–1– PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Flávia Carrazzone Ferreira NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS): MATERIALIDADE E BASE DE CÁLCULO MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2007 –3– PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Flávia Carrazzone Ferreira NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS): MATERIALIDADE E BASE DE CÁLCULO MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Estado (Direito Tributário), sob orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho. SÃO PAULO 2007 –5– Banca Examinadora _____________________________ _____________________________ _____________________________ –6– Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura: _______________________________ Local e Data: ________________ –7– RESUMO O presente trabalho tem por objetivo a construção da norma jurídica, à qual o legislador ordinário deve necessária observância para a criação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Não obstante todos os critérios normativos que compõem essa norma serem essenciais para delimitar a atuação legislativa dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição desse tributo, será dada maior ênfase à identificação dos seus critérios material e quantitativo (base de cálculo, salvo aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio contribuinte e às sociedades de profissionais), visto que a integração lógico-semântica desses termos é índice seguro para identificar o verdadeiro núcleo de incidência jurídica que poderá ser submetido à tributação. Para a elaboração do trabalho centramos nossa análise na norma de competência legislativa tributária do ISS, norma essa que confere permissão aos Municípios e ao Distrito Federal para criarem esse tributo consoante um conjunto de limitações impostas pelo próprio direito positivo, e, por conseguinte, nas prescrições que informam materialmente a conduta do legislador ordinário para a criação dessa exação (princípios constitucionais, enunciados constitucionais e complementares). Concluímos, por fim, que os Municípios e o Distrito Federal poderão erigir como fato tributável pelo ISS somente prestações de serviços descritas na Lei Complementar 116/2003 e que a unidade de referência a ser prevista como base de cálculo desse tributo deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções, exceto no caso da prestação de serviço de construção civil, hipótese em que o preço do serviço será a receita dele decorrente, com dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador, e das prestações de serviços realizadas em regime de subcontratação, caso em que a base de cálculo deverá ser o preço do serviço, com dedução do valor das subcontratações, tributáveis pelo imposto. Palavras-chave: norma de competência legislativa tributária, permissão impositiva, Municípios, Distrito Federal, regra-matriz tributária, norma padrão do ISS. –8– ABSTRACT The present work has as objective the construction of the legal norm, to which the ordinary legislator owes the necessary observance for the creation of the Tax on Services of Any Nature (ISS). Notwithstanding all the normative criteria that compose this norm being essential to delimit the legislative operation of the Municipalities and of the Federal District for the institution of this levy, one shall give greater emphasis to the identification of its material and quantitative criteria (base of calculation, except for the one related to the personal work of the taxpayers themselves and to the societies of professionals), considering that the logical semantic integration of these terms is a secure index to identify the real nucleus of legal incidence which may be submitted to taxing. For the elaboration of the work we will focus our analysis on the norm of legislative tax competence of the ISS, a norm that confers permission for the Municipalities and the Federal District to create this levy according to a set of limitations imposed by the positive law itself and, consequently, in the prescriptions that materially inform the ordinary legislator’s conduct for the creation of this exaction (constitutional principles, constitutional and complementary enunciations). We conclude, finally, that the Municipalities and the Federal District may erect as a taxable fact by the ISS only renderings of services described in the Complementary Law 116/2003 and that the reference unit to be provided as base of calculation of this levy must be the price of the service, so understood the gross revenue from it, without any deductions, except in the case of rendering of services of civil construction, a hypothesis in which the price of the service will be the revenue resulting from it, with the deduction of the value of the materials supplied by the renderer, and of the renderings of services carried out on a subcontracting basis, a case in which the base of calculation must be the price of the service, with the deduction of the value of the subcontractings, taxable by the tax. Key-words: tax legislative competence norm, impositive permission, Municipalities, Federal District, tax matrix rule, ISS standard norm. –9– SUMÁRIO RESUMO ....................................................................................................................... 7 ABSTRACT ................................................................................................................... 8 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 13 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................. 17 1.1 Delimitação do objeto de estudo e metodologia adotada .............................. 17 1.2 Direito positivo e ciência do direito .............................................................. 20 1.3 Conhecimento jurídico .................................................................................. 24 1.3.1 Processo de interpretação do direito – construção normativa................................ 26 1.4 Norma jurídica............................................................................................... 32 1.4.1 A estrutura lógica da norma jurídica.................................................. 37 1.4.2 Norma geral e abstrata, norma individual e concreta......................... 38 1.4.3 Norma de estrutura e norma de conduta ............................................ 39 1.4.3.1 Normas que regulam condutas normativas e normas que regulam condutas não-normativas...................................... 41 1.5 Sistema do direito positivo ............................................................................ 44 1.5.1 Unidade e estrutura escalonada.......................................................... 48 1.6 Validade......................................................................................................... 50 2 NORMA JURÍDICO-TRIBUTÁRIA ........................................................................ 54 2.1 Tributo como norma jurídica......................................................................... 54 2.2 Regra-matriz de incidência tributária ............................................................ 56 2.2.1 Os critérios da regra-matriz de incidência tributária.......................... 59 2.3 Norma de competência legislativa tributária................................................. 61 2.3.1 Competência legislativa na Constituição de 1988 ............................. 62 2.3.2 Competência tributária como norma de competência legislativa tributária ............................................................................................. 63 2.3.2.1 3. Estrutura da norma de competência legislativa tributária... 66 2.4 O exercício da competência tributária e o descumprimento da norma de competência legislativa tributária.................................................................. 68 A NORMA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS)............... 73 3.1 Subsistema constitucional tributário ............................................................. 73 3.2 A norma de competência legislativa tributária.............................................. 76 – 10 – 4. 3.2.1 Os critérios do antecedente da norma de competência legislativa tributária ............................................................................................. 76 3.2.2 Os critérios do conseqüente da norma de competência legislativa tributária ............................................................................................. 79 3.3 A norma de competência legislativa tributária do ISS .................................. 84 3.3.1 O conseqüente da norma de competência legislativa tributária do ISS...................................................................................................... 85 O CONCEITO DE SERVIÇO TRIBUTÁVEL PRESSUPOSTO CONSTITUCIONALMENTE PARA ATRIBUIR PERMISSÃO AOS MUNICÍPIOS E AO DISTRITO FEDERAL PARA INSTITUIR O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS) ............................................... 87 4.1 A atribuição de permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) ............................................................................... 87 4.2 Prestação de serviços: núcleo semântico da outorga da permissão para instituir ISS.................................................................................................... 92 4.2.1 Irrelevância da espécie da utilidade produzida pela prestação de serviços............................................................................................... 97 4.2.2 A inexorável necessidade de a prestação de serviços ostentar conteúdo econômico .......................................................................... 100 4.2.3 Interlúdio necessário .......................................................................... 104 4.2.3.1 Serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista............................................................................ 104 4.2.3.2 Serviço público ................................................................... 107 4.3 Sentido e alcance da expressão “de qualquer natureza”................................ 116 4.3.1 A cláusula “não compreendidos no art. 155, II” ................................ 118 4.4 Conteúdo semântico e alcance da expressão “definidos em lei complementar” .............................................................................................. 121 4.4.1 As funções da lei complementar tributária ........................................ 121 4.4.2 Conseqüência exegética. A natureza da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal..................................... 129 4.5 Nosso conceito constitucional de serviço tributável pelo ISS....................... 134 5 A NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS)................................................................................................. 135 5.1 A norma padrão tributária ............................................................................. 135 5.2 A norma padrão do ISS ................................................................................. 138 5.2.1 O critério material (considerações superficiais)................................. 139 5.2.2 O critério temporal ............................................................................. 140 5.2.3 O critério espacial .................................................................................................. 144 5.2.4 O critério pessoal ............................................................................... 153 – 11 – 5.2.4.1 O sujeito ativo ..................................................................... 154 5.2.4.2 O sujeito passivo ................................................................. 155 5.2.5 O critério quantitativo (alíquota)........................................................ 160 6. CRITÉRIO MATERIAL DA NORMA PADRÃO DO ISS ..................................... 6.1 Materialidade da norma padrão do ISS ......................................................... 6.1.1 Efetividade, habilitação, habitualidade, lucratividade, da prestação de serviços e a materialidade possível do ISS.................................... 6.1.2 Fruição da prestação de serviços e a materialidade possível do ISS . 6.1.3 Atividade-fim e a materialidade possível do ISS............................... 6.1.4 Classificação da prestação-fim........................................................... 6.1.4.1 Prestações de serviços puros............................................... 6.1.4.2 Prestações de serviços com o emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos .............................. 6.1.4.3 Prestações de serviços com aplicação de materiais ............ 6.1.4.4 Prestações de serviços complexas....................................... 6.2 Cautela necessária: inexistência de prestação de serviços “com” fornecimento de mercadorias ........................................................................ 6.3 A exportação de serviços e os critérios material e espacial da norma padrão do ISS ................................................................................................ 7 A BASE DE CÁLCULO DA NORMA PADRÃO DO ISS ....................................... 7.1 O conseqüente da norma padrão do ISS: predeterminação da base de cálculo............................................................................................................ 7.1.1 Base de cálculo: conceito................................................................... 7.1.2 Funções da base de cálculo ................................................................ 7.2 A necessária presença da base de cálculo no conseqüente da regra-matriz tributária ........................................................................................................ 7.3 A unidade de referência “preço do serviço” como base de cálculo da norma padrão do ISS ..................................................................................... 7.3.1 Identificação do preço do serviço: receita proveniente da prestação de serviço, sem quaisquer deduções .................................................. 7.3.2 O valor dos materiais compõe o preço do serviço ............................. 7.3.3 Preço do serviço com dedução........................................................... 7.3.3.1 Valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de construção civil .............................................................. 7.3.3.2 Valor das prestações de serviços subcontratadas................ 168 168 176 180 181 186 187 187 189 194 196 199 201 201 202 204 209 215 223 230 235 235 241 CONCLUSÕES .............................................................................................................. 249 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 281 – 13 – INTRODUÇÃO A presente dissertação tem por objeto a construção da norma jurídica (aqui designada norma padrão do ISS), à qual o legislador ordinário deve necessária observância para a criação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Em que pese a todos os critérios normativos que compõem essa norma serem essenciais para delimitar a atuação dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição desse tributo, será dada maior ênfase à identificação dos critérios material e quantitativo (base de cálculo, exceto aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio contribuinte e às sociedades de profissionais), visto que a integração lógico-semântica desses termos é índice seguro para identificar o verdadeiro núcleo de incidência jurídica que poderá ser submetido à tributação. De acordo com os objetivos perseguidos neste estudo, pretende-se, a partir das prescrições que informam materialmente a conduta do legislador ordinário para a criação do ISS (princípios constitucionais, imunidades, enunciados constitucionais e complementares), construir a norma padrão do ISS, destacando qual o fato tributável e qual a base de cálculo (salvo aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio contribuinte e às sociedades de profissionais) passíveis de serem erigidos pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Não obstante essas prescrições configurarem verdadeira baliza que norteia a conduta normativa do legislador ordinário, seu conteúdo semântico vêm sendo completamente ignorado pela comunidade legislativa. Não raras vezes, Municípios e Distrito Federal, visando manter ativa sua fuga arrecadatória, elegem como fato tributável do ISS atividade que não configura prestação de serviço, além de escolherem, como base de cálculo desse tributo, grandeza que não se presta a mensurar a prestação. Nesse contexto é que se insere a relevância do presente trabalho, que visa demarcar o âmbito de atuação legislativa, dentro do qual os legisladores municipais e – 14 – distritais deverão se ater para a criação do ISS, notadamente para a eleição do fato a ser submetido à tributação e da grandeza mensuradora correspondente, sob pena de decretação de invalidade do tributo a ser criado. Partindo das categorias da teoria geral do direito, abordaremos, no Capítulo 1, sobre a linguagem como condição indispensável no processo de conhecimento do plexo normativo objeto de estudo, o modelo a ser utilizado para empreender o desenvolvimento do presente trabalho, a norma jurídica e sua estrutura lógica. Trataremos, outrossim, do processo de interpretação do direito, consistente no percurso do intérprete para a construção da norma jurídica, do sistema do direito positivo como o conjunto de normas jurídicas organizado segundo uma estrutura que lhe confere unidade, bem como da necessidade de consonância da norma jurídica para com as normas que regulam condutas normativas. Em seguida, discorreremos, no Capítulo 2, sobre o tributo como norma jurídico-tributária, ressaltando seus critérios normativos, a competência tributária como jurídica que disciplina a permissão para criação do tributo, e, bem assim, as conseqüências da constatação da não-observância da norma de competência legislativa tributária. No Capítulo 3 será descrito o subsistema constitucional tributário, ocasião em que procederemos à análise dos critérios normativos que compõem o antecedente e o conseqüente da norma de competência legislativa tributária. Por conseguinte, será construída a norma de competência legislativa tributária do ISS, destacando, em seu conseqüente normativo, a permissão para criação desse tributo conforme um conjunto de limitações prescritas pelo próprio direito positivo. No Capítulo 4 voltaremos nosso estudo ao conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal para a criação do ISS e, por conseguinte, para delimitar rigidamente o campo material de atuação legislativa desses entes políticos. Para tanto, procederemos à análise sistemática de cada um dos suportes físicos “serviços”, “de – 15 – qualquer natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, que conformam o art. 156, III, da Constituição Federal. No Capítulo 5 passaremos à construção da norma padrão do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) a partir de enunciados constitucionais, princípios, imunidades e enunciados complementares colhidos da Lei Complementar 116/2003, que predeterminam o conteúdo semântico da regra matriz de incidência do ISS a ser criada. Por opção metodológica não construiremos nessa ocasião os critérios material e quantitativo (base de cálculo), reservando capítulo próprio para esses critérios normativos. Identificaremos, no Capítulo 6, a partir das imunidades contempladas no art. 150, VI, a, §§ 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, do art. 156, III, do Texto Constitucional e, por conseguinte do conceito de serviço tributável que dele se extrai, do art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e dos enunciados complementares constantes da lista anexa a essa legislação complementar, o critério material da norma padrão do ISS, e descreveremos qual o comportamento humano deverá ser previsto pelos Municípios e pelo Distrito Federal como fato subsumível ao ISS. A partir da materialidade possível do ISS, analisaremos as prestações de serviços que compõem o âmbito de atuação legislativa desses entes políticos, dando ênfase para a possibilidade de o legislador ordinário submeter à tributação do ISS prestações de serviços com emprego de materiais e/ou de instrumentos, equipamentos, máquinas, advertindo, ainda, para a inexistência de prestação de serviços “com” fornecimento de mercadorias. Faremos, outrossim, breve digressão sobre a disciplina da exportação de serviços no art. 2.º, I, da Lei Complementar 116/2003, buscando, ao final, cotejá-la com os critérios material e espacial da norma padrão do ISS. Finalmente, identificado o comportamento humano que pode ser erigido como fato tributável pelo ISS, analisaremos, no Capítulo 7, a base de cálculo da norma padrão do ISS (exceto aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio contribuinte e às sociedades de profissionais). Esse critério normativo, que será construído a partir do critério material da norma padrão do ISS, dos princípios da igualdade e da capacidade – 16 – contributiva e dos enunciados complementares consubstanciados no art. 7.º, caput, e no art. 7.º, § 2.º, I, da Lei Complementar 116/2003, conterá formulação abstrata da unidade de referência que deve ser erigida como base de cálculo pelo legislador ordinário para determinação da prestação tributária. A partir dessa unidade de referência buscaremos identificar quais ingressos de valores nos cofres do prestador poderão integrar o preço do serviço e vislumbrar a base de cálculo que deverá ser prevista para as hipóteses de prestação de serviço com emprego de materiais e/ou instrumentos, equipamentos, máquinas, de prestação de serviço de construção civil e de prestação de serviço realizada em regime de subcontratação. Percorrendo este caminho, chegaremos às conclusões expostas ao final da presente dissertação, com o que esperamos ter oferecido contribuição ao estudo dos limites a que está adstrito o legislador ordinário para a eleição dos critérios material e quantitativo (base de cálculo, exceto aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio contribuinte e às sociedades de profissionais) do ISS. – 17 – 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1 Delimitação do objeto de estudo e metodologia adotada A linguagem,1 como no processo de conhecimento de qualquer área do saber, será condição para a investigação do objeto deste estudo. Sendo constitutiva da própria realidade, a linguagem conformará o direito do qual nos ocuparemos. Desde a Antiguidade Clássica, o papel desempenhado pela linguagem na teoria do conhecimento (gnosiologia) tem sido objeto de investigações filosóficas, o que vem repercutindo em todas as áreas do saber, inclusive, como se demonstrará, na teoria do direito em que está calcado este trabalho. Até meados do século XX inúmeras correntes de pensamento filosófico assentavam-se no entendimento de que a linguagem humana limitava-se a espelhar, reproduzir o mundo exterior ou interior. Atualmente, entende-se que a linguagem revela mais do que isso, dando existência e sentido ao mundo exterior ou interior. De fato, consoante sublinha o filósofo Manfredo Araújo de Oliveira, “não existe mundo totalmente independente da linguagem [...]. A linguagem é o espaço de expressividade do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade”.2 A linguagem, então, passa a constituir a própria realidade. 1 2 Nicola Abbagnano define linguagem como “o uso de signos intersubjetivos, que são os que possibilitam a comunicação. Por uso entende-se: 1.° Possibilidade de escolha (instituição, mutação, correção) dos signos; 2°. Possibilidade de combinação de tais signos de maneiras limitadas e repetíveis”. Dicionário de filosofia, p. 615. Roberto Vernengo afirma que a linguagem, em seu sentido mais lato, é um sistema de signos utilizados para a comunicação humana. Curso de teoría general del derecho, p. 35. Segundo Paulo de Barros Carvalho, linguagem significa “a capacitação do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos, cujo conjunto sistematizado é a língua”. Filosofia do direito I [Lógica Jurídica]. Apostila do Programa de Pós-Graduação em Direito, p. 11. Completa Manfredo de Araújo Oliveira, citando Wittgenstein, que “tal capacitação é algo historicamente adquirido”. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 143. Esta é a acepção de linguagem a ser empregada neste trabalho. Manfredo Araújo de Oliveira, Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 13. – 18 – Nesse contexto o ilustre filósofo evidencia, historicamente, a existência de dois grandes grupos de teoria acerca da linguagem, de acordo com o papel por ela exercido no processo cognitivo, divisando-os naquelas (i) que concebem a linguagem segundo uma concepção instrumentalista, reduzida à função comunicativa, apenas do resultado do conhecimento, e (ii) naquelas que atribuem à linguagem uma função de mediação necessária na própria atividade cognitiva humana. Esse segundo grupo surgiu com o advento do que se chama “reviravolta lingüística” da filosofia.3 Com a reviravolta lingüística ou giro lingüístico, a realidade se manifesta lingüisticamente. A linguagem passa de mero instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado para condição de possibilidade da própria constituição do conhecimento enquanto tal e, a par disso, o contexto de uso da linguagem revela-se instância doadora de sentido às expressões lingüísticas, ou seja, é no “jogo de linguagem” vivido na práxis comunicativa que se alcança o sentido das palavras.4 Por sua vez, sempre atento às reflexões filosóficas de vanguarda, no intuito de aplicá-las à seara jurídico-tributária, Paulo de Barros Carvalho5 lida com a linguagem tomando-a segundo o princípio da auto-referência do discurso, na linha das teorias retóricas, em contraposição à linha das teorias ontológicas, adotada por João Maurício Adeodato.6 3 4 5 6 Manfredo Araújo de Oliveira, Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 119 e ss. A linguagem, a partir do Wittgenstein das Investigações filosóficas até o momento presente – ao contrário de como era considerada pelos gregos no pensamento filosófico ocidental, uma terceira coisa que interpõe entre o sujeito e o objeto, formando uma barreira que dificulta o conhecimento humano de como são as coisas em si – passa a ser aceita como mediadora necessária em todo o processo de conhecimento humano, uma vez que constitutiva da própria realidade, ou melhor, de tudo que é passível de apreensão cognoscitiva. Esse é o denominado “giro lingüístico”. Importa destacar que o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein encontra-se tanto no apogeu daquelas primeiras teorias, por obra de seu Tractatus lógico-philosophicus, quanto também no despertar da nova perspectiva de considerações sobre a linguagem humana, com suas Investigações filosóficas. Cf. Idem, p. 117 e ss. A propósito, o insigne filósofo cearense assevera que “a ‘virada’ filosófica na direção da linguagem não significou, apenas, nem em primeiro lugar, a descoberta de um novo campo da realidade a ser trabalhado filosoficamente, mas antes de tudo, uma virada na própria filosofia e na forma de seu procedimento”. Ibidem, p. 12. E essa mudança de paradigma se deu exatamente por obra do segundo Wittgenstein, ao partir da idéia de que não há um mundo em si independente da linguagem, que deva ser por ela reproduzido. Idem, ibidem, p. 141. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 5. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência, p. 195. – 19 – Conforme essa dicotomia apontada por Paulo de Barros Carvalho, as teorias retóricas apregoam que a linguagem tem como fundamento ela mesma, não havendo elementos externos à linguagem (fatos, objetos, coisas, relações) que possam legitimála, ao passo que as teorias ontológicas implicam ver a linguagem como instrumento de expressar a realidade objetiva, coisas e termos equivalentes, é dizer, não tendo outro fundamento além de si própria. Este trabalho adotará esta última corrente, tomando a linguagem como condição indispensável no processo de conhecimento de todas as áreas do saber, tendo em vista que, sendo constitutiva da própria realidade, conformará todos os objetos do conhecimento, especialmente o plexo normativo, objeto de nossa investigação científica. Esclareça-se, ainda, que em termos metodológicos o modelo a ser utilizado para empreender o desenvolvimento do presente trabalho será o analíticohermenêutico,7 tendo como objetivo interpretar e compreender o plexo de normas 7 Há juristas que acreditam na existência de um sentido originário que paira sobre o texto jurídico, apresentando-se a linguagem do intérprete não mais que um instrumento para alcançá-lo, desvendá-lo. Conforme esclarece Lênio Luiz Streck, “graças a isto, no âmbito do imaginário dos juristas (sentido comum teórico), há sempre ‘o sentido’ e não apenas sentidos possíveis!”. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 212. No entanto, é de reconhecer que, a partir do advento do “giro lingüístico”, com sua desconstrução radical, inclusive do que se entende por realidade e verdade, toda a pretensão cognoscente acerca do Direito não terá mais caráter reprodutivo de uma realidade jurídica “em si”, mais si, ostentará índole interpretativa, atributiva de sentido, compatível com as condicionantes culturais (lingüísticas, históricas e axiológicas) de quem o investiga. Portanto, não há sentido por de trás do texto normativo que possa ser alcançado por meio de processo descritivo, reprodutivo. O que existe são vários sentidos podendo ser adjudicado ao texto normativo de acordo com os limites pessoais e culturais do intérprete, inserido que está num mundo lingüisticamente constituído. Destarte, as mensagens normativas precisarão ser decompostas e recompostas, num esforço analítico-hermenêutico de construção do sentido deôntico mínimo completo por parte do seu receptor – o jurista. O rompimento definitivo com qualquer possibilidade de um saber reprodutivo acerca do direito dá-se com Hans-Georg Gadamer. Sintetiza Paulo de Barros Carvalho que, para o filósofo alemão, “interpretar é criar, produzir, elaborar sentido, diferentemente do que sempre proclamou a Hermenêutica tradicional, em que os conteúdos de significação dos textos legais eram ‘procurados’, ‘buscados’ e ‘encontrados’ mediante as chamadas técnicas interpretativas”. Curso de direito tributário, p. 96. Com o abandono do modelo de ciência do direito de cunho reprodutivo, descritivista, por meio dos aportes da semiótica, a interpretação do direito (objeto lingüístico) é aceita com construção de sentido e não apenas reflexo de um objeto dado de antemão. Gregório Robles Morchon elege como ponto de partida para sua teoria a tese de que o Direito consiste num sistema de comunicação entre os humanos, que objetiva a organização da convivência social, afirma que “o único modo de expressão do Direito é a linguagem”. Consoante assevera o ilustre mestre, o que está à disposição do intérprete do direito é o chamado “texto jurídico bruto”, a partir do qual se desenvolve a construção interpretativa do direito. Assim, defende que a ciência jurídica não é mais descritivista, senão “construtiva ou interpretativa”. Teoría del derecho [fundamentos de teoria comunicacional del derecho], p. 66. Tradução livre. Cumpre esclarecer, outrossim, que o produto dessa atividade também se apresentará num corpo de linguagem, entretanto não mais – 20 – jurídicas8 inseridas no sistema jurídico, especialmente aquela norma que delimita a atuação do legislador ordinário para a instituição do ISS, tributo de competência dos Municípios e do Distrito Federal. 