MERCADOS ATACADISTAS: MUDANÇAS E RESISTÊNCIAS Roberto da Silva Alves Luiz Andréa Fávero RESUMO Este artigo resume uma pesquisa de dissertação mais abrangente cujo principal objetivo foi a identificação e análise dos motivos da resistência dos comerciantes atacadistas de laranja pêra da Ceasa Recife, à implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade, programa de adesão voluntária para a melhoria da qualidade dos produtos e dos serviços de distribuição comercial de hortifrutícolas, sendo a laranja pêra, um dos principais produtos comercializados pela central atacadista de Pernambuco. Buscando adaptar-se às novas exigências legais, aos requisitos do mercado e por mais qualidade dos produtos, a Central de Abastecimento do Recife – Ceasa, iniciou a implementação de um programa de qualidade, baseado em normas de padronização, classificação e qualidade alimentar de produtos hortifrutícolas, o Horti & Fruti Qualidade.1 Nosso propósito foi, compreender o processo de mudanças proposto pelo programa, como processo de mudança na gestão do agronegócio através da padronização, classificação, embalagem e rotulagem dos produtos, e a resistência de um grupo de atacadistas e intermediários a essas mudanças, nesse novo cenário de competitividade marcado pela segmentação e diferenciação dos produtos. Foram analisados os vários aspectos dessa resistência, mas aqui será dada ênfase à questão mais claramente colocada pelos atacadistas: o aumento dos preços finais do produto, provocados pelos custos adicionais com embalagens e os serviços de classificação. A pesquisa estudou todos os segmentos da cadeia produtiva da distribuição até a produção, considerando-se os preços pagos aos produtores, as margens de comercialização dos segmentos de intermediação, e a opinião dos consumidores, constatou-se que estes últimos estão dispostos a pagar mais por um produto de melhor qualidade.Concluise que as vantagens obtidas com as diferentes categorias de produtos uma vez classificados melhorariam a competitividade e a margem total de comercialização contrariando o principal argumento levantado pelos atacadistas e intermediários. Discute-se, portanto as razões que levam os atacadistas à resistir às mudanças propostas pela direção da CEASA Recife, que em sintonia com as novas tendências do mercado e em consonância com a normalização proposta pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento,busca a modernização dos serviços de distribuição e uma mudança das relações comerciais no mercado atacadista tradicional. Palavras-Chaves Mudança Organizacional Mercado Atacadista Padronização, Classificação e Embalagem INTRODUÇÃO No Brasil, os cultivos de frutas, legumes e verduras ocupam uma área em torno de 2,8 milhões de hectares, o valor bruto de produção é de cerca de R$ 19 bilhões (dezenove bilhões de reais) por ano.2 1 Ver objetivos e metas do programa: www.ceagepe.com.br Favero (2002) - Encontro Internacional Eficiência da Comercialização: Recife, 2002 – média anual: 1991 a 2000. 2 2 Entretanto, as mudanças que vêm ocorrendo no mercado de frutas e verduras devido ao crescente aumento do volume e diversidade de produtos comercializados, bem como às novas tendências de consumo que privilegiam a qualidade e a diferenciação desses produtos estão a exigir das centrais atacadistas - CEASAS - o seu aprimoramento técnico e gerencial. Esse aprimoramento envolve uma reestruturação não só em seu espaço físico, mas, principalmente, em sua forma de atuar, na organização da cadeia produtiva de hortifrutigranjeiros, passando com isso a proporcionar melhores condições para ganhos de qualidade, produtividade e outras vantagens para produtores, atacadistas, varejistas e, conseqüentemente, os consumidores finais. Nesse sentido, o Governo Federal, atuando em parceria com os setores do agronegócio, elaborou propostas de normalização para comercialização de produtos, cuja iniciativa resultou na Lei nº 9.972, de 25.5.2000, regulamentada pelo Decreto nº 3.664, de 17.11.2000, que tornou obrigatório em todo o território nacional a classificação para os produtos vegetais e seus subprodutos, quando destinados à alimentação humana, nas operações de compra e venda do poder público e nos portos e aeroportos de fronteiras, assim como a Instrução Normativa Conjunta No.009 de 12.11.2002, que dispões sobre embalagens e rotulagem dos produtos.Em consonância com as normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e amparado na nova legislação, está sendo implantado na CEAGESP, na Ceasa Campinas, Ceasa Curitiba e na Ceasa Recife, o Programa Brasileiro para Modernização da Horticultura.3 Favorável à essas mudanças a Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento (ABRACEN), encaminhou projeto ao MAPA para implementação do programa para a padronização e melhoria da qualidade alimentar dos produtos hortifrutícolas no mercado atacadista, abrangendo as 29 centrais atacadistas afiliadas à instituição. Esse programa tem como objetivo implantar nas centrais de abastecimento, associadas à ABRACEN, um sistema de classificação de produtos hortifrutícolas destinados diretamente à alimentação humana, fundamentado nos padrões oficiais e na organização normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e referenciado no Programa Brasileiro para Modernização da Horticultura (Favero, 2001).4 Buscando adaptar-se às novas exigências legais, aos requisitos de mercado e por mais qualidade nos produtos e serviços, a Central de Abastecimento do Recife – Ceasa, iniciou em junho de 2001, a implementação de um programa, o Horti & Fruti Qualidade, cuja adesão é voluntária e abrange inicialmente um conjunto de produtos entre os mais expressivos, baseado em normas de padronização, classificação e qualidade alimentar de produtos hortifrutícolas. O Programa visa identificar os principais pontos críticos na cadeia do agronegócio hortifrutícola e apresentar soluções para melhoria da qualidade dos produtos, elevar o padrão tecnológico dos serviços, qualificar produtores, atacadistas, operadores de mercado, em técnicas de classificação e embalagem, bem como à adequação dos produtos aos padrões exigidos pelos mercados e pela legislação em vigor. Para tanto, estão sendo implementadas mudanças na forma de apresentação dos produtos ali comercializados atingindo toda a cadeia produtiva, incorporando novos estilos de gestão da qualidade e novas tecnologias. Para a direção da CEASA e sua equipe técnica, o programa posiciona-se como um marco da modernização do setor atacadista, visando aumentar sua competitividade face às mudanças nos padrões de consumo e qualidade dos produtos e serviços. 3 Nova denominação do Programa Brasileiro para a Melhoria dos Padrões Comerciais e Embalagens de Hortigranjeiros. 