totais. Assim, a importância financeira do ICMS pode explicar
a forte competição tributária existente entre os Estados na administração desse
imposto, pois quanto maiores os recursos disponíveis, maior a possibilidade de se
atrair fatores produtivos mediante a concessão de benefícios fiscais para os
contribuintes. Ademais, vale notar que houve uma forte tendência de crescimento das
receitas da seguridade social durante os anos 90, em detrimento do Orçamento Fiscal
e das receitas estaduais. A explicação para tal fato é simples: o incremento das
contribuições sociais, que são receitas não compartilhadas com os governos
subnacionais, foi resultado da reação do Governo Federal à descentralização de
recursos promovida pela Constituição de 1988. Vê-se aqui, um tipo de competição
tributária intergovernamental, diretamente relacionada às forças políticas de cada
governo na determinação da competência tributária e na capacidade de um governo de
mudar o perfil de sua arrecadação de modo a não partilhar recursos com os demais64.
Quanto à distribuição da carga tributária, verifica-se que a União é doadora de
recursos para toda a federação, pois arrecadou 66,15% da carga tributária líquida65 e
repassou mais de 10% aos níveis subnacionais de governo. Os Estados, que recebem
recursos da União mas também repassam recursos aos Municípios, transferem uma
pequena parte de suas receitas para os níveis locais de governo. Os Municípios são,
portanto, os grandes receptores do sistema brasileiro de transferências. Vale notar que,
em função do próprio desenho do mecanismo de transferências constitucionais, toda a
arrecadação disponível da União é proveniente de suas receitas próprias. Os Estados,
por esforço próprio, arrecadam cerca de 80% de suas receitas disponíveis, enquanto
que, para os Municípios, esta relação é de apenas 27,75%. É importante ressaltar que
esse é um indicador médio, isto é, há Municípios que possuem arrecadação própria em
nível satisfatório, mas, na verdade, a grande maioria é dependente do repasse das
transferências.
63
A seção 3.3.3, intitulada “Competição Tributária Horizontal”, dedica-se à análise desse assunto.
Essa competição existente entre os distintos níveis de governo encontra-se detalhadamente analisada
na seção 3.3.2 deste capítulo, intitulada “Competição Tributária Vertical”.
65
Note que a Tabela 2 do Anexo IV refere-se à carga tributária bruta e a Tabela 3 trabalha com o
conceito de carga tributária líquida. A diferença entre ambas corresponde aos incentivos fiscais (FINOR,
FINAN, FUNRES, PIN/PROTERRA), às restituições/retificações e aos saques do FGTS.
64
58
Por último, vale mencionar dois problemas básicos relacionados aos critérios de
transferências no Brasil. O primeiro diz respeito ao baixo incentivo dispensado ao
esforço próprio de arrecadação, pois os critérios de transferência não consideram o
desempenho tributário como um dos fatores que determinam o montante de recursos
intergovernamentais a ser descentralizado. O segundo relaciona-se às regras de
divisão de recursos entre municípios, que privilegiam aqueles de menor porte,
incentivando a criação de novos municípios que, dessa forma, já nascem com sua
fonte básica de receitas assegurada, independente de qualquer esforço próprio de
arrecadação. Releva mencionar que o número de municípios existentes antes da
Constituição de 1988 era de 4.112 e, atualmente, esse número é de 5.507 municípios,
o que representa um crescimento de 34% em uma década. Vale mencionar que essa
maior quantidade de municípios tem implicado a ineficiência na prestação dos serviços
públicos por parte desses governos. De fato, segundo Sampaio de Sousa e Ramos de
Sousa (1998), “Isso ocorre porque, aparentemente, municípios excessivamente
pequenos não exploram as economias de escala que caracterizam muitos dos serviços
públicos e, portanto, não utilizam de maneira ótima os recursos disponíveis”.
3.3 - UMA ANÁLISE DA COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA
3.3.1 - ANTECEDENTES E PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES
A competição tributária não é um processo recente no Brasil, pois existem
registros de “guerra fiscal” estadual já nos anos 70, ou seja, poucos anos após a
criação do ICM. Não foi por acaso que, em 07 de janeiro de 1975, foi aprovada a Lei
Complementar nº 24/75, que regulamentou a concessão de benefícios fiscais desse
imposto e teve o claro objetivo de impedir a proliferação das práticas competitivas
estaduais. Assim, a LC 24/75 somente autoriza a concessão de isenções ou quaisquer
benefícios tributários do ICM mediante celebração de convênio entre os Estados,
sendo que a decisão deve ser tomada por unanimidade em reunião que possua a
maioria das Unidades Federativas (que passou a ser o Conselho de Política
Fazendária – CONFAZ, órgão que reúne os Secretários de Fazenda dos Estados e
Distrito Federal, instituído pela própria LC 24/75). No entanto, é desnecessário dizer
que, na prática, essa LC vem sendo desrespeitada, até mesmo porque, se assim não
fosse, não estaríamos falando sobre competição tributária do ICM(S). Mais do que isso,
esse processo competitivo vem se agravando em anos recentes, sem nenhuma ação
efetiva por parte da União ou dos governos subnacionais que possa coibi-la. De fato,
conforme bem documentado no trabalho de Cavalcanti e Prado (1998)66, a guerra fiscal
do ICM(S) tem dois grandes surtos no Brasil: um, que vai da segunda metade dos anos
60 até 1975, e outro (o atual) a partir do início dos anos 90. Segundo os autores,
“Remonta pelo menos aos anos 60 a utilização, pelos governos estaduais, de isenções,
reduções e diferimentos tributários como recurso para alavancar a industrialização
regional. Após um período de maior intensidade e evidência, na segunda metade dos
anos 60, esse tipo de prática aparentemente perde ímpeto e desaparece dos debates e
da mídia. No início dos anos 90, ele retorna de forma inicialmente tímida para depois
explodir, a partir de 1993/94, em grande polêmica nacional”.
66
O mencionado trabalho traz uma excelente retrospectiva histórica sobre a guerra fiscal do ICMS.
59
Assim, torna-se importante identificar e analisar as razões que explicam o
surgimento e o acirramento desse ambiente competitivo no Brasil. Dentre os fatores
que colaboraram para o surgimento da competição, podemos citar: a falta do aparato
institucional necessário para a discussão e resolução dos conflitos federativos; a
concessão da competência do ICMS aos estados; a adoção do princípio da origem na
apropriação de receitas do ICMS; e, por fim, a falta de uma efetiva política industrial no
país, que acaba por ser “compensada” pela política tributária. Quanto às razões que
justificam o acirramento do processo competitivo nos anos 90, destacam-se a
ampliação paulatina da autonomia estadual; a disputa pelo surto de investimentos
estrangeiros e nacionais ocorrido nesta década; e, por último, a crise financeira dos
estados. Dada a importância do estudo dessas questões para o entendimento do
conflito competitivo no País, passamos, a seguir, a analisá-las de forma mais
detalhada.
•
A falta do aparato institucional necessário para a resolução dos conflitos
federativos
Antes de mais nada, é necessário atentar-se para o tipo de federação “instituída”
no Brasil. O pacto federativo não surgiu da vontade própria de agregação de vários
Estados ou Colônias independentes, como é o caso das federações genuínas, mas sim
da subdivisão do Poder Unitário Imperial em três esferas de governo, de modo a
facilitar a administração e a manter a unificação do território nacional. Isto é, em última
instância, a federação nasce para atender aos interesses da Coroa Portuguesa e,
portanto, do ponto de vista das recém-criadas unidades federativas brasileiras, existe
uma certa carência do motivo primordial que deve justificar o surgimento e manutenção
de qualquer federação: o porquê e com qual finalidade o pacto federativo deve ser
sustentado, especialmente quando se necessita, de modo substancial, de que algumas
jurisdições financiem outras por período indeterminado de tempo.
Essa questão parece inocente e simplista, mas não é. De fato, a teoria
econômica, com raras exceções, baseia-se em um suposto: os agentes são egoístas,
seja visando a maximização de seu bem-estar pessoal ou de seus lucros. Então, o que
justificaria que alguns estados devam, altruisticamente, ceder parte da arrecadação
coletada em sua jurisdição em prol de outros estados, sem receber nenhum retorno?
Em outras palavras, por que os estados deveriam abrir mão de agir como agentes
econômicos tradicionais? Esse é um ponto muito importante a ser analisado, pois a
Competição Tributária é, justamente, o resultado da ação de Estados que visam a
obter ganhos individuais, mesmo quando a federação como um todo incorre em
perdas. Estariam eles errados de seu ponto de vista particular? A respeito dessa
questão, Cavalcanti e Prado (1998) afirmam que “lutar por interesses próprios de forma
não cooperativa é inerente a agentes federativos: a Federação é, nesse sentido,
intrinsecamente conflituosa, composta por agentes em grande, e bem grande medida,
competitivos entre si, o que exige a presença de um agente regulador das relações
federativas - o governo central em conjugação com o Congresso. Este deve ser, no
mínimo, o patrocinador de todo um corpo jurídico que regula esses conflitos, de forma
a, se possível, impedir que iniciativas individuais dos governos subnacionais gerem
60
prejuízos para o conjunto da sociedade e, quando inevitáveis, miminizar ou equalizar
os seus efeitos perversos sobre os demais agentes”.
Na verdade, essa função reguladora deveria ser exercida por um tipo de “fórum
federativo”, onde seria travada uma permanente discussão, ampla e democrática,
visando a solucionar os problemas individuais de cada governo, desde que respeitados
os interesses maiores da federação. Essa solução cooperativa e harmônica é muito
pouco desenvolvida no Brasil, haja vista a inexistência de um órgão específico, com
representantes dos três níveis governamentais, responsável pelo tratamento da
questão federativa67. Assim, seria praticamente impossível deixar de apontar a falta de
tradição acerca do debate federativo como uma causa básica do surgimento da
competição tributária no País. Ademais, não se pode dizer que a União ou o Congresso
Nacional venham exercendo satisfatoriamente um papel orientador ou regulador das
relações federativas. Apesar do Governo Federal sempre ter desempenhado papel de
fundamental importância para a sustentação da federação brasileira, sua atuação tem
sido mais voltada à realização de transferências intergovernamentais de recursos e, no
passado, à definição e alocação de investimentos no território nacional68. O Congresso,
por sua vez, possuindo sérios problemas de representatividade de Estados, não tem
sido o fórum político adequado para uma discussão séria dos problemas federativos.
Em verdade, o Brasil ainda está carente do aparato institucional necessário para a
consolidação da sua estrutura federativa.
De fato, analisando essa questão de uma forma um pouco mais ampla, pode-se
dizer que o problema da competição tributária, como tantas outras questões brasileiras,
origina-se, em algum grau, da desconexão entre a teoria e a realidade, resultando na
implementação de modelos para os quais o País ainda não está preparado em termos
institucionais. Assim, como resultado, o Brasil convive com dois tipos de
comportamento: ou, simplesmente, ignora-se as regras, ou o cumprimento das regras
gera ineficiências. Por exemplo, a competição tributária, além de desrespeitar a
obrigação de decisão unânime do CONFAZ na concessão de benefícios fiscais, tem
como origem regras que desconsideraram a realidade nacional, como a adoção de um
imposto tipo IVA em nível estadual quando a própria federação ainda não tinha a
maturidade e as instituições necessárias para tal.
•
A concessão da competência do ICMS aos estados e a adoção do princípio da
origem
Outros dois motivos que também colaboraram para o surgimento da competição
tributária brasileira foram a concessão do principal IVA da economia aos governos
estaduais e a adoção do princípio da origem em sua cobrança (em verdade, um regime
misto, que será analisado mais adiante). A Reforma Tributária de 66 instituiu o Imposto
67
O Conselho de Política Fazendária (CONFAZ), além de agregar somente os representantes de
Estados, reduziu-se a um papel meramente formal, sem nenhuma eficácia na resolução dos conflitos
federativos interestaduais. Essa questão será abordada de modo mais detalhado na seção 3.3.3.
68
Vale lembrar que o processo de industrialização do País, iniciado a partir dos anos 50, foi sustentado
pela ação do Governo Federal, seja pela criação das grandes empresas estatais (CSN, Petrobras, etc.),
seja pela atração de investimentos privados internacionais (como as indústrias automobilísticas).
61
sobre Circulação de Mercadorias (ICM) em substituição ao Imposto sobre Vendas e
Consignações (IVC), que também era de competência estadual. Posteriormente, a
Constituição de 88 ampliou o ICM, transformando-o em ICMS pela inclusão, em sua
base, dos antigos Impostos Únicos que estavam sob competência federal. Desse
modo, ao longo de sua existência, o ICM(S) transformou-se em um imposto amplo e
economicamente poderoso, arrecadando cerca de 7% do PIB durante os anos 90. Para
se ter uma idéia comparativa, a média da carga tributária do ICM, nos anos 70 e 80, foi
de 5,47% e 4,93% do PIB, respectivamente.
Assim, ao contrário da experiência internacional, onde o IVA tem sido instituído
em nível central, o Brasil optou pela sua criação, manutenção e ampliação em nível
subnacional. É bem verdade - e não se pode negar - que o Brasil foi um dos países
pioneiros na adoção de um imposto tipo IVA, ainda nos anos 60, onde o padrão
mundial era a tributação do consumo em cascata69. Desse modo, não existia uma
“experiência internacional” na época e o País ainda estava no começo de sua
industrialização (incentivada e ditada pela União), o que tornava difícil prever uma
futura competição tributária estadual por atração de investimentos. No entanto, ao
longo dos anos, a concessão de um imposto de tamanha importância econômica para
os Estados, conjugada à adoção do regime de origem (que acabou por privilegiar os
estados mais ricos e industrializados), gerou as condições necessárias para o
surgimento de uma competição tributária interestadual70.
Neste ponto, cabe realizar uma importante análise sobre o regime de tributação
do ICMS. Em verdade, apesar de ser popularmente apresentado como um imposto
sobre o consumo, o ICMS ainda é um imposto sobre a produção. O regime de
tributação escolhido foi um misto entre a origem e o destino, de modo a evitar a grande
concentração da arrecadação em poucos estados ricos71. Apesar desse sistema misto,
onde os estados consumidores apropriam-se da diferença entre a alíquota
interestadual e a interna, a forte concentração da produção e do consumo nos estados
mais ricos tem aproximado o ICMS do regime de origem (afinal, a alíquota interestadual
é positiva, apesar de inferior à interna). Além disso, somente há pouco tempo,
69
Em verdade, há uma discussão sobre qual país teria instituído, primeiramente, um IVA, imposto hoje
de utilização generalizada e adotado por mais de 100 países. Brasil e França são os candidatos mais
fortes a esse “título”.
70
A Constituição de 67 colocou nas mãos do Senado Federal a competência para fixar as alíquotas do
imposto, como uma forma preventiva de evitar a guerra fiscal. No entanto, ao longo dos anos, os
Estados foram ganhando - e descobrindo - mecanismos que ampliaram sua autonomia de legislar sobre
o imposto ou de contornar as restrições existentes. Por exemplo, a Constituição de 88 passou a permitir
que os Estados pudessem fixar, mediante lei própria, suas alíquotas internas e extinguiu a possibilidade
da União conceder, à revelia dos Estados, isenções sobre o ICMS. Além disso, os Estados descobriram
que, apesar de “deverem satisfação” ao Senado quanto à alteração das alíquotas interestaduais, nada
os impedia de alterar, arbitrariamente, a base de cálculo do imposto - o que virou mania nacional, por
gerar o mesmo resultado da mudança da alíquota nominal: a alteração da alíquota efetiva. A exigência
de decisão unânime no CONFAZ para a concessão de benefícios fiscais também tem sido
completamente desconsiderada, sem nenhum tipo de penalidade.
71
Para isso, instituiu-se uma alíquota para transações interestaduais inferior à alíquota aplicada sobre as
operações internas. Assim, quando a transação é realizada das regiões Sul e Sudeste para as regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a alíquota aplicada é de 7%; nas demais transações interestaduais, a
alíquota é de 12%. Apenas para referência do leitor, as alíquotas “normais” são de 17% ou 25%.
62
mediante a Lei Complementar 87/96, as exportações foram isentadas do ICMS e a
aquisição de bens para o ativo permanente passou a ter direito a crédito do imposto.
Desse modo, o ICMS passou a ser mais parecido com um IVA sobre o consumo,
representando um avanço na legislação do imposto. No entanto, o regime da origem
ainda permanece sendo um grande obstáculo a ser superado, pois é um dos principais
fatores que estimulam a competição interestadual. Isso porque a arrecadação do ICMS
de um estado não está vinculada ao pagamento do imposto por parte de seus
residentes e sim por parte de todos aqueles (residentes ou não) que compram as
mercadorias produzidas no estado. Dessa forma, os estados exportadores são
beneficiados em detrimento dos estados importadores, o que, no caso brasileiro,
refere-se especialmente a São Paulo.
Assim, qualquer estado arrecada mais em função de sua produção do que de
seu consumo, o que gera todo o incentivo de atrair empresas para sua jurisdição.
Surge aí, portanto, uma importante razão que explica a guerra fiscal no País.
Conforme Prado e Cavalcanti (1998), “O princípio da origem é a condição essencial
que permite ao governo local negociar com cada empresa as condições e
eventualmente a própria obrigatoriedade do recolhimento do imposto. Mesmo na
situação extrema em que toda a produção seja exportada para outras unidades da
Federação - há muitos casos próximos disso -, o governo que sedia a produção tem a
possibilidade real de, como destinatário legal da arrecadação, eventualmente conceder
incentivos, diferimentos e isenções do imposto”. Em outras palavras, a adoção do
sistema de destino praticamente acabaria com a guerra fiscal do ICMS. As vantagens
da adoção do destino estão bem colocadas por Varsano (1996): “Essa sistemática não
elimina de todo a guerra fiscal, mas impõe fortíssima restrição à eficácia dos incentivos
do ICMS. Como todas as saídas de mercadorias destinadas a outros estados ou ao
exterior não são tributadas, não servem de base para a concessão de incentivos. A
única forma possível de conceder benefício fiscal para atrair empreendimentos é a
redução do imposto a recolher, cujo valor agora depende do volume de vendas da
empresa para dentro do estado”.
•
A falta de uma efetiva política industrial no País
A falta de uma política industrial, que possa efetivamente solucionar os
problemas gerados pela extrema concentração econômico-industrial brasileira, é fator
que também está na origem do problema competitivo no País. Para se ter uma idéia da
grandeza dessa concentração, basta mencionar que a região Sudeste foi responsável,
em 1997, por 56% do PIB brasileiro, sendo que somente São Paulo deteve 61% do PIB
regional72. Dessa forma, é natural que os novos investimentos que vêm ao País sejam
direcionados aos estados mais ricos, que já detêm toda a infra-estrutura necessária
para viabilizar a inversão financeira. Cria-se, portanto, um círculo vicioso que deixa os
estados pobres à margem do desenvolvimento industrial brasileiro. De modo a
incentivar essas regiões menos favorecidas, o Governo Federal, tradicionalmente, ditou
a alocação de recursos fiscais e o direcionamento dos investimentos no País. Essa
72
Os dados relativos ao Produto Interno Bruto para os demais Estados brasileiros encontram-se na
Tabela 3.4.
63
atitude é plenamente coerente com um período histórico de centralização de poder.
Alguns bons exemplos dessa política são a criação da SUDENE, da Zona Franca de
Manaus e dos fundos de incentivo às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, todos
utilizando benefícios fiscais com o objetivo de “levar o desenvolvimento ao interior do
País”.
Entretanto, com a descentralização de receitas e a crise fiscal da União, esse
papel “orientador” perde importância e, na falta de um padrão planejado e coordenado
de desenvolvimento industrial, cada Estado ou Município se vê na condição, ou até
mesmo na “obrigação”, de atrair investimentos de forma própria, visando unicamente
seus interesses particulares. Para atingir esse objetivo, o instrumento mais utilizado
tem sido o incentivo tributário às empresas, valendo-se da ampla autonomia de que os
governos subnacionais desfrutam ao amparo da própria Constituição Federal73. Assim,
possuindo competência sobre o ICMS e autonomia suficiente para alterar suas
alíquotas efetivas (mesmo que, algumas vezes, à margem da lei), os estados estão
utilizando a política tributária como substituta da política industrial. Em certo sentido,
esse tipo de “substituição” tem sido um padrão recorrente no Brasil, que, na
incapacidade de adotar efetivas políticas sociais e desenvolvimentistas, acaba sempre
por usar o sistema tributário para compensá-las. De fato, o Brasil e tantos outros países
já tentaram resolver a questão distributiva via tributação e não obtiveram sucesso.
Repetir a mesma estratégia, utilizando o sistema tributário como substituto da política
industrial, seria incorrer no mesmo erro.
Torna-se urgente, portanto, que o País discuta e implemente um projeto efetivo
de desenvolvimento industrial, que possa permitir que cada estado se desenvolva de
acordo com suas vantagens comparativas, pois, indubitavelmente, a tributação não é o
instrumento mais adequado para definir a localização de investimentos privados. Do
contrário, o País estará, simplesmente, renunciando receitas tributárias com vistas a