1.2 Direito positivo e ciência do direito O direito positivo é produto da intervenção do homem junto ao mundo circundante, que tem por função última regrar a ação humana, valorando positiva ou negativamente a conduta intersubjetiva. Como ensina Lourival Vilanova o direito positivo existe como técnica de ordenação da conduta humana, numa situação global historicamente individualizada. [...] Visa a controlar a conduta, impondo formas normativas a essa conduta e, através delas, a alcançar fins, uns permanentes, outros variáveis, de acordo com o ritmo histórico e a índole própria das culturas.9 Como todo bem cultural, o direito positivo manifesta-se pela linguagem artificialmente elaborada. A linguagem é condição de sua própria existência. Não existe direito positivo fora do universo da linguagem. Por essa razão, como alerta Paulo de Barros Carvalho, “não podemos cogitar da manifestação do direito sem uma linguagem, idiomática ou não, que lhe sirva de veículo de expressão.10 No mesmo sentido, Clarice von Oertzen de Araújo salienta que “a linguagem inclui-se entre as instituições humanas resultantes da vida em sociedade. O direito é apenas um das formas sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência”.11 8 9 10 11 regulativo, organizativo dos comportamentos, e sim com pretensões explicativas, explanatórias da camada de linguagem-objeto. As normas jurídicas serão objeto de estudo mais adiante, em item específico deste capítulo. Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 33. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 109. Clarice von Oertzen de Araújo, Semiótica do direito, p. 19. – 21 – Assim, o direito positivo, como corpo de linguagem, apresenta-se como um conjunto de signos,12 empregado em função eminentemente prescritiva de condutas que se projetam sobre o plano da linguagem da realidade social. Por ser uma camada de linguagem, o direito positivo pode de ser investigado sob os ângulos sintático, semântico e pragmático. Pela análise do plano sintático do direito positivo é possível examinar as relações que os signos mantêm entre si. Com o exame do plano semântico do direito positivo é permitido verificar de que modo esses signos se relacionam com os objetos significados, com os fatos e condutas. Por essa abordagem são captadas as significações contidas nos enunciados prescritivos,13 revelando os valores cristalizados pela sociedade, que esta pretende sejam protegidos ou realizados na sociedade.14 A análise pragmática do direito positivo permite estudar as relações existentes entre os sujeitos (emissores e receptores de mensagens jurídicas) e as mensagens propriamente ditas. O fim último do direito positivo é regulamentar a ação humana, orientando-a segundo os valores que a sociedade pretende proteger e realizar. Admitindo, com Paulo de Barros Carvalho,15 que o direito positivo visa modificar a realidade social por meio da linguagem utilizada em função prescritiva, e que o faz, sem uma intervenção efetiva no ser da conduta, uma vez que é livre a vontade do 12 13 14 15 Os signos são entes que, conforme explica Paulo de Barros Carvalho, “têm o status lógico de relação como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana”. Língua e linguagem – Signos lingüísticos – Funções, formas e tipos de linguagem – Hierarquia de linguagem, Apostila de Lógica Jurídica, p. 11. Como esclarece este autor, “tendo o signo o status lógico de uma relação que se estabelece entre o suporte físico, a significação e o significado, para utilizar a terminologia de E. Husserl, pode dizer-se que toda linguagem, como conjunto sígnico que é, também oferece esses três ângulos de análise, isto é, compõe-se de um substrato material, de natureza física, que lhe sirva de suporte, uma dimensão ideal na representação que se forma na mente dos falantes (plano da significação) e o campo dos significados, vale dizer, dos objetos referidos pelos signos e com os quais mantêm eles relação semântica”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 17. O suporte físico é a forma de expressão (exterior) do signo, é dizer, sua manifestação física. Na linguagem idiomática, é a palavra falada ou escrita. Na linguagem verbal, o suporte físico é denominado “enunciado”. O suporte físico refere-se a algo do mundo físico ou psíquico, de existência concreta ou imaginária, atual ou não, que é o significado. Porque representa o significado, o signo produz na mente do intérprete algo que está relacionado ao significado, mas que, do mesmo modo, dele difere. A representação do significado feita pelo signo suscita na mente do intérprete uma noção, idéia ou conceito, que é a significação. Enunciados são orações bem construídas de acordo com as regras do idioma. Examinaremos com mais detalhe os enunciados prescritivos do direito positivo no subitem 1.3.1 do presente trabalho. Eurico Marco Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 28. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 10 e 14-15. – 22 – destinatário da mensagem legislada, é forçoso concluir que o que lhe compete é estimular ao máximo as consciências, a fim de que as condutas que prescreva sejam cumpridas e, de conseguinte, os valores que deseja sejam realizados. Assim, para alcançar os objetivos que dele se espera, motivando os comportamentos desejados pelo meio social, a linguagem do direito positivo conta com o emprego de uma peculiar forma de coatividade.16 Tratando da camada de linguagem direito positivo, está a metalinguagem consubstanciada na ciência do direito.17 A ciência do direito constitui um corpo de linguagem descritiva do feixe de prescrições que formam o direito positivo. Com efeito, a ciência do direito consubstancia-se numa linguagem que fala sobre o corpo de linguagem direito positivo. Nesse contexto, importante ter presente que a linguagem do direito positivo (linguagem-objeto) é diferente da linguagem da ciência do direito (metalinguagem) pela função pragmática que desempenha no processo da comunicação. O direito positivo constitui linguagem prescritiva de condutas, dotada de coatividade, que busca alterar comportamentos humanos, estimulando seus destinatários, ao passo que a ciência do direito consubstancia-se numa linguagem descritiva desta primeira. 16 17 Sobre a coatividade no direito, Paulo de Barros Carvalho explica que, “de fato, o Direito, é essencialmente coativo, porém não é esse seu aspecto individualizador, já que outros sistemas normativos são também coativos. As regras religiosas, sempre que transgredidas, dão ensejo à incidência de sanções, seja num âmbito extraterreno, seja no próprio campo da consciência, quando o infrator, segundo suas crenças, passa a considerar-se culpado. As normas de civilidade prescrevem deveres que, uma vez descumpridos, desencadeiam sanções que se traduzem na reação dos membros da sociedade contra o transgressor. Aquele que não observa os preceitos da moral, ou que venha a infringi-los, sofrerá, como conseqüência, a pecha de amoral ou de imoral, conforme o caso, com todas as implicações que o qualificativo acarreta. Isso demonstra que todos os sistemas normativos são essencialmente coativos, não servindo, pois, tal aspecto, para diferençar o sistema jurídico de outros sistemas de normas. Qual seria, então, o traço individualizador do Direito, em cotejo com os demais sistemas normativos? O elemento caracterizador está na forma ou no modo com que a coatividade é exercida. Só o Direito coage mediante o emprego da força, com a aplicação, em último grau, das penas privativas da liberdade ou por meio da execução forçada. Essa maneira de coagir, de garantir o cumprimento dos deveres estatuídos em suas regras, é que assinala o Direito, apartando-o de outros sistemas de normas”. Teoria da norma tributária, p. 30-31. A metalinguagem é uma linguagem de sobrenível, ou seja, uma camada de linguagem que fala de uma outra linguagem, no caso o direito positivo, descrevendo-o. É empregada para descrever, referir outro corpo de linguagem. – 23 – Sob o plano sintático também são distintas a linguagem do direito positivo e a linguagem da ciência do direito. A linguagem do direito positivo é presidida pelos valores validade e invalidade, próprios da lógica deôntica. Por seu turno, a ciência do direito revela-se como uma linguagem descritiva que, por essa razão, é regida pelos valores verdade e falsidade da lógica alética. Ressalte-se que a linguagem do direito positivo não descreve as condutas, mas, sim, prescreve, ordena, comanda, a ação humana. É dizer, o direito positivo não diz como são as condutas, antes, diz como deve ser a ação humana. Assim, descumprir as prescrições do direito positivo não afeta os valores verdade/falsidade que regem a linguagem da ciência do direito. Ressalte-se, por fim, que no plano semântico também é possível distinguir as referidas linguagens. Pelo ângulo semântico, a linguagem do direito positivo dirigese às condutas intersubjetivas na sociedade, no intuito de regulamentá-las. A linguagem da ciência do direito, no entanto, está voltada para o enunciados lingüísticos que consubstanciam o direito positivo, procurando descrevê-los.18 Outrossim, importante ter presente que a descrição do direito positivo, efetuada pela ciência do direito, não tem o condão de produzir o direito positivo. Conforme explicita Tárek Moysés Moussallem,19 a linguagem da ciência do direito atribui sentido do direito positivo, porém, sem a via da recepção, uma vez que seus enunciados (o da ciência do direito) advêm de atividade que não introduz enunciados prescritivos no direito positivo, mas apenas textos de dogmática jurídica. Eis o corpo de linguagem direito positivo apresentando-se como ponto de partida para o conhecimento jurídico, o que também implicará a produção de outra camada de linguagem, a da ciência do direito. 18 19 Ressalte-se que, para descrever rigorosamente a linguagem-objeto direito positivo, a ciência do direito requer uma linguagem artificial, que decorra de um processo de depuração da linguagem comum, de modo que os vocábulos imprecisos são substituídos por termos unívocos. Revogação em matéria tributária, p. 102. – 24 – 1.3 Conhecimento jurídico Assentado que a linguagem exerce papel constitutivo da realidade jurídica, é forçoso ressaltar que, sendo o direito objeto que se manifesta em linguagem, aquele que lhe dirija com pretensões cognoscitivas, imerso que está num universo lingüístico, será capaz apenas de interpretá-lo, compreendê-lo, não sendo possível reproduzi-lo, tal como se houvesse o sentido “em si”, passível de apreensão. Conhecer o direito, portanto, é atribuir-lhe sentido, significação, o que implicará, consoante visto, a produção de outra camada de linguagem, a da ciência do direito. É esclarecedora a lição de Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual aquele que tratar o direito como algo que necessariamente se manifesta em linguagem prescritiva, inserido numa realidade recortada em textos que cumprem as mais diversas funções, abriu horizontes largos para o trabalho científico, permitindo oportuna e fecunda conciliação entre as concepções hermenêuticas e as iniciativas 20 de cunho analítico. Inicialmente, cumpre advertir que a expressão “conhecimento jurídico” é ambígua. É dizer, nos discursos científicos é empregada com mais de uma acepção. O direito, como camada de linguagem objeto do conhecimento, é passível de distintas análises cognoscitivas, cada uma a partir de uma perspectiva diferente, com seus cortes metodológicos, métodos de aproximação e objetivos próprios. Dessa forma, são legitimamente consideradas ciências jurídicas a sociologia do direito, a política do direito, a dogmática jurídica, entre outras, uma vez que todas essas ciências investigam algum aspecto do complexo e multifacetado objeto do conhecimento que é o direito. A ciência do direito em sentido estrito ou dogmática jurídica, que aqui se pretende empreender, consiste em interpretar o conjunto de textos do direito positivo 20 Paulo de Barros Carvalho, Prefácio à obra de Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro, p. 9. – 25 – para reconstruir as mensagens normativas com sentido deôntico mínimo completo, articulando-as dentro do todo sistemático, que é o ordenamento jurídico, segundo relações de coordenação ou de subordinação.21 Essa investigação tem por objetivo examinar o interior do direito, isto é, como as prescrições jurídicas regulam as condutas submetidas no tempo e no espaço a um ordenamento jurídico considerado,22 ou, ademais empreender “análise intrasistêmica, de alguém que se põe dentro do sistema e dele não sai, até que se encontre satisfeito com os motivos de sua especulação”.23 Segundo pontifica Paulo de Barros Carvalho, “o direito não se esgota somente no espaço normativo, sendo, como de fato é, um fenômeno complexo, de várias faces, para a configuração do qual muitos fatores concorrem”.24 Entretanto, sendo sua preocupação com o direito epistemológica, busca tão-somente saber como é possível um caminho para investigá-lo, que será encontrado na linguagem dos textos normativos. Quando o jurista almeja decifrar a mensagem normativa comunicada pelos textos do direito posto, fá-lo apresentando as prescrições que entende pertinentes ao sistema normativo, entretanto essas prescrições estarão sendo “mencionadas” e não “usadas”,25 tendo em vista não ser o intérprete-jurista autoridade credenciada pelo ordenamento jurídico para disciplinar condutas por meio da introdução de textos prescritivos. Sua missão é conhecer o direito, voltando-se para seus textos, e construir propostas interpretativas que sejam passíveis de absorção pelos seus órgãos aplicadores. 21 22 23 24 25 Conforme esclarece Paulo de Barros Carvalho, “o procedimento de quem se põe diante do direito com pretensões cognoscentes há de ser orientado pela busca incessante da compreensão desses textos prescritivos”. Curso de direito tributário, p. 112. Idem, ibidem, p. 12. Idem, p. 55. Idem, 49. Consoante assinala Lourival Vilanova, distinguem-se “uso” e “menção”, na medida em que o uso de uma linguagem se faz no mesmo nível lingüístico, enquanto a “menção” é referência a uma linguagem-objeto, isto é, trata-se de metalinguagem. Cf. Lógica jurídica, p. 52-56. – 26 – Consoante Paulo de Barros Carvalho, “conhecer o Direito é, em última análise, compreendê-lo, interpretá-lo, construindo o conteúdo, sentido e alcance da comunicação legislada”26 missão que requer o envolvimento do intérprete com todo o sistema, sobretudo com os escalões mais altos que ditam os vetores axiológicos positivados a serem seguidos. 1.3.1 Processo de interpretação do direito – construção normativa Sem interpretação não é possível conhecer o direito. A interpretação é tema fundamental no processo de conhecimento que aqui se persegue. Tendo em vista a contextura lingüística do direito, bem como verificado que o fenômeno jurídico apresenta, como único dado objetivo, textos, geralmente escritos, comunicativos das mensagens normativas, é forçoso admitir a utilização de instrumentos de perquirição a eles adequados, no processo de seu sentido. A atividade intelectual é complexa, devendo o exegeta fazer uso de todos os recursos disponíveis que lhe permitam investigar os textos do direito positivo, visto que deles é que se partirá para o esforço de decodificação presente no desenvolvimento hermenêutico.27 Aqui serão aproveitados os ensinamentos da semiótica, bem como da chamada teoria semiótica,28 tão bem difundida por José Luiz Fiorin.29 Deveras, o fato de o direito apresentar-se em linguagem pressupõe aceitar que se circunscreve em um texto, dado objetivo que nos possibilita construir o conteúdo que se busca no processo gerativo de sentido. 26 27 28 29 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 113. Idem, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 17. Ensina Lúcia Santaella que “a Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido”. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, p. 13. Já para Ricardo A. Guibourg, Alejandro M. Guigliani e Ricardo V. Guarinoni, a semiótica é a teoria geral dos signos; a disciplina que estuda os elementos representativos no processo de comunicação. Introducción al conocimiento científico, p. 23. Cf. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo, 1999. – 27 – “Texto”, no sentido estrito, se restringe ao corpus, plano de expressão. Entretanto, não há texto sem contexto, como adverte Paulo de Barros Carvalho,30 haja vista a série de associações lingüísticas e extralingüísticas indispensáveis à compreensão da mensagem enunciada como um todo de sentido por parte do intérprete. Segundo bem evidencia José Luiz Fiorin, “o discurso não é uma grande frase, nem um aglomerado de frases, mas um todo de significação”.31 Os textos jurídicos só podem ser analisados sob um prisma interno, é dizer, tendo como foco temático a organização, seus procedimentos e mecanismos estruturais, que fazem de uma totalidade de sentido.32 Cumpre enfatizar a utilidade das categorias que a semiótica oferece para o percurso gerativo de sentido dos textos do direito positivo. Como demonstra Paulo de Barros Carvalho, “o conhecimento de toda e qualquer manifestação de linguagem pede a investigação de seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática”.33 Somente dessa forma, o intérprete terá condições de explorar com maior riqueza o conjunto de símbolos gráficos empregados na comunicação normativa. Sendo assim, conforme o modelo de interpretação desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho, o processo gerativo do sentido normativo é analiticamente dividido em quatro planos ou fases, só alcançáveis por meio da abstração, e que se mostrará adequado a qualquer ramo do direito positivo,34 definindo o percurso a ser seguido em todos os casos. 30 31 32 33 34 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 18. José Luiz Fiorin, As astúcias da enunciação: as categorias de pessoas, espaço e tempo, p. 30. Paulo de Barros Carvalho reconhece a autonomia operacional do direito positivo e apregoa que “o único modo de apreender-lhe as mensagens prescritivas é interpretando-o juridicamente, isto é, a partir de suas estruturas, categorias, processos e formas. Não há como aceitar uma interpretação econômica do direito ou uma interpretação histórica do direito, mecanismos espúrios que ainda contaminam nossa cultura jurídica”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 112. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 99. Registre que, conforme Paulo de Barros Carvalho, o direito tributário se trata de ramo jurídico apenas didaticamente autônomo, tendo em vista a inafastável necessidade de atuação de todo o sistema normativo para sua compreensão. Cf. Curso de direito tributário, p. 16. – 28 – No processo de interpretação, o jurista inicialmente se põe em contato com a literalidade textual dos enunciados prescritivos (S1) fixados nos documentos normativos, quais sejam Constituição, emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, medidas provisórias, sentenças, atos administrativos, contratos, entre outros,35 ressalvando que os enunciados não contêm em si mesmos significações. Os enunciados “são objetos percebidos pelos nossos órgãos sensoriais que, a partir de tais percepções, ensejam, intra-subjetivamente, as correspondentes significações”.36 É dizer, é a partir deles que se inicia o percurso gerativo de sentido normativo. Com efeito, sem as unidades enunciativas do direito posto, não há interpretação. Em um segundo momento, entra o exegeta no plano dos conteúdos significativos dos enunciados prescritivos individualmente considerados (S2). Nesta instância, o intérprete atribuirá significação isolada ao enunciado prescritivo. É dizer, a partir da estrutura sintático-gramatical que é o enunciado, se constrói a proposição.37 Como se vê, enunciado e proposição representam planos distintos. Paulo Ayres Barreto bem elucida essa distinção dizendo que enunciados são conjuntos de palavras que cumprem, necessariamente, o requisito de expressar uma idéia. A proposição, de outra parte, é o significado de um enunciado declarativo ou descritivo, não se confunde com o enunciado mesmo, composto por palavras ordenadas segundo regras gramaticais. A proposição, como juízo significativo que é, apresenta uma forma lógica. A partir de enunciados 38 construímos proposições jurídicas. 35 36 37 38 Concebidos aqui na acepção de suporte físico e não de norma geral e concreta, como será apresentado mais adiante. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 18. Proposição é o conteúdo, a significação do enunciado. Consoante explica Paulo de Barros Carvalho, trata-se da “carga semântica de conteúdo significativo que o enunciado, sentença, oração ou asserção exprimem”. Assim, como bem exposto por este mestre, “há possibilidade de vários enunciados expressarem a mesma proposição, como proposições diferentes corresponderem ao mesmo enunciado”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 22. Paulo Ayres Barreto, Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 18. Sobre o reconhecimento da existência de proposições não só na ciência do direito, mas também no direito positivo, Paulo de Barros Carvalho aduz que “os enunciados e suas significações (proposições) estão presentes ali onde houver o fenômeno da comunicação, não se restringindo à linguagem empregada na função declarativa ou teorética, como o pretenderam os neopositivistas lógicos. Kelsen, por exemplo, utilizou restritivamente a palavra ‘proposição’, para mencionar apenas o conteúdo dos enunciados descritivos da Ciência do Direito. Daí sua distinção entre ‘norma’ (direito positivo) e ‘proposição’ (domínio da Ciência). Muitos filósofos do direito, porém, acompanhando os progressos das modernas teorias – 29 – Trata-se, pois, essa fase do processo de interpretação, do sistema de significações proposicionais, em que as significações dos enunciados já possuem sentido deôntico, todavia incompleto. Aqui a mensagem do dever ser está incompleta. Paulo de Barros Carvalho assinala a ausência de sentido completo das proposições utilizando-se do seguinte exemplo: Imaginemos enunciado constante de lei tributária que diga, sumariamente: A alíquota do imposto é de 3%. Para quem souber as regras de uso dos vocabulários “alíquota” e “imposto”, não será difícil construir a significação dessa frase prescritiva. Salta aos olhos, contudo, a insuficiência do comando, em termos de orientação jurídica da conduta. A primeira pergunta certamente será: mas, 3% do quê? E o interessado sairá à procura de outros enunciados do direito posto para 39 entender a comunicação dêontica em sua plenitude significativa. Somente no plano S3 é que se encontram as mensagens que contêm o mínimo necessário è regulação da conduta humana. Articulando as significações de vários enunciados prescritivos (proposições), de modo a ordená-las na forma de juízos implicacionais, ocuparão algumas o tópico de antecedente, enquanto outras o lugar de conseqüente. O intérprete, destarte, constrói as normas jurídicas capazes de orientar juridicamente a conduta humana (S3), “entidades mínimas e irredutíveis de manifestação do deôntico, com sentido completo”,40 visto que “os comandos jurídicos, para terem sentido e, portanto, serem devidamente compreendidos pelo destinatário, devem revestir um quantum de estrutura formal”.41 Entretanto, a significação obtida isoladamente com determinada norma não é suficiente para expressar o sentido final da orientação jurídica da conduta. Este 39 40 41 lingüísticas, abandonaram essa dualidade para referirem-se a proposições prescritivas e proposições descritivas”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 22. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 124. Idem, Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade, p. 144. Idem, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 20. Como veremos mais detalhadamente a seguir, a norma jurídica é significação de enunciados prescritivos (proposições) organizada na forma de juízos hipotético-condicionais, com intuito de regular a conduta humana. Vislumbra-se, no juízo hipotético (antecedente normativo), conceituação de fatos e condutas de possível ocorrência no mundo. Já no juízo condicional (conseqüente normativo), aparece a prescrição de condutas intersubjetivas, modalizadas nos modais deônticos “permitido”, “proibido” e “obrigatório”. A forma implicacional que, com tal, configura a norma jurídica com sentido deôntico completo, é garantida mediante o emprego do dever-ser neutro ligando ao antecedente o conseqüente normativo. Veremos, também, que, além dessa estrutura lógica hipotéticocondicional, a presença da sanção é necessária para a configuração da norma jurídica em sua completude lógica. – 30 – somente é alcançado após o intérprete aperfeiçoar o seu processo exegético por intermédio de um trabalho denominado por Paulo de Barros Carvalho de “esforço de contextualização”. Nas palavras desse mestre: Tendo a tarefa interpretativa caminhado pelos meandros do ordenamento, primeiramente à cata de sentidos isolados de fórmulas enunciativas, para depois agrupá-las consoante esquema lógico específico e satisfatoriamente definido, o objetivo presente é confrontar as unidades obtidas com o inteiro teor de certas orações portadoras de forte cunho axiológico, que o sistema coloca no patamar de seus mais elevados escalões, precisamente para penetrar, de modo decisivo, cada uma das estruturas mínimas e irredutíveis (vale novamente o pleonasmo) de significação deôntica, outorgando unidade ideológica à conjunção de regras que, por imposição dos próprios fins regulatórios que o direito se propõe implantar, organizam os setores mais variados da convivência social. A mencionar ser esse o apogeu da missão hermenêutica, penso não haver incorrido em qualquer excesso, pois é nesse clímax, momento de maior graduação do processo gerativo, que aparece a norma jurídica em sua pujança significativa, como microssistema, penetrada, harmonicamente, pela conjugação dos mais prestigiados valores que o 42 ordenamento consagra. Assim, construída a norma jurídica (S3), passa-se ao plano S4, no qual é feita a relação da norma com o todo do sistema jurídico vigente, por meio da verificação dos vínculos de coordenação e subordinação que se estabelecem entre as demais normas jurídicas. Paulo de Barros Carvalho ensina que da mesma maneira que o subdomínio S3 é formado pela articulação de sentidos de enunciados, recolhidos no plano S2, o nível S4 de elaboração é estrato mais elevado, que organiza as normas numa estrutura escalonada, presentes laços de coordenação e de subordinação entre as unidades construídas. [...] Enquanto, em S3, as significações se agrupam no esquema de juízos hipotéticos implicacionais (normas jurídicas), em S4 teremos o arranjo final que dá status de conjunto 43 montado na ordem superior de sistema. 42 43 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 125-126. Não se pode olvidar de agregar a lição de Tárek Moysés Moussalem, no sentido de que “o cientista não cria normas jurídicas, apenas proposições jurídicas sobre enunciados prescritivos (dados imediatos) advindos de atos de fala dos agentes competentes. Ao dizer que o jurista ‘cria’ normas jurídicas como produto de interpretação, deve-se afirmar que o faz apenas para fins epistemológicos, em sentido lógico-transcendental, não em sentido normativo positivo”. Revogação em matéria tributária, p. 104. