Habeas Corpus n. 2014.059857-7, de Blumenau
Impetrantes : Diego Vinícius de Oliveira e outros
Pacientes
: E. P. A. e outro
Interessado
: R. R. E.
DESPACHO
Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Diego
Vinícius de Oliveira, Thais Cristine Wanka e Ricardo Zimmermann em favor de E. P.
A. e M. N. dos R., ao argumento de que os pacientes estão sofrendo constrangimento
ilegal por ato praticado Juízo da 2ª Vara Criminal da comarca de Blumenau, que os
mantém segregados cautelarmente pela suposta prática do crime de tortura (art. 1º,
inciso I, alínea 'a', inciso II e § 1º, com a causa especial de aumento de pena prevista
no § 4º, da Lei n. 9.455/1997), em concurso de agentes (art. 29 do CP), segundo a
regra do art. 69 do CP (concurso material).
Narram que os pacientes são policiais atuantes na polícia civil há mais
de 25 anos, incumbidos do combate à narcotraficância no município de Blumenau, e
durante todos esses anos nunca responderam à qualquer processo judicial, tampouco
perante a Corregedoria da Polícia Civil.
Sustentam que a ação penal combatida originou-se a partir do relato das
supostas vítimas que figuravam e figuram como réus em processo judicial instaurado
para apurar o deito de tráfico de drogas, as quais alegaram em sua defesa que
apenas confessaram a traficância em virtude de terem sido coagidas física e
mentalmente a isso.
Alegam que não estão presentes os requisitos ensejadores da prisão
preventiva, pois os elementos de prova até agora produzidos são insuficientes para
servir de suporte à expedição de decreto preventivo, sobretudo no que tange à
materialidade do delito, seja pela ausência de constatação de lesões nos exames de
corpo de delito, seja pela inexistência de elementos que corroborem com as
afirmativas das supostas vítimas.
Afirmam, outrossim, que não há motivação idônea para a manutenção
da segregação cautelar dos pacientes, pois são primários, de bons antecedentes e
sem qualquer propensão à vida criminosa, sendo suficiente a aplicação de medidas
cautelares diversas da prisão.
Finalizam requerendo, liminarmente, a concessão da ordem, e sua
confirmação em definitivo, para revogar a prisão preventiva decretada em desfavor
dos pacientes, com a consequente expedição do alvará de soltura.
É o relatório.
Em cognição perfunctória, entendo ser caso de concessão da liminar.
Da análise dos autos, extraio motivos suficientes para a deflagração da
ação penal, mas não para justificar a decretação da prisão preventiva dos pacientes.
Como é cediço, a prisão preventiva está circunscrita, por lei, às
circunstâncias previstas nos arts. 312 e 313 do CPP, fora das quais esta se perfaz
inviável.
Consoante o disposto no art. 312 do CPP, são pressupostos para o
cabimento da prisão preventiva: a) o fumus comissi delicti, consistente na
plausibilidade da medida pleiteada, caracterizada pela presença de prova da
materialidade e indícios de autoria; e b) o periculum libertatis, consistente no perigo
concreto de que a permanência do acusado em liberdade representa para a eficácia
do processo e das investigações (conveniência da instrução criminal), da efetividade
do direito penal (assegurar a aplicação da lei penal) ou da própria segurança social
(garantia da ordem pública ou econômica).
Sob o aspecto objetivo descrito no art. 313 do Código de Processo
Penal, tenho que o crime, em tese, praticado pelos pacientes possue pena máxima
superior a 4 (quatro) anos, enquadrando-se, portanto, na hipótese do inciso I do art.
313 do Código de Processo Penal.
Os elementos de prova produzidos nos autos de origem, em especial os
depoimentos armazenados na mídia de fl. 280 e os documentos juntados às fls.
146/148 e 253/255, demonstram, em uma análise perfunctória, a possibilidade de as
vítimas terem sido agredidas/torturadas pelos acusados no dia em que foram
conduzidas à Delegacia de Polícia para lavratura do auto de prisão em flagrante,
estando presente, pois, o fumus comissi delicti, necessário à segregação cautelar.
No tocante ao periculum libertatis, a necessidade da medida extrema foi
justificada pelo Magistrado nesses termos:
[...] Tais fatos, no meu sentir, justificam a adoção de medida extrema,
consistente na decretação da prisão preventiva dos acusados M. N. dos R. e E. P.
A., com fundamento na garantia da ordem pública, porque a sociedade não pode
ficar a mercê de policiais que atuam dessa forma. Sabe-se, evidentemente, da
complexidade dos trabalhos dos profissionais de segurança pública que lidam com
investigação na narcotraficância, mas não se pode, por outro lado, tolerar a conduta
de policiais que agem de forma violenta, utilizando tortura, como apontam os indícios
até então colhidos.
É bem verdade que elas próprias mencionam envolvimento no mundo do crime
(inclusive porque os bairros em que vivem ou viveram são reiteradamente alvo de
investigações policiais), mas tal fato não pode, jamais, servir de justificativa para que
sejam agredidas física ou mentalmente. Especialmente por policiais civis,
profissionais incumbidos de, ao lado de outros órgãos do Estado, dar segurança à
nossa sociedade.
Mas não é só na garantia da ordem pública que se funda a presente ordem de
prisão.
