1 ANDRÉ KOMPATSCHER DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA CURITIBA 2009 2 RESUMO Analisa-se no presente trabalho a desapropriação indireta, ou apossamento administrativo, como também é conhecida. Para tanto, em um primeiro momento, buscou-se demonstrar que a desapropriação é exceção constitucional ao direito individual e fundamental de propriedade, previsto no artigo 5º, XXIII. Previu-se, todavia, que em casos em que haja necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, o direito individual de propriedade cede, dando espaço à desapropriação. Esta, a mais das vezes, é realizada mediante prévia e justa indenização em dinheiro, embora haja previsão de modalidades sancionatórias de desapropriação, para as quais a indenização é feita em títulos da dívida pública, ou mesmo não há indenização. Em que pese existir o regramento do procedimento de desapropriação, este nem sempre é observado. Nestes casos, a Administração Pública realiza a chamada desapropriação indireta ou desapossamento administrativo. Assim, o proprietário tem seu bem lesado e precisa recorrer ao Poder Judiciário para ser indenizado. Ressalta-se que esta prática de desapropriação, lesiva ao particular, é criação pretoriana, motivo pelo qual se analisa decisões dos Tribunais pátrios acerca da matéria. Palavras-chave: Desapropriação. Desapropriação indireta. Apossamento Administrativo. Decreto-lei 3365/41. 3 INTRODUÇÃO Este trabalho trata da desapropriação indireta, modalidade de desapropriação para a qual não há previsão legal. É, pois, forma de perda da propriedade, mas que foge à regra prevista da Constituição Federal que submete a Administração Pública a um procedimento anterior à aquisição da propriedade. Em um país de fortes traços patrimonialistas, a Constituição Federal de 1988 trata a propriedade como direito fundamental no art. 5º, XXII. Entretanto, a propriedade não tem mais o caráter absoluto que outrora tivera, pois diante de tantos problemas e desigualdades sociais, o proprietário se vê obrigado a adequar a utilização do bem a um fim social. A Carta Política, no cumprimento de tal mister, gravou a propriedade de uma necessária função social em seu art. 5º, XXIII. O interesse social é também o que motiva a atuação da Administração Pública, sendo ela regida pelo princípio da supremacia do interesse público, que confere à Administração uma série de prerrogativas e deveres, caracterizadores do regime jurídico administrativo. Assim, interesses individuais posem ser suprimidos na consecução da justiça social, do bem comum e do bem estar coletivo. A relativização da propriedade se dá, portanto, pela imposição ao proprietário de uma série de deveres, todas com o fim de adequar a utilização de determinado bem à sua função social, podendo a Administração Pública privar o proprietário deste bem, caso inadequado seu uso. Deste modo, a Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo que garante o direito individual de propriedade, o relativiza, determinando, no artigo 5º, XXIII, que a propriedade deve atender sua função social. Mais que isso, no inciso XXIV do mesmo artigo, permite a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, estando ressalvados os casos em que a própria Constituição, numa espécie de sanção, prevê que a indenização se dê por títulos da dívida pública ou da dívida agrária, ou até mesmo não haja indenização. 4 Pode-se perceber a importância e o alcance do instituto da desapropriação, uma vez que o constituinte originário achou por bem incluí-lo no rol dos direitos e garantias fundamentais, como exceção ao direito de propriedade. O artigo 5°, inciso XXIV, da Constituição Federal, diz que a lei regulamentará o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social. Não houve edição desta Lei após a entrada de vigor da Constituição, mas nem por isso o instituto não é regulamentado, pois o Decreto-lei n° 3365/41, muito embora tenha sido promulgado antes da entrada em vigor da CF/88, foi por ela recepcionado e orienta o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, consubstanciando-se, no dizer de muitos autores do Direito Administrativo, na lei geral da desapropriação. A seu turno, a Lei 4132/62, também recepcionada pela Constituição vigente, determina o procedimento a ser seguido nos casos de desapropriação por interesse social. Contudo, apesar da legislação que regulamenta o procedimento expropriatório, o Poder Público muitas vezes vem agindo contra legem, esbulhando o proprietário sem observar qualquer dos requisitos procedimentais legalmente estabelecidos, agindo como verdadeiro invasor. Pratica, assim, a chamada a desapropriação indireta, ou apossamento administrativo, objeto deste estudo. Na desapropriação indireta, a Administração Pública toma a propriedade particular, sendo uma situação prática de difícil reparação ao proprietário lesado, pois ao mesmo só resta a via judicial para buscar reparação ao dano sofrido. Esta situação de mostra bastante indesejada, pois a desapropriação indireta não encontra respaldo legal, sendo criação pretoriana. Para analisar o instituto, em um primeiro momento se delineia o instituto da desapropriação e algumas características do seu procedimento. Após, estuda-se o conceito de desapropriação, os modos de defesa do executado e a constitucionalidade do instituto, demonstrando, porá fim, a posição dos Tribunais. 5 1 LINHAS GERAIS DA DESAPROPRIAÇÃO A desapropriação é, na perspectiva administrativista, forma de aquisição originária da propriedade. Embora haja reflexos no Direito Civil, é no Direito Administrativo que este instituto encontra guarida. Analisando sua definição, nota-se que a desapropriação é forma de aquisição originária da propriedade por parte do Estado, a exemplo de Marçal JUSTEN FILHO, para quem “a desapropriação é ato estatal unilateral que produz a extinção da propriedade sobre um bem ou direito e a aquisição do domínio sobre ele pela entidade expropriante, mediante indenização justa.”.1 Romeu Felipe BACELLAR FILHO, assim conceitua de forma geral o instituto expropriatório: “a desapropriação é a transferência compulsória, ou não, de um bem do domínio particular para o domínio público, por necessidade e utilidade pública ou interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro ou em título da dívida pública”.2 Já Diógenes GASPARINI destaca o caráter originário no momento em que o Poder Público expropria compulsoriamente o particular, integrando o bem ao domínio Público: Pode-se conceituar desapropriação como sendo o procedimento administrativo pelo qual o Estado compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade, ou por interesse social e o adquire originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os casos que a própria Constituição enumera, em que o pagamento é feito em títulos da dívida pública (art.. 182, § 4°, III) ou da dívida agrária (art. 184).3 No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de MELLO afirma: 1 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 429. 2 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 187. 3 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 816. 6 A desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos e rurais, em que, por estarem em desconformidade com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado o seu valor real.4 Já José Carlos de Moraes SALLES, em obra dedicada exclusivamente ao estudo da desapropriação, define-a da seguinte forma: Desapropriação é o instituto de direito público, que consubstancia-se em procedimento pelo qual o Poder Público (União, Estados-membros, Territórios, Distrito Federal e Municípios), as autarquias ou as entidades delegadas autorizadas por lei ou por contrato, ocorrendo caso de necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, de interesse social, retiram determinado bem de pessoa física ou jurídica, mediante justa indenização, que, em regra, será prévia e em dinheiro, podendo ser paga, entretanto, em títulos da divida pública ou dívida agrária, com cláusula de preservação do seu valor real, nos casos de inadequado aproveitamento do solo urbano ou de Reforma Agrária, observados os prazos de resgate estabelecidos nas normas respectivas.5 Dos conceitos acima expostos, note-se que a indenização é aspecto relevante em matéria expropriatória, tendo ela diversas nuances. Embora muitos autores, como Maria Sylvia Zanella DI PIETRO6, façam a distinção das modalidades de desapropriação pelo fim dado ao bem expropriado, preferimos a doutrina que a distingue, de acordo com a forma de indenização, em desapropriação ordinária ou extraordinária. Sobre a desapropriação ordinária, ensina Renata Peixoto PINHEIRO: A base normativa da desapropriação ordinária encontra-se no art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal de 1988. Por meio dela, despoja-se alguém de uma propriedade pelos motivos de necessidade ou utilidade pública e de interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Tal procedimento pode ser de iniciativa da União, Estados, Municípios e Distrito Federal.7 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 821-822. 5 SALLES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 66. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 181. 