O PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO LUCIANE DA SILVA NASCIMENTO1 DINAIR LEAL DA HORA2 RESUMO: Este artigo é parte de uma pesquisa acadêmica desenvolvida no Curso de Especialização em Administração Escolar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que buscou compreender as formas assumidas no processo de descentralização do financiamento por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e perceber a relação deste processo no contexto das reformas de caráter estrutural (neoliberais) empreendidas nas décadas de 80 e 90. Foi realizado um estudo de caso que teve como objeto de análise uma escola de um sistema público municipal do Rio de Janeiro, seus mecanismos de interação e apropriação deste Programa. O estudo analisou o PDDE, assim como sua concepção de autonomia financeira, destaca alguns olhares acerca deste programa na visão dos profissionais de uma Unidade Escolar e avalia as políticas implementadas. Para o estudo de caso foram analisadas fontes documentais, foram aplicados questionários, foi realizada uma entrevista com a direção da escola e foram realizados registros diários. A Unidade Escolar analisada está localizada em uma área suburbana e seu público alvo é composto em maioria por crianças e adolescentes das comunidades carentes próximas. Com base na análise dos dispositivos de financiamento, autonomia e participação por meio do PDDE pôde-se constatar que apesar dos níveis de participação, em todos os processos de decisão, dos diferentes segmentos no interior desta Escola ainda serem ínfimos, emergiu um olhar mais coletivo na Unidade, visto que o Programa de fato transparece mais naquela comunidade escolar. Ao requerer a participação dos diferentes segmentos na aplicação financeira, o programa produziu naquele contexto um relativo aumento da participação. Isso revela uma contradição no seio de um Programa neoliberal, que pode induzir, em longo prazo, o aprofundamento dos níveis de participação no interior dos espaços escolares. Palavras-chave: Financiamento da Educação; Programa Dinheiro Direto na Escola; Autonomia Financeira. 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Faculdade de Educação da Baixada Fluminense UERJ/FEBF, Mestranda em Educação. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde - ICICT/FIOCRUZ. E-mails para contato: [email protected]; [email protected]. 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Faculdade de Educação da Baixada Fluminense UERJ/FEBF, Pós-Doutorado em Educação. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas IPEC/FIOCRUZ E-mails para contatos: [email protected]; [email protected]. INTRODUÇÃO Este trabalho é um recorte de uma pesquisa acadêmica mais ampla desenvolvida no curso de Especialização em Administração Escolar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujo objetivo geral foi compreender as formas assumidas no processo descentralização do financiamento do ensino municipal através do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e perceber a relação deste processo de descentralização no contexto das reformas de caráter estrutural (neoliberais) empreendidas nas décadas de 80 e 90, por meio de um estudo de caso que teve como objeto de análise uma escola de um sistema público municipal do Rio de Janeiro, seus mecanismos de interação e apropriação deste programa. Os dados foram obtidos através de levantamento da documentação direta realizada na escola. Foram pesquisados os documentos legais (externos - MEC e internos - escola) referentes ao Programa. Foram aplicados questionários aos profissionais da escola, foi realizada uma entrevista com a direção da unidade escolar, assim como foram registradas observações diárias. Este artigo científico analisa o PDDE, assim como sua concepção de autonomia financeira, destaca alguns olhares acerca deste programa na visão dos profissionais de uma Unidade Escolar e avalia as políticas implementadas. DESENVOLVIMENTO PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) foi criado pela Resolução 12, de 10 de maio de 1995, com o nome de Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE). Posteriormente, passou a se chamar PDDE, devido à edição de Medida Provisória do Governo Federal (n. 1.784, de 14 de dezembro de 1998). Sua finalidade é prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas de ensino fundamental das redes estaduais, municipais, do Distrito Federal e às escolas de educação especial qualificadas como entidades filantrópicas ou por elas mantidas, desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) (FNDE, 2007). 