O PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO
LUCIANE DA SILVA NASCIMENTO1
DINAIR LEAL DA HORA2
RESUMO: Este artigo é parte de uma pesquisa acadêmica desenvolvida no Curso de
Especialização em Administração Escolar da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), que buscou compreender as formas assumidas no processo de descentralização
do financiamento por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e perceber
a relação deste processo no contexto das reformas de caráter estrutural (neoliberais)
empreendidas nas décadas de 80 e 90. Foi realizado um estudo de caso que teve como
objeto de análise uma escola de um sistema público municipal do Rio de Janeiro, seus
mecanismos de interação e apropriação deste Programa. O estudo analisou o PDDE,
assim como sua concepção de autonomia financeira, destaca alguns olhares acerca deste
programa na visão dos profissionais de uma Unidade Escolar e avalia as políticas
implementadas. Para o estudo de caso foram analisadas fontes documentais, foram
aplicados questionários, foi realizada uma entrevista com a direção da escola e foram
realizados registros diários. A Unidade Escolar analisada está localizada em uma área
suburbana e seu público alvo é composto em maioria por crianças e adolescentes das
comunidades carentes próximas. Com base na análise dos dispositivos de
financiamento, autonomia e participação por meio do PDDE pôde-se constatar que
apesar dos níveis de participação, em todos os processos de decisão, dos diferentes
segmentos no interior desta Escola ainda serem ínfimos, emergiu um olhar mais
coletivo na Unidade, visto que o Programa de fato transparece mais naquela
comunidade escolar. Ao requerer a participação dos diferentes segmentos na aplicação
financeira, o programa produziu naquele contexto um relativo aumento da participação.
Isso revela uma contradição no seio de um Programa neoliberal, que pode induzir, em
longo prazo, o aprofundamento dos níveis de participação no interior dos espaços
escolares.
Palavras-chave: Financiamento da Educação; Programa Dinheiro Direto na Escola;
Autonomia Financeira.
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Faculdade de Educação da Baixada Fluminense UERJ/FEBF, Mestranda em Educação. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
em Saúde - ICICT/FIOCRUZ. E-mails para contato: [email protected];
[email protected].
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Faculdade de Educação da Baixada Fluminense UERJ/FEBF, Pós-Doutorado em Educação. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas IPEC/FIOCRUZ E-mails para contatos: [email protected]; [email protected].
INTRODUÇÃO
Este trabalho é um recorte de uma pesquisa acadêmica mais ampla desenvolvida
no curso de Especialização em Administração Escolar da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), cujo objetivo geral foi compreender as formas assumidas no
processo descentralização do financiamento do ensino municipal através do Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e perceber a relação deste processo de
descentralização no contexto das reformas de caráter estrutural (neoliberais)
empreendidas nas décadas de 80 e 90, por meio de um estudo de caso que teve como
objeto de análise uma escola de um sistema público municipal do Rio de Janeiro, seus
mecanismos de interação e apropriação deste programa.
Os dados foram obtidos através de levantamento da documentação direta
realizada na escola. Foram pesquisados os documentos legais (externos - MEC e
internos - escola) referentes ao Programa. Foram aplicados questionários aos
profissionais da escola, foi realizada uma entrevista com a direção da unidade escolar,
assim como foram registradas observações diárias.
Este artigo científico analisa o PDDE, assim como sua concepção de autonomia
financeira, destaca alguns olhares acerca deste programa na visão dos profissionais de
uma Unidade Escolar e avalia as políticas implementadas.
DESENVOLVIMENTO
PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) foi criado pela Resolução 12, de
10 de maio de 1995, com o nome de Programa de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental (PMDE). Posteriormente, passou a se chamar PDDE, devido à
edição de Medida Provisória do Governo Federal (n. 1.784, de 14 de dezembro de
1998). Sua finalidade é prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas
públicas de ensino fundamental das redes estaduais, municipais, do Distrito Federal e às
escolas de educação especial qualificadas como entidades filantrópicas ou por elas
mantidas, desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
(FNDE, 2007).