7 A mesma autora esclarece que a desapropriação ordinária comporta subdivisões, mas que por não terem fundamentação diferente, não configuram novo regime jurídico, não sendo, portanto, novas espécies de desapropriação, a exemplo da desapropriação por utilidade pública, a desapropriação por zona e a desapropriação por interesse social. Esta diferenciação é proveniente da legislação infraconstitucional.8 Ao lado da desapropriação ordinária, a desapropriação extraordinária também encontra respaldo na Constituição de 1988, e diferencia-se da ordinária pelo fato de que a indenização, quando prevista, não se dá em dinheiro, mas em títulos da dívida pública. A Constituição prevê três formas de desapropriação extraordinária, que conforme ensina Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, têm caráter sancionatório, já que a indenização não é prévia nem em dinheiro, ou mesmo não ocorre.9 Dentro destes parâmetros, a CF determina que podem ser desapropriadas as propriedades urbanas que descumprem sua função social, as propriedades rurais em igual condição e também quaisquer glebas de terra em que forem encontradas plantações ilegais de ervas psicotrópicas. A desapropriação tem como fundamento, na lição de Raquel Melo Urbano de CARVALHO, o interesse coletivo sobre o interesse individual do dono do bem: O fundamento político da desapropriação é a supremacia do interesse da sociedade sobre o interesse do titular do bem. Consoante já se ressaltou (...), na hipótese de conflito entre o interesse público e o interesse de um dos membros da coletividade, impõe-se fazer prevalecer a necessidade social. Assim, p. ex., entre o interesse do Município, de desapropriar para construir um hospital, e o interesse da empresa que é a dona daquela área, prevalece o interesse público que fundamenta o procedimento desapropriatório na hipótese. (...) Em todas as modalidades de desapropriação é preciso que esteja evidente o atendimento do interesse público primário. É vício fatal iniciar o procedimento expropriatório na busca exclusiva da satisfação de interesses particulares. O atendimento do bem comum é a finalidade pública que justifica o exercício, pelo Estado, de potestade radical, capaz de suprimir direito de propriedade de um terceiro, independente da sua aquiescência. Se não se 7 PINHEIRO, Renata Peixoto. Desapropriação para fins urbanísticos em favor do particular. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 68. 8 Neste sentido, ver PINHEIRO, Renata Peixoto. Op. cit., p. 68. 9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit.,p. 159. 8 assentar na concreção do interesse social, é inadmissível que o Estado realize tal intervenção supressiva na propriedade alheia.10 No mesmo sentido é a posição de Celso Antonio Bandeira de MELLO, para quem “o fundamento político da desapropriação é a supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quando incompatíveis”.11 Ressalta-se, contudo, que a doutrina não é pacífica quanto às modalidades e pressupostos da desapropriação. Raquel Melo Urbano de CARVALHO, por exemplo, entende que existem três modalidades de desapropriação, divididas de acordo com a forma de indenização (em dinheiro, título da dívida, ou inexistência de indenização). Para a autora, a desapropriação por necessidade ou utilidade pública é hipótese da modalidade cuja indenização de dá em dinheiro; a desapropriação da propriedade urbana e rural é hipótese de desapropriação com indenização em títulos da dívida pública e a desapropriação sancionatória das terras em que se cultivam plantas psicotrópicas é hipótese de desapropriação sem indenização.12 Já Marçal JUSTEN FILHO adota a divisão da desapropriação em modalidades conforme o tipo de necessidade que o bem se destina, havendo, portanto, a desapropriação por necessidade ou utilidade pública e a desapropriação por interesse social.13 Por sua vez, José Carlos de Moraes SALLES entende que necessidade ou utilidade pública ou interesse social são requisitos ou pressupostos da desapropriação14, compartilhando sua opinião com Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, para quem “a Constituição do Brasil indica, como pressupostos da desapropriação, a necessidade pública, utilidade pública ou interesse social (arts. 8º, inciso XXIV, e 184)”.15 10 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo: Parte Geral, Intervenção do Estado e Estrutura da Administração. Salvador: Podium, 2008, p. 1046. 11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p.763. 12 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1047. 13 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 432. 14 SALLES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 89. 15 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 168. 9 Esclarecida esta divergência, e tomando a lição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO16, analisa-se os três pressupostos da desapropriação: necessidade pública, utilidade pública e o interesse social. Apesar de a Lei Geral da Desapropriação tratar a utilidade pública como modalidade de necessidade pública, há diferenças entre as modalidades. A desapropriação por necessidade pública, conforme doutrina de Diógenes GASPARINI, ocorre quando “o Estado, para atender situações anormais que se lhe apresentem, tem que adquirir o domínio e o uso de bens de terceiros”.17 Já a desapropriação por utilidade pública, para o autor, é aquela “em que o Estado, para atender a situações normais, tem de adquirir o domínio e o uso de bens de outrem”.18 Outro pressuposto para a desapropriação é o interesse social. Definindo as situações em que pode ser utilizado, o Decreto-lei 4.132/62, determina, em seu art. 1º: Art. 1º A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal. Note-se que esta Lei foi editada sob a vigência da Constituição de 1946, que no seu artigo 147, previa a função social da propriedade.19 Segundo Seabra FAGUNDES, a desapropriação é realizada com este pressuposto quando, “o Estado está diante dos chamados interesses sociais, isto é, daqueles diretamente atinentes às camadas mais pobres da população e à massa do povo em geral, concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais equitativa distribuição da riqueza, à atenuação das desigualdades”.20 Assim, nota-se que o fundamento da desapropriação é o interesse coletivo, e seus pressupostos são a necessidade ou utilidade pública e o interesse social. Quando presentes, pode haver um procedimento de desapropriação. 16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 163. GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 824. 18 Idem. 19 CF 1946, art 147: O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. 20 FAGUNDES, Seabra, apud, DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. cit., p. 163. 17 10 Algumas características do procedimento de desapropriação serão elucidados, para que posteriormente seja possível analisar a desapropriação indireta, contrapondoa ao instituto aqui analisado. Oportuno ressaltar que a desapropriação tem no Decreto-lei 3365/41 sua principal fonte, embora outras leis delineiem procedimentos específicos de desapropriação. Mister se faz a lição de Raquel Melo Urbano de Carvalho, ao esclarecer que a desapropriação ocorre por meio de procedimento. Para a autora, “a desapropriação é um procedimento vinculado, vale dizer, é uma sucessão de atos administrativos definidos no ordenamento jurídico cujo objetivo é incorporar o bem ao patrimônio do poder expropriante”.21 No mesmo sentido é Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, para quem “a desapropriação desenvolve-se por meio de uma sucessão de atos definidos em lei e que culminam com a incorporação do bem ao patrimônio público”.22 O art. 2º DO Decreto-lei 3365/41 determina que “mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios”. Celso Antônio Bandeira de MELLO coloca que são competentes para declarar a utilidade pública ou o interesse social para fins de desapropriação a União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Todavia, o rol para promover a desapropriação é um pouco maior, pois como explica o autor, Podem promover a desapropriação, isto é, efetivar a desapropriação, ou seja, praticar os atos concretos para efetuá-la (depois de existente uma declaração de utilidade pública expedida pelos que tê, poder para submeter um bem à força expropriatória), além da União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, as autarquias, os estabelecimentos de caráter público em geral ou os que exerçam funções delegadas do Poder Público e os concessionários de serviço, quanto autorizados por lei ou por contrato23,24. 21 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1071. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. . Op. cit., p. 163. 23 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 831. 24 É este o sentido do art. 3º do Decreto-lei 3365/41: “Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”. 22 11 O procedimento de desapropriação compreende duas fases. A primeira fase é declaratória, consubstanciada na declaração da utilidade ou necessidade pública ou interesse social. A declaração de utilidade tem previsão no Decreto-lei 3365/41 artigos 6º a 8º25, e a declaração de interesse social está prevista na Lei Federal 4132/62.26 Esta declaração, como explica Raquel Melo Urbano de CARVALHO, inicia a fase administrativa da desapropriação, pois “trata-se da manifestação unilateral da vontade de uma pessoa federativa que, sob a égide do regime de direito público, aplica as normas jurídicas e produz efeitos mediatos na realidade administrativa, porquanto especifica o bem a ser adquirido pelo Estado, sob o controle de juridicidade dos órgãos competentes”.27 A declaração de necessidade ou utilidade pública é um ato de natureza administrativa que pode ser realizado pelo Poder Executivo ou Poder Legislativo. A autorização do Poder Legislativo é necessária, como ensina Maria Silvia Zanella DI PIETRO, quando a desapropriação recaia sobre bens públicos.28 Finda a fase declaratória, inicia-se a fase executória, que pode ser extrajudicial ou judicial. É extrajudicial, ou amigável, conforme ensina Kiyoshi HARADA, a desapropriação na qual há concordância quanto ao valor da indenização, mas é necessário que se faça exame meticuloso do título do expropriado.29 A concordância se limita ao montante e forma de pagamento da indenização. Neste sentido, ensina Raquel Melo Urbano de CARVALHO que 25 Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito. Art. 7º Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial. Àquele que for molestado por excesso ou abuso de poder, cabe indenização por perdas e danos, sem prejuizo da ação penal. Art. 8o O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação. 26 Art. 3º O expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado. 27 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1076. 28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. . Op. cit., p. 163. 