Polissemia das formas ou construção de sentido no e pelo enunciado?
Helena Topa Valentim
Abstract: As a theoretical concept, polysemy presupposes a particular approach to the units’
signification, the lexicographic and lexicological approach of dictionaries. But in the framework
of a semantic and enuntiative analysis, there are different nature phenomena which formulate
the problem of the functionality of this concept, namely the problem of the relation between
linguistic signification and the construction of referential values.
With this brief presentation, I pretend to demonstrate the insufficiency of the concept polysemy.
Based in a proposal of enuntiative description and explication, the signification of the linguistic
units in not a priori of each form, but is constructed in and trough the linguistic context.
O conceito de polissemia pressupõe
seu contexto linguístico (ou cotexto) é
uma abordagem particular do sentido
suficiente para que o valor de uma
das formas linguísticas, isto é, a
unidade se modifique. Por conseguinte,
abordagem lexicográfica e lexicológica
parece igualmente evidente que a
em que, de um modo geral, se baseia a
significação de uma qualquer unidade
dicionarística. De acordo com um
linguística varia consoante a sequência
tratamento lexicográfico no sentido
enunciativa em que esta ocorra. Aliás,
clássico,
se
os
termos
linguísticos
a
dinâmica
interna
à
própria
possuem, em si mesmos, um ou mais
linguagem é da ordem da interacção, as
significados, que são, normalmente,
possibilidades
exemplificados numa lista finita de
qualquer enunciado e das unidades que
empregos. Este facto decorrerá, em
o engendram decorrem dessa dinâmica
grande parte, da função utilitária dos
de interacção. Por outro lado, esta
dicionários. No entanto, no quadro
dinâmica de interacção entre cada
teórico de uma análise enunciativa,
unidade e o seu cotexto é uma
podemos formular o problema da
construção
afectação de um significado a uma
dependência recíproca: a significação
unidade linguística e, por conseguinte,
associada a cada unidade depende do
questionar
cotexto de ocorrência e a significação
a
operacionalidade
do
de
que
interpretação
implica
de
uma
conceito de polissemia.
global do enunciado depende da rede de
É facilmente constatável que, por vezes,
relações de dependência recíproca entre
a modificação de um único elemento do
as unidades que o compõem.
13
Veja-se,
a
título
ilustrativo,
as
2.
A
identidade
de
uma
forma
sequências o tempo corre, o atleta
linguística não se define por qualquer
corre, a água corre e a notícia corre
sentido base, mas pelo papel específico
cuja
que
significação,
ainda
que
com
desempenha
nas
interacções
recurso à mesma forma (verbo correr),
constitutivas do sentido dos enunciados
varia
natureza
em que ocorre. Isto é, o sentido das
semântica do sujeito. São associáveis a
unidades não é apreendido como o
estas sequências, respectivamente, uma
sentido da própria unidade mas através
noção de rapidez, uma noção de
da variação do resultado de tais
locomoção, uma noção de fluidez e uma
interacções.
noção de difusão.
3. Não há sentido próprio e sentido(s)
Por conseguinte, uma reflexão sobre a
figurado(s) ou derivado(s). Coloca-se,
forma como se constrói a significação
assim, como hipótese uma organização
das unidades linguísticas sob um ponto
multidimensional do sentido, pelo que
de vista enunciativo terá que ter como
os conceitos de sentido literal e de
pano de fundo a questão da relação
sentido figurado são postos em causa.
entre a significação linguística e a
Falar de um “sentido puro” de uma
construção de valores referenciais. Aqui
unidade
fica
abstracção.
de
uma
acordo
com
enumeração
a
de
alguns
seria
e
é
sempre
estruturar,
a
partir
uma
princípios que permitem estruturar uma
Como
abordagem da questão do sentido das
pressupostos, um trabalho de descrição
formas linguísticas segundo este ponto
e de explicação metalinguística que dê
de vista:
conta da plasticidade ou variabilidade
1. O sentido das formas linguísticas não
mas
é um dado, mas constrói-se no e pelo
identidade das formas?
enunciado, ao mesmo tempo que são as
É através da variabilidade do valor
formas linguísticas em coocorrência que
semântico das unidades conforme os
determinam o sentido dos enunciados.
contextos linguísticos de ocorrência que
Por outras palavras, a significação de
se coloca o desafio de identificar
uma forma linguística não existe por si
regularidades
mesma; define-se através dos variados
variação
modos de relação com o contexto
variabilidade advém do facto de a
linguístico em que esta se inscreve.
mesma unidade linguística ter maneiras
também
variáveis,
da
no
se
mas
destes
regularidade
ou
modo
como
tal
organiza.
Aliás,
a
determinadas
por
14
princípios regulares, de estabelecer
desde logo, uma actividade meta-
relações com os elementos do cotexto.
linguística específica da linguagem
Como
aqui
humana verbal. Como consequência
propostos, as significações atribuíveis a
teórica deste facto, concebe-se que a
uma forma resultam sempre de uma
significação das unidades linguísticas
combinatória, isto é, da interacção com
não é exterior à língua; obedece antes a
o cotexto, e variam em função dos
uma ordem própria que não decalca o
enunciados em que ocorrem. Não são,
pensamento nem um referente externo.
portanto, aleatórias.
4. É concebível a identificação de um
Esta dinâmica de interacção, também
modelo de identidade lexical em termos
referida
de
de “Forma Esquemática”, “pólo de
2002),
regulação das interacções da unidade
princípios
com o contexto [linguístico]” (Franckel
teórico-metodológicos estruturantes de
& Paillard, 1997: 111). Esta é uma
um programa de trabalho:
consequência ao nível da formalização
1. O estatuto central da singularidade e,
baseada na tese fundamental de que a
por conseguinte, da variação no estudo
variação
sobre as unidades linguísticas. Há uma
reportada a princípios regulares. Ou
singularidade irredutível mas também
seja, a interacção de uma forma com o
uma diversidade não escamoteável, que
seu cotexto releva de regularidades
invalidam a existência de universais
passíveis de uma formalização.
vimos
nos
como
exemplos
dinâmica
“cotextualização”
(Franckel,
permite
alguns
definir
das
unidades
pode
ser
prévios à análise do funcionamento das
línguas.
Referências Bibliográficas
2. As ferramentas de análise e de
Franckel, Jean-Jacques (2002) Intro-
cálculo de valores são elaboradas a
duction. Langue Française 133, pp. 3-
partir dos dados observados. Define-se,
15.
deste modo, o que Antoine Culioli
Franckel, Jean-Jacques & Denis Paillard
designou
“Teoria
dos
(1997) Prépositions et travail notionnel
processo
de
sur les termes mis en relation, le cas se
conceptualização específico para o tipo
sous en français. In C. Rivière & M.-L.
de dados observados.
Groussier (eds.) La
como
Observáveis”,
3.
Tem-se
uma
um
acesso
privilegiado
à
notion. Paris:
Éditions Ophrys, pp. 111-120.
significação através da actividade de
paráfrase e de reformulação, que é,
15
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