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 77-78. – 31 – Desse modo, o S4 é o plano de interpretação em que será feito o cotejo sistemático das normas jurídicas construídas no plano S3. Em suma, o percurso de geração de sentido normativo a ser percorrido pelo intérprete inicia-se a partir do contato com a literalidade dos enunciados prescritivos (plano de expressão); a seguir, passa pela atribuição de significações às frases isoladas dos textos legais (plano de conteúdo, das proposições) e, finalmente, ocupam esses conteúdos de significação o antecedente ou o conseqüente das normas jurídicas, compondo a estrutura lógica das unidades irredutíveis dotadas de sentido deôntico completo (plano das normas jurídicas suficientes para orientar juridicamente a conduta humana), que, contextualizadas, conformarão o arranjo final que dá status de conjunto montado na ordem superior de sistema. Com efeito, durante esse processo de interpretação do discurso prescritivo do direito, haverão de ser examinados os planos sintáticos, semântico e pragmático da mensagem normativa. Registre-se que há limites a essa atividade geradora do sentido em questão. O processo de interpretação do direito encontra barreiras tanto na evolução semânticopragmática das palavras nos textos como na estrutura lógica que as normas jurídicas devem ostentar e, também, nas condicionantes lingüístico-culturais do intérprete. Atento a essa circunstância, Gregório Robles Morchon assinala que ao operar sobre o texto jurídico bruto, que constitui o ordenamento, certamente que a dogmática se vê limitada pela existência de dito material, e nesse sentido não poderá nunca inventar” ex nihilo as normas nem o sistema. Assim, o ordenamento é o ponto de partida da interpretação, cuja fase final é a geração do sistema e das 44 normas que o compõem. Como visto, com o “giro lingüístico”, sedimentou-se o entendimento de que não há sentido “em si” a ser alcançado pelo jurista quando diante do direito positivo 44 Gregório Robles Morchon, Teoría del derecho, p. 132-133. Tradução livre. Ressalte-se que o autor faz menção ao vocábulo “ordenamento” como sinônimo daquilo que entendemos como o plano de expressão dos enunciados ou S1, e não de sistema de direito de direito positivo. – 32 – com pretensões cognoscentes. Entretanto, o produto da interpretação realizada pelo sujeito cognoscente, uma vez que se trata de atividade construtiva de sentido (significação), estará, necessariamente, plasmado pela sua história, sua cultura, seus valores, condicionantes que conformam seu mundo lingüístico. Dessa forma, aquele que pretende conhecer o direito deverá, a par de vislumbrar cada possibilidade interpretativa, decidir entre as propostas interpretativas e oferecer o estudo exegético que lhe pareça melhor conforme sua comparação e sua valoração, para posterior conhecimento e crítica da comunidade científica. Nesse contexto, busca-se, no presente trabalho, oferecer à comunidade jurídico-científica alternativa interpretativa relacionada ao direito positivo brasileiro, ou melhor, acerca da norma que delimita atuação do legislador ordinário para a instituição dos enunciados prescritivos que comporão a regra matriz de incidência do ISS. 1.4 Norma jurídica O que se entende por norma jurídica constitui ponto fundamental para o desenvolvimento do presente trabalho, uma vez que optamos pela análise do aspecto normativo como via de investigação do complexo e multifacetário objeto cultural que é o direito. Consoante os três planos de interpretação do discurso prescritivo do direito positivo já analisados, a acepção de “norma jurídica” adotada no presente estudo é aquela que a vislumbra como o produto da atividade hermenêutico-analítica do estudioso do direito, processada a partir dos textos jurídicos e organizada numa estrutura lógico-sintática de significação que contém o mínimo necessário à regulação da conduta humana. Defende-se com isso que a norma jurídica não se situa nos textos do direito positivo. Ela surge como resultado do processo de construção de sentido, – 33 – desencadeado a partir do corpo dos referidos textos positivados. Como anota Gregório Robles Morchon, elas “só alcançam seu verdadeiro ser através de uma operação de construção hermenêutica”.45 Difere-se, por conseguinte, dos símbolos lingüísticos (enunciados prescritivos) plasmados nos textos do direito positivo. É que as normas jurídicas encontram-se no plano das significações, ao passo que os enunciados prescritivos no da literalidade textual. Ensina Paulo de Barros Carvalho que uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de prescrever condutas; outra coisa, as normas jurídicas, como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições 46 prescritivas. Nesse mesmo sentido ensina Eurico Marcos Diniz De Santi que norma jurídica é a proposição prescritiva que tem a forma implicacional, associando a um possível dado fáctico uma relação jurídica. A mera literalidade dos textos do direito não atinge, compartidamente, a forma proposicional de norma jurídica. A norma jurídica é norma a partir de sua imersão no todo que é o sistema 47 de linguagem do direito positivo. Destarte, considerando que norma jurídica é o resultado da associação dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos, conclui não ser cabível cogitar de normas “implícitas”, já que tais unidades “estão necessariamente na implicitude dos textos, não podendo haver, por conseguinte, ‘normas explícitas’”.48 45 46 47 48 Gregório Robles Morchon, Teoría del derecho, p. 134. Tradução livre. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 24. Eurico Marcos Diniz De Santi, Lançamento tributário, p. 36. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 23. No mesmo sentido, Paulo Ayres Barreto adverte que “todas as normas são, de rigor, construídas a partir da mesma base empírica, a literalidade dos enunciados prescritivos. Logo, a construção levada a efeito será necessariamente implícita, descabendo, pois, falar-se em critério distintivo ou classificatório de normas em implícitas ou explícitas”. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 19. – 34 – Difere-se a norma jurídica, ainda, da mera significação isolada (proposição) que se produz na mente do intérprete a partir da leitura de um enunciado prescritivo ou de vários enunciados. Entende-se que a norma jurídica é decorrência da articulação das proposições, ou seja, fruto da significação construída na mente do intérprete, com sentido dêontico completo formado por várias noções (proposições) que muitas vezes um só texto não é capaz de propiciar. Reveste-se, destarte, de uma estrutura lógicoformal mínima para que a mensagem do “dever ser” seja efetivamente compreendida pelo seu destinatário,49 sendo suficiente, pois, para regular juridicamente a conduta humana. O conteúdo significativo isolado (proposição) que o enunciado prescritivo expressa não permite a formulação de significação organizada na forma de juízo hipotético-condicional. Ademais disso, não se apresenta com a corresponde prescrição sancionatória,50 um dos traços característicos da norma jurídica, conforme será visto mais adiante. Atenta para a distinção entre norma jurídica e significação de enunciado prescritivo (proposição), Maria Rita Ferragut anota que nem sempre as significações construídas a partir de um único artigo de lei são suficientes para compor a norma jurídica, unidade mínima irredutível do deôntico, devendo estar estruturadas hipotética-condicionalmente e trazer a previsão de sanção. Para isso o intérprete deverá socorrer-se de diversos textos de lei (suportes físicos), podendo o mesmo artigo, a seu turno, gerar tantas significações quantos forem o número de intérpretes, pois a norma não está no texto escrito, mas no juízo 51 provocado no espírito do intérprete. 49 50 51 Cf. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 21. Pode existir enunciado prescritivo sem sanção, mas nunca norma jurídica sem a correspondente norma sacionatória. Como indaga Paulo de Barros Carvalho, “existe norma sem sanção? E a resposta é esta: absolutamente, não. Aquilo que há são enunciados prescritivos sem normas sancionatórias que lhes correspondam, porque estas somente se associam a outras normas jurídicas prescritoras de deveres. Caso imaginássemos uma prestação estabelecida em regra sem a respectiva sanção jurídica e teríamos resvalado para o campo de outros sistemas de normas, como o dos preceitos morais, religiosos etc.”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 23. Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 20. – 35 – E conclui dizendo: do exposto, temos que o artigo 2.º da Constituição Federal, ao estabelecer que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, constitui-se num enunciado prescritivo, mas o significado, a partir dele construído não se configura com o conceito de norma jurídica aqui adotado, já que não é possível formular, com base unicamente em seu texto, uma significação organizada numa estrutura hipotética-condicional, nem identificar a presença da 52 sanção. Destarte, o conteúdo significativo isolado do enunciado prescritivo (proposição), por não se apresentar como uma significação estruturada numa forma de juízo hipotético-condicional, e, com efeito, por não ostentar previsão sancionatória, configura mera significação com sentido de dever ser incompleto. É, destarte, diferente da norma jurídica no sentido estrito – significação construída pelo intérprete a partir do texto positivado e organizada numa estrutura hipotético-condicional, formada pela associação de duas ou mais proposições prescritivas, esta, sim, suficiente para regular juridicamente a conduta humana.53 Adotando essa concepção, cabe ter presente, portanto, a distinção entre norma jurídica no sentido estrito (estrutura hipotético-condicional de significação formada a partir da reunião de várias proposições, voltada para a regulação da conduta humana) e proposição prescritiva (mera significação isolada com conteúdo de dever ser incompleto).54 Por precisão semântica, ao fazer referência àquelas unidades de 52 53 54 Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 20. Paulo de Barros Carvalho faz excelente integração de enunciado (suporte de significação), proposição (significação do enunciado) e norma jurídica em sentido estrito (unidade mínima e irredutível de manifestação do dever ser), como se observa dos seus seguintes dizeres: “Vê-se que os enunciados prescritivos ingressam na estrutura sintática das normas, na condição de proposição-hipótese (antecedente) e de proposição-tese (conseqüente). E tudo isso se dá porque firmamos a norma jurídica como unidade mínima e irredutível de significação do deôntico. Quero transmitir, dessa maneira, que reconheço força prescritiva às frases isoladas dos textos positivados. Nada obstante, esse teor prescritivo não basta, ficando na dependência de integrações em unidades normativas, como mínimos deônticos completos. Somente a norma jurídica, tomada em sua integridade constitutiva, terá o condão de expressar o sentido cabal dos mandamentos da autoridade que legisla”. destaques no original. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 21. Maria Rita Ferragut, a propósito, após analisar os pressupostos necessários para a configuração de uma norma jurídica, e dizer que apenas as proposições prescritivas podem apresentar-se sem a previsão sancionatória, propõe a seguinte distinção: “encontrando-se a significação do enunciado deonticamente incompleta, estaremos diante de uma proposição; encontrando-se completa, de uma norma jurídica stricto sensu”. Presunções no direito tributário, p. 21. Sobre essa distinção confira, ainda, Paulo Ayres Barreto, Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 32; Daniela Bragueta, Tributação no comércio eletrônico, p. 45; e Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 41. – 36 – significação, utilizaremos os simples termos “norma jurídica”, ao passo que para designar estas significações isoladas com sentido deôntico incompleto adotaremos as expressões “proposição normativa” ou “significação de enunciado prescritivo”. Ressalte-se, ademais disso, que apenas a norma jurídica concebida em sua integridade constitutiva hipotético-condicional contém o mínimo do dever ser necessário à regulação da conduta humana. Essa é razão pela qual adotamos o chamado princípio da homogeneidade sintática das normas jurídicas.55 Com essa premissa epistemológica, é possível vislumbrar uma estrutura lógico-formal mínima comum a todas as normas componentes do ordenamento jurídico. O princípio da homogeneidade pragmática, bem como o da heterogeneidade semântica, figuram como outras premissas epistemológicas neste modelo de referência. Segundo o princípio da homogeneidade pragmática, é possível afirmar que todas as normas jurídicas têm por função regrar condutas, sejam aquelas de criação, modificação ou expulsão de outras normas, seja a dos cidadãos comuns que não vislumbrem essa atividade. Em contrapartida, segundo o princípio da heterogeneidade semântica, sendo múltiplos os aspectos da vida humana que o direito pretende disciplinar, para que a disciplina jurídica da vida social seja a mais completa possível, o conteúdo semântico das normas jurídicas tem de ser o mais variado e heterogêneo. Entretanto, cabe ter presente que essa necessidade não significa que inexistam limites ao conteúdo semântico das normas jurídicas. Conforme oportunamente exposto por Maria Rita Ferragut, 55 Cf. Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 95 e ss.; Paulo de Barros Carvalho, O direito positivo como sistema homogêneo de enunciados deônticos, p. 35-36; Eurico Marcos Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 40. Gregório Robles Morchon não compartilha do mesmo entendimento, adotando a heterogeneidade sintática das normas jurídicas. Importa esclarecer que para esse autor norma jurídica equivale àquilo que chamamos de significação isolada do enunciado contido no texto com suas diversas formas gramaticais. Teoría del derecho, p. 179 e ss. – 37 – as normas, ao incidirem sobre suportes factualmente possíveis, não devem prever condutas e situações jurídicas impossíveis ou necessárias, sob pena de, desde seu nascimento, estarem condenadas aos predicados de não-vigência e das ineficácias 56 técnica, jurídica e social. 1.4.1 A estrutura lógica da norma jurídica Consoante o modelo de referência aqui adotado, as normas jurídicas do ordenamento jurídico compartilham de uma mesma estrutura lógica, independentemente do conteúdo semântico que possam carregar.57 A estrutura lógica das normas jurídicas, destarte, será a de um juízo hipotético-condicional, que determina a relação de implicação deôntica entre hipótese e conseqüência. A hipótese descreverá os critérios identificadores de um fato de possível ocorrência ou já ocorrido e funcionará como implicante da conseqüência, que prescreverá a disciplina de um comportamento intersubjetivo. Para que se configure o nexo de causalidade jurídica, em que a hipótese implicará deonticamente a conseqüência, haverá dois operadores: o functor-de-functor e o functor implicacional, perfazendo a seguinte fórmula lógica: D (H ĺ C), em que D é o functor-de-functor (dever-ser interproposicional), H é a hipótese, ĺ é o functor implicacional e C é a conseqüência. Cabe à hipótese descrever uma situação objetiva de possível ocorrência, utilizando-se, para tanto, da indicação de propriedades de alguns de seus aspectos, cuja coincidência com os caracteres apresentados em determinados fatos possibilitará seu 56 57 Maria Rita Ferragut, apoiada nas lições de Paulo de Barros Carvalho, explica que “ocorre a eficácia técnica quando inexistem dificuldades de ordem material que impeçam que se configure a incidência jurídica. Já a eficácia jurídica é a propriedade do fato jurídico provocar os efeitos que lhe são próprios. É atributo do fato e não da norma. Eficácia social, por fim, é a produção concreta de efeitos entre os indivíduos da sociedade”. Presunções no direito tributário, p. 22. Esclareça-se que essa estrutura sintática somente se vislumbra por meio de processo de formalização da linguagem dos textos de direito positivo, que despreza seu conteúdo semântico, ou seja, as significações determinadas das palavras, haja vista as peculiaridades de cada idioma, bem como a multiplicidade de formas gramaticais que os enunciados prescritivos podem apresentar, para, em seguida, substituí-las por variáveis e constantes lógicas. Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 7. – 38 – ingresso no mundo jurídico58 ou, ainda, consignar situação que já ocorreu.59 Registrese que a referida indicação possui caráter eminentemente axiológico, porquanto é realizada tendo em conta os valores que presidem a própria elaboração da hipótese normativa. A hipótese é, como arremata Lourival Vilanova, “construção valorativamente tecida, com dados-de-fato, incidente na realidade e não coincidente com a realidade”.60 A conseqüência, por sua vez, prescreve condutas intersubjetivas. Apresentase com uma proposição relacional que enlaça dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória. Diante da lei formal do quarto excluído, resta impossível qualquer outra modalização de conduta prescrita. Na estrutura D estrutura D [H ĺ R (S’, S”)], desdobramento da estrutura lógica da norma jurídica expressa pela fórmula D (H ĺ C), R é o relacional deôntico e S’ e S” são os sujeitos de direitos, relacionados segundo aquelas modalidades deônticas (dever-ser intraproposicional). A norma jurídica de competência tributária, bem como a regra matriz de incidência tributária, apresentam essa mesma estrutura lógica de juízo hipotéticocondicional, cujos componentes serão examinados mais adiante. 1.4.2 Norma geral e abstrata, norma individual e concreta A doutrina costuma classificar as normas jurídicas entre gerais e abstratas e entre individuais e concretas. A abstração e a concretude atribuídas às normas jurídicas designam o modo como foi descrita a situação fática que figura na hipótese normativa. A norma será 58 59 60 Segundo Lourival Vilanova, “o fato se torna jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a hipótese”. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 89. Tárek Mouses Moussallem, Fontes do direito tributário, p. 86. Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 90. – 39 – abstrata quando se apresentar na forma de tipo ou categoria genérica61 e será concreta quando especificar um fato determinado no tempo e no espaço.62 A generalidade e a individualidade da norma jurídica, por sua vez, referemse ao conjunto de seus destinatários presente no conseqüente normativo. Geral será a norma que se dirige a conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, aquela voltada a certo indivíduo ou grupo identificado de pessoas.63 Registre-se que no sistema do direito positivo, entidade da qual nos ocuparemos mais adiante, todas as combinatórias são possíveis. Há normas gerais e abstratas (v.g., regras matrizes de incidência tributária), gerais e concretas (v.g., veículos introdutores de normas), individuais e abstratas (v.g., contratos particulares com obrigações futuras), e individuais e concretas (v.g., as normas introduzidas pelo lançamento tributário). Muito embora sejam diferentes semanticamente, apresentam aquela mesma estrutura sintática de juízos hipotéticos condicionais. Esclareça-se, outrossim, que é por meio das normas individuais e concretas que o direito alcança seu escopo de alteração do comportamento do homem. É dizer, no momento em que as normas abstratas e gerais incidirem, ou seja, ganharem concreção por meio da edição das regras que, ao registrarem em seu antecedente a ocorrência da situação, desencadearão, por imputação deôntica, uma relação jurídica em sentido estrito. 1.4.3 Norma de estrutura e norma de conduta Salienta Hans Kelsen que a análise do direito expõe uma peculiaridade, já que este “regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica 61 62 63 Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, p. 127. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 35-36. Idem, ibidem, p. 35; Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, p. 127. – 40 – determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma”.64 Compartilhando desse mesmo entendimento, Gregório Robles Morchon assevera que “todo sistema jurídico é gerado a partir de si mesmo, no sentido de que as próprias normas que o conformam prevêem mecanismos para gerar normas e para transformar as já existentes”.65 Em razão dessa singularidade, as normas jurídicas são também classificadas pela doutrina em normas de conduta e em normas de estrutura ou de competência, a partir dos ensinamentos de Norberto Bobbio.66 Aquelas normas jurídicas voltadas direta e imediatamente à regulação dos comportamentos das pessoas, nas relações de intersubjetividade, são denominadas normas de conduta. As normas jurídicas dirigidas apenas indiretamente e mediatamente às condutas humanas, voltando-se mais à produção de estruturas dêontico-jurídicas, são chamadas de normas de estrutura. Na lição de Paulo de Barros Carvalho, as normas de comportamento esgotam a qualificação jurídica da conduta, orientando-a em termos decisivos e finais. As outras, com seu timbre de mediatividade, instituem condições, determinam limites ou estabelecem outra conduta que servirá de meio para a construção de regras do primeiro tipo. Denominemos normas de conduta às 67 primeiras e normas de estrutura às últimas. Essa distinção clássica, no entanto, é relativa. Conforme destaca Paulo de Barros Carvalho, a adoção desse esquema atende a certo padrão de operacionalidade com a experiência do sistema de normas, mas, como toda classificação, vai perdendo seu rigor, à proporção em que a investigação se aprofunda. O próprio Norberto Bobbio, que a utiliza fartamente, ao formalizar as chamadas “normas de estrutura” não pôde 64 65 66 67 Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 181. Gregório Robles Morchon, Teoría del derecho, p. 216. Tradução livre. Teoria do ordenamento jurídico, p. 45. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 39. – 41 – evitar o reconhecimento ostensivo da tônica “conduta”, como destino finalístico de 68 toda regulação normativa. Deveras, conforme será demonstrado a seguir, todas as unidades integrantes do sistema de direito positivo disciplinam comportamentos humanos, inclusive aqueles de determinadas pessoas credenciadas a produzir textos normativos. Com efeito, essa premissa da homogeneidade pragmática das normas jurídicas implica reconhecer que a dicotomia (disciplinar ou não o comportamento humano) resta enfraquecida. Registre-se que o reconhecimento da relatividade da classificação aqui defendida não implica negar a existência da dicotomia entre normas de estrutura e de comportamento. Essa distinção, conforme adverte Tácio Lacerda Gama, foi proposta noutro contexto, proporcionando, a sua época, espaços para diversos avanços teóricos. O que se pretende aqui é utilizar várias das noções desenvolvidas a respeito das chamadas normas de conduta para o estudo das normas de estrutura. Assim, espera-se organizar as proposições que prescrevem o sujeito, o procedimento e os limites materiais para a criação de um tributo, num juízo condicional, formando uma estrutura normativa dotada de sentido deôntico 69 completo. 1.4.3.1 Normas que regulam condutas normativas e normas que regulam condutas não-normativas Todas as normas jurídicas se destinam, ainda que indiretamente, à regulação das condutas. É dizer, as normas jurídicas sempre são normas de conduta, ainda que a conduta regulada tenha por conteúdo a regulação do comportamento de criar normas. Consoante explica Norberto Bobbio, “as normas de estrutura podem também ser consideradas como as normas para a produção jurídica: quer dizer, como 68 69 Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 39-40. Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 47-48. – 42 – as normas que regulam os procedimentos de regulamentação jurídica”.70 Nesse sentido, pode-se dizer que as normas de estrutura são normas que regulam condutas normativas. Lourival Vilanova compartilha desse mesmo entendimento. De acordo com suas palavras, “sempre a norma de direito é norma de conduta, ainda que a conduta regulada tenha por específico conteúdo o regramento dos modos de criar regras”.71 A respeito das chamadas normas de estrutura Vanessa Nobell Garcia explica que “são normas de comportamento por regularem [...] a conduta de produção de outros enunciados jurídicos – atividade humana competente”.72 Atento a este raciocínio, Daniel Monteiro Peixoto também nota que as denominadas normas de estrutura, assim entendidas aquelas que prescrevem a autoridade competente e o procedimento segundo o qual as normas devem ser produzidas (e.g., determinações da Constituição Federal relativas ao processo legislativo), bem como as que regem os limites materiais desta atividade (e.g., limitações constitucionais negativas referentes à preservação dos direitos e garantias fundamentais), regulam tanto o comportamento necessariamente adotado pelo sujeito credenciado para que novas normas sejam produzidas quanto o comportamento geral de obediência à norma 73 produzida segundo aqueles parâmetros. E, indo mais além, este autor assevera que as normas abstratas e gerais, tradicionalmente denominadas normas de comportamento, da mesma forma que as normas de estrutura, regulam, sob certo aspecto, a produção normativa. Para tanto, Daniel Monteiro Peixoto74 utiliza-se da regra-matriz de incidência tributária, exemplo de norma comumente aceita como norma de comportamento, para demonstrar que a atividade da autoridade administrativa, por ocasião da produção da norma individual e concreta do lançamento, está pautada pelas regras que delimitam o procedimento, bem 70 71 72 73 74 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 45-46. Lourival Vilanova, Teoria jurídica da revolução (Anotações à margem de Kelsen), p. 270-271. Vanessa Nobell Garcia, A norma de imunidade tributária e seus efeitos jurídicos, p. 62. Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 77. Idem, ibidem, p. 78. – 43 – como por aquela que demarca o conteúdo da própria regra-matriz (norma concreta e individual). Desse modo, na esteira desse mestre, todas as normas de antecedente abstrato não são normas de comportamento, e sim normas de estrutura, visto que, ante a necessidade de serem aplicadas para que possam ser cumpridas, orientam a produção de outras unidades normativas de inferior hierarquia, quais sejam as normas concretas e individuais. Por isso, estamos com o referido autor quando conclui que “as normas de comportamento são, tão-somente, as normas de antecedente concreto”.75 Como ensina Eurico Marcos Diniz De Santi,76 necessário se faz ajustar aquele critério de discrímen à conduta de produção de outras normas ou não, de modo a evidenciar a existência de normas de conduta em sentido estrito e normas de competência ou de produção normativa, conquanto seja sublinhado que tanto umas como outras disciplinam comportamentos intersubjetivos.77 Nesse sentido, reformulando o critério de discrímen entre “normas de estrutura” e “normas de comportamento”, capitaneado por Noberto Bobbio, haverá no ordenamento jurídico normas que regulam condutas normativas e normas que regulam condutas não-normativas. As normas que regulam a condutas normativas são aquelas que direcionam o exercício da competência, podendo ser denominadas normas de competência ou normas de produção normativa. Essas normas orientam o órgão credenciado, o 75 76 77 Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 78-79. Lançamento tributário, p. 61-62. “Competência” é vocábulo que comporta várias acepções. No senso comum, é sinônimo de aptidão, habilidade, capacidade. No direito, “competência” refere-se, também, a várias outras significações. Designa a permissão para criar normas jurídicas (competência legislativa, competência administrativa e competência jurisdicional), bem como a norma jurídica que a concede. Também pode significar o exercício da permissão para criar normas. Cf. Tárek Moysés Moussallem, As fontes do direito tributário, p. 97. – 44 – procedimento, bem como os limites materiais para a produção de novas estruturas deôntico-jurídicas. É dizer, disciplinam o comportamento de produção normativa. Por seu turno, as normas que regulam condutas não-normativas direcionam em termos decisivos e finais os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como obrigatórios, proibidos ou permitidos. Atestam “denotativamente a ocorrência do fato jurídico e prescrevem, através de implicação deôntica, os comportamentos a serem seguidos, sem necessidade de interposição e outro ato de produção normativa”.78 Para empreender o presente trabalho partiremos da construção da norma que regula a conduta de produzir normas. Nossa intenção é, num primeiro momento, analisar a norma de competência legislativa tributária do ISS, veiculada por intermédio do Texto Constitucional, cujo conseqüente normativo prescreve permissão para criação dos enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária correspondente, em consonância com um certo conjunto de limitações prescritas pelo próprio direito positivo. A partir dessa norma jurídica construiremos, com fundamento nesse conjunto de limitações que informam a conduta de criação normativa, a norma padrão de incidência do ISS, barreira instransponível dirigida aos legisladores municipais e distritais para o exercício da permissão legislativa que lhes foi atribuída. 1.5 Sistema do direito positivo Após admitir que o fenômeno jurídico é complexo e multifacetário, bem como eleger seu aspecto normativo como via de investigação das disciplinas das condutas interpessoais, necessário se faz explicitar a idéia de sistema de direito 78 Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário. p. 80. Importa lembrar, com este autor, que “as normas concretas veiculadas pelo lançamento tributário são normas que orientam condutas não-normativas (plano LP0); as normas que informam o órgão credenciado, o procedimento e os limites materiais para a produção do lançamento são normas que orientam condutas normativas, ou normas de competência administrativa (plano Lp1), havendo ainda aquelas que direcionam o órgão credenciado, o procedimento e os limites materiais para a produção das regras do plano Lp1: são as normas de competência legislativa, situadas no plano Lp2”. Ibidem, p. 80-81. – 45 – positivo ou ordenamento jurídico (nosso objeto de estudo), sobrelevando sua unidade e estrutura escalonada. O vocábulo sistema é plurissignificativo, ou seja, apresenta-se como um daqueles termos de vários significados. Bem por isso, necessário esclarecer, desde logo, a concepção de sistema neste trabalho. Elucidando o termo “sistema”, Lourival Vilanova salienta que “falamos de sistema onde se encontrem elementos e relações e uma forma dentro de cujo âmbito, elementos e relações se verifiquem”.79 Nesse sentido posiciona-se Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema”.80 Tercio Sampaio Ferraz Júnior, por sua vez, entendendo tratar-se o sistema de um conjunto que se compõe de uma estrutura e de um repertório, chama de “repertório” o conjunto de elementos que integram um determinado sistema, reservando o termo “estrutura” para designar o conjunto de relações que se estabelecem entre os elementos componentes do sistema. Este autor bem elucida essa noção de sistema com o seguinte exemplo: uma sala de aula é um conjunto de elementos, as carteiras, a mesa do professor, o quadro-negro, o giz, o apagador, a porta etc., mas estes elementos, todos juntos, não formam uma sala de aula, pois pode tratar-se do depósito da escola; é a disposição deles, uns em relação aos outros, que nos permite identificar a sala de aula; essa disposição depende de regras de relacionamento; o conjunto dessas regras e das relações por elas estabelecidas é a estrutura. O conjunto dos elementos é apenas o repertório. Assim, quando dizemos que a sala de aula é um conjunto de relações (estrutura) e de elementos (repertório), nela pensamos como um sistema. O sistema 81 é um complexo que se compõe de uma estrutura e um repertório. A noção de “sistema”, portanto, nos remete a duas propriedades fundamentais: repertório (elementos) e estrutura. 