12 Em sentido diverso, tem-se parte da doutrina que entende que, embora a desapropriação amigável conte com a aquiescência no expropriado, esta ocorre apenas quanto à aceitação do preço, pelo que sua natureza é ainda de aquisição originária e compulsória, não se confundindo com a compra e venda. O entendimento é o de que a compra e venda caracteriza-se pelo acordo de vontade de duas partes sobre coisa e preço. Na desapropriação, o Estado decide que suprimirá a propriedade alheia, não sendo lícito ao titular do bem opor-se à pretensão pública. A sua aquiescência limita-se ao montante indenizatório pelo que haveria dois atos jurídicos unilaterais convergindo em um mesmo sentido. O Estado delibera por realizar a desapropriação e fixa o montante que entende devido a título de ressarcimento. Esta é uma prerrogativa pública. O expropriado concorda com a determinação do valor indenizatório, motivo porque o procedimento se encerra na via administrativa, sem que se possa falar em contrato de compra e venda. Se o particular se opõe à indenização justa, o direito reputa necessária a intervenção do Poder Judiciário.30 Caso não haja acordo quanto ao pagamento da indenização, a fase executória será judicial. A ação será proposta no juízo da situação do bem expropriado 31, e o rito especial a ser seguido é o descrito no Decreto-lei 3365/41. A desapropriação se perfectibiliza com o pagamento da indenização. É o que ensina Celso Antonio Bandeira de MELLO32, pois a Constituição Federal subordinou a desapropriação à previa e justa indenização. O autor prossegue afirmando que enquanto não houver a condenação no valor a ser pago, o expropriante pode sempre desistir da desapropriação, mas terá que indenizar o proprietário de eventuais prejuízos. Sobre a indenização, várias considerações devem ser feitas, principalmente no que tangencia o modo como ela ocorre nos casos de desapropriação ordinária e extraordinária. A indenização nos casos de desapropriação ordinária, como previsto no artigo 5ª, inciso XXIV, deve ser justa, prévia e em dinheiro. Com base na doutrina de Celso Antônio Bandeira de MELLO, explica-se: 29 HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 73-74. 30 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p.1074. Decreto-lei 3365/41, art. 11: A ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da Capital do Estado onde for domiciliado o réu, perante o juizo privativo, se houver; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens. 31 13 Indenização justa, prevista no art. 5º, XIV, da Constituição, é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e exime de qualquer detrimento.33 Para que seja justa nos termos do acima descrito, várias parcelas compõem o montante a ser pago, e não somente o valor do bem. Segundo a lição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO34, a primeira, e principal, é o valor do bem expropriado, com todas as benfeitorias realizadas antes do ato expropriatório. As benfeitorias necessárias realizadas depois deste ato também serão pagas, mas as benfeitorias úteis só serão pagas se realizadas com autorização do expropriante. A este valor serão acrescidos: lucros cessantes e danos emergentes; juros compensatórios; juros moratórios; honorários advocatícios; custas e despesas judiciais; correção monetária e despesa com desmonte e transporte de mecanismos instalados e em funcionamento.35 A indenização toma outras feições quando se trata da desapropriação extraordinária. Trata-se das hipóteses para as quais a Constituição Federal criou exceção à regra da indenização prévia e em dinheiro. Três são as situações de desapropriação extraordinária, todas elas com caráter sancionatório. A primeira delas é a que se configura quando um imóvel urbano é desapropriado por descumprir sua função social. Nesta situação, a indenização se fará por meio de títulos da dívida pública, resgatáveis em até dez anos. Outra hipótese de indenização sancionatória é a que ocorre na desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária. Estes imóveis – e aqui trata-se apenas de grandes propriedades rurais improdutivas e que não cumprem sua função social são retirados do particular e indenizados por meio de títulos da dívida agrária, resgatáveis em vinte anos. Em ambos os casos, o caráter punitivo reside no fato de que a indenização é futura, e não na diminuição da indenização. Neste sentido, afirma Raquel Melo Urbano de CARVALHO: 32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 844. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 840. 34 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 173. 33 14 A natureza sancionatória do procedimento restringe-se à forma de pagamento da indenização (títulos especiais), e não à fixação do montante indenizatório. O descumprimento da função social não leva à diminuição do valor do bem tomado como base da indenização a ser paga pelo Poder Público. A indenização deve ser justa. Somente se autoriza que a importância devida seja adimplida mediante entrega de títulos da dívida agrária ou títulos da dívida pública. Este mecanismo de pagamento tem caráter manifestamente punitivo e integra uma política pública que persegue o uso adequado de áreas urbanas e rurais. A intenção é, ao submeter a indenização ao pagamento mediante títulos, penalizar os donos de imóveis que indevidamente optaram por não parcelar, não edificar ou subutilizar o bem.36 Na terceira hipótese, tem-se a desapropriação de glebas em que se cultivam plantas psicotrópicas ilegais. Esta, como se viu, configura-se verdadeiro confisco, pois nesta situação, nenhuma indenização caberá. Inclusive, não só a propriedade material será desapropriada, como também serão apreendidos outros bens e valores encontrados, os quais terão destinação social pelo Poder Público. Em todos os casos de desapropriação, sancionatória ou não, em algumas situações de urgência, pode ser requerida a imissão provisória na posse. A Administração Pública pode requerer ao juiz a posse do bem no início da lide, desde que cumpridos alguns requisitos. Estes requisitos são, de acordo com Celso Antônio Bandeira de MELLO37, a declaração de urgência e o depósito em juízo do valor da indenização, segundo critérios previstos em lei. O autor prossegue explicando que esta urgência deve ser verídica, pois se não for demonstrada de modo objetivo pelo requerente, deverá ser indeferida pelo juiz. A declaração de urgência, conforme lição de Diógenes GASPARINI, não pode ser revista pelo Poder Judiciário. Neste sentido, afirma que "verifica-se, portanto, que o legislador aludiu, simplesmente, à alegação de urgência e não à obrigação de ser a urgência provada pelo Poder Público. Basta, pois, a mera alegação de urgência para que possa o expropriante requerer a imissão provisória na posse do imóvel expropriado”. 38 35 Idem. CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1052. 37 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 839. 38 GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 349. 36 15 Verificada destinação do bem que não atende ao interesse público, surge o direito de retrocessão. Como afirma Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, formam-se três correntes relativas à natureza desta situação, todas anteriores ao Código Civil de 2002: a primeira entendia ter a retrocessão natureza pessoal, indicando não ser possível reaver o bem, restando ao expropriado apenas pleitear perdas e danos; a segunda entendia ser possível reivindicar o imóvel por ter a retrocessão natureza real; e a terceira aponta a natureza mista da retrocessão (pessoal e real), dando ao expropriado direito a ação de preempção ou preferência, ou, se preferir, perdas e danos. A autora entende ser a terceira corrente a mais adequada à proteção ao direito de propriedade39, embora reconheça que na perspectiva do Código Civil de 2002, o poder público não mais tem que oferecer o imóvel ao desapropriado. Assim, pela inteligência do artigo 519 do Código Civil Brasileiro40, o expropriado terá direito de preferência, pelo preço atual da coisa. Como assinala Romeu Felipe BACELLAR FILHO, o Código Civil adotou a tese de que a retrocessão cabe quando não é dada destinação pública ao imóvel. Contudo, o bem expropriado pode ser destinado a interesse público diferente do contido na fase declaratória da desapropriação. Em suas palavras: O novo Código Civil acolheu a tese já consagrada na doutrina e na jurisprudência de que a retrocessão cabe quando o poder público não tenha dado qualquer destinação pública ao imóvel (tredestinação), o que deixa claro a última parte do dispositivo legal: “ou não utilizada em obras ou serviços públicos”. Logo, o expropriado não poderá exercer o seu direito quando o poder público dá ao imóvel uma destinação pública diversa daquela mencionada no ato expropriatório.41 Assim, observa-se que o imóvel não pode ser desapropriado para atender um determinado particular, devendo, obrigatoriamente, ter uma destinação pública. Caso não verificada, caberá ao expropriado o direito de retrocessão, consubstanciado no direito de preferência pelo preço atual da coisa. 39 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p.186-187. Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa. 41 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 148. 