incentivar uma alocação distorcida de recursos.
•
A ampliação paulatina da autonomia estadual
Passando a analisar os fatores que justificam o acirramento da disputa
competitiva nos anos 90, não há como deixar de mencionar que o crescente
fortalecimento da autonomia estadual desempenha papel de grande relevância. Podese considerar de amplo conhecimento o fato de que a Constituição Federal de 88
aumentou a autonomia tributária-financeira dos Estados ao mesmo tempo em que
retirou da União alguns antigos controles sobre disputas interestaduais (como o poder
73
Assim, por mais que se discuta a legitimidade desse mecanismo competitivo, é inegável que ele é fruto
das próprias estruturas legal e econômica brasileira e, do ponto de vista de um agente econômico
tradicional, cada estado está apenas buscando maximizar o bem-estar de seus cidadãos. No entanto, na
falta de avaliações de custo-benefício da concessão dos benefícios tributários e devido ao padrão
totalmente descoordenado no qual o processo competitivo tem se desenvolvido - muitas vezes à
margem da lei - o que, provavelmente, está ocorrendo é uma perda de eficiência para a economia
brasileira.
64
de conceder isenções sobre o ICMS à revelia dos Estados, por exemplo)74. No entanto,
uma análise mais meticulosa mostra que o processo de descentralização já vinha
ocorrendo há alguns anos, podendo a Carta de 88 ser considerada como seu ápice. O
ponto crucial é que, ao longo dos anos, a federação brasileira foi “construindo” uma
estrutura legal extremamente conivente, e até mesmo indutora, da competição
tributária interestadual. Assim, já estando amadurecidos os fatores estruturais para o
surgimento do processo competitivo, que foram acima analisados, o aumento da
autonomia estadual, especialmente após da CF/88, agiu como um catalizador do
conflito que, de fato, aflorou no início dos anos 90.
•
A disputa pelo novo surto de investimentos estrangeiros e nacionais
Outro fator que pode ser considerado como de natureza conjuntural e que
explica o acirramento do atual processo competitivo é o surto de investimentos
estrangeiros e nacionais ocorrido nesta década. De fato, após a crise dos anos 80, os
investimentos estrangeiros diretos voltaram a se direcionar ao Brasil a partir do começo
desta década. Como já foi analisado anteriormente, na ausência de uma política
industrial nacionalmente estruturada, cada estado resolveu fazer o seu próprio
programa de atração de investimentos, mediante a utilização de um instrumento pouco
transparente e questionável: a concessão de benefícios tributários e financeiros. Além
disso, em decorrência do aumento da atividade econômica interna a partir de 1994,
com a estabilidade da moeda, os investimentos nacionais também apresentaram
crescimento. Assim, esse aumento nas inversões nacionais e estrangeiras tem gerado
um verdadeiro leilão entre os Estados brasileiros, pois o empresário percorre todos
aqueles estados que são de seu interesse (isto é, que podem oferecer condições
satisfatórias e desejáveis para a localização de sua planta industrial) buscando saber
qual ofertará os maiores benefícios. Sem dúvida, quanto menor a infra-estrutura de um
estado, maior deverá ser o lance para permanecer na disputa, o que pode ser bastante
perverso para os estados mais pobres.
•
A crise financeira estadual
Por último, outro motivo que tem colaborado para o agravamento da guerra fiscal
é um irônico paradoxo relacionado à crise financeira dos Estados. Encontrando-se em
difícil situação orçamentária, os Estados vêem na competição tributária uma possível
solução para esse problema, pois, mediante a atração de investimentos, podem
aumentar a produção e gerar empregos. Além disso, novos investimentos são sempre
politicamente muito favoráveis, especialmente quando os governantes estão
publicamente desgastados na administração de um estado financeiramente insolvente.
Entretanto, sem estudos de custo-benefício bem elaborados e sem uma visão mais
74
Segundo Cavalcanti e Prado, “A reconquista do espaço de representação política no Congresso
Nacional, somada ao aumento significativo das receitas próprias - em particular do ICMS agora
fortalecido pela incorporação dos antigos impostos únicos - dá aos estados autonomia suficiente para
decidir por seus próprios destinos. Conseqüentemente, há um esgarçamento progressivo da capacidade
coercitiva do governo federal e a fragilização do caráter impositivo das regras do CONFAZ”.
65
ampla do futuro, o que pode acabar ocorrendo é o próprio agravamento da crise
financeira do Estado, pois além da renúncia tributária, geralmente um programa de
atração de investimentos vem acompanhado de gastos públicos relevantes, como
cessão de terrenos, financiamento de infra-estrutura e isenção do pagamento de taxas
e tarifas públicas, dentre outros.
A partir dessas considerações preliminares sobre a motivação da competição
tributária na federação brasileira, passaremos a analisar e avaliar (quando possível,
mediante a apresentação de dados e estimativas) os principais aspectos e
conseqüências desse processo competitivo75. Para isso, trabalharemos com um
conceito amplo de competição tributária, assim considerada qualquer ação realizada
por um governo que, mediante a utilização de mecanismos de natureza tributária,
acaba por influenciar as finanças públicas e/ou o bem-estar (dos cidadãos) de
outro governo. Em outras palavras, analisaremos a competição tributária brasileira
como um problema de externalidade. Muito provavelmente, conforme ficou
demonstrado pela teoria econômica, estudada no capítulo 1 desta dissertação, esse
efeito externo é negativo, no sentido de que as ações de um determinado governo, em
ambiente competitivo, devem, a priori, prejudicar os demais entes federados. Nesse
sentido, Varsano (1996) afirma que “a guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma
situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha - quando, de fato, existe
um ganho - impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais,
posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva”.
Entretanto, em algumas situações específicas, é possível existir externalidades
positivas em decorrência da competição tributária, como é o caso do efeito
congestionamento relatado no Modelo de Gordon76. Considerando-se esse conceito,
julgamos ser possível existir competição tributária não apenas entre governos de
mesmo nível hierárquico, mas também entre diferentes esferas de poder. Essa visão
mais ampla do fenômeno competitivo nos permite definir dois tipos básicos de
competição tributária: vertical e horizontal, conforme ela se desenvolva entre diferentes
níveis de governo ou dentro de um mesmo nível governamental, respectivamente.
Assim, apesar da competição tributária horizontal ser a única amplamente reconhecida
no Brasil, sendo popularmente chamada de “guerra fiscal”, a próxima seção irá mostrar
que também existe uma luta por recursos entre os governos federal e subnacionais,
dando origem à competição tributária vertical.
3.3.2 - COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA VERTICAL
75
Logicamente, a experiência brasileira tem suas especificidades, que devem ser consideradas em
qualquer estudo sobre a matéria. Assim, o leitor deve possuir um conhecimento mínimo a respeito da
estrutura e funcionamento do sistema tributário brasileiro e, por isso, recomendamos, quando
necessário, a consulta à seção 3.2.
76
O efeito congestionamento refere-se ao Termo 3 do Modelo de Gordon, que se encontra analisado na
seção 1.2.2 desta dissertação. A externalidade positiva ocorre caso a política tributária de um governo
atraia para si fatores de produção de outro governo, deixando este último com melhores condições
ambientais e serviços públicos menos congestionados.
66
A Competição Tributária Vertical (CTV) é aquela que se desenvolve entre
diferentes níveis hierárquicos e tem sua origem na capacidade de alguns governos de
exercer influência sobre as finanças públicas de outros governos devido às interrelações existentes entre eles. Dependendo do desenho federativo de cada país, é
possível que esferas de governo distintas partilhem a arrecadação ou a fiscalização de
um mesmo imposto, possuam bases tributárias que têm algum tipo de conexão entre si
(por exemplo, quando a base de um imposto permite a dedução de outro imposto),
administrem um imposto que depende da arrecadação de outro tributo (imposto
adicional, por exemplo) ou realizem transferências de receitas intergovernamentais,
dentre outras relações possíveis. Esses tipos de configurações, comuns em quase
todas as federações, abrem espaço para a tomada de decisões tributárias, por parte de
um governo, que geram externalidades em governos de outros níveis hierárquicos,
podendo caracterizar-se como um tipo de competição tributária.
No Brasil, a CTV tem sido uma prática bastante utilizada nos últimos anos,
especialmente pela União, mediante alterações na partilha intergovernamental de
receitas. De fato, como não há sobreposição de competências tributárias e cada
governo tem ampla autonomia de gestão sobre seus impostos, o sistema de
transferências de recursos é, praticamente, o único canal de “comunicação tributária”
entre as esferas de governo. Entretanto, é um canal que não deve ser desprezado,
dado o grande volume de recursos que movimenta e devido a sua importância para a
maior parte dos governos subnacionais. Apesar das críticas plenamente cabíveis ao
sistema de transferências brasileiro, o País não poderia prescindir desse tipo de
mecanismo fiscal, dada a extrema concentração econômico-tributária existente em seu
território. Nesse sentido, mostraremos como as transferências intergovernamentais
desempenham papel de relevante importância para os governos subnacionais e como
o aumento da descentralização de receitas está na origem do problema da CTV
brasileira.
As grandes variações de potencial econômico-tributário existentes no Brasil
implicam um extremo desequilíbrio horizontal nas contas fiscais da federação. Em
outras palavras, a concentração econômica leva à concentração da arrecadação
tributária e, como conseqüência, à necessidade de financiar os estados mais pobres
mediante um sistema de transferência de recursos. Conforme consta da tabela 3.4, as
regiões Sudeste e Sul participaram, conjuntamente, com 76% da arrecadação total dos
tributos estaduais. Essa concentração também se verifica para a arrecadação federal e
municipal, implicando que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que detêm
25,8% do PIB e 42,7% da população nacional, arrecadam apenas 19,5% da carga
tributária brasileira77. Percebemos, portanto, que a arrecadação tributária é ainda mais
concentrada que a própria produção, o que faz com que grande parte dos Estados e
Municípios brasileiros seja dependente do recebimento de transferências de recursos
intergovernamentais. Essa tabela também apresenta a carga tributária estadual, isto é,
77
É importante frisar que, no caso da arrecadação federal, os dados apresentam uma distorção relativa
à obrigatoriedade de centralização do pagamento do Imposto de Renda e da COFINS na matriz. Assim,
uma empresa que possui filiais em todo o Brasil, mas tem sua sede em São Paulo acaba por recolher
todo o tributo em São Paulo.
67
o montante total de tributos arrecadados no estado dividido por seu produto interno.
Esse cálculo, no entanto, apresenta as distorções relativas à centralização do
pagamento de tributos federais (vide nota de rodapé 77) e situações como a do Distrito
Federal, que aparece como o “estado” de maior carga tributária do País. Isso se deve,
contudo, ao fato de que recolhem imposto no DF contribuintes como o Banco do Brasil
e Caixa Econômica Federal, além do PIB distrital ser pequeno.
TABELA 3.4
PRODUTO, POPULAÇÃO E CARGA TRIBUTÁRIA ESTADUAL
CT-Tese, planilha Plan 9 em %
ESTADO
PIB (97) % Pop. (96) % Arrec Fed % Arrec Est % Arrec Mun % Arrec Tot % Carga Trib.
REGIÃO NORTE
4,44%
7,20%
2,06%
4,36%
2,89%
14,31%
2,30%
ACRE
0,16%
0,31%
0,06%
0,09%
0,07%
9,30%
0,08%
AMAPÁ
0,13%
0,24%
0,05%
0,09%
0,07%
11,38%
0,06%
AMAZONAS
1,16%
1,52%
1,09%
1,98%
1,38%
26,25%
0,77%
PARÁ
2,01%
3,54%
0,57%
1,28%
0,85%
9,27%
1,02%
RONDONIA
0,58%
0,77%
0,20%
0,58%
0,34%
12,71%
0,19%
RORAIMA
0,08%
0,16%
0,04%
0,09%
0,06%
15,57%
0,05%
TOCANTINS
0,32%
0,67%
0,06%
0,25%
0,13%
8,96%
0,14%
REGIÃO NORDESTE
12,92%
28,90%
6,66%
12,76%
8,89%
15,14%
8,05%
ALAGOAS
0,65%
1,70%
0,29%
0,61%
0,41%
13,95%
0,40%
BAHIA
4,83%
8,15%
2,15%
4,15%
2,88%
13,13%
2,62%
CEARÁ
1,72%
4,32%
1,12%
2,06%
1,45%
18,54%
1,15%
MARANHÃO
0,94%
3,37%
0,33%
0,65%
0,46%
10,74%
0,58%
PARAÍBA
0,65%
2,14%
0,41%
0,80%
0,54%
18,34%
0,33%
PERNAMBUCO
2,24%
4,78%
1,48%
2,64%
1,91%
18,80%
1,94%
PIAUÍ
0,51%
1,75%
0,27%
0,50%
0,35%
14,98%
0,19%
RIO GRANDE DO NORTE
0,72%
1,67%
0,36%
0,76%
0,51%
15,55%
0,49%
SERGIPE
0,66%
1,03%
0,25%
0,60%
0,38%
12,56%
0,34%
REGIÃO CENTRO-OESTE
8,43%
6,64%
8,71%
6,85%
7,88%
20,57%
5,74%
DISTRITO FEDERAL
2,44%
1,15%
6,98%
1,56%
4,79%
43,23%
2,25%
GOIÁS
2,73%
2,86%
1,02%
2,63%
1,63%
13,13%
1,74%
MATO GROSSO
1,41%
1,41%
0,40%
1,54%
0,82%
12,73%
0,65%
MATO GROSSO DO SUL
1,85%
1,22%
0,31%
1,12%
0,64%
7,65%
1,10%
REGIÃO SUDESTE
55,96%
42,40%
70,80%
61,08%
67,36%
26,48%
70,77%
ESPÍRITO SANTO
1,51%
1,77%
2,50%
2,68%
2,50%
36,43%
1,35%
MINAS GERAIS
9,79%
10,57%
6,22%
9,39%
7,43%
16,71%
7,83%
RIO DE JANEIRO
10,60%
8,45%
14,07%
8,87%
12,32%
25,56%
15,51%
SÃO PAULO
34,06%
21,61%
48,00%
40,13%
45,11%
29,14%
46,08%
REGIÃO SUL
18,25%
14,86%
11,77%
14,95%
12,97%
15,64%
13,14%
PARANÁ
6,82%
5,70%
4,38%
4,81%
4,62%
14,91%
5,99%
RIO GRANDE DO SUL
7,98%
6,11%
5,25%
6,76%
5,74%
15,83%
4,50%
SANTA CATARINA
3,45%
3,06%
2,14%
3,39%
2,61%
16,63%
2,65%
TOTAL
100,00%
100,00%
100,00%
100,00%
100,00%
22,00%
100,00%
Obs.: A carga tributária apresentada nesta tabela não inclui dados relativos ao INSS e ao FGTS.
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil (IBGE) e SRF/COGET
68
Como não há previsão para transferências de recursos entre governos de
mesmo nível hierárquico ou de governos hierarquicamente inferiores para as esferas
superiores de poder, a União tem, tradicionalmente, desempenhado papel fundamental
na arrecadação e distribuição das receitas tributárias da federação, o que tem
contribuído para a ocorrência de um desequilíbrio fiscal vertical. Isto é, o financiamento
dos governos subnacionais mais pobres advém, em última instância, apenas dos
recursos arrecadados diretamente pela União, que, para isso, necessita coletar receitas
suficientes para cobrir os seus gastos e o sistema de repasses. Assim, o desequilíbrio
horizontal, conjugado ao desenho do sistema de transferências de recursos, gera,
inevitavelmente, um desequilíbrio fiscal vertical na federação brasileira. Em
decorrência, conforme pode-se verificar na Tabela 2 do Apêndice IV, a União tem uma
arrecadação muito mais expressiva que os estados e municípios. Desse modo, tornase necessária uma substancial transferência aos níveis subnacionais de governo para
que eles possam fazer frente às suas despesas. Assim, conforme apresentado na
Tabela 3 do Apêndice IV, a União tem repassado cerca de 10% de sua receita líquida
aos demais níveis de governo, o que representou, em 1997, aproximadamente, R$ 22
bilhões. Quando somamos a esse montante o volume de transferências de Estados a
Municípios, obtemos o valor total das transferências intergovernamentais obrigatórias,
o equivalente a cerca de 18% da carga tributária líquida ou R$ 40 bilhões78.
A tabela 3.5 apresenta os dados relativos às transferências federais a Estados e
Municípios (os valores referentes aos Municípios encontram-se agregados por seus
respectivos Estados) para o ano de 199779. Verifica-se que, no que se refere ao FPE, a
Bahia é o Estado que mais recebe recursos, seguida do Ceará e Maranhão. Em
contrapartida, São Paulo e Distrito Federal são os menos beneficiados. Em termos
regionais, o Norte e o Nordeste absorvem cerca de 78% dos recursos. Quanto ao FPM,
a preponderância é do estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, especialmente
devido à grande quantidade de municípios em suas jurisdições. O FPEx, distribuído em
função direta das exportações de produtos industrializados de cada estado - se bem
que limitado a um teto de 20% -, destina seus recursos principalmente para São Paulo,
Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
78
É importante mencionar que o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) por Estados e Municípios
não se encontra incluído nos dados de carga tributária utilizados nesta dissertação. Essa é uma receita
que não transita pelas contas da União, pois os governos subnacionais já a retêm diretamente. No
entanto, estima-se que esse IRRF pode atingir 1% do PIB, o que significa que tanto a carga tributária
como o volume de transferências podem estar subestimados nesse valor.
79
Vale lembrar que a participação de cada Estado no total dos Fundos de Participação não tem se
alterado significativamente nos últimos anos, dada a rigidez dos índices de repasse, que são calculados
pelo Tribunal de Contas da União. Nesse sentido, a análise do ano de 1997 nos traz uma boa noção da
participação relativa dos estados no período pós-Constituição/88.
69
TABELA 3.5
TRANSFERÊNCIAS FEDERAIS A ESTADOS E MUNICÍPIOS - 1997
em R$ milhões
ESTADO
FPE
REGIÃO NORTE
2.446,35
ACRE
335,41
AMAPÁ
334,53
AMAZONAS
273,58
PARÁ
558,05
RONDONIA
276,05
RORAIMA
243,22
TOCANTINS
425,51
REGIÃO NORDESTE
5.142,91
ALAGOAS
407,87
BAHIA
921,24
CEARÁ
719,34
MARANHÃO
707,70
PARAÍBA
469,52
PERNAMBUCO
676,52
PIAUÍ
423,69
RIO GRANDE DO NORTE
409,62
SERGIPE
407,40
REGIÃO CENTRO-OESTE
703,29
DISTRITO FEDERAL
67,67
GOIÁS
278,75
MATO GROSSO
226,28
MATO GROSSO DO SUL
130,59
REGIÃO SUDESTE
831,63
ESPÍRITO SANTO
147,07
MINAS GERAIS
436,74
RIO DE JANEIRO
149,78
SÃO PAULO
98,04
REGIÃO SUL
639,03
PARANÁ
282,68
RIO GRANDE DO SUL
230,87
SANTA CATARINA
125,48
TOTAL
9.763,22
%
25,06%
3,44%
3,43%
2,80%
5,72%
2,83%
2,49%
4,36%
52,68%
4,18%
9,44%
7,37%
7,25%
4,81%
6,93%
4,34%
4,20%
4,17%
7,20%
0,69%
2,86%
2,32%
1,34%
8,52%
1,51%
4,47%
1,53%
1,00%
6,55%
2,90%
2,36%
1,29%
100%
FPM
854,45
54,81
40,27
134,67
349,51
87,53
28,48
159,18
3.647,31
237,99
919,70
542,34
425,03
336,72
529,85
257,92
254,28
143,49
770,42
30,46
383,22
198,04
158,70
3.223,39
184,13
1.350,76
319,70
1.368,80
1.812,13
704,56
705,39
402,18
10.307,69
%
8,29%
0,53%
0,39%
1,31%
3,39%
0,85%
0,28%
1,54%
35,38%
2,31%
8,92%
5,26%
4,12%
3,27%
5,14%
2,50%
2,47%
1,39%
7,47%
0,30%
3,72%
1,92%
1,54%
31,27%
1,79%
13,10%
3,10%
13,28%
17,58%
6,84%
6,84%
3,90%
100%
FPEx
%
87,31 5,27%
0,19
0,01%
1,35
0,08%
7,85
0,47%
76,36
4,61%
1,14
0,07%
0,40
0,02%
0,02
0,00%
199,21 12,03%
4,09
0,25%
115,35
6,96%
13,65
0,82%
27,92
1,69%
6,23
0,38%
24,29
1,47%
2,74
0,17%
2,97
0,18%
1,96
0,12%
30,40 1,84%
0,11
0,01%
10,63
0,64%
13,01
0,79%
6,65
0,40%
757,77 45,75%
86,85
5,24%
229,11 13,83%
109,32
6,60%
332,49 20,07%
581,76 35,12%
150,75
9,10%
274,31 16,56%
156,70
9,46%
1.656,45
100%
ITR
2,11
0,10
0,08
0,15
0,62
0,30
0,07
0,80
5,66
0,30
2,87
0,44
0,63
0,22
0,38
0,52
0,15
0,15
15,04
0,08
4,86
4,70
5,40
17,11
0,60
8,56
0,40
7,54
12,80
5,75
5,69
1,36
52,73
%
4,01%
0,18%
0,14%
0,28%
1,18%
0,56%
0,14%
1,52%
10,74%
0,57%
5,44%
0,82%
1,20%
0,42%
0,71%
0,99%
0,29%
0,29%
28,53%
0,14%
9,22%
8,92%
10,24%
32,45%
1,14%
16,24%
0,77%
14,30%
24,27%
10,90%
10,78%
2,58%
100%
IOF
1,72
0,01
0,16
0,06
1,30
0,15
0,04
0,01
0,24
0,00
0,22
0,00
0,02
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,81
0,00
0,04
0,77
0,00
0,20
0,00
0,17
0,02
0,01
0,01
0,01
0,00
0,00
2,98
%
Total
57,87% 3.391,96
0,22%
390,51
5,28%
376,38
2,10%
416,32
43,55%
985,85
5,20%
365,17
1,23%
272,21
0,29%
585,52
8,03% 8.995,34
0,00%
650,25
7,35% 1.959,38
0,00% 1.275,76
0,69% 1.161,31
0,00%
812,70
0,00% 1.231,04
0,00%
684,88
0,00%
667,03
0,00%
553,00
27,26% 1.519,96
0,00%
98,31
1,39%
677,50
25,87%
442,80
0,00%
301,35
6,63% 4.830,09
0,00%
418,64
5,69% 2.025,34
0,61%
579,23
0,32% 1.806,88
0,21% 3.045,73
0,21% 1.143,75
0,00% 1.216,26
0,00%
685,72
100% 21.783,08
%
15,57%
1,79%
1,73%
1,91%
4,53%
1,68%
1,25%
2,69%
41,30%
2,99%
8,99%
5,86%
5,33%
3,73%
5,65%
3,14%
3,06%
2,54%
6,98%
0,45%
3,11%
2,03%
1,38%
22,17%
1,92%
9,30%
2,66%
8,29%
13,98%
5,25%
5,58%
3,15%
100%
Fonte: STN
FundosTransf, planilha Fundos1
A Tabela 3.6 permite verificar a importância do mecanismo de transferências
para a maioria dos estados e municípios brasileiros mediante a comparação entre os
recursos recebidos (transferências) e a receita própria dos governos subnacionais.
Quanto aos estados, o FPE somado ao FPEx representa cerca de 18% das suas
receitas próprias, na média Brasil. No entanto, esse valor médio esconde a realidade
de que, para a região Norte, por exemplo, essa relação alcança mais de 90%, com
estados em situação crítica, como o Acre, Amapá e Roraima. A região Nordeste possui
70
uma média de 66% e os estados que mais dependem das transferências são
Maranhão e Piauí. No que se refere aos municípios, a situação de dependência em
relação às transferências federais é ainda maior, pois a relação entre as transferências
(FPM mais 25% de ICMS) e a receita própria alcança uma média de cerca de 240%.
Fica patente, portanto, como as transferências desempenham papel relevante para as
finanças públicas de grande parte dos governos subnacionais brasileiros.
TABELA 3.6
RELAÇÃO ENTRE TRANSFERÊNCIAS RECEBIDAS E RECEITA PRÓPRIA
em %
ESTADO
REGIÃO NORTE
ACRE
AMAPÁ
AMAZONAS
PARÁ
RONDONIA
RORAIMA
TOCANTINS
REGIÃO NORDESTE
ALAGOAS
BAHIA
CEARÁ
MARANHÃO
PARAÍBA
PERNAMBUCO
PIAUÍ
RIO GRANDE DO NORTE
SERGIPE
REGIÃO CENTRO-OESTE
DISTRITO FEDERAL
GOIÁS
MATO GROSSO
MATO GROSSO DO SUL
REGIÃO SUDESTE
ESPÍRITO SANTO
MINAS GERAIS
RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO
REGIÃO SUL
PARANÁ
RIO GRANDE DO SUL
SANTA CATARINA
TOTAL
RELAÇÃO
ESTADUAL
91,21%
605,85%
567,20%
22,32%
77,77%
74,75%
439,01%
265,28%
65,75%
105,60%
39,22%
55,95%
176,91%
93,59%
41,73%
134,39%
85,68%
108,01%
16,82%
6,81%
17,30%
24,43%
19,18%
4,09%
13,69%
11,13%
4,59%
1,68%
12,82%
14,15%
11,74%
13,09%
17,93%
RELAÇÃO
MUNICIPAL
633,33%
849,04%
810,67%
552,01%
509,82%
902,36%
838,50%
1341,40%
666,54%
789,55%
570,91%
714,95%
868,66%
1332,25%
459,24%
1642,36%
714,70%
660,85%
300,43%
109,23%
430,26%
640,19%
284,74%
165,51%
425,27%
337,52%
100,57%
150,53%
293,60%