4 Projeto ABRACEN apresentado no Encontro Nacional de Centrais de Abastecimento – ABRACEN, Rio de Janeiro, 19 a 21 de setembro de 2001. 3 Neste contexto, o principal objetivo da pesquisa foi a identificar e analisar os motivos da resistência dos comerciantes atacadistas da Ceasa Recife à implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade. Para tanto, buscou-se compreender o processo de mudança desenvolvido nas organizações e os requisitos de qualidade como processo de mudança na gestão do agronegócio através da padronização, classificação, embalagem e rotulagem dos produtos propostos pelo Programa. A análise da qualidade como processo de mudança, nesse novo cenário de competitividade marcado pela segmentação e diferenciação dos produtos, está redesenhando o fluxo, que no vaivém da informação dentro da cadeia agroalimentar, apresenta-se mais forte no sentido do movimento “para trás”, reorganizando a cadeia a partir das mudanças nos padrões de consumo, hoje fortemente influenciadas pela grande distribuição varejista. Sendo as organizações influenciadas pelo ambiente externo, uma das principais forças externas é o mercado, que obriga as organizações modificarem sua estrutura e seus processos. Assim sendo, impõe ao mercado atacadista da Ceasa Recife a necessidade de adaptação às exigências dos consumidores através do desenvolvimento de formas de apresentação e melhoria da qualidade do produto através da padronização, classificação e embalagem. A estratégia de marketing sob a forma de segmentação do produto vem responder às pressões da concorrência das grandes redes de varejo que, além de produtos de qualidade, oferecem outras formas atrativas à seus clientes como: estacionamento, ar-condicionado, vendas facilitadas, ofertas, estimulando o consumidor a novas compras. Dessa forma, os segmentos estudados devem mudar para se tornarem competitivos (padronizando, classificando e embalando a laranja), em resposta à dinâmica dos mercados consumidores, ávidos por produtos de qualidade, além do cumprimento de novas leis e regulamentos. No entanto, a resistência ao processo de mudança é um dos possíveis comportamentos que o indivíduo pode adotar como resultante de sua percepção sobre a mudança. O Programa Horti &n Fruti Qualidade, vem sofrendo resistência a sua implantação por parte de alguns comerciantes da Ceasa Recife que não acreditam no aumento das vendas através da padronização, classificação, embalagem e rotulagem dos produtos propostos pelo Programa. A pesquisa analisou o sistema de comercialização da laranja pêra oriunda de pomares sergipanos, de onde provem mais de 70% do volume comercializado anualmente pela Ceasa Recife, buscando identificar e analisar os aspectos da resistência dos atacadistas e seus fornecedores, à implantação do programa de qualidade proposto pela direção da empresa em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco e o Sebrae Pernambuco. A escolha do mercado da laranja deve-se ao fato de ser um dos três produtos mais comercializados, eleito como prioritário pela própria Ceasa Recife, para iniciar o processo de mudanças. METODOLOGIA O universo da pesquisa foi composto pelos atacadistas da Ceasa Recife que comercializam laranja pêra produzida em Sergipe, e por seus fornecedores. Esse segmento atacadista é composto por 60 permissionários, distribuídos da seguinte forma: − Dos 60 atacadistas que comercializam laranja pêra, apenas 29 adquirem o produto nas zonas de produção e 31 o adquirem dos próprios atacadistas; − Dos 29 permissionários compradores de laranja pêra, 19, adquirem o produto de fornecedores de Sergipe e 10 a fornecedores do Estado da Bahia. Foram selecionados para a amostra e entrevistados, 10 fornecedores, indicados pelos atacadistas e que vêm enviando regularmente laranja pêra. A amostra foi definida da seguinte forma: 4 − O grupo foco da pesquisa formado pelos 19 atacadistas da Ceasa Recife que comercializam laranja pêra adquirida do Estado de Sergipe; − Os 10 principais fornecedores de laranja pêra estabelecidos em Sergipe e que a pelo menos dois anos, abastecem os atacadistas contemplados pela amostrada. Os atacadistas, que fazem parte da amostra, estão divididos, ainda, em: − Quatro que aderiram ao Programa Horti & Fruti Qualidade, e − Quinze que não aderiram ao referido Programa. A figura 1 apresenta um resumo do universo e a amostra dos atacadistas da pesquisa e seus fornecedores. Figura 1. Diagrama representativo do universo e amostra dos atacadistas de laranja da Ceasa Recife e seus fornecedores. Adquirem laranja de fornecedores nas zonas de produção 19 Adquirem laranja de Sergipe 29 Total de atacadistas que comercializam laranja pêra (*) Fornecedores sergipanos 10 60 31 10 Adquirem laranja da Bahia Compram laranja de atacadistas estabelecidos na própria Ceasa (*) 16 Atacadistas comercializam laranja lima e/ou tangerina Fonte: o autor O estudo iniciou-se com o processo de identificação dos atacadistas compradores de laranja pêra produzida em Sergipe. Identificados os atacadistas que compram laranja pêra de fornecedores sergipanos, definiu-se um roteiro básico para coleta de dados primários. Os dados foram coletados através de entrevistas estruturadas e de questionários. Segundo Richardson (1999), entrevistas estruturadas são as que utilizam questões abertas, para permitir ao entrevistador entender e captar a perspectiva do entrevistado. Foram utilizados dois modelos de questionários: um destinado a captar as percepções dos atacadistas, e outro, destinado aos fornecedores. Na pesquisa junto aos atacadistas, solicitou-se a relação de seus principais fornecedores, com no mínimo dois anos de fidelidade, os quais, também, foram entrevistados. Nos questionários e entrevistas procurou-se coletar informações sobre as atividades de compra e venda do produto e qual a percepção sobre a implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade ora proposto pela Ceasa, assim como outras informações sobre o mercado de laranja. As respostas dos questionários e das entrevistas permitiram o conhecimento da percepção de cada segmento pesquisado (atacado e fornecedor) ao processo de implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade e serviram para subsidiar o processo de identificação dos fatores que influenciam e determinam a resistência ao referido Programa, bem como 5 compreender a maneira pela qual se dá o processo de comercialização da laranja produzida em Sergipe para o atacado do Recife. Além dos questionários e entrevistas, foram utilizados dados secundários estatísticos disponibilizados pela Ceasa sobre a oferta e preços de laranja pêra comercializada, dados do IBGE referentes à produção, área plantada com laranja no Estado de Sergipe, consumo e renda do consumidor da região metropolitana do Recife, principal