40 16 2 CONCEITO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA Até o momento, analisou-se a desapropriação em linhas gerais, observando que por atingir um direito individual fundamental constitucionalmente consagrado, só pode ser realizada mediante um procedimento legal e, salvo exceções previstas na Constituição da República, com o pagamento de indenização prévia e em dinheiro. Entretanto, nem sempre a Administração Pública recorre ao procedimento legalmente instituído, deixando de observar requisitos para que ocorra a desapropriação. Pratica, nestes casos, a desapropriação indireta ou apossamento administrativo. Na lição de Raquel Melo Urbano de CARVALHO, assim se define esta prática: A desapropriação indireta é o irregular comportamento do Poder Público, ao descumprir o procedimento exigido pelo ordenamento para que a aquisição compulsória do bem se realize, imitindo-se indevidamente na sua posse. Assim, o Estado, em vez de cumprir as regras que condicionam o modo de aquisição originária e coercitiva da propriedade, limita-se a materialmente apossar-se da coisa alheia, esbulhando-lhe a posse, em flagrante ilicitude. O instituto é resultado de construção pretoriana que foi absorvida pela doutrina e, na realidade administrativa, consubstancia procedimento comum.42 Marçal JUSTEN FILHO vai além do caráter da mera ilicitude, apontando no seu conceito algumas conseqüências esperadas para a Administração Pública. Para o autor, “a desapropriação indireta consiste no apossamento fático pelo Poder Público, sem autorização legal nem judicial, de bens privados. Trata-se, em última análise, de prática inconstitucional, cuja solução haveria de ser a restituição do bem ao particular, acompanhada da indenização por perdas e danos, e a punição draconiana para os responsáveis pela ilicitude”.43 Destaca-se ainda o conceito de desapropriação indireta de Celso Antonio Bandeira de MELLO: 42 43 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1139. JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 453. 17 Desapropriação indireta é a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do imóvel particular pelo Poder Público, com sua conseqüente integração no patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório. Ocorrida esta, cabe ao lesado recurso às vias judiciais para ser plenamente indenizado, do mesmo modo que seria caso o Estado houvesse procedido regularmente.44 Da análise dos três conceitos acima expostos, observa-se que o apossamento administrativo é uma prática ilícita e irregular, embora freqüente, da Administração Pública, que se apossa do bem do particular sem observância de qualquer procedimento legal. Este apossamento, conforme lição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, pode ser dar quando a Administração impede o particular de utilizar-se de seu bem. Para a autora, “às vezes, a Administração não se apossa diretamente do bem, mas lhe impõe limitações ou servidões que impedem totalmente o proprietário de exercer sobre o imóvel poderes inerentes ao domínio; neste caso, também se caracterizará a desapropriação indireta, já que as limitações e servidões somente podem, licitamente, afetar em parte o direito de propriedade”.45 Uma vez realizada, a desapropriação indireta lesa o proprietário de maneira desproporcional ao fim pretendido pelo Poder Público, que poderia ter se utilizado de procedimento regular de desapropriação e preservado o direito individual de propriedade. Constatando sua ocorrência, o proprietário que é privado de seu bem somente pode recorrer à via judicial para ter seu dano reparado. Merece destaque aqui a posição de José Carlos de Moraes SALLES, que afirma que embora tenha tratado a desapropriação indireta como instituto afim da desapropriação, “a verdade é que a mesma não pode ser considerada um instituto no sentido exato da palavra, pois (...) se trata, a mais das vezes, de ato ilícito cometido pelos prepostos da Administração”.46 Sobre sua origem, interessante comentário faz o mesmo autor: 44 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 845. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 184. 46 SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p. 846. 45 18 A desapropriação indireta é, pois, decorrência da aplicação do princípio da intangibilidade da obra pública, cujo fundamento João Nunes Sento de Sá (...) assim descreve: “o verdadeiro fundamento está na idéia de que a destruição da obra proviria de um formalismo oneroso, porquanto, após a sua demolição, a Administração poderia, expropriando, recomeçar a construí-la. É então mais sábio admitir a tese da desapropriação indireta.”47 Em que pese a constatação de que a desapropriação indireta, na prática, é ato ilícito do Poder Público, já que uma vez esbulhado o proprietário somente pode se valer de uma ação possessória ou de indenização, majoritária doutrina48 enquadra o apossamento administrativo como uma modalidade de desapropriação, dando menos importância à ausência de pressupostos deste instituto. 3 A DEFESA DO EXPROPRIADO Uma vez que a Administração se apossa de um bem de um particular, a este só resta ir a juízo reclamar aquilo que lhe foi tomado, suprindo a falta do procedimento legal de desapropriação, para poder ser indenizado. Neste sentido, afirma José Carlos de Moraes SALLES: A desapropriação indireta é uma expropriação que se realiza às avessas, sem observância do devido processo legal. (...) transfere-se, pois, a este último (o proprietário) o ônus da desapropriação, obrigando-o a ir a juízo para reclamar a indenização a que faz jus. Invertem-se, portanto, as posições: o expropriante, que deveria ser autor da ação expropriatória, passa a ser o réu da ação indenizatória; o expropriado, que deveria ser réu da expropriatória, passa a ser autor da indenização49. Não se trata, portanto, de ação de desapropriação, mas sim de ação de indenização. Isto porque o artigo 35, do Decreto-lei 3365/41, determina que os bens 47 SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p. 847-848. Em que pese as peculiaridades da desapropriação indireta, a maioria dos autores de Direito Administrativo fazem a análise do instituto no capítulo destinado à desapropriação. É o caso, por exemplo de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Diógenes GASPARINI e Marçal JUSTEN FILHO. Posição diferente é adotada por José Carlos de Moraes SALLES, que analisa a desapropriação indireta como instituto afim à desapropriação, por se configurar em ato ilícito da administração pública. (SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p. 846.) 49 SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p. 846. 48 19 expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não poderão ser reivindicados, e que a ação derivada desta situação resolver-se-á em perdas e danos. Assim, a conduta da Administração Pública ao realizar este tipo de desapropriação é muito mais gravosa ao expropriado. Se o procedimento regular de desapropriação tivesse sido realizado, o proprietário receberia a indenização em dinheiro e antes de ter seu bem afetado. Na desapropriação indireta, o proprietário fica obrigado a ir a juízo e aguardar a tramitação de um processo judicial para ser indenizado por meio de precatórios. Sobre o tema, Clóvis BEZNOS nos faz lembrar: (...) aos esbulhados pelo Poder Público simplesmente resta o ínvio caminho da demanda judicial, em face das pessoas públicas, que fruem de privilégios processuais tais como os referentes aos prazos, para, depois de vencida essa íngreme escalada, se verem na contingência de iniciar penosa execução, que após sua liquidação coloca o administrado na via dos precatórios, com o risco de uma emenda constitucional parcelar esses créditos em dez longos anos, como recentemente ocorreu.50 A defesa do expropriado na desapropriação indireta, portanto, ainda que chamada “ação de desapropriação indireta”, nada mais é que uma ação de indenização, e que pela demora e transtorno que causa ao lesado, nem sempre é eficiente para ressarci-lo dos danos que teve. Observou-se que pela regra do artigo 35 do Decreto Lei 3365/41, os bens já incorporados ao patrimônio público não podem ser reivindicados. Todavia, antes da afetação, o proprietário lesado pode se valer das ações possessórias para tentar impedir o apossamento do bem pela Administração. Neste sentido, Raquel Melo Urbano de CARVALHO leciona: Antes de o bem ser incorporado, mediante afetação, cabe ao seu titular utilizar-se de interdito proibitório (no caso de justo receio de ser direta ou indiretamente molestado na posse, a fim de impedir a turbação ou esbulho iminente), manutenção de posse (na hipótese de turbação) ou reintegração de posse (para os casos de esbulho consumado). Depois de vinculado materialmente o bem a um fim público qualquer, torna-se descabida quaisquer dos meios de proteção possessória enumerados. (...) Pode acontecer, ainda, de a proteção possessória ser requerida quando ainda não afetado o bem e, depois de ajuizada a ação, ocorrer a sua 50 BEZNOS, Clovis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 58. 20 incorporação ao patrimônio público. Neste caso, transforma-se a ação possessória em ação de desapropriação indireta cujo objetivo será estritamente indenizatório.51 Para propor a ação de desapropriação indireta, Kiyoshi HARADA 52 aponta dois requisitos indispensáveis: que tenha havido o apossamento do imóvel pela Administração e que o autor seja o titular do domínio da área afetada. O autor ainda destaca que há doutrinadores que citam a prova de pagamento de impostos sobre o imóvel em discussão como um terceiro requisito.53 A ação de desapropriação indireta, como afirma Kiyoshi HARADA, é ação real.54 Esta natureza real da ação faz com que a desapropriação indireta tenha características diferentes da ação de desapropriação, conforme ensinamento de Raquel Melo Urbano de CARVALHO.55 O primeiro é que o foro da ação é o da natureza do imóvel (e não o domicílio do réu). Quanto à legitimidade, a autora assinala que os pólos passivo e ativo são inversos ao da desapropriação, pois na desapropriação indireta, o autor é titular da coisa e o réu é o Poder Público. Ainda em razão da natureza real da ação, a autora afirma ser necessária a presença de ambos os cônjuges no pólo ativo, assim como deve haver prova da titularidade da coisa. Outra questão acerca da ação de desapropriação indireta que é bastante discutida é o prazo prescricional para propositura da ação. A supracitada autora explica que o prazo deve ser o mesmo para a usucapião, porque este é o prazo que tem a Administração que esperar para adquirir o bem sem pagamento de indenização. Em suas palavras: Conseqüentemente, somente quando for ultrapassado o período suficiente para aquisição da propriedade pelo Estado sem indenização é que poderá se considerar prescrito o direito do terceiro ao ajuizamento da desapropriação indireta. Enquanto o Poder Público não estiver desobrigado de ressarcir o esbulho por ter adquirido, por usucapião, o bem em questão, é lícito ao proprietário pretender recompor o seu patrimônio mediante ação de desapropriação indireta.56 51 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1140. HARADA, Kiyoshi. Op. cit., p. 210. 