A NOVA SISTEMÁTICA DA PRISÃO PREVENTIVA E O POSTULADO
NORMATIVO DA PROPORCIONALIDADE
Mário Henrique ALBERTON1
Andreza Cristina MANTOVANI2
1 INTRODUÇÃO
Se a prisão preventiva podia ser aplicada mediante a constatação dos
motivos que a autorizavam (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal), agora, além da
verificação de um desses motivos, a lei exige não ser suficiente a aplicação de medidas
cautelares. O Estado-Juiz deverá demonstrar, concretamente, a inocuidade de se aplicar uma
das medidas cautelares do art. 319 do CPP, para, só depois, poder lançar-mão da prisão
preventiva. E vale lembrar que os motivos que fundamentam a aplicação das medidas
cautelares confundem-se mesmo com os da prisão preventiva.
O legislador cuidou ainda, nos incisos I e II do art. 282 do CPP,
notadamente quanto à garantia da ordem pública, de condicionar a “adequação da medida à
gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”.
Para uns, as mudanças na sistemática de aplicação da prisão preventiva
representa avanço nas práticas persecutórias do poder punitivo estatal, pois estariam em
consonância com o direito fundamental da presunção de inocência. Para outros, a Lei brinda a
impunidade e gera intranqüilidade social, pois proíbe o juiz de decretar a prisão preventiva de
indiciados ou de acusados pela prática de crimes, e lhe impõe a obrigação de aplicar medidas
cautelares não restritivas da liberdade, sem disponibilizar os meios de controle do efetivo
cumprimento de tais medidas.
Pretendemos analisar os fundamentos desses dois posicionamentos, para
verificar se as alterações promovidas pela Lei 12403/03 está em consonância com o postulado
1
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestrando em Ciências Jurídicas pelo Programa
de Mestrado da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Advogado militante na Comarca de Maringá – PR.
2
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Direito e Processo Penal pela
Universidade Estadual de Londrina. Mestranda em Ciências Jurídicas pelo Programa de Mestrado da
Universidade Estadual do Norte do Paraná. Professora do curso de graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná – câmpus Maringá. Advogada militante na Comarca de Maringá-PR.
1
normativo da proporcionalidade, e se, de fato, tais alterações representam uma sinalização do
Poder Legislativo de mudança no rumo das políticas punitivistas do Estado brasileiro.
2 DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE
É certo que qualquer ato do Poder Legislativo que vise alterações na
legislação penal e processual penal deve considerar os limites à atuação do Estado sobre a
esfera do direito fundamental à liberdade, mas também a necessidade de se proteger
determinados bens jurídicos e assim garantir o mínimo de segurança aos indivíduos. Ou seja,
o Estado ora deverá abster-se de avançar sobre a esfera do direito à liberdade, ora deverá agir,
suprindo lacuna ou insuficiência legislativa para disciplinar – ou disciplinar de outra forma determinada relação jurídica, visando, em ambos os casos, preservar direitos fundamentais
que não necessariamente convivam harmonicamente entre si.
Por isso, os atos dos poderes públicos estão sempre sujeitos a serem
submetidos ao crivo do postulado normativo da proporcionalidade, que já foi chamado de
proibição de excesso.
ÁVILA esclarece que o “postulado da proporcionalidade cresce em
importância no Direito Brasileiro. Cada vez mais ele serve como instrumento de controle dos
atos do Poder Público”3.
Também para SARLET, o „princípio‟4 da proporcionalidade “desponta
como instrumento metódico de controle dos atos – tanto comissivos quanto omissivos – dos
poderes públicos.”5.
Citando GRABITZ, esclarece BONAVIDES que “Sua principal função, o
princípio da proporcionalidade exerce na esfera dos direitos fundamentais; aqui serve ele
antes de mais nada (e não somente para isto) à atualização e efetivação da proteção da
liberdade aos direitos fundamentais”6.
E
prossegue
o
citado
autor,
mas
agora
citando
ZIMMERLI:
“Protegendo, pois, a liberdade, ou seja, amparando os direitos fundamentais, o princípio da
3
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda., 2005, p. 112.
4
Os apóstrofos se justificam em vista da inexatidão do termo princípio para designar o postulado normativo da
proporcionalidade, segundo Eros Grau, in Ensaio e Discurso sobre interpretação..., 4.ª Edição, p. 189.
5
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2009, p. 396.
6
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editora, 2000, p. 359.