79 80 81 Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 173. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 43. Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito. Grifos do autor. – 46 – Cristiano Carvalho, partindo da premissa de que haverá sistema onde houver elementos cuja inter-relação seja estabelecida por uma estrutura, esclarece que “a estrutura estabelece a relação entre os elementos e os elementos definem a estrutura a ser seguida. Não se trata de paradoxo, mas sim do modo de ser próprio dos sistemas”.82 E completa dizendo que, no caso do sistema jurídico, a ordem determinará o modo como o sistema funciona, como os seus elementos são criados, ao passo que são esses mesmos elementos que ditam a ordem – normas que ditam a estrutura do sistema, ou como este se auto-regulará. Destarte, sistema é todo conjunto de elementos que se relacionam entre si segundo sua própria 83 estrutura. Compartilhando dessa concepção, tomamos por “estrutura” o conjunto de regras que determinam as diferentes relações de coordenação e subordinação firmadas entres os elementos, e, por “repertório”, o conjunto dos elementos que compõem o sistema. Dessa forma, por sistema queremos indicar o conjunto de elementos ordenados sob uma perspectiva unitária segundo uma determinada estrutura.84 Destarte, partindo dessas premissas, um conjunto de normas jurídicas agrupadas sem qualquer critério, sem algo que as relacione, nada mais é que um mero conjunto de normas. Dependendo da região material das condutas tratadas por essas normas jurídicas, esse grupamento de entidades normativas poderá representar um conjunto de normas penais, administrativas, tributárias, etc. Se, porém, não estiverem relacionadas, ou seja, não possuírem uma certa estrutura, não formarão um sistema de normas. Por outro lado, se existir uma articulação entre elas, por exemplo, se uma for fundamento das demais, existindo hierarquia,85 revela-se aí uma estrutura entre esses elementos. Tem-se, então, um sistema de normas jurídicas. 82 83 84 85 Cristiano Carvalho, Teoria do sistema jurídico, p. 42-43. Idem, ibidem, p. 43. Importante trazer o registro elucidativo de Fabiana Del Padre Tomé, no qual, após adotar a concepção de sistema como um conjunto de elementos relacionados entre si, diz ser “possível visualizar a sociedade como um macrossistema dentro do qual se inserem diversos subsistemas, dentre eles, o do direito positivo”. A prova no direito tributário, p. 38. Consoante ensina Tercio Sampaio Ferraz Junior, hierarquia é “um conjunto de relações, estabelecidas conforme regras de subordinação e de coordenação. Estas regras não são normas jurídicas nem são elementos não-normativos, isto é, não fazem parte do repertório, mas da estrutura do ordenamento”. Introdução ao estudo do direito, p. 177. E arremata dizendo que “Hierarquia é uma relação entre quaisquer – 47 – Fazemos menção à expressão “sistema de direito positivo” para se referir ao conjunto de normas jurídicas existentes em um país, num dado intervalo de tempo, também denominado “sistema jurídico”. Um sistema de direito positivo é um conjunto de normas organizado segundo uma estrutura que lhe confere unidade. De se ter presente que são as normas jurídicas os elementos do sistema do direito positivo. Ressalte-se, no entanto, que eventual decomposição desses elementos para fins de estudo, não implica perda da identidade e integridade conceitual da norma jurídica. Com efeito, fatos jurídicos, relações jurídicas, hipóteses e conseqüências compõem o sistema do direito positivo como elementos integrantes das normas jurídicas. Do mesmo modo, “regras”, “comandos”, “princípios”, “imunidades” existem no direito positivo, sempre, integrados à estrutura condicional própria de uma norma jurídica. A estrutura do sistema do direito positivo corresponde à sua organização hierárquica vertical (subordinação das normas) e horizontal (coordenação entre normas). Os elementos contidos nesse sistema aparecem em vínculos de coordenação e subordinação, tanto sob o aspecto formal como material.86 A unidade do sistema de direito positivo, em última análise, repousa na relação hierárquica que os elementos têm com a norma fundamental, para a qual todos os elementos do sistema convergem, dela retirando fundamento de validade.87 86 87 elementos de subordinação vertical, conforme as noções de superior e inferior, e uma relação de coordenação horizontal, conforme o critério de não contradição e compatibilidade, culminando num princípio único, que nos dá uma representação unitária”. A ciência do direito, p. 65. Paulo de Barros Carvalho, a esse respeito, afirma que, “como sistema nomoempírico prescritivo, o direito apresenta uma particularidade digna de registro: as entidades que o compõem estão dispostas numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e suas transformações. Examinando o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa se encontra fundada, material e formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o ângulo de observação, verifica-se que das regras superiores derivam, também material e formalmente, regras de menor hierarquia”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 51. Segundo esclarece Norberto Bobbio, “cada ordenamento tem uma norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado ‘ordenamento’”. Teoria do ordenamento jurídico, p. 49. – 48 – 1.5.1 Unidade e estrutura escalonada Na lição de Paulo de Barros Carvalho, “as normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador”,88 qual seja o da norma hipotética fundamental, regra básica para a qual convergem todas as normas jurídicas componentes do sistema e de acordo com a qual as várias normas da ordem devem ser criadas. A norma hipotética fundamental, segundo explica Hans Kelsen, confere unidade ao sistema do direito positivo, visto que, sendo “o ponto de partida de um processo criador de normas”,89 “constitui o vínculo entre todas as diferentes normas em que consiste uma ordem”.90 De acordo com este autor, “é a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”.91 88 89 90 91 Importante registrar que cabe distinguir (i) o sistema do direito positivo, formado por normas jurídicas (ii) do sistema dos enunciados prescritivos do direito positivo, denominado por Paulo de Barros Carvalho “sistema morfológico e gramatical do direito posto”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 65. Consoante as lições desse jurista, o sistema do direito positivo é o de que tratamos até agora, formado por normas jurídicas. Já o sistema dos enunciados prescritivos do direito positivo é composto pelos enunciados que servem de suporte físico às normas jurídicas, e representa o plano de expressão do direito posto. Tratase de um sistema estruturado em documentos normativos consubstanciados na Constituição, nas emendas constitucionais, na lei complementar, na lei ordinária, na medida provisória, na lei delegada, etc. Ressalte-se, outrossim, que a ciência do direito também se apresenta como sistema. Conforme adverte Paulo de Barros Carvalho, “o direito positivo é um sistema, como dissemos, nomoempírico prescritivo, em que a racionalidade do homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem técnica. A ciência que o descreve, todavia, mostra-se um sistema também nomoempírico, mas da subclasse dos teoréticos ou declarativos, vertido em linguagem que se propõe ser eminentemente científica”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 51. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 136. Como anota este jurista, “todas as normas do sistema convergem para um único ponto – a norma fundamental –, que dá fundamento de validade à Constituição positiva. Seu reconhecimento imprime, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidade da mesma índole, lhe confere o timbre de homogeneidade. Isso autoriza dizermos que o sistema nomoempírico do direito é unitário e homogêneo, afirmação que vale para referência ao direito nacional de um país ou para aludirmos ao direito internacional, formado pela conjunção do pluralismo dos sistemas nacionais”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 51. Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 163. Para Hans Kelsen, “pode-se testar se uma norma pertence a certo sistema de normas, a certa ordem normativa, apenas verificando se ela deriva sua validade da norma fundamental que constitui a ordem”. Ibidem, p. 163. Idem, Teoria pura do direito, p. 217. – 49 – De se ver, portanto, que o sistema jurídico regula a sua própria criação, razão pela qual possui caráter auto-referencial ou autopoiético,92 o que lhe confere, em termos semióticos, fechamento sintático93 e abertura semântica e pragmática.94 É a partir da idéia de sistema de direito positivo e da norma hipotética nele pressuposta que se vislumbrará a hierarquia que domina as relações das normas jurídicas entre si. Consoante adverte Souto Maior Borges, o sistema jurídico não é formado por “normas de igual hierarquia, mas uma ordem escalonada de diferentes normas jurídicas”.95 Deveras, uma norma jurídica é hierarquicamente superior à outra quando lhe prescrever o modo de criação, ou seja, o órgão que está autorizado a editá-la, ou os limites formais ou materiais necessários à sua produção. Desse modo, a norma determinante da criação de outra lhe é superior, bem como seu fundamento de validade, e, conseqüentemente, a criada de acordo com a primeira lhe é, ao contrário, inferior. Hans Kelsen explica que a relação entre a norma que regula a criação de outra norma e essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infra-ordenação, que é uma figura espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior.96 92 93 94 95 96 Conforme Paulo de Barros Carvalho, “um sistema autopoiético se qualifica por um perpetuum móbile autoreprodutivo, de modo que seus elementos, seus processos e suas estruturas são construídos a partir do próprio sistema, e não pela interferência direta de outros sistemas”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 110. O sistema de direito positivo é alheio a qualquer influxo modificativo de outro sistema, uma vez que sua dinâmica operacional se realiza pela combinatória dos modais permitido, proibido e obrigatório. Assim, Paulo de Barros Carvalho leciona que “o que pode acontecer é o sistema S’ tomar conhecimento de informações do sistema S” e processar esses dados segundo seu código de diferença, vale dizer, submetendo-o ao seu peculiar critério operacional”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 112. As hipóteses normativas estão sempre prontas para receber novos fatos que o legislador entenda relevantes, bem como os enunciados prescritivos são sempre passíveis de alteração no quadro de suas significações, com o passar do tempo e o variar do espaço, de modo a revelar sua maleabilidade pragmática. Souto Maior Borges, Lei complementar tributária, p. 15. Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 181. Confira-se também José Souto Maior Borges, Lei complementar tributária, p. 15. – 50 – Esse escalonamento hierárquico, interior ao ordenamento jurídico, irá ao encontro da norma fundamental, concebida artificialmente para fazer da atividade constituinte um fato juridicamente hábil para instaurar a ordem de direito positivo97 e para conferir-lhe unidade e estrutura escalonada.98 Da superioridade hierárquica de uma norma jurídica (v.g., a que regula a conduta de produzir outras normas) decorre a inexorável obrigatoriedade de sua observância no ato de produção normativa. A não-observância ao escalonamento hierárquico possibilita seja o produto daquela enunciação declarado inválido,99 por ilegalidade ou inconstitucionalidade. 1.6 Validade Ensina Marcelo Neves100 que as normas jurídicas irregularmente produzidas por autoridade qualificada como competente ingressam no sistema jurídico e nele permanecem até que sejam expulsas do ordenamento, por meio do mecanismo especial de desconstituição normativa. Nesse contexto vislumbram-se duas instâncias distintas, quais sejam o ingresso da norma jurídica no ordenamento jurídico, a sua conformidade ou não perante todas as normas que disciplinam sua produção. Importa esclarecer que doutrinadores de escol como Hans Kelsen,101 Lourival Vilanova,102 Paulo de Barros Carvalho,103 Heleno Taveira Tôrres,104 Eurico Marcos Diniz De Santi105 e Tárek Moysés Moussallem106 entendem por “validade” a relação de pertinencialidade que mantém uma norma jurídica com o sistema de direito positivo em que ingressou. 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 49-50. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 49. “Invalidade” é aqui empregada no sentido de desconformidade com as normas superiores. Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 29. Teoria geral do direito e do estado, p. 43. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 25. Curso de direito tributário, p. 81-84, e Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 54-57. Prorrogação da CPMF pela emenda constitucional n. 21/99: efeitos da ausência de procedimento na validade das normas jurídicas, p. 47. Lançamento tributário, p. 65. Fontes do direito tributário, p. 177. – 51 – Conforme esses juristas, todas as normas jurídicas pertencem ao sistema e, ao mesmo tempo, presumem-se válidas, ou seja, em consonância com as regras superiores que lhes disciplinam a produção. Validade, portanto, é empregada para designar a relação de pertinencialidade com o sistema normativo, e, bem assim, sua conformidade com as regras de produção normativa.107 Não obstante a inquestionável percuciência desses insignes mestres, pensamos de forma diversa. Entendemos que “pertinencialidade” e “norma em conformidade com a regra de competência ou de produção normativa” são realidades distintas. Destarte, fazemos distinção entre o fenômeno do ingresso de uma norma jurídica no sistema normativo e o da sua consonância às normas que disciplinam sua produção. Desde já consignamos que, desde o momento da entrada de determinada norma jurídica no sistema normativo, presume-se que foi editada com observância às regras hierarquicamente superiores que disciplinam sua edição. Portanto, a efetiva confirmação ou infirmação da validade da norma só ocorrerá em posterior análise, caso venha a ser questionada em processo judicial. Deveras, essa circunstância é indispensável ao funcionamento do sistema do direito positivo, pois, do contrário, o mesmo “fatalmente cairia no caos se os indivíduos pudessem rebelar-se contra as leis cada vez que em sua opinião se opusessem a normas constitucionais”.108 Agirá por conta e risco aquele que, antes de declarada a invalidade de determinada norma jurídica, pretender desobedecê-la, a pretexto de entendê-la incompatível com as regras de competência.109 107 108 109 Conforme visto no item 1.4.4.1, as regras de produção normativa são aquelas que prescrevem o modo de criação de outras regras, seja indicando o órgão que está autorizado a editá-las, sejam os limites formais ou materiais a delimitarem-lhes o ato de enunciação (produção da norma), e que, por isso, são hierarquicamente superiores. Essas espécies de normas serão estudas com mais detalhe no próximo capítulo. Alejandro Ghigliani, Del “control” jurisdicional de constitucionalidad, p. 90, apud Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 146. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A teoria das constituições rígidas, p. 140. – 52 – Dessa forma, designaremos “pertinência” a relação que se estabelece entre a unidade normativa e o respectivo sistema de normas em que ingressou por decisão de agente qualificado competente. Por “validade” chamaremos a expressão que denota a perfeita consonância de uma norma jurídica para com as regras de produção normativa (introdutora de limites formais e materiais).110 Nesse cenário, a presunção de validade que corre a favor da norma jurídica poderá ser desconfirmada por ato de agente competente, isto é, credenciado pelo próprio sistema de direito positivo. Reservado fica ao estudioso do direito tão-somente a constatação ou não da presunção de validade da norma jurídica posta. Na lição de Marcelo Neves, o ordenamento jurídico tolera a incorporação irregular de normas jurídicas, que permanecerão no sistema enquanto não houver produção de ato jurídico ou norma jurídica destinada a expulsá-las, isto é, até que se manifeste o órgão competente desconstituindo-as. Portanto [...] os sistemas jurídicos, construídos e desenvolvidos através dos processos políticos e técnicos de produção-aplicação normativa, caracterizam-se 111 por nítida distinção entre pertinência e validade das normas. A distinção entre “pertinência” e “validade” aqui empreendida, desembocará nas mesmas conseqüências verificadas por aqueles autores, dado que, de qualquer forma, as normas que adentram no ordenamento jurídico ostentarão presunção de validade, até que sejam revogadas112 ou que o Estado-juiz, qualificado como competente, edite outras normas que declarem sua invalidade e as tornem 110 111 112 Como preleciona Paolo Biscaretti Di Ruffia, “A validez de um ato normativo se obtém [...] quando existem seus elementos constitutivos, e, ademais, são regulares (ou seja, o ato deve adequar-se integralmente ao respectivo esquema abstrato previsto pelas normas de produção normativa)”. Derecho constitucional, p. 176, apud Marcelo Neves. Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 45. Nos termos em que apregoa este último, “há pertinência com validade quando são regularmente preenchidas todas as condições formais e substanciais estabelecidas nas ‘regras de admissão’ do sistema, e enquanto não há revogação”. Ibidem, p. 45. Para Riccardo Guastine, “se dice materialmente valida quando non sai incompatible com lê norme – ad essa materialmente sovraordinate – che ne limitano o predeterminano il possible contenuto”. Teoria e dogmática delle fonti, p. 130, apud Tárek Moysés Moussallem, Fontes do direito tributário, p. 181. Confira-se ainda José Souto Maior Borges, Lei complementar tributária, p. 38-39. Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 41. Revogação significa a expulsão de normas jurídicas por quem as produziu. Na revogação ocorre a supressão dos textos normativos ou dos enunciados prescritivos, ensejando, por processo interpretativo, a expulsão da norma do sistema. – 53 – inaplicáveis ou expulsas, conforme atue em controle difuso ou concentrado, respectivamente.113 Como ensina Paulo de Barros Carvalho, “uma norma só tem sua validade retirada através de outra norma que o determine”.114 Destarte, o jurista enquanto cientista do direito, não tem permissão para decretar a invalidade de um documento normativo posto por autoridade qualificada como competente. Por essa razão, cabe ao jurista reconhecer ou não a presunção de validade da norma jurídica, quando tenha sido produzida por órgão competente para produzi-la. Segundo a oportuna lição de Eurico Marcos Diniz De Santi, a funcionalidade do direito não pode esperar que o Judiciário se manifeste sobre todas as leis produzidas, nem o primado da tripartição de Poderes admite tal interferência. A lei é (presume-se) válida até que se prove o contrário. Por isso, há no direito garantias para corrigir eventuais desvios, como o mandado de segurança, a declaração incidental em ação ordinária, a ação direta de inconstitucionalidade e 115 ação direta de inconstitucionalidade etc. Sendo assim, é imperioso reconhecer que o sistema do direito positivo apresenta-se como o conjunto de normas postas por autoridades nele mesmo indicadas, de modo que ostentarão presunção de conformidade a todas as normas que disciplinam sua criação, permanecendo assim até que sejam expulsas do sistema. 113 114 115 Hans Kelsen assinala que as normas “permanecem válidas na medida em que não tenham sido invalidadas da maneira que a própria ordem jurídica determina. Este é o princípio da legitimidade”. Teoria geral do direito e do estado, p. 171. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 82. Eurico Marcos Diniz De Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 77. – 54 – 2 NORMA JURÍDICO-TRIBUTÁRIA 2.1 Tributo como norma jurídica Há, no direito positivo brasileiro, um plexo de normas jurídicas que dispõem sobre instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Tais normas são designadas normas jurídico-tributárias. Na ciência do direito, figura o conjunto de proposições descritivas da camada de linguagem-objeto, qual seja desse plexo de normas. Para o estudo dessas normas jurídicas faz-se necessário proceder à fixação do conceito de tributo, visto que este é um conceito básico e nuclear do direito tributário.116 Hodiernamente, o vocábulo “tributo” vem sendo mencionado para designar fenômeno consistente no comportamento de pagar quantia em dinheiro. Essa é a postura dos enunciados prescritivos que conformam o subsistema constitucional tributário, como adverte Geraldo Ataliba.117 Esse insigne mestre, a partir da noção geral de tributo oferecida pela Constituição Federal de 1988, define tributo como obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos).118 Luís César Souza de Queiroz, por sua vez, afirma ser tributo 116 117 118 Cf. Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 35-36. Idem, ibidem, p. 41. Idem, p. 34. – 55 – a conduta obrigatória de entregar (Op) certa quantia em dinheiro a alguém, sem 119 apresentar caráter sancionatório ou punitivo”, alertando, ao final, “que o tributo não pode ser confundido com o objeto da conduta obrigatória de entregar ou objeto 120 do tributo, que é o dinheiro. Por seu turno, Paulo de Barros Carvalho121 identifica seis acepções distintas para o uso da palavra tributo, na legislação, na doutrina e na jurisprudência brasileira: (i) quantia em dinheiro, ou seja, o objeto da prestação ou conteúdo do dever jurídico atribuído ao sujeito passivo da obrigação tributária; (ii) prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo, isto é, o comportamento do sujeito passivo, ao satisfazer o dever jurídico que lhe fora designado; (iii) direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo, como o direito subjetivo de que é titular o credor tributário para exigir o objeto da prestação, ou seja, a quantia em dinheiro; (iv) relação jurídico-tributária, isto é, a obrigação tributária que se estabelece em razão da ocorrência do fato descrito no antecedente da norma, ou seja, o vínculo obrigacional como um todo; (v) norma, fato e relação jurídica, exprimindo toda a fenomenologia da incidência; e, finalmente, (vi) norma jurídico-tributária, o que significa dizer preceito normativo que condiciona ao acontecimento de um fato lícito o nascimento de uma relação jurídica patrimonial, em que o devedor é titular da obrigação de pagar certa quantia em dinheiro ao ente público ou a ele equiparado por lei. Tendo em vista a importância do termo tributo e as várias acepções que esse vocábulo comporta, faz-se imprescindível deixar consignado o sentido em que será mencionado, de modo a não se incorrer em ambigüidades durante o discurso científico. Assim, tendo em vista que nosso propósito é descrever o direito positivo tributário, a partir dos enunciados constitucionais relativos à instituição de tributos, registramos que a expressão “tributo” aqui utilizada será na acepção de norma tributária em sentido estrito,122 já que, conforme anota Fabiana Del Padre Tomé, “esta é a significação 119 120 121 122 Luís César Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 57. Idem, ibidem, p. 58. Curso de direito tributário, p. 19-27. Segundo Fabiana Del Padre Tomé, norma jurídico-tributária em sentido estrito é aquela “cuja hipótese conota um fato lícito de possível ocorrência, prescrevendo, em sua conseqüência, uma relação jurídica que obriga um sujeito de direito a entregar certa quantia em dinheiro a outro sujeito de direito. É a chamada – 56 – utilizada pelo texto constitucional para outorgar competência impositiva tributária às pessoas políticas de direito público interno”.123 Com efeito, na esteira desta autora, tributo é norma jurídica que orienta o comportamento de o particular entregar determinada quantia em dinheiro ao erário, quando se realizar o fato lícito descrito em sua hipótese normativa.124 Toda vez que alguém for obrigado a pagar determinada quantia em dinheiro ao Estado (ou entidade dele delegada por lei) deverá verificar se se trata de (i) obrigação convencional, (ii) multa, (iii) indenização por dano ou (iv) uma exigência tributária, haja vista a diversidade de regimes jurídicos que decorrem de cada instituto. O comportamento de entregar exigência tributária ao erário não advém da vontade das partes, nem é sanção por violação de dispositivo legal, tampouco reparação patrimonial. Assim, consoante será visto mais adiante, para que se trate de tributo, é mister que a conseqüência “pague dinheiro ao Erário” seja condicionada à hipótese “se acontecer um fato X”, que não seja ilícito, bem como não seja fruto de acordo de vontades ou indenização por dano. 2.2 Regra-matriz de incidência tributária A regra-matriz de incidência tributária, como qualquer norma jurídica, apresenta a estrutura lógica própria dos juízos hipotético-condicionais. Como tal, sua construção é efetuada pelo intérprete, a partir do texto da lei, em que, contando-se com esse suporte físico, constrói a significação de cada enunciado prescritivo isoladamente, 123 124 ‘norma padrão de incidência’ ou ‘regra-matriz de incidência’”. Contribuições para a seguridade social, à luz da Constituição Federal, p. 54. Fabiana Del Padre Tomé, ibidem, p. 52. Idem, ibidem. Conforme bem reconhece a autora, este conceito “coaduna-se com aquele firmado pelo Código Tributário Nacional, em seu art. 3.º, apesar de ter adotado acepção mais ampla, considerando ‘tributo’ como fato, norma e relação jurídica: [...] Embora o referido diploma legal não seja o instrumento adequado para veicular conceitos próprios da Ciência do Direito, traz importantes notas para a definição de tributo, quais sejam caráter pecuniário, compulsoriedade, não constituição de sanção de ato ilícito, imprescindibilidade de lei”. Ibidem, p. 52. – 57 – no plano dos significados, para, então, agrupar essas significações, estruturando-as em juízos hipotético-condicionais, de modo a restar configurada a norma jurídica. A regra-matriz de incidência – também denominada norma tributária em sentido estrito,125 dado que estipula a incidência tributária – contém em sua hipótese a descrição de um fato de possível ocorrência, com conteúdo econômico. Essa hipótese conjuga-se, por imputação deôntica, a uma conseqüência, prescritiva de uma relação jurídica de cunho patrimonial (obrigação tributária), que se vai estabelecer quando da sua positivação. As demais normas que versam sobre matéria tributária, como as que veiculam deveres instrumentais, podem ser chamadas de normas tributárias em sentido amplo.126 No descritor ou antecedente normativo da regra-matriz de incidência tributária, identifica-se a descrição de um comportamento humano, condicionado no tempo e no espaço. Já no prescritor ou conseqüente vislumbra-se a descrição dos dados imprescindíveis à instauração da relação jurídico-tributária: a indicação dos possíveis sujeitos dessa relação e da base de cálculo e alíquota, elementos que darão compostura numérica à dívida tributária.127 Com efeito, sendo a regra-matriz128 uma norma jurídica que define a incidência tributária, situa-se entre as normas gerais e abstratas. Não se identifica na 125 126 127 128 Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 87-88. Idem, Curso de direito tributário, p. 241. Ibidem, p. 242-243. Paulo de Barros Carvalho chama atenção para a utilidade que o esforço exegético consistente na composição da regra-matriz de incidência tributária tem revelado. Consoante este mestre, “a esquematização formal da regra-matriz tem se mostrado em utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisando-a de maneira minuciosa. Em seguida, experimentando o binômio base de cálculo/hipótese de incidência, colhido no texto constitucional para marcar a tipologia dos tributos saberemos dizer, com rigor e presteza, da espécie e subespécie da figura tributária que investigamos”. Ibidem, p. 350. Destarte, entendemos, com Paulo Ayres Barreto, que, “vezes sem conta, ao buscar compor a unidade mínima de manifestação do deôntico, impositiva de ônus tributário, identificamos a real compostura jurídica da exação – 58 – sua hipótese a descrição de um evento já ocorrido, especificado em determinado espaço e unidade de tempo, a despeito do que acontece com as normas individuais e concretas. A hipótese da regra-matriz traz uma classe de eventos, na qual se encaixarão infinitos acontecimentos concretos. E a operação lógica de inclusão de um elemento numa classe é chamada de “subsunção”. Satisfazendo aos requisitos de pertinencialidade a certa classe “C”, um objeto determinado (“o”) nela se subsume. Essa nota revela, imediatamente, que a incidência da regra não ocorrerá enquanto norma individual e concreta, dando conta da subsunção do fato à classe de acontecimento descrito no suposto, não for expedida pelo órgão competente. É que as normas gerais e abstratas não ferem diretamente as condutas intersubjetivas, para regulá-las. Exige o processo de positivação, vale dizer, reclamam a presença de norma individual e concreta a fim de que a disciplina prevista para a generalidade dos casos possa chegar ao sucesso 129 efetivamente ocorrido, modalizando deonticamente as condutas. Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, as normas gerais e abstratas reivindicam, para a regulação efetiva dos comportamentos interpessoais, a expedição de normas individuais e concretas. E no campo do direito tributário não poderia ser diferente. Sendo a regra-matriz de u’a norma geral e abstrata, obviamente está por requerer norma individual e concreta 130 para chegar às condutas e discipliná-las positivamente. Sendo assim, se adotada a premissa de que as normas gerais reclamam a expedição de normas individuais e concretas para que possam regular, efetivamente, as condutas intersubjetivas, pensamos ser possível identificar a regra-matriz de incidência tributária como uma norma jurídica que orienta a produção da norma individual e concreta, eis que, com seus critérios, delimita o conteúdo dessa última norma a ser produzida.131 Como bem observa Daniel Monteiro Peixoto, 129 130 131 sob análise, surpreendendo invasões de competência, e outros vícios que maculam a própria exigência”. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 49. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 82-83. Discorremos sobre a norma individual e concreta no item 1.4.3 do capítulo 1 do presente trabalho. Idem, ibidem, p. 83. Sobre a norma de conduta que orienta produção normativa veja o item 1.4.3.1 do capítulo 1. – 59 – no campo tributário, o exemplo trivial e comumente aceito de norma de comportamento é a regra-matriz de incidência tributária. Se tomarmos como referencial a autoridade encarregada do dever de efetuar o lançamento, constata-se que a sua atividade de produção de normas infralegais estará pautada não só pelas regras que delimitam o procedimento, mas também por aquela que delimita o conteúdo de produção da norma concreta e individual a ser posta no sistema – a 132 própria regra-matriz. E continua o autor em sua investigação afirmando que, se refletirmos também que, a partir do momento em que se assume o pressuposto de que as normas abstratas e gerais de conduta devem ser aplicadas, criando uma norma concreta e individual para que possa ser cumprida (só há dever jurídico no conseqüente de norma concretizada), é imperioso reconhecer o seu papel acentuado 133 de norma condicionadora da atividade de produção de outras normas. Dessa forma, na presente dissertação, a regra-matriz de incidência tributária é concebida como uma norma jurídica que orienta e condiciona a atividade de produção da norma individual e concreta, essa, sim, capaz de instaurar a relação jurídico-tributária, modalizando deôntica e definitivamente as condutas humanas. Cumpre-nos, pois, investigar mais detalhadamente os critérios que compõem a estrutura da referida norma jurídica. 2.2.1 Os critérios da regra-matriz de incidência tributária O antecedente da regra-matriz de incidência contém a descrição de um comportamento social lícito que, se realizado, dará espaço ao nascimento da relação jurídico-tributária, assim que for relatado em linguagem competente, seja por meio do lançamento, seja mediante a norma individual e concreta expedida pelo próprio sujeito passivo. O legislador ordinário, ao descrever qual é este comportamento, que, pela imputação deôntica, dará espaço à formação da relação jurídico-tributária, também informa as circunstâncias que julgou importantes para caracterizá-lo. Com efeito, podemos extrair três critérios de identificação do fato: (i) critério material; (ii) critério espacial; e (iii) critério temporal. No seu conseqüente teremos os critérios (iv) pessoal e (v) quantitativo, que se destinam a compor a relação jurídico-tributária. 132 133 Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 78. Idem, ibidem, p. 79. – 60 – No critério material da regra-matriz de incidência vislumbra-se a descrição de um comportamento de pessoas, que se encontra ligado a circunstâncias de espaço e tempo. Registre-se que a descrição deste comportamento haverá de estar conectada a coordenadas de tempo e espaço, de modo que sem essa precisa delimitação não haverá que falar em descrição normativa de um fato.134 No critério espacial temos a delimitação do local onde o comportamento descrito deve ocorrer para dar nascimento à relação jurídico-tributária.135 Por fim, o critério temporal consiste na indicação do instante em que se considera ocorrido o fato descrito, passando a existir a relação jurídica que liga devedor e credor. Com a indicação desse preciso instante identifica-se o nascimento do direito do Estado de exigir uma prestação do sujeito passivo. Saliente-se que, não raras vezes, é apontado pelo legislador como o fato que enseja a incidência tributária o critério temporal. Este desalinho não merece prevalecer porquanto o momento eleito no antecedente da norma tem apenas o objetivo de situá-lo no tempo, identificando o exato instante em que se considera ocorrido o fato descrito. Por seu turno, o conseqüente é aquela parte do juízo hipotético-condicional que prescreve direitos e obrigações das pessoas que estarão envolvidas na relação jurídico-tributária. Ele informa todos os elementos do vínculo obrigacional a ser instaurado, com a identificação dos sujeitos envolvidos e a indicação do montante da prestação. Contém dados que permitem a identificação da relação jurídica, sendo eles os critérios pessoal e quantitativo. 134 135 Valemo-nos, portanto, da preciosa advertência de Paulo de Barros Carvalho segundo a qual “seria absurdo imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realizasse independentemente de um lugar e alheio a determinado trato de tempo. Sobre isso, aliás, já discorremos. Faz bem recordar, entretanto, que ao conjunto de elementos indicativos, constantes dos antecedentes das normas tributárias e que nos oferecem a ocasião de reconhecer as circunstâncias de lugar e de tempo que tolhem o conteúdo do critério material, dentro de parâmetros precisos e específicos, nominamos, respectivamente, de critério espacial e critério temporal da hipótese tributária”. Curso de direito tributário, p. 205-206. Nesse particular, os tributos podem ser divididos em três categorias: (i) hipótese em que o critério espacial faz menção a determinado local para ocorrência do fato (imposto de importação, por exemplo); (ii) hipótese em que o critério espacial menciona áreas específicas, em que o fato típico somente ocorrerá se se verificar dentro daquelas áreas (IPTU, por exemplo); e (iii) hipótese em que o critério espacial coincide com os limites territoriais de vigência da lei (ICMS, por exemplo). Cf. idem, ibidem, p. 262. – 61 – O critério pessoal aponta os sujeitos ativo e passivo da relação jurídicotributária. O critério quantitativo, por sua vez, é formado pela descrição da base de cálculo136 e da alíquota, permitindo, portanto, mensurar a grandeza do fato tributário descrito e calcular a quantia a ser transferida ao sujeito ativo. Sobreleva dizer, ainda, que a descrição da base de cálculo é de extrema importância para revelar o verdadeiro fato submetido à tributação. Conforme pontua José Eduardo Soares de Melo, a base de cálculo constitui aspecto fundamental da estrutura de qualquer tipo tributário por conter a dimensão da obrigação pecuniária, tendo a virtude de quantificar o objeto da imposição fiscal, como seu elemento nuclear, o verdadeiro 137 cerne da hipótese de incidência normativa. De toda sorte, tratando-se a regra-matriz de norma tributária, é imperioso que sua edição tenha obedecido ao regime jurídico que disciplina a sua produção, identificado pela norma de competência legislativa tributária. 2.3 Norma de competência legislativa tributária Dada a homogeneidade pragmática das normas jurídicas, segundo a qual todas as unidades que integram o ordenamento têm por função regrar condutas, seja aquela de criação, modificação ou expulsão de outras normas, seja a que não vislumbre essa atividade normativa, cumpre esclarecer que as normas jurídicas que em seu conjunto formam a Constituição do Brasil disciplinam, em sua maioria, o próprio exercício do poder normativo, ou melhor, delimitam o comportamento de criar, modificar ou expulsar normas do ordenamento jurídico. Entre essas normas que disciplinam o exercício do poder normativo estão as normas de competência legislativa tributária. 136 137 Na lição de Aires Fernandino Barreto, “a base de cálculo é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir os fatos tributários que, conjugados à alíquota, permite obter a dívida tributária”. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 53. José Eduardo Soares de Melo, ICMS. Teoria e prática, p. 173. – 62 – Para delimitar a norma de competência legislativa tributária, faz-se imperioso, antes de tudo, tecer considerações sobre a competência legislativa no texto da Constituição Federal, dado ser esse o “patamar a partir do qual os processos interpretativos hão de desenvolver-se, para chegar ao sentido que o exegeta tem por bem atribuir ao material lingüístico bruto do direito positivo”.138 2.3.1 Competência legislativa na Constituição de 1988 A Constituição Federal de 1988 – plano de expressão em que se situam os enunciados prescritivos editados pelo legislador constituinte – confere à União aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal competência legislativa. Considerando que só a essas pessoas jurídicas de direito público se atribui órgão legislativo, somente elas têm permissão para criar normas gerais e abstratas. Para a criação de normas jurídicas a Constituição Federal de 1988 exige, em seu art. 59 e seguintes, que esses entes políticos observem o cumprimento de determinados requisitos de ordem formal, pois prescreve minuciosamente o processo legislativo referente a cada espécie legislativa que se pretenda criar: emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, decreto, resolução.139 Além disso, a Constituição Federal de 1988 representa verdadeira baliza de ordem material ao exercício da competência legislativa. Ao introduzir os chamados direitos, garantias e deveres fundamentais, bem como os denominados princípios constitucionais, acaba por vincular o legislador infraconstitucional à necessária observância das exigências dessas diretrizes, sob pena de inconstitucionalidade. É o que, na lição de Hans Kelsen, configura a constituição material. Nas suas palavras, 138 139 Paulo de Barros, Prefácio à obra de Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro, p. 11. Segundo Hans Kelsen, “um estágio importante no processo criador de Direito é o procedimento pelo qual normas gerais são criadas, ou seja, o procedimento legislativo”. Teoria geral do direito e do Estado, p. 179. – 63 – a constituição material determina não apenas os órgãos e o processo de legislação, mas também, em certo grau, o conteúdo de leis futuras. A constituição pode determinar negativamente que as leis não devem ter certo conteúdo [...]. A constituição, porém, também tem a atribuição de prescrever positivamente certo 140 conteúdo dos futuros estatutos. Importa mencionar, ainda, que a Constituição de 1988 discrimina os assuntos sobre os quais pode legislar cada um dos entes políticos, promovendo, assim, como manifestação do federalismo brasileiro, a repartição da competência legislativa. Conforme sublinha Clélio Chiesa, o Estado brasileiro optou por adotar a forma federativa de Estado, atribuindo à União, aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios competência legislativa. O constituinte originário repartiu, então, entre essas unidades jurídicas, a capacidade política. Isto é, outorgou-lhes a possibilidade de editar comandos 141 normativos sobre assuntos de sua competência. A importância da repartição de competências reside no fato de que ela é a “coluna de sustentação de todo o edifício constitucional do Estado Federal”.142 Na preciosa lição de José Afonso da Silva, “a Constituição de 1988 buscou resgatar o princípio federalista e estruturou um sistema de repartição de competências que tenta refazer o equilíbrio das relações entre o poder central e os poderes estaduais e municipais”.143 Ressaltada a competência legislativa na Constituição Federal de 1988 e, bem assim, a sua relevância no contexto normativo, passamo-nos a empreender análise que consiste em identificar a competência tributária como norma de competência legislativa tributária. 2.3.2 Competência tributária como norma de competência legislativa tributária No direito, o termo “competência” designa várias acepções, entre as quais a outorga de poderes às pessoas políticas de direito público interno para expedir normas 140 141 142 143 Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do Estado, p. 183. Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro, p. 26. Raul Machado Horta, Direito constitucional, p. 309. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 103. – 64 – jurídicas, ou seja, a permissão para criar novas unidades normativas, e a própria norma jurídica que a concede.144 Para Paulo de Barros Carvalho a competência legislativa é a “aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo”.145 Já Eurico Marcos Diniz De Santi sublinha que “competência legislativa é a regra que outorga, ao ente legislativo federal, estadual, distrital e municipal, a possibilidade de editar veículos introdutores de enunciados prescritivos”,146 concluindo, ao final, que essa locução está ligada à noção de criar normas jurídicas.147 Esses diferentes pontos de vistas são identificados no campo do direito tributário. Paulo de Barros Carvalho enuncia ser a competência tributária “uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”.148 Por seu turno, Roque Antônio Carrazza define-a como a possibilidade para criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disso, exercitar a competência é dar 149 nascimento, no plano abstrato, a tributos. Fabiana Del Padre Tomé esposa o mesmo entendimento ao dizer que a competência tributária “consiste na outorga de poderes às pessoas políticas de direito 144 145 146 147 148 149 Tárek Moysés Moussallem, As fontes do direito tributário, p. 97-98. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 217. Eurico Marcos Diniz De Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 81. Idem, ibidem, p. 82. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 218. Roque Antônio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 415-416. – 65 – público interno para expedir normas jurídicas tributárias, inovando o ordenamento positivo e criando tributos”,150 isto é, para criar a “norma jurídica tributária em sentido estrito (regra-matriz de incidência tributária)”.151 Destarte, na esteira desses autores, a expressão “competência tributária” indica a permissão para o Poder Legislativo editar normas jurídicas que condicionem ao acontecimento de fato lícito o pagamento de determinada quantia em dinheiro ao Poder Público, ou entidade sua delegada. Em que pese a reconhecida e inegável percuciência do argumento desses ilustres juristas, preferimos, para os propósitos do presente trabalho, designar os vocábulos “competência tributária” em outro sentido, qual seja como a própria norma constitucional que orienta e delimita a permissão para criação de novas estruturas normativas tributárias em sentido estrito,152 também conhecida pela doutrina como norma de competência legislativa tributária,153 norma de competência em sentido estrito,154 norma constitucional de produção normativa.155 Na medida em que adotamos como objeto da ciência do direito apenas a sua face normativa, os termos “competência tributária” haverão de ser reduzidos à estrutura lógico-condicional de norma jurídica, mais especificadamente aquela que orienta e delimita a conduta de produção de enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária. Dessa forma, importa invocar, por oportuna, a lição de Tácio Lacerda Gama, perfeitamente aplicável em matéria tributária, que, partindo da noção de que o vocábulo competência aponta para o campo dos limites jurídicos prescritos à edição de normas pelos agentes públicos, conceitua o termo como “norma que delimita a pessoa 150 151 152 153 154 155 Fabiana Del Padre Tomé, Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal, p. 57. Idem, ibidem, p. 57. Conforme visto no item 2.2 do presente capítulo, as normas tributárias em sentido estrito são aquelas que definem a incidência tributária, ou seja, as regras-matrizes de incidência. Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 81-82. Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico , p. 48-49. Luís César Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 97-102. – 66 – ou o órgão de direito público, bem como o procedimento e os limites materiais, que deverão ser observados na criação de outras normas jurídicas”.156 Assim, tratando-se de norma jurídica que orienta e delimita a permissão do Poder Legislativo para criar outras entidades normativas, situa-se entre aquela que orienta condutas normativas.157 O que a norma de competência prescreve são diretivas para a conduta de criar normas. O objeto de toda norma de competência é, assim, orientar a conduta de produzir outra norma ou, nas palavras de Julio Maria de Oliveira, estabelecer “comportamentos tendentes à produção de novas normas jurídicas”.158 Desse modo, seguiremos, neste ponto, a orientação de Daniel Monteiro Peixoto, reservando expressão “norma de competência legislativa tributária” para “aquelas que regulam prerrogativas de criar, por meio de lei, normas jurídicas abstratas e gerais que estabelecem os critérios relativos à regra-matriz de incidência tributária”.159 Portanto, trata-se a norma de competência legislativa tributária também de norma jurídica geral e abstrata, que delimita o campo de atuação dos entes políticos com aptidão para editar os enunciados prescritivos que comporão os critérios da regramatriz de incidência tributária. 2.3.2.1 Estrutura da norma de competência legislativa tributária Assentado tratar-se a competência tributária de uma norma de competência legislativa tributária que orienta a atividade de produção de normas tributárias em sentido estrito (regras-matrizes de incidência tributária),160 é chegado o momento de 156 157 158 159 160 Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 65. Sobre as normas jurídicas que orientam condutas normativas vide capítulo 1, subitem 1.4.3.1. Julio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 21. Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 82. Registre-se que a menção à proposição “produção de normas tributárias em sentido estrito (regras-matrizes de incidência tributária)” está sendo empregada no sentido de criação dos enunciados que, organizados em – 67 – organizar em uma estrutura lógico-condicional seus enunciados que apontam o sujeito competente, o procedimento devido, as coordenadas de tempo e de espaço, bem como a correspondente relação jurídica de competência. Consoante explica Tácio Larcerda Gama, a norma de competência tributária em sentido estrito (para nós a norma de competência legislativa) “requer a reunião das proposições construídas a partir da leitura do direito positivo numa estrutura lógicocondicional”.161 Segundo o autor, a norma de competência legislativa tributária, como todas as demais normas do sistema jurídico, analisada sob o ponto de vista sintático, é composta por um antecedente e um conseqüente.162 No antecedente dessa norma identifica-se a descrição de um fato, ou seja, do processo de enunciação (sujeito competente, procedimento, tempo e espaço) necessário à criação do tributo (da regra-matriz de tributária). Por seu turno, no conseqüente normativo, vislumbra-se a descrição de uma relação jurídica, cujo objeto é a faculdade de criar o tributo, dentro de certos limites. Essa organização em estrutura normativa consiste, para utilizar a expressão de Luís Cesar Souza de Queiroz, em “instrumental seguro”163 que permite avaliar se houve produção de norma jurídica (válida). A pormenorizada análise da norma de competência legislativa tributária, explica este autor, 161 162 163 uma estrutura lógico-condicional, comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária. Na verdade, o que o legislador ordinário cria por meio de leis são enunciados prescritivos, de modo que são esses é que, ao serem organizados pelo intérprete em uma estrutura normativa com sentido deôntico completo, compõem a norma tributária em sentido estrito ou regra-matriz de incidência tributária. Não obstante essa diferença, o certo é que a regra-matriz de incidência tributária é construída pelo intérprete sempre a partir dos textos de lei introduzidos pelo legislador no sistema jurídico. Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, “o legislador, cumprida a marcha do processo legislativo, introduz textos de lei tributária no sistema jurídico brasileiro. Lendo-os, elabora o estudioso as significações da mensagem escrita, exibindo os juízos hipotéticos nela contidos. Foram editadas as normas jurídicas tributária”. Curso de direito tributário, p. 240. Tácio Larcerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 73. Idem, ibidem, p. 77. Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 98. – 68 – permite vislumbrar os detalhes que envolvem o processo de produção da norma impositiva tributária. Tal análise possibilita identificar com maior precisão se, no mundo dos fatos, foram atendidos todos os requisitos necessários e suficientes para a produção da norma impositiva tributária. [...] Ou seja, se houve ou não produção 164 de norma jurídica (válida), no caso, da norma jurídica impositiva tributária. Tributo (regra-matriz de incidência tributária) criado em desconformidade com a faculdade para a sua criação implica violação à norma de competência legislativa tributária. O detalhamento da estrutura lógica da norma de competência legislativa tributária foi desenvolvido por Tácio Lacerda Gama165 e será aqui adotado, para, a partir dele, fixarmos a disciplina normativa da produção dos enunciados que comporão os critérios da regra-matriz de incidência do ISS, notadamente os seus critérios material e quantitativo (base de cálculo).166 Por escolha didática, deixaremos para identificar os critérios que compõem a estrutura lógica da norma de competência legislativa tributária no capítulo seguinte, ocasião em que cuidaremos da norma de competência legislativa do ISS. 2.4 O exercício da competência tributária e o descumprimento da norma de competência legislativa tributária Segundo pontua Paulo de Barros Carvalho, o direito brasileiro disciplina as competências no plano constitucional, explicitando claramente o poder jurídico que é conferido às pessoas, aos órgãos e às instituições, e no que tange ao direito tributário, sublinha o autor, “é procedimento iterativo, traço inconfundível do nosso do nosso 164 165 166 Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 101. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 73-86. Não nos ocuparemos com a disciplina normativa da base de cálculo relativa às prestações de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e pelas sociedades de profissionais, visto que, conforme já mencionado no início do presente trabalho, não constituem objeto de nosso estudo. – 69 – sistema, principalmente pela abundância principiológica e pela maneira exaustiva com que os constituintes foram moldando as Leis Fundamentais, no correr da História”.167 A Constituição Federal de 1988 veicula diversas normas disciplinadoras do exercício da competência tributária dirigidas aos planos federal, estadual, municipal e distrital. São as normas de competências legislativas tributárias que, a par de (i) qualificarem as entidades tributantes, ou seja, aquelas autorizadas a, editando leis, criar normas tributárias em sentido estrito, (ii) restringem seu exercício formal (prescrevem o procedimento, bem como as coordenadas de espaço e tempo) e materialmente (demarcam o campo de significação dentro do qual os entes políticos poderão trabalhar, quando forem editar o tributo, ou seja, a regra-matriz de incidência). A Constituição Federal (lei tributária fundamental), portanto, contém as diretrizes essenciais aplicáveis à criação de todos os tributos, especifica quem pode instituí-los e dentro de que limites.168 Disso resulta um conjunto de direitos e garantias conferidos aos contribuintes contra uma tributação em dissonância com a norma de competência legislativa tributária. Nesse contexto sobreleva registrar a observação de Roque Carrazza segundo a qual toda atribuição de competência tem como contrapartida a atribuição do direito de não ser tributado fora dos limites da competência. Assim, enquanto o sujeito ativo da competência possui o direito subjetivo público de criar o tributo, os destinatários possuem o direito de não serem tributados para além dos limites da outorga de competência.169 167 168 169 Paulo de Barros Carvalho, Prefácio à obra de Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro, p. 11. Cf. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 330. Este autor assinala ainda que, “para as pessoas políticas, a Constituição é a Carta das Competências. Ela indica o que podem, o que não podem e o que devem fazer, inclusive e principalmente em matéria tributária”. Ibidem, p. 336. Idem, ibidem, p. 55. – 70 – A competência tributária já surge, portanto, limitada. É dizer, já nasce constitucionalmente delimitada, pois seus contornos são gizados pela própria Constituição.170 É o que ensina José Souto Maior Borges ao afirmar que ela é, por excelência, ontologicamente, no seu nascedouro, limitada. É como que um perfil resultante de um desenho constitucional, não só com as normas autorizativas que definem positivamente o exercício do poder fiscal, mas também como normas limitativas, quer dizer, as normas que determinam os limites em que esse poder poderá ser exercido, ou deverá ser exercido.171 Com efeito, não existem “limitações” à competência tributária, pois esta já surge com campo demarcado pelos contornos resultantes das ações e reações de outras normas jurídicas constitucionais.172 Deveras, conforme anota Geraldo Ataliba, atenta contra a lógica jurídica a pressuposição de que há uma competência (lata) que, depois, se reduz por limitações que a alcançam. Não há, nem lógica, nem cronologia, um primeiro momento em que surge a competência e em segundo em 173 que se lhe opõe “limitações”. Assim é que, na lição de José Artur Lima Gonçalves, como a competência é conferida e delimitada pela própria Constituição Federal, a mesma norma de estrutura que confere o poder de legislar descrevendo a regramatriz de incidência tributária, cuida de fornecer os limites, a perfeita identificação dos confins do poder assim conferido; e a precisa identificação dos confins do poder é necessária para que a pessoa política que recebe esta competência possa exercê-la adequadamente.174 Sempre que um ente político criar o tributo (a regra-matriz de incidência), estará exercendo a competência tributária,175 devendo o intérprete, no entanto, averiguar se o legislador atua conforme os ditames jurídicos que o cerceiam. 170 171 172 173 174 175 Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 42. José Souto Maior Borges, Limitações constitucionais à tributação, p. 378. Cf. Geraldo Ataliba, Imposto sobre serviços. Tributação de anúncios e destaques em listas ou guias telefônicos. Inadmissibilidade, em face de vedação constitucional, p. 106. Idem, ibidem, p. 107. José Artur Lima Gonçalves, A imunidade tributária do livro, p. 139. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “Manifesta-se, de fato, a competência tributária, ao desencadearem-se os mecanismos jurídicos do processo legislativo, acionado, respectivamente, nos planos federal, estadual e municipal. Por esse iter, rigidamente seguido em obediência às proposições prescritivas existente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios elaboram as leis (acepção larga), que são promulgadas e, logo depois, expostas ao conhecimento geral pelo ato da publicação. Vencidas as dificuldades desse curso formativo, ingressam os textos legislativos no ordenamento em vigor, surgindo a – 71 – A possibilidade de editar o tributo, instituindo os enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz de incidência, sofre rígidas restrições. O exercício da competência tributária pelo Poder Legislativo deverá conformar-se ao que está prescrito no antecedente e no conseqüente das normas de competência legislativa tributária. Todas as normas jurídicas hierarquicamente inferiores devem inexorável e integral obediência às normas de competência legislativa tributária. Referidas normas de competência, enuncia Júlio Maria de Oliveira, estão no ápice da pirâmide na construção das normas tributárias. Necessariamente, as demais normas tributárias (regra-matriz de incidência, normas que instituem deveres instrumentais etc) devem estar em harmonia com as normas de competência. Pode-se afirmar que as normas de competência tributária são a fonte essencial das outras normas do sistema jurídico-tributário. [...] são marcos delimitadores tanto das normas tributárias, em sentido estrito, quanto das demais 176 normas tributárias. Portanto, a análise pormenorizada dos critérios que formam o antecedente e o conseqüente da norma de competência legislativa tributária é útil para descobrir se o tributo (ou regra-matriz de incidência) foi regularmente criado, isto é, produzido em conformidade com a norma de competência legislativa tributária. Tarefa essa que será desenvolvida no próximo capítulo. Nesse contexto, faz-se imperioso frisar que no sistema de referência sobre a validade, aqui adotado, admite-se ao menos que a prescrição do sujeito competente – situada no antecedente da norma de competência legislativa tributária – tenha sido obedecida. Disso decorre uma primeira conseqüência, qual seja a da pertinência ao sistema do direito positivo de todo documento normativo, bem como do conteúdo nele veiculado, quando postos por autoridade qualificada como competente. Mesmo em desconformidade com a norma de competência legislativa tributária, toda produção de regra-matriz que se dê por autoridade qualificada como 176 disciplina jurídica de novas situações tributárias, no quadro do relacionamento da comunidade social. Foi exercida, enriquecendo-se o direito positivo com o acréscimo de outras unidades normativas sobre tributos”. Curso de direito tributário, p. 239. Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 23. – 72 – competente fará ingressar regras no sistema jurídico, que serão consideradas válidas por presunção juris tantum, mas em contrapartida serão passíveis de invalidação, seguida de não-aplicação ou expulsão do sistema pelos órgãos para tanto competentes. Por conseguinte, ainda que a regra-matriz de incidência tenha sido produzida sem observância ao procedimento previsto pelo ordenamento ou às exigências materiais, porém editada por agente qualificado como competente pelo sistema, ingressará no ordenamento, ostentando presunção de validade, e nele permanecerá até que seja expulsa. A constatação da não-observância dos critérios que compõem o antecedente ou o conseqüente da norma de competência legislativa tributária enseja a possibilidade de o intérprete averiguar que a regra-matriz de incidência não é válida e buscar, junto ao Estado-Juiz, dentro da atribuição que o direito processual lhe outorgar, a edição de outra norma que declare a sua invalidade e a torne inaplicável ou expulsa, conforme atue em controle difuso ou concentrado, respectivamente.177 177 O controle de constitucionalidade é instrumento “para a que a superioridade constitucional não se transforme em preceito meramente platônico e a Constituição em simples programa político, moralmente obrigatório, um repositório de bons conselhos, para uso esporádico ou intermitente do legislador, que lhe pode vibrar, impunementemente, golpes que a retalham e desfiguram”. Raul Machado Horta. Direito constitucional, p. 130. Assim, como bem obtempera Carlos Ari Sundfeld, “para garantir que leis inconstitucionais não sejam aplicadas, com isto violando os direitos individuais, a própria Constituição concebe um sistema para sua eliminação do mundo jurídico. É o chamado controle de constitucionalidade das leis, realizado no Brasil pelo Poder Judiciário, através de ações adequadas”. Fundamentos de direito público, p. 41. – 73 – 3 A NORMA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS) 3.1 Subsistema constitucional tributário Partindo da noção de sistema, exposta no capítulo 1 do presente trabalho, vislumbra-se o subsistema constitucional tributário inserido no sistema constitucional brasileiro,178 relacionando-se com ele e dele retirando seu fundamento. Trata-se, referido subsistema, de um subconjunto formado por normas jurídicas que, em nível constitucional, dispõem direta ou indiretamente sobre a atividade estatal de criação e arrecadação de tributos, por parte dos entes políticos. Este subconjunto ocupa-se, quase que exclusivamente, com a disciplina da produção normativa tributária em nosso país, atribuindo tanto a permissão para instituir o tributo como o dever de obediência, por parte do legislador infraconstitucional, das prescrições que informam tal faculdade. A homogeneidade desse subconjunto, explica Paulo de Barros Carvalho, está determinada, assim pela natureza lógica das entidades normativas, que pelo assunto sobre que dispõem. Atribuem-lhe unidade duas circunstâncias: estarem todas elas legitimadas pela mesma fonte – a norma hipotética fundamental – e consubstanciarem o ponto de confluência do direito positivo, no que concerne à matéria que lhes dá conteúdo. Mantêm, entre si, relações de coordenação horizontal, situadas que estão no mesmo plano da escala hierárquica, tecendo, com idêntico status de juridicidade, a rede do subsistema.179 Assim, como sintetiza este jurista, o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que 178 179 O conjunto de normas jurídicas construídas a partir dos enunciados contidos na Constituição Federal de 1988 constitui o sistema constitucional de direito positivo que, segundo Paulo de Barros Carvalho, configura “fundamento último de validade semântica” do referido sistema. Curso de direito tributário, p. 142. Idem, ibidem, p. 143. – 74 – asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles 180 poderes. Importante ter presente que o subsistema constitucional tributário configura particularidade do sistema constitucional brasileiro, pois, consoante concluiu Geraldo Ataliba,181 ao compará-lo com as Constituições de outros países (v.g., dos Estados Unidos da América, da Espanha, da Itália), o mesmo, é complexo e extenso, o que lhe garante acentuada rigidez. Nas palavras deste mestre, em matéria tributária – ou, melhor dizendo, em matéria de fixação de competências tributárias e formas de seu exercício – a nossa Constituição não foi genérica e sintética. Ao contrário, foi particularizada e abundante, não deixando margem – jurídica – para grandes desenvolvimentos e integração pela legislação ordinária e, menos ainda, pelos costumes, pela construção ou outras formas. Não ficou o legislador constituinte brasileiro só nas matérias mais essenciais, nem foi 182 indeterminado em nenhuma disposição. O legislador constituinte brasileiro delineou minuciosa e inteiramente a atividade tributária – que se inicia com a instituição do tributo, passando pela cobrança, fiscalização, e colimando com a sua entrada da receita aos cofres públicos – vinculando os entes políticos a inúmeros preceitos jurídicos, delimitadores do exercício do poder de tributar.183 Disso decorre que a produção normativa tributária no Brasil encontra-se disciplinada nesse subsistema constitucional tributário. 180 181 182 183 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 143. Sistema constitucional tributário, p. 15 e 22-39. Em que pese o estudo comparativo de Geraldo Ataliba ter sido feito com base na Constituição de 1946, suas conclusões são plenamente aplicáveis ao subsistema constitucional tributário da ordem jurídica de 1988. Geraldo Ataliba, Sistema constitucional tributário, p. 15. O reconhecimento desse tratamento amplo e minucioso dado pela Constituição Federal à matéria tributária também não passou desapercebido por Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual, “enquanto os sistemas de outros países de cultura ocidental pouco se demoram nesse campo, cingindo-se a um número reduzido de disposições, que ferem tão-somente pontos essenciais, deixando à atividade legislativa infraconstitucional a grande tarefa de modelar o conjunto, o nosso, pelo contrário, foi abundante, dispensando à matéria tributária farta messe de preceitos, que dão pouca mobilidade ao legislador ordinário, em termos de exercitar seu gênio criativo. Esse tratamento amplo e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como conseqüência inevitável um sistema tributário de acentuada rigidez, como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema constitucional tributário brasileiro”. Curso de direito tributário, p. 144. Consoante Sacha Calmon Navarro Coêlho, “o legislador constituinte brasileiro foi bastante minucioso, vinculando o legislador infraconstitucional a inúmeros preceitos jurídicos delimitadores de sua competência”. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário, p. 1. – 75 – Diferentemente do que se dá nos países alienígenas, cuja missão de delinear a atividade tributária foi relegada ao legislador infraconstitucional, no subsistema constitucional brasileiro nada restou a esse título para ser disciplinado pelo legislador ordinário. Bem por isso que José Artur Lima Gonçalves conclui, candentemente, que “a exaustividade do sistema constitucional tributário não encontra paralelo no direito comparado geral”.184 Essa singularidade do nosso sistema constitucional tributário é perceptível na medida em que: (i) atribui e reparte entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a permissão para instituir tributos, ditando as materialidades passíveis de tributação por cada um desses entes políticos; (ii) classifica os tributos em espécies e a elas atribui regimes jurídicos distintos a serem observados na sua criação; (iii) estatui limites formais e materiais, ao exercício da permissão para tributar; (iv) atribui ao legislador complementar da União a tarefa de edição de normas gerais em matéria tributária, a serem obedecidas no momento da instituição de tributos por todos os entes políticos, e (v) estabelece a partilha do produto da arrecadação dos tributos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Por seu turno, diante dessa singularidade resulta que a atividade tributária, notadamente a que se inicia com a instituição do tributo, está subordinada e condicionada à observância dos comandos jurídicos que compõem o subsistema constitucional tributário. Entre esses comandos jurídicos destaca-se a norma de competência legislativa tributária, que regula a permissão para criação do tributo, por parte do legislador ordinário.185 Consoante será visto, a norma de competência legislativa 184 185 José Artur Lima Gonçalves, Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais, p. 213. Consoante vimos no Capítulo 2, subitem 2.3.3.1, tributo (regra-matriz de incidência tributária) em dissonância com a faculdade para a sua criação, conforme estabelecida constitucionalmente, implica violação à norma de competência legislativa tributária. – 76 – tributária estabelece as balizas pelas quais as pessoas políticas são guiadas na instituição de tributos. 3.2 A norma de competência legislativa tributária Como visto no capítulo 2, a competência tributária apresenta-se como uma norma jurídica, construída a partir dos enunciados prescritivos do texto constitucional, estruturada formalmente em antecedente e conseqüente. Essa norma jurídica, denominada na presente dissertação de “norma de competência legislativa tributária”, orienta e delimita a conduta de produção de normas tributárias em sentido estrito (regras-matrizes de incidência tributária). Tais normas, destaca Júlio Maria de Oliveira, representam “marcos delimitadores tanto das normas tributárias, em sentido estrito, quanto das demais normas tributárias”.186 Conforme aponta o autor, elas “objetivam limitar o exercício do poder, atribuindo os exatos limites de seu exercício e estabelecendo balizas precisas que sustentem e propiciam a segurança, no caso dos sujeitos da relação jurídicotributária”.187 Nesse cenário, cumpre-nos identificar os critérios que compõem a estrutura da norma de competência legislativa tributária. 3.2.1 Os critérios do antecedente da norma de competência legislativa tributária No antecedente da norma de competência legislativa tributária consta a descrição de um fato, identificado pelo (i) sujeito competente, (ii) procedimento legislativo adequado, (iii) local em que deve ser realizado o procedimento e (iv) coordenadas de tempo. 186 187 Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 23. Idem, ibidem, p. 59. – 77 – Trata-se estas categorias, conforme aponta e descreve, detalhadamente, Tácio Lacerda Gama, dos critérios subjetivo, procedimental, espacial e temporal, respectivamente.188 O critério subjetivo do antecedente da norma de competência legislativa tributária contém a descrição do sujeito autorizado a editar os enunciados que comporão a norma tributária em sentido estrito (a regra-matriz de incidência). Esse critério é extraído do próprio Texto Constitucional, consoante a interpretação que se faz dos arts. 153, 154, 155, 156 e 195, de modo que, estando devidamente delimitado, não comporta qualquer reabertura por normas infraconstitucionais. No critério procedimental há a indicação de qual o procedimento necessário para a criação dos enunciados que comporão a regra-matriz de incidência, conforme a espécie ou subespécie tributária, ou seja, se por meio de lei ordinária ou complementar (no caso do art. 154 da Constituição Federal). Registre-se que há casos em que a alíquota – fator numérico que ao ser combinando à base de cálculo possibilita seja determinado o valor que o sujeito passivo da norma tributária deve pagar – poderá ser alterada mediante ato do Poder Executivo, razão pela qual podemos entender que “é o antecedente da norma de competência que determina qual o procedimento necessário, tanto para a edição do tributo como um todo quanto para alteração da sua alíquota”.189 Por seu turno, o critério espacial do antecedente da norma de competência contém a descrição do local em que o sujeito competente deve realizar a atividade (o procedimento) para a criação dos enunciados prescritivos que comporão a regra-matriz de incidência tributária. 188 189 Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 74. Idem, ibidem, p. 77. – 78 – Importa esclarecer que o critério espacial da norma de competência legislativa tributária é distinto do âmbito de sua validade, uma vez que este refere-se à porção de território que esta norma atinge, regulando condutas. Assim, uma norma de competência que regula a criação de um tributo federal deve ser respeitada em todo o território nacional, embora o seu critério espacial – local de 190 aplicação – seja só a Capital da República. Há situações em que o critério espacial da norma de competência coincide com o âmbito de sua validade. No caso de uma norma de competência que orienta e delimita a criação de um tributo municipal, o ISS, por exemplo, o local em que ela deve ser respeitada e o critério espacial da norma de competência legislativa – local em que se dá a atividade de criação dos textos normativos – são identificados no mesmo Município. Por fim, o critério temporal descreve o instante em que a regra-matriz de incidência (norma produzida) ingressará no ordenamento jurídico. Conforme ensina Tácio Lacerda Gama, o fim da atividade de enunciação dos textos normativos coincide com o início da existência da norma produzida no sistema de direito positivo. O início desta existência, por sua vez, é definido pelo critério temporal que integra o antecedente 191 da norma de competência tributária. Os critérios subjetivo, procedimental, espacial e temporal formam os elementos necessários à identificação da atividade de produção normativa (criação do tributo). 190 191 Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 77-78. Idem, ibidem, p. 78. Esse autor adverte, ainda, que não se confunde o critério temporal do antecedente com a validade da norma de competência no tempo: “Esta se inicia com a edição da Constituição Federal, sofrendo posteriores alterações nos casos de Emenda à Constituição ou da edição de lei complementar que regule a norma de competência. Já o critério temporal da norma de competência permite saber o momento de aplicação, que se confunde com o início da existência da norma produzida no sistema de direito positivo”. Ibidem, p. 78. – 79 – Sendo assim, esses critérios configuram instrumental de que dispõe o estudioso do direito para “reconstruir o fato que deu origem à produção do texto de direito positivo que veicula uma norma jurídica instituidora de um tributo”.192 3.2.2 Os critérios do conseqüente da norma de competência legislativa tributária Em decorrência da descrição do fato, em certa coordenada de espaço e de tempo, necessários à criação do tributo deve ser a imputação de uma relação jurídica de competência legislativa tributária, cujo objeto é a permissão para criar o tributo, editando os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária, em consonância com um conjunto de limitações prescritas pelo próprio direito positivo. Para investigar essa relação jurídica é imprescindível estudar os elementos que conformam o conseqüente da norma de competência legislativa tributária, a saber: sujeito ativo, sujeito passivo e objeto. O conseqüente da norma de competência legislativa tributária se consubstancia na descrição de um vínculo abstrato, denominado pela doutrina de relação jurídica de competência tributária.193 Nessa relação jurídica, como em qualquer outra, há a indicação de dois ou mais sujeitos em torno de um objeto, qual seja a permissão194 de criar os enunciados prescritivos que integrarão os critérios da regra-matriz tributária. 192 193 194 Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 74. Idem, ibidem, p. 80. Registre-se que nem sempre o modal deôntico “permitido” está presente em todos os casos para a criação do tributo. Segundo aponta Paulo de Barros Carvalho, “a união tem a faculdade ou permissão bilateral de criar o imposto sobre grandes fortunas, na forma do que estatui o inciso VII do art. 153 da CF. Até agora não o fez, exatamente porque tem a faculdade de instituir ou não o gravame. E o mesmo se dá com os municípios, que, em sua maioria, não produziram a legislação do imposto sobre serviços de qualquer natureza, conquanto não lhes falte, para isso, aptidão legislativa. Todavia, a exceção vem aí para solapar o caráter de universalidade da proposição: refiro-me ao ICMS. Por sua índole eminentemente nacional, não é dado a qualquer Estado-membro ou ao Distrito Federal operar por omissão, deixando de legislar sobre esse gravame. Caso houvesse uma só unidade da federação que empreendesse tal procedimento e o sistema do ICMS perderia consistência, abrindo-se ao acaso das manipulações episódicas, tentadas com tanta – 80 – O sujeito ativo da referida relação jurídica é o sujeito competente195 para criar do tributo, exercitando a atividade de produção da regra-matriz de tributária.196 Tratando-se de matéria de ordem constitucional, não pode se alterada pelo legislador ordinário. O sujeito passivo, por sua vez, são todas as pessoas que deverão cumprir a regra-matriz de incidência tributária a ser criada. No conseqüente da norma de competência legislativa tributária, se vislumbra, ainda, a descrição do objeto da relação jurídica de competência, qual seja da faculdade (permissão) para criar o tributo, subordinada à observância de um conjunto de limitações materiais, prescritas pelo próprio ordenamento jurídico, que informam o conteúdo semântico dos enunciados que comporão os critérios da norma a ser produzida (a regra-matriz tributária). Deveras, essa permissão para produção normativa não é uma carta em branco. 195 196 freqüência naquele clima que conhecemos por ‘guerra fiscal’”. Curso de direito tributário, p. 223-224. Nesse mesmo sentido confira, também, Roque Antonio Carrazza, ICMS, p. 343-344. Dizer que determinado sujeito é competente para certa ação significa, segundo assegura Hans Kelsen, “que à ação é conferida a qualidade de condição jurídica ou conseqüência jurídica apenas se ela for executada por esse indivíduo”. Teoria geral do Estado e do direito, p. 130. É certo que, não raras vezes, situa-se no pólo ativo da relação jurídico-tributária descrita no conseqüente da regra-matriz de incidência, na posição de sujeito pretensor da obrigação tributária, pessoa diversa daquela que criou a referida norma jurídica, que exercitou a atividade de produção normativa. Tal circunstância é denominada de capacidade tributária ativa, e em nada se assemelha à posição ocupada pelo sujeito da relação jurídica de competência tributária. Conforme adverte Paulo de Barros Carvalho, uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa”. Curso de direito tributário, p. 219. – 81 – Como bem ensina Norberto Bobbio, “quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Ao atribuir este poder, estabelece também os limites entre os quais pode ser exercido”.197 É a permissão para criar o tributo, descrevendo, legislativamente, os critérios que comporão a regra-matriz tributária identificada por um conjunto de limites prescritos pelo próprio direito positivo. Conforme ensina Tácio Lacerda Gama,198 compondo esse conjunto de limitações estão, além dos enunciados constitucionais, os princípios jurídicotributários, as imunidades e os enunciados veiculados por leis complementares, disciplinadores da conduta de criação do tributo, delimitadores dos critérios que conformam a regra-matriz tributária. Em respeito às premissas adotadas neste trabalho, os princípios jurídicotributários são significações de enunciados prescritivos, dotadas de forte conotação axiológica ou fixadoras de limites objetivos orientados à realização de um dado valor, que integram a estrutura da norma jurídica, no caso a norma de competência legislativa tributária, informando e delimitando a faculdade de criar os tributos.199 197 198 199 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 53. Cf. Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 83. Tendo em vista a homogeneidade sintática do sistema de direito positivo, nele não encontraremos nada além de normas jurídicas (para efeitos dogmáticos). Essa concepção afasta a possibilidade de existir algo além das normas jurídicas no interior sistema. Com efeito, para o sistema de direito positivo, os princípios não existem senão como normas jurídicas ou como elementos integrantes das normas jurídicas. Paulo de Barros Carvalho, a esse respeito, pontifica que, no direito positivo, o vocábulo princípio é utilizado para denotar tanto as normas dotadas de forte carga axiológica como “as normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma”. Dessa forma, referido jurista, após proceder a essa reflexão semântica, aponta os seguintes usos para o termo princípio: “a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém sem levar em conta a estrutura da norma”. Curso de direito tributário, p. 145. Entre esses usos possíveis, verifica-se que o termo princípio pode ser concebido como valor objetivado na norma jurídica ou como limite positivado na norma jurídica. Em ambas as concepções aparecerão como vetores axiológicos ou critérios objetivos contidos na norma, isto é, como elementos da norma jurídica, mas não normas jurídicas (estrutura lógico sintática, empregada na forma implicacional hipótese-conseqüente). – 82 – Do mesmo modo, também por coerência às nossas premissas, por imunidades entendemos aquelas significações de enunciados prescritivos veiculadoras de limites objetivos, que integram o conseqüente da norma de competência legislativa tributária, impedindo a edição de regras-matrizes que onerem certas situações, fatos ou pessoas.200 Outrossim, para nós, enunciados veiculados por leis complementares são aqueles enunciados prescritivos, cuja significação, sem afrontar os dispositivos constitucionais, compõe a norma de competência legislativa tributária, promovendo a delimitação de um ou mais de seus critérios.201 200 201 Com efeito, dentro dessa concepção, e considerando a homogeneidade sintática do sistema do direito positivo, preferimos, para os fins aqui propostos, conceber princípios como essas duas formas de uso. Eurico Marco Diniz de Santi, a propósito, oferece a seguinte lição, ao afirmar que princípios “são fragmentos normativos, unidades de significação de enunciados prescritivos, que integram o arcabouço de normas jurídicas, alterando, constituindo (positiva e negativamente) e delineando a estrutura dual da regra, seja pelo seu antecedente, seja pelo seu conseqüente normativo”. Lançamento tributário, p. 94. Paulo Ayres Barreto também evidencia essa posição apontando “[...] os princípios são enunciados prescritivos, dotados de elevada carga axiológica, que informam a produção legislativa (norma de estrutura) e a compostura das normas jurídicas reguladoras de condutas intersubjetivas. Não há identidade, no modelo proposto, entre os signos princípios e norma. Há relação de inclusão. É dizer as significações dos enunciados prescritivos dotados de forte carga axiológica compõem, conformam a norma jurídica em sentido estrito. De outra parte, dado o cunho axiológico inerente aos princípios, é inafastável reconhecer um certo subjetivismo no processo de sua identificação e na declaração da sua hierarquia”. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 34. Tácio Lacerda Gama trata desse assunto, também preferindo conceber “princípio” situando-o na estrutura da norma jurídica. Nas suas palavras, princípio configura “enunciado normativo que integra a estrutura de uma norma de competência, compondo-lhe o sentido, seja no antecedente, seja no conseqüente, veiculando valores ou limites objetivos, ampliando ou restringindo os seus âmbitos de validade. [...] Princípios tributários são enunciados prescritivos que compõem a norma de competência, ampliando ou restringindo as possibilidades de criar normas jurídico-tributárias – relacionadas, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos”. Contribuições de intervenção no domínio econômico, p. 142 e 144. Cf. Tácio Lacerda Gama, ibidem, p. 177. Para este autor, as imunidades são enunciados que veiculam significações, delimitadoras dos contornos da conduta de criar normas tributárias. Como bem adverte, “a formação da norma de competência pressupõe a reunião simultânea de todos os enunciados necessários à regulação da conduta de criar tributos. Entre este, há aqueles que indicam o procedimento, o local, as coordenadas de tempo, os princípios que devam ser respeitados e as materialidades que não podem atingir. Sem essa conjugação de enunciados, não há regulação da conduta de criar tributos. Por isso, pode-se afirmar que a norma de competência tributária é a própria autorização limitada para editar tributos. Entre os elementos que compõem esta autorização limitada, encontram-se as imunidades”. Ibidem, p. 169-170. Essas lições se ajustam como uma luva aos propósitos deste capítulo. Conceber as imunidades como significação de enunciados prescritivos justifica-se, tendo em vista a nossa intenção de construir a norma de competência legislativa tributária do ISS, imposto de competência dos Municípios e Distrito Federal. Cf. Tácio Lacerda Gama, ibidem, p. 192. Quanto ao papel da lei complementar no direito tributário brasileiro, cumpre-nos ressaltar que existem duas correntes interpretativas acerca da construção de sentido e alcance do art. 146 do Texto Constitucional, cada qual entendendo de modo diferente sobre o assunto. Uma linha de pensamento, ressaltando a interpretação sistemática, invocou a primazia da Federação e a autonomia dos Municípios para compreender, ao final, que – 83 – Esse conjunto de limitações identifica e delimita o espaço aberto à criação de tributos pelos entes competentes. [...] No objeto da relação jurídica de competência não se indaga sobre “como” a norma vai ser editada. O aspecto relevante aqui é “o quê” essa norma vai prescrever. Em se tratando de aptidão para criar, o conjunto de limitações materiais será informado pelos princípios, imunidades, enunciados complementares que disciplinam a 202 instituição de cada um dos critérios que compõem a norma tributária. Tal conjunto encerra verdadeira limitação material, uma vez que identifica e delineia a faculdade para criação do tributo, disciplinando e predeterminando o conteúdo da norma jurídica que poderá ser criada.203 202 203 cabe à lei complementar apenas uma finalidade, qual seja veicular normas gerais de direito tributário, as quais, por sua vez, exercem as funções de (i) dispor sobre conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e de (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Entre os adeptos dessa linha de pensamento estão Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 213-315; Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 752-762; Clélio Chiesa, O imposto sobre serviços de qualquer natureza e aspectos relevantes da Lei Complementar n. 116/2003, p. 54; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na Lei, p. 103-110. A outra corrente doutrinária, por seu turno, optando por dar maior ênfase à função-certeza que visa atingir o princípio da segurança jurídica, entende que a lei complementar exerce três funções, a saber: (i) dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes; (ii) regular as limitações ao poder de tributar; e (iii) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (iii.a) definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (iii.b) prescrição, decadência, obrigação, lançamento e crédito tributários; (iii.c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; e (iii.d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte. Consoante essa corrente, admitir as três funções da lei complementar, tendo em vista o art. 146 da Constituição Federal, não significa desprezar a Federação ou a autonomia dos Municípios, mas sim reconhecer a existência de valores “segurança jurídica” e “certeza do direito”, que conformam a autonomia de cada ente político. Entre os autores que comungam esse pensamento destacam-se: Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Segurança jurídica e normas gerais tributárias, p. 56; Eurico Marco Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 88-89; Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, p. 136; Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 96. No presente trabalho compartilhamos dessa última corrente doutrinária, por optarmos pela função-certeza do princípio da segurança jurídica. Sendo assim, admitimos que os enunciados introduzidos por lei complementar podem dispor sobre normas gerais em matéria tributária, consoante previsto no art. 146 da Constituição Federal, garantindo, destarte, uniformidade para o exercício da conduta de produzir normas tributárias. As normas gerais, pois, ao tratarem da definição de “fatos geradores”, bases de cálculo e contribuintes, prazos de prescrição, decadência, obrigação, crédito tributário, podem disciplinar a matéria, desde que não contenham distinções entre as diferentes pessoas políticas, aplicando-se, indiscriminadamente, à União, Estados, Distrito Federal, de modo absolutamente isonômico, ou entre Estados e Distrito Federal, entre si, ou Municípios e Distrito Federal entre si. Cf. Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 82-83. Tácio Lacerda Gama adverte ser necessário acrescentar a esse conjunto de limitações aquelas previstas na Constituição Federal como condições ao exercício da competência tributária. Nas suas palavras, “as condições referidas pelo artigo 148 desse diploma normativo integram o conjunto de limitações que regula a criação de empréstimos compulsórios. Da mesma forma, as contribuições previstas o artigo 149 devem – 84 – Desse modo, objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária é a permissão para criação do tributo, subordinada à observância do conjunto de limitações que disciplinam materialmente a criação de cada um dos enunciados que comporão os critérios da regra-matriz. Com fundamento nesse conjunto de limitações é construída a norma padrão de incidência tributária, à qual deve necessária observância os legisladores ordinários para o exercício da faculdade de criar o tributo, ou seja, para descrever, legislativamente, os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz tributária.204 No caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza o objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária não é diferente. Vejamos. 3.3 A norma de competência legislativa tributária do ISS No antecedente da norma de competência legislativa tributária do ISS identifica-se a descrição do processo de produção normativa, representado pela indicação: (i) do sujeito autorizado a criar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, no caso os Municípios e o Distrito Federal; (ii) do procedimento necessário à criação desse tributo, representado pelo conjunto de atos que integram o procedimento legislativo na modalidade de lei ordinária; (iii) de qual o Município, em que o sujeito competente deve realizar o procedimento para a criação da correspondente regra-matriz de tributária; e (iv) o instante em que o tributo a ser produzido ingressará no ordenamento jurídico, que será quando a atividade de produção normativa se esgotar. 