2 O PDDE faz parte de um conjunto de decisões e ações governamentais implementadas com o objetivo de: Propiciar a elevação da qualidade do ensino e sua universalização, de modo que toda criança tenha acesso e possa permanecer em uma escola dotada de recursos didático-pedagógicos e humanos bem preparados, com vistas à promoção da eqüidade de oportunidades educacionais, como meio de redução das desigualdades sociais e de consolidação da cidadania. A concepção de uma escola que ofereça ensino de qualidade é responsabilidade de todos - governo e sociedade. E é neste contexto que se insere o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Por um lado, provendo, supletivamente, meios para aquisição dos recursos didático-pedagógicos, equipamentos, reparos e conservação do prédio da unidade de ensino. Por outro, reforçando a autogestão escolar e a participação social, mediante a descentralização decisória e funcional do emprego do dinheiro (FNDE, 2006, p. 3). Os recursos são destinados à cobertura de despesas de custeio, manutenção e de pequenos investimentos, exceto gastos com pessoal, devendo ser empregados: na aquisição de material permanente, quando recebem recursos de capital; na manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar; na aquisição de material de consumo necessário ao funcionamento da escola; na avaliação da aprendizagem; na implementação de projeto pedagógico; e no desenvolvimento de atividades educacionais. As escolas públicas com mais de 50 estudantes matriculados regularmente devem criar suas unidades executoras próprias para serem beneficiadas com recursos do Programa. As escolas com menos de 50 alunos e que não tenham unidades executoras próprias podem receber indiretamente o recurso. Nesse caso, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE3 transfere o dinheiro para as secretarias estaduais e distrital de Educação ou prefeituras, cujas redes de ensino pertençam às escolas. Na hipótese das escolas privadas da educação especial, os depósitos são realizados nas contas de suas entidades mantenedoras. São beneficiadas pelo programa as escolas públicas do ensino fundamental das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal, nas modalidades regular, especial e indígena, de acordo com dados extraídos do censo escolar realizado pelo Ministério da Educação (MEC), no ano imediatamente anterior ao do atendimento, bem como entidade sem fins lucrativos registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ou outra similar de atendimento direto e gratuito ao público, responsável pela 3 FNDE é o órgão responsável pela assistência financeira, normatização, coordenação, acompanhamento, fiscalização, cooperação técnica e avaliação da efetividade da aplicação dos recursos financeiros, diretamente ou por delegação. 3 manutenção e representação de escolas privadas de educação especial. O repasse dos recursos do PDDE é feito anualmente pelo FNDE às contas bancárias das unidades executoras, sem necessidade de assinatura de convênios. Cabe às unidades executoras das escolas utilizar os recursos, de acordo com as decisões da comunidade. Segundo Adrião (2007), os recursos do programa vêm majoritariamente do salário-educação. Os repasses consideram as desigualdades regionais, tanto que os estados das regiões norte, nordeste e centro-oeste recebem valores ligeiramente maiores do que as regiões sul, sudeste e Distrito-Federal, tendo como base a quantidade informada no censo escolar de alunos matriculados nas escolas públicas das redes de ensino anteriormente citadas: De maneira a visualizar tais valores, tem-se que uma escola com até 50 alunos recebeu R$500,00, ao ano, nas regiões Sul, Sudeste e no Distrito Federal, e nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, R$ 600,00 (em valores da época). Escolas consideradas de médio a grande porte (de 751 a 1000 alunos) receberam, nas regiões consideradas mais ricas, R$ 6.300,00, enquanto para aquelas com o mesmo número de alunos e localizadas nos estados do N, NE e CO o repasse foi de R$ 