OPINIÃO17
SEXTA-FEIRA, 1º DE MAIO DE 2015 A GAZETA
Paulo Klingelhoefer de Sá
Marlusse Pestana Daher
O que podemos esperar de uma sociedade
que patrocina, apoia e assiste ao combate
sangrento, agressivo e estúpido entre pessoas?
O delinquente é produto da desordem na qual foi
gerado, foi criado e vive. É produto do meio sim,
e suscetível de receber influências de toda parte
É médico e coordenador da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ)
Pelo fim
dos trotes
A polêmica sobre a existência ou não do
trote, de sua permissão até determinado
limite, o dito vexatório, pela lei, está
associada a um processo histórico de
rituais de passagem que a humanidade
utiliza desde que se entende por gente.
O quanto de agressão podemos tolerar ou
não? Quem controla e fiscaliza o quão
vexatório os trotes são ou não? Só prestamos atenção quando a violência explícita
se torna presente e indiscutível? As lesões
de cunho moral, de exclusão social e de
bulling são registradas em
que delegacia? Quando e
como? Por quem? Com
certeza por uma minoria,
uma vez que o medo impera sob a batuta da exclusão social imposta ao
calouro, pelo veterano.
O que podemos esperar
de uma sociedade que
patrocina, apoia e assiste
ao combate sangrento,
agressivo e estúpido, entre pessoas, como nas lutas que vimos na televisão, intituladas de esporte? Filmes, videogames e aplicativos de ce-
lular também estimulam o ato violento.
Observamos a naturalização da violência
e o estabelecimento de níveis toleráveis
até determinado ponto e sob condições.
O calouro que ingressou na faculdade
gosta de mostrar o cabelo raspado, de
circular todo sujo mostrando para a
sociedade que conseguiu passar num
dos mais estreitos funis de ingresso no
nível superior de ensino, o curso de
Medicina, por exemplo. Esse valor, culturalmente desenvolvido, agora é complementado por uma mentalidade que
patrocina episódios de violência.
Os estudantes de Medicina, que deveriam ser os grandes defensores do
desenvolvimento e da formação no cuidado à saúde da sociedade, estabelecem
como conceito base para o ingresso nessa
nobre profissão a submissão, o constrangimento, a violência
física e moral, a exclusão
e discriminação social.
Convocamos a sociedade
organizada, Centros de
Defesa dos Direitos Humanos, OAB, Conselhos
Regionais e Federal de Medicina, magistraturas, veículos de mídia, partidos
políticos e demais organizações que pautem esse
tema em suas reflexões e
decisões a ponto de estabelecer um basta nesse
processo absurdo e perigoso. A impunidade desses
jovens chegou ao limite.
É promotora de justiça aposentada e escritora
Não é
a idade
Não sou contra a redução da maioridade penal, sou a favor de que os
direitos fundamentais de todas as pessoas sejam indistintamente reconhecidos, dando a cada uma os meios de
gozá-los e cumpri-los. Sempre se disse
que o Congresso Nacional é movido à
ocasião, que o legislador não usa da
acuidade necessária no sentido de que,
no destino, a norma seja eficaz. Por que
continuar a repetir que “as leis são como
salsichas, se soubéssemos como são
feitas, não as comeríamos”?
É ruidosa a grita por implantação de
políticas públicas, na direção da educação
e da saúde. Entretanto, ainda não se viu
determinação necessária ou vontade de
realizar, por parte dos que recebem o
poder que emana do povo, mas o esquece
e age em vista de seus interesses, da
consecução do próximo mandato, mesmo
com o sacrifício dos interesses do Estado
como um todo. Quer-se reduzir a maioridade penal. Preparemo-nos para ver
adolescentes de idade inferior serem usados com o mesmo fim.