2
proporcionalidade entende principalmente, (...), com o problema da limitação do poder
legítimo, devendo fornecer o critério das limitações à liberdade individual.7
BONAVIDES esclarece que, embora tal princípio, ou melhor dizendo,
postulado normativo, “não haja sido ainda formulado como „norma jurídica global‟, ele flui
do espírito que anima em toda a sua extensão e profundidade o § 2.° do art. 5.° da CF.
Explicando melhor as etapas às quais o intérprete deverá submeter o objeto
de análise, para saber se uma determinada norma ou um ato normativo está em conformidade
com o postulado da proporcionalidade, ÁVILA diz que...
“Ele [o postulado da proporcionalidade] se aplica apenas a situações em que há uma
relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e
um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da
adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis
e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo
do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito
(as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens
provocadas pela adoção do meio?) ”8.
Assim, podemos colocar o problema da seguinte forma: as medidas
cautelares do art. 319 do CPP são adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito
para se evitar que o indiciado ou acusado venha a cometer novos crimes, não se furte à
aplicação da lei penal ou não tumultue a instrução processual (finalidade), sem que seja
necessário fazer uso da medida mais drástica - a prisão preventiva – e assim preservar a
liberdade e, ao mesmo tempo, a segurança? Ou somente por meio da prisão preventiva é que
se podem alcançar tais resultados, o que importaria num sacrifício maior da liberdade frente a
segurança?
2.1 Da adequação
Segundo ÁVILA...
“O exame da necessidade envolve a verificação da existência de meios que sejam
alternativos àquele inicialmente escolhido pelo Poder Legislativo ou Poder
Executivo, e que possam promover igualmente o fim sem restringir, na mesma
intensidade, os direitos fundamentais afetados. Nesse sentido, o exame da
necessidade envolve duas etapas de investigação: em primeiro lugar, o exame da
igualdade de adequação dos meios, para verificar se os meios alternativos
promovem igualmente o fim; em segundo lugar, o exame dos meios menos
restritivo, para examinar se os meios alternativos restringem em menor medida os
direitos fundamentais colateralmente afetados”9.
7
Idem.
ÁVILA, ob. cit., p. 112.
9
Ob. cit. p. 122.
8
3
O exame da adequação está diretamente relacionado com a realização de um
fim, e este, segundo HUSTER, citado por ÁVILA, pode ter um aspecto interno: quando se
relacionar a resultados que reside na própria pessoa ou na situação objeto de comparação
(relação entre a culpa e a pena10, p. ex); e outro externo: quando se estabelecem resultados
que não são propriedades ou características dos sujeitos atingidos, mas se constituem em
finalidades atribuídas ao Estado e possuem uma dimensão extrajurídica.11
Ao restringirmos nosso objeto de estudo à investigação da possibilidade de
as medidas cautelares alcançarem igual resultado da prisão preventiva, preservando de forma
mais efetiva os direitos fundamentais da liberdade e da segurança, não se está pretendendo
que o meio escolhido pelo legislador busque alcançar uma finalidade interna (querer que o
indiciado ou acusado se convença verdadeiramente de que não deve praticar as condutas
proscritas), mas sim, uma finalidade externa, de tal modo que as restrições e as proibições que
caracterizam as medidas cautelares do art. 319 do CPP sejam potencialmente suficientes a
evitar que o indiciado ou acusado volte a praticar novos crimes, se furte à aplicação da lei
penal ou tumultue a instrução processual.
Neste sentido, ÁVILA esclarece que o legislador não está obrigado a
escolher o meio mais intenso, o melhor e o mais seguro, mas sim “um meio que promova
minimamente o fim, mesmo que esse não seja o mais intenso, o melhor, nem o mais
seguro”12. Na fase de análise da adequação do ato do poder público, não se exige que o
resultado seja efetivamente realizado no caso concreto, ou que se aplique a todos os casos
individualmente, nem que se verifique no momento da adoção da medida, bastando que se
forme um juízo abstrato, geral e prévio sobre tal potencialidade.
Assim, fazendo um juízo de adequação das medidas cautelares ao fim a que
se propõem, é possível supor que tais medidas têm um potencial coercitivo suficiente para
evitar que o indiciado ou acusado venha a praticar novos crimes, furte-se à aplicação da lei
penal ou perturbe a instrução processual. Isto porque, além de encerrar proibições, restrições
ou suspensões de direitos de quem a elas estiver submetido, poderão ser revogadas acaso
sejam descumpridas as condições impostas, para dar lugar à decretação da prisão preventiva.