53 É o caso, por exemplo, de Carlos Alberto Dabus Maluf, In: HARADA, p. 211. 54 HARADA, Kiyoshi. Op. cit., p. 211. 55 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1142. 52 21 Na vigência do Código Civil de 1916, o prazo para usucapião extraordinária (a usucapião é extraordinária quando a posse se opera sem o justo título e boa fé) era de vinte anos.57 A Súmula 11958 do STF reafirmava tal prazo, ao assentar o entendimento de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos”. Esta súmula foi editada no ano de 1994, e por isto está em conformidade com o disposto na legislação civil vigente à época. Não obstante o reconhecimento de que o prazo de prescrição da ação de desapropriação indireta seria o mesmo daquele que a Administração Pública levaria para usucapir o bem, a Medida Provisória 2183-56, de 24/08/2001, deu novo prazo para a propositura desta ação, de cinco anos, assim dispondo: “Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público”.59 Esta Medida Provisória, como lembra Maria Sylvia Zanella DI PIETRO60, foi objeto da ADIn nº 2260/DF, cuja liminar foi acolhida, ficando estabelecida a jurisprudência anterior sobre a matéria, até julgamento final da ADIn. Entretanto, mesmo com o deferimento da liminar, prevalece a dúvida se o prazo de prescrição seria o da Súmula 119 do STJ, ou seja, vinte anos, ou o prazo da usucapião extraordinária. Isso porque o Código Civil de 2002 alterou o prazo para a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária, sendo agora de quinze anos.61 Sobre o assunto, encontram-se decisões em ambos os sentidos, como adiante se verá. O pedido de indenização, conforme ensina Clóvis BEZNOS, deve compreender não apenas o valor do bem, mas também eventuais lucros cessantes, 56 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Op. cit., p. 1144. Art. 550, Código Civil de 1916:: Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. 58 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=267 59 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2183-56.htm> Último acesso em 28.08.2009. 60 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 185. 61 Art. 1.238: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz 57 22 juros compensatórios, juros moratórios, honorários de advogados, reposição das custas e outras eventuais despesas. O autos ainda vislumbra a possibilidade de ser requerida indenização por danos morais. Segundo ele, (...) vislumbramos a possibilidade do pleito de danos morais, em cumulação com os danos materiais. De fato, o ilícito praticado pela Administração Pública, atingindo o direito individual do administrado, é causa de inquestionável sofrimento moral. Com efeito, se a Administração deve pautar sua conduta nos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, nos termos no artigo 37 da Constituição Federal, e se é natural que dela se espere uma atitude de proteção ao direito dos administrados, a conduta contrária, consistente na violação do direito alheio, causa enorme desconforto e sentimento de desproteção, porque frusta a normal expectativa quanto a um comportamento ético, configurando o dano moral.62 Importante questão é levantada por José Carlos de Moraes SALLES: pode o bem atingido pela desapropriação indireta ser alienado a terceiro? Para responder a questão, o autor cita jurisprudência no sentido de que isto não seria possível, pois aos novos proprietários haveria carência de ação na pretensão indenizatória, pois os mesmos não seriam proprietários no tempo da ocupação do imóvel. Não possuiriam, pois, a prova do domínio do bem, já citado como um dos requisitos da ação de desapropriação indireta. O autor, contudo, não subscreve tal opinião, esclarecendo: Com efeito, se a Constituição Federal (art. 5º, XXIV) só admite a desapropriação mediante o pagamento de indenização prévia e justa; se, portanto, a desapropriação só se concretiza no momento em que é paga a indenização, é evidente fora de propósito afirmar-se que, com a desapropriação indireta ou desapossamento administrativo, o bem ficou fora de comercio, não podendo mais ser alienado.63 Em síntese, observa-se que ao proprietário lesado pelo ato ilícito da desapropriação indireta praticada pelo Poder Público, restará a via judicial para pleitear a manutenção na posse, se o imóvel ainda não tiver sido incorporado ao patrimônio público, ou uma ação ordinária de indenização, se tal hipótese já houver que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. 62 BEZNOS, Clovis. Op. cit., p. 62. 63 SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p. 853. 23 sido concretizada. A indenização deverá ressarcir totalmente o proprietário, embora se saiba que a demora na tramitação do processo, bem como no pagamento da indenização, causará ao autor da ação dano muito maior ao que sofreria se a administração houvesse seguido as regras constitucionais para realizar a desapropriação. 4 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO A partir do conceito de desapropriação indireta, pode-se observar que a Administração Pública, ao realizá-la, fere vários dispositivos da Constituição Federal. Os mais aparentes são o direito individual à propriedade, previsto no artigo 5º, XXII, CF, e a necessidade de um procedimento regular para que possa haver a desapropriação. É a lição de Clóvis BEZNOS: Com efeito, de plano se constata a vulneração de dois preceitos constitucionais pelo apossamento administrativo sem o pressuposto da prévia e justa indenização e do processo devido: o inciso XXII do artigo 5º, que assegura o direito de propriedade, e o inciso XXIV do mesmo artigo, que além de condicionar a desapropriação à prévia ocorrência da necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, prescreve também a necessidade de um 64 procedimento legal para a efetivação da desapropriação. A propriedade, erigida a um direito fundamental do cidadão na Constituição Federal de 1988, ainda que funcionalizada, é uma garantia do indivíduo. Por esta razão, o constituinte, prevendo que pudesse haver conflito entre este direito individual de propriedade e os interesses da Administração Pública, fez constar a possibilidade da Administração Pública adquirir a propriedade deste bem por meio da desapropriação.65 Neste sentido é Alexandre de MORAES: 64 BEZNOS, Clovis. Op. cit., p. 57. CF, art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 65 24 Toda pessoa, física ou jurídica, tem direito à propriedade, podendo o ordenamento jurídico estabelecer suas modalidades de aquisição, perda, uso e limites. O direito de propriedade, constitucionalmente consagrado, garante que ninguém dela poderá ser provado arbitrariamente, pois somente a necessidade ou utilidade pública ou o interesse social permitirão a desapropriação.66 Para tanto, foram estabelecidos requisitos para a desapropriação, a fim de que ela não representasse simples desrespeito ao direito individual do proprietário. Ao realizar a desapropriação indireta sem observância dos requisitos do procedimento legal de desapropriação, o proprietário é prejudicado, e a ele pouca defesa resta senão o pleito de indenização, que ocorrerá anos depois da invasão. É, portanto, verdadeira afronta ao direito individual de propriedade. A própria regra do artigo 35 do Decreto-lei 3365/41 consubstancia esta situação, determinando que não poderão ser objeto de reivindicação os bens expropriados incorporados à fazenda pública, resolvendo-se a situação em perdas e danos. Sobre esta disposição legal, Clóvis BEZNOS67 ressalta que esta disposição serve apenas para “bens expropriados”, ou seja, aqueles dos quais a Administração adquiriu a propriedade pelo pagamento prévio de indenização. Portanto, para o autor, não haveria óbice para o proprietário lesado na desapropriação indireta pleitear a recuperação do bem. Todavia, a recuperação do bem ficaria impossibilitada, ora por não poder o bem ser devolvido em sua condição anterior, ora pelo fato de que a devolução representaria grandes custos ao erário público. Assim, o autor reconhece que a via reparatória é a única que resta ao proprietário.68 Diante do apossamento de bem pela Administração Pública, o indivíduo sofre grave dano à sua esfera patrimonial, dano este na maioria das vezes irreversível, XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; 66 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 173. 67 BEZNOS, Clovis. Op. cit., p. 59. 68 Ibidem. 25 reparado posteriormente por meio de indenização. O proprietário lesado, assim, é prejudicado por não poder usar, dispor e gozar de seu bem, e também por não poder reavê-lo, condições estas inerentes ao direito de propriedade. É, pois, clara violação ao direito individual de propriedade anunciado no artigo 5º da Constituição Federal. Para evitar máculas ao direito de propriedade, a Constituição Federal permite a desapropriação de bens de particulares, desde que motivado por um fim social, e observado um devido processo legal. A existência da regular desapropriação evitaria uma lesão ao particular e o conseqüente desrespeito à Constituição Federal. Neste sentido, Alexandre de MORAES descreve: Na utilização desse instrumento político positivo, o Estado-expropriante deve respeitar as garantias constitucionais básicas do particular-expropriado: Existência de uma causa expropriandi ligada a necessidade, utilidade pública ou interesse social; Direito a prévia e justa indenização; Respeito ao devido processo expropriatório previsto da legislação infraconstitucional – essa garantia estabelece-se em benefício do particular e tem por objetivo proteger seus direitos à igualdade e à segurança jurídica, estabelecendo o respeito e a submissão do Poder Público às normas gerais de procedimento legalmente preestabelecidos, cuja observância impede expropriações discriminatórios ou arbitrárias.69 O procedimento de desapropriação prevê diversas regras protetivas ao direito individual de propriedade, já que determina que a desapropriação só deve ocorrer nos casos de necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Ao ignorar o procedimento legalmente previsto para a desapropriação, recorre a Administração Pública à desapropriação indireta, na qual nem sempre estão presentes os requisitos caracterizadores do interesse público, sendo por vezes usada para esconder outros propósitos dos administradores. José Carlos de Moraes SALLES, por exemplo, aponta que o apossamento administrativo vem sendo usado com maior freqüência, com fins eleitoreiros, afirmando: Infelizmente, a desapropriação indireta, que deveria ser expediente excepcionalmente utilizado pela Administração Pública, nos casos de apossamento de bens de particulares por 69 MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 175. 