PDF elaborado pela Datajuris Processo nº 30/2010 Data: 2012-10-30 DECISÃO SUMÁRIA I. RELATÓRIO Nos autos de inquérito que, com o n.º 30/10.4PEBJA, correm termos pelos Serviços do Ministério Público ....., por decisão judicial datada de 10 de junho de 2012, foi imposta a medida de coação de prisão preventiva ao Arguido JL, solteiro, comerciante, nascido a 31 de março de 1964, em ....... Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, «nos termos e com os fundamentos seguintes: Da Motivação: Consagrando um velho e conhecido princípio, diz o artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa que todo o Arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. No desenvolvimento deste princípio se situam as disposições do artigo 27º e do artigo 28º do mesmo diploma fundamental e, até, o próprio Código de Processo Penal, ao abolir a obrigatoriedade de prisão preventiva em casos determinados. Só assim se porá em prática o citado velho princípio: "Boas são as leis, melhor a execução delas" A medida de coação prisão preventiva não pode ser aplicada com base na mera verificação dos requisitos formais, é necessário ponderar a sua indispensabilidade e a adequação ao caso concreto - artigos 193º, 212º, nº 3 e 202º, nº 1 do CPP. Conclusões: 1ª A prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada. 2ª A medida de prisão preventiva, só é admissível quando se verificam os pressupostos do artigo 204º do CPP e a sua indispensabilidade e a adequação ao caso concreto. 3ª O douto despacho recorrido não refere quanto ao Requerente, factos concretos que justifiquem considerar que não se revela suficiente para satisfazer as exigências cautelares, a obrigação de permanência na habitação ou outra medida de coação menos gravosa. 4ª Note-se que no douto despacho apenas se refere a fls. 2436, e de forma abrangente duma generalidade de arguidos, que se verifica perigo de continuação da actividade criminosa, o que se mostra reforçado pela personalidade evidenciada pelos arguidos que, quase todos, têm antecedentes criminais de relevo e alguns já cumpriram pena de prisão efectiva. 5ª Porém, o Requerente não tem quaisquer antecedentes criminais. 6ª Depois, no douto despacho, refere-se mais adiante ainda a fls. 2436 - também genericamente - que existe em concreto perigo de perturbação do inquérito, com as inevitáveis pressões dos arguidos sobre os consumidores a quem tenham vendido estupefacientes… Esses perigos verificam-se de forma proporcionalmente intensa ao que deixamos consignado sobre as posições respetivas dos arguidos na “pirâmide” do tráfico que se verifica, e em relação a todos os arguidos. 7ª Porém, o certo é que, naquilo que se deixou consignado no douto despacho recorrido quanto à posição dos arguidos em tal “pirâmide” - vide fls. 2432 e 2433 - fala-se de todos os demais arguidos a que foi aplicada a medida de coação mais gravosa, mas nada se refere quanto à posição que o Requerente ocupa. 8ª Por outro lado também não se concretiza na indiciação da venda de estupefacientes por parte do Recorrente, a quem, a título de exemplo, é que vendeu, apenas se referindo a fls. 2416 que o arguido JL (ora Recorrente) era o fornecedor de cocaína de algumas pessoas pertencentes aos extractos sociais mais altos de Beja. 9ª Então, mas afinal, porque não se exemplifica pelo menos uma pessoa que se indicie ter comprado droga ao Requerente, ademais se tal enunciação se faz relativamente aos outros arguidos a que foi aplicada a mesma medida de coação? - vide alínea a) do nº 5 do art. 194º do CPP. 10ª Atento o exposto, e o que mais se dirá, entendemos, com o devido respeito que, o douto despacho recorrido não fundamenta a existência dos pressupostos do artigo 204º do CPP no caso concreto do Recorrente, não respeitando exemplarmente a alínea d) do nº 5 do artigo 194º do CPP, sendo certo que, 11ª Tais pressupostos se não verificam. Porquanto, 12ª Inexiste perigo de fuga. 13ª A existir perigo de perturbação do inquérito, o mesmo pode ser evitado com medidas de coação menos gravosas, sendo certo que, não sendo revelada a posição que o Recorrente ocupa na referenciada “pirâmide” do tráfico que se verifica, não se alcança qual o nível de pressão sobre consumidores e demais arguidos a que o Recorrente se pode prestar. 14ª Nada revela que se verifique o perigo de que o Recorrente persista na continuação da actividade criminosa, o qual, aliás, nem tem quaisquer antecedentes criminais. 15ª Ademais, o Recorrente, embora seja consumidor de haxixe e, nos últimos 3 meses, de cocaína, está integrado profissionalmente, pois é empresário em nome individual e explora um café........, desde longa data. (cfr. fls 2428) 16ª Não há qualquer indiciação de relações do Recorrente com outros arguidos que não o C e a sua (do Recorrente) namorada M. 17ª A opção pelas medidas de coação concretas a aplicar deve fazer-se, em ultima análise, pela ponderação da gravidade das condutas verificadas/indiciadas, compaginada com os factos pessoais dos arguidos (tais como a sua integração social e fonte de rendimentos licita - ou falta da mesma, e a existência ou inexistência de antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime); como aliás se defende no douto despacho recorrido a fls. 2436 e 2437. 18ª Ora, no que toca à integração social e profissional, bem como aos antecedentes criminais, tudo abona em favor do Requerente. 19ª No douto despacho recorrido refere-se a fls. 2431 e 2432 que o comportamento dos arguidos durante o primeiro interrogatório não é, só por si, um elemento que possa fundamentar a aplicação de medidas de coação ou atenuar de forma significativa as exigências cautelares que no caso se verifiquem. 20ª Parece-nos, ao invés e, com o devido respeito, que, no caso do Recorrente, as suas declarações no interrogatório judicial, referenciadas em parte como incoerentes e falsas, terão sopesado sobejamente na determinação da medida de coação aplicada. 