8.900,00 (idem, 2007, p. 258259). Para exemplificar outros valores, conforme a quantidade de alunos das escolas e levando em consideração a diferença por região, podemos citar que as escolas que possuíssem de 1.501 a 2.000 alunos, em um ano não informado, localizadas nas regiões Norte Nordeste e Centro-Oeste receberam um valor base de R$ 14.400,00, enquanto as escolas com a mesma quantidade de alunos, localizadas nas regiões Sul, Sudeste e no Distrito Federal receberam R$ 11.000,00 (FNDE, 2006). Tais cálculos consideram as desigualdades econômicas existentes entre os sistemas educacionais dessas regiões e buscam minimizá-las mediante a diferenciação na distribuição dos recursos de forma a favorecer as regiões economicamente mais pobres. De acordo com a Resolução que lhe deu origem, o PDDE surgiu com o objetivo principal de agilizar a assistência financeira da Autarquia FNDE aos sistemas públicos de ensino, com vistas a cumprir o disposto no artigo 211, da Constituição Federal de 1988, referente ao papel da União frente aos demais entes federados. A necessidade da criação de unidades executoras para receber as verbas do programa foi instituída a partir de 1997: O agora Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) passou também a incorporar escolas de ensino fundamental que atendessem alunos com 4 necessidades educacionais especiais e comunidades indígenas. Em 2003, foi novamente atualizado pela Resolução n. 3 de 27/02/03, do FNDE, com base na Medida Provisória n. 2.178-36, de 24/08/2001. Desde 1997, o Programa exige, como condição para o recebimento dos recursos diretamente pelas escolas, a existência de Unidades Executoras (UEx): entidades de direito privado, sem fins lucrativos e que possuam representantes da comunidade escolar. [...] Declaradamente, o Programa opta pela criação de UEx de natureza privada como mecanismo para assegurar maior flexibilidade na gestão dos recursos repassados e ampliar a participação da comunidade escolar nessa mesma gestão (ADRIÃO, 2007, p. 257-258). Como o PDDE lida diretamente com a necessidade da participação da comunidade escolar, novas discussões estão se desenvolvendo acerca do programa, na medida em que novos sujeitos, até então pouco presentes na dinâmica escolar, começam a entrar nesse espaço e ter papel relevante. Segundo Adrião (2007), nos sistemas de ensino em que a democratização da gestão estava em curso, a proposta de transformação dos Conselhos Escolares em unidade executora assumiu um caráter de disputa política entre diferentes segmentos da educação, visto que o dilema vivido pelos sistemas referia-se à opção em transformar a natureza jurídica dos Conselhos Escolares, transformando-os em unidades executoras, tendo como conseqüência a instalação de uma instituição de direito privado na esfera da gestão da escola ou, de outra forma, o fortalecimento do Círculo de Pais e Mestres (CPM), estrutura análoga às Associações de Pais e Mestres (APM), tradicionalmente menos democrática e, em muitos casos, não subordinada ao controle do colegiado gestor. Adrião analisou o caso da rede municipal de Porto Alegre e das redes estaduais do RS e MS. Em suas análises, pode constatar que, uma nova relação entre as escolas públicas e as instituições de natureza privada está sendo travada, sendo as UEx um exemplo da esfera privada no interior do espaço público. Dúvidas e questionamentos sobre sua operacionalização dentro da escola e junto à gestão da mesma têm surgido. Porém, a reflexão que deveria ser evocada para que se aprofundasse acerca dessa nova interface entre o público e o privado na educação não estava na pauta dos entrevistados. As preocupações são outras, pois na percepção colocada pelos gestores e educadores pesquisados isso não mostrou ser uma questão relevante: Os depoimentos centravam-se em avaliar positivamente a oportunidade de receber diretamente os recursos. Essa unanimidade indica, por um lado, a relevância que políticas descentralizadoras têm para aqueles que vivenciam o cotidiano escolar, na medida em que se constituem em pré-condição para o exercício da reivindicada autonomia pedagógica. Além disso, os montantes repassados pelo Programa, contrariando a percepção inicial, desempenhavam 5 função relevante na composição dos recursos geridos pela escola em todas as redes