26 equívoco do Poder Público com o conseqüente emprego em obra pública, vai se transformando em procedimento corriqueiro, diuturna e conscientemente empregado. Torna-se mais fácil invadir a propriedade particular para só depois de muitos anos indenizar. Ademais, a sanha de construir obras públicas com propósitos eleiçoeiros tem levado muitas vezes administradores inescrupulosos a lançar mão dos bens particulares sem o devido processo legal, deixando o encargo do pagamento da indenização para governos futuros.70 Note-se que por trás do interesse social que deveria pautar a obra pública está o interesse particular do administrador em se promover com a realização da obra, buscando nova eleição. Assim, há lesão ao direito do proprietário, já que seu direito individual está sendo preterido por outro (que é o interesse eleitoreiro na questão), mascarado sob o pálio do interesse social. A desapropriação indireta também viola a regra da indenização prévia e justa, já que a mesma ocorrerá anos mais tarde, após a tramitação de processo judicial, por meio de precatórios. Sobre o assunto, Kiyoshi HARADA afirma que normalmente, a desapropriação indireta é realizada como forma de viabilizar implantação de melhoramento público sem a respectiva dotação orçamentária para tal mister. Explica o autor: “Na maioria das vezes, até existe o ato declaratório de desapropriação regularmente emitido pela chefia do executivo. Só faltam os recursos orçamentários e financeiros. Daí o apossamento”.71 Visão mais crítica é trazida por Marçal JUSTEN FILHO, que entende que a Administração Pública pratica o apossamento administrativo com a finalidade de obter vantagem financeira com o não pagamento prévio da indenização. O autor esclarece, entretanto, que o pagamento das indenizações pesa para os cofres públicos, motivo pelo qual a desapropriação indireta não representa nenhuma vantagem à Administração. Afirma o autor: Os cofres públicos têm arcado com o pagamento de indenizações vultosíssimas, a propósito das chamadas ações de indenização por desapropriação indireta. A experiência demonstrou que, em vez de trazer algum benefício (imaginário) para os cofres públicos, a pura e simples invasão de terras privadas e sua apropriação para a satisfação de interesses coletivos geram efeitos extremamente nocivos. O montante das indenizações supera largamente o preço de 70 71 SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p. 847. HARADA, Kiyoshi. Op. cit., p. 210. 27 mercado dos bens, especialmente por efeito da incidência dos juros compensatórios desde a ocupação.72 Assim, além de lesar o particular que teve seu imóvel afetado de maneira irreversível, onera as próximas gestões, pois certamente haverá condenação ao pagamento de altas indenizações decorrentes de seu comportamento ilícito. Destarte, diante da explícita ilegalidade existente na desapropriação indireta, Marçal JUSTEN FILHO aponta a necessidade de repressão a esta conduta, assim afirmando: “a única solução para o problema reside no respeito aos princípios fundamentais da democracia republicana em que vivemos: a abstenção dos agentes estatais em promover a ilicitude denominada desapropriação indireta. Mas, se isso vier a ocorrer, é imperioso submeter os agentes políticos e administrativos à devida responsabilização”. 73 A aparente facilidade com que a Administração Pública pratica atos de ilegalidade e a ausência de responsabilização faz com que a desapropriação indireta seja freqüente, ainda que demonstrada sua inconstitucionalidade. 5 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS Como mencionado, o procedimento da desapropriação indireta não encontra respaldo em lei, sendo criação pretoriana.74 Imperioso, portanto, que para melhor compreensão da matéria se analisem decisões neste sentido. O Ministro Ari Pargendler, do Excelso Superior Tribunal de Justiça, ao discorrer sobre a ação de desapropriação indireta, ressalta o fato de não existir previsão legal sobre a mesma, enaltecendo a sua criação pelos tribunais. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO. A DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA E CRIAÇÃO PRETORIANA, QUE ORIGINARIAMENTE TRANSFORMOU AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO, AJUIZADA POR PROPRIETARIO ESBULHADO, EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO; PROVIDENCIA FORÇADA PELO FATO DE QUE, AFETADO AO DOMINIO PUBLICO, O IMOVEL JA 72 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 454-455. Ibidem, p. 455. 74 SALLES, José Carlos de Moraes. Op. cit., p.847. 73 28 NÃO PODE SER RESTITUIDO AO PATRIMONIO PARTICULAR, MESMO QUE ESSA DESTINAÇÃO TENHA SE DADO AO ARREPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, IMPROPRIAMENTE CHAMADA DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA, NÃO PODE, NESSA LINHA, SER TRATADA COMO DEMANDA CONTRA O ESTADO; E MEIO DE DEFESA DA PROPRIEDADE, CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADA, CUJA PERDA SO SE DA, EM CASO DE ESBULHO, NO PRAZO DA USUCAPIÃO EXTRAORDINARIA, DEPOIS DE VINTE ANOS. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 7.459/SP, Relator Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em 13/09/1995, DJ 09/10/1995 p. 33536)75 Extraí-se do julgado que a ação de desapropriação indireta é resultado da conversão de uma ação possessória, que, em razão da afetação do bem, não é mais cabível, em ação indenizatória. Indo além, o Ministro Teori Albino Zavascki elenca os requisitos essenciais para que se caracterize a hipótese de cabimento da ação de desapropriação indireta. ADMINISTRATIVO. CRIAÇÃO DE ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. (DECRETO ESTADUAL 37.536/93). DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESSUPOSTOS: APOSSAMENTO, AFETAÇÃO À UTILIZAÇÃO PÚBLICA, IRREVERSIBILIDADE. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. 1. A chamada "desapropriação indireta" é construção pretoriana criada para dirimir conflitos concretos entre o direito de propriedade e o princípio da função social das propriedades, nas hipóteses em que a Administração ocupa propriedade privada, sem observância de prévio processo de desapropriação, para implantar obra ou serviço público. 2. Para que se tenha por caracterizada situação que imponha ao particular a substituição da prestação específica (restituir a coisa vindicada) por prestação alternativa (indenizá-la em dinheiro), com a conseqüente transferência compulsória do domínio ao Estado, é preciso que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes circunstâncias: (a) o apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de desapropriação; (b) a afetação do bem, isto é, sua destinação à utilização pública; e (c) a impossibilidade material da outorga da tutela específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do indevido apossamento e da afetação. 3. No caso concreto, não está satisfeito qualquer dos requisitos acima aludidos, porque (a) a mera edição do Decreto 37.536/93 não configura tomada de posse, a qual pressupõe necessariamente a prática de atos materiais; (b) a plena reversibilidade da situação fática permite aos autores a utilização, se for o caso, dos interditos possessórios, com indubitável possibilidade de obtenção da tutela específica. 4. Não se pode, salvo em caso de fato consumado e irreversível, compelir o Estado a efetivar a desapropriação, se ele não a quer, pois se trata de ato informado pelos princípios da conveniência e da oportunidade. 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 628.588/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Relator para Acórdão Ministro Teori Albino Zawascki, Primeira Turma julgado em 02/06/2005, DJ 01/08/2005 p. 327)76 75 Disponível em < http://www.stj.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. 29 Tem-se então que a ação de desapropriação indireta tem cabimento, segundo os Tribunais, quando o bem já fora indevidamente apossado pela Administração, devendo haver, necessariamente, destinação pública, tornando-se impossível o retorno do mesmo à esfera patrimonial do particular, em razão da afetação sofrida. Sendo constatada a ocorrência simultânea de todos estes autorizadores, encontra-se aberta a via da ação de desapropriação indireta. Esta ação é do tipo indenizatória, sendo o pagamento feito através de precatório, como qualquer outro tipo de execução movida contra a fazenda pública. Existe, porém, a previsão jurisprudencial de que são devidos juros compensatórios contado a partir do apossamento do bem pelo ente público, nos termos da súmula 114 do STJ. Outro ponto a ser considerado é a possibilidade de extensão do domínio público à área do bem não afetada pelo interesse, mas que, em razão da desapropriação, tem seu valor imobiliário drasticamente reduzido, o que obriga a administração a indeniza-lo em sua totalidade. Tal é o posicionamento da Corte Superior: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. DIREITO DE EXTENSÃO. DECRETO Nº 4.956/1903. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. 