PRISÃO CAUTELAR
(Inteligência do art. 312 CPP)
Grandes embates afora travam os advogados militantes na seara
penal, pois perante os juizes e tribunais superiores, acerca da exegese do art.
312 do Código de Processo Penal, notadamente respeitante às circunstâncias
que autorizam a custódia cautelar.
Demais, consoante o pacificado entendimento doutrinário, para a
fundamentação do decreto de prisão preventiva deve o juiz demonstrar, com
os elementos do processo ou do inquérito, a sua irrefutável necessidade para
garantia da ordem pública, da ordem econômica, como conveniência para
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal1.
Para JULIO FABBRINI MIRABETE2, a medida cautelar que
constitui privação de liberdade do indigitado autor do crime, em face da
existência dos pressupostos legais, mira tão somente resguardar os
interesses sociais de segurança. De sorte que a prisão preventiva é medida
de extremada exceção, somente justificada em situações específicas. Em
casos especiais onde a segregação, embora um mal, seja indispensável. Daí,
haver o legislador (CPP, art. 312) entabulado as circunstâncias que autorizam
a sua decretação.
Com efeito, a prisão preventiva, como instituto de exceção, deve
ser decretada parcimoniosamente. Invocar o modus operandi do gesto
delituoso como fundamento ou justificativa para fomentar o decreto preventivo
e a repercussão do crime, como se este fosse, por si mesmo, causa e razão
da segregação cautelar é inaceitável, porque o legislador assim não quis.
O egrégio Superior Tribunal de Justiça, já anunciou que:
“PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – PRISÃO PREVENTIVA –
ELEMENTOS CONCRETOS – IMPRESCINDIBILIDADE – GRAVIDADE DO
DELITO – INEXISTÊNCIA DE MOTIVOS AUTORIZANTES – FALTA DE
FUNDAMENTAÇÃO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO –
1
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 546.
2
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 384.
1. A prisão preventiva deve, necessariamente, ser calcada em um dos
motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força
do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado deve
apontar os elementos concretos ensejadores da medida; 2. A repetição,
pelo magistrado, da fórmula legal não se presta a fundamentar o Decreto
prisional; 3. Ordem concedida. (STJ – HC 30930 – SP – 6ª T. – Rel. Min.
Paulo Medina – DJU 06.09.2004 – p. 00312).
A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA
Um crime de homicídio sempre provoca uma perturbação, um
abalo social. Esse abalo, porém, não é motivo ou requisito da prisão
preventiva, porquanto se assim o fosse a segregação seria obrigatória para
determinadas infrações, especialmente para o crime de morte, como
acontecia antigamente, nos delitos punidos, no máximo, com pena superior a
dez anos de reclusão.
O até hoje insuperável FRANCESCO CARRARA3, depois de
considerar a prisão preventiva como "irreparável ruína moral", uma "injustiça",
um "ato de verdadeira tirania", entende que o seu uso é admissível quando
absolutamente necessário, nas hipóteses previstas na lei. Quando a prisão
preventiva se aplica sob a invocação da ordem pública, isto é, por medida
de segurança, isso se dá "para que o acusado não tenha o poder, durante
o processo, de prosseguir nos seus crimes", mas acrescenta o mestre:
esta razão não tem lugar quando se trata de crime cometido
ocasionalmente ou por paixão que não oferece os caracteres da
habitualidade.
Portanto, não basta que se diga que a prisão é necessária para a
garantia da ordem pública. É indispensável que o juiz mencione os fatos que o
convenceram da necessidade da prisão, não bastando a simples menção de
que "a prisão é necessária à garantia da ordem pública" ou que ela "é
conveniente para a instrução criminal".
Essas fórmulas vagas, além de tudo, não envolvem petição de
princípio: com elas o juiz toma por base exatamente aquilo que devia
3
CARRARA, Francesco Opuscoli di Dir. Criminale, 2ª Ed. 1881, vol. IV, p. 300.
demonstrar. Ora, se está em causa a garantia da ordem pública, deve o
despacho dizer a razão pela qual o réu a ameaça. Quais as provas ou
indícios de que poderá voltar a delinqüir. Quais os fatos indicativos de
que a família do ofendido poderá adotar represálias.
A ordem pública é a paz, a tranqüilidade do meio social. Assim,
só há falar em garantia da a ordem pública quando o indiciado ou o réu
passa a cometer novas infrações, sem que se consiga surpreendê-lo em
estado de flagrância.
Além disso, foi bem o legislador ao não assentar o clamor
público ou a repercussão social do delito como circunstâncias
autorizadoras da medida cautelar. Explica-se.
O clamor público vem, invariavelmente, carregado de emoção ou,
por que não dizer, sentimento de vingança. O que é inadmissível. A aplicação
da lei deve ser objetiva. É verdade que o juiz não deve se afastar da realidade
social, mas sim agir mirando um fim social ao qual a norma se destina; que
não se alcançará com a irracionalidade presente na comoção popular.
Na verdade, o clamor público é:
“...um ente imaginário que nada mais traduz que uma
coletividade manipulada pelos meios de comunicação... Bastaria, para
satisfazer a 'opinião pública', que os meios de comunicação elegessem o
acusado do momento, o Ministério Público pedisse a prisão preventiva
independentemente de qualquer processo, e esses meios de
comunicação proclamariam a condenação justa. Ao Judiciário caberia,
tão-somente, homologar a decisão4”.
Por isso, TOURINHO FILHO5 adverte que o sensacionalismo da
imprensa, que induz o povo a uma frenética indignação, emprestando-lhe
maior extensão, não autoriza a ilação de que há ameaça à ordem pública.