pesquisadas. Por outro lado, também é certo afirmar que o pragmatismo a que estão sujeitos os educadores, pela urgência de respostas que o cotidiano da escola forja e exige, tende a minimizar a preocupação com conseqüências de natureza mais geral, como as de natureza política, ou com as que apresentam impactos a longo prazo (ADRIÃO, 2007, p. 263). Como podemos verificar a nova relação entre o público e o privado travada na década de 90 trouxe práticas de gestão diferenciadas para as escolas públicas, que estão presenciando em seu interior novas formas de interação híbridas como é o caso das Unidades Executoras anteriormente citadas e que trazem disputas entre grupos que deveriam unir-se em prol de uma democratização das relações sociais no interior dos espaços escolares. Ao mesmo tempo, as unidades escolares têm vivenciado uma nova forma de conceber a gestão financeira de forma descentralizada e mais participativa, o que serve como possibilidade de indução de práticas mais democráticas da comunidade no interior da escola. Então podemos evidenciar os processos paradoxais que envolvem as políticas educacionais, que instituem uma “autonomia”, porém a caracterizam como desconcentradora e que, ao mesmo tempo, mesclam a escola pública com instâncias privadas como uma forma de solução para os problemas de gestão que devem ser corrigidos, conforme postula uma visão conservadora de administração. Em meio a esse contexto sócio, político e econômico analisado anteriormente, vemos a introdução de políticas educacionais que vêm dentro de um quadro amplo de transformações e exigências de uma política neoliberal representada pelos setores hegemônicos na década de 90, que ao reestruturar as políticas sociais e, em especial, a educação, trouxeram novas formas de financiamento que atingiram diretamente à escola. Dentre os vários mecanismos legais que buscaram delegar autonomia para a escola4, o PDDE trouxe um novo mecanismo de financiamento com limites e perspectivas. Olhar o interior da escola, seus sujeitos e como este programa é percebido tornase fundamental, na medida em que esse programa pode conter em si um germe de transformação das relações no interior do espaço escolar, mesmo sendo produto de uma política neoliberal, talvez a comunidade escolar tenha a real possibilidade de começar a galgar rumo a uma efetiva gestão democrática. 4 Como já vimos uma autonomia um tanto paradoxal. 6 PDDE/ AUTONOMIA/ FINANCIAMENTO: A VISÃO DOS PROFISSIONAIS A escola analisada pertence a uma rede municipal do Rio de Janeiro. É localizada em uma área considerada suburbana, em que convivem classe média e comunidades carentes. Seu público alvo é composto em maioria por crianças e adolescentes das comunidades carentes próximas. A aplicação dos questionários envolveu os diferentes profissionais que atuam na escola. Ao questionar sobre a existência do Programa do Governo Federal Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e se a escola recebe os recursos advindos desse Programa, todos os entrevistados responderam que o conhecem e que a Escola recebe essa verba, porém as interpretações sobre se o mesmo contribuiu para a autonomia da escola são heterogêneas. Uma professora não respondeu esse item. Duas professoras afirmaram que: “Em parte pois o que se pode comprar é restrito”. Outros profissionais relataram que: “Contribui para autonomia da escola, pois os recursos são utilizados para atender as necessidades da U.E.”; “Facilita as decisões na escola. Porque se compra tudo mais rápido devido ao dinheiro diretamente nas mãos da escola”; “Em termos, se você quer comprar um material que necessite ficam certas restrições. A verba não é muito grande para suprir as necessidades da Escola. Ex: bomba d’água quebrada hoje. Não prevíamos isso”; Uma professora respondeu apenas que “sim”, ou seja, que o PDDE contribui para a autonomia da Escola, mas não aprofundou sua resposta. Com relação a esta questão a diretora afirma que: Ele contribui e é uma forma de exercer essa autonomia de levar essa autonomia, quando você tem o dinheiro você tem que listar prioridades, é escolher o mais urgente e que seria melhor e o que eu acho interessante nessa verba é que você não pode ver o individual, você tem que trabalhar o coletivo, então todas as vezes que a gente senta pra discutir as