1. O direito de extensão ocorre quando o Poder Público invade parte de imóvel (desapropriação indireta), deixando a área remanescente de exercer qualquer atrativo em termos imobiliários, hipótese em que o expropriante deverá indenizar a totalidade do bem. 2. Os critérios de aferimento do Direito de Extensão previsto no Decreto 4.956/1903 estão adstritos às instâncias ordinárias, ante a necessária análise do conjunto fático-probatório, atraindo a incidência da Súmula 07/STJ. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 617.503/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 27/04/2004, DJ 14/06/2004 p. 183)77 Para melhor compreensão da desapropriação indireta, traz-se a baila um julgado do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, donde se encontram todos os elementos acima expostos: 76 Disponível em < http://www.stj.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. Disponível em < http://www.stj.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. 77 30 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA EM LUGAR DA PRETENSÃO REINTEGRATÓRIA DE POSSE DE IMÓVEL POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELAÇÕES SIMULTÂNEAS. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA E DE NULIDADE DA SENTENÇA. PROFERIMENTO COM OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 458 DO CPC PRELIMINARES REJEITADAS. INVASÃO DE PARTE DO IMÓVEL. LIMITAÇÃO DE OPÇÕES DE INVESTIMENTO NA ÁREA REMANESCENTE CONSTATADA EM LAUDO PERICIAL, INFLUENCIÁVEL NO JULGAMENTO DA LIDE. EXTENSÃO RECLAMADA ACOLHIMENTO. INTELIGÊNCIA DO DECRETO Nº4.9561903. PROVIMENTO PARCIAL JUROS COMPENSATÓRIOS. DIES A QUO. INCIDÊNCIA A PARTIR DO DESAPOSSAMENTO. SÚMULA N.° 114/STJ. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE ALUGUERES E IPTU PROPORCIONAIS AO PERÍODO DE OCUPAÇÃO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INOCORRÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. IMPROVIMENTO. DISPÕE O ART. 35 DO DECRETO-LEI N 3.365/41 QUE, "OS BENS EXPROPRIADOS, UMA VEZ INCORPORADOS A FAZENDA PÚBLICA, NÃO PODEM SER OBJETO DE REIVINDICAÇÃO, AINDA QUE FUNDADA EM NULIDADE DO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO. QUALQUER AÇÃO, JULGADA PROCEDENTE, RESOLVERSE-Á EM PERDAS E DANOS". NÃO CONFIGURA JULGAMENTO EXTRA PETITA, A ENSEJAR NULIDADE, O ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA EM LUGAR DA PRETENSÃO REINTEGRATÓRIA DE POSSE DE IMÓVEL POR DESAPROPRIAÇÃO TNDTRETA, QUANDO EVIDENCIADA A INCORPORAÇÃO DO BEM EXPROPRIADO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. NÃO É NULA A SENTENÇA PROFERIDA COM FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE, EM OBSERVÂNCIA AOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART 458 DO CPC. A CONSTATAÇÃO, ATRAVÉS DE PERÍCIA, DA LIMITAÇÃO DE OPÇÕES DE INVESTIMENTOS NA ÁREA REMANESCENTE A INVIABILIZAR SUA PLENA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA, ENSEJA O ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO DE EXTENSÃO. A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS, PREVISTA NO ART 15-A DA LEI DAS DESAPROPRIAÇÕES, NÃO EXCLUI O PAGAMENTO DO IPTU PROPORCIONAL E OS ALUGUERES DEVIDOS, CALCULADOS DE ACORDO COM O ATUAL VALOR LOCATÍCIO DO IMÓVEL, VISANDO RESSARCIR OS PROPRIETÁRIOS PELA PERDA DA RENDA SOFRIDA, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCIPIO DA JUSTA INDENIZAÇÃO. "SE UM LITIGANTE DECAIR DE PARLE MÍNIMA DO PEDIDO O OUTRO RESPONDERÁ POR INTEIRO, PELAS DESPESAS E HONORÁRIOS ". INTELIGÊNCIA DO ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC. (Apelação Cível nº 22011-2/2005. Relatora Des. Licia de Castro L. Carvalho, Câmara Especializada do Tribunal de Justiça da Bahia, julgado em 01/02/2007, DJ 08/02/2007)78 A decisão acima transcrita analisa vários pontos mencionados neste estudo sobre a desapropriação indireta. Observa-se que o pedido inicial era de reintegração de posse, e que após o imóvel ser incorporado ao patrimônio público, tal pretensão se tornou inviável. Assim, o juiz de primeiro grau analisou o pedido como ação de desapropriação indireta, e tal 78 Disponível em acesso em 28.08.2009. <http://www.tjba.jus.br/site/popup_servicos.wsp?tmp.id=155>. Último 31 situação, como conformado pelo Tribunal, não configura julgamento extra petita. A ação possessória nos casos de desapropriação indireta, nos casos em que já houve afetação pública do bem discutido, converte-se em ação de indenização. A decisão também aponta que uma vez limitada a utilização de parte do imóvel pelo particular, a desapropriação é estendida sobre esta área prejudicada, pois embora não tenha sido atingida diretamente pela obra pública, prejudicou-lhe a utilização pelo particular. A fixação do termo inicial para cálculo da incidência dos juros compensatórios, na desapropriação indireta, ocorre nos termos da Súmula 114, do Superior Tribunal de Justiça. Afasta-se, portanto, da regra do artigo 15-B do Decretolei 3365/41, que prevê que tal pagamento ocorra somente a partir de 01º de janeiro do ano seguinte ao qual deveria ter sido feito o pagamento. Por fim, ressalta-se que o Acórdão baiano, ao fixar a indenização, incluiu no seu cálculo os valores relativos a aluguel e IPTU da área atingida pela desapropriação indireta, tudo para tornar o particular integralmente ressarcido, de acordo com o princípio da justa indenização. Quanto à prescrição da ação de desapropriação indireta, após o deferimento de liminar na ADIN nº 2260/DF, não há posição pacífica, embora a tendência dos Tribunais seja retomar o entendimento da Súmula 119 do STJ, fixando a prescrição em vinte anos. Tal é o entendimento dos tribunais pátrios: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. A Súmula nº 119 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos. Seguimento negado com base no artigo 557, do CPC. (Agravo de instrumento 2009.002.29631, Relator Des. Cherubin Helcias Schwartz, 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Julgamento: 12/08/2009)79 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESAPOSSAMENTO IRREGULAR. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. OBRAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE VIA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DA SUDECAP. QUESTÃO DE MÉRITO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITAR. AÇÃO FUNDADA EM DIREITOS REAIS. PRESCRIÇÃO VINTERNÁRIA. Quando autorizada por lei ou contrato, a autarquia possui legitimidade para promover a ação de desapropriação e, em contrapartida, também pode figurar no pólo passivo da ação em que se busca indenização pelo apossamento irregular do 79 Disponível em <http://www.tj.rj.gov.br> Último acesso em 28.08.2009. 32 imóvel. Existindo indícios plausíveis de que foi delegado à SUDECAP a prática dos atos executórios necessários à desapropriação, inclusive a indenização dos proprietários, descabe reconhecer sua ilegitimidade passiva, cumprindo que, no mérito, após dilação probatória, se averigúe se a autarquia tem ou não dever de indenizar. Nas ações em que se busca indenização decorrente de desapropriação indireta, aplica-se o prazo de prescrição vintenário previsto no Código Civil para ações relativas a direitos reais. O disposto no art. 10, parágrafo único, do Decreto 3.365/41, estabelecendo a prescrição qüinqüenal, se refere apenas às limitações administrativas e não inclui a hipótese de desapropriação indireta, haja vista que a previsão inicialmente versada na Medida Provisória 1.774-22 de 11.2.99, teve sua eficácia suspensa por decisão do colendo Supremo Tribunal Federal. Recurso provido para cassar a sentença, rejeitando a preliminar de ilegitimidade passiva e a prejudicial de prescrição. (Apelação Cível N° 1.0024.08.151267-5/001, Relatora Des. Heloísa Combat, 7ª Câmara Cível do Estado de Minas Gerais, Julgamento 07/07/2009)80 Entretanto, há quem entenda que o prazo de prescrição é o mesmo da usucapião extraordinária, afastando a súmula 119 do STJ, como se observa: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO. CEEE. USINA DONA FRANCISCA. Preliminares: - Intempestividade das contestações que não se verifica na casuística, em face do disposto nos arts. 191, 241 e 297 do Código de Processo Civil. Nulidade da sentença: acolhida a prefacial de prescrição na sentença despicienda a análise da matéria de fundo, inexistindo negativa de prestação jurisdicional. - Ilegitimidade passiva da Dona Francisca Energética S.A.: o fato de a CEEE ser responsável pela negociação das indenizações, como consta no Termo Aditivo de Acordo celebrado com a Comissão do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens -, não afasta a legitimidade passiva da Dona Francisca Energética S.A., já que a desapropriação foi levada a efeito com a participação desta demandada que poderia ter sua esfera jurídica afetada na hipótese de procedência do pedido indenizatório. - Prescrição: a ação desapropriatória indireta tem natureza real, sujeitando-se ao prazo prescricional próprio das ações de usucapião extraordinário, que cotejado o antigo Código Civil, ao art. 550, era de vinte anos, reduzido para quinze anos pela redação do art. 1.238 do atual Código Civil. Adoção do prazo de quinze anos na casuística, inclusive para a pretensão relativa ao dano moral, porquanto o pedido acessório deve seguir a sorte do principal. Inaplicabilidade do disposto no art. 1º do Decreto n.º 20.910/32, art. 10, § único, do Decreto-lei n.º 3.365/41, e do art. 178, § 10, inciso VI, do Código Civil de 1916. Entendimento quanto ao dano moral ora deduzido modificado. Preliminares afastadas. Mérito: - Existindo acordo extrajudicial firmado entre as partes seu respectivo exame é necessário para o enfrentamento da pretensão deduzida e eventual reconhecimento de sua anulabilidade enseja sede própria (ação anulatória). Impossibilidade de discussão dos termos do acordo na presente ação. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, POR MAIORIA, VENCIDO EM PARTE O REVISOR. (Apelação Cível Nº 70027598630, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 07/05/2009)81 Ressalta-se que a questão referente sobre o prazo prescricional ainda não foi decidida pelo STJ, o que deverá ocorrer com o julgamento final da ADIn 2260/DF. 80 81 Disponível em < http://www.tjmg.