21ª Porém saliente-se que, atento o estado de fadiga e de abalo psicológico em que se encontrava - pois este interrogatório judicial realizou-se pelas 18h de 2012-06-10 e o Recorrente estava detido, sem tomar banho e com a mesma roupa, desde as 14h de 201206-06 - muito difícil seria para o Requerente explanar declarações coerentes. 22ª Por tudo o exposto, não se nos afigura verdadeiramente sustentada a tese de que, no caso do Recorrente, nenhuma das restantes medidas coactivas se mostra adequada para as exigências cautelares que se verificam. 23ª Na verdade, cremos, com o devido respeito, que a medida de coação de obrigação de apresentação periódica, revela-se suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso concreto do Requerente impõe. 24ª O douto despacho recorrido fez incorrecta apreciação dos factos e violou o artigo 32º, nº 2, e o artigo 27º e o artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 191º, 193º e 204º do CPP, pelo que deve ser revogado, ordenando-se a libertação imediata do Requerente. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido deve conceder-se provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!» O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, pela forma expressa de fls. 420 a 432 dos presentes autos, concluindo pela improcedência do recurso. A título de questão prévia, suscita a falta de motivação do recurso e pugna pela rejeição do mesmo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 414.º do Código de Processo Penal. O recurso foi admitido. Não foi feito uso da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 414.º do Código de Processo Penal. Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, sufragando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª Instância, emitiu parecer no sentido da inexistência da motivação do recurso e da improcedência do mesmo. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou. Efetuado o exame preliminar, entendeu-se ocorrer causa que conduz à rejeição do recurso. Entendimento que se passa, agora e de forma sumária, a explicitar. II. FUNDAMENTAÇÃO O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - nos termos do artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1.ª Série A. Constitui pressuposto do conhecimento do objeto do recurso a prévia admissibilidade do mesmo, sendo que um dos requisitos para o efeito é a sua formulação nos termos decorrentes da lei processual penal - artigos 414.º, n.º 2. Questão que não pode deixar de se assumir como prévia e cujo conhecimento oficioso se impõe, sendo indiscutível que a decisão de admissão do recurso, em 1.ª Instância, não vincula este Tribunal da Relação - artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. À motivação do recurso dedica-se todo o artigo 412.º do Código de Processo Penal. A motivação do recurso é peça que se reveste de particular importância - porque enuncia especificamente os fundamentos do recurso - e em relação à qual a lei é muito exigente. A falta da motivação do recurso leva à sua não admissão - artigo 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir, total ou parcialmente, as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, deve formular-se convite para aperfeiçoamento completar ou esclarecer as conclusões formuladas, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada - artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. É manifesto, pois, o intuito do legislador de não deixar prosseguir os recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza o sentido das suas pretensões. Conforme resulta expressamente da lei, o convite à correção apenas está configurado para as conclusões da motivação do recurso e não para a motivação do recurso. Se assim não fosse, conceder-se-ia um novo prazo para recorrer, prazo este que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso. [1] Conforme estabelece o n.º 4 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o convite ao aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação. O texto da motivação é o limite do aperfeiçoamento - o que dele não consta não pode ser levado às conclusões. Olhando para a motivação do recurso interposto pelo Arguido JL - que se reconduz a generalidades sobre princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa e no Código de Processo Penal -, não se discerne qualquer razão para o anúncio feito no introito dessa peça processual de inconformação com a decisão judicial que lhe impôs a prisão preventiva. Na motivação do recurso não se encontra explicitada, nem se alcança, qualquer razão para a discordância anunciada. Porque a impugnação de uma decisão judicial exige um conteúdo, não pode este Tribunal, sem violar o disposto na lei processual penal, substituir-se ao Recorrente e adivinhar o alcance da sua não concordância com a decisão judicial proferida nos autos, ou analisar esta decisão por forma a esgotar todas as possibilidades de desconformidade do seu teor com o imposto por lei. Concluindo. Ao recurso interposto nos autos falta a motivação. Nestas circunstâncias, não há lugar a convite à correção. O que determinaria a não admissão do recurso, face ao disposto no artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. E que nesta fase, determinará a sua rejeição, em conformidade com o disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, decido rejeitar, por ausência de motivação, o recurso interposto pelo Arguido JL. Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. Nos termos do artigo 420º, n.º 3, do Código de Processo Penal, vai ainda o Recorrente condenado no pagamento de importância correspondente a 3 UC’s. Évora, 30 de Outubro de 2012-10-30 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela signatária) (Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz) __________________________________________________ [1] No sentido apontado, entre vários outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 259/2002, de 18 de junho de 2002, e nº 140/2004, de 10 de março de 2004 - Diário da República, II Série, de 13 de dezembro de 2002 e de 17 de abril de 2004, respetivamente.