prioridades ainda as pessoas há algum tempo atrás viam muito o individual. Hoje elas já conseguem entender essa verba como muitos ainda não sabem o que é o PDDE, mas já entendem que esta verba é para o coletivo é para o bem estar, para o desenvolvimento do aluno [...] Então já existe um ganho. Emergiu uma questão no meio da entrevista com a diretora acerca do PDDE e do uso dos recursos, para que fosse aprofundada a temática em questão. Foi perguntado à diretora: Você acha que essa verba é suficiente? Ela poderia ser maior? Em resposta a diretora complementa que: 7 Bem eu vejo assim. Nesta gestão da prefeitura pelo menos eu posso falar pela minha escola a gente tem sempre material, sabendo utilizar, então você vai ter material o ano inteiro, questão de uniforme que é a blusa, caderno [...] isso a escola tem. Isso a prefeitura abastece a escola. Material de limpeza, entendeu? Então a gente tem. Com o PDDE a gente compra aquilo que não vem entendeu? Que não vem. Então vamos dizer assim, aquele papel colorido papel não sei do que pra fazer o trabalho com as crianças entendeu? Eh o carbono hectográfico que roda aquela matriz entendeu? É Engrossa no cartucho da máquina entendeu? Coisas assim por exemplo. A escola agora será pintada, então com esse dinheiro a gente ta investindo na pintura da escola. Então o que eu acho é pouco eh claro que eu gostaria que fosse mais, a gente tem que ver que há um Brasil inteiro pra abastecer [...] Agora a rede municipal abastece as escolas você sabendo eh utilizar você consegue eh fazer uma boa administração do dinheiro desses recursos e abastecer a escola. Ela enfatiza que na atual gestão da prefeitura de sua cidade tem recebido recursos, que em outras administrações não recebia, mas que os alunos precisam valorizar mais o que têm, pois a oferta é muito boa, todavia a desvalorização dos alunos com relação ao patrimônio público permanece. Voltando ao cerne da questão, ela relata que o dinheiro é pouco, mas que não se pode desconsiderar que se tem um Brasil inteiro para abastecer e complementa: “eu acho que também muito dinheiro na mão das pessoas que talvez não tenham responsabilidade vá ser um dinheiro que vá pelo ralo e aí eu não acho legal isso acontecer com o dinheiro que a gente paga como contribuinte”. Quando interrogados se a Escola participa em programas de repasses financeiros do governo, uma professora afirmou que “não” e duas não responderam a questão. Três profissionais responderam que “sim” e uma professora alegou não saber. Os que deram uma resposta afirmativa complementaram: “Em todas as esferas: Municipais, Estaduais e Federais”; “Fundo rotativo. Só não sabe de quem ele advém”; “PDDE; SDP = verba recebida pela Escola (Sistema de Descentralização de Pagamento)”. A diretora aprofundou esta questão que muitos não souberam precisar. Ela afirmou que existe o programa do Governo Federal de escolha do livro didático, em que a escola escolhe o livro e o Governo faz a compra dos mesmos. Também, cita a merenda como um repasse do Governo Federal para a Prefeitura e lembra que a Escola, também, recebeu computadores do Programa Pro-Jovem. Porém, relata: “mas o que mais transparece pras pessoas é o PDDE, porque elas são convocadas pra participar”. Interrogamos, também, se a Escola participa de parcerias com outras instituições (empresas ONGS, Centros Comunitários, etc) na busca de financiamento para projetos, quatro professoras, um agente administrativo e a diretora adjunta alegaram que “não”. Outra professora expôs que desconhece. Acerca desta questão, a diretora citou as 8 parcerias com o “Dente Escola”, que consiste em um trabalho de tratamento dentário realizado por universitários de odontologia junto às crianças da Escola. Citou, também, os serviços na área de psicopedagogia realizados junto às crianças que necessitam de orientação. Relatou sobre a parceria com a empresa de abastecimento de água de sua região, que promove palestras para os alunos e complementou citando como exemplo o trabalho realizado por um grupo da polícia que promoveu atividades esportivas de cunho pedagógico na sua Escola: “não temos com empresa privada a gente não tem, mas assim eh parcerias mais com empresas relacionadas ao governo, à instituição pública”. Na questão que interroga se a escola sofre com a falta de recursos