A vítima J. A. também relatou que poucos dias depois da audiência realizada
na 3ª Vara Criminal desta Comarca (24/9/2013 - fl. 231), logo após ter prestado um
depoimento na 7ª Promotoria de Justiça desta Comarca, foi abordada pelo ora
acusado M. N. dos R., o qual lhe abordou quando estava a caminho de sua casa, lhe
indagou sobre a razão de tê-lo processado, dizendo que ela iria "se ferrar" por isso.
Segundo ela, naquele dia ela fou autuada por desacato em razão do
desentendimento que se seguiu, tendo posteriormente aceitado a transação penal
que lhe foi ofertada no Juizado Especial Criminal. Narrou, ainda, que posteriormente,
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foi presa em flagrante por tráfico de drogas (setor de investigação em que os
acusados M. N. dos R. e E. P. A. atuam), mas colocada em liberdade no dia
seguinte.
Compreendo, diante dos elementos colhidos, que a decretação da prisão
preventiva dos acusados M. N. dos R. e E. P. A. também possui como fundamento a
conveniência da instrução criminal, diante das abordagens que vem sendo realizadas
nas vítimas há vários meses, ao que tudo indica com o intuíto de intimidá-las (fls.
20/22) (nome dos acusados abreviados por este Relator).
Em que pesem os argumentos do juízo singular, entendo que, no caso
em apreço, a ordem pública e a conveniência da instrução criminal não se encontram
ameaçadas com a soltura dos pacientes, inexistindo motivação idônea que justifique a
prisão cautelar.
Concernente à conveniência da instrução criminal, observo que as
vítimas já foram ouvidas em juízo, de sorte que não há mais o receio de interferência
dos pacientes na colheita da prova.
A prisão preventiva como forma de garantir a ordem pública também não
se mostra como medida mais adequada, podendo ser substituída por medidas
cautelares diferentes da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.
Na espécie, o Magistrado justificou a segregação cautelar na
necessidade de evitar que os pacientes praticassem novos atos da mesma natureza
no exercício de suas funções de policial.
Como se vê, no caso dos autos, a ordem pública, assim como a
instrução criminal, podem ser resguardadas por outras medidas cautelares constantes
do art. 319 do CPP, a saber: a) proibição de manter contato com as vítimas; e b)
suspensão do exercício de suas funções públicas.
Assim, ausente um dos requisitos da prisão preventiva elencados no art.
312 do CPP, qual seja, o periculum libertatis, a segregação cautelar merece ser
revogada, com a aplicação de outras medidas cautelares.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AÇÃO PENAL QUE APURA
POSSÍVEL CRIME DE TORTURA QUALIFICADA (ART. 1º, II, NA FORMA DO §4º, I
E II DA LEI 9.455/1997). DISCUSSÃO ACERCA DO MÉRITO. INVIABILIDADE NA
AÇÃO MANDAMENTAL DE HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA
NO PONTO. SEGREGAÇÃO FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA E NA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. INSTRUÇÃO DO
FEITO ENCERRADA. RECEIO DE QUE PACIENTE PUDESSE INFLUENCIAR
NEGATIVAMENTE NA COLHEITA DE PROVAS QUE NÃO SE FAZ MAIS
PRESENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE DO DELITO,
REPERCUSSÃO SOCIAL E NECESSIDADE DE EVITAR NOVAS AGRESSÕES
CONTRA BEBÊS E CRIANÇAS. PRISÃO PREVENTIVA QUE NÃO SE MOSTRA
ADEQUADA POIS O ACAUTELAMENTO DO MEIO SOCIAL PODER SER
PROPORCIONADO A PARTIR DE MEDIDAS CAUTELARES DIFERENTES DA
PRISÃO. GRAVIDADE DO DELITO E REPERCUSSÃO SOCIAL QUE POR SI SÓ
NÃO JUSTIFICAM O ENCARCERAMENTO PREVENTIVO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL CARACTERIZADO.
- A discussão sobre o mérito da causa não é compatível com a estreita via de
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cognição da ação constitucional de habeas corpus, que não admite dilação
probatória tampouco aprofundado exame das provas existentes nos autos.
- Diante da possibilidade de fixação de medida cautelar diversa da prisão - que
certamente evitará a reprodução de atos, em tese, delituosos - restam, como
elementos relativos à garantia da ordem pública, apenas a repercussão social
causada pelos fatos e a gravidade da imputação, circunstâncias estas que, por si só,
não revelam a necessidade da prisão preventiva.
- Parecer da PGJ pela denegação da ordem.
- Ordem conhecida em parte e concedida (HC n. 2012.077674-2, de Tubarão,
rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 4/2/2012).
Ante o exposto, defiro a liminar para revogar a prisão preventiva dos
pacientes, com a imediata expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não
estiverem presos, fixando como medida cautelar a proibição de manter contato com
as vítimas; e a suspensão do exercício de suas funções públicas até a análise do
mérito do writ. Comunique-se a origem com urgência.
Solicite-se informações ao Dr. Juiz de Direito, abrindo-se vista, na
sequência, à douta Procuradoria-Geral de Justiça.
Intimem-se.
Florianópolis, 2 de setembro de 2014.
Rui Fortes
RELATOR
Gabinete Des. Rui Fortes - GFA
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