Tendo atuado na Vara da Infância e da
Adolescência credencio-me a falar por
experiência vivida. Atendi mãe pedindo
que o filho fosse “preso”; mãe fingindo
que era manca com pano na boca como
se babasse, pedindo entrega do filho;
adolescente que matara cinco pessoas, a
última reduzida a pedaços, posta em
saco e jogada num rio. Praticamente,
todas, famílias uniparentais, sem emprego, sem salário, habitando guetos,
quem sabe, vivendo do resultado da
prática dos atos infracionais perpetrados por esses mesmos filhos.
O delinquente é produto da desordem na
qual foi gerado, foi criado e vive. É produto
do meio sim, porquanto, suscetível de
receber influências de toda parte, desde o
glamour do estrelato, à opulência do poder, ao encantamento do aplauso, à ganância do ter. Se não alcança, toma outro
rumo no qual, ao menos aparentemente,
encontra o que procura.
Não se vai ao alto pelo último degrau
da escada. Não nos faltam leis. Ignoramos o que ditam. Nenhuma, por si,
alcança o próprio fim. Não será a segregação em prisões que reduzirá a
criminalidade. Ali, se formam doutores
nela. Antes, importa que se proceda ao
reconhecimento da condição de pessoa
da pessoa humana, a cada uma seja dado
o que é seu. Coloquemos esse contingente de crianças na escola, propugnemos no sentido de que pela educação
sejam despertadas suas virtudes, o potencial de dotes em tantos sentidos e
áreas que com certeza todas têm. Façamos com que ouçam nossos aplausos.
A Nação que não educa suas crianças
deve-se envergonhar de puni-las na idade adulta.
Luiz Otávio Coelho
É advogado e especialista em Direito Constitucional
Movimentos populares podem influenciar na instauração do processo do impeachment e no seu resultado
Pelo povo, para o povo
e para a democracia
Vive-se uma crise no Brasil. Na verdade,
várias crises. A economia não vai bem,
os governantes parecem perdidos, e a
população, que vive tempos difíceis como há muito não se via, não acredita em
soluções em curto prazo. Muitos não
acreditam nem que haja solução.
Ninguém consegue precisar se os últimos
protestos foram realizados por eleitores da
oposição ou por eleitores de Dilma que se
arrependeram do voto. Independentemente
de político x ou político y, o fato é que o povo
está insatisfeito com a situação atual. E não
precisa contabilizar quantos foram às ruas
protestar. Basta ouvir os comentários das
pessoas com relação à conta de energia, ao
carrinho do supermercado – que fica mais
vazio a cada compra – e à desconfiança nos
políticos, aqueles que, teoricamente, deveriam fazer algo para mudar.
Os que ainda defendem o governo
atual debocham de quem quer o im-
peachment, dizendo que não sabem do
que estão falando. Pois bem. Aos que
não sabem, realmente, vai uma breve
explicação, para que passem a falar com
mais propriedade.
O pedido de processo de impeachment
pode ser apresentado por qualquer cidadão e é instaurado pelo Senado na
forma do disposto no artigo 52 da
Constituição Federal, em razão de crime de responsabilidade da presidente.
O presidente do Senado, entretanto,
não é obrigado a instaurar o processo.
Na história brasileira, esse processo
nunca foi plenamente utilizado, nem
mesmo no governo Collor, que renunciou antes do julgamento.
Se, no Brasil, a presidente for afastada, quem assume é o vice-presidente,
caso não seja aberto também contra ele
processo de impeachment. Se o povo
não concordar com a posse do vice, o
afastamento dele terá que ser igualmente objeto de apuração de crime de
responsabilidade.
Movimentos populares são e serão sempre, nas democracias, e especialmente nos
regimes presidencialistas, o melhor termômetro da satisfação daquele que é o
titular do poder e da legitimidade do
mandatário. Eles podem, sim, influenciar
não só na instauração do processo como
no seu resultado, já que a manutenção de
um governo em desacordo com as forças
populares, ilegítimo, pode levar a uma
ruptura social de tal monta capaz de
implicar até mesmo uma revolução, assim
entendida a reconstituição do Estado.
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