financeiros, seis profissionais responderam que “sim”, apenas uma professora assinalou “não”. Os que assinalaram a resposta afirmativa relataram que: “A falta de recursos limita certas atividades pedagógicas”; “Porque nem tudo que é necessário ser feito, pode”; “A falta de recursos limita certas atividades pedagógicas, como excursões, idas a teatro, museus, etc”; “Sempre é pouco”; “Sempre ter dinheiro é bom. Com mais verbas você tem como atender mais as necessidades da U.E.”; “A manutenção é quase que mensal e diariamente é necessário comprar, repor ou providenciar a aquisição de alguma coisa”. CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA FINANCEIRA ATRAVÉS DO PDDE O modelo de autonomia financeira trazido pelo Programa Dinheiro Direto na Escola como já vimos (Adrião, 2007), de fato agilizou a assistência financeira dos sistemas públicos de ensino. Porém, sabemos também que essa autonomia atende a um modelo neoliberal desconcentrador das políticas educacionais, portanto tal modelo não veio com o objetivo de democratizar as relações sociais no interior do espaço escolar. Como constatamos nos depoimentos dos funcionários da Escola, todos conhecem o programa e sabem que a sua Unidade recebe esses recursos. Nas opiniões diversas sobre a autonomia delegada por esse modelo, vimos que alguns a consideram limitada, pois a verba é restrita e vimos, também, na fala de outros profissionais que o PDDE possibilitou autonomia nas decisões acerca do financiamento na Escola. As visões ficaram restritas ao senso comum, pois não foi questionado o modelo de “autonomia” que o Programa trata e seus determinantes políticos. Podemos verificar nessas falas a reivindicação pelo aumento desses valores financeiros para atender as muitas necessidades da Escola. Todavia, em nenhum 9 momento a percepção dos funcionários atingiu um nível de discussão mais complexo, que contextualizasse essa questão dos valores abaixo da necessidade dentro de questões políticas mais amplas, que são apontadas na discussão teórica deste estudo. Eles se detiveram às questões mais imediatas do seu cotidiano. De fato a autonomia como desconcentração do financiamento foi adquirida via PDDE, mas as discussões acerca dos valores que são repassados para as escolas deveriam ser intensificadas, para que as U.E. possam chegar a um nível suficiente de autonomia na gestão de seus recursos e não tenham suas atividades limitadas por carências financeiras. A diretora da unidade fez um depoimento interessante ao afirmar que o programa possibilitou a construção de olhar coletivo, mais autônomo na definição das prioridades para a Escola. Esse diferencial mostra que relações mais coletivas estão germinando pós PDDE. Ela destaca que esse programa é o que mais transparece para a comunidade. Ao relatar que a verba poderia ser maior, a diretora, como os demais funcionários, não problematizou os condicionantes políticos que envolvem essa questão. E antagonicamente alegou que o perigo de se aumentar valores seria a indução de práticas administrativas que não saibam gerir bem a verba. AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS IMPLEMENTADAS As políticas sociais dos anos 90 trouxeram novos debates acerca do financiamento da educação. Os sujeitos antes excluídos da participação no espaço escolar conquistaram seus espaços de atuação. Conforme expõem: Oliveira (1999), Cunha (2005), Adrião e Camargo (2001) e Abranches (2003), os movimentos em prol da educação reivindicavam maiores espaços de participação. No estudo de caso, tivemos a possibilidade de verificar a existência de várias representações/ instâncias de participação presentes nesta Escola, mas contraditoriamente vemos ainda que elas têm muito a conquistar para aumentar os seus níveis de participação que ainda encontram-se tímidos e desestruturados. Tais níveis ainda pequenos de participação não podem ser relacionados apenas à falta de estrutura nas U.E., senão incorreríamos em uma visão neoliberal de educação como vimos nos debates teóricos travados, mas eles também advêm, principalmente, de um contexto neoliberal que gerou políticas contraditórias ao modelo de sociedade democrática que os educadores críticos desejavam construir. 