área de abrangência da Ceasa Recife. As observações do ambiente dos segmentos pesquisados também subsidiaram e enriqueceram as análises e conclusões. Com o resultado das entrevistas e as observações feitas, processou-se a transcrição e análise dos dados para construção do texto e do quadro das percepções dos atacadistas e seus fornecedores quanto à implantação do Programa, que permitiram conclusões sobre o questionamento da pesquisa. Para desenvolver a análise, recorreu-se ao modelo proposto por Robbins (2000), quanto aos principais tipos de resistência ao processo de mudança, e aos pressupostos de Hernandez & Caldas (2001), quanto aos estágios do processo de resistência à mudança dos indivíduos, a partir das quais se identificou os principais tipos de resistência dos atacadistas e seus fornecedores.Um quadro foi elaborado relacionando os tipos identificados na pesquisa com o modelo estabelecido por Robbins (2000) e pressupostos de Hernandez & Caldas (2001). Tipos de resistências e seu comportamento (Modelo de Robbins) Hábito. A vida é bastante complexa, e para simplificar-se as opções diárias, recorre-se a hábitos ou respostas programadas. No entanto, quando o indivíduo depara-se com uma mudança, a tendência imediata é de reagir ao estabelecido, ou seja, os modos habituais tornam-se uma fonte de resistência. Segurança. O indivíduo tende a resistir à mudança quando ele se sente ameaçado em seu sentimento de segurança. Fatores econômicos. É o medo de que a mudança reduza sua renda. Mudanças nas tarefas, no cargo, poder, prestígio, benefícios etc., podem despertar receios econômicos quando as pessoas acharem que perderão remuneração com a mudança proposta. Medo do desconhecido. O temor pelo desconhecido, pela falta de informações sobre os eventos futuros diante de novos procedimentos e da adoção de novas tecnologias, causa resistência pelo fato de se trocar o conhecido pelo desconhecido e pelo medo ou insegurança que o acompanha. Processamento seletivo das informações. Os indivíduos moldam o mundo por meio de suas percepções. Dessa forma, acrescenta Robbins (2000), eles utilizam processos seletivos de informações para não alterar suas percepções. Com isso, passam a ouvir o que desejam, ignoram informações que não estejam no mundo que criaram. Estágio e comportamento do indivíduo à adoção ou rejeição às mudanças (Pressupostos de Hernandez ) Exposição à mudança. É caracterizado pelo contato inicial do indivíduo à proposta de mudança; Processamento inicial. O indivíduo compara os atributos percebidos de mudanças com as conseqüências previstas e com sua expectativa, atitudes e comportamentos adotados no passado; 6 Resposta inicial. O indivíduo dá uma resposta inicial de aceitação ou rejeição. Essa resposta pode ser resultante de uma percepção de: (a) Baixa consistência – quando os atributos da mudança proposta e as conseqüências de sua adoção não puderam ser conciliados com seu conhecimento. Nesse caso a rejeição à mudança é bastante provável. Esse ato pode ser de natureza ativa ou passiva. − Ativa: os indivíduos tendem a rejeitar mudanças que eles acreditam que possam causar-lhes algum mal; eles são avessos a risco, tendendo a rejeitar a mudança. Nesse caso, temem perde algo de valioso, pela incompreensão sobre as razões da mudança e suas implicações. Crêem que a mudança não faz sentido para a organização e apresentam baixa tolerância à mudança. − Passiva: o mais comum é o hábito, ou seja, a tendência que os indivíduos têm a responder aos estímulos de mesma forma como sempre fizeram. (b) Moderada consistência – ocorre quando o indivíduo percebe que os atributos da mudança e suas conseqüências são parcialmente aceitáveis. Nesse caso, ele vai buscar novas informações sobre a mudança proposta para adotar um comportamento em relação a ela. (c) Alta consistência - ocorre quando o indivíduo rapidamente conclui, após o processamento inicial, que os atributos da mudança e suas conseqüências são aceitáveis ou fazem sentido. Processamento estendido. O indivíduo avalia os atributos cuidadosamente, conciliando os atributos da mudança e suas conseqüências com seus conhecimentos, buscando informações adicionais no caso de inconsistências encontradas. Aceitação e resistência emocionais. Surgem como resultado de comparação consciente e inconsciente, geralmente de natureza automática, entre a situação real e a situação ideal. Caso a mudança tenha sido percebida como oportunidade, o resultado é positivo, caso contrário, as emoções são negativas. Integração. O indivíduo tentará integrar todas as emoções e respostas cognitivas geradas no estágio anterior. Conclusão. O indivíduo adota quatro comportamentos possíveis: (a) resistência; (b) decisão de superar a resistência; (c) indecisão; (d) adoção (ou teste) da mudança. Para a finalidade do estudo utilizou-se a própria fala dos entrevistados, com o intuito de mostrar sua percepção quanto à realidade das propostas de mudanças do Programa e sua exeqüibilidade. Como explicitado anteriormente, em termos metodológicos e buscando seguir a orientação do programa Horti & Fruti Qualidade a pesquisa desenvolveu-se de jusante à montante da cadeia produtiva. Na apresentação dos resultados optou-se por apresentar primeiro os dados do suprimento, composto por produtores e intermediários e depois os resultados do segmento atacadista distribuidor, onde as resistências foram maiores e seu conteúdo sugere ensinamentos de grande importância do ponto de vista da discussão acadêmica e da gestão do agronegócio. A PESQUISA E ANÁLISE DOS RESULTADOS Suprimento:produtores e intermediários O processo de comercialização da laranja de Sergipe assemelha-se ao das demais frutas onde aparecem ocupando o mesmo elo da cadeia inicial de comercialização produtores e intermediários, no caso estudado, a participação do intermediário é bastante significativa. Esse comportamento é determinado pelo número expressivo de pequenos produtores que 7 individualmente não têm produção suficiente e regular para o atendimento de demandas de mercados mais organizados ou não dispõem de veículo próprio para o transporte, sendo, portanto obrigados a venderem a produção aos agentes intermediários. Quanto aos produtores de maior porte, planeja as suas colheitas e negociam com os intermediários compradores ou diretamente com a indústria com maior poder de barganha obtendo em geral um melhor preço. A oferta do produto é exercida por grande número de produtores, pouco organizados, apesar da atuação marcante da Associação dos Citricultores Sergipanos (ASCISE) a qual adota uma postura de defesa dos preços e de mudanças em benefício da qualidade. Os preços recebidos pelos produtores terminam em geral sendo ditados pelo mercado comprador: intermediários e indústria. No