2
O PDDE faz parte de um conjunto de decisões e ações governamentais
implementadas com o objetivo de:
Propiciar a elevação da qualidade do ensino e sua universalização, de modo
que toda criança tenha acesso e possa permanecer em uma escola dotada de
recursos didático-pedagógicos e humanos bem preparados, com vistas à
promoção da eqüidade de oportunidades educacionais, como meio de
redução das desigualdades sociais e de consolidação da cidadania. A
concepção de uma escola que ofereça ensino de qualidade é responsabilidade
de todos - governo e sociedade. E é neste contexto que se insere o Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Por um lado, provendo, supletivamente,
meios para aquisição dos recursos didático-pedagógicos, equipamentos,
reparos e conservação do prédio da unidade de ensino. Por outro, reforçando
a autogestão escolar e a participação social, mediante a descentralização
decisória e funcional do emprego do dinheiro (FNDE, 2006, p. 3).
Os recursos são destinados à cobertura de despesas de custeio, manutenção e de
pequenos investimentos, exceto gastos com pessoal, devendo ser empregados: na
aquisição de material permanente, quando recebem recursos de capital; na manutenção,
conservação e pequenos reparos da unidade escolar; na aquisição de material de
consumo necessário ao funcionamento da escola; na avaliação da aprendizagem; na
implementação de projeto pedagógico; e no desenvolvimento de atividades
educacionais.
As escolas públicas com mais de 50 estudantes matriculados regularmente
devem criar suas unidades executoras próprias para serem beneficiadas com recursos do
Programa. As escolas com menos de 50 alunos e que não tenham unidades executoras
próprias podem receber indiretamente o recurso. Nesse caso, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE3 transfere o dinheiro para as secretarias
estaduais e distrital de Educação ou prefeituras, cujas redes de ensino pertençam às
escolas. Na hipótese das escolas privadas da educação especial, os depósitos são
realizados nas contas de suas entidades mantenedoras.
São beneficiadas pelo programa as escolas públicas do ensino fundamental das
redes estaduais, municipais e do Distrito Federal, nas modalidades regular, especial e
indígena, de acordo com dados extraídos do censo escolar realizado pelo Ministério da
Educação (MEC), no ano imediatamente anterior ao do atendimento, bem como
entidade sem fins lucrativos registradas no Conselho Nacional de Assistência Social
(CNAS), ou outra similar de atendimento direto e gratuito ao público, responsável pela
3
FNDE é o órgão responsável pela assistência financeira, normatização, coordenação, acompanhamento,
fiscalização, cooperação técnica e avaliação da efetividade da aplicação dos recursos financeiros,
diretamente ou por delegação.
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manutenção e representação de escolas privadas de educação especial. O repasse dos
recursos do PDDE é feito anualmente pelo FNDE às contas bancárias das unidades
executoras, sem necessidade de assinatura de convênios. Cabe às unidades executoras
das escolas utilizar os recursos, de acordo com as decisões da comunidade.
Segundo Adrião (2007), os recursos do programa vêm majoritariamente do
salário-educação. Os repasses consideram as desigualdades regionais, tanto que os
estados das regiões norte, nordeste e centro-oeste recebem valores ligeiramente maiores
do que as regiões sul, sudeste e Distrito-Federal, tendo como base a quantidade
informada no censo escolar de alunos matriculados nas escolas públicas das redes de
ensino anteriormente citadas:
De maneira a visualizar tais valores, tem-se que uma escola com até 50
alunos recebeu R$500,00, ao ano, nas regiões Sul, Sudeste e no Distrito
Federal, e nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, R$ 600,00 (em
valores da época). Escolas consideradas de médio a grande porte (de 751 a
1000 alunos) receberam, nas regiões consideradas mais ricas, R$ 6.300,00,
enquanto para aquelas com o mesmo número de alunos e localizadas nos
estados do N, NE e CO o repasse foi de R$ 8.900,00 (idem, 2007, p. 258259).