225,92%
362,84%
329,00%
241,18%
71
Fonte: cálculos da autora FundosTransf, planilha Rec. Disp., tabela
à direita
Portanto, concluímos que grande parte dos governos subnacionais não tem
condições de sustentação própria e necessita largamente das transferências
intergovernamentais para financiar seus gastos. Vale lembrar que são raros os
governos que possuem situação orçamentária superavitária, o que significa que os
recursos das transferências são efetivamente utilizados no financiamento de despesas
necessárias e urgentes (geralmente despesas correntes, inclusive como folha de
pagamentos dos servidores públicos). Por outro lado, a situação financeira do Governo
Federal não é diferente: o déficit operacional alcançou 2,45% do PIB em 1997 e a
situação se agravou em 1998 (somente entre janeiro e setembro, o déficit alcançou
5,37% do PIB). Isso ocorre porque, apesar de arrecadar um volume substancial de
recursos, o Governo Federal também tem maiores responsabilidades na área do gasto
e possui grande parte de seu orçamento “engessado”. Portanto, o motivo básico da
CTV brasileira advém dessa situação de crise fiscal nos vários níveis de governo,
aliada à grande dependência, por parte dos governos subnacionais, das transferências
intergovernamentais, e a um desenho de sistema que permite, em alguma medida,
legalmente “driblar” o volume de repasse das receitas.
Na verdade, a disputa intergovernamental por recursos deve-se à forte
descentralização que ocorreu nas últimas décadas. Fazendo uma breve retrospectiva
histórica, a Reforma Tributária de 66 - que definiu as bases do atual Sistema Tributário
Nacional - foi centralizadora em termos de arrecadação tributária. De fato, a União
arrecadou, em média, cerca de 73% da carga tributária total nos anos 70 e 80.
Entretanto, de modo a compensar essa centralização, foram criados os Fundos de
Participação de Estados e Municípios, mecanismo de transferência de recursos
federais aos níveis subnacionais de governo. No primeiro ano de implementação
(1968), esses fundos foram compostos, atipicamente, por 10% da arrecadação do IR e
do IPI. A partir do segundo ano, o percentual de 5% passou a vigorar como regra. As
duas décadas que se seguiram à Reforma de 66 significaram, sobretudo, duas
realidades: abertura política e crise econômica, esta última implicando em grave crise
fiscal da União. A abertura política desencadeou uma descentralização progressiva de
receitas, que começou a ocorrer nos anos 80 e culminou com a promulgação da
Constituição de 88. De fato, a Carta de 88 não teve o mérito de fazer nenhuma
modificação estrutural necessária no sistema tributário nacional, que continuou com as
mesmas linhas traçadas pela reforma de 66, mas aumentou a autonomia e o poder
tributário dos governos subnacionais, inclusive com a majoração dos percentuais de
repasse dos fundos de transferência, que passaram a ser de 21,5% e 22,5% para o
FPE e o FPM, respectivamente.
Desse modo, a descentralização ocorrida acabou por agravar a situação de crise
fiscal pela qual a União já vinha passando, em função da própria crise econômica
brasileira dos anos 80. Em verdade, a crise econômica, per si, já estava provocando
suas conseqüências negativas sob a arrecadação tributária, seja por meio da
estagnação da própria base tributável, seja pela ocorrência do Efeito Tanzi - devido ao
processo inflacionário. A esses problemas, somou-se a diminuição de receita
72
disponível devido à essa descentralização de recursos tributários, que, para completar,
não foi acompanhada do respectivo repasse de encargos. Assim sendo, a União
passou a priorizar a arrecadação daquelas receitas que não são partilhadas com
Estados e Municípios, isto é, as Contribuições Sociais. De fato, conforme podemos
constatar a partir da Tabela 3.7, as receitas do Orçamento da Seguridade Social
cresceram 154,8% entre 1991 e 1997, enquanto que o Orçamento Fiscal teve um
aumento de 106,3% no mesmo período. Desse modo, passando a priorizar a
arrecadação das Contribuições Sociais em detrimento do Orçamento Fiscal e, ao
mesmo tempo, quando for necessário conceder isenções ou benefícios fiscais,
concedê-los contra o IR ou IPI, a União adotou um tipo de competição tributária com o
objetivo de minimizar os repasses para os governos subnacionais.
TABELA 3.7
RECEITAS DOS ORÇAMENTOS DA SEGURIDADE E FISCAL
1991 A 1997
US$ milhões
ANO
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
ORÇAMENTO
SEGURIDADE
31.706
31.587
37.505
54.057
68.653
77.066
80.783
ORÇAMENTO FISCAL
27.718
28.406
32.979
44.056
54.140
55.603
57.196
Fonte: SRF/COGET
Portanto, a CTV brasileira origina-se do fato de que parte da arrecadação da
União não pode ser repassada aos governos subnacionais, criando um incentivo para
que esses tributos não partilháveis sejam priorizados em detrimentos dos demais.
Entretanto, a CTV não é apenas um processo que aumenta as receitas disponíveis da
União, sem outras conseqüências mais graves. Em verdade, esse processo
competitivo tem gerado profundos impactos no desenho e na eficiência do sistema
tributário nacional. Em especial, destacam-se duas principais conseqüências da CTV:
em primeiro lugar, houve uma inegável opção por arrecadar contribuições sociais, que
no caso brasileiro são, em sua maioria, tributos distorcivos, incidentes em cascata, que
oneram a produção do País, em detrimento de impostos menos distorcivos, incidentes
sobre a renda ou o valor agregado; e, em segundo lugar, houve paulatina retração do
volume dos recursos que deveriam ser repassados a Estados e Municípios, diminuindo
a receita disponível potencial dos governos subnacionais. Passamos, então, a uma
análise mais detalhada de cada um desses impactos.
•
Aumento da arrecadação das contribuições sociais em detrimento de outros
tributos
A CTV tem feito com que o Brasil possua um nível de arrecadação de
contribuições sociais semelhante a dos países europeus, que são, tradicionalmente,
73
verdadeiros Estados de bem-estar (welfare states). De fato, a Tabela 1 do Apêndice IV
mostra claramente essa situação, pois a participação das contribuições sociais nas
receitas totais atinge 28,4% para os países da OCDE-Europa e 28,2% para o Brasil.
Para se ter uma idéia comparativa, esse percentual é de 19,5% para a OCDE-América
e de 11,1% para a OCDE-Pacífico. Porém, a semelhança pára aí, no nível de carga
tributária. Nossas contribuições sociais incidem em cascata sobre bases totalmente
atípicas (como o faturamento e a movimentação financeira) e têm sua arrecadação
vinculada, sendo, claramente, ineficientes do ponto de vista econômico. Desse modo, a
CTV tem incentivado a substituição de impostos progressivos ou incidentes sobre o
valor agregado por contribuições regressivas e incidentes em cascata. Esse é, sem
dúvida, um alto custo que a CTV impõe sobre a eficiência e competitividade do País.
Nesse sentido, pode-se afirmar que, em muitos pontos, o sistema tributário brasileiro
regrediu de 1966 até hoje em dia. Especificamente, as principais alterações
provocadas pela CTV na estrutura tributária brasileira foram os seguintes: criação da
CSLL e da CPMF e aumento na arrecadação da COFINS e PIS/PASEP.
Quanto à CSLL, vale mencionar que essa contribuição tem, praticamente, a
mesma base de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), não
havendo nenhum motivo econômico ou tributário que justifique sua existência, a não
ser o fato dela ser vinculada ao Orçamento da Seguridade Social. Assim, por não estar
incorporada ao IRPJ, não é partilhada com Estados e Municípios. A existência de um
imposto e uma contribuição social sobre bases tão similares aumenta os custos público
e privado da tributação, o que é desaconselhável do ponto-de-vista da eficiência
tributária. A solução mais lógica para extinguir essa ineficiência seria a incorporação da
CSLL ao IRPJ (que, naturalmente, teria sua alíquota majorada) e, em conseqüência, o
repasse aos Fundos seria aumentado em 47% da arrecadação da CSLL.
No que se refere ao Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF)
e à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), esses talvez
sejam o melhor exemplo que como a CTV ocorre no Brasil. De fato, o IPMF, criado em
1993 na condição de imposto, fazia parte do Orçamento Fiscal da União e, por isso,
não tinha destinação específica. Extinto em 1995, o tributo volta a ser cobrado a partir
de 1997, desta vez, no entanto, não mais como imposto, mas sim como contribuição
(CPMF), totalmente destinada à Saúde e, portanto, não podendo ser partilhada com
Estados e Municípios.
Por último, observe que o PIS/PASEP e, sobretudo, a COFINS, tiveram sua
arrecadação claramente priorizada nos últimos anos, apesar de serem contribuições
instituídas em décadas passadas80. Atualmente, a COFINS é a segunda maior rubrica
de receita administrada pela Secretaria da Receita Federal, ficando atrás, apenas, do
Imposto de Renda. A ineficiência dessas contribuições deve-se a que, na prática, elas
recaem sobre o consumo, pois são facilmente repassadas para o preço final das
80
Aliás, a COFINS foi criada, em 1991, para dar fim à “montanha” de recursos contra as constantes
alterações de alíquotas do antigo FINSOCIAL. Assim, extinto o FINSOCIAL, que teve sua alíquota
progressivamente majorada de 0,5% a 2%, surge a COFINS com uma alíquota de 2% sobre o
faturamento das empresas, acabando com as contestações judiciais.
74
mercadorias e, além de tudo, incidem em cascata, onerando o custo da produção
brasileira. Em outras palavras, essas contribuições fazem com que o Brasil tenha um
padrão de tributação que já foi abolido na grande parte dos sistemas tributários
modernos. Na realidade, deveriam ser encaradas como um imposto mínimo, pois
incidem, a grosso modo, sobre o faturamento das empresas, que as pagam quer
tenham lucro ou não. Essa característica, aliás, faz com que sejam de fácil fiscalização
e arrecadação.
Caso o País decidisse pela extinção dessas contribuições, as alternativas para a
manutenção de suas receitas não são tão claras como no caso da CSLL, onde existe
uma solução natural pelo fato de incidir sobre base semelhante à de um imposto já
existente. No entanto, existem duas alternativas viáveis, dependendo do objetivo de
tributação do governo. A primeira seria majorar a alíquota de um imposto sobre o
consumo, de modo a compensar a sua incidência, que também se dá sobre o
consumo. Isso ajudaria, inclusive, a deixar um pouco mais claro ao consumidor/cidadão
a carga tributária incidente sobre as mercadorias, o que, atualmente, é impossível,
dado que incidem sobre o consumo nada menos do que cinco impostos e contribuições
diferentes. O caminho lógico seria agregar essas contribuições ao ICMS, que é um
imposto mais amplo que o IPI, ou incorporá-las a um novo IVA, que poderia ser criado
na esfera federal e ter seus recursos partilhados com Estados e Municípios. Essa
mudança seria um grande passo rumo à racionalização da tributação do consumo no
País. De qualquer forma, ou a arrecadação seria diretamente arrecadada pelos
Estados ou, no caso de um IVA federal, seria repassada, em parte, aos governos
subnacionais. A segunda alternativa possível, se o governo quiser continuar tributando
as empresas independentemente da existência de lucro81, seria a introdução de um
imposto mínimo, à semelhança do que existe em outros países, como o México, por
exemplo. Na realidade, estaríamos apenas trocando um atual imposto mínimo
“camuflado”, mas que é repassado aos preços em cascata, por um imposto mínimo “às
claras”, que poderia, inclusive, ser compensado com o IR. Em qualquer dessas
alternativas, os governos subnacionais passariam a participar na arrecadação dos
tributos, aumentando suas receitas disponíveis.
Dessa forma, ao longo dos anos, a União foi trocando, paulatinamente, a
arrecadação de impostos pela de contribuições sociais, de modo a manter a destinação
desses recursos na órbita federal. Nesse ponto, cabe criticar a extrema vinculação de
receitas do orçamento brasileiro que, em última instância, é o que justifica a existência
da CTV. Isso porque, conforme ficou claro em nossa análise, a CTV inicia-se, dentre
outros motivos, devido às vinculações das receitas da União aos Fundos de
Participação. Entretanto, a única forma de escapar dessa vinculação é acabar
incorrendo em outra vinculação, a de arrecadar as receitas na forma de contribuição
social e, assim, amarrá-las ao Orçamento da Seguridade.
•
Diminuição da receita disponível potencial dos governos subnacionais
81
Essa atitude poderia se justificar porque o índice de prejuízos supostamente fabricados no Brasil não é
baixo. Vale mencionar que, tradicionalmente, cerca de 50% das empresas que declaram pelo lucro real
apresentam prejuízo, o que, se fosse realidade, já teria quebrado o setor privado há alguns bons anos!
75
Indubitavelmente, o impacto natural da CTV nos Estados e Municípios é
provocar uma diminuição das suas receitas disponíveis (quando comparadas ao caso
sem CTV) que, por sua vez, gera uma série de efeitos subseqüentes sobre a economia
dos governos afetados. De fato, dispondo de uma menor receita disponível, Estados e
Municípios reduzem o nível de serviços públicos prestados a seus cidadãos e, portanto,
do ponto de vista estadual, há uma provável diminuição do bem-estar social. Porém,
como esses recursos ficaram com a União, que deverá utilizá-los na área da
Seguridade Social, também poderá haver um aumento do bem-estar social gerado pela
ação do Governo Federal. Assim, da mesma forma que Gordon estabeleceu uma
comparação entre os custos e os benefícios sociais marginais da transferência de um
dólar do setor privado para o setor público82, de modo a mensurar o impacto líquido da
competição tributária, teríamos que estabelecer uma comparação entre a eficiência do
gasto da União e dos governos subnacionais, para poder afirmar qual o efeito líquido
sobre o bem-estar social. No entanto, mesmo que a ação da União seja capaz de
compensar a perda agregada do bem-estar estadual, é necessário destacar que sua
atuação não é uniforme em todo o território nacional, o que pode gerar perdas ou
ganhos individuais para estados e municípios.
Por último, de modo a concluir nossa análise sobre o mecanismo da CTV,
buscaremos avaliar se esse processo competitivo tem, efetivamente, conseguido atingir
os objetivos a que se propôs e, na medida do possível, trabalharemos com algumas
hipóteses que nos permitam estimar seus impactos sobre as finanças dos governos
subnacionais.
Quanto aos objetivos, pode-se dizer que a CTV tem, de fato, conseguido manter
a receita disponível da União. Enquanto a receita própria do Governo Federal cresceu
127% entre 1991 e 1997, sua receita disponível teve um aumento de 132%. Além
disso, em comparação com os governos subnacionais, a União apresentou o maior
crescimento, tanto em termos de receita própria como disponível. No entanto, vale
mencionar que esse crescimento nas receitas disponíveis não tem sido suficiente para
colocar as finanças do Governo Federal em equilíbrio. Sem entrar em considerações
sobre o gasto, uma das explicações é que, na realidade, o conceito de receita
disponível aqui utilizado (receita própria menos transferências a Estados e Municípios)
não representa aquilo que, de fato, está disponível para a União investir, já que sua
grande parte está vinculada à Seguridade Social. Portanto, são poucos os recursos
efetivamente “livres” para a União poder dispô-los como bem entender. Tanto é assim
que, em 1994, foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), atual Fundo de
Estabilização Fiscal (FEF), que deveria vigorar apenas nos exercícios financeiros de
1994 e 1995, mas que vem sendo regularmente prorrogado desde então. Na realidade,
esse fundo nada mais é do que uma outra vinculação que busca desvincular parte dos
recursos antes vinculados a Estados e Municípios, ou seja, outro exemplo de CTV.
82
Vide, para maiores detalhes, Termo 1 (Efeito Direto sobre a Arrecadação) do Modelo de Gordon,
constante da seção 1.2.2 desta dissertação.
76
No que se refere ao impacto da CTV sobre as finanças dos governos
subnacionais, realizaremos um exercício de simulação, estimando o volume de
recursos que seriam destinados aos Estados e Municípios caso fossem eliminadas
algumas das distorções criadas ou estimuladas pelo processo competitivo. Assim,
trabalharemos com a hipótese de que a CSLL seria incorporada ao IRPJ e que a CPMF
seria transformada em imposto, participando do Orçamento Fiscal (sendo repassada a
um percentual de 20%). Quanto à COFINS e ao PIS/PASEP, é muito mais difícil fazer
qualquer hipótese plausível de sua transferência a Estados e Municípios, dado que seu
volume de arrecadação provavelmente forçaria a uma revisão dos próprios percentuais
de repasse. No entanto, somente a título de ilustração, trabalharemos com sua
incorporação a um IVA federal (que seria repassado ao mesmo percentual do atual
IPI), que é uma hipótese mais conservadora, do ponto de vista do repasse, do que se
fossem incorporadas ao ICMS, opção na qual Estados e Municípios ficariam com a
arrecadação integral dessas contribuições83.
Na realidade, essa é uma questão extremamente delicada, tanto que as próprias
propostas de reforma tributária atuais não têm tratado claramente desse assunto. O
principal objetivo dessa simulação será apenas mostrar que, se a União não tivesse
utilizado a CTV para proteger suas receitas, seria obrigada a repassar o montante
estimado a Estados e Municípios que, então, teriam uma receita disponível bem maior.
Logicamente, se o mecanismo da CTV não pudesse ser utilizado, a União poderia
valer-se de outras soluções, como a aprovação de Emenda Constitucional para alterar
percentuais de repasse ou uma medida tipo FEF. No entanto, todas elas são muito
mais complicadas, do ponto de vista político, do que a CTV, que passa despercebida
da maioria da população. A Tabela 3.8 consolida os resultados encontrados.
TABELA 3.8
SIMULAÇÃO DOS REPASSES ADICIONAIS DA UNIÃO A ESTADOS E MUNICÍPIOS
NA AUSÊNCIA DE CTV
em milhões de moeda corrente
FPE (A)
FPM (B)
Total Fundos (C=A+B)
1991
1992
1.682.402 18.356.514
1.780.373 19.699.859
38.056.373
3.462.775
1993
449.128
470.092
919.220
1994
3.747
3.921
7.668
1995
1996
1997
7.722
8.736
9.763
8.081
9.142 10.308
15.803 17.878 20.071
83
Algumas dessas hipóteses estão contempladas nas propostas de Reforma Tributária que estão sendo
atualmente discutidas. No que podemos chamar de primeira versão da Proposta de Reforma Tributária
do Ministério da Fazenda (MF), apresentada pelo Secretário-Executivo do MF, em setembro de 1997,
estavam contempladas as seguintes medidas: incorporação da CSLL ao IRPJ, criação de IVA federal e
de Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV) estadual/municipal, criação de Excise Tax federal e extinção da
COFINS, PIS/PASEP, ICMS, IPI e ISS. Em novembro de 1998, o Ministro da Fazenda apresentou
modificações nessa, elaborando uma segunda versão do documento. Basicamente, devido ao problema
federativo, seria muito difícil aprovar um IVA federal e, assim, a nova proposta sugere a manutenção do
ICMS em nível estadual, com base ampla, incorporando o IPI, a COFINS e o PIS/PASEP. Há também a
continuidade do ISS em nível municipal. A idéia da criação de um Excise Tax continua na proposta, bem
como a substituição da CPMF pelo IMF. Vale mencionar que, em nenhuma das propostas, a questão do
repasse fica clara, não sendo estipulados percentuais ou novas regras de transferência.
77
CSLL *44% (D)
5.500.685 130.694
1.432
2.470
2.730
3.174
7.584.649 227.135
3.790
6.455
7.555
1.382
8.063
8.152.980 193.239
1.661
2.597
3.140
3.196
Total
do
Repasse
21.238.315 551.067
(H=D+E+F+G)
1.869.908
Part. Relativa (I=H/C)
54,00%
55,81%
59,95%
6.883
11.522
13.426
15.815
CPMF* 20% (E)
COFINS* 44% (F)
198.707
931.352
PIS/PASEP*44% (G)
739.849
89,76% 72,91% 75,09% 78,80%
Fonte: cálculos da autora
Portanto, verificamos que, mesmo se somente a CSLL e a CPMF fossem
repassadas aos governos subnacionais, o valor da transferência representaria, em
1997, recursos adicionais da ordem de R$ 4,5 bilhões a Estados e Municípios, ou seja,
22,70% da soma do FPE e do FPM. Caso a COFINS e o PIS/PASEP também fossem
repassadas, essas transferências adicionais alcançariam R$ 15,8 bilhões, nada menos
do que 78,80% das transferências atuais. Em primeiro lugar, vale destacar que esses
são valores nada desprezíveis, isto é, são montantes que, de fato, podem justificar a
CTV por parte da União. Em segundo lugar, é interessante verificar que a série de
participações relativas tem tendência crescente ao longo dos anos, demonstrando
como a CTV foi se agravando no período estudado84.
3.3.3 - COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA HORIZONTAL
A Competição Tributária Horizontal (CTH) é aquela que se desenvolve entre
governos de mesmo nível hierárquico e, indubitavelmente, tem se configurado como o
maior e mais perverso processo competitivo da federação brasileira. Ela ocorre,
sobretudo, em nível estadual, mediante a utilização do ICMS como instrumento de
atração de capital privado, mas também vem sendo utilizada pelos Municípios em
relação ao ISS. As razões que justificam legal, economica e politicamente a CTH na
federação brasileira já foram detalhadas na seção 3.3.1. Portanto, nesta seção,
passaremos diretamente à análise das possíveis ineficiências que estão sendo geradas
por esse conflito competitivo. Vale ressaltar, mais uma vez, que a grande disputa
interestadual ocorre no campo da concessão de benefícios tributários ou, mais
especificamente, financeiro-tributários, pois envolvem um amplo rol de medidas
relacionadas não apenas à isenção ou postergamento do imposto, mas também de
incentivos infra-estruturais e creditícios85. Assim, sendo o benefício fiscal, em verdade,
84
É óbvio que essa simulação só pretende dar uma idéia do montante de recursos que estão envolvidos
na CTV e de quanto isso representaria para Estados e Municípios. No entanto, há que ficar claro que,
caso essas ineficiências sejam corrigidas, os percentuais de repasse deveriam ser recalculados (para
baixo), pois, do contrário, haveria um grave problema de desequilíbrio fiscal no Governo Federal. Ou
seja, extinguindo-se essas contribuições distorcivas, a União não poderia repassar a Estados e