204 atender a uma finalidade específica. Sem essa finalidade, não se configuram tributos com tal natureza, devendo ter a sua validade aferida como se impostos fosse. Em qualquer caso, os limites de ordem material são identificados pela reunião de princípios, imunidades e demais enunciados que disciplinam a instituição do tributo”. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 83-84. Não obstante, neste trabalho, as condições prescritas pelos arts. 148 e 149, ambos do texto constitucional, serão deixadas de lado, haja vista que o nosso estudo está voltado para a construção da norma padrão de incidência do ISS, imposto referido no art. 156 do Texto Constitucional. Tácio Lacerda Gama designa o que chamamos de norma padrão de incidência tributária de “regra-matriz de incidência tributária possível”. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 84. – 85 – 3.3.1 O conseqüente da norma de competência legislativa tributária do ISS Diante da ocorrência do processo de produção normativa descrito no antecedente da norma de competência legislativa tributária do ISS, deve ser a imputação, no conseqüente normativo, de uma relação jurídica de competência legislativa, cujo objeto é a permissão para criar os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz tributária do ISS, dentro de certos limites. Nessa relação jurídica de competência legislativa o sujeito ativo são os Municípios e o Distrito Federal, detentores da permissão para criar o ISS (a regramatriz tributária), e o sujeito passivo são todos os sujeitos que, realizando o fato hipoteticamente descrito na regra-matriz, poderão ser coagidos ao cumprimento da norma produzida. O objeto da relação jurídica de competência em questão é a permissão para criar o ISS em consonância com certos limites, prescritos pelo próprio direito positivo. Como bem adverte Tácio Lacerda Gama, relacionar a norma de competência à conduta normativa de instituir o tributo “pressupõe, entre outras providências, identificar os limites prescritos pelo direito positivo para instituição de cada um dos critérios que compõem a sua regra matriz”.205 Esses limites são identificados por certos princípios constitucionais, imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares, que orientam materialmente a conduta dos legisladores municipais e distritais para a criação do ISS. Desse modo, tais limitações informam a permissão para instituir o ISS, prescrita no conseqüente da norma de competência legislativa tributária. 205 Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 203. – 86 – Os princípios, imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares que pautam materialmente a conduta dos legisladores municipais e distritais para a criação do ISS regularão e predeterminarão o conteúdo semântico de cada um dos critérios da regra-matriz de incidência a ser editada. O conjunto formado por tais diretrizes essenciais confere homogeneidade ao regime jurídico que orienta a permissão para a criação do Imposto Sobre Serviços, descrita no conseqüente na norma de competência legislativa do ISS. Com fundamento nesse conjunto de delimitações, é construída a norma padrão de incidência tributária do ISS, dentro da qual deverá ater-se o legislador ordinário por ocasião do exercício da permissão que lhe foi outorgada, editando os enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz tributária. Feitas essas considerações, já podemos investigar o conceito de serviço pressuposto constitucionalmente para atribuir a permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços (ISS), em função também do qual será construída a norma padrão de incidência tributária respectiva. – 87 – 4 O CONCEITO DE SERVIÇO TRIBUTÁVEL PRESSUPOSTO CONSTITUCIONALMENTE PARA ATRIBUIR PERMISSÃO AOS MUNICÍPIOS E AO DISTRITO FEDERAL PARA INSTITUIR O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS) 4.1 A atribuição de permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) A Constituição Federal reservou aos Municípios a permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços (ISS), consoante se extrai do seguinte enunciado constitucional: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. Por força do enunciado do art. 147 da Constituição Federal,206 que prevê caber ao Distrito Federal os impostos municipais, também foi reservada a esse ente político a permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços. Tal reserva de permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal configura nítida manifestação do princípio federativo, já que, consoante explica Clélio Chiesa, visa assegurar a esses entes políticos “autonomia financeira, a fim de cumprirem as atribuições que lhes forem conferidas pela Carta Magna”.207 206 207 “Art. 147. Compete à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.” Clélio Chiesa, A competência tributária no Estado brasileiro, p. 309. – 88 – Aos Municípios e ao Distrito Federal foi reservada, portanto, permissão para instituir imposto gravando serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. O texto constitucional, ao mesmo tempo em que reservou esse específico campo tributável (serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar), atribuindo-o, privativamente, aos Municípios e ao Distrito Federal, pré-excluiu, implicitamente, o poder de outro ente político tributar esse mesmo campo.208 Para tanto, indicou o legislador constituinte o fato que pode ser submetido à tributação pelo ISS, pressupondo um conceito de serviço tributável, que deve ser observado para a criação do ISS. Consoante bem exposto por Humberto Ávila, “a Constituição Federal pressupõe conceitos que não podem ser desprezados pelo legislador ordinário”,209 o que veda que este atribua significado à expressão “serviço” diferente daquele que é pressuposto pelo legislador constituinte. Outrossim, segundo José Artur Lima Gonçalves, tendo em vista que o legislador constituinte serviu-se da técnica de referir-se ao critério material da regra-matriz de incidência tributária para o fim de proceder à repartição de competência tributária impositiva, o conceito “serviços” foi utilizado para esse fim, sendo intuitivo que o respectivo 208 209 Privativamente implica exclusivamente. O que foi conferido a certo ente político é negado aos demais. Roque Antonio Carrazza assinala que “a Constituição, por assim dizer, delimitou o campo tributável e deu, em caráter privativo, uma parte dele à União; outra, a cada um dos Estados; ainda outra, a cada um dos Municípios; e, a última, ao Distrito Federal. Por outro giro verbal, a União, cada um dos Estados, cada um dos Municípios e o Distrito Federal receberam, da Constituição, um campo tributável próprio”. Curso de direito constitucional tributário, p. 422. Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 167. Nas palavras deste autor: “não é ocioso relembrar que a Constituição Federal de 1988 optou por atribuir poder aos entes políticos por meio de regras jurídicas e, não, de princípios. As regras estabelecem, por sua própria estrutura, razões que afastam a livre ponderação de valores por parte do Estado no exercício das suas competências, tornando determinável o âmbito material do poder. Além disso, a instituição de um sistema rígido numa República Federativa conduz a uma repartição de competências marcada exatamente por conceitos mínimos, na medida em que os mesmos fatos não poderão ser tributados por mais de uma pessoa política de direito interno”. Ibidem, p. 167. – 89 – âmbito semântico não pode ficar à disposição do legislador ordinário. [...] A própria Constituição fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua 210 compreensão sistemática, o conteúdo do conceito de serviço por ela pressuposto. Assim, diante da rígida e exaustiva discriminação de competências tributárias do nosso subsistema constitucional, os Municípios e o Distrito Federal “só podem criar imposto sobre fatos abrangidos pelo conceito de serviço, predefinido na constituição para outorgar-lhes e demarcar-lhes a competência tributária (art. 156, III)”.211 Somente atividade que corresponda ao conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente para discriminar e demarcar a permissão para a instituição do ISS pode ser descrita como fato tributável pelos Municípios e pelo Distrito Federal. A atribuição de permissão para instituir o ISS, levada a cabo pela Constituição Federal de 1988, foi perpetrada, ainda, segundo o critério territorial. Por força desse critério, a lei do Município apenas pode colher fatos (serviços) ocorridos dentro do seu próprio âmbito territorial. O critério territorial implicitamente utilizado pelo constituinte de 1988 para repartir a competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal é corolário do princípio da Federação, que atribui autonomia legislativa aos seus membros dentro de seus territórios, observado apenas o que preceituar o texto constitucional. Desse modo, a lei que institui o ISS incide apenas sobre fato tributável verificado no território da 210 211 José Artur Lima Gonçalves, O ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 282. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 26. Conseqüentemente, não é permitido à União, por exemplo, pretender tributar fatos abrangidos pelo conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente. Consoante Geraldo Ataliba, a faixa tributária privativa, outorgada a um ente político “implica proibição peremptória, erga ommes, para exploração desse campo”. Sistema constitucional tributário, p. 106. Nesse mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza sustenta que a discriminação das faixas impositivas “encerram duplo comando: 1) habilitam a pessoa política contemplada – e somente ela – a criar, querendo, um dado tributo; e 2) proíbem as demais de virem a instituí-lo. Efetivamente, a outorga de competência tributária importa, a contrario sensu, interdição, que resguarda a eficácia de sua singularidade. Ao mesmo tempo em que afirma a competência de uma pessoa política, nega a das demais. É clausula vedatória implícita, de endereço erga ommes, salvo, é claro, o próprio destinatário da prerrogativa”. Curso de direito constitucional tributário, p. 431. – 90 – ordem jurídica que a editou.212 Submeter à tributação serviço ocorrido em território de outro Município será inconstitucional por ferir o princípio federativo. Essa rígida atribuição da permissão para criar o tributo evidencia uma forte preocupação do legislador constituinte em evitar a bitributação, o bis in idem,213 bem como os conflitos de competência. Com razão explica Mizabel de Abreu Machado Derzi que, no Brasil, a questão da discriminação da competência tributária é manifestação do próprio federalismo, por configurar partilha, descentralização do poder de instituir e regular tributos. [...] Essa rigidez [constitucional de discriminação da competência tributária] tem como pedra básica a competência privativa, mola mestra do sistema, 214 o qual repele a bitributação e evita a promiscuidade entre tributos diferentes. Qualquer tentativa legislativa de usurpar a permissão para instituir o ISS, seja gravando fato reservado à faixa de competência de outrem, e que, portanto, não se subsume ao conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente, seja tributando fato que, embora se enquadre dentro do conceito pressuposto de serviço tributável, é verificado fora do âmbito territorial do Município e do Distrito Federal que editou a lei instituidora do ISS, representará violação à rígida discriminação constitucional de competências. 212 213 214 Conforme ensina Antônio Roberto Sampaio Dória, “a competência tributária do Estado, um dos atributos da soberania, se exerce, como esta, nos limites de seu território privativo”. Princípios constitucionais tributários e a cláusula due process fo law, p. 113. Alerta Roque Antonio Carrazza que, “em matéria tributária, dá-se o bis in idem quando o mesmo fato jurídico é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política. Já a bitributação é o fenômeno pelo qual o mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas políticas”. Curso de direito constitucional tributário, p. 500. Amílcar de Araújo Falcão, por sua vez, enfatiza o bis in idem dizendo que tal ocorre quando “uma unidade federada decreta um imposto de sua competência e, posteriormente, cria um adicional desse mesmo imposto, ou então institui um imposto com nomen juris diverso, incidindo sobre o mesmo fato gerador: haverá, então, reincidência duplicada do mesmo imposto”. Sistema tributário brasileiro, p. 50. Mizabel de Abreu Machado Derzi, Direito tributário, direito penal e tipo, p. 103. Roque Antonio Carrazza, após ressaltar que, em face da rigidez da distribuição de competências tributárias, estas se encontram expostas e garantidas no “Estatuto Máximo”, conclui dizendo que “as regras que compartem competências têm por destinatário imediato – para usarmos uma expressão muito do agrado de Santi Romano – o legislador, que se acha, assim, impedido de expedir leis (lato sensu) desbordantes destes valores constitucionais”. Curso de direito constitucional tributário, p. 413. – 91 – Nesse patamar afigura-se essencial proceder à investigação do conceito de serviço tributável pressuposto pela Constituição Federal para outorgar e delimitar a permissão impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal.215 Apontar esse conceito exige, inicialmente, a interpretação da expressão “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar”, inserta no enunciado do art. 156, III, do Texto Constitucional. Para fins didáticos faremos um corte metodológico, analisando individual e sistematicamente cada um dos suportes físicos que conformam esse enunciado, a saber: “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no artigo 155, II”, “definidos em lei complementar”. Importa esclarecer, por oportuno, que a referida análise – fixando a significação de cada um desses suportes – tem como objetivo apontar, ao final, o conceito de serviço tributável, à luz do sistema constitucional tributário. Essa, aliás, é a “única forma de proceder à interpretação adequada dos conceitos constitucionais. Buscando no conjunto, no sistema constitucional como um todo, o sentido que o constituinte pretendeu dar a cada conceito quando o utilizou”.216 Dessa forma, mediante a adequada adjudicação de sentido aos suportes físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, não compreendidos no artigo 155, II”, 215 216 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “os conceitos jurídicos são de duas espécies: lógico-jurídicos ou jurídico-positivos. Os primeiros têm por função servir como instrumentos necessários à lógica do direito, para a apreensão do objeto desta ciência. Tais ‘verbi gratia’ os de pessoa, competência, relação, capacidade, presunção, etc. São dados necessários ao raciocínio jurídico, intermediários obrigatórios ente o sujeito (o jurista) e o objeto (a ciência jurídica). Representam, para os cultores do Direito, a forma de apreensão do jurídico. Por esta razão, estão imanentes em qualquer sistema normativo, como ‘condicionantes de todo o pensamento jurídico’, no dizer de Siches. Constituem-se em noção ‘a priori’, ainda que temporalmente hajam sido formulados após a existência dos conceitos jurídicos positivos. Já os conceitos jurídico-positivos, a posteriori’, consistem em qualificações de uma realidade para efeitos de direito. Referem-se à atribuição de um ‘sentido especial’ àquelas realidades: justamente o de produzir determinados efeitos, em decorrência da situação normativa que os colhe. Em conclusão fica firmado que os conceitos lógico-jurídicos ou conceitos puros, ditos ainda essenciais (pessoa, objeto, relação etc.), são noções estruturais a toda norma, a toda figura e a toda situação jurídica que existe, que existiu e que existirá, ao passo que os conceitos jurídicos são o resultado de uma criação humana, produzida em tempo e lugar determinados, tendo em vista a produção de certos efeitos”. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: RT, 1968. p. 77, apud Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços, na Constituição, p. 18-19. Cf. José Artur Lima Gonçalves, O ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 280281. – 92 – “definidos em lei complementar” – que conformam o art. 156, III, do Texto Constitucional –, sempre levando em conta o subsistema constitucional, será, ao cabo, apontado o conceito de serviço tributável pressuposto pela Constituição Federal para discriminar e delimitar a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal para criar o ISS. 4.2 Prestação de serviços: núcleo semântico da outorga da permissão para instituir ISS Como visto, o legislador constituinte conferiu aos Municípios e ao Distrito Federal permissão para instituir impostos sobre serviços. À primeira vista, uma interpretação literal do art. 156, III, da Constituição Federal pode indicar que o serviço seja o núcleo semântico da atribuição da permissão para instituir ISS. No entanto, uma análise mais detida e acurada, baseada na interpretação sistemática desse enunciado,217 evidenciará ser a prestação de serviços o verdadeiro núcleo semântico da presente outorga da permissão impositiva em questão. O legislador constituinte, ao empregar o termo “serviços” no art. 156, III, teve em mente um conceito jurídico-positivo prévio desse vocábulo,218 que só pode ser extraído do próprio sistema constitucional, consoante o seu emprego no direito privado. 217 218 Pondera Luís Roberto Barroso que “uma norma constitucional vista isoladamente pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outras. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema é vital e conduz ao que se denomina interpretação sistemática do direito”. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 127. Esclareça-se que este autor utiliza os termos “norma jurídica” diferentemente daquele em que mencionado na presente dissertação (aquela significação construída a partir dos textos de direito positivo, estrutura logicamente em antecedente e conseqüente, em que nessa parte normativa situa-se um dever-ser modalizado em “obrigatório”, “permitido” e “proibido”). No entanto, essa diferença não prejudica a mensagem consignada pelo autor acerca da necessária observância da interpretação sistemática da Carta Magna. Ensina Tercio Sampaio Ferraz Júnior que “Partimos do princípio hermenêutico da unidade da Constituição. Este princípio nos obriga a vê-la como um articulado de sentido. Tal articulado na sua dimensão analítica é dominado por uma lógica interna que se projeta na forma de uma organização hierárquica. [...] Perdendo-se a unidade perde-se a dimensão da segurança e da certeza o que faria da Constituição um instrumento de arbítrio”. Interpretação e estudos da Constituição de 1988, p. 59. Esclareça-se que a consideração que aqui se faz acerca do conceito de serviço é para fins de identificá-lo como prestação de serviço com conteúdo econômico, distinta, portanto, daquela que é feita no item 4.5, em que, após interpretar todos os suportes físicos que compõem o enunciado do art. 156, III, identificaremos o conceito de serviço tributável. – 93 – Com bem adverte Aires Fernandino Barreto, de nada vale, juridicamente, defini-lo consoante sua acepção vulgar; o que importa, do ponto de vista jurídico, é buscar seu enquadramento dentro dos parâmetros constitucionais. Isto porque, examinando-se o contexto sistemático da Constituição chegar-se-á a um conceito de serviço que não é rigorosamente igual ao conceito vulgar. Em outras palavras: o conceito constitucional de serviço não coincide com o 219 emergente da acepção comum, ordinária, desse vocábulo. Esse conceito de serviço empregado implicitamente pela Constituição Federal é um conceito de direito privado, sendo distinto daquele adotado pela ciência econômica.220 É dizer, o legislador constituinte, ao ter em mente um conceito de serviços, o fez aceitando o mesmo significado jurídico que a expressão “serviços” possui no direito privado, em que originalmente entrou para o mundo jurídico.221 Assim, a partir da identificação do que seja serviço à luz do direito privado são obtidos o conteúdo e o alcance da permissão para criar o ISS. Como obtempera Aires Fernandino Barreto, é no interior dos lindes desse conceito no Direito Privado que se enclausura a esfera da competência dos Municípios para a tributação dos serviços de qualquer natureza, dado que foi por ele que a CF, de modo expresso, a discriminou, identificou e 222 demarcou. Segundo o direito privado, o vocábulo “serviço” significa o esforço humano para terceiros.223 Consoante a clássica doutrina de Pontes de Miranda, serviço é qualquer prestação de fazer; é prestar qualquer atividade que se possa considerar “locação de serviços”, envolvendo seu conceito apenas a locatio operarum e 219 220 221 222 223 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 291. Cf. idem, ibidem, p. 291. Bem por isso que, no dizer de Clélio Chiesa, “a impossibilidade de o legislador ordinário redefenir os contornos utilizados constitucionalmente está didaticamente contemplada no artigo 110 do CTN, o qual estabelece que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa e implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 336. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 33. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed., p. 470; J.M. de Carvalhos Santos, Código Civil brasileiro interpretado, p. 216; Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, p. 399; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 253. – 94 – locatio operis. Trata-se de dívida de fazer, que o locador assume. O serviço é sua 224 prestação. Esse esforço humano pressupõe, necessariamente, alguém desempenhando uma ação e, pois, outrem sendo seu tomador. Não é possível supor este fato (esforço humano em benefício de alguém) sem a abstração de um agente desencadeando-o e de outrem sendo o seu tomador. É, pois, inquestionável, a existência de uma relação jurídica. É dizer, quando se fala em serviço, se está, inexoravelmente, reconhecendo, embora de modo implícito, determinada pessoa promovendo o esforço humano, desencadeando, prestando o serviço e outra na condição de tomadora. O prestador desempenha uma atividade produtiva de utilidade colocando- à disposição de outra parte (terceiro). Conforme assegura Pontes de Miranda, quem promete serviço “deve a atividade mesma”.225 Destarte, o objeto da relação jurídica em questão é um esforço humano, ou, de outro giros, uma obrigação de fazer, consubstanciada num ato ou conjunto de atos. Não há, portanto, obrigação de dar, em que a prestação consiste na entrega de alguma coisa. Esse esforço humano, registre-se, configura prestação de fazer, mas não para si mesmo, já que o direito não concebe a possibilidade de relação jurídica reflexiva.226 Portanto, juridicamente, serviço só pode ser entendido como prestação de um esforço humano a outrem. É esse o conceito de serviço que, vindo do direito privado, foi implicitamente empregado para demarcar o núcleo semântico da outorga de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal.227 224 225 226 227 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 2. ed., p. 3-4. Idem, ibidem, p. 10. Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva Campos Júnior, A base de cálculo do ISS: o preço do serviço, p. 237. Conforme explica Paulo de Barros Carvalho, “pelo prisma lógico, a relação que une os sujeitos (S’e S’’) é uma relação irreflexiva, pois representaria um sem-sentido deôntico conceber que S’ está facultado, obrigado ou proibido perante si mesmo”. Curso de direito tributário, p. 288. Sobre a utilização, pelo direito tributário, de conceito de outro ramo do direito, confira a lição de Alfredo Augusto Becker, segundo a qual “as regras jurídicas que geram as relações jurídicas tributárias são regras jurídicas organicamente enquadradas num único sistema que constitui o ordenamento jurídico emanado de – 95 – Com efeito, é a “prestação de serviços” o núcleo semântico da permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, em vista do qual deverão os legisladores ordinários dispensar irrestrita observância para eleger fato tributável pelo ISS. A doutrina, em sua grande maioria, atesta ser a prestação de serviço o núcleo da permissão impositiva dentro do qual deverão os Municípios e ao Distrito Federal se ater para institui o ISS. Conforme a magistral lição de Paulo de Barros Carvalho, o serviço, “assim entendido a prestação de utilidades a terceiro”, configura objeto da incidência do ISS.228 No entender de Geraldo Ataliba, “o ISS é imposto sobre a prestação de serviços. Recai sobre a atividade de prestar serviços”.229. É, pois, o fazer, materializado na execução onerosa de uma prestação de serviços,230 que configura o campo de atuação dos Municípios e do Distrito Federal. Embora a Constituição, em seu art. 156, III, faça, segundo lembra Roque Antonio Carrazza, menção a serviços, ela, elipticamente está aludindo a serviços prestados a terceiros, ou seja, a prestações de serviços. Isso fica mais claro se cotejarmos esse dispositivo com o artigo 155, II, do mesmo Diploma Magno (referido no art. 156, III), que 228 229 230 um Estado. Desta homogeneidade sistemática (homogeneidade essencial para o funcionamento de qualquer organismo e, portanto, essencial para a certeza do direito que deve derivar do organismo jurídico), decorre a conseqüência de que a regra do Direito Tributário ao fazer referência a conceito ou instituto de outro ramo do direito, assim o faz, aceitando o mesmo significado jurídico que emergiu daquela expressão (fórmula ou linguagem literal legislativa), quando ela entrou para o mundo jurídico naquele outro ramo do direito. Somente há deformação ou transfiguração pelo Direito Tributário, quando este, mediante regra jurídica, deforma ou transfigura aquele conceito ou instituto, ou melhor, quando o direito tributário cria uma nova regra jurídica, tomando como ‘dado’ (matéria-prima para elaboração da nova regra jurídica) o ‘construído’ (o conceito ou instituto jurídico de outro ramo do direito)”. Grifos do autor. Teoria geral do direito tributário, p. 125-126. Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 200. Geraldo Ataliba, Estudos e pareceres, p. 99. Essa execução da prestação de serviços, segundo Marçal Justen Filho, “é aquela que envolve uma prestação onde o fundamental é uma atividade do devedor não consistente na entrega de um bem (nem em uma omissão, é claro”). O imposto sobre serviços na Constituição, p. 91. – 96 – confere, aos Estados, competência para tributar, via ICMS, “prestações de serviços 231 de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. Deveras, o serviço, em si mesmo considerado, indica tão-somente o resultado de um esforço humano, não contendo os requisitos imprescindíveis à configuração dos regulares efeitos tributários. Como bem apontado por José Eduardo Soares de Melo, não se pode considerar a incidência tributária restrita à figura de “serviço”, como uma atividade realizada; mas, certamente, sobre a “prestação” do serviço, porque esta é que tem a virtude de abranger os elementos imprescindíveis à sua configuração, ou seja, o prestador e o tomador, mediante a instauração de relação 232 jurídica de direito privado, que irradia os naturais efeitos tributários. Não se supõe, portanto, que, pelo fato de o texto constitucional ter omitido o vocábulo “prestação” do art. 156, III, autoriza conclusão no sentido de que a prestação estaria descartada, de que não se estaria pressupondo a necessidade de efetiva prestação.233 Na lição de Marçal Justen Filho, serviço, por si só, não designa nem indica uma conduta humana – mas o resultado de uma atividade. Tanto é verdade que se trata de um substantivo e, não, de um verbo. Não se tributa o serviço em si mesmo, mas a atividade humana da qual ele decorre. O tributo incide, materialmente, sobre a atividade que consubstancia 234 serviço. Ou seja, a incidência se dá sobre a prestação de serviço. 231 232 233 234 Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 2 21.1, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, p. 354. José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 37. A tributação não é “unicamente sobre utilidade, comodidade, coisa, bem imaterial etc. A circunstância de no âmbito estadual a CF haver estipulado ‘prestações e serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação’ (art. 155, II – ICMS); e no âmbito municipal haver omitido o referido vocábulo (‘prestações’) – só mencionando ‘serviços de qualquer natureza’ (art. 156, III – ISS) – não significa que também não se estaria cogitando da necessidade de efetiva prestação”. José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 37. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 77-78. Grifos do autor. – 97 – Daí que, conforme assevera Susy Gomes Hoffmann, “a interpretação do texto constitucional, ao tratar do ISS, indica a incidência tributária sobre a prestação de serviços e não sobre o serviço, isoladamente”.235 Destarte, o esforço humano consistente na prestação de serviços em benefício de terceiros (e não o serviço como o produto de uma atividade humana) configura o núcleo semântico da atribuição da permissão impositiva dos Municípios e Distrito Federal para instituição do ISS. Apenas tendo em conta esse campo material de atuação específica poderão esses entes políticos legislar. 