E não será nem um pouco razoável acreditar que as pessoas submetidas às restrições das
medidas cautelares queiram que essas sejam convertidas em prisão preventiva.
10
Ob. cit. p. 114.
VOGEL e WALDHOFF apud ÁVILA, ob. cit. p. 115.
12
Ob. cit. p. 118.
11
4
Portanto, sob um juízo abstrato, geral e prévio das medidas cautelares,
pode-se dizer que o legislador optou por um meio adequado para se alcançar o resultado
proposto, que é o de garantir a liberdade de quem goza do estado de inocência sem por em
risco a segurança social.
2.2 Da necessidade
Estando superada a etapa da adequação do meio para se alcançar o fim,
podemos concluir que as medidas cautelares são aptas a produzir o mesmo resultado que a
prisão preventiva, no sentido de evitar a prática de condutas proscritas, e que a imposição da
prisão preventiva no início ou durante a persecução penal a indiciados ou acusados de crime é
bem mais restritiva do direito fundamental da liberdade do que a adoção das medidas
cautelares.
Por outro lado, pode-se argumentar que as medidas cautelares são
insuficientes para proteção o direito fundamental à segurança, visto que o Poder Judiciário
não teria meios de fiscalização para averiguar o cumprimento das restrições e proibições
impostas aos indiciados ou acusados de crime. Sob esse ponto de vista e aplicando-se o
critério da necessidade, que busca identificar entre vários meios, o menos restritivo ao bem
jurídico afetado, a prisão preventiva surgiria como o meio mais restritivo ao direito
fundamental da segurança, segundo entendimento que vem sendo utilizado para criticar as
mudanças inauguradas pela Lei 12403/11.
Considerado que as medidas cautelares se mostram adequadas a promover o
mesmo fim da prisão preventiva, conforme visto acima, as medidas cautelares tendem a
sacrificar menos a liberdade e mais a segurança, enquanto a prisão preventiva aponta para
sentido oposto, i.e., tende a restringir menos a segurança e mais o da liberdade. Assim, é
forçoso reconhecer que, ao vencermos as duas primeiras etapas do postulado da
proporcionalidade, tanto as medidas cautelares quanto a prisão preventiva se mostram
adequadas e necessárias ao fim que se propõem, a depender do bem jurídico que se atribua
maior importância.
Portanto, a escolha do melhor meio para a finalidade de garantir a ordem
pública, assegurar a aplicação da lei penal e ser conveniente à instrução processual somente
poderá ser resolvida por meio da ponderação dos dois direitos fundamentais mais diretamente
5
afetados pela escolha do Legislador: a liberdade e a segurança; ambos, integrantes do rol do
caput do art. 5.°, da Constituição Federal.
2.3 Da proporcionalidade em sentido estrito
Em nossa ponderação dos direitos fundamentais em questão, não podemos
restringir conteúdo do direito fundamental de liberdade apenas à liberdade dos indivíduos que
já estejam sob algum tipo de custódia estatal, nem a das pessoas assim consideradas em sua
individualidade. Conquanto se trate, prioritariamente, de uma possível restrição à liberdade de
locomoção e circulação da pessoa, é certo que qualquer restrição legislativa a tal direito traz
em si a potencialidade de restrição desse mesmo direito sob a perspectiva da coletividade,
pois se estará fazendo uso daquilo que HÖFFE denomina mandato para exercício da coerção:
“As instituições se definem com uma regulação de comportamentos perpassada de
coerção. Para um agir social, dependendo das circunstâncias, pode-se contar com
reconhecimento, louvor, apoio e honra; mas para um comportamento desviante, ao
contrário, ao contrário, pode-se contar com punições, crítica, subtração de amor e
desprezo. (...). Instituições limitam a liberdade de ação e se impõem, em casos,
através da coerção” 13.
Mas não se trata de um mandato ilimitado de coerção do qual poderia dispor
livremente o Estado. É, antes, um poder secundário que encontra seu fundamento - e suas
limitações - na coerção exercida de forma pré-estatal entre os próprios indivíduos integrantes
de uma sociedade, no momento em que renunciam à parcela de suas liberdades primariamente
ilimitadas e passam a ter a pretensão de exigir dos outros indivíduos a mesma renúncia:
“Fundamentalmente por direito uma coerção de homens contra homens alcança tão
longe quanto alcançam as renúncias distributivamente vantajosas à liberdade, as
liberdades fundamentais. Qualquer coerção que vai além disto significa uma
intervenção nas liberdades fundamentais do outro e uma injustiça elementar para
cujo impedimento o outro está moralmente autorizado”14.