Para exemplificar outros valores, conforme a quantidade de alunos das escolas e
levando em consideração a diferença por região, podemos citar que as escolas que
possuíssem de 1.501 a 2.000 alunos, em um ano não informado, localizadas nas regiões
Norte Nordeste e Centro-Oeste receberam um valor base de R$ 14.400,00, enquanto as
escolas com a mesma quantidade de alunos, localizadas nas regiões Sul, Sudeste e no
Distrito Federal receberam R$ 11.000,00 (FNDE, 2006). Tais cálculos consideram as
desigualdades econômicas existentes entre os sistemas educacionais dessas regiões e
buscam minimizá-las mediante a diferenciação na distribuição dos recursos de forma a
favorecer as regiões economicamente mais pobres.
De acordo com a Resolução que lhe deu origem, o PDDE surgiu com o objetivo
principal de agilizar a assistência financeira da Autarquia FNDE aos sistemas públicos
de ensino, com vistas a cumprir o disposto no artigo 211, da Constituição Federal de
1988, referente ao papel da União frente aos demais entes federados.
A necessidade da criação de unidades executoras para receber as verbas do
programa foi instituída a partir de 1997:
O agora Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) passou também a
incorporar escolas de ensino fundamental que atendessem alunos com
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necessidades educacionais especiais e comunidades indígenas. Em 2003, foi
novamente atualizado pela Resolução n. 3 de 27/02/03, do FNDE, com base
na Medida Provisória n. 2.178-36, de 24/08/2001. Desde 1997, o Programa
exige, como condição para o recebimento dos recursos diretamente pelas
escolas, a existência de Unidades Executoras (UEx): entidades de direito
privado, sem fins lucrativos e que possuam representantes da comunidade
escolar. [...] Declaradamente, o Programa opta pela criação de UEx de
natureza privada como mecanismo para assegurar maior flexibilidade na
gestão dos recursos repassados e ampliar a participação da comunidade
escolar nessa mesma gestão (ADRIÃO, 2007, p. 257-258).
Como o PDDE lida diretamente com a necessidade da participação da
comunidade escolar, novas discussões estão se desenvolvendo acerca do programa, na
medida em que novos sujeitos, até então pouco presentes na dinâmica escolar, começam
a entrar nesse espaço e ter papel relevante.
Segundo Adrião (2007), nos sistemas de ensino em que a democratização da
gestão estava em curso, a proposta de transformação dos Conselhos Escolares em
unidade executora assumiu um caráter de disputa política entre diferentes segmentos da
educação, visto que o dilema vivido pelos sistemas referia-se à opção em transformar a
natureza jurídica dos Conselhos Escolares, transformando-os em unidades executoras,
tendo como conseqüência a instalação de uma instituição de direito privado na esfera da
gestão da escola ou, de outra forma, o fortalecimento do Círculo de Pais e Mestres
(CPM), estrutura análoga às Associações de Pais e Mestres (APM), tradicionalmente
menos democrática e, em muitos casos, não subordinada ao controle do colegiado
gestor.
Adrião analisou o caso da rede municipal de Porto Alegre e das redes estaduais
do RS e MS. Em suas análises, pode constatar que, uma nova relação entre as escolas
públicas e as instituições de natureza privada está sendo travada, sendo as UEx um
exemplo da esfera privada no interior do espaço público. Dúvidas e questionamentos
sobre sua operacionalização dentro da escola e junto à gestão da mesma têm surgido.
Porém, a reflexão que deveria ser evocada para que se aprofundasse acerca dessa nova
interface entre o público e o privado na educação não estava na pauta dos entrevistados.
As preocupações são outras, pois na percepção colocada pelos gestores e educadores
pesquisados isso não mostrou ser uma questão relevante:
Os depoimentos centravam-se em avaliar positivamente a oportunidade de
receber diretamente os recursos. Essa unanimidade indica, por um lado, a
relevância que políticas descentralizadoras têm para aqueles que vivenciam o
cotidiano escolar, na medida em que se constituem em pré-condição para o
exercício da reivindicada autonomia pedagógica. Além disso, os montantes
repassados pelo Programa, contrariando a percepção inicial, desempenhavam
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função relevante na composição dos recursos geridos pela escola em todas as
redes pesquisadas. Por outro lado, também é certo afirmar que o
pragmatismo a que estão sujeitos os educadores, pela urgência de respostas
que o cotidiano da escola forja e exige, tende a minimizar a preocupação com
conseqüências de natureza mais geral, como as de natureza política, ou com
as que apresentam impactos a longo prazo (ADRIÃO, 2007, p. 263).