comércio da laranja sergipana, o principal ator é o intermediário agente, ou comprador, definido pelos produtores e atacadistas como corretor (para outros, é o atravessador). Seu negócio, no entanto, é comprar a laranja na propriedade e arcar com todos os custos de colheita, pós-colheita e comercialização, sobrando-lhe, ao final, uma margem de lucro. Muito embora seja comum, também, a cobrança de um piso cobrado ao produtor fixado em R$20,00 por tonelada de laranja comercializada. A atuação de um pequeno número de compradores, mas com conhecimento da evolução dos preços nos diferentes mercados, agindo isoladamente e adquirindo pequenas quantidades de vários produtores exercendo seu poder de compra especulativo influencia decisivamente no processo de formação do preço final, e explica sua expressiva participação na margem total de comercialização como veremos a seguir. A laranja adquirida pelos intermediários destina-se fundamentalmente para consumo in natura em outros mercados, atacado ou varejo e uma pequena parte para a agroindústria. As indústrias de suco, locais ou de outros estados, que absorvem cerca de 30% da produção, têm uma posição de destaque na formação dos preços, em geral forçando a baixa, em função de sua posição compradora em grandes quantidades e sem maiores exigências em relação à qualidade requerida pelo mercado de consumo in natura. As indústrias de suco, adquirem o produto sem classificação, de produtores e intermediários e determinam seu preço de compra de acordo com o mercado internacional do suco, muito embora o preço praticado pelas indústrias sergipanas esteja muito abaixo do preço pago pelas indústrias de São Paulo. A indústria de suco sergipana se revela com características de competição imperfeita e se sobrepõe aos intermediários na determinação dos preços. Em 2002, os preços pagos pelas indústrias, pela tonelada da laranja, acompanharam a alta na cotação do preço da laranja do mercado in natura, buscando atrair os fornecedores que tradicionalmente comercializam seu produto nesse mercado, ainda mais em alta devido à escassez do produto na região sudeste, dificultando a posição das indústrias no fechamento de seus contratos para a exportação de suco. Toda laranja comercializada é transportada por via rodoviária para os principais centros consumidores. As laranjas são postas no caminhão a granel, havendo perdas elevadas principalmente quando se destinam a centros mais distantes, a exemplo de Recife Na pós-colheita e fora da produção, uma classificação manual e simples é feita pelas chamadas beneficiadoras que cobram por esse serviço cujo custo fica a cargo do produtor ou mais freqüentemente a cargo do intermediário. Este beneficiamento mínimo consiste em uma seleção em dois tipos de tamanho: grande e pequeno, uma lavagem, secagem com polimento e banho com parafina, para melhorar a aparência do produto.O beneficiamento não elimina os fungos e muito menos as injúrias sofridas pelo produto, desprovido de embalagem adequada, durante a manipulação da colheita até o carregamento, conseqüente da falta de preocupação com a qualidade. 8 Existem atualmente quatorze beneficiadoras espalhadas em diversos municípios da região centro-sul do Estado de Sergipe, no entanto, apenas oito, operam. A figura 2 mostra os principais e mais representativos canais de comercialização da citricultura sergipana. Figura 2. Fluxo da comercialização da laranja produzida em Sergipe. PRODUTOR BENEFICIADORA INTERMEDIÁRIO INDÚSTRIA ATACADISTA SUPERMERCADOS FEIRA-LIVRE MERCADINHOS VAREJISTAS CONSUMIDOR FINAL Fonte: Elaborado pelo autor Foram entrevistados 10 fornecedores de laranja dos quais quatro são produtores, um deles é o maior produtor do Estado, com uma área plantada de mais de 2.000 hectares e os outros três plantam em áreas entre 40 e 80 hectares, seis são intermediários compradores, sendo a maioria dos fornecedores em atividade há mais de 20 anos e fornecendo a mais de dois anos os atacadistas da CEASA Recife. A tabela 1 registra as resistências relacionadas com o segmento fornecedor, dividido em produtores e intermediários motivos e justificativas para seu comportamento. TABELA 1. Respostas do segmento fornecedor de laranja quanto à resistência ao Programa. ENTREVISTADOS RESISTÊNCIA MOTIVOS JUSTIFICATIVAS 1. PRODUTORES Não foi verificada resistência Acreditam que a melhoria 2. do produto será a saída para a crise instalada na 3. citricultura sergipana 4. Os custos de classificação e embalagem terão que ser repassados para o produto INTERMEDIÁRIOS Apresentaram resistência Defasagem tecnológica Os produtos terão um padrão que irá favorecer a comercialização; Alcançarão melhor preço no mercado, devido à melhor apresentação do produto; Terão opções de preço e de produto para os diversos mercados; Diminui as perdas. 1. Os atacadistas qualidade; não padronizado; 1. As beneficiadoras de Sergipe não têm condições de classificar e embalar o produto de acordo com as normas do Programa; QUANT 4 preferem preço a querem o produto 6 9 2. O custo para iniciar o processo de melhoria nas máquinas e aquisição de embalagem é muito alto e não compensa. Fornecedores intermediários Observa-se que os fornecedores intermediários apresentam uma resistência quanto à classificação, embalagem e rotulagem, argumentando que os atacadistas não estão dispostos a pagar mais caro pela laranja classificada e embalada saída de Sergipe. A posição dos intermediários na comercialização da laranja é fortemente marcada pela visão especulativa de comprar pelo menor preço buscando ampliar a margem de comercialização por isso resistem à agregar valor ao produto. No caso específico do mercado da laranja em Sergipe como foi visto, a compra do produto na roça sem classificação estabelece um preço da média para baixo, ao classificar o atravessador paga os custos dos serviços, mas embolsa a diferença de preço recebido pelo produto de melhor qualidade e vende o descarte para a indústria a qual paga sem exigir muita qualidade, onde o brix é o determinante e não o calibre ou os padrões de cores como exige o mercado in natura. A atual situação é favorável para o atravessador ainda mais se considerarmos que o programa Horti & Fruti Qualidade preconiza a classificação na produção o que significa transferir os resultados do melhor preço pela qualidade aos produtores, ou seja, transferir para os produtores o adicional de valor ou parte deste, hoje retida pelos intermediários. Estes últimos assumem uma posição defensiva do status quo relativamente cômoda, no mercado. Como são donos do capital, poderão investir em outra atividade caso essa não apresente o retorno desejado, apesar de que alguns intermediários terem montado escritórios com uma estrutura de intermediação e até beneficiadoras. Fornecedores