10 O impacto do PDDE foi um fato marcante na Escola estudada, vemos que o programa trouxe o debate acerca da utilização de recursos no espaço escolar. No caso analisado, ele favoreceu a introdução de práticas mais participativas. O que falta, porém, é um aprofundamento desse nível de participação da comunidade nos processos decisórios, incluindo outros processos pedagógicos, além do financiamento. A preocupação de Adrião (2007) acerca dos depoimentos que avaliavam positivamente o Programa devido sua relevância como uma política descentralizadora, mas que simultaneamente estavam sujeitos ao pragmatismo sem refletir os impactos em longo prazo dessas políticas também foi percebido nos depoimentos analisados. Um fato que não foi aprofundado refere-se à atuação da UEx naquela instituição. A escola analisada tem sua unidade executora, porém esta não foi citada nos discursos e entrevistas. Isso pode nos levar a inúmeras interpretações, que não podem ser consideradas únicas. O que nos pareceu é que, talvez, naquela realidade o impacto desta Unidade não tenha sido contestado, porque as instâncias de participação que já existiam não tivessem uma articulação e conhecimento suficientes para perceber o que esta Unidade de fato significa e seu impacto a longo prazo devido ao seu caráter privado. Essa questão mostrou-se instigante, porém devido ao tempo para execução da pesquisa não se conseguiu chegar aos seus determinantes. Verificamos que apesar de ter surgido em um contexto neoliberal de reformas, o PDDE, ao mesmo tempo, trouxe práticas que podem transformar e aprofundar a longo prazo os níveis de participação no espaço escolar. Assim, mostramos uma fragilidade desse sistema neoliberal, na medida em que o objetivo foi enxugar gastos, simultaneamente vemos contradições que podem transformar substancialmente os espaços escolares. Apesar de ratificar que os valores continuam na lógica do enxugamento, vemos que o Programa trouxe perspectivas positivas em seu interior. CONSIDERAÇÕES FINAIS As mudanças processadas nas políticas educacionais a partir da década de 80 intensificaram a crítica ao padrão autoritário e centralizador dos governos militares. Os vários segmentos em prol de políticas educacionais mais democráticas reivindicavam mudanças nos sistemas educacionais via descentralização, maior participação da sociedade civil na concepção e execução destas políticas de gestão democrática da escola, entre outras medidas, que viam no processo educacional possibilidades objetivas 11 de mudanças qualitativas. Nesse período, a proposição de uma educação mais democrática era combatida pelos segmentos que representavam os setores privatistas na educação. Nos anos 90, as conjunturas social, política, econômica e educacional foram reestruturadas em suas bases devido à introdução das políticas neoliberais. Tais políticas chegaram à educação operando uma série de mudanças através de uma reforma política, que foi empreendida no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Novos dispositivos legais trouxeram mudanças substantivas para a gestão do ensino e seus mecanismos de financiamento. Alguns destes dispositivos utilizaram os conceitos trazidos pelos setores de esquerda para a educação na década de 80, porém ressignificados sob novas lógicas, cujas características refletiam as proposições neoliberais. No mesmo período, uma série de organismos multilaterais e internacionais propuseram para os países em desenvolvimento reformas nos seus sistemas de ensino como uma forma de inserção de suas economias no capitalismo globalizado. Tais recomendações foram inseridas nas nossas leis. Conceitos como equidade e descentralização assumiram novas semânticas da modernização, enquanto outros como focalização, parceria e privatização ganharam destaque no cenário educacional como soluções viáveis para a melhoria dos sistemas de ensino. Todos esses conceitos trouxeram mudanças estruturais, como por exemplo, o processo de municipalização dos sistemas de ensino, instituído nesse cenário. Nos níveis escolares, a discussão da autonomia ganhou força nesse período. Duas perspectivas antagônicas trouxeram questões teóricas singulares acerca do tema. Uma opção focava a concepção de educação sociocrítica, enquanto outra tratava-se de uma concepção científico-racional. Em meio a este contexto, as políticas de financiamento da educação foram ressignificadas conforme as proposições