Como podemos verificar a nova relação entre o público e o privado travada na
década de 90 trouxe práticas de gestão diferenciadas para as escolas públicas, que estão
presenciando em seu interior novas formas de interação híbridas como é o caso das
Unidades Executoras anteriormente citadas e que trazem disputas entre grupos que
deveriam unir-se em prol de uma democratização das relações sociais no interior dos
espaços escolares.
Ao mesmo tempo, as unidades escolares têm vivenciado uma nova forma de
conceber a gestão financeira de forma descentralizada e mais participativa, o que serve
como possibilidade de indução de práticas mais democráticas da comunidade no interior
da escola.
Então podemos evidenciar os processos paradoxais que envolvem as políticas
educacionais, que instituem uma “autonomia”, porém a caracterizam como
desconcentradora e que, ao mesmo tempo, mesclam a escola pública com instâncias
privadas como uma forma de solução para os problemas de gestão que devem ser
corrigidos, conforme postula uma visão conservadora de administração.
Em meio a esse contexto sócio, político e econômico analisado anteriormente,
vemos a introdução de políticas educacionais que vêm dentro de um quadro amplo de
transformações e exigências de uma política neoliberal representada pelos setores
hegemônicos na década de 90, que ao reestruturar as políticas sociais e, em especial, a
educação, trouxeram novas formas de financiamento que atingiram diretamente à
escola. Dentre os vários mecanismos legais que buscaram delegar autonomia para a
escola4, o PDDE trouxe um novo mecanismo de financiamento com limites e
perspectivas.
Olhar o interior da escola, seus sujeitos e como este programa é percebido tornase fundamental, na medida em que esse programa pode conter em si um germe de
transformação das relações no interior do espaço escolar, mesmo sendo produto de uma
política neoliberal, talvez a comunidade escolar tenha a real possibilidade de começar a
galgar rumo a uma efetiva gestão democrática.
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Como já vimos uma autonomia um tanto paradoxal.
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PDDE/ AUTONOMIA/ FINANCIAMENTO: A VISÃO DOS PROFISSIONAIS
A escola analisada pertence a uma rede municipal do Rio de Janeiro. É
localizada em uma área considerada suburbana, em que convivem classe média e
comunidades carentes. Seu público alvo é composto em maioria por crianças e
adolescentes das comunidades carentes próximas. A aplicação dos questionários
envolveu os diferentes profissionais que atuam na escola.
Ao questionar sobre a existência do Programa do Governo Federal Dinheiro
Direto na Escola (PDDE) e se a escola recebe os recursos advindos desse Programa,
todos os entrevistados responderam que o conhecem e que a Escola recebe essa verba,
porém as interpretações sobre se o mesmo contribuiu para a autonomia da escola são
heterogêneas. Uma professora não respondeu esse item. Duas professoras afirmaram
que: “Em parte pois o que se pode comprar é restrito”. Outros profissionais relataram
que: “Contribui para autonomia da escola, pois os recursos são utilizados para atender
as necessidades da U.E.”; “Facilita as decisões na escola. Porque se compra tudo mais
rápido devido ao dinheiro diretamente nas mãos da escola”; “Em termos, se você quer
comprar um material que necessite ficam certas restrições. A verba não é muito grande
para suprir as necessidades da Escola. Ex: bomba d’água quebrada hoje. Não prevíamos
isso”; Uma professora respondeu apenas que “sim”, ou seja, que o PDDE contribui para
a autonomia da Escola, mas não aprofundou sua resposta. Com relação a esta questão a
diretora afirma que:
Ele contribui e é uma forma de exercer essa autonomia de levar essa
autonomia, quando você tem o dinheiro você tem que listar prioridades, é
escolher o mais urgente e que seria melhor e o que eu acho interessante nessa
verba é que você não pode ver o individual, você tem que trabalhar o
coletivo, então todas as vezes que a gente senta pra discutir as prioridades
ainda as pessoas há algum tempo atrás viam muito o individual. Hoje elas já
conseguem entender essa verba como muitos ainda não sabem o que é o
PDDE, mas já entendem que esta verba é para o coletivo é para o bem estar,
para o desenvolvimento do aluno [...] Então já existe um ganho.