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. 33 Outro ponto observado é a possibilidade de haver condenação da Administração Pública em danos morais em ação de desapropriação indireta. Neste sentido: INCRA. DESPAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS. 1. Havendo o desapossamento administrativo do imóvel, em razão de assentamento realizado irregularmente pelo INCRA, caracteriza-se a ocorrência de desapropriação indireta, impondo-se o pagamento da indenização constitucionalmente garantida. 2. Em razão da destruição dos bens, da perda da produção e dos investimentos feitos no terreno, bem como frente às expectativas de safras futuras, devida também indenização pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes. 3. Consideradas as circunstâncias em que ocorreu o despejo do autor e de sua família, devida, ainda, indenização por dano moral. (Apelação / Reexame Necessário 2005.70.05.002206-4, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, julgamento: 30/09/2008)82 VOTO N°: 5994 APEL. N°: 725.167.5/6-00 COMARCA: OSASCO APTE. : DER - DEPTO ESTRADAS RODAGEM EST, S. PAULO E OUTRO APDO. : ROBERTO GONÇALVES MALDONADO (E SUA MULHER) E OUTRO Responsabilidade civil - Desapropriação indireta - Danos morais - D.E.R. que deveria ter desapropriado imóvel necessário as obras de implantação de complexo viário em Osasco e se omitiu nessa providência. Proprietários que permaneceram no imóvel, durante as obras, sem que a moradia oferecesse condições de habitabilade. Suportaram o barulho e os incômodos das obras, durante aproximadamente três anos e lá ainda continuam morando. Imóvel que foi declarado de utilidade pública. Desapropriação que estava a cargo do D.E.R- que, não podia permitir que os autores lá permanecessem, iniciadas as obras. Desapropriação indireta acolhida. Indenização arbitrada com base no laudo do assistente técnico da autarquia Danos morais verificados. Proprietários que deixaram de ter sossego e tranqüilidade, iniciadas as obras. Valor da indenização reduzido. Ação dirigida contra o D.E R.e a Dersa e que acabou denunciada à lide, quando ocupava o pólo passivo na ação principal. Irregularidade que não invalida o processo Ação procedente. Recursos, oficial e da autarquia, providos. (Apelação Com Revisão 7251675600, Relator Des. Urbano Ruiz, 10ª Câmara de Direito Público, julgamento: 08/09/2008)83 EMENTA: INCRA. DESPAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS. 1. Havendo o desapossamento administrativo do imóvel, em razão de assentamento realizado irregularmente pelo INCRA, caracteriza-se a ocorrência de desapropriação indireta, impondo-se o pagamento da indenização constitucionalmente garantida. 2. Em razão da destruição dos bens, da perda da produção e dos investimentos feitos no terreno, bem como frente às expectativas de safras futuras, devida também indenização pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes. 3. Consideradas as circunstâncias em que ocorreu o despejo do autor e de sua família, devida, ainda, indenização por dano moral. (TRF4, APELREEX 2005.70.05.002206-4, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 29/10/2008)84 82 Disponível em < http://www.trf4.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. Disponível em < http://www.tjsp.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. 84 Disponível em < http://www.trf4.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. 83 34 DESPROPRIAÇÃO INDIRETA. MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO DE TERRENO URBANO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CUSTAS. 1. Configurado o apossamento administrativo por parte da Administração, impõe-se o dever de indenizar o proprietário do imóvel atingido pelo ato ilícito. Valor da indenização que foi fixado nos moldes da avaliação da exatoria estadual, não impugnada pelas partes. 2. Dano moral configurado na hipótese concreta, sendo a rubrica fixada em seguro parâmetro, qual seja, em percentual da indenização pela desapropriação indireta. 3. A condenação e cobrança das custas tem como fundamento a legislação de regência da desapropriação, nos termos do art. 15-A, § 3º, combinado com o art. 30, ambos do DL nº 3.365/41. 4. Sentença mantida. APELAÇÕES IMPROVIDAS. (Apelação Cível Nº 70017928748, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 15/05/2008)85 Como em qualquer outro caso, o cabimento do dano moral é condicionado a sua efetiva demonstração. A desapropriação indireta pode ensejar a reparação por dano moral, toda vez que este foi verificado e comprovado nos autos. A indenização não se limita, portanto, apenas a ressarcir o proprietário quanto aos bens perdidos para a Administração, mas também a indenizá-lo por danos imateriais decorrentes do desapossamento. Nesta esteira, a ação de desapropriação indireta é balizada pelas decisões emanadas dos tribunais nacionais, havendo, inclusive, súmulas que tratam de alguns de seus aspectos mais importantes, sempre no escopo de tornar o particular indene diante de atividade ilícita da administração. 85 Disponível em < http://www.tjrs.jus.br> Último acesso em 28.08.2009. 35 CONCLUSÃO Da análise feita neste estudo, observa-se a desapropriação, na perspectiva do Direito Administrativo, uma forma de perda da propriedade. todavia, a propriedade é direito individual fundamental, constitucionalmente consagrado, só podendo ser mitigada em razão de outra previsão da Constituição. Assim, para se permitir a desapropriação, o ato da Administração Pública deve estar revestido de interesse coletivo e respaldado nos dos critérios de utilidade ou necessidade pública, ou ainda interesse social. Para que a desapropriação não represente violência ao direito de propriedade, requereu-se o estabelecimento de um procedimento legal, de modo a evitar liberalidades por parte da Administração Pública em detrimento dos interesses dos particulares. Este procedimento foi criado no Decreto-lei 3365/41, que, apesar de ser anterior à Constituição de 1988, foi por ela recepcionado. Ademais, a Constituição determina que a perda da propriedade precede de indenização prévia e em dinheiro, salvo nos casos em que a desapropriação é conseqüência do não cumprimento da função social da propriedade ou pelo uso nocivo da mesma. O procedimento expropriatório compreende duas fases, sendo uma declaratória, na qual se declara a necessidade ou utilidade pública ou interesse social. Após esta declaração, a Administração pode pagar a indenização de modo amigável, se há concordância acerca do valor a ser pago; se, contudo, o expropriado não concorda com o valor oferecido de indenização, inicia-se procedimento judicial para discussão dos valores. Em casos de urgência, a Administração pode requerer a imissão provisória da posse, que deverá ser deferida pelo juiz. Em que pese haver a previsão deste rigoroso procedimento, nem sempre ele é observado. Por vezes, a Administração Pública se apossa de bens de particulares, sem a observância de nenhum dos requisitos previstos para a desapropriação. É o caso, pois, da desapropriação indireta. 36 Observa-se, como exposto, que a desapropriação indireta fere o princípio constitucional que garante a todos o direito de propriedade, já que não atende o exigido nos casos de regular desapropriação. É, pois, verdadeira afronta do Poder Público aos administrados, que têm seu direito de propriedade lesado de modo irregular e, por vezes, desproporcional à finalidade pretendida. Praticada a desapropriação indireta pelo Poder Público, só resta ao particular lesado buscar a reparação judicial, por meio de ação possessória ou ação de desapropriação indireta. Ressalta-se que a reparação judicial, chamada de ação de desapropriação indireta, não guarda previsão legal – pois este modo de desapropriação é ato ilícito e não guarda proteção legal –, sendo criação pretoriana. Deixa-se, assim, ao Poder Judiciário minimizar o prejuízo havido pelo proprietário pela perda do bem. Quanto aos aspectos da defesa em desapropriação indireta, salienta-se que a ação possessória tem cabimento quando o imóvel não foi incorporado ao patrimônio público. Quando a via possessória se torna inviável, ao particular só resta a indenização pela perda do bem, que será apurada na ação de desapropriação indireta. Observa-se que nesta ação, os pólos ativo e passivo são opostos aos da ação de desapropriação, pois na desapropriação indireta, o pólo ativo é ocupado pelo particular e o passivo, pela Administração Pública. Em relação à prescrição da ação de desapropriação indireta, salientou-se que o mesmo deveria coincidir com o da usucapião extraordinária. Se fixado conforme a Súmula 119 do STJ, em vinte anos, situação esdrúxula pode ocorrer, pois transcorridos quinze anos após o apossamento, a administração pode requerer a usucapião, embora o prazo de prescrição da ação de desapropriação indireta não tenha transcorrido. Ao praticar a desapropriação indireta, nenhuma vantagem real há para a Administração, pois certamente ela arcará com a futura indenização. Todavia, para o proprietário o prejuízo é latente, vez que será indenizado somente anos depois, por meio de precatórios. Conclui-se, portanto, que a desapropriação indireta é ato ilícito da Administração Pública, que se apossa do bem do particular sem observação de 37 qualquer procedimento legal, ficando a cargo deste buscar a indenização pela via judicial. Este, invariavelmente sofre prejuízos, de ordem econômica e moral, pois além de ser privado de seu bem, somente será indenizado após muito tempo. Diante de todo o exposto, conclui-se que a Administração Pública só deve recorrer ao procedimento da desapropriação nos casos de necessidade ou utilidade pública, observado sempre o procedimento legal. A seu turno, a desapropriação indireta deveria ser desestimulada, por lesar o particular de maneira inconteste e, a mais das vezes, irreparável, criando máculas ao caráter dado ao direito de propriedade pela Constituição Federal. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. 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