Diante dessas considerações, tem-se que a liberdade somente poderá ser
exercida se houver o mínimo de segurança para garantir que os direitos fundamentais sejam
respeitados, autorizando o uso da coerção estatal sobre aquele que violar tais direitos.
Portanto, a questão posta tenta buscar os limites do mandato outorgado ao Estado para que
possa exercer a coerção e assim preservar ou restabelecer “convivência social que permite que
todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos
13
HÖFFE, Otfried. A Justiça Política: Fundamentos de uma filosofia crítica do direito e do Estado. Trad.
Ernildo Stein. São Paulo – Martins Fontes, 2005, p. 49.
14
HÖFFE, op. cit., p. 362.
6
limites de gozo e reivindicações de seus próprios direitos e defesa de seus legítimos
interesses.”15
CALLIESS, citado por SARLET, diz ser justamente na etapa da
proporcionalidade em sentido estrito que...
“...se verifica a confluência entre as proibições de excesso e de insuficiência, (...), é
necessário proceder a uma ponderação que leve em conta o quadro global, ou seja,
tanto as exigência do dever de proteção, quanto os níveis de intervenção em direitos
de defesa de terceiros ou outros interesses coletivos (sociais), demonstrando a
necessidade de se estabelecer uma espécie de „concordância prática multipolar‟”. 16
A opção do legislador pela primazia das medidas cautelares sobre a prisão
preventiva estaria a contemplar a proibição de excesso sem garantir a proteção eficiente do
direito à segurança? Ou, de forma mais pragmática: - as medidas cautelares, ao protegerem a
liberdade, põem em risco a segurança do cidadão, visto que o Poder Judiciário não terá como
exercer o controle sobre quem delas se beneficiar, e que, por outro lado, a prisão preventiva
garantiria melhor esse direito fundamental?
A resposta a essa questão não pode estar tão somente na interpretação do
texto da Lei 12403/11, mas no cotejo deste com a realidade fática, pois “...não apenas a norma
é o resultado da interpretação, cujo objeto é o texto, mas também que o intérprete não
interpreta apenas os textos, porém, em conjunto com os textos, os fatos”17.
Neste sentido, não podemos deixar de analisar o contexto histórico,
mormente o período antecedente ao que a Lei em comento foi editada, pois estaríamos
sonegando o substrato material que motivou a decisão legislativa que culminou na Lei
12403/2011.
Sob um espectro mais geral, a mudança no Código de Processo Penal feita
pela Lei 12403/11 segue a lógica da modernização da legislação pátria como um todo, que
visa adequar os textos normativos infraconstitucionais à Constituição Federal de 1988, às
mudanças sociais e aos avanços tecnológicos próprios da sociedade do início do século XXI, e
que não se resume à área penal, mas estende-se a outros os ramos do Direito18.
Sob o ponto de vista do conteúdo normativo, especialmente quanto à
definição da natureza subsidiária da prisão preventiva em comparação às medidas cautelares
15
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Ed., 1999, p.752.
SARLET, ob. cit. p. 400.
17
GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Ed., 2006,
p. 191.
18
Vide: Lei de Falências: 11.101/05; Lei 10.406/02, novo Código Civil; Lei 10.792/03, Lei 11.689/08, Lei
11690/08, Lei 11.719/08, Lei 11.900/09, reforma do CPP;
16
7
não privativas de liberdade, a aprovação do Projeto-de-Lei n.° 4.208/2001 é o ponto
culminante das mudanças que já vinham sendo implementada pelas reformas anteriores da
legislação processual penal, todas elas originadas dos trabalhos da comissão composta pelos
notáveis juristas ADA PELLEGRINI GRINOVER (presidente), PETRÔNIO CALMON
FILHO (secretário), ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, ANTONIO SCARANCE
FERNANDES, LUIZ FLÁVIO GOMES, MIGUEL REALE JÚNIOR, NILZARDO
CARNEIRO LEÃO, RENÉ ARIEL DOTTI, posteriormente substituído por RUI STOCCO,
ROGÉRIO LAURI TUCCI e SIDNEY BENETI, que constituída em 20 de janeiro de 2000,
pela Portaria n.° 61, e apresentou ao Sr. Ministro da Justiça a exposição de motivos n.° 22,
em 25 de janeiro de 2001.