Emergiu uma questão no meio da entrevista com a diretora acerca do PDDE e do
uso dos recursos, para que fosse aprofundada a temática em questão. Foi perguntado à
diretora: Você acha que essa verba é suficiente? Ela poderia ser maior? Em resposta a
diretora complementa que:
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Bem eu vejo assim. Nesta gestão da prefeitura pelo menos eu posso falar pela
minha escola a gente tem sempre material, sabendo utilizar, então você vai
ter material o ano inteiro, questão de uniforme que é a blusa, caderno [...]
isso a escola tem. Isso a prefeitura abastece a escola. Material de limpeza,
entendeu? Então a gente tem. Com o PDDE a gente compra aquilo que não
vem entendeu? Que não vem. Então vamos dizer assim, aquele papel
colorido papel não sei do que pra fazer o trabalho com as crianças entendeu?
Eh o carbono hectográfico que roda aquela matriz entendeu? É Engrossa no
cartucho da máquina entendeu? Coisas assim por exemplo. A escola agora
será pintada, então com esse dinheiro a gente ta investindo na pintura da
escola. Então o que eu acho é pouco eh claro que eu gostaria que fosse mais,
a gente tem que ver que há um Brasil inteiro pra abastecer [...] Agora a rede
municipal abastece as escolas você sabendo eh utilizar você consegue eh
fazer uma boa administração do dinheiro desses recursos e abastecer a escola.
Ela enfatiza que na atual gestão da prefeitura de sua cidade tem recebido
recursos, que em outras administrações não recebia, mas que os alunos precisam
valorizar mais o que têm, pois a oferta é muito boa, todavia a desvalorização dos alunos
com relação ao patrimônio público permanece.
Voltando ao cerne da questão, ela relata que o dinheiro é pouco, mas que não se
pode desconsiderar que se tem um Brasil inteiro para abastecer e complementa: “eu
acho que também muito dinheiro na mão das pessoas que talvez não tenham
responsabilidade vá ser um dinheiro que vá pelo ralo e aí eu não acho legal isso
acontecer com o dinheiro que a gente paga como contribuinte”.
Quando interrogados se a Escola participa em programas de repasses financeiros
do governo, uma professora afirmou que “não” e duas não responderam a questão. Três
profissionais responderam que “sim” e uma professora alegou não saber. Os que deram
uma resposta afirmativa complementaram: “Em todas as esferas: Municipais, Estaduais
e Federais”; “Fundo rotativo. Só não sabe de quem ele advém”; “PDDE; SDP = verba
recebida pela Escola (Sistema de Descentralização de Pagamento)”. A diretora
aprofundou esta questão que muitos não souberam precisar. Ela afirmou que existe o
programa do Governo Federal de escolha do livro didático, em que a escola escolhe o
livro e o Governo faz a compra dos mesmos. Também, cita a merenda como um repasse
do Governo Federal para a Prefeitura e lembra que a Escola, também, recebeu
computadores do Programa Pro-Jovem. Porém, relata: “mas o que mais transparece pras
pessoas é o PDDE, porque elas são convocadas pra participar”.
Interrogamos, também, se a Escola participa de parcerias com outras instituições
(empresas ONGS, Centros Comunitários, etc) na busca de financiamento para projetos,
quatro professoras, um agente administrativo e a diretora adjunta alegaram que “não”.