Municípios esses 78,80% adicionais de recursos, pois seria necessário continuar destinando receitas à
Seguridade Social, que possui déficit expressivo.
85
Para isso, os próprios bancos estaduais são utilizados na concessão das linhas de financiamento, o
que põe em dúvida a real taxa de retorno e prazo de maturação dos projetos em questão. É evidente que
esse tipo de gestão colaborou para a falência da maioria dos bancos estaduais do País, que são, na
verdade, outro problema de grande seriedade no federalismo brasileiro.
78
uma redução de alíquota efetiva, a teoria econômica apresentada no primeiro capítulo
desta dissertação é plenamente aplicável à análise do caso brasileiro.
3.3.3.1 - Análise da Situação Financeira dos Governos Subnacionais
Iniciaremos nossa análise elaborando uma “radiografia” das finanças públicas
dos governos subnacionais, de modo a melhor precisar a realidade tributária dos
estados e municípios brasileiros. A seção anterior, mediante o estudo da CTV, nos
forneceu uma visão bastante clara do mecanismo de transferências de receitas
intergovernamentais, indicando que grande parte dos governos subnacionais é
dependente dos recursos repassados pela União, especialmente aqueles estados e
municípios situados em regiões mais pobres. Agora, iremos aprofundar essa análise,
passando a olhar essas transferências não como operações realizadas entre distintos
níveis de governo, mas tentando verificar essas mesmas relações somente pela ótica
subnacional de governo. Para isso, iremos analisar a formação dos Fundos de
Participação, pois, por mais que eles sejam compostos por impostos federais, a União
os arrecada nas diversas unidades federativas. Desse modo, será possível verificar
não somente os estados recebedores de transferências, mas também os doadores. Isto
é, na prática, “estadualizando” a ação do Governo Federal, poderemos ver qual a
verdadeira transferência existente entre os estados brasileiros.
A tabela 3.9 calcula dois índices de sustentabilidade para os governos
subnacionais. O primeiro, que chamaremos de GSP, consiste no Grau de
Sustentabilidade Própria, comparando os recebimentos de transferência de recursos
com a arrecadação própria dos governos. Isto é, denominando as receitas recebidas de
“ R ” e as receitas próprias de “ P ”, o índice é calculado da seguinte maneira:
P−R
. O índice é normalizado para ficar entre –1 e +1, sendo que –1 indica um
GSP =
P+R
governo cuja receita disponível é totalmente composta por transferências e, ao
contrário, +1 indica uma receita disponível formada apenas por arrecadação própria.
Logicamente, quanto mais próximo a +1, um governo estará com melhor condição de
se sustentar de forma autônoma, a partir de seus próprios recursos, sem depender do
recebimento das transferências. O outro índice é o GSA, ou Grau de Sustentabilidade
Alheia, comparando os recursos que um governo aportou aos Fundos de Transferência
com aqueles que dele recebeu, de modo a verificar se um determinado estado está
“sustentando” (valores positivos) ou “sendo sustentado” (valores negativos) pelos
demais. Para isso, a tabela mostra a coluna “Doado”, que consiste no volume de IR e
de IPI (44% do IR e 54% do IPI) que a União arrecada em cada estado. Assim,
denominando os recursos que cada estado aporta aos fundos de transferência de “ D ”,
D−R
o índice é definido como GSA =
.
D+R
79
TABELA 3.9
GRAU DE SUSTENTABILIDADE PRÓPRIA (GSP) E GRAU DE SUSTENTABILIDADE ALHEIA (GSA)
em R$ mil
ESTADO
REGIÃO NORTE
ACRE
AMAPÁ
AMAZONAS
PARÁ
RONDONIA
RORAIMA
TOCANTINS
REGIÃO NORDESTE
ALAGOAS
BAHIA
CEARÁ
MARANHÃO
PARAÍBA
PERNAMBUCO
PIAUÍ
RIO GRANDE DO NORTE
SERGIPE
REGIÃO CENTRO-OESTE
DISTRITO FEDERAL
GOIÁS
MATO GROSSO
MATO GROSSO DO SUL
REGIÃO SUDESTE
ESPÍRITO SANTO
MINAS GERAIS
RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO
REGIÃO SUL
PARANÁ
RIO GRANDE DO SUL
SANTA CATARINA
TOTAL
Doado (D) Recebido (R) Própria (P)
A
B
C
332.216
3.388.120
3.019.834
9.258
390.407
63.401
9.889
376.152
65.912
157.741
416.105
1.341.588
108.525
983.928
922.639
30.911
364.716
390.525
6.965
272.099
60.505
8.927
584.713
175.264
1.385.373
8.989.434
8.969.995
59.052
649.948
432.395
430.661
1.956.292
2.918.234
230.606
1.275.324
1.430.507
61.756
1.160.653
476.489
92.549
812.479
543.015
326.801
1.230.662
1.883.371
62.892
684.355
337.767
74.129
666.871
533.425
46.926
552.849
414.792
1.614.443
1.504.105
4.729.524
1.286.081
98.236
1.359.142
187.886
672.600
1.855.070
84.300
437.324
1.048.149
56.176
295.946
831.173
15.982.049
4.812.785 46.327.124
624.738
418.040
1.849.847
1.492.810
2.016.610
6.804.340
2.932.570
578.803
7.279.262
10.931.932
1.799.331 30.393.674
2.413.284
3.032.921 10.903.097
832.220
1.137.990
3.691.590
1.123.933
1.210.576
4.777.472
457.131
684.356
2.434.035
21.727.365
21.727.365 74.131.579
Fonte: cálculos da autora
P-R
D=C-B
-369.536
-327.047
-310.275
925.066
-61.841
25.708
-211.620
-409.526
-23.806
-217.771
960.521
154.561
-684.477
-269.642
651.654
-346.694
-133.715
-138.242
3.458.574
1.131.945
1.181.528
610.470
534.631
41.475.938
1.431.075
4.783.482
6.692.045
28.569.337
7.863.044
2.550.349
3.564.453
1.748.242
52.404.214
P+R
GSP
E=B+C
F = D/E
6.406.705
-0,06
453.767
-0,72
442.029
-0,70
1.757.276
0,53
1.906.015
-0,03
755.139
0,03
332.579
-0,64
759.900
-0,54
17.955.061
0,00
1.082.125
-0,20
4.873.104
0,20
2.705.210
0,06
1.636.828
-0,42
1.355.315
-0,20
3.112.978
0,21
1.022.017
-0,34
1.200.028
-0,11
967.456
-0,14
6.466.785
0,53
1.328.417
0,85
2.526.728
0,47
1.485.118
0,41
1.126.522
0,47
51.101.507
0,81
2.267.155
0,63
8.816.702
0,54
7.849.651
0,85
32.167.998
0,89
13.928.887
0,56
4.826.329
0,53
5.985.604
0,60
3.116.953
0,56
95.858.944
0,55
D-R
G=A-B
-3.055.904
-381.149
-366.263
-258.364
-875.403
-333.805
-265.135
-575.786
-7.604.061
-590.896
-1.525.631
-1.044.718
-1.098.896
-719.930
-903.861
-621.464
-592.743
-505.923
110.337
1.187.845
-484.714
-353.024
-239.770
11.169.265
206.698
-523.801
2.353.767
9.132.601
-619.637
-305.769
-86.643
-227.225
0,00
D+R
H=A+B
3.720.336
399.665
386.041
573.847
1.092.453
395.626
279.064
593.640
10.374.807
709.000
2.386.953
1.505.930
1.222.409
905.028
1.557.464
747.247
741.000
599.776
3.118.548
1.384.317
860.486
521.624
352.121
20.794.834
1.042.778
3.509.420
3.511.373
12.731.263
5.446.205
1.970.210
2.334.508
1.141.487
43.454.730
GSA
I = G/H
-0,82
-0,95
-0,95
-0,45
-0,80
-0,84
-0,95
-0,97
-0,73
-0,83
-0,64
-0,69
-0,90
-0,80
-0,58
-0,83
-0,80
-0,84
0,04
0,86
-0,56
-0,68
-0,68
0,54
0,20
-0,15
0,67
0,72
-0,11
-0,16
-0,04
-0,20
0,00
FundosTransf, planilha GSP-GSA 1
Os valores encontrados mostram que, em termos do GSP, apresentam índices
negativos apenas estados pertencentes às regiões Norte e Nordeste. Dentre esses,
destacam-se Acre, Amapá, Roraima e Tocantins, que, portanto, são os estados mais
dependentes das transferências federais, pois essas são muito maiores que suas
receitas próprias. Os estados das Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste apresentam
somente índices positivos, indicando uma boa sustentabilidade mediante seus próprios
recursos. Quanto ao GSA, percebemos que São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal
e, em menor grau, Espírito Santo, tiveram índices positivos, denotando que esses
estados fornecem, de forma líquida, os recursos que irão formar os fundos de
transferência. Todos os demais estados são, nesse sentido, “recebedores líquidos” dos
recursos transferidos. No entanto, como já mencionado anteriormente, existe uma
possível distorção que pode ser gerada pela centralização do pagamento do IRPJ na
matriz dos contribuintes e o fato do DF ser a jurisdição do recolhimento de impostos de
alguns importantes contribuintes estatais. Contudo, isso não reverteria a posição de
São Paulo e Rio de Janeiro como dois estados ricos e industrializados, que, de
qualquer forma, concentram a arrecadação de IR e IPI do País.
80
3.3.3.2 - Análise dos Principais Impactos Gerados pela CTH
Constatada essa fragilidade das finanças públicas da maioria dos estados, tornase de grande relevância tentar responder às seguintes perguntas: como governos
financeiramente debilitados podem se engajar em um processo competitivo; se o
ganho esperado justifica, efetivamente, os custos incorridos nessa competição;
quais os impactos esperados sobre as finanças públicas dos governos
competidores e não competidores; qual o efeito sobre o bem-estar geral da
população (há ganhadores e perdedores?); é a CTH brasileira um processo autofágico? A seguir, buscaremos responder essas questões apoiados nos conhecimentos
da teoria econômica.
•
Considerações sobre o Bem-Estar
A primeira questão que tentaremos responder diz respeito aos impactos da
competição tributária do ICMS sobre o bem-estar da sociedade brasileira. Esse é um
tópico delicado, até mesmo porque o conceito de bem-estar é bastante teórico, o que
impõe dificuldades em sua mensuração prática. No entanto, no que se refere à
competição tributária, há algumas conclusões claras e praticamente inevitáveis que
surgem de nossa análise. De modo a apresentá-las de maneira mais formal,
desenvolveremos, a seguir, a título de ilustração, uma simulação que busca captar, da
melhor forma possível, o ambiente de competição do ICMS, utilizando parâmetros
representativos da economia brasileira, como, por exemplo, nível de alíquota do
imposto e concentração da produção e do consumo.
A simulação é realizada para uma federação com dois estados, A e B, sendo
que o primeiro será considerado o estado rico e, o segundo, o pobre, em termos de
produção e consumo do valor agregado no país. Os parâmetros serão aplicados como
se o estado A correspondesse às regiões Sul e Sudeste e o estado B às regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Assim, a produção e o consumo de A são 70% e 60% do
total do valor agregado nacional, respectivamente. O estado B fica com a diferença,
isto é, 30% e 40%, respectivamente. Cada estado arrecada um imposto sobre o valor
agregado (da mesma forma que o ICMS) à alíquota interna de 20%86 No entanto, de
modo a analisarmos o caso do regime misto existente no Brasil, trabalharemos também
com uma alíquota de 10% para operações interestaduais sempre quando A vender
para B. Admite-se que o total da arrecadação é convertido em bens públicos e que o
bem-estar social é medido pela quantidade de bens privados e públicos consumidos
em cada estado. Isto é, o bem-estar social é função da arrecadação tributária. O estado
B será a jurisdição competidora, pois, por ser mais pobre, tentará atrair parte dos
investimentos do estado A para si, mediante o rebaixamento de sua alíquota (a ser
86
Note que a alíquota do ICMS é calculada “por dentro” e não “por fora”. Dessa forma, uma alíquota de
17% (alíquota modal do ICMS), significa uma alíquota efetiva de cerca de 20%.
81
chamada de alíquota competitiva de B)87. Por hipótese, para cada 1 ponto percentual
de diminuição de alíquota, B consegue atrair 1% do valor agregado de A88.
De modo a cobrir todas as possibilidades de ganhos ou perdas em função da
apropriação de receitas interestaduais, a simulação será realizada para os regimes de
origem, misto e de destino. Além disso, serão analisados os seguintes casos de
atração de investimentos: atração de investimentos já instalados em A; atração de
novos investimentos que iriam se instalar em A; atração de novos investimentos que
não iriam se instalar na federação (nem em A nem em B); e, por último, atração de
investimentos que já iriam se instalar em B, mas agem como se fossem para A e fazem
B agir de maneira competitiva, concedendo o benefício tributário. Vale mencionar que
os resultados da simulação podem ser influenciados pelas hipóteses, mas essas, no
presente caso, são bastante razoáveis e próximas à realidade. Além disso, veremos
que os resultados apontam para direções bastante claras, o que não deixa dúvida
sobre o provável impacto global do processo competitivo.
A lógica da simulação é a seguinte: partindo-se das hipóteses assumidas, o
estado A tem uma produção de 70 e um consumo de 60 unidades monetárias. Caso
estejamos trabalhando no regime da origem e sem competição tributária, a
arrecadação será de 14, isto é, a incidência da alíquota interna de 20% sobre o produto
estadual. O bem-estar é a soma o consumo público e privado, isto é, 74. O mesmo
raciocínio aplica-se ao estado B, que possuirá, portanto, um bem-estar de 46. Caso
haja competição tributária, o estado B passará a utilizar sua alíquota competitiva,
digamos de 10%, para atrair parte dos investimentos do estado A. De acordo com as
hipóteses, 10% pontos percentuais a menos implicam atrair 10% do produto do estado
A. Portanto, o estado A terá um produto de 63 e uma arrecadação de 12,6, gerando um
bem-estar de 72,6. Por sua vez, B continuará com a antiga produção de 30, sobre a
qual incide a alíquota interna de 20%, mais a nova produção de 7, sobre a qual incide a
alíquota competitiva de 10%, gerando uma arrecadação total de 6,7. O bem-estar será
de 46,7. Portanto, ao se comparar os casos não-competitivo e competitivo, verifica-se
que o bem-estar de A diminuiu enquanto que o de B aumentou. No entanto, devido à
diminuição da alíquota de B e, em decorrência, da arrecadação total, o bem-estar geral
da federação foi reduzido de 120 para 119,3.
O mesmo raciocínio aplica-se aos demais casos e aos regimes misto e de
destino. Note, no entanto, que no regime misto há a utilização da alíquota interestadual
(o que leva a que o estado B receba um diferencial de arrecadação) e, no regime de
destino, a arrecadação ocorre em função do consumo estadual (e não da produção).
Os cálculos e detalhamentos da simulação encontram-se no Apêndice III;
apresentamos, abaixo, os resultados obtidos.
87
Vale a pena esclarecer, portanto, que existem três tipos de alíquotas: a alíquota normal interna
(cobrada por A e por B nas operações internas e por B quando vende para A), a alíquota normal
interestadual cobrada quando A vende para B e a alíquota competitiva (cobrada pelo estado competidor
para atrair investimentos do outro estado).
88
Análise de sensibilidade para outras hipóteses de atração de investimento não alteram a direção do
resultado (perda ou ganho), mas apenas seu valor.
82
TABELA 3.11
QUADRO RESUMO DOS RESULTADOS DA SIMULAÇÃO
Hipóteses
1. Valor Agregado Produzido (A)
2. Valor Agregado Produzido (B)
3. Valor Agregado Consumido (A)
4. Valor Agregado Consumido (B)
5. Valor Agregado Novo Investimento
6. Alíquota Interna
7. Alíquota Interestadual
8. Alíquota com CTH (B)
9. Atração de Investimento (1 p.p.)
70
30
60
40
20
20%
10%
10%
1%
Resultados
Caso
Ganho ou Perda de Bem-Estar
Ótica Federativa
Ótica Estado A
Ótica Estado B
SEM CTH COM CTH G/P SEM CTH COM CTH G/P SEM CTH COM CTH G/P
1. Investimentos Já Instalados em A
Regime: Origem
Regime: Misto
Regime: Destino
120,00
120,00
120,00
119,30
119,30
119,30
P
P
P
74,00
73,00
72,00
72,60
72,30
72,00
P
P
-
46,00
47,00
48,00
46,70
47,00
47,30
G
P
2. Novo Investimento (iria para A)
Regime: Origem
Regime: Misto
Regime: Destino
144,00
144,00
144,00
143,80
143,80
143,80
P
P
P
90,00
88,20
86,40
89,60
88,00
86,40
P
P
-
54,00
55,80
57,60
54,20
55,80
57,40
G
P
3. Novo Investimento (não viria ao Brasil)
Regime: Origem
Regime: Misto
Regime: Destino
120,00
120,00
120,00
122,20
122,20
122,20
G
G
G
74,00
73,00
72,00
75,20
74,32
86,40
G
G
G
46,00
47,00
48,00
47,00
47,88
48,76
G
G
G
4. Novo Investimento (já iria para B)
Regime: Origem
Regime: Misto
Regime: Destino
144,00
144,00
144,00
142,00
142,00
142,00
P
P
P
86,00
86,00
86,40
86,00
86,00
86,20
P
58,00
58,00
57,60
56,00
56,00
55,80
P
P
P
Fonte: cálculos da autora
Sim
BES-3,
planilha
Resumo
Os resultados acima apontam para as seguintes conclusões:
1. Do ponto de vista agregado, a federação sempre perde com o processo competitivo
interno, pois os valores de bem-estar social da situação sem competição são, em
condições normais, maiores que aqueles da situação competitiva (em nossa
simulação, casos 1, 2 e 4). Esse é um resultado já previsto pela teoria econômica e
bastante lógico, pois quando B atrai o investimento de A, ele está reduzindo o nível
global de arrecadação e, portanto, de bens públicos e de bem-estar social. Isso é
compatível com os resultados dos modelos teóricos analisados no capítulo 1 desta
dissertação. Em particular, essa é, precisamente, a conclusão do trabalho de
Kanbur e Keen (1993) – seção 1.3.2 – que mostra que, em ambiente não
cooperativo, a federação como um todo perde pelo fato da arrecadação global
83
diminuir, mesmo que alguns estados possam ter ganhos isolados. Só há duas
opções possíveis de ganho federativo: quando a competição atrai um investimento
externo que não viria para o país ou faz com que permaneça no país um
investimento nacional que iria para o exterior (caso 3 da simulação). No entanto,
essas alternativas, embora factíveis, parecem não representarem o que ocorre no
caso brasileiro. Em geral, o capital estrangeiro primeiramente anuncia seu
investimento no País para depois participar do leilão estadual de benefícios fiscais.
Por outro lado, não é usual a realização de guerra fiscal para bloquear a saída de
um investimento nacional rumo ao mercado externo. Portanto, seria possível afirmar
que, na maioria dos casos ocorridos no Brasil, a federação tem seu bem-estar
diminuído pela CTH.
2. Do ponto de vista do estado A, ele geralmente perde caso não tome nenhuma
medida competitiva para barrar a efetividade da ação do estado B89. Essa
conclusão implica que a guerra fiscal não se extingue sozinha, pois se um estado a
inicia, o outro tem incentivo para também ter atitude competitiva. É por isso que a
CTH se espalhou por grande parte dos estados brasileiros. Mais do que isso, se A
entra no jogo, ele tem condições de aumentar seu bem-estar em relação à situação
com CTH quando somente B tem ação competitiva. Logicamente, seu bem-estar
fica menor do que na situação sem CTH, pois ele teve que renunciar a parte de sua
arrecadação, mas é o melhor a fazer depois que B agiu competitivamente.
3. Do ponto de vista do estado B, a situação pode se alterar de acordo com o regime
de tributação. Nos casos 1 e 2, o estado B ganha com o regime da origem e perde
com o de destino, comprovando a idéia de que esse último regime não incentiva a
competição tributária. Ademais, para as hipóteses adotadas, pode-se afirmar que
ele ganha nas situações onde a federação e o estado A também ganham, e perde
quando concede o incentivo fiscal à empresa que já iria se instalar em sua
jurisdição. Esse último caso é lógico, pois ele já teria o investimento de qualquer
forma arrecadando à alíquota normal interna. Mas, como entra acredita no blefe do
empresário, acaba deixando que o capital privado pague menos imposto.
Vale ressaltar que esse não é um caso hipotético, pois vem acontecendo com
muitos estados brasileiros. Nas palavras de Varsano (1996), “há os que insistem em
participar de verdadeiros leilões promovidos por empresas que já decidiram instalar
novos estabelecimentos no país. Em alguns casos, até mesmo o estado de
localização já foi escolhido, e o leilão nada mais é que um instrumento para forçar a
unidade a conceder vantagens adicionais”. Os demais casos (atração de
investimentos já instalados ou de novos investimentos em A) alteram-se de acordo
com as hipóteses adotadas, podendo significar ganhos ou perdas para o estado B.
Portanto, engana-se quem pensa que o estado competidor nunca perde. Aliás, se
ele concede isenção total do imposto (alíquota competitiva zero), ele sempre sai
89
As exceções a esse resultado são os casos já relatados no item anterior, pois o consumo de A
aumentaria com o investimento adicional vindo para o Brasil. Além desses, há casos onde a situação se
mantém constante, isto é não há ganho nem perda. Verifica-se que isso ocorre no regime de destino
(casos 1 e 2), pois a arrecadação é função do consumo estadual e não da produção.
84
perdendo (pelo menos em uma perspectiva estática), pois não arrecada nada e não
coloca bens públicos à disposição de sua sociedade, diminuindo seu bem-estar
atual. Assim, é extremamente necessário que cada estado tenha consciência das
reais implicações da CTH e que tentem mensurar seus impactos sobre a sociedade,
pois facilmente podem se enganar, acabando numa situação pior quando pensam
que estão contribuindo para a melhoria do bem-estar de seus cidadãos.
4. Do ponto de vista do capital privado, sempre há ganho em relação à situação sem
CTH. Considerando que seu bem-estar é o faturamento líquido, isto é, seu valor
agregado (digamos que o preço é unitário) menos o imposto a pagar, ele sempre
fatura mais com a CTH. Desse modo, conclui-se que, numa CTH, o agente que está
em melhor posição é o empresário, pois pode negociar com ambos os lados, força a
existência de um leilão e tem condições de blefar. É bom deixar claro que em
nenhum momento queremos afirmar que essas são atitudes erradas por parte do
empresário. Pelo contrário, se a legislação permite e o governo incentiva, é legítimo
que o empresário busque diminuir seus custos tributários. É, sim, papel do governo
zelar pelo patrimônio público e bem-estar social, não entregando, quando não tem
motivos claros ou não tem idéia de suas implicações, recursos públicos para a
iniciativa privada, seja ela nacional ou estrangeira.
•
Considerações sobre a Exportação de Tributos (A Questão da Origem e
do Destino)
Conforme ficou demonstrado pela análise do Modelo de Gordon, no primeiro
capítulo desta dissertação, a exportação de tributos é uma das externalidades geradas
pela competição tributária. Essa ineficiência consiste no fato de que os não-residentes
pagam os tributos dos residentes e está intimamente ligada à questão da tributação na
origem ou no destino. Esse é um tópico há longo tempo debatido tanto pelos
economistas acadêmicos quanto governamentais e sua análise já está plenamente
sedimentada. De fato, conforme colocado por Gordon, caso seu modelo se baseasse
no regime do destino, as equações dos casos coordenado e não-coordenado seriam
idênticas para o Termo 1, sugerindo a correção da ineficiência. Assim, não resta dúvida
que a tributação no destino seria economicamente mais eficiente e socialmente mais
justa, pois cada estado estaria arrecadando baseado no seu consumo, e não em sua
produção. Além disso, o regime do destino praticamente acabaria com o incentivo à