citricultores As entrevistas com os produtores (quatro) que fornecem laranja para a Ceasa Recife, não registram qualquer resistência quanto ao processo de mudança proposto pelo Programa Horti & Fruti Qualidade. No entanto, evidenciaram muitas dificuldades, principalmente financeiras, para que o setor se adeqüe às novas exigências. Essas dificuldades são expostas tanto na produção e colheita, quanto na reforma das obsoletas máquinas beneficiadoras instaladas em toda a região citrícola. Na opinião dos fornecedores produtores, é cada vez mais difícil a sustentabilidade econômica da citricultura no modelo atual. Como fatores negativos arrolam: − o desmonte do serviço público agrícola, atingindo principalmente as áreas de pesquisa, assistência técnica o e defesa fitossanitária; − a falta de uma política agrícola para o Estado e o País; − baixos preços recebidos pelo produto; − o excessivo aumento dos custos de produção causados pela a dolarização de todos os insumos e as elevadas taxas de juros e correções monetárias; − a retirada dos subsídios; − a baixa produtividade e competitividade dos pomares com em média apenas 12 toneladas por hectare; 10 − a expansão da citricultura em outros estados com pomares novos e sistemas de produção mais tecnicizados. O conjunto desses fatores, aliados à ação dos intermediários e o excessivo fracionamento das áreas impede que ocorram ganhos propiciados pela economia de escala. De uma maneira geral, os citricultores acreditam que a padronização, a classificação e a embalagem dos produtos na produção, certamente irão melhorar a posição da laranja sergipana no mercado e seu rendimento agregado. No momento, buscam uma saída para a crise instalada no setor, que vem acarretando prejuízos e, conseqüentemente, perda de arrecadação para os municípios produtores. O aumento ocorrido no final de 2002, no preço pago pela tonelada do produto no mercado in natura, em razão da quebra da safra de laranja no Estado da Flórida (EUA) e a escassez da laranja no mercado do Sudeste, garantiu para o produtor uma remuneração maior do que a praticada ao longo do ano. No entanto, esse aumento de preço é conjuntural, de curto prazo, e não irá capitalizar o citricultor sergipano, tendo em vista que seus problemas são estruturais, necessitando de uma intervenção audaciosa para a alavancagem do agronegócio citrícola. A permanência da situação atual aprofundaria ainda mais o processo de descapitalização do produtor, impossibilitando-o de investir nas melhorias necessárias, agronômicas e de serviços de classificação e, principalmente, em embalagens e renovação dos pomares carentes dessa prática.Uma das possíveis saída para os produtores será a organização para agregar os serviços de classificação e embalagem propostos pelo Programa, para que o retorno propiciado com a melhoria da qualidade reverta o processo de descapitalização. A conscientização e a tomada de posição devem partir dos produtores organizados, pois ao atacado não interessa as mudanças: os atacadistas ganham comprando a granel, classificando de forma precária e vendendo o produto mais caro e por unidade. Atacadistas distribuidores O segmento atacadista de laranja da Ceasa Recife, de uma maneira geral, apresenta ineficiência quanto à gestão, um baixo grau de profissionalização e de qualificação dos recursos humanos, e agregue-se a inexistência de um sistema de apuração de custos. Outro fato constatado pela pesquisa é a deficiência das instalações e da infraestrutura física de uma maneira geral. São lojas pequenas, a maioria com 12m², muitas sem divisórias entre elas e com pouco espaço para movimentação e exposição dos produtos. Nas relações de mercado, detectou-se alguns aspectos negativos, principalmente no tocante ao sistema de pagamento fornecedor/atacadista, que apresenta elevado grau de inadimplência. Esse fato foi apontado por diversos fornecedores. A defasagem tecnológica, a ausência de padronização para os produtos, a descontinuidade da oferta e a manipulação deficiente – ainda existentes nas operações comerciais da Ceasa, e têm permitido que os atacadistas sofram perdas gradativas no abastecimento de feiras-livres, sacolões, mercadinhos e outras formas de varejo. Foi essa realidade que levou as grandes redes de distribuição, como os supermercados, a adotaram o sistema de compra direta ao produtor, com a implantação de seus próprios sistemas de classificação dos produtos sem a intermediação do mercado atacadista. Estas deficiências levantadas no segmento atacadista iniciam na produção onde não há prática de monitoramento quanto à maturação dos frutos, obtendo-se misturas de frutos verdes e maduros de diversos calibres, coloração, peso e brix, que são aceitos pela indústria de suco, mas com absorção restrita no mercado de frutas in natura. As operações de colheita são feitas manualmente,os frutos sofrem diversos tipos de injúrias até chegar ao mercado consumidor. Não existe nesse processo uma seleção entre o que é destinado à indústria e ao 11 mercado de frutas in natura não classificando a fruta, o produtor deixa de agregar valor ao produto na origem e favorece as perdas, as quais entre a produção à comercialização final, atingem cerca de 30%. A maioria dos produtores vende a safra no pé, deixando a cargo do comprador as operações de colheita e o transporte. Como o produto ainda chega a granel das regiões de produção, sem uma classificação adequada, a seleção e a classificação são feitas manualmente na loja, separandose as laranjas por tamanho: grande, médio e pequeno. O produto é comprado aos intermediários no peso e vendido à unidade. Muitos atacadistas compradores revendem a laranja ainda em cima do caminhão. A tabela 2 registra as principais causas das resistências apresentadas pelos atacadistas entrevistados, motivos e justificativas dos entrevistados em cada segmento. TABELA 2. Respostas do segmento atacadista quanto à resistência ao Programa. ENTREVISTADOS RESISTÊNCIA MOTIVOS Não apresentaram resistência ao Programa Acreditam que aumentarão as vendas devido à melhoria do produto e dos processos de comercialização ADERIRAM AO PROGRAMA Apresentaram desconfiança quanto ao sucesso do Programa Compreensão dos objetivos do Programa JUSTIFICATIVAS 1. 2. 1. 1. Aumento dos custos devido à classificação e embalagem NÃO ADERIRAM AO PROGRAMA 2. 3. 4. 