Outra professora expôs que desconhece. Acerca desta questão, a diretora citou as
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parcerias com o “Dente Escola”, que consiste em um trabalho de tratamento dentário
realizado por universitários de odontologia junto às crianças da Escola. Citou, também,
os serviços na área de psicopedagogia realizados junto às crianças que necessitam de
orientação. Relatou sobre a parceria com a empresa de abastecimento de água de sua
região, que promove palestras para os alunos e complementou citando como exemplo o
trabalho realizado por um grupo da polícia que promoveu atividades esportivas de
cunho pedagógico na sua Escola: “não temos com empresa privada a gente não tem,
mas assim eh parcerias mais com empresas relacionadas ao governo, à instituição
pública”.
Na questão que interroga se a escola sofre com a falta de recursos financeiros,
seis profissionais responderam que “sim”, apenas uma professora assinalou “não”. Os
que assinalaram a resposta afirmativa relataram que: “A falta de recursos limita certas
atividades pedagógicas”; “Porque nem tudo que é necessário ser feito, pode”; “A falta
de recursos limita certas atividades pedagógicas, como excursões, idas a teatro, museus,
etc”; “Sempre é pouco”; “Sempre ter dinheiro é bom. Com mais verbas você tem como
atender mais as necessidades da U.E.”; “A manutenção é quase que mensal e
diariamente é necessário comprar, repor ou providenciar a aquisição de alguma coisa”.
CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA FINANCEIRA ATRAVÉS DO PDDE
O modelo de autonomia financeira trazido pelo Programa Dinheiro Direto na
Escola como já vimos (Adrião, 2007), de fato agilizou a assistência financeira dos
sistemas públicos de ensino. Porém, sabemos também que essa autonomia atende a um
modelo neoliberal desconcentrador das políticas educacionais, portanto tal modelo não
veio com o objetivo de democratizar as relações sociais no interior do espaço escolar.
Como constatamos nos depoimentos dos funcionários da Escola, todos
conhecem o programa e sabem que a sua Unidade recebe esses recursos. Nas opiniões
diversas sobre a autonomia delegada por esse modelo, vimos que alguns a consideram
limitada, pois a verba é restrita e vimos, também, na fala de outros profissionais que o
PDDE possibilitou autonomia nas decisões acerca do financiamento na Escola. As
visões ficaram restritas ao senso comum, pois não foi questionado o modelo de
“autonomia” que o Programa trata e seus determinantes políticos.
Podemos verificar nessas falas a reivindicação pelo aumento desses valores
financeiros para atender as muitas necessidades da Escola. Todavia, em nenhum
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momento a percepção dos funcionários atingiu um nível de discussão mais complexo,
que contextualizasse essa questão dos valores abaixo da necessidade dentro de questões
políticas mais amplas, que são apontadas na discussão teórica deste estudo. Eles se
detiveram às questões mais imediatas do seu cotidiano.
De fato a autonomia como desconcentração do financiamento foi adquirida via
PDDE, mas as discussões acerca dos valores que são repassados para as escolas
deveriam ser intensificadas, para que as U.E. possam chegar a um nível suficiente de
autonomia na gestão de seus recursos e não tenham suas atividades limitadas por
carências financeiras.
A diretora da unidade fez um depoimento interessante ao afirmar que o
programa possibilitou a construção de olhar coletivo, mais autônomo na definição das
prioridades para a Escola. Esse diferencial mostra que relações mais coletivas estão
germinando pós PDDE. Ela destaca que esse programa é o que mais transparece para a
comunidade. Ao relatar que a verba poderia ser maior, a diretora, como os demais
funcionários, não problematizou os condicionantes políticos que envolvem essa questão.
E antagonicamente alegou que o perigo de se aumentar valores seria a indução de
práticas administrativas que não saibam gerir bem a verba.
AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS IMPLEMENTADAS
As políticas sociais dos anos 90 trouxeram novos debates acerca do
financiamento da educação. Os sujeitos antes excluídos da participação no espaço
escolar conquistaram seus espaços de atuação. Conforme expõem: Oliveira (1999),
Cunha (2005), Adrião e Camargo (2001) e Abranches (2003), os movimentos em prol
da educação reivindicavam maiores espaços de participação. No estudo de caso,
tivemos a possibilidade de verificar a existência de várias representações/ instâncias de
participação presentes nesta Escola, mas contraditoriamente vemos ainda que elas têm
muito a conquistar para aumentar os seus níveis de participação que ainda encontram-se
tímidos e desestruturados. Tais níveis ainda pequenos de participação não podem ser
relacionados apenas à falta de estrutura nas U.E., senão incorreríamos em uma visão
neoliberal de educação como vimos nos debates teóricos travados, mas eles também
advêm, principalmente, de um contexto neoliberal que gerou políticas contraditórias ao
modelo de sociedade democrática que os educadores críticos desejavam construir.