hegemônicas. Entre os vários dispositivos legais que afetaram diretamente a educação destacamos o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). O PDDE surgiu para prestar a assistência financeira em caráter suplementar às escolas públicas do Ensino Fundamental das diferentes redes de ensino no Brasil. O programa trouxe mudanças que atingiram a forma de gestão das escolas, que adquiriram maior autonomia financeira para gerir os seus recursos. Em contrapartida, trouxe, também, representações de caráter privado para o espaço escolar, estimulando disputas 12 entre grupos de representação e participação na gestão que deveriam se unir em prol da democratização desse espaço. Em meio a essas discussões ficou nítido que as nossas políticas educacionais ainda que apresentem características neoliberais são contraditórias e justamente dentro de suas contradições podem guardar a possibilidade de gestarem mudanças objetivas na educação. Portanto, olhar o PDDE dentro de uma escola tornou-se interessante, na medida em pôde-se compreender como este Programa foi percebido em um contexto específico. Com base nas respostas dos questionários observou-se que um grande percentual dos entrevistados conheciam o PDDE e sabiam que sua Unidade recebe este recurso, alguns reconhecem a autonomia que o programa trouxe, mas pouco aprofundaram análises acerca do tema. A questão acerca do aumento dos valores da verba, também, perpassou alguns discursos. Todavia, nenhum dos entrevistados apresentou uma discussão mais complexa que contextualizasse essas questões de forma a relacioná-las com as políticas governamentais mais amplas. As questões acerca das representações de participação na escola mostraram que a participação do CEC restringe-se apenas a decisões financeiras e não perpassa outras decisões da escola, que seria um fato primordial para mostrar que o financiamento é um processo contínuo e não está apenas ligado aos períodos de recebimento de verbas. A inovação que o PDDE trouxe para a Unidade segundo a diretora foi o olhar mais coletivo, pois ele é marcante à comunidade escolar devido a seus impactos visíveis e próximos do cotidiano. Vemos que o Programa possibilitou uma postura que talvez antes não houvesse nesta instituição. O Programa trouxe o debate acerca da utilização dos recursos no espaço escolar, também, trouxe práticas mais participativas dentro da Unidade pesquisada. Porém, vimos que esta Escola ainda precisa avançar em termos de maior participação de seus sujeitos nos processos decisórios. Então podemos afirmar, tendo como base esta realidade que de alguma forma este Programa induziu práticas mais participativas, todavia não generalizamos esta afirmação na medida em que esta é apenas uma realidade dentro de um espectro infinito de outras vivências que estão sendo gestadas em outros espaços. Verificamos que apesar de ter surgido em um contexto neoliberal de reformas, o PDDE, ao mesmo tempo, trouxe práticas que estão transformando as relações de participação neste espaço escolar, mesmo que em níveis ainda insuficientes. Assim, mostramos uma fragilidade desse sistema neoliberal, na medida em que o objetivo foi 13 enxugar gastos, simultaneamente vimos contradições que, em longo prazo, podem transformar substancialmente os espaços de participação no seio das escolas. Apesar de ratificar que os valores continuam na lógica do enxugamento, vemos que o Programa trouxe perspectivas positivas em seu interior e que devem ser apropriadas pelos gestores que almejam aprofundar os níveis de participação no interior das escolas com vistas a induzir a democratização dos processos de gestão escolar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRANCHES, Mônica. Democratizando as relações sociais na educação: participação e descentralização. IN: ABRANCHES, Mônica. Colegiado escolar: espaço de participação da comunidade. São Paulo: Cortez, 2003, p. 11-27. (Coleção Questões da Nossa Época, 102). ADRIÃO, Theresa. Implicações do Programa Dinheiro Direto na Escola para a gestão da escola pública. Campinas, v. 28, n. 98, p. 253-267, jan./abr. 2007. ADRIÃO, Theresa; CAMARGO, Rubens Barbosa de. A gestão democrática na Constituição Federal de 1988. IN: OLIVEIRA, Rubens Barbosa de; ADRIÃO, Theresa. (Orgs.). 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