5. Apresentaram resistência ao Programa 1. Falta de infra-estrutura de apoio 2. Estão perdendo mercado para os supermercados, que estão vendendo produto de melhor qualidade; As vendas estão caindo devido à falta de qualidade do produto. As dificuldades são grandes e que os atacadistas têm o hábito de venderem a granel e na unidade, há muitos anos. O consumidor irá diminuir as compras devido o preço; O consumidor quer é preço baixo; Não interessa o produto embalado para o consumidor; O consumidor irá procurar produto que substitua a laranja; Haverá concorrência com outros segmentos que não classificarão e embalarão o produto. QUANT 2 2 15 O galpão não dá condições de expor o produto em caixas, principalmente de papelão; Não existe local para estocar caixas plásticas na Ceasa. O principal motivo da resistência dos atacadistas detectado pela pesquisa estão relacionados à questão da classificação e embalagem do produto, propostas pelo Programa Horti & Fruti Qualidade, por entenderem que haveria um aumento dos custos a serem repassados para os preços o que os consumidores não estariam dispostos a pagar. Defendendo seus ganhos especulativos oriundos da falta de transparência nas relações de mercado, essa resistência encontra eco na maioria daqueles que não aderiram ao Programa. Argumentam que os consumidores não estão dispostos a pagar mais por qualidade, consideram sem importância a classificação da laranja, bloqueando assim a modernização necessária do sistema atacadista requerida pela nova postura do mercado e do consumidor. “O Programa não dará certo porque vai aumentar muito o preço da laranja e o consumidor não vai querer pagar mais caro” Esse relato de um dos atacadistas que não aderiu ao Programa Horti & Fruti Qualidade, resume a posição majoritariamente expressa e constatada pela pesquisa 12 . A equipe técnica do Programa Horti & Fruti Qualidade, após uma análise do mercado, da qualidade da laranja na produção e dos custos dos serviços de classificação e embalagem considerou que inicialmente seria viável classificar o produto em três categorias, segundo os padrões do Programa Brasileiro para a Modernização do Horticultura. Cada categoria terá preços diferenciados e cada classe do produto será direcionada para determinado tipo de consumidor. Haverá produto para os consumidores mais exigentes quanto à qualidade e para os menos exigentes, aqueles que procuram preço. O consumidor de baixa renda deverá comprar aquele que maximiza sua renda. Ou seja, comprará, no momento, aquela classe que terá mais laranja por unidade monetária gasta e que satisfaça sua necessidade e desejo de produto de qualidade. Com a classificação todo o produto terá uma finalidade comercial, menos o apodrecimento e o desperdício, que causam prejuízo. Para a formação do preço no atacado do Recife, os atacadistas devem estabelecer um preço que o consumidor esteja disposto a pagar. Conforme foi ressaltado no referencial teórico, o consumidor estará disposto a pagar um pouco mais por produto de qualidade. Considerando a postura resistente dos atacadistas a equipe técnica do programa realizou uma pesquisa junto as classes de renda mais modestas nas feiras-livres mais populares da região metropolitana de Recife: Afogados, Peixinhos, Água Fria. Os consumidores entrevistados colocaram em sua grande maioria “que na hora da comprar laranja observavam primeiro a qualidade e em seguida, o preço. A maior parte dos entrevistados, nas três feiras, opinou ”que está disposto a pagar mais, por laranja de melhor qualidade”. (pesquisa realizada em novembro de 2002 pela equipe do Programa Horti & Fruti qualidade) Na compra de laranja, a satisfação das exigências de consumo é apresentada pelo estímulo, que é explicado pela tendência de grupos estarem procurando melhor qualidade de vida através do consumo de frutas frescas, estilo de vida mais saudável... Neves (2002). Mesmo entre os atacadistas que de forma voluntária aderiram ao programa por estarem de acordo com os seus objetivos, há uma grande desconfiança quanto ao sucesso comercial da proposta. “O consumidor irá deixar de comprar ou diminuirá bastante a compra com laranja mais cara” (atacadista que aderiu ao Programa). Argumentam, ainda, que seus clientes, em sua grande maioria, são feirantes de bairros pobres do Recife e que os consumidores não estariam interessados em qualidade, e sim em preço baixo, e de a laranja é mais consumida por pessoas de baixa renda. “Os clientes de supermercados são de renda superior, e os que fazem parte da clientela dos feirantes, a maioria, são de baixa renda, de bairros pobres. Um aumento de R$0,50 no cento da laranja representa uma queda nas vendas” (atacadista que aderiu ao Programa). A pesquisa nas feiras de Afogados, Água Fria e Peixinhos, elaborada pelo Programa, não confirma esse argumento dos atacadistas. Os consumidores pesquisados vão desde a classe D de baixa renda, até as classes B segundo a classificação do IBGE, verificouse que mesmo entre as pessoas de baixa renda a qualidade da laranja se sobressai em relação ao preço. Um quadro descritivo geral, com base nos depoimentos feitos pelos atacadistas e fornecedores, foi elaborado para facilitar a visualização e análise das respostas coletadas nas entrevistas. 13 A tabela 3 mostra a relação entre os motivos da resistência detectados na pesquisa e os tipos de resistências apresentados por Robbins (2000), bem como o estágio de resistência inicial proposto por Hernandez & Caldas (2001). 14 TABELA 3. Relação entre os tipos de resistência encontrados nos segmentos atacadista e fornecedor com os enumerados por Robbins (2000) e com o estágio (resposta inicial) proposto por Hernandes & Caldas (2001). TIPOS DE RESISTENCIAS Hábito Segurança Fatores econômicos COMPORTAMENTO Quando o indivíduo depara-se com uma mudança, a tendência imediata é de reagir ao estabelecido, ou seja, os modos habituais. O indivíduo tende a resistir à mudança quando ele se sente ameaçado em seu sentimento de segurança. É o medo de que a mudança reduza sua renda. Mudanças nas tarefas, no cargo, poder, prestígio, benefícios; receios econômicos quando as pessoas acharem que perderão remuneração com a mudança proposta. O temor pelo desconhecido, pela falta de informações sobre os eventos futuros e da adoção de novas tecnologias; trocar o conhecido pelo desconhecido. Os indivíduos moldam o mundo por meio de suas percepções. Utilizam processos seletivos de informações, Processamento seletivo das para não alterarem suas percepções. Passam a ouvir o que informações desejam, ignoram informações que não estejam no mundo que criaram. Os indivíduos que quiserem mudar seu comportamento, as normas e regras do grupo podem criar barreiras a essa Inércia de grupo mudança. Medo do desconhecido TIPOS DE RESISTÊNCIA DETECTADOS NA PESQUISA ESTÁGIO (resposta inicial) DE RESISTÊNCIA OBSERVADO NA PESQUISA Não observado. Não observado. Aumento dos custos devido à Percepção de baixa classificação e embalagem da laranja. consistência de natureza ativa Perda de mercado e/ou diminuição da margem de comercialização. Temem que o Programa dê errado. Percepção de baixa consistência de natureza ativa. Não acreditam que o mercado mudou, que mesmo