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O impacto do PDDE foi um fato marcante na Escola estudada, vemos que o
programa trouxe o debate acerca da utilização de recursos no espaço escolar. No caso
analisado, ele favoreceu a introdução de práticas mais participativas. O que falta, porém,
é um aprofundamento desse nível de participação da comunidade nos processos
decisórios, incluindo outros processos pedagógicos, além do financiamento.
A preocupação de Adrião (2007) acerca dos depoimentos que avaliavam
positivamente o Programa devido sua relevância como uma política descentralizadora,
mas que simultaneamente estavam sujeitos ao pragmatismo sem refletir os impactos em
longo prazo dessas políticas também foi percebido nos depoimentos analisados.
Um fato que não foi aprofundado refere-se à atuação da UEx naquela instituição.
A escola analisada tem sua unidade executora, porém esta não foi citada nos discursos e
entrevistas. Isso pode nos levar a inúmeras interpretações, que não podem ser
consideradas únicas. O que nos pareceu é que, talvez, naquela realidade o
impacto desta Unidade não tenha sido contestado, porque as instâncias de participação
que já existiam não tivessem uma articulação e conhecimento suficientes para perceber
o que esta Unidade de fato significa e seu impacto a longo prazo devido ao seu caráter
privado. Essa questão mostrou-se instigante, porém devido ao tempo para execução da
pesquisa não se conseguiu chegar aos seus determinantes.
Verificamos que apesar de ter surgido em um contexto neoliberal de reformas, o
PDDE, ao mesmo tempo, trouxe práticas que podem transformar e aprofundar a longo
prazo os níveis de participação no espaço escolar. Assim, mostramos uma fragilidade
desse sistema neoliberal, na medida em que o objetivo foi enxugar gastos,
simultaneamente vemos contradições que podem transformar substancialmente os
espaços escolares. Apesar de ratificar que os valores continuam na lógica do
enxugamento, vemos que o Programa trouxe perspectivas positivas em seu interior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças processadas nas políticas educacionais a partir da década de 80
intensificaram a crítica ao padrão autoritário e centralizador dos governos militares. Os
vários segmentos em prol de políticas educacionais mais democráticas reivindicavam
mudanças nos sistemas educacionais via descentralização, maior participação da
sociedade civil na concepção e execução destas políticas de gestão democrática da
escola, entre outras medidas, que viam no processo educacional possibilidades objetivas
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de mudanças qualitativas. Nesse período, a proposição de uma educação mais
democrática era combatida pelos segmentos que representavam os setores privatistas na
educação.
Nos anos 90, as conjunturas social, política, econômica e educacional foram
reestruturadas em suas bases devido à introdução das políticas neoliberais. Tais políticas
chegaram à educação operando uma série de mudanças através de uma reforma política,
que foi empreendida no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Novos
dispositivos legais trouxeram mudanças substantivas para a gestão do ensino e seus
mecanismos de financiamento. Alguns destes dispositivos utilizaram os conceitos
trazidos pelos setores de esquerda para a educação na década de 80, porém
ressignificados sob novas lógicas, cujas características refletiam as proposições
neoliberais.
No mesmo período, uma série de organismos multilaterais e internacionais
propuseram para os países em desenvolvimento reformas nos seus sistemas de ensino
como uma forma de inserção de suas economias no capitalismo globalizado. Tais
recomendações foram inseridas nas nossas leis. Conceitos como equidade e
descentralização assumiram novas semânticas da modernização, enquanto outros como
focalização, parceria e privatização ganharam destaque no cenário educacional como
soluções viáveis para a melhoria dos sistemas de ensino. Todos esses conceitos
trouxeram mudanças estruturais, como por exemplo, o processo de municipalização dos
sistemas de ensino, instituído nesse cenário.