Já pelo ângulo do monopólio do poder punitivo estatal, pode-se dizer que a
aprovação da Lei 12403/2011 representa um quase-rompimento19 com a política de tolerância
zero que vinha sendo implementada no Brasil desde o início da década de 1990 e foi
responsável pelo aumento da população carcerária da ordem de 400%, de aproximadamente
100.000 para quase 500.000 presos, dos quais 44% estão presos provisoriamente, sem uma
condenação definitiva, segundo dados do Ministério da Justiça.
Ao contrário do que muitos poderiam pensar, o processo de
encarceramento em massa não guarda qualquer relação com o suposto número do aumento da
criminalidade, sendo, antes, uma opção política do Estado capitalista moderno de resolver os
problemas sociais, direcionando o aparato do poder punitivo contra a população mais
vulnerável às intempéries do mercado.
WACQUANT constata que:
“...desde os trabalhos pioneiros de Georg Rusche e Otto Kirscheimer, confirmados
por cerca de 40 estudos empíricos em uma dezena de sociedades capitalistas, que
existe no nível societário uma estreita e positiva correlação entre a deteriorização do
mercado de trabalho e o aumento dos efetivos presos – ao passo que não existe
vínculo algum comprovado entre índice de criminalidade e índice de
encarceramento”.20
Ainda que não seja a proposta do presente trabalho apresentar um estudo
sobre as causas da criminalidade nos últimos anos, o que demandaria maior fôlego, interessa-
19
A utilização advérbio de modo justifica-se em razão da emenda substitutiva do Senado Federal que incluiu o
inciso IX ao referido art. (anexo II), após já ter sido aprovado na Câmara a redação original feita pela referida
comissão.
20
WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001
8
nos constatar que o aumento do número da população carcerária está diretamente ligado à
precarização do processo de trabalho21.
Ainda, a forma como o legislador disciplinou a aplicação das medidas
cautelares, evitando, num primeiro momento, que a pessoa seja lançada no cárcere porque
praticara este ou aquele crime, visa evitar os efeitos deletérios da prisão sobre o indivíduo,
como fator criminógeno e, portanto, de insegurança social. Lembre-se que o grau de
gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do agente são requisitos
para que o agente possa ser beneficiado por uma das medidas cautelares (art. 282, II).
De modo que é possível concluir que as medidas cautelares preservam não
só a liberdade, mas também a segurança, ao evitar que os indiciados ou acusados possam
sofrer, já num primeiro momento, os efeitos criminógenos do cárcere, permitindo-lhes assim
que repensem nos motivos e nas conseqüências de seu ato estando junto a seus familiares, em
seu emprego, enfim, sob a custódia da própria sociedade e não dos grupos que se formam no
interior das cadeias.
Ganha adeptos o argumento de que a proteção insuficiente residiria no fato
de que o Poder não teria se preocupado com a falta de estrutura do Poder Judiciário para
poder fiscalizar se o beneficiado está, de fato, cumprindo as condições impostas. O que
desloca o problema de um juízo abstrato, geral e prévio sobre a escolha do meio (medidas
cautelares) pelo legislador para um juízo aparentemente concreto, individualizado e a
posteriori sobre a efetividade desse meio, permitindo assim o questionamento da
constitucionalidade da norma com base, justamente, na vertente da proteção insuficiente ao
bem jurídico segurança, com todas as conseqüências jurídicas que possam advir deste
entendimento, desde a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da norma até a
provocação do controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal.
Como a proposta do presente estudo cinge-se à análise do conteúdo
normativo dos dispositivos de lei que tratam das medidas cautelares e da prisão preventiva,
consideramos que a premissa da qual partiria qualquer questionamento sobre a
21
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981. Idem, As
Raízes do Crime. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1984. Ibidem, A Criminologia da Repressão: uma crítica ao
positivismo em criminologia. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1979. SOUZA SERRA, Marco Alexandre de.
Economia Política da pena. Rio de Janeiro: Revan Ed., 2009. TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YONG, Jock.
Criminologia Crítica. Rio de Janeiro: Graal, 1980. ZAFFARONI, Eugênio Raul. El Enemigo En El Derecho
Penal. Bueno Aires: Ediar, 2006.
9
inconstitucionalidade da referida norma – a proteção ineficiente por conta da falta de
aparelhamento do poder judiciário para fiscalizar o cumprimento das medidas cautelares –
teria grande chance de ser uma premissa falsa.