os consumidores de baixa Percepção de baixa renda buscam qualidade. consistência de natureza ativa Um grupo estabeleceu uma forte posição de resistência. Isso pode ter inibido Percepção iniciativa de adesão ao Programa e consistência apresentaram o comportamento de passiva. esperar para vê o que vai acontecer. de de baixa natureza 15 As margens de comercialização nos segmentos pesquisados A principal resistência apresentada pelos segmentos pesquisados, mas, principalmente, pelos atacadistas que bloquearam momentaneamente qualquer passo na direção da classificação, embalagem e rotulagem dos produtos, foi o aumento dos custos e conseqüente aumento do preço do produto para os consumidores que não suportariam tal aumento indo buscar produtos substitutos para seu consumo. Na tentativa de verificar a consistência dos argumentos levantados pelos atacadistas contrários ao programa Horti & Fruti Qualidade, através de dados secundários e empíricos resultantes do estudo de campo, a pesquisa realizou uma análise do comportamento dos preços recebidos pelos produtores e dos preços praticados na CEASA Recife pelos atacadistas, calculando também os custos da agregação de valor e o cálculo das margens de comercialização por segmento em toda a cadeia de comercialização. Os preços médios da tonelada de laranja recebidos pelos produtores para o produto comercializado no mercado de frutas in natura, e na agroindústria foram calculados sobre uma série estatística dos últimos cinco anos fornecida pela ACISE - Associação dos Citricultores de Sergipe, para o estudo do preço médio praticado na CEASA Recife a referência foi uma série histórica dos preços nos últimos 10 anos, estabelecida pela Gerência Técnica de Mercados e o SIMA, que mantêm acompanhamento diário dos preços praticados na central atacadista. Os coeficientes técnicos e os custos de produção e colheita foram fornecidos pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe –EMDAGRO, os custos da pré-colheita à distribuição no mercado atacadista foram calculados com base nos dados fornecidos pela equipe técnica do Programa Horti & Fruti Qualidade complementados por uma pesquisa de campo, junto aos segmentos considerados neste estudo. Os gráficos 1 e 2 resumem os cálculos e mostram a evolução dos preços recebidos pelos produtores de laranja indicam um desequilíbrio bastante acentuado, com quedas bruscas no período analisado o mesmo ocorrendo em relação aos preços praticados pelos atacadistas. Nos dois últimos anos, 2001 e 2002, os preços apresentaram-se com maior cotação, principalmente nos meses de novembro e dezembro. GRÁFICO 1. Preço médio anual, em R$1,00, da tonelada de laranja recebido pelos produtores sergipanos no mercado in natura e na indústria de suco sergipana - 1995 a 2002. 200 180 160 140 R$ 120 100 80 60 40 20 0 1995 1996 1997 1998 Mercado in natura 1999 2000 2001 2002 Indústria Fonte: ASCISE, preços correntes. Verifica-se que os preços praticados nos diferentes mercados, in natura e para a indústria, são diferentes, favorecendo sempre o mercado in natura, mesmo com a reação dos preços nos meses de novembro e dezembro pagos pela indústria devido à redução da oferta, 16 ocasionada pelo fim da safra paulista (a safra temporã paulista que foi menor) e pela quebra da safra nos Estados Unidos, principal importador de suco brasileiro5. A escassez, no entanto acabou puxando todos os preços para cima com repercussões também no atacado como se pode verificar no gráfico 2. GRÁFICO 2. Preço médio anual quilo da laranja pêra comercializada na Ceasa Recife 1993/ 2002 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: CEAGEPE – Gerência Técnica de Mercado e SIMA– correção pelo IGP-DI (FGV) Os dados mais significativos e de maior interesse para este trabalho estão nos cálculos de custos, valor agregado e margens por segmento que foram obtidos pela pesquisa nos anos de 2001 e 2002, onde os preços recebidos pelos produtores foram os mais elevados. As tabelas 4 e 5 mostram como se repartem os custos e as margens na cadeia de comercialização da laranja de mesa, conforme metodologia de cálculo proposta por LEITE (1998), em que se pode verificar também a eficiência de cada segmento no processo de agregação de valor. TABELA 4. Indicadores de desempenho para venda no mercado in natura - 2001 Custo Custo Preço Margem R$/Kg Acumulado R$/Kg % R$ Acumulado % Agrícola 0,136 0,136 0,146 7,35 0,0010 0,0100 58,8235 Intermediário 0,065 0,211 0,231 9,48 0,0062 0,0162 36,4706 Atacadista 0,009 0,240 0,260 8,33 0,0008 0,0170 4,7059 Segmento Valor Agregado Fonte: adaptado de LEITE (1998). TABELA 5. Indicadores de desempenho para venda no mercado in natura - 2002 Segmento Agrícola Intermediário Atacadista Custo Custo Preço Margem Valor Agregado R$/Kg Acumulado R$/Kg % R$ Acumulado % 0,160 0,078 0,160 0,256 0,178 0,276 11,25 7,81 0,0180 0,0061 0,0180 0,0241 72,0000 24,4000 0,012 0,288 0,310 7,64 0,0009 0,0250 3,6000 Fonte: Adaptado de LEITE (1998). 5 Conforme dados do IBGE, a exportação média de suco de laranja para os Estados Unidos é de 200 mil toneladas/ano e sua demanda interna é superior a 1,1 milhão de toneladas (Garcia, 2003). Portanto, o tamanho do mercado de suco brasileiro no Estados Unidos é dado, principalmente, pela safra da Flórida, que em 2004 deverá atingir o equilíbrio entre oferta e demanda. 17 Os indicadores apresentados nas referidas tabelas mostram uma elevação da margem de comercialização favorável ao produtor em 2002, motivada pela conjuntura marcada pela queda da produção dos Estados Unidos e da Região Sudeste. Percebe-se, no entanto que para uma agregação de valor pouco significativa as margens dos setores de intermediação e atacadista são elevadas situando-se mesmo acima das margens dos produtores no ano de 2001, e permanecendo relativamente elevadas em 2002, quando a conjuntura dos preços lhes foi mais favorável. Se analisarmos em conjunto os dois setores de intermediação e comercial, e sua relação custos/margens, verificamos que os mesmos dispõem de uma elevada margem em relação aos produtores e que poderiam sem dificuldades absorver grande parte dos custos adicionais com os serviços agregados de classificação e embalagem mesmo se considerássemos que estes serviços não propiciassem um maior preço pelo produto final. Para os segmentos intermediário e atacadista, a classificação e a embalagem da laranja não interessam, tendo em vista que existem ganhos significativos com a situação atual da comercialização. Os intermediários compram dos produtores, repassam o produto com uma significativa margem de lucro, os atacadistas compram no peso, num patamar de preços que se estabelece sobre um padrão de qualidade muito inferior à realidade e ganham com a classificação que fazem, separando as de maior calibre, que