4
Juízes para Democracia. A verdadeira independência dos juízes. Publicação Oficial da Associação
de Juízes para Democracia. São Paulo: Ativa Editorial Gráfica, nº 22, out.-dez./2000, p. 1.
5
Ob. cit., p. 544.
Também, nessa esteira, o STJ já decidiu que não se pode
confundir ‘ordem pública’ com estardalhaço causado pela imprensa pelo
inusitado do crime’. Como ficar em liberdade é regra geral, deve o juiz
justificar substancialmente a necessidade de o paciente ficar
preventivamente preso. Não basta invocar, de modo geral, palavras
abstratas do art. 312 do CPP.
Igualmente já se manifestou o Pretório Excelso: O
reconhecimento da existência de ‘clamor público’ em relação ao crime
praticado não basta, por si só, para justificar a prisão preventiva do
acusado, porquanto não se enquadra no art. 312, do CPP. Precedentes
citados: HC n.º 71.289/RS (DJU de 6.696); RHC 64.420/RJ (DJU de
13.3.87). (HC n.º 78.425/PI, 2.ª Turma., Rel. Min. Néri da Silveira., j. 9.2.99).
INFORMATIVO STF n.º 138.
A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL
JOSÉ FREDERICO MARQUES leciona que, por ser cautelar,
somente é plausível a invocação da conveniência da instrução criminal para
fundamentar o pedido da custódia preventiva quando, indiscutivelmente,
estiver patenteado o periculum in mora em garantir o desenrolar do processo
por caminhos e vias normais6.
A conveniência da instrução criminal, portanto, é meio de se
evitar que o indiciado ou réu, caso esteja em liberdade, dificulte a colheita dos
elementos de convicção indispensáveis ao Juiz para o desate do litígio penal;
influindo danosamente na instrução do processo (procurando aliciar
testemunhas falsas, ou ameaçando pessoas que possam contra si depor), ou
se houver o perigo de fuga que o impeça de comparecer a juízo, a fim de
levar esclarecimentos úteis à instrução da causa.
Não é preciso, pois, mais delongas para concluir que, como
sustenta MIRABETE7, a prisão por conveniência da instrução criminal mira
assegurar a prova processual contra a ação do criminoso. Apenas.
6
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. Campinas: Millennium,
2000, p. 55/56.
7
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002,
p. 811.
A esse respeito, já se assentou pacificado o entendimento
jurisprudencial: CRIMINAL – HC – HOMICÍDIO QUALIFICADO – PRISÃO
PREVENTIVA – AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO –
EMBASAMENTO EM VAGA ALUSÃO À REQUISITO LEGAL – AUSÊNCIA
DE FATO CONCRETO DETERMINANTE – CARÊNCIA QUE NÃO PODE
SER SUPRIDA EM 2º GRAU – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS –
NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA – ORDEM
CONCEDIDA – Exige-se concreta motivação do Decreto de prisão
preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a
excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do
CPP e da jurisprudência dominante. A MERA ALUSÃO A REQUISITO
LEGAL DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR, SEM APRESENTAÇÃO DE FATO
CONCRETO DETERMINANTE NÃO PODE SERVIR DE MOTIVAÇÃO À
CUSTÓDIA PARA A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. O
Tribunal não pode suprir a carência de fundamentação do Decreto
prisional monocrático. Condições pessoais favoráveis, mesmo não
sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser
devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de
requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. V. Ordem
concedida para revogar a prisão cautelar efetivada contra o paciente,
determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se
por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem
estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser
decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.
(STJ – HC 35029 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 20.09.2004 –
p. 00316).
HABEAS CORPUS – PRISÃO PREVENTIVA – CARÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO – NULIDADE – PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO
PREVENTIVA NÃO BASTA REPETIR AS PALAVRAS DA LEI, ALUDINDO
GENERICAMENTE À GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA
DA INSTRUÇÃO CRIMINAL OU ASSEGURAMENTO DA APLICAÇÃO DA
LEI PENAL, REFERIDOS NO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL: É PRECISO INDICAR, COM DADOS CONCRETOS EM FACE DOS
AUTOS, QUAIS OS MOTIVOS PELOS QUAIS A LIBERDADE DO
PACIENTE ABALARIA A ORDEM PÚBLICA, PERTURBARIA A
INSTRUÇÃO CRIMINAL OU INIBIRIA A APLICAÇÃO DA LEI PENAL.
(TJPR – HC Crime 0160866-8 – (16752) – Francisco Beltrão – 1ª C.Crim. –
Rel. Des. Gil Trotta Telles – DJPR 23.08.2004).
Objetivamente, o decreto de prisão deve está fundamentado, pois
conforme já anunciado, o pressuposto de toda decisão é a motivção; logo ogo
não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir
gerando na decisão a eficácia pretendida pelo Juiz se amalgamadas com
suficientes razões (RT 725/521-2).
Diz o multicitado art. 312: A prisão preventiva poderá ser
decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei
penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de
autoria”.
Ora, é imprescindível que o reitor do feito, por ocasião do decreto
preventivo, esclareça, indubitavelmente, com as provas ou indícios que
detém, segundo os autos, em que consistirá a conduta do acuado que possa:
a) ameaçar a ordem pública ou a ordem econômica; b) obstruir ou transgredir
a instrução criminal; ou c) finalmente, possa fugir, desviar-se, potencialmente,
da aplicação penal.
JOSUÉ DE SOUSA LIMA
Pós-graduado em Direito Penal pela
UNIFOR – Universidade de Fortaleza e Conselheiro
Estadual da OAB-CE.
(Matéria publicada na Revista Consulex, ano X, nº 217, 31.01.2006, p. 20).
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