Isto porque seria humanamente impossível (exceto por meio da
monitoração eletrônica) a fiscalização da rotina diária daqueles que estivessem em
cumprimento de alguma das medidas cautelares. Mas isso não significa que tal fiscalização
não possa ser feita de forma difusa por toda a sociedade e de forma concentrada pelas
instituições e pessoas que estão, de alguma forma, vinculados à persecução penal (judiciário,
polícia, vítimas, testemunhas, advogados, afins etc.), tal como ocorria ao indiciado que estava
sob as condições da liberdade provisória.
As medidas que podem ser fiscalizadas diretamente pelo próprio judiciário
são “o comparecimento [do beneficiado] em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz”
(inc. I), a “proibição de ausentar-se da Comarca...”, além das mais restritivas, como a
“internação provisória nos casos em que especifica” e a “monitoração eletrônica”.
O discurso da proteção insuficiente não se sustenta em bases sólidas e, a
nosso ver, visa deslocar o foco da discussão para a necessidade de se implementar, como
regra, a monitoração eletrônica, atendendo, uma vez mais, sob o pretexto de se garantir a
segurança, aos interesses de setores políticos mais conservadores e comerciais das empresas
que fabricam e operacionalizam o apetrecho que permite a monitoração do indiciado.
Sublinhe-se aqui, a aparente inconstitucionalidade da monitoração
eletrônica. É bom lembrar que tal medida não integrava o rol das que foram apresentadas pela
comissão responsável pela elaboração do Projeto de Lei 4208/2001, e foi inserida no corpo do
diploma pelo Senado Federal, que aprovou substitutivo ao Projeto de Lei 111, de 2008, da
Câmara dos Deputados, cuja votação já se havia realizado nessa Casa, e inseriu o inciso IX ao
art. 319 do CPP. Não por este fato, mas porque tal medida assemelha-se à prisão preventiva,
visto que o indivíduo ostentará o apetrecho eletrônico como a uma chaga, um estigma,
pensamos que a decisão do legislador de incluí-la no rol das medidas cautelares fere o
postulado da proporcionalidade. A natureza dessa medida não se coaduna com a das medidas
cautelares, posto ser aplicada sobre o próprio corpo do indivíduo e, neste sentido, pode ser
considerada como antecipação de pena e não como cautela, com as mesmas implicações da
prisão preventiva sobre os direitos fundamentais que a Lei 12.403/2011 visou preservar. Por
isso, o uso da monitoração eletrônica deve ser bastante restritivo, sob pena de desvirtuamento
10
da natureza das medidas cautelares, que é, em última instância, evitar a antecipação de pena e
os efeitos estigmatizantes do cárcere, neste caso substituído pela humilhação em obrigar o
indiciado a ostentar publicamente o apetrecho da monitoração.
Com isso, encerramos a análise da terceira etapa do postulado da
proporcionalidade, concluindo que, diante da ponderação do direito fundamental da liberdade
frente ao da segurança, o fim proposto pelo legislador ao escolher priorizar a aplicação das
medidas cautelares em detrimento da prisão preventiva, mostra-se a mais razoável, pois é a
que mais preserva os direitos fundamentais em questão, garantindo ao indiciado a
oportunidade de continuar gozando de sua liberdade, enquanto não lhe sobrevenha a decisão
definitiva sobre sua culpabilidade, ao mesmo tempo em que evita os fatores criminógenos,
que é fonte de insegurança e instabilidade sociais. Ressalvadas as hipóteses de abuso da
monitoração eletrônica.
CONCLUSÃO
Iniciamos nosso trabalho fazendo um breve relato acerca das mudanças
promovidas pela Lei 12.403/2011, quanto priorização da medidas cautelares frente à prisão
preventiva, pontuando as que as serviram de objeto de análise e estabelecendo a hipótese que
pretendíamos demonstrar por meio dele.
Em seguida, confrontamos o objeto do estudo com o postulado normativo
da proporcionalidade, a fim de demonstra se o mesmo seria adequado, necessário e razoável
ao fim a que se propõe, para o que foi necessária a ponderação dos direitos fundamentais mais
diretamente atingidos pela norma em questão: a liberdade e a segurança.
Concluímos que as medidas cautelares, exceto a monitoração eletrônica,
cumprem a função de preservar tanto a liberdade, ao não privar o gozo de tal direito antes de
uma decisão definitiva sobre a culpabilidade do indivíduo, quanto a segurança, ao evitar, num
primeiro momento, os efeitos criminógenos da prisão, rechaçando, ainda, os argumentos de
que a opção do legislador não estaria protegendo de forma eficiente esta última.
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005, p. 113 e ss.
11
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.
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1
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em
16/12/2010.
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a nova sistemática da prisão preventiva e o postulado