competição tributária. No entanto, apesar de ser uma boa solução teórica, a tributação
no destino apresenta uma série de complicações em sua aplicação prática,
especialmente relacionadas ao custo de controle do sistema, que tem inviabilizado sua
adoção. Mesmo na União Européia, o regime de tributação do IVA Intracomunitário tem
gerado grandes debates e disputas nos últimos anos. Quanto ao Brasil, a questão da
controvérsia entre o sistema da origem e do destino já foi devidamente analisada na
seção 3.3.1 deste capítulo.
Portanto, dada a extrema importância dessa questão para a eliminação da CTH
brasileira, a pergunta que se coloca é por que o sistema de destino ainda não foi
implantado no ICMS. A resposta é clara: além de todas as dificuldades práticas de sua
adoção (em especial, os controles para evitar o aumento da sonegação na fronteira),
85
os estados mais ricos perderiam expressiva arrecadação, o que demandaria um fundo
de compensações, assunto sempre extremamente complicado e conflituoso na
federação brasileira. Um exemplo preciso dessa situação ocorre neste exato momento,
dezembro de 1998, quando a proposta de reforma tributária do Ministério da Fazenda
que propunha a criação de um IVA federal no destino foi substituída por outra que
mantém o ICMS na origem por mais quatro anos, com um regime de transição para o
destino em oito anos. Fica visível a dificuldade política de se resolver problemas
críticos da federação, quando interesses individuais estão em jogo. Como a tributação
sempre significa um pacto social e federativo que, na grande parte das vezes, não tem
como atender simultaneamente a todos os interesses, a opção é sempre a de manter a
situação inalterada, mesmo que isso signifique permanecer com um sistema tributário
cheio de distorções e ineficiências.
Apesar da grande importância do tema, o Brasil não conta com estimativas do
impacto sobre as finanças estaduais da mudança do regime da origem para o destino.
Isso porque nem mesmo a fonte primária de dados, a balança comercial interestadual,
não é computada no País há alguns anos. Recentemente, a Comissão Técnica
Permanente do ICMS (COTEPE) processou as informações de alguns estados, o que
nos permite apenas ter uma idéia parcial da estrutura das transações comerciais
interestaduais. Outro problema crítico é a inexistência de dados sobre o consumo
estadual nas estatísticas oficiais brasileiras (anuário estatístico do Brasil, divulgado
pelo IBGE). Desse modo, o máximo que se pode fazer, atualmente, são estimativas
preliminares sobre uma eventual transição da origem para o destino, mais para mostrar
os possíveis estados ganhadores e perdedores do que para estimar, efetivamente, o
montante envolvido nessas perdas e ganhos. Assim, a seguir, apresentaremos duas
estimativas que buscam sinalizar os impactos dessa transição.
A primeira delas baseia-se em calcular a arrecadação de cada estado sobre a
sua base de consumo (ao invés da produção). Por não existirem dados sobre o
consumo, utilizaremos uma “proxy”, utilizando o consumo de energia elétrica
residencial e comercial do estado. Na realidade, construiremos um índice que será a
média do consumo de energia elétrica e do PIB estadual (multiplicado pela propensão
marginal a consumir)90. Esse índice, que permitirá distribuir a arrecadação total do
ICMS pelos diversos estados, encontra-se na primeira coluna da Tabela 3.11. Essa
distribuição, que intitularemos “ICMS estimado”, indica qual seria a arrecadação
estadual caso o imposto incidisse sobre o consumo. Comparando essa “arrecadação
sobre o consumo” com a arrecadação atual do ICMS de cada estado, temos uma
estimativa do volume de receita a ser obtido ou perdido pelos estados. De acordo com
essa metodologia, os estados que sofreriam perdas seriam Amazonas, Ceará, Paraíba,
Goiás, Mato Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina.
90
A metodologia de cálculo desse índice é a seguinte: toma-se a participação relativa de cada estado no
consumo de energia elétrica (A); a partir da renda per capita estadual, estima-se qual o volume
destinado ao consumo mediante a construção de um redutor (que, na realidade, é a propensão marginal
a poupar); essa propensão foi estimada como sendo de 20% para o estado de maior renda per capita e
de 0% para o estado de menor renda per capita; em seguida, o PIB estadual é diminuído desse redutor,
indicando a parcela do produto que é consumida; depois, calcula-se a participação relativa estadual
nesse “PIB corrigido” (B); por último, a média entre A e B fornece o índice desejado.
86
A segunda estimativa é baseada em trabalho intitulado “Operações
Interestaduais com Mercadorias e Serviços no Brasil”, de Pedrosa (1998), que utiliza as
informações da COTEPE sobre 14 estados e o DF para elaborar uma matriz de
transações interestaduais com mercadorias e serviços, relativamente ao ano de 1996.
A partir desses dados, o autor fornece o valor das saídas e entradas de todos os
estados da federação91, possibilitando, assim, determinar quais deles são
superavitários ou deficitários em suas relações comerciais. Desse modo, torna-se
possível ter uma indicação daqueles estados que perderiam com a transição do regime
da origem para o destino, pois, em geral, pode-se dizer que os estados exportadores
beneficiam-se com o regime atual, em detrimento dos estados importadores. O
resultado encontrado pelo autor é o seguinte: “Consideradas todas as Unidades (saldo
das transações tributadas), foram superavitárias: Alagoas, Amazonas, Espírito Santo,
Minas Gerais, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São
Paulo (9 das 27). As demais apresentaram-se deficitárias (18 das 27)”. Os valores de
entrada e saída de mercadorias e prestações de serviços (base de cálculo do ICMS)
encontrados por Pedrosa (1998) constam da Tabela 3.11. A partir desses dados,
verifica-se que quase todos os estados das regiões Sul e Sudeste são superavitários
(com exceção do Paraná), mas que os grandes exportadores são, efetivamente, Rio de
Janeiro e São Paulo. Por outro lado, apesar de Alagoas entrar na lista dos
superavitários, pode-se considerar o estado como em equilíbrio, pois a diferença entre
saídas e entradas é mínima.
TABELA 3.11
ESTIMATIVA DO IMPACTO DA MUDANÇA DO REGIME DA ORIGEM PARA O DESTINO
R$ milhões
91
Os dados sobre os estados que não forneceram os dados foram obtidos a partir da informação dos
estados que os forneceram. Conforme citado pelo autor, “a matriz utiliza as informações de saídas dos
Estados para os quais se dispõe de dados para suprir as lacunas dos Estados que não informaram suas
entradas e saídas”.
87
METODOLOGIA 1
Índice
ICMS estimado ICMS Efetivo
REGIÃO NORTE
4,46%
2.656,46
2.678
Acre
0,17%
102,80
51
Amapá
0,13%
77,37
55
Amazonas
1,15%
683,51
1.235
Pará
2,02%
1.202,32
770
Rondônia
0,61%
361,07
358
Roraima
0,09%
54,69
53
Tocantins
0,29%
174,69
156
REGIÃO NORDESTE
13,89%
8.273,84
7.833
Alagoas
0,73%
434,20
376
Bahia
4,67%
2.780,73
2.572
Ceará
1,99%
1.187,81
1.254
Maranhão
1,06%
633,58
397
Paraíba
0,72%
427,34
491
Pernambuco
2,76%
1.642,68
1.611
Piauí
0,53%
313,27
306
Rio Grande do Norte
0,80%
473,83
459
Sergipe
0,64%
380,39
367
REGIÃO CENTRO-OESTE
7,64%
4.548,64
4.124
Distrito Federal
2,11%
1.258,28
905
Goiás
2,52%
1.500,85
1.588
Mato Grosso
1,42%
845,39
957
Mato Grosso do Sul
1,58%
944,12
675
REGIÃO SUDESTE
57,25%
34.104,04
36.061
Espírito Santo
1,76%
1.050,74
1.661
Minas Gerais
9,00%
5.362,62
5.642
Rio de Janeiro
13,24%
7.887,90
5.239
São Paulo
33,24%
19.802,79
23.519
REGIÃO SUL
16,77%
9.991,82
8.879
Paraná
6,28%
3.739,01
2.839
Rio Grande do Sul
7,18%
4.277,55
4.007
Santa Catarina
3,32%
1.975,26
2.033
BRASIL
100,00%
59.574,80
59.575
ESTADO
Diferença
(21,86)
51,47
22,50
(551,33)
432,35
3,28
1,35
18,51
441,28
58,09
208,65
(66,44)
236,85
(63,86)
31,67
7,75
14,92
13,66
424,56
353,14
(86,75)
(111,44)
269,61
(1.956,78)
(610,20)
(279,03)
2.648,72
(3.716,28)
1.112,80
899,99
270,98
(58,17)
0,00
METODOLOGIA 2
Entradas
Saídas
Diferença
5.645,80
9.159,60
(3.513,80)
414,70
66,40
348,30
190,10
104,80
85,30
1.341,60
7.956,20
(6.614,60)
2.354,00
558,20
1.795,80
725,10
295,40
429,70
288,60
39,00
249,60
331,70
139,60
192,10
22.609,20
14.004,10
8.605,10
746,30
756,70
(10,40)
5.058,60
4.941,80
116,80
5.493,80
1.612,90
3.880,90
1.904,60
305,80
1.598,80
1.418,90
1.082,80
336,10
3.803,10
3.502,70
300,40
489,50
406,70
82,80
2.530,50
737,60
1.792,90
1.163,90
657,10
506,80
16.492,00
9.232,80
7.259,20
3.550,00
1.204,50
2.345,50
8.336,50
4.041,10
4.295,40
1.122,30
2.191,80
(1.069,50)
3.483,20
1.795,40
1.687,80
78.314,70
155.883,40
(77.568,70)
3.284,80
4.905,70
(1.620,90)
13.985,60
23.968,20
(9.982,60)
14.096,10
44.400,70
(30.304,60)
46.948,20
82.608,80
(35.660,60)
37.318,50
41.212,80
(3.894,30)
14.914,50
11.982,90
2.931,60
12.457,30
16.105,30
(3.648,00)
9.946,70
13.124,60
(3.177,90)
160.380,20
229.492,70
(69.112,50)
Fonte: COTEPE, Pedrosa (1988) e cálculos da autora
Para
a
tese.xls, planilha plan2, à direita
Portanto, considerando-se ambas as metodologias apresentadas acima, cada
uma delas estimou que 9 estados são exportadores, sendo que há uma coincidência de
6 estados, que podem ser considerados, de fato, os prováveis perdedores com a
transição do regime de origem para destino: Amazonas, Mato Grosso, Espírito Santo,
Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. Além disso, dos estados não coincidentes,
a maioria apresentou valores pequenos em relação aos estados mencionados acima,
podendo ser, inclusive, desprezados, como é o caso de Alagoas. O único estado que
merece maior detalhamento é o Rio de Janeiro, que aparece em uma estimativa como
sendo deficitário e na outra como superavitário, em ambas com valores relevantes. Isso
pode ser devido a vários fatores, inclusive a uma arrecadação tributária efetiva, em
1997, abaixo do potencial do estado.
•
Considerações sobre a Distribuição de Renda
O Modelo de Gordon refere-se ao impacto do processo competitivo sobre a
distribuição de renda, na medida em que indivíduos pobres e ricos são afetados de
88
maneira distinta pela competição tributária92. A aplicação desse conceito, em nível
individual, para o caso da CTH do ICMS seria tarefa extremamente complexa, o que
fugiria ao escopo desta dissertação. No entanto, é possível realizarmos uma análise
bastante interessante sobre o impacto da CTH em nível estadual, segregando as
unidades federativas em estados pobres ou ricos.
O primeiro ponto a notar é que, em geral, os estados pobres estarão em
desvantagem em um processo competitivo e, portanto, tendem a perder relativamente
aos estados ricos. Isso ocorre por uma razão muito simples: sai muito mais caro para
um estado pobre manter-se na disputa por atração de investimento. Um estado pobre
dispõe de níveis de infra-estrutura e mão-de-obra inferiores a de um estado rico, o que
faz com que sua “compensação tributária” tenha que ser muito alta para que o capital
privado se desloque em sua direção. Assim, com menor renúncia tributária,
especialmente quando comparada proporcionalmente à arrecadação estadual, o
estado rico mantém o capital privado em seu território. Se o estado pobre quiser
continuar na “briga”, colocará em risco seu equilíbrio fiscal muito mais rapidamente que
o rico. No entanto, o estado rico tem um sério problema porque, como possui maior
infra-estrutura montada, é possível que as empresas já instaladas peçam equiparação
de tratamento tributário, o que significaria estender as renúncias ficais para número
significativo de contribuintes, o que também é arriscado para as finanças públicas
estaduais.
No caso brasileiro, não há duvidas que o “estado rico” é São Paulo, que tem
tentado se manter à distância da CTH, justamente pelo motivo acima relatado. Nesse
sentido, afirma-se que São Paulo é o grande perdedor da guerra fiscal do ICMS. Por
outro lado, não restam dúvidas que, sendo o maior pólo exportador da federação, São
Paulo beneficia-se largamente com o regime misto de apropriação de receitas. Essa é
uma situação paradoxal para o estado, pois justamente o regime que o beneficia gera
incentivos para que outros estados pratiquem a CTH que o prejudica. Dessa forma,
estando entre “a cruz e a espada”, São Paulo não tem apoiado as últimas iniciativas de
Reforma Tributária que buscam implantar o regime do destino no ICMS e, ao mesmo
tempo, para evitar que a guerra fiscal continue, tenta impedi-la mediante
questionamentos legais. Afinal, bastaria que a legislação fosse efetivamente cumprida,
isto é, que as isenções só pudessem valer se aprovadas por unanimidade no CONFAZ,
para que a CTH e suas conseqüências sobre São Paulo se extinguissem.
No entanto, realizando uma análise mais ampla da federação brasileira,
podemos considerar que o estado A, o mais rico, é formado pelas regiões Sul e
Sudeste, enquanto que B, o mais pobre, é representado pelo Norte, Nordeste e CentroOeste93. Considerando essa divisão, seria difícil afirmar que o estado B estaria em
franca vantagem competitiva. De fato, o que percebemos é que o capital privado,
apesar de ser influenciado pelas vantagens fiscais, não deixa de considerar outros
aspectos na hora de decidir sua localização. De acordo com trabalho da CNI/CEPAL,
apresentado no estudo de Cavalcanti e Prado (1988) e aqui reproduzido na tabela 3.12,
92
93
Ver capítulo 1, seção 1.2 para maiores detalhes.
Essa segregação foi feita pelo critério de renda per capita.
89
a proximidade do mercado é tão importante quanto os benefícios fiscais na escolha do
local de instalação de uma empresa. Assim, a grosso modo, os estados que têm
conseguido desviar os investimentos de São Paulo são aqueles também localizados
em nosso “estado A”, pois é onde está concentrado o mercado consumidor brasileiro.
De fato, os grandes investimentos que têm saído do (ou não têm se direcionado ao)
estado de São Paulo, estão indo para estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul, por exemplo. A maioria desses (ou sua totalidade)
não pode ser considerada como estados pobres; muito pelo contrário, são estados
ricos frente à realidade brasileira. Nesse sentido, Varsano (1996) afirma que “os
vencedores das guerras fiscais são, em geral, os estados de maior capacidade
financeira, que vêm a ser os mais desenvolvidos, com maiores mercados e melhor
infra-estrutura”, e ainda “Com o passar do tempo, as renúncias fiscais se avolumam e
os estados de menor poder financeiro perdem a capacidade de prover os serviços e a
infra-estrutura de que as empresas necessitam para produzir e escoar a produção. As
batalhas da guerra fiscal passam a ser vencidas somente pelos de maior poder
financeiro, que são também os que têm acesso mais fácil a crédito”.
TABELA 3.12
RAZÕES DA INSTALAÇÃO DE PLANTAS PRODUTIVAS EM OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO
RAZÕES
Benefícios fiscais
Proximidade do mercado
Custo da mão-de-obra
Vantagens
locacionais
específicas
Sindicalismo atuante na região
Saturação espacial
% DAS RESPOSTAS RELEVANTES
57,3
57,3
41,5
39,0
24,4
14,6
Fonte: Cavalcanti e Prado (1998)
Além disso, quando comparamos dados relativos aos investimentos
direcionados às regiões Sul e Sudeste, com aqueles destinados ao Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, percebemos como as regiões mais pobres têm que oferecer muito mais
benefícios para receber um volume bem menor de investimento. Isso fica claro quando
analisamos a atual questão do setor automotivo no Brasil. Segundo Cavalcanti e Prado
(1998), “A MP do setor automotivo, como é sabido, incluía originalmente incentivos
fiscais para a implantação de empresas no país. Quando da sua reedição, a bancada
dos estados menos desenvolvidos exigiu a introdução de incentivos diferenciados para
suas regiões, o que altera substancialmente o seu alcance. Ela passou a contemplar
um vultoso elenco de incentivos diferenciais para empresas que decidissem localizar
suas plantas naqueles estados”. De fato, segundo dados dos citados autores, os
investimentos nas regiões Sul e Sudeste estão previstos em R$ 55 bilhões, o que
significa uma média de R$ 391 milhões por investimento, enquanto que para as regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste esse valor é da ordem de R$ 3,3 bilhões, com uma
média de R$ 132 milhões por investimento. Dessa forma, os estados menos
90
desenvolvidos acabam por renunciar um significativo volume de receitas para atrair um
investimento médio inferior ao dos estados ricos.
Portanto, é necessário que os governos atentem para as possíveis
conseqüências da CTH sobre a distribuição da renda nacional e verifiquem o quanto
está sendo necessário renunciar em troca da atração de investimentos. É possível que
haja casos de ganhos para os estados mais pobres, tanto em termos de bem-estar
como de renda, mas os governos devem estar conscientes que também há
possibilidades de ocorrerem perdas, perdas essas que estarão ocultadas, em um
primeiro momento, pelas vantagens econômicas e políticas de aumento do parque
industrial e de geração de empregos.
•
Considerações sobre o Congestionamento
Outra provável conseqüência da CTH é gerar algum reflexo sobre o
congestionamento de alguns estados, o que é reportado por Gordon em seu Termo 394.
No Brasil, esse efeito tem ocorrido, especialmente no estado de São Paulo, à medida
que alguns investimentos têm se deslocado para estados vizinhos, sobretudo no que
se refere ao setor automotivo. No entanto, outros deslocamentos de empresas têm
ocorrido, sobretudo em setores mais intensivos em mão-de-obra, onde a saída de São
Paulo tende a baratear o custo com pessoal e sindicatos. Por exemplo, de acordo com
Cavalcanti e Prado (1998), o governo de Minas Gerais procedeu a levantamentos
estatísticos que indicam que, entre 1995 e 1998, aproximadamente 50 empresas do
setor têxtil foram atraídas para o estado, levando um investimento total de cerca de R$
300 milhões. Dessas empresas, a grande maioria deslocou-se de São Paulo para o sul
mineiro.
No entanto, como já mencionado anteriormente, há muito poucas estatísticas
sobre a CTH e suas conseqüências, e portanto, não há dados confiáveis do volume e
impacto desses deslocamentos produtivos sobre São Paulo e sobre o estado
competidor. Certamente que existe hoje, no País, uma tendência rumo à interiorização,
isto é, a fuga das grandes capitais, por vários problemas que elas apresentam, como
trânsito, violência e mesmo sindicatos mais fortes e organizados. Dessa forma, a CTH
pode estar contribuindo para minorar esses altos custos gerados pela aglomeração de
cidades como São Paulo e esse tem sido apontado, muitas vezes, como um efeito
positivo da guerra fiscal. De fato, há uma forte corrente cuja opinião pode ser
sintetizada no seguinte argumento sobre a guerra fiscal95: “A guerra fiscal interna tem
feito muito bem ao Brasil, ajudando a desconcentrar o desenvolvimento. Não há nada
melhor, por exemplo, do que constatar que algumas regiões do Nordeste estão
crescendo a 7% ao ano”. É lógico que também não há nada que possa nos fazer
afirmar que o crescimento econômico do Nordeste está tão relacionado assim ao
processo competitivo, mas não restam dúvidas que existe um efeito-deslocamento de
94
O Termo 3 do Modelo de Gordon refere-se ao efeito congestionamento e encontra-se analisado na
seção 1.2.2.
95
Afirmação do empresário L. R. Furlan, retirada do jornal Gazeta Mercantil, de 03/12/98, de matéria
intitulada “Guerra fiscal tem sido útil, diz Furlan”.
91
São Paulo rumo a outras regiões. Portanto, é possível que a CTH tenha um impacto
positivo sobre a enorme concentração industrial brasileira, contribuindo para a melhoria
do padrão de vida nas grandes cidades e para o ganho de eficiência empresarial, que
pode ter seus custos com segurança e com a produtividade da mão-de-obra diminuídos
ao fugir dos grandes congestionamentos urbanos do País.
•
Considerações sobre a Arrecadação Tributária
A CTH também pode gerar impactos sobre a arrecadação de tributos, pois o
processo competitivo leva à diminuição ou à isenção do imposto devido pelos
contribuintes. Entretanto, essa questão e seus efeitos sobre as finanças estaduais
ainda estão longe de serem pacificadas e efetivamente mensuradas na federação
brasileira. De fato, recorrendo ao nosso modelo de simulação, percebemos que, em
geral, similarmente ao caso da análise do bem-estar, a federação como um todo sai
perdendo em termos de arrecadação global. Portanto, muito provavelmente, a
arrecadação nacional do ICMS deve estar abaixo do seu potencial. De fato, de acordo
com a tabela 2 do Apêndice IV, a arrecadação do ICMS atingiu, em 1997, 6,87% do
PIB, isto é, o mesmo patamar de 1991. Além disso, esse imposto teve sua participação
relativa diminuída de 27,93%, em 1991, para 24,72% em 1997. Desse modo,
verificamos que as receitas advindas desse imposto estão estagnadas, enquanto
existem pelo menos duas razões para que elas tivessem aumentado: a recuperação do
nível de consumo no período pós-real e o esforço fiscal das administrações tributárias
estaduais (que estão, em sua grande maioria, desenvolvendo projetos de
modernização - especialmente junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Logicamente, esses dados são meramente indicativos, mas, na falta de estimativas
confiáveis a respeito do impacto da CTH sobre a arrecadação do ICMS, podem
representar uma linha de investigação sobre o assunto.
Analisando a questão pela ótica do estado B, o argumento mais utilizado pelos
estados brasileiros é que a CTH não deve gerar perdas de receitas (para o próprio
estado), pois a competição geralmente tem sido utilizada para atrair investimentos que,
em sua ausência, não seriam destinados ao estado. Aliás, argumento muito
semelhante vem sendo tradicionalmente utilizado pela Zona Franca de Manaus para
justificar seus incentivos. Assim, a arrecadação atual estaria mantida, enquanto se
concede um benefício tributário na expectativa de aumentar as receitas futuras. Sem
dúvida, esse é um raciocínio legítimo por parte do estado B, especialmente se estiver
vinculado ao regime de origem, mas que desconsidera totalmente a questão federativa
do País, pois o estado não está internalizando o custo imposto às demais unidades da
federação. Quanto ao estado A, ele deve, a princípio, sair prejudicado, pois perde o
investimento que estava instalado em sua jurisdição. De acordo com Cavalcanti e