em geral representa cerca de 60% de uma carga de um caminhão com 14 toneladas, pelas quais recebem elevados preços auferindo ainda maior lucratividade. Além disso, os atacadistas vendem a laranja à unidade dificultando a transparência das transações, as quantidades nem sempre são fáceis de conferir. Com a classificação feita pelo produtor, as margens de comercialização serão menores para o setor atacadista, que irá repassar o produto acrescendo uma margem de lucro de acordo com o mercado consumidor. CONSIDERAÇÕES FINAIS As mudanças que vêm ocorrendo no sistema agroalimentar são conseqüência, principalmente, das exigências por alimentos com características de qualidade e segurança por parte dos consumidores, causando inquietação no setor quanto à estratégia a ser adotada, observa Giandon (1994), citado por Spers (2000). Implantadas nos anos 70, um dos instrumentos de intervenção do Estado para a coordenação de um mercado cujo maior problema era a escassez da oferta, as centrais atacadistas de hortifrutícolas, se encontram diante de uma realidade em que mudaram as formas de atuação do Estado, mas também os mercados. A função de mercado atacadista baseado em relações tradicionais onde as vantagens eram especulativas, comprar barato com grandes margens de comercialização, está cedendo lugar para a visão competitiva onde a qualidade e a segmentação do mercado são os novos paradigmas. Alguns fatores determinantes das mudanças no agronegócio já ocorridas em outros países e que hoje estão presentes na realidade brasileira são: a padronização dos produtos pela agroindústria, para facilitar o suprimento e simplificar o processo de distribuição; o crescimento das grandes redes de varejo (super e hipermercados) com suas próprias centrais de compras; a urbanização da população; o crescimento do emprego no setor de serviços; a entrada da mulher no mercado de trabalho; o crescimento do comércio internacional agroalimentar; a influência de novos padrões alimentares; consumidores com mais exigência na qualidade dos produtos. Favero (2002) O Programa Horti & Fruti Qualidade faz parte dessa nova visão do mercado que foi assimilada pela diretoria da empresa,mas não pelos atacadistas,e alguns fornecedores. Esta postura permanece apesar do trabalho de sensibilização e capacitação que a equipe do Programa vem realizando junto aos atacadistas, produtores, agentes técnicos e operadores, 18 estes últimos mais conscientes das necessidades e dos impactos que as mudanças provocarão na organização e nas relações de comercialização: estruturais, estratégicas, culturais, tecnológicas e relacionadas aos recursos humanos. Para a maioria do segmento atacadista estudado, a melhoria da qualidade está associada a aumento dos custos dos produtos. A pesquisa mostrou a fragilidade desses argumentos que são mais fortemente colocados pelos segmentos de intermediação o que na verdade representa uma forma de preservar suas margens relativamente elevadas em relação aos produtores que arcam com os investimentos produtivos e se encontram em posição de negociação desfavorável face à um numero reduzido de compradores. Adotando-se a padronização, haverá um efeito distributivo da renda para toda a cadeia do agronegócio da citricultura, o que não interessa para intermediários e, principalmente para os atacadistas, sendo esses últimos os que ficam com a maior parte da renda ao longo da cadeia. O produtor será o grande beneficiado com a classificação e a embalagem que ocorrerá na produção. Com esse efeito redistributivo dos ganhos entre os demais elos da cadeia, haverá uma maior parcela para os setores produtivos, que poderão reinvestir,em melhorias dos pomares e, conseqüentemente, do padrão de qualidade dos frutos. Aumentando-se a qualidade, aumenta-se a produtividade e conseqüentemente o lucro. A produtividade é vista no manuseio do produto, ou na facilidade de comercialização. Isso pode ser verificado quando se classifica e embala-se um produto: a diminuição do desperdício é visível; o melhor manuseio, com conseqüente redução de pessoal no carregamento e descarga; facilidade nas transações comerciais; melhor apresentação; a ampliação das classes do produto propiciada pela classificação e embalagem. Traduzidos em melhoria da qualidade, todos esses benefícios não aumentam os custos, e sim, favorecem o estabelecimento de ganhos significativos na cadeia de comercialização e o aumento das transações que poderão, baseadas em padrões aceitos pelo mercado, serem feitas à termo e à distância por via eletrônica por exemplo. Martins (2000) dá um enfoque a custo da qualidade como “os custos decorrentes da falta de qualidade”. Isto é, a falta de qualidade acarreta custos que, conseqüentemente, oneram o preço do produto na comercialização. O cálculo desses custos dá a noção exata dos benefícios da implementação de um programa de qualidade, ou seja, a qualidade gera um ganho adicional para todos os segmentos da cadeia de comercialização. Outros ganhos serão obtidos também pelos municípios produtores de laranja, através dos serviços de classificação e embalagem realizados na região produtora, com elevação da oferta de emprego, geração de renda e impostos. A resistência baseada em fatores econômicos, a que mais se observou em todos os atacadistas que não aderiram ao Programa Horti & Fruti Qualidade, se expressa num discurso “que a mudança reduzirá sua receita devido o aumento do preço da laranja e a conseqüente queda nas vendas, diminuindo as receitas de comercialização” Essa ameaça é relativa à sua posição especulativa e de controle dos preços pela descontinuidade do produto.Um produto com padrões de classificação, embalado e com rótulo informativo, produz a transparência nas relações de mercado e nos preços. Atualmente o mercado atacadista determina o preço da laranja adicionando um percentual de lucro sobre os custos, com as mudanças o preço será dado pelo consumidor ao perceber o valor do produto através de seus atributos de qualidade, entendidos como diferenciais. Os atacadistas deverão montar uma estratégia de preço baseada no valor do produto percebido pelo consumidor e depois analisar a cadeia de valor para determinar seus custos e margens de comercialização, essa talvez seja a principal razão da resistência dos segmentos de intermediação, porém não explicitada. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS FAVERO, Luiz Andrea. Programa Abracen para a padronização e melhoria da qualidade alimentar e dos produtos hortifrutícolas no mercado atacadista. Recife: mimeo, 2001. FAVERO, Luiz Andrea. “O Programa Brasileiro de Modernização da Horticultura” palestra no Encontro Internacional da Comercialização. Centro de Convenções de Pernambuco. 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