Nos níveis escolares, a discussão da autonomia ganhou força nesse período.
Duas perspectivas antagônicas trouxeram questões teóricas singulares acerca do tema.
Uma opção focava a concepção de educação sociocrítica, enquanto outra tratava-se de
uma concepção científico-racional.
Em meio a este contexto, as políticas de financiamento da educação foram
ressignificadas conforme as proposições hegemônicas. Entre os vários dispositivos
legais que afetaram diretamente a educação destacamos o Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE).
O PDDE surgiu para prestar a assistência financeira em caráter suplementar às
escolas públicas do Ensino Fundamental das diferentes redes de ensino no Brasil. O
programa trouxe mudanças que atingiram a forma de gestão das escolas, que adquiriram
maior autonomia financeira para gerir os seus recursos. Em contrapartida, trouxe,
também, representações de caráter privado para o espaço escolar, estimulando disputas
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entre grupos de representação e participação na gestão que deveriam se unir em prol da
democratização desse espaço.
Em meio a essas discussões ficou nítido que as nossas políticas educacionais
ainda que apresentem características neoliberais são contraditórias e justamente dentro
de suas contradições podem guardar a possibilidade de gestarem mudanças objetivas na
educação. Portanto, olhar o PDDE dentro de uma escola tornou-se interessante, na
medida em pôde-se compreender como este Programa foi percebido em um contexto
específico.
Com base nas respostas dos questionários observou-se que um grande percentual
dos entrevistados conheciam o PDDE e sabiam que sua Unidade recebe este recurso,
alguns reconhecem a autonomia que o programa trouxe, mas pouco aprofundaram
análises acerca do tema. A questão acerca do aumento dos valores da verba, também,
perpassou alguns discursos. Todavia, nenhum dos entrevistados apresentou uma
discussão mais complexa que contextualizasse essas questões de forma a relacioná-las
com as políticas governamentais mais amplas.
As questões acerca das representações de participação na escola mostraram que
a participação do CEC restringe-se apenas a decisões financeiras e não perpassa outras
decisões da escola, que seria um fato primordial para mostrar que o financiamento é um
processo contínuo e não está apenas ligado aos períodos de recebimento de verbas.
A inovação que o PDDE trouxe para a Unidade segundo a diretora foi o olhar
mais coletivo, pois ele é marcante à comunidade escolar devido a seus impactos visíveis
e próximos do cotidiano. Vemos que o Programa possibilitou uma postura que talvez
antes não houvesse nesta instituição. O Programa trouxe o debate acerca da utilização
dos recursos no espaço escolar, também, trouxe práticas mais participativas dentro da
Unidade pesquisada. Porém, vimos que esta Escola ainda precisa avançar em termos de
maior participação de seus sujeitos nos processos decisórios.
Então podemos afirmar, tendo como base esta realidade que de alguma forma
este Programa induziu práticas mais participativas, todavia não generalizamos esta
afirmação na medida em que esta é apenas uma realidade dentro de um espectro infinito
de outras vivências que estão sendo gestadas em outros espaços.
Verificamos que apesar de ter surgido em um contexto neoliberal de reformas, o
PDDE, ao mesmo tempo, trouxe práticas que estão transformando as relações de
participação neste espaço escolar, mesmo que em níveis ainda insuficientes. Assim,
mostramos uma fragilidade desse sistema neoliberal, na medida em que o objetivo foi
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enxugar gastos, simultaneamente vimos contradições que, em longo prazo, podem
transformar substancialmente os espaços de participação no seio das escolas. Apesar de
ratificar que os valores continuam na lógica do enxugamento, vemos que o Programa
trouxe perspectivas positivas em seu interior e que devem ser apropriadas pelos gestores
que almejam aprofundar os níveis de participação no interior das escolas com vistas a
induzir a democratização dos processos de gestão escolar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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o programa dinheiro direto na escola: um estudo de caso