Prado (1998), referindo-se a São Paulo, “Estimativas divulgadas na imprensa pela
Secretaria da Fazenda, em 1995, davam conta de que, no ano de 1994, essas perdas
totalizariam, aproximadamente, 12% da arrecadação total, representando R$ 1,9
bilhão”. A partir desses números, percebe-se que o custo da CTH pode estar sendo
mais alto do que se imagina, especialmente para São Paulo, mas que, logicamente,
tem reflexos na federação como um todo.
92
•
Efeito sobre os Custos Públicos
Quanto aos impactos da CTH sobre as despesas estaduais, vale acrescentar
uma breve consideração a tudo o que já foi dito até aqui. É de conhecimento comum
que a guerra fiscal não se trava apenas no campo tributário, mas também no
financeiro, geralmente com ampla participação de bancos estaduais de
desenvolvimento e de empresas estatais. Isso repercute sobre os custos públicos
estaduais, pois o estado acaba financiando gastos com infra-estrutura ou concedendo
os mais diversos benefícios, como terrenos e isenção de taxas públicas. Os exemplos
desses gastos são pródigos na guerra fiscal brasileira, sobretudo no que se refere aos
investimentos do setor automotivo: doação de 3 milhões de m2 de terrenos à Mercedes
Benz por Minas Gerais; isenção do IPTU e do ISS da Volkswagen pelo Rio de Janeiro,
além do diferimento do seu ICMS por cinco anos; participação de 40% no capital da
Renault pelo Paraná e redução em 25% da taxa de energia elétrica a ser paga pela
empresa, dentre tantos outros exemplos. Portanto, deve-se discutir, em primeiro lugar,
qual a prioridade desse gasto para a população, pois são recursos que beneficiam
agentes econômicos específicos quando existem serviços públicos essenciais não
sendo fornecidos satisfatoriamente à população e, em segundo lugar, qual sua fonte de
financiamento. Dado que a maioria dos estados encontra-se em situação financeira
insolvente, provavelmente o estado está se endividando para conceder esses
benefícios, deslocando receitas que poderiam ser melhor aplicadas em outras
finalidades ou aumentando impostos e taxas de outros segmentos sociais.
3.4 - CONCLUSÃO
O presente capítulo dedicou-se ao estudo da competição tributária no Brasil,
identificando os fatores estruturais e conjunturais que justificam sua origem e seu
acirramento ao longo dos últimos anos. Na primeira categoria incluem-se a falta de
solidez da estrutura federativa, o desenho do sistema tributário nacional e a
inexistência de uma política industrial efetiva, dentre outros. Os fatores conjunturais
estão relacionados à retomada do fluxo de investimentos estrangeiros e ao crescimento
econômico nesta década de 90, além da situação de crise financeira estadual. Assim, a
confluência de todos esses fatores colaborou para o surgimento e o agravamento do
processo competitivo tributário dentro da federação brasileira. Esse processo pode ser
classificado em dois tipos: a competição tributária vertical, que ocorre entre a União e
os governos subnacionais, e a competição tributária horizontal, que se desenvolve
entre os governos de mesmo nível hierárquico.
Indubitavelmente, ambos os tipos de competição tributária trazem ineficiências à
economia nacional, pois as ações dos governos competitivos produzem externalidades
sobre toda a federação, sem haver qualquer tipo de compensação àqueles governos
que sofrem perdas com o processo. No entanto, apesar de ser amplamente
reconhecido que a “guerra fiscal” tem importado custos à federação brasileira, não há
estimativas confiáveis sobre sua dimensão e seus ganhadores ou perdedores efetivos,
até mesmo porque todo o processo competitivo tem se desenvolvido à margem da lei.
Mais que isso, não se tem observado a vontade política necessária para estancar ou
reverter a competição tributária, já que o processo atinge estados ricos e pobres de
93
maneira distinta. Essa é uma situação preocupante, pois o País não pode continuar
convivendo com uma situação competitiva a longo prazo, que pode comprometer a
própria solidez do federalismo brasileiro, sem possuir uma estimativa confiável do
custo-benefício que está sendo incorrido.
CONCLUSÃO
A presente dissertação objetivou estudar a competição tributária, definida como
uma ação realizada por um governo que, mediante a utilização de mecanismos de
natureza tributária, influencia as finanças públicas e o bem-estar dos cidadãos de
outros governos. De acordo com Mintz e Tulkens (1986), existe a ocorrência de um
processo competitivo quando as decisões fiscais de um governo afetam as receitas
tributárias de outros governos. Tipicamente, mediante a alteração de suas alíquotas
relativamente às alíquotas de outras jurisdições, cada governo tem a habilidade de
modificar sua base tributária às custas (ou ao benefício) de seus vizinhos.
Nesse sentido, a análise da teoria econômica, realizada no primeiro capítulo
desta dissertação, mostrou que a competição tributária deve ser entendida como uma
externalidade. Dessa forma, a grande maioria dos recentes trabalhos teóricos
demonstra que o resultado do processo competitivo interjurisdicional é ineficiente,
posição essa contrária ao tradicional modelo de Tiebout (1956). Isso porque esse
processo, quando operado em ambiente não-cooperativo, diminui a arrecadação
tributária total dos governos nela envolvidos e, em decorrência, o nível dos bens e
serviços públicos colocados à disposição da população também é reduzido. Desse
modo, mesmo que cada governo, per si, esteja agindo em prol de seus cidadãos,
nenhum estará se preocupando com os benefícios ou malefícios que impõe sobre os
cidadãos de outros governos e, assim, o equilíbrio econômico será ineficiente. Esses
efeitos externos ficaram bastante claros mediante o estudo do modelo de Gordon
(1983), que identificou seis tipos distintos de impactos da ação competitiva de um
governo sobre os demais: exportação de tributos, efeitos distributivos,
congestionamento, efeitos indiretos sobre a arrecadação tributária, alteração dos
custos públicos e efeitos sobre os termos de troca.
Assim, constatada a ineficiência do equilíbrio não-cooperativo pela teoria
econômica, este trabalho buscou identificar quais seus reais impactos sobre a
governabilidade de estados ou países, o que foi realizado no segundo capítulo da
dissertação. Demonstrou-se que, de fato, a tributação exerce influência sobre a tomada
de decisão dos agentes econômicos. Isso porque, com a crescente mobilidade dos
fatores de produção, o componente tributário tem sido cada vez mais considerado
como um fator relevante para a minimização dos custos dos negócios. Desse modo, os
governos passam a utilizar os sistemas tributários não apenas como fonte de
financiamento de suas atividades, mas como instrumento de atração de capital ou mãode-obra qualificada. Quanto aos agentes privados, eles acabam por forçar uma espécie
de “leilão tributário”, negociando com cada governo níveis favorecidos de tributação
efetiva. Em decorrência, a competição tributária tornou-se fato consumado nas
94
economias globalizadas, assumindo importância não só para os países federativos,
mas também para todos aqueles que participam ativamente das relações
internacionais. Sem dúvida, a crescente facilidade que algumas jurisdições detêm para
“roubar” a base tributária de seus vizinhos já está sendo considerada um fenômeno de
degradação tributária e pode estar implicando o esgotamento do atual modelo de
sistemas tributários.
Dadas a importância e a gravidade que o fenômeno competitivo tem assumido
para a maioria dos governos mundiais, tornou-se urgente a discussão de soluções que
possam coibir, ou ao menos minimizar, seus efeitos nocivos. O segundo capítulo desta
dissertação também se dedicou a esse assunto, dando especial atenção às soluções
que estão sendo efetivamente discutidas nos principais foros internacionais. Em geral,
pode-se afirmar que a tendência atual é partir para soluções que se baseiem na
cooperação multilateral entre os governos envolvidos, posto que a competição
tributária, obviamente, é um problema que dificilmente seria resolvido mediante ações
unilaterais. Dentre as possíveis soluções discutidas, destacam-se a criação de
instituições que zelem pela prática tributária competitiva saudável (a exemplo do papel
que a Organização Mundial do Comércio - OMC desempenha para as relações
comerciais internacionais), a adesão dos países ao Informe da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE (que busca definir, de forma
clara, Paraíso Fiscal e Área de Regime Tributário Preferencial, fornecendo
recomendações a serem seguidas pelos países-membros e não-membros no sentido
de combater a competição tributária nociva) e, por fim, a harmonização tributária.
Indubitavelmente, a harmonização tributária, muitas vezes entendida como o
antônimo do processo competitivo, é a solução que tem despertado maior interesse da
academia e dos diversos governos, sobretudo os da União Européia. Apesar disso,
pode-se afirmar que a teoria econômica ainda encontra-se em estágio incipiente em
relação ao assunto e as tentativas práticas de harmonização têm sido frustradas ao
longo dos últimos anos. De fato, o próprio conceito de harmonização tributária tem
gerado controvérsias, pois alguns a consideram como uma equalização total de
alíquotas, enquanto outros a vêem apenas como uma convergência dos sistemas
tributários rumo a estruturas semelhantes. No entanto, pode-se dizer que há certo
consenso quanto ao seu objetivo primordial, que é o impedimento da proliferação da
prática competitiva entre os governos, evitando a corrosão de suas receitas tributárias.
Nesse sentido, a harmonização poderia ser considerada como um acordo político
intergovernamental, e pode ser criticada por ter a possibilidade de se tornar um cartel
de governos contra os contribuintes, já que se todos os governos, conjuntamente,
fossem decidir um nível de tributação, certamente não teriam nenhum incentivo em
escolher o nível mínimo. Assim, estabelece-se um trade-off entre a competição e a
harmonização tributárias que, de certa forma, faz ressurgir um outro debate tradicional
da teoria econômica: o da tributação uniforme, ou harmonizada, e da tributação ótima.
Na prática, segundo a opinião de Frey e Eichenberger (1996), haverá uma combinação
entre uma harmonização oficial e um certo grau (não oficial) de competição entre as
jurisdições, já que sempre existirão incentivos para que os contribuintes evadam
impostos e os governos desviem-se do “cartel da harmonização”.
95
Após essa ampla análise do processo competitivo, de seus impactos e suas
possíveis soluções, esta dissertação procurou aplicar os conceitos e constatações
estudados em seus dois primeiros capítulos à realidade tributária do Brasil. Assim, o
terceiro e último capítulo foi dedicado à análise da competição tributária na federação
brasileira, buscando contribuir para o estudo do tema no País. Para isso, procurou-se
realizar uma apresentação metódica do sistema tributário nacional e das origens e
características do nosso processo competitivo intergovernamental. Buscou-se, sempre
que possível, ilustrar as análises com dados quantitativos, simulações ou constatações
históricas. No entanto, vale mencionar que a falta de dados e informações oficiais
sobre o assunto restringiu, sobremaneira, o alcance das análises aqui realizadas.
A análise iniciou-se pelo estudo dos antecedentes e das principais motivações
da competição tributária brasileira. Uma retrospectiva histórica mostra que o atual
processo competitivo é produto de uma paulatina deterioração da estrutura tributária do
País, reflexo das próprias crises econômicas que o Brasil tem convivido nas últimas
décadas. De fato, em muitos aspectos, o atual sistema tributário nacional é menos
neutro e detém maiores ineficiências do que aquele introduzido com a Reforma
Tributária de 66. Assim, demonstrou-se que as origens da competição interna da
federação brasileira residem em fatores de natureza estrutural e conjuntural. Na
primeira categoria, incluem-se a falta de solidez ou maturidade da própria estrutura
federativa (que nem mesmo possui um fórum legal permanente onde os problemas da
federação possam ser tecnicamente discutidos), o desenho do sistema tributário
nacional (especialmente no que concerne à competência tributária do ICMS e à adoção
do regime da origem) e a inexistência de uma política industrial efetiva (que tem
forçado a que estados utilizem-se da tributação como o principal instrumento de
atração de investimentos). Na segunda categoria, a dos fatores conjunturais,
identificou-se que a retomada do fluxo de investimentos estrangeiros, o crescimento
econômico proporcionado pelo Plano Real e a crise fiscal dos estados contribuíram
para que diversos governos subnacionais entrassem na disputa pela absorção desses
novos capitais e investimentos.
Em seguida, constatadas e identificadas as razões do surgimento e
agravamento da competição tributária na federação brasileira, este trabalho procurou
analisar, de modo mais detalhado, as características e impactos desse processo.
Nesse sentido, verificou-se que o processo competitivo ocorre não apenas entre os
estados, como é amplamente reconhecido no País, mas também entre a União e os
governos subnacionais. Essa constatação implicou a classificação da competição
tributária brasileira em dois tipos: a vertical e a horizontal, de acordo com sua
ocorrência entre governos de distintos níveis hierárquicos ou no âmbito de uma mesma
esfera de governo, respectivamente.
A seção 3.3.2 do terceiro capítulo realizou uma ampla análise da competição
tributária vertical, mostrando que esse processo originou-se, sobretudo, na crescente
descentralização que ocorreu nas últimas décadas no País (que culminou com a
Constituição de 88), conjugada com a crise fiscal da União. Esse tipo de competição
tem ocorrido mediante a substituição de tributos partilháveis, isto é, daqueles que
entram na composição dos fundos de transferência, por contribuições sociais, que não
96
podem ser repassadas a estados e municípios. Especificamente, foi priorizada a
arrecadação da COFINS e criadas a CSLL e a CPMF. Em decorrência, houve uma
crescente retração do volume dos recursos que deveriam ser repassados a Estados e
Municípios, diminuindo a receita disponível potencial dos governos subnacionais. Essa
situação, como qualquer processo competitivo, tem implicado ineficiências ao sistema
tributário nacional. Primeiramente, ao se privilegiar essas contribuições sociais, houve
uma inegável opção por tributos distorcivos, incidentes em cascata. Além disso, a
participação de contribuições sociais na carga tributária brasileira atingiu níveis
semelhantes aos dos países europeus, sem, no entanto, ter o retorno em termos de
serviços públicos desejado. Em segundo lugar, devido à redução da receita disponível
dos Estados e Municípios, é bem provável que tenha ocorrido diminuição do bem-estar
social em alguns governos subnacionais, decorrente da queda ou realocação dos
serviços públicos na jurisdição, caso a União não tenha investido o mesmo montante
que seria aplicado pelo governo local. Por último, pode ter havido impactos sobre a
distribuição de renda e sobre a arrecadação própria dos governos subnacionais. No
entanto, a mensuração desses impactos requer maiores informações e dados
disponíveis, devendo ser objeto de um estudo mais específico e detalhado do que esta
dissertação pretendeu abranger.
Por sua vez, a seção 3.3.3 dedicou-se à análise da competição tributária
horizontal, enfocando a “guerra fiscal” do ICMS existente entre grande parte dos
estados brasileiros. Esse processo tem por objetivo a concessão dos mais diversos
tipos de benefícios tributários e financeiros às empresas, de modo a atrair
investimentos privados, sobretudo os estrangeiros. Sem dúvida, pode-se afirmar que o
Brasil está utilizando a política tributária como substituta da política industrial,
substituição essa que pode se revelar danosa à arrecadação global da federação e à
alocação ótima dos investimentos dentro do País. De fato, de acordo com o modelo de
simulação desenvolvido nesta dissertação, o processo competitivo brasileiro implica,
em geral, uma perda de bem-estar social para a população como um todo, o que está
plenamente de acordo com os resultados previstos pela teoria econômica. Isso porque,
quando a competição ocorre para investimentos já instalados ou que certamente serão
destinados ao País, o estado competidor tem que renunciar uma parte de sua
arrecadação para atrair o capital privado. Ademais, há uma perda de eficiência
alocativa, já que o capital passará a se instalar em um estado que não apresenta os
melhores índices de competitividade sob condições normais de concorrência,
justamente porque necessita renunciar parte de sua arrecadação para se tornar
competitivo.
Outra questão de alta relevância abordada no terceiro capítulo diz respeito ao
sistema de apropriação de receitas do ICMS ou, em outras palavras, a questão da
origem e do destino. De fato, a tributação na origem dá margem à exportação de
tributos, causando uma das externalidades apontadas pelo Modelo de Gordon. Na
prática, o que ocorre é que a sistemática do ICMS aproxima-o mais de um imposto
sobre a produção do que sobre o consumo, gerando o incentivo necessário para que
estados atraiam empresas para sua jurisdição (mesmo que toda a produção seja
exportada). Sem dúvidas, a adoção do sistema de destino praticamente acabaria com o
processo competitivo horizontal brasileiro, mas, por outro lado, implicaria em maior
97
necessidade de controles tributários e perdas para os estados mais ricos da federação.
Sobretudo esse último motivo tem sido o empecilho político suficiente para evitar a
adoção de qualquer medida em prol da adoção do sistema de destino na tributação do
ICMS. Vale a pena ressaltar que essa é uma questão de grande seriedade e
importância para a federação brasileira e que, talvez até por isso mesmo, tem sido
tratada com tamanho descaso no País. Como conseqüência, nem mesmo uma balança
comercial interestadual tem sido calculada e divulgada oficialmente nos últimos anos, o
que não permite nem ao menos saber quais estados sairiam ganhando ou perdendo
caso o regime do destino fosse adotado. Visando preencher essa lacuna, esta
dissertação realizou duas estimativas com o objetivo de identificar os prováveis
perdedores com a transição do regime, e chegou aos seguintes estados: Amazonas,
Mato Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. No entanto,
uma estimativa mais aprofundada merece ser realizada sobre o tema, especialmente
após a divulgação de dados mais confiáveis, até mesmo para definir a posição do Rio
de Janeiro, que ficou dúbia nas análises aqui realizadas.
Por último, a presente dissertação também buscou analisar outros impactos da
“guerra fiscal” na economia brasileira. Quanto aos possíveis efeitos distributivos,
constatou-se que os estados mais pobres poderão estar em desvantagem
relativamente aos mais ricos, pois, em geral, terão que abrir mão, proporcionalmente,
de uma maior parcela de sua arrecadação para atrair o investimento desejado. No que
se refere ao efeito congestionamento, é possível que o processo competitivo esteja
ajudando a interiorizar a estrutura produtiva do País, o que tem um impacto positivo na
minimização dos custos de aglomeração das grandes cidades, especialmente São
Paulo. Além desses, poderão ocorrer efeitos sobre a arrecadação tributária que, em um
primeiro momento, do ponto de vista do estado competidor, deverá ser diminuída, mas
que poderá ser recuperada no futuro, quando cessar a concessão dos benefícios
fiscais. O grande problema, no entanto, é a falta de avaliações de custo-benefício que
possam mensurar quanto os cidadãos atuais estão renunciando de seu bem-estar em
prol dos cidadãos futuros.
Em resumo, após essa ampla análise teórica e prática sobre a competição
tributária, ficou constatado que esse é um processo que pode gerar, indubitavelmente,
impactos negativos sobre a economia e o bem-estar social da população. É evidente
que o processo competitivo tem, em si mesmo, um mecanismo de auto-alimentação,
pois tanto os governos como os agentes privados lucram com a existência e
continuidade dessa prática. Além disso, todas as soluções factíveis no sentido de coibir
ou minimizar a competição dependem de grande esforço político, pois necessitam de
cooperação multilateral dos governos envolvidos. Por outro lado, não se pode deixar de
reconhecer que algum grau de competição até poderia ser saudável, na medida em
que os cidadãos pudessem escolher a melhor combinação de impostos e bens públicos
a eles oferecida. Portanto, analisando o fenômeno de maneira pragmática, o que deve
ser perseguido pelos governos e pela sociedade é uma definição clara do grau de
competição (saudável) que pode ser tolerado pelos cidadãos, ou seja, o ponto de
equilíbrio do trade-off competição versus harmonização tributárias. É sempre bom
lembrar que os extremos dessa curva de possibilidade pode levar à competição
predatória ou ao cartel dos governos harmonizados.
98
Nesse sentido, a mais importante recomendação a ser deixada por este trabalho
é a de que os governos passem a calcular e divulgar os custos e benefícios do
processo competitivo. Especialmente no que se refere ao Brasil, não se pode tolerar
que os governos continuem a competir sem, ao menos, possuir um orçamento realista
de renúncias tributárias, sem apresentar uma análise efetiva dos impactos esperados
do novo investimento atraído (em termos de perda de arrecadação, geração de
empregos, impacto ambiental, etc.) e sem possuir estimativas dos efeitos da guerra
fiscal sobre a federação brasileira, isto é, sem se atentar para a importante questão das
externalidades. Sem dúvida, medidas como essas, por si só, já significarão um
importante passo no controle da competição tributária predatória no País, contribuindo
sobremaneira para o fortalecimento e consolidação da estrutura federativa brasileira.
APÊNDICE I
Desenvolvimento das Condições de Primeira Ordem do Problema de
Maximização de Gordon (1983), apresentado na página 15 desta dissertação.
A) Caso Centralizado
Max W = ∑ ω i ∑ n ikV ik
i
s. a
∑∑ (y
j
k
jk
⋅ s jk + x jk ⋅ t jk − b jk ⋅ w jk ) = 0
k
O Lagrangeano é:


L = ∑ ω i ∑ n ikV ik + µ ∑∑ ( y jk ⋅ s jk + x jk ⋅ t jk − b jk ⋅ w jk )
i
k
 j k

ik
 ∂ V ik ∂ q jk ∂ V ik ∂ w jk ∂ V ik ∂ c k 
∂L
 + ∑ ω i ∑ ∂ n V ik +
= ∑ ω i ∑ n ik 
+
+
 ∂q ∂s
∂ s jl
∂ w jk ∂ s jl
∂ c k ∂ s jl  i
i
k
k ∂ s jl
jk
jl



∂ y jk
∂ x jk
∂ w jk
+ µ  y jl + ∑∑
s jk + ∑ ∑
t jk − ∑∑
b jk  = 0


k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl


99
Mas, observe que:
•
∂ n ik
o termo
é zero (derivada de uma constante); e
∂ s jl
•
como s jk = q jk − p jk , temos:
∂ s ik ∂ qik ∂ pik
=
−
∂ s jl ∂ s jl ∂ s jl
∂ q jk
⇒
= 1+
∂ s jl
∂ w jk
∂ p jk
∂ s jl
•
como t jk = v jk − w jk , temos:
•
pelo Teorema da Dualidade, temos:
∂ V ik
= − α ik y ikjl
∂ q jl
∂ s jl
=
∂ v jk
∂ s jl
(Roy)
∂ V ik
= α ik x ikjl (Shephard)
∂ w jl
Assim, substituindo os termos acima em

 ∂ p jk
∂L
= ∑ ω i ∑ n ik − α ik y ikjl 1 +

∂ s jl
∂ s jl
i
k


∂L
, temos:
∂ s jl
ik


∂v
 + α ik x ikjl ⋅ jk + ∂ V ∂ ck  +

∂ s jl
∂ c k ∂ s jl 



∂ y jk
∂ x jk
∂ w jk
+ µ  y jl + ∑∑
s jk + ∑ ∑
t jk − ∑∑
b jk  = 0


k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl


⇒ − ∑∑ n ik ω i α ik y ikjl − ∑∑ n ik ω i α ik y ikjl ⋅
i
k
i
k
∂ p jk
∂ s jl
+ ∑∑ n ik ω i α ik x ikjl ⋅
i
k
∂ v jk
∂ s jl
+
100
+ ∑∑ n ik ω i
i
k


∂ y jk
∂ x jk
∂ w jk
∂ V ik ∂ c k
+ µ  y jl + ∑∑
s jk + ∑ ∑
t jk − ∑∑
b jk  = 0


∂ c k ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl


Substituindo ω i α ik por θ + dθ ik , temos:
−θ
∑∑ n
i
+θ
ik
y ikjl − ∑∑ n ik y ikjl dθ ik − θ
k
∑∑ n ik x ikjl
i
k
i
∑∑ n
k
∂ v jk
∂ s jl
i
+ ∑∑ n ik x ikjl
i
k
∂ v jk
ik
y ikjl
∂ p jk
∂ s jl
k
− ∑∑ n ik y ikjl
dθ ik + ∑∑ n ik ω i
∂ s jl
i
k
i
k
∂ p jk
∂ s jl
dθ ik +
∂ V ik ∂ c k
+
∂ c k ∂ s jl


∂ y jk
∂ x jk
∂ w jk
+ µ  y jl + ∑∑
s jk + ∑ ∑
t jk − ∑∑
b jk  = 0


k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl


Colocando em evidência θ e dθ ik , temos:

θ − ∑∑ n ik y ikjl − ∑∑ n ik y ikjl

i
k
i
k
∂ p jk
∂ s jl
+ ∑∑ n ik x ikjl
i
k
∂ v jk 
+
∂ s jl 

∂ p jk
∂ v jk 
∂ V ik ∂ c k
ik
+ ∑∑ dθ ik − n ik y ikjl − n ik y ikjl
+ n ik x ikjl
+
 + ∑∑ n ω i
∂ s jl
∂ s jl  i k
∂ c k ∂ s jl
i
k



∂ y jk
∂ x jk
∂ w jk
+ µ  y jl + ∑∑
s jk + ∑ ∑
t jk − ∑∑
b jk  = 0


k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl


Note que:
•
− n ik y ikjl − n ik y ikjl
∂ p jk
∂ s jl
 ∂ q jk

∂ q jk
= −n ik y ikjl − n ik y ikjl 
− 1 = −n ik y ikjl
 ∂s

∂ s jl
jl


E que, pelas condições de Market Clearing:
101
∑∑ n
•
i
y ikjl = y jl
ik
x ikjl = x jl + b jl
k
∑∑ n
•
ik
i
k
Então, substituindo:

∂ p jk

∂ s jl
θ − y jl − y jl
+ ∑∑ n ik ω i
i
k
+ x jl
∂ v jk
∂ s jl
+ b jl
 ik ik ∂ q jk
∂ v jk 
∂ v jk 
+ n ik x ikjl
 + ∑∑ dθ ik − n y jl
+
∂ s jl  i k
∂ s jl
∂ s jl 



∂ y jk
∂ x jk
∂ w jk
∂ V ik ∂ c k
+ µ  y jl + ∑∑
s jk + ∑ ∑
t jk − ∑∑
b jk  = 0


∂ c k ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl
k
j ∂ s jl


 ∂ p jk
∂ v jk 
∂ Dk
∂ I ik
⇒ − θ y jl − θ  y jl
− x jl
+ ∑∑ dθ ik
+
 +θ
∂ s jl
∂ s jl 
∂ s jl
∂ s jl
i
k

+∑
k
∂ Ck
∂T
∂ Dk
+ µ y jl + µ ∑ k − µ ∑
=0
∂ s jl
k ∂ s jl
k ∂ s jl
Mas, note que, no equilíbrio, o lucro é zero, então y jl
∂ p jk
∂ s jl
− x jl
∂ v jk
∂ s jl
=0
Portanto,
⇒
(µ − θ ) y + ∑ ∑ d θ
jl
i
k
ik
∂ I ik
∂ Ck
+∑
+µ
∂ s jl
k ∂ s jl
∂ Tk
∑∂s
k
jl
(
− µ −θ
) ∑ ∂∂ Ds
k
k
=0
jl
onde:
 ∂ w jk
∂ q jk 
∂I ik

= n ik  x ikjl
− y ikjl


∂ s jl
∂
s
∂
s
jl
jl 

∂ Ck
∂ V ik ∂ c k
= ∑ n ik ω i
∂ s jl
∂ c k ∂ s jl
i
102
∂ y jk
∂ x jk
∂ Tk
= ∑ s jk
+ t jk
∂ s jl
∂ s jl
∂ s jl
j
∂ w jk
∂ Dk
= ∑ b jk
∂ s jl
∂ s jl
j
∑∑ ω α
θ=
∑∑ n
i
i
ik
n ik
k
i
ik
k
dθ ik = ω iα ik − θ
B) Caso Descentralizado
A maximização para o caso descentralizado é similar à resolução acima descrita. Note,
no entanto, que as condições de market clearing não se aplicam neste caso, o que leva
a seguinte modificação no termo 1 e no surgimento (explícito) do termo 6:
l
•
Termo 1: − θ n il y jl + µ l y jl
•

∂ p jl
∂ v jl 
Termo 6: θ − ∑ n il y iljl
+ ∑ n il x iljl

∂ s jl
∂ s jl 
i
 i
Assim, a Condição de Primeira Ordem para o caso descentralizado fica sendo:
(µ
l
)
− θ n il y jl + ∑ d θ il
onde:
l
i
∂ I il ∂ Cl
∂ Tl
∂ Dl
∂ Zl
+
+µ
−µ
+ θ ∑ n il
=0
∂ s jl ∂ s jl
∂ s jl
∂ s jl
∂ s jl
i
∂ p jl
∂ v jl
∂ Zl
= − y iljl
+ x iljl
∂ s jl
∂ s jl
∂ s jl
APÊNDICE II
103
Recommendations and Guidelines for Dealing
With Harmful Tax Practices
I - Recommendations concerning domestic legislation and practices
1. Recommendation concerning Controlled Foreign Corporations (CFC) or
equivalent rules: that countries that do not have such rules consider adopting them
and that countries that have such rules ensure that they apply in a fashion consistent
with the desirability of curbing harmful tax practices.
2. Recommendation concerning foreign investment fund or equivalent rules: that
countries that do not have such rules consider adopting them and that countries that
have such rules consider applying them to income and entities covered by practices
considered to constitute harmful tax competition.
3. Recommendation concerning restrictions on participation exemption and
other systems of exempting foreign income in the context of harmful tax
competition: that countries that apply the exemption method to eliminate double
taxation of foreign source income consider adopting rules that would ensure that
foreign income that has benefited from tax practices deemed as constituting harmful
tax competition do not qualify for the application of the exemption method.
4. Recommendation concerning foreign information reporting rules: that countries
that do not have rules concerning reporting of international transactions and foreign
operations of resident taxpayers consider adopting such rules and that countries
exchange information obtained under these rules.
5. Recommendation concerning rulings: that countries, where administrative
decisions concerning the particular position of a taxpayer may be obtained in
advance of planned transactions, make public the conditions for granting, denying or
revoking such decisions.
6. Recommendation concerning transfer pricing rules: that countries follow the
principles set out in the OECD’s 1995 Guidelines on Transfer Pricing and thereby
refrain from applying or not applying their transfer pricing rules in a way that would
constitute harmful tax competition.
7. Recommendation concerning access to banking information for tax purposes:
in the context of counteracting harmful tax competition, countries should review their
laws, regulations and practices which govern access to banking information with a
view to removing impediments to the access to such information by tax authorities.
II - Recommendations concerning tax treaties
8. Recommendation concerning greater and more efficient use of exchanges of
information: that countries should undertake programs to intensify exchange of
104
relevant information concerning transactions in tax havens and preferential tax
regimes constituting harmful tax competition.
9. Recommendation concerning the entitlement to treaty benefits: that countries
consider including in their tax conventions provisions aimed at restricting the
entitlement to treaty benefits for entities and income covered by measures
constituting harmful tax practices and consider how the existing provisions of their
tax conventions can be applied for the same purpose; that the Model Tax
Convention be modified to include such provisions or clarifications as are needed in
that respect.
10. Recommendation concerning the clarification of the status of domestic antiabuse rules and doctrines in tax treaties: that the Commentary on the Model Tax
Convention be clarified to remove any uncertainty or ambiguity regarding the
compatibility of domestic anti-abuse measures with the Model Tax Convention.
11. Recommendation concerning a list of specific exclusion provisions found in
treaties: that the Committee prepare and maintain a list of provisions used by
countries to exclude from the benefits of tax conventions certain specific entities or
types of income and that the list be used by Member countries as a reference point
when negotiating tax conventions and as a basis for discussions in the Forum.
12. Recommendation concerning tax treaties with tax havens: that countries
consider terminating their tax conventions with tax havens and consider not entering
into tax treaties with such countries in the future.
13. Recommendation concerning co-ordinated enforcement regimes (joint audits:
co-ordinated training programmes, etc.): that countries consider undertaking coordinated enforcement programs (such as simultaneous examinations, specific
exchange of information projects or joint training activities) in relation to income or
taxpayers benefiting from practices constituting harmful tax competition.
14. Recommendation concerning assistance in recovery of tax claims: that
countries be encouraged to review the current rules applying to the enforcement of
tax claims of other countries and that the Committee pursue its work in this area with
a view to drafting provisions that could be included in tax conventions for that
purpose.
III - Recommendations to intensify international co-operation in response to
harmful tax competition
15. Recommendation for Guidelines and a Forum on Harmful Tax Practices: that
the Member countries endorse the Guidelines on harmful preferential tax regimes
set out in the following Box and establish a Forum to implement the Guidelines and
other Recommendations in this Report.
105
16. Recommendation to produce a list of tax havens: that the Forum be mandated to
establish, within one year of the first meeting of the Forum, a list of tax havens on
the basis of the factors identified in section II of Chapter 2.
17. Recommendation concerning links with tax havens: that countries that have
particular political, economic or other links with tax havens ensure that these links do
not contribute to harmful tax competition and, in particular, that countries that have
dependencies that are tax havens ensure that the links that they have with these tax
havens are not used in a way that increase or promote harmful tax competition.
18. Recommendation to develop and actively promote Principles of Good Tax
Administration: that the Committee be responsible for developing and actively
promoting a set of principles that should guide tax administrations in the
enforcement of the Recommendations included in this report.
19. Recommendation on associating non-member countries with the
Recommendation: that the new Forum engage in a dialogue with non-member
countries using, where appropriate, the fora offered by other international tax
organisations, with the aim of promoting the Recommendations set out in this
Chapter, including the Guidelines.
Guidelines for Dealing with Harmful Preferential Tax Regimes in Member
Countries
While recognising the positive aspects of the new global environment in which tax
systems operate, Member countries have concluded that they need to act collectively
and individually to curb harmful tax competition and to counter the spread of harmful
preferential tax regimes directed at financial and service activities. Harmful preferential
tax regimes can distort trade and investment patterns, and are a threat both to domestic
tax systems and to the overall structure of international taxation. These regimes
undermine the fairness of the tax systems, cause undesired shifts of part of the tax
burden from income to consumption, shift part of the tax burden from capital to labour
and thereby may have a negative impact on employment. Since it is generally
considered that it is difficult for individual countries to combat effectively the spread of
non-member countries, is required to achieve the “level playing field” which is so
essential to the continued expansion of global economic growth. International cooperation must be intensified to avoid an aggressive competitive bidding by countries
for geographically mobile activities.
The Guidelines are:
1. To refrain from adopting new measures, or extending the scope of, or strengthening
existing measures, in the form of legislative provisions or administrative practices
related to taxation, that constitute harmful tax practices as defined in Section III of
Chapter 2 of the Report.
106
2. To review their existing measures for the purpose of identifying those measures, in
the form of legislative provisions or administrative practices related to taxation, that
constitute harmful tax practices as defined in Section III of Chapter 2 of the Report.
These measures will be reported to the Forum on Harmful Tax Practices and will be
included in a list within 2 years from the date on which these Guidelines are
approved by the OECD Council.
3. To remove, before the end of 5 years starting from the date on which the Guidelines
are approved by the OECD Council, the harmful features of their preferential tax
regimes identified in the list referred to in paragraph 2. However, in respect of
taxpayers who are benefiting from such regimes on 31 December 2000, the benefits
that they derive will be removed at the latest on the 31 December 2005. This will
ensure that such particular tax benefits have been entirely removed after that date.
The list referred to in paragraph 2 will be reviewed annually to delete those regimes
that no longer constitute harmful preferential tax regimes.
4. Each Member country which believes that an existing measure not already included
in the list referred to in paragraph 2, or a proposed or new measure of itself or of
another country, constitutes a measure, in the form of legislative provision or
administrative practice related to taxation, that might constitute a harmful tax
practice in light of the factors identified in Section III of Chapter 2 of the Report, may
request that the measure be examined by the Member countries, through the Forum
on Harmful Tax Practices, for purposes of the application of paragraph 1 or for
inclusion in the list referred to in paragraph 2. The Forum may issue a non-binding
opinion on that question.
5. To co-ordinate, through the Forum, their national and treaty responses to harmful tax
practices adopted by other countries.
6. To use the Forum to encourage actively non-member countries to associate
themselves with these Guidelines.
APÊNDICE III
Detalhamento dos cálculos da simulação dos impactos da competição tributária sobre o
bem-estar social apresentada no Capítulo 3, Seção 3.3.3
A partir das hipóteses do modelo, já apresentadas e explicadas no terceiro
capítulo desta dissertação, a simulação objetiva verificar os impactos da competição
tributária sobre a produção, o consumo e a arrecadação dos estados A e B. A soma do
consumo e da arrecadação fornece o bem-estar estadual, pois supomos que a receita
tributária converte-se inteiramente em bens públicos. Assim, o bem-estar é advindo do
consumo de bens privados e públicos. Os resultados para a federação (F) são
encontrados pela soma dos resultados estaduais.
107
A coluna “Produção” refere-se à divisão do produto nacional (que é igual a 100
unidades de valor agregado) entre os dois estados. Em situação sem competição
tributária, as hipóteses são que A e B produzem 70% e 30% do valor agregado
nacional, respectivamente. No entanto, quando B age competitivamente, ele atrai parte
da produção de A (algumas firmas mudam seu domicílio fiscal em busca de uma menor
obrigação tributária) e, então, para nossas hipóteses, A fica com 63 unidades de
produto enquanto B aumenta sua produção para 37. Note que, no regime misto, é
importante segregar a produção em “interna” e “exportada”, pois o estado B vai receber
o diferencial de arrecadação sobre a exportação de A para B (isso nada mais é do que
a aplicação da alíquota interestadual sobre a parcela do produto que A vende para B).
A coluna “Consumo” apresenta a composição do consumo do valor agregado
nacional entre os dois estados. Essa informação é necessária para calcular a
arrecadação no regime do destino. Ressaltamos que, no regime da origem, a
arrecadação é do estado produtor e, no regime do destino, a arrecadação pertence ao
estado consumidor.
A coluna “Arrecadação” mostra , então, a aplicação da devida alíquota (interna,
interestadual ou competitiva) sobre a devida base de cálculo (produção ou consumo).
Por último, a coluna “Bem-estar” nada mais é do que a soma do consumo e da
arrecadação.
A seguir, apresentamos, em forma de tabelas, todos os resultados encontrados
para os casos analisados. Serão sempre apresentadas simulações para o caso sem
competição tributária, de modo a ser possível comparar essa situação com os
resultados do caso competitivo.
Hipóteses:
Valor Agregado Produzido em A
Valor Agregado Produzido em B
Valor Agregado Consumido em A
Valor Agregado Consumido em B
Valor Agregado do novo investimento
Alíquota Interna
Alíquota Interestadual
Alíquota Competitiva
Atração de Investimento (1 p.p.)
70
30
60
40
20
20%
10%
10%
1%
108
1. Caso SEM CTH para investimentos já instalados
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
produção interna
produção interna
produção total
Produção
Consumo
70
30
100
Arrecadação
60
40
100
Bem-estar
14
6
20
74
46
120
Regime: MISTO
Estado
A
B
F
Especificação
produção interna
produção exportada
produção total
produção interna
diferencial de arrec. regime misto
produção total
produção total
Produção
Consumo
60
10
70
30
30
100
Arrecadação
Bem-estar
12
1
13
6
1
7
20
60
40
100
73
47
120
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
produção interna
produção interna
produção total
Produção
70
30
100
Consumo
60
40
100
Arrecadação
Bem-estar
12
8
20
72
48
120
109
2. Caso COM CTH para investimentos já instalados
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
produção original menos perdida
produção original
produção atraída
perda de eficiência
produção total
produção total
Produção
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
63,00
60,00
12,60
72,60
30,00
6,00
7,00
0,70
0,00
0,00
37,00
40,00
6,70
46,70
100,00
100,00
19,30
119,30
Regime: MISTO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original menos perdida (total)
produção interna
produção exportada
produção original
produção atraída
perda de eficiência
diferencial de arrec. regime misto
produção total
produção total
Produção
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
63,000
60,000
12,300
72,300
60,000
12,000
3,000
0,300
30,000
6,000
7,000
0,700
0,000
0,000
0,300
37,000
40,000
7,000
47,000
100,000
100,000
19,300
119,300
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original menos perdida
produção original
produção atraída
perda de eficiência
produção total
produção total
Produção
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
63,000
60,000
12,000
72,000
30,000
30,000
6,000
7,000
7,000
0,700
0,000
3,000
0,600
37,000
40,000
7,300
47,300
100,000
100,000
19,300
119,300
110
3. Caso SEM CTH para novos investimentos
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
produção original
novo investimento
produção total
produção original
produção total
Produção
Consumo
70
20
90
30
120
Arrecadação
72
48
120
Bem-estar
18
6
24
90
54
144
Regime: MISTO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
novo investimento
prod. total
interna
exportada
prod. original
diferencial de arrec. regime misto
produção total
produção total
Produção
Consumo
Arrecadação
70
20
90
72
18
30
48
120
120
72
16,2
14,4
1,8
6
1,8
7,8
24
Bem-estar
88,2
55,8
144
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
novo investimento
prod. total
prod. original
produção total
Produção
70
20
90
30
120
Consumo
72
48
120
Arrecadação
14,4
9,6
24
Bem-estar
86,4
57,6
144
111
4. Caso COM CTH para novos investimentos
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
novo invest. (total menos perdido)
prod. total
prod. original
prod. atraída
perda de eficiência
prod. total
prod. total
Produção
Consumo
70
18
88
30
2
0
32
120
Arrecadação
72
48
120
17,6
6
0,2
0
6,2
23,8
Bem-estar
89,6
54,2
143,8
Regime: MISTO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
novo invest. (total menos perdido)
prod. total
interna
exportada
prod. original
prod. atraída
perda de eficiência
diferencial de arrec. regime misto
prod. total
prod. total
Produção
Consumo
70
18
88
72
16
30
2
0
32
120
Arrecadação
72
48
120
16
14,4
1,6
6
0,2
0
1,6
7,8
23,8
Bem-estar
88
55,8
143,8
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
novo invest. (total menos perdido)
prod. total
prod. original
prod. atraída
perda de eficiência
prod. total
prod. total
Produção
70
18
88
30
2
0
32
120
Consumo
72
30
2
16
48
120
Arrecadação
14,4
6
0,2
3,2
9,4
23,8
Bem-estar
86,4
57,4
143,8
112
5. Caso COM CTH que efetivamente atrai o novo investimento
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
prod. original
prod. atraída
perda de eficiência
prod. total
prod. total
Produção
70
30
2
0
32
102
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
61,2
14
75,2
6
0,2
0
40,8
6,2
47
102
20,2
122,2
Regime: MISTO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
interna
exportada
prod. original
prod. atraída
perda de eficiência
diferencial de arrec. regime misto
prod. total
prod. total
Produção
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
61,2
13,12
74,32
12,24
0,88
6
0,2
0
0,88
32
40,8
7,08
47,88
102
102
20,2
122,2
70
61,2
8,8
30
2
0
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
prod. original
prod. atraída
perda de eficiência
prod. total
prod. total
Produção
70
30
2
0
32
102
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
61,2
12,24
73,44
30
6
2
0,2
8,8
1,76
40,8
7,96
48,76
102
20,2
122,2
113
6. Caso BLEFADO: Caso SEM CTH quando o novo investimento já iria para B mas ameaça ir para A
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
prod. original
novo investimento
prod. total
prod. total
Produção
Regime:
MISTO => mesmo resultado do caso anterior, pois a produção de A é menor que o seu consumo
70
30
20
50
120
Consumo
Arrecadação
Bem-estar
72
14
86
48
120
10
24
58
144
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
prod. original
novo investimento
prod. total
prod. total
Produção
70
30
20
50
120
Consumo
72
Arrecadação
Bem-estar
14,4
86,4
48
120
9,6
24
57,6
144
7. Caso BLEFADO: Caso COM CTH quando o novo investimento já iria para B mas ameaça ir para A
Regime: ORIGEM
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
prod. original
novo investimento
prod. total
prod. total
Produção
70
30
20
50
120
Consumo
Arrecadação
72
48
120
Bem-estar
14
6
2
8
22
86
56
142
Regime: DESTINO
Estado
A
B
F
Especificação
prod. original
prod. original
novo investimento
prod. total
prod. total
Produção
70
30
20
50
120
Consumo
72
30
18
48
120
Arrecadação
Bem-estar
14,2
86,2
6
1,8
7,8
55,8
22
142
114
APÊNDICE IV
DADOS ESTATÍSTICOS
TABELA 1
CARGA TRIBUTÁRIA PARA PAÍSES SELECIONADOS (MEMBROS DA OCDE) E BRASIL - 1995
País
Carga
1
Tributária
Composição da Carga Tributária
Renda
Renda
Consumo
PF
PJ
27,3
2,8
27,8
13,9
3,7
27,3
26,2
8,7
27,3
18,0
8,0
43,5
23,8
5,5
28,7
35,3
6,1
24,3
27,4
9,5
34,7
36,3
9,4
17,9
37,3
8,1
25,5
25,92
55,7
12,4
12,3
17,9
16,7
4,8
44,9
22,9
7,7
35,2
21,6
6,7
37,6
21,4
15,2
15,1
18,9
12,2
42,6
40,6
14,7
29,2
27,0
8,0
32,4
36,8
8,8
33,0
Contribuições
Sociais
39,4
43,3
31,7
27,0
36,2
29,1
17,7
25,1
16,8
16,7
40,7
30,5
30,4
12,0
36,3
8,0
25,1
19,5
Alemanha
39,2
França
44,5
Itália
41,3
Portugal
33,8
Espanha
34,0
Suécia
49,7
R.Unido
35,3
EUA
27,9
Canadá
37,2
México
16,0
Rep. Tcheca
44,3
Hungria
39,2
Polônia
42,7
Turquia
22,5
Japão
28,5
Coréia
22,3
Austrália
30,9
OCDE Total
37,4
OCDE
27,0
América
OCDE
30,0
31,3
13,5
30,1
11,1
Pacífico
OCDE Europa 40,1
25,3
7,0
32,8
28,4
BRASIL
28,5
10,5
7,9
50,1
28,2
1
Calculada como percentual do PIB.
2
Refere-se ao total da tributação sobre a renda, isto é, pessoas físicas e jurídicas.
3
Refere-se ao ano de 1994.
Fonte: OCDE - Revenue Statistics e SRF/COGET
Patrimônio
2,8
5,2
5,7
2,5
5,3
2,8
10,5
11,2
10,5
1,23
1,3
1,3
2,8
3,1
11,6
14,6
8,7
5,4
10,8
10,0
4,1
3,3
115
TABELA 2
CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA
1991
ANO
%
UNIÃO
Orçamento Fiscal
1992
% PIB
%
1993
% PIB
%
1994
% PIB
%
1995
% PIB
%
1996
% PIB
%
1997
% PIB
%
% PIB
65,48
27,76
16,12
6,83
66,88
28,90
16,97
7,33
70,79
30,59
17,76
7,68
69,56
28,35
19,90
8,11
68,06
26,95
19,38
7,67
67,98
25,55
19,08
7,17
68,61
25,58
19,08
7,11
14,16
9,07
2,52
1,78
0,08
0,00
0,15
3,49
2,23
0,62
0,44
0,02
0,00
0,04
15,20
9,42
2,52
1,61
0,01
0,00
0,15
3,86
2,39
0,64
0,41
0,00
0,00
0,04
15,42
9,72
3,22
1,78
0,03
0,29
0,14
3,87
2,44
0,81
0,45
0,01
0,07
0,04
12,97
7,47
2,36
1,77
0,01
3,63
0,14
3,71
2,14
0,67
0,51
0,00
1,04
0,04
15,15
7,17
1,71
2,61
0,05
0,08
0,17
4,31
2,04
0,49
0,74
0,02
0,02
0,05
15,05
6,99
1,30
1,94
0,09
0,00
0,19
4,22
1,96
0,36
0,54
0,03
0,00
0,05
14,76
6,89
1,56
2,12
0,10
0,00
0,15
4,10
1,92
0,43
0,59
0,03
0,00
0,04
Orçamento Seguridade
31,75
7,82
32,14
8,16
34,78
8,73
34,79
9,95
34,18
9,73
35,42
9,94
36,13
10,05
Contr. s/ Folha de Pagamento
COFINS
CPMF
CSLL
PIS/PASEP
Outras Contr. Sociais
18,85
5,48
0,00
1,17
4,35
1,90
4,64
1,35
0,00
0,29
1,07
0,47
18,67
3,99
0,00
2,90
4,29
2,29
4,74
1,01
0,00
0,73
1,09
0,58
20,77
5,32
0,00
3,06
4,53
1,09
5,21
1,34
0,00
0,77
1,14
0,27
18,32
8,47
0,00
3,20
3,71
1,09
5,24
2,42
0,00
0,92
1,06
0,31
18,75
7,83
0,00
3,00
3,15
1,45
5,34
2,23
0,00
0,85
0,90
0,41
19,99
7,86
0,00
2,84
3,27
1,47
5,61
2,20
0,00
0,80
0,92
0,41
18,32
7,60
2,87
2,99
3,01
1,33
5,09
2,11
0,80
0,83
0,84
0,37
5,97
1,47
5,84
1,48
5,43
1,36
6,42
1,84
6,93
1,97
7,01
1,97
6,90
1,92
5,45
0,52
0,00
1,34
0,13
0,00
5,20
0,64
0,00
1,32
0,16
0,00
5,00
0,43
0,00
1,25
0,11
0,00
4,83
0,38
1,21
1,38
0,11
0,35
5,22
0,45
1,27
1,49
0,13
0,36
5,34
0,40
1,26
1,50
0,11
0,35
5,36
0,38
1,15
1,49
0,11
0,32
29,73
7,32
29,25
7,42
26,15
6,56
27,12
7,76
27,30
7,77
27,66
7,76
27,06
7,52
27,93
0,33
0,02
0,28
1,17
6,87
0,08
0,01
0,07
0,29
27,23
0,55
0,08
0,38
1,01
6,91
0,14
0,02
0,10
0,26
24,36
0,52
0,07
0,12
1,07
6,11
0,13
0,02
0,03
0,27
25,30
0,59
0,08
0,00
1,15
7,24
0,17
0,02
0,00
0,33
25,20
1,31
0,10
0,00
0,69
7,18
0,37
0,03
0,00
0,20
25,48
1,43
0,09
0,00
0,65
7,15
0,40
0,03
0,00
0,18
24,72
1,59
0,11
0,00
0,63
6,87
0,44
0,03
0,00
0,18
4,79
1,18
3,87
0,98
3,06
0,77
3,32
0,95
4,64
1,32
4,37
1,22
4,34
1,21
1,37
1,86
0,55
0,78
0,24
0,34
0,46
0,13
0,19
0,06
1,25
1,25
0,37
0,73
0,28
0,32
0,32
0,09
0,18
0,07
1,38
0,59
0,24
0,51
0,34
0,35
0,15
0,06
0,13
0,09
1,46
0,72
0,29
0,60
0,25
0,42
0,21
0,08
0,17
0,07
1,77
1,47
0,34
0,88
0,17
0,50
0,42
0,10
0,25
0,05
1,99
1,17
0,35
0,81
0,04
0,56
0,33
0,10
0,23
0,01
1,84
1,29
0,34
0,82
0,04
0,51
0,36
0,09
0,23
0,01
100,00
24,61
100,00
25,38
100,00
25,09
100,00
28,61
100,00
28,47
100,00
28,06
100,00
27,81
IR
IPI
IOF
II e IE
ITR
IPMF
Taxas
Demais
FGTS
Contr. Econômicas
Salário-Educação
ESTADOS
ICMS
IPVA
ITCD
AIR
Contr. p/ Seguridade Social
MUNICÍPIOS
ISS
IPTU
ITBI
Taxas
Outros Tributos
TOTAL
Fonte: SRF/COGET
116
TABELA 3
TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
em
%
da
carga
tributária líquida
1991
MUNICÍPIOS ESTADOS
UNIÃO
ARREC. PRÓPRIA TOTAL
=
1994
1995
1996
69,08
68,26
65,92
65,54
TRANSF. P/ REGIÕES
0,69
0,66
0,68
0,54
0,61
0,60
TRANSF. P/ ESTADOS
5,54
5,40
5,84
4,59
5,16
5,32
TRANSF. P/ MUNICÍPIOS
4,92
4,86
5,13
3,37
4,61
4,54
52,55
53,87
57,42
59,76
55,54
55,08
31,27
31,09
27,68
28,28
29,13
29,76
TRANSF. P/ MUNICÍPIOS
7,52
7,53
6,72
6,90
7,42
7,63
TRANSF. DA UNIÃO
6,22
6,06
6,52
5,12
5,77
5,92
29,98
29,63
27,49
26,50
27,48
28,06
5,04
4,12
3,24
3,46
4,95
4,70
RECEITA DISPONÍVEL
RECEITA DISPONÍVEL
ARREC. PRÓPRIA TOTAL
+
+
=
1993
64,79
ARREC. PRÓPRIA TOTAL
+
=
1992
63,69
TRANSF. DA UNIÃO
4,92
4,86
5,13
3,37
4,61
4,54
TRANSF. DOS ESTADOS
7,52
7,53
6,72
6,90
7,42
7,63
17,48
16,51
15,10
13,73
16,98
16,86
RECEITA DISPONÍVEL
Fonte: SRF/COGET
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