4.2.1 Irrelevância da espécie da utilidade produzida pela prestação de serviços É irrelevante, para efeito de conformação desse campo de atuação material dentro do qual deverão se ater os Municípios e o Distrito Federal para criar o ISS, a espécie da utilidade produzida pelo esforço humano. Qualquer atividade humana produtiva de utilidade a terceiros, seja material ou imaterial (com exclusão daquelas que são de competência dos Estados e Distrito Federal e daquelas que configuram serviço público, conforme será visto mais adiante), pode ser submetida à tributação pelo ISS. Essa advertência sobre a irrelevância da utilidade material ou imaterial, observa Elisabeth Nazar Carrazza,236 faz-se necessária para deixar afastado o emprego do conceito econômico de serviço, trazido para o direito, por alguns tributaristas. Entre esses tributaristas destaca-se Bernardo Ribeiro de Moraes, que, concebendo o serviço como resultado de uma atividade – fruto de conceituação econômica –, entende ser o ISS um imposto sobre a circulação, que recai sobre a circulação (venda) de serviços, sobre a circulação de bens imateriais. [...] O ISS é um complemento do ICM, uma vez que ambos os tributos possuem a 235 236 Susy Gomes Hoffmann, A base de cálculo do ISS, p. 213. O imposto sobre serviços na Constituição, p. 16, nota de rodapé n. 14. – 98 – mesma área de ação, o primeiro (ISS) abrangendo a circulação de bens imateriais, e 237 o segundo (ICM) a circulação de bens materiais. Ousamos discordar deste autor. A Constituição Federal, adotando um conceito jurídico de serviço, advindo do direito privado, outorgou e demarcou a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal para onerar não a venda de serviços, e sim a prestação de serviços. Portanto, não tem importância jurídica qualquer afirmação no sentido “de que o ISS incide sobre ‘a venda’ de serviços, porque este é um conceito econômico. Serviço não se vende; serviço presta-se, fazse”.238 Assim, o fato de a utilidade produzida com a prestação do esforço humano ser material ou imaterial não tem nenhuma relevância jurídica. Consoante ensina Paulo de Barros Carvalho, serviço consubstancia-se “na prestação a terceiro, de utilidade, material ou imaterial”.239 No mesmo sentido Aires Fernandino Barreto adverte que o que importa é ter sido obtido como fruto do esforço humano de alguém. [...] O resultado pode ser um bem material, como é o caso de uma obra de construção civil, ou a voz do cantor, que é um bem imaterial. Em ambas as hipóteses cabe 240 ISS. Eduardo Domingos Botallo também defende a irrelevância da espécie da utilidade produzida, ao sublinhar que o ISS alberga “toda e qualquer prestação de utilidade, tanto material (v.g., uma obra de engenharia) quanto imaterial (p. ex., os serviços prestados por profissionais liberais stricto sensu), que consista na execução de uma obrigação de fazer”.241 237 238 239 240 241 Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 80. Grifo do autor. Em outro trabalho este autor esposa o mesmo entendimento. Imposto municipal sobre serviços, p. 119. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 291. Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 190. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 36. Eduardo Domingos Botallo, Notas sobre o ISS e a Lei Complementar n. 116/2003, p. 79. – 99 – Essa irrelevância foi, inclusive, confirmada pelo atual Código Civil que, em seu art. 594 (art. 1.212 do antigo Código Civil), estabelece que “toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”. Sobre o critério a que alude Bernardo Ribeiro de Moraes na citação transcrita anteriormente, consistente na circulação de bens materiais versus circulação de bens imateriais, tem-se que não se presta para estremar o ICMS do ISS. A permissão impositiva reservada aos Estados e ao Distrito Federal é para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias,242 de modo que o critério jurídico para distinguir esses dois impostos é aquele consistente nas obrigações de dar e de fazer. Diante desse critério distintivo, o ICMS incide sobre aquelas obrigações (de dar) e o ISS sobre estas (de fazer), conforme proposto magistralmente por Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto243 e acolhido, posteriormente, por Marçal Justen Filho.244 Em resumo, a expressão “serviço”, empregada no enunciado prescritivo do art. 156, III, do Texto Constitucional, só pode ser considerada prestação de serviços, situada entre as obrigações de fazer em oposição às de dar,245 sendo este o núcleo semântico da permissão impositiva dos Municípios e Distrito Federal para instituir o ISS. 242 243 244 245 Segundo Aires Fernandino Barreto, não é possível concluir “se o resultado for uma ‘obra’, que se tem operação mercantil e incidência do ICMS, ou que não se tem serviço porque o resultado é um bem corpóreo, um bem material. Só isto já é o bastante para demonstrar o equívoco dessa dicotomia. Não se pode estremar o ISS do ICMS sob o fundamento de que o ICM incide sobre a ‘circulação de bens materiais’, e o ISS incide sobre a ‘circulação de bens imateriais’, porque isso não é verdadeiro nem à luz da Constituição, nem à luz dos fatos. Não foi por outra razão, de há muito, que o STF editou a Súmula 570 negando a incidência do ICM na importação de bens de capital destinados à constituição do ativo fixo das empresas. O que se extrai dessa Súmula? É que essas importações que se incorporam ao ativo fixo, não obstante sejam bens materiais, não são mercadorias. A competência estadual não é para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de bens materiais, mas imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, que é espécie daquele gênero. Ressalva-se, tão-só, as especiais hipóteses da letra a do inciso IX do § 2.° do art. 155, da Constituição”. ISS na Constituição e na lei, p. 64. ISS e ICM – Conflitos, p. 169-173, e ISS e ICM – Competência municipal e estadual – limites, p. 197-216. O imposto sobre serviços na Constituição, p. 89-93. Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 167. – 100 – 4.2.2 A inexorável necessidade de a prestação de serviços ostentar conteúdo econômico Diante do nosso contexto constitucional, a prestação de serviço deve ter conteúdo econômico para que possa ser submetida à tributação pelo ISS. Por injunção do princípio da capacidade contributiva – desdobramento do princípio da igualdade – somente aquelas prestações de serviços que exteriorizem riqueza podem ser descritas como objeto de tributação pelo ISS. É a dimensão econômica do fato “que irá permitir que a sua ocorrência concreta dimensione, de alguma maneira, o tributo, e, portanto, possa ser reconhecida como indício de capacidade contributiva”.246 Bem por isso que Marçal Justen Filho destaca que o serviço que a pessoa presta para si própria refoge da reserva de competência impositiva dos Municípios do Distrito Federal. Consoante esse autor, a prestação de atividade em benefício próprio não exterioriza riqueza, nem capacidade contributiva. É um evento não-quantificável nem dimensionável sob esse ângulo. [...] Assim, a primeira colocação que temos de fazer é a de que os serviços de qualquer natureza indicados na norma constitucional não abrangem a prestação de esforço físico ou intelectual em proveito próprio. Isso, juridicamente, 247 não é serviço, mas uma irrelevância. Apenas a prestação que tenha conteúdo economicamente mensurável – circunstância que só se dá quando o esforço seja produzido para outrem – configura tributável pelo ISS. No dizer sempre preciso de Aires Fernandino Barreto, “só a prestação do serviço é tributável, porque o conteúdo econômico indica o prestador como o 246 247 Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 30. Ressalte-se que este autor utiliza o termo tributo no sentido de obrigação tributária, diferentemente, portanto, daquele que é empregado nesta dissertação, qual seja tributo como norma jurídica. A respeito desse assunto remetemos o leitor ao capítulo 2 do presente trabalho. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 78-79. – 101 – verdadeiro beneficiário da retribuição que, de alguma maneira, é o modo objetivo de mensuração desse mesmo conteúdo econômico”.248 Portanto, é forçoso concluir que somente a prestação de serviços com conteúdo econômico está compreendida na reserva de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal. Essa inexorável exigência revela o conteúdo negocial do regime de direito privado a que deve estar submetida a prestação de serviços. Deveras, como bem salientado por Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, o que está compreendido no campo de atuação impositiva dos Municípios e do Distrito Federal é “o esforço humano prestado a outrem em caráter negocial, sob regime de direito privado”.249 O que se tributa, elucida Marçal Justen Filho, “é a prestação de um serviço como adimplemento de uma obrigação”.250 Por isso, o serviço a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal deve ser entendido como a prestação de esforço humano, efetuada em caráter negocial sob a égide de um contrato celebrado sob o regime de direito privado. De fato, o regime de direito privado pressupõe a liberdade de contratar, o que implica admitir, portanto, a existência de um contrato de direito privado, ao qual a prestação de serviço se submete para sua efetiva realização. Essa circunstância não passou desapercebida por Roque Antonio Carrazza, para quem “o serviço tributável por meio do ISS deve advir de um contrato de Direito 248 249 250 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 30-31. ISS – Locação e leasing, p. 55. No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que serviço consiste “na prestação a terceiro, de uma utilidade, material ou imaterial, com habitualidade e de conteúdo econômico, sob regime de Direito Privado”. A natureza jurídica do ISS. Aplicação prática – Incidência nos casos de promoções de bailes por agremiações esportivas, p. 152. O imposto sobre serviços na Constituição, p. 86. Assim, conforme sublinha José Eduardo de Mello, “o cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a ‘serviço’, mas a uma ‘prestação de serviço’, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de ‘fazer’, de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 37. – 102 – Privado, livremente pactuado entre o prestador e o fruidor”,251 denotando, dessa forma, aquela relação jurídica de direito privado que, consubstanciada numa obrigação de fazer, “se caracteriza pela autonomia das vontades e pela igualdade das partes contratantes”.252 Como bem explica Aires Fernandino Barreto, o serviço deve ser objeto de um contrato a que livremente aderiram prestador e tomador. A isonomia entre ambos, na relação contratual, é essencial à denotação do serviço tributável. O contrato engendra obrigação de fazer, em oposição à obrigação de dar. O prestador do serviço ao assumir obrigação de fazer torna-se devedor, pelo contrato de prestação de serviço, de um determinado comportamento, consistente em praticar um ato ou uma série de atos (atividade), ou realizar uma 253 tarefa da qual pode resultar uma vantagem para o tomador do serviço. Daí que, conforme atesta José Eduardo Soares de Melo, o ISS alcança “as relações de natureza privada, compreendendo os negócios jurídicos (prestações), vinculando prestador e tomador, mediante uma remuneração (preço), de conformidade com o princípio da autonomia da vontade”.254 É o que também pensa Elisabeth Nazar Carraza255 ao pontuar ser necessário ter presente que os serviços alcançados pelo ISS são os prestados em regime de direito privado. Por conseguinte, a prestação de serviço que se contém dentro do campo de atuação impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal é aquela resultante de um contrato oneroso firmado sob regime de direito privado entre o prestador e o tomador. 251 252 253 254 255 Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, p. 355. Cf. Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 17. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 36. José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidade da LC n. 116/2003, p. 306. Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 14. De igual pensamento Paulo de Barros Carvalho é categórico: “quem quer que preste serviços, assim entendida a prestação de utilidade a terceiro, materiais ou imateriais, com substância econômica, em caráter habitual e debaixo de regime de Direito Privado, estará realizando o fato imponível do imposto sobre serviços de qualquer natureza”. A natureza jurídica do ISS. Aplicação prática – Incidência nos casos de promoções de bailes por agremiações esportivas, p. 162. – 103 – Não se suponha, no entanto, que a Constituição Federal tenha reservado aos Municípios e ao Distrito Federal permissão para tributar por meio do ISS o contrato de prestação de serviços a que livremente aderiram prestador e tomador. Deveras, objeto da tributação pelo ISS não é o contrato, a mera contratação ou a prestação potencial de serviços, e sim a prestação efetivamente verificada, sob a égide de um contrato. Como apregoa Marçal Justen Filho, um enfoque vernacular ressalta que a vontade da Constituição é a de atribuir ao Município competência para tributar o serviço (a prestação do serviço) e, não, o negócio jurídico pelo qual alguém se obriga à prestação de serviço. [...] Se a Constituição pretendesse atribuir competência para tributar negócio jurídico, ter-seia valido, possivelmente, de fórmula semelhante (tal como “operações relativas à 256 prestação de serviços”). Não é diferente a lição de Cleber Giardino ao dizer que não há, no caso, imposto do tipo “documental” ou seja (na classificação exposta por Amílcar Falcão) incidente sobre o título expressivo da relação (jurídica) “de serviços” estabelecida. Tampouco imposto sobre o ato negocial: o fato da realização ou consumação do contrato de serviços. Na verdade, quando a Constituição alude a serviços de qualquer natureza, refere-se ao próprio ato material ou prestação concreta, especificamente o evento representativo da execução do contrato de serviços que, embora só se verifique sob o pressuposto da 257 antecedente contratação, com ela em rigor não se confunde. Nesse mesmo sentido é a posição adotada por José Artur Lima Gonçalves, segundo a qual não basta, pois, a simples promessa de uma atividade ou a mera referência ao fornecimento de uma utilidade material ou imaterial para ensejar a tributação por meio do ISS. É necessário desempenho efetivo de uma atividade, o esforço humano para a execução concreta de um serviço, conforme entendimento pacífico da 258 doutrina. 256 257 258 Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 84. Cleber Giardino, Conflitos entre ICMS, ISS e IP, p. 121. No mesmo sentido, Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 85. Aires Fernandino Barreto, ISS e ICM – conflitos, p. 204, e ISS na Constituição e na lei, p. 296. José Artur Lima Gonçalves, O ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 285. – 104 – Destarte, para nós, apenas a efetiva prestação de serviço pode ser submetida à tributação pelo ISS. 4.2.3 Interlúdio necessário Dizer que a prestação de serviços que se contém no núcleo semântico da permissão impositiva reservada aos Municípios e Distrito Federal é aquela realizada em caráter negocial, sob regime de direito privado, implica, desde logo, afastar (i) os serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista e (ii) os serviços públicos. 4.2.3.1 Serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista Os serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista (vínculo empregatício) consistem na execução de um esforço humano em benefício de outrem, realizado sob subordinação, dependência à pessoa para a qual se presta. Trata-se, destarte, de prestação de esforço humano submetido ao regime laboral, regulado que pelas normas trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho. Como bem obtempera Aires Fernandino Barreto, a presença desse vínculo de subordinação caracteriza a atividade como “prestação de trabalho, e não de serviço”,259 eis que não é enfeixada com autonomia de vontade, timbre marcante da prestação de serviço, atividade realizada sob regime negocial. Com efeito, carecendo a prestação de trabalho de autonomia de vontade em sua execução, não pode ser objeto de incidência do ISS. Para a tributação pelo ISS, o esforço humano em benefício de outrem deve ser prestado sem subordinação, isto é, com autonomia em sua execução, característica própria, segundo observa Bernardo Ribeiro de Moraes, das prestações de serviços “da 259 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 59. – 105 – empresa e do profissional autônomo”.260 É preciso, conforme destaca o autor em relação ao profissional autônomo, que este exerça sua atividade econômica com inteira liberdade de ação em face daquele para quem presta a atividade, falecendo ao interessado no serviço o poder de comandar ou de dar ordens ao prestador do serviço. O horário para prestar o serviço, o modo desta 261 prestação, etc., é decidido pelo próprio profissional autônomo. No mesmo sentido, José Eduardo Soares de Melo sublinha que o ISS somente pode incidir sobre as relações de natureza privada, compreendendo os negócios jurídicos (prestações), vinculando prestador e tomador, mediante uma remuneração (preço), de conformidade com o princípio da autonomia da 262 vontade. A par da ausência da autonomia da vontade, outra razão jurídica há que impossibilita sejam as prestações de trabalho submetidas à tributação do ISS: a natureza alimentar da remuneração dessas atividades. Sendo a prestação de trabalho realizada sob subordinação e, pois, submetida ao regime laboral, a sua remuneração tem indubitável cunho alimentar. Nesse aspecto, Aires Fernandino Barreto, após destacar que a diferença entre prestação de trabalho e prestação de serviço encontra raiz também no regime jurídico que a Carta Magna atribuiu a ambas (regime laboral na prestação de trabalho e regime negocial na prestação de serviço), ensina que a remuneração da prestação de trabalho “tem claro e insuperável cunho alimentar”.263 Essa natureza alimentar implica reconhecer que a remuneração devida pela prestação de trabalho – nítida atividade realizada sob regime laboral, e não sob regime negocial – é despida de conteúdo econômico. 260 261 262 263 Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 94. Idem, ibidem, p. 94. José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidade da LC n. 116/2003, p. 306. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 59. – 106 – É o que novamente se extrai da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo a qual “o trabalho puro e simples (por definição, subordinado) – como remuneração de sentido puramente alimentar – é, ex vi da Constituição, destituído de conteúdo econômico. É inestimável”.264 Com efeito, o cunho alimentar da remuneração da prestação de trabalho contrapõe-se ao conteúdo econômico da remuneração da prestação de serviços, eis que não é atividade realizada sob regime negocial. Estando, pois, diante de remuneração no sentido puramente alimentar, e não de remuneração com conteúdo econômico, o trabalho subordinado está excluído da tributação pelo ISS. Nessa mesma linha Marçal Justen Filho observa que a generalidade da doutrina exclui da incidência do ISS as atividades regidas pelo Direito do Trabalho. Não discordamos da predominância. [...] Pelos mesmos motivos acima indicados para excluir da abrangência constitucional os serviços em proveito próprio, também afastamos aqueles prestados em regime de emprego. Ou 265 seja, juridicamente a alusão a serviço não abrange emprego. Bem por isso que Roque Antonio Carrazza é enfático ao afirmar que o ISS não alcança o trabalho que o empregado presta ao seu empregador, porque esse serviço desenvolve-se debaixo de um vínculo de subordinação: o empregado está subordinado a seu empregador, nos termos do contrato de trabalho e da própria lei (a Consolidação das Leis do Trabalho). Como se isso não bastasse, o salário que o empregado percebe corresponde a alimentos (não à contraprestação dos serviços 266 prestados). Parece-nos, assim, que a inexistência de cunho econômico da remuneração do trabalho subordinado implica reconhecer que se trata de atividade que está fora do comércio, não podendo, dessa forma, integrar o conceito de prestação de serviço – atividade cujo timbre característico é marcado pelo seu conteúdo negocial – para fins 264 265 266 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 60. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 82. Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, p. 357. – 107 – de identificação e demarcação da permissão impositiva dos Municípios e Distrito Federal em termos de ISS. O conceito de serviço somente abrange as prestações sem relação de emprego e com conteúdo econômico, ficando excluído, conforme sublinha José Eduardo Soares de Melo, “o trabalho efetuado em regime de subordinação (funcional ou empregatício), por não estar in commercium”.267 Sob esse mesmo ponto de vista, Tárek Moysés Moussallem aponta que se exclui do núcleo semântico do conceito de serviço “o esforço humano exercido sob vínculo empregatício”.268 4.2.3.2 Serviço público Cabe, ressaltar, outrossim, que o serviço público269 também não equivale à noção de prestação de esforço humano em benefício de outrem, realizado sob regime de direito privado. Deveras, o serviço público resta afastado dessa noção pressuposta no enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal, visto que configura atividade desenvolvida pelo Estado ou quem lhe faça as vezes sob o regime de direito público, tributável por meio de taxas. Como bem sabido, a Constituição Federal outorgou, em seu art. 145, inciso II, permissão à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para tributarem, por meio de taxas (além daquelas exigíveis em razão do exercício do poder 267 268 269 José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 42. Tárek Moysés Moussallem, A base de cálculo do ISS: o preço do serviço, p. 238. Costuma-se definir serviço público como “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade, fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituídos pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios do sistema normativo”. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Prestação de serviços públicos e administração indireta, p. 1. – 108 – de polícia), a utilização, efetiva ou potencial, dos serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.270 Diante da rígida e exaustiva discriminação de permissão para criar tributos e bem assim desse enunciado constitucional, deflui ser impostergável que os serviços públicos, específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição do sujeito passivo sejam remunerados apenas por taxas. Como preleciona Aires Fernandino Barreto, o Texto Constitucional, ao associar a “remuneração” dos serviços públicos à taxa, não está se limitando a fazer recomendações ou sugestões ao legislador ordinário. Pelo contrário, está determinando que, se o legislador decidir remunerar a prestação de um serviço público (desde que esse serviço seja específico e divisível), necessariamente adotará, como instrumento para tanto, a espécie tributária taxa. Em outras palavras, a Constituição – até para impedir invasão de competências – não tolera qualquer outro tributo nessa matéria. Aí há imperativo constitucional categórico. Se se quiser remunerar serviço público, só caberá taxa, e nenhum outro tributo. Excluída está a liberdade do legislador para a eleição de qualquer outra figura tributária (como a do 271 imposto) nessas hipóteses. No mesmo sentido, Geraldo Ataliba pontua que a única liberdade que a Constituição dá ao legislador é para decidir se a prestação de dado serviço público divisível e específico (isto é: que possa ter prestação individual e, pois, fruição singular pelos utentes) será remunerada ou não. Com 270 271 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.” As taxas são tributos vinculados cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao sujeito passivo. Segundo explica Geraldo Ataliba, “a referibilidade entre a atuação – posta como aspecto material da h.i. da taxa – e o obrigado é essencial à configuração da taxa. Não pode a lei exigir taxa de conservação de rua de um proprietário não lindeiro à via pública que recebeu o serviço. Ou taxa por serviço de correio que ele não utilizou, nem taxa por fiscalização que não houve. É essencial à definição da taxa a referibilidade (direta) da atuação ao obrigado”. Hipótese de incidência tributária, p. 156. Há que observar, ainda, como bem explica esse autor, que a exigência de taxa só é possível diante de serviço público específico e divisível: “A Constituição (art. 145, II) só admite taxa nos casos de serviços específicos: quer dizer, que não seja geral. Isto é: serviço público propriamente dito (stricto sensu) definido por Celso Antônio como ‘prestação de utilidade material, fruível individualmente pelos administrados, sob regime de direito público’. Serviços públicos (lato sensu) gerais (como segurança interna e externa, relações exteriores, legislação etc), insuscetíveis de gozo individual, ou de medição, não comporta taxa. Fica claro que o requisito constitucional é que seja possível destacar-se unidade de utilização (o que supõe que o serviço seja divisível, como estabelece a Constituição, como condição de remunerabilidade por taxa), para fruição individual pelos administrados. Cada utente deverá pagar na media de utilização”. Ibidem, p. 152. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 62. – 109 – efeito, pode o legislador decidir que os serviços (vacinação, identificação ou profilaxia etc) sejam prestados sem remuneração. Se, entretanto, resolver que haverá remuneração, não pode senão optar pela taxa. A sua prestação só pode ser 272 retribuída mediante taxa. Portanto, os serviços públicos, específicos e divisíveis, somente podem render espaço à tributação por meio de taxas. É dizer, diante de serviços públicos, específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição do contribuinte, a única opção para a sua remuneração é a criação de taxas. Tamanha seria a ilogicidade se o Texto Constitucional, ao discriminar rígida e exaustivamente a permissão impositiva dos entes políticos, baseado, notadamente, na distinção das espécies tributárias, fizesse abarcar como objeto de incidência de determinado imposto acontecimento reservado constitucionalmente à tributação via taxa. Ou melhor, segundo aponta Marçal Justen Filho,273 o legislador constituinte, ao reservar a prestação de serviço público à incidência de taxa, já a excluiu do âmbito de permissão impositiva atinente aos impostos. Com efeito, sublinha esse autor, à medida que o serviço público envolve uma atuação estatal diretamente referida ao contribuinte, sua tributação caracteriza tributo vinculado. Já os impostos, enquanto tais, só podem ter na materialidade de sua hipótese uma situação qualquer, não qualificável como atuação estatal referida ao contribuinte.274 Por conseguinte, a prestação de um serviço público é intributável por meio de imposto, inclusive, por certo, pelo ISS, tributo cuja materialidade consiste em um fato ou acontecimento qualquer, diferentemente de uma atuação estatal. 272 273 274 Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 160. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 79. Cf. Idem, ibidem, p. 79. Como lembra José Eduardo Soares de Melo, “a qualificação do serviço como ‘público’ tem sido examinada para fins de permitir a cobrança de taxa, em oposição ao denominado preço público, que significa contraprestação de atividade desenvolvida pelo Estado em regime de direito privado (em plena concorrência com os particulares)”. Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 307. – 110 – A disposição do art. 145, II, do Texto Constitucional, pontua Aires Fernandino Barreto, deixa manifesto não só a plena aplicabilidade do regime da taxa aos serviços públicos, mas a impossibilidade destes serem objeto de tributação por via de ISS (ou ICMS, se fosse o caso), em face da compartimentalização que caracteriza o nosso sistema. Rígido e exaustivo que é, o nosso sistema não oferece, nesse campo, qualquer margem de opção. Nenhuma possibilidade de escolha entre alternativas simplesmente porque estas não existem. Deveras, ou se está diante de serviço público, e só se pode criar taxa para remunerá-lo – afastadas, automaticamente, quaisquer espécies tributárias – ou se está diante de outra situação em que serviço público não há, caso em que não cabe qualquer cogitação da aplicabilidade de taxa (tributo vinculado). No Brasil, é lícito afirmar tranqüilamente, que, hoje, onde houver serviço público, de nenhum modo se poderá considerar aplicável o regime 275 dos impostos. Afigura-se, portanto, inconcebível submeter à tributação do ISS acontecimento que denote atividade estatal dirigida ao contribuinte. Nesse aspecto, Cléber Giardino acentua que “no sistema brasileiro, todo tributo cuja hipótese de incidência expresse fato consistente em atividade estatal jamais poderá assumir a natureza de imposto; ou seja, nenhum imposto poderá incidir sobre situação ‘dependente’ de atividade estatal”.276 Para, então, concluir que “disso resulta evidente e manifesto que a prestação de serviços públicos – típica e ontológica atividade estatal que é – não pode consistir em hipótese de incidência de imposto; de nenhum imposto; inclusive, obviamente, do imposto sobre serviços”.277 Compartilhando desse mesmo entendimento, Elisabeth Nazar Carrazza, após enfatizar que os serviços alcançáveis pelo ISS são os prestados em regime de direito privado, sublinha que “os serviços tributáveis pelo ISS não se confundem com os serviços públicos, que estão submetidos a regime jurídico diverso, em sua prestação”.278 275 276 277 278 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 54. Cléber Giardino, Serviço público: intributabilidade por meio de imposto – Serviços de Transportes Urbanos e ISS, p. 103. Idem, ibidem, p. 103. Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços, na Constituição, p. 14. – 111 – Importa registrar, por oportuno, que, quando o serviço público é executado pela Administração de forma direta ou indireta, o regime jurídico tributário aplicável deve, inexoravelmente, continuar sendo observado. Tal regime, lembra Geraldo Ataliba, traçado amplamente nos arts. 145 a 156 – essencialmente informado pela legalidade, igualdade, vedação de delegações, irretroatividade e segurança jurídica – é obrigatório para o legislador e erige direitos públicos subjetivos para todos os contribuintes. Não pode, por isso, o legislador deixá-lo de lado, para estabelecer regime de preços, típico do direito privado, informado pela autonomia da vontade, de que decorrem a liberdade de contratar e a liberdade contratual, inconvenientes com o regime administrativo estritamente informador de toda atividade pública, 279 seja de polícia, seja de prestação de serviços públicos. Com efeito, entendemos que o serviço público, mesmo quando executado indiretamente pelo Estado – como nos casos de delegação e concessão –, não significa que tenha deixado de ser público. Se uma atividade é necessária para o público, o Estado deve exercê-la direta (por meio de entes federados) ou indiretamente (por meio de concessão, delegação ou permissão ou por meio de entidades públicas).280 Nesse último caso, a execução dos serviços públicos é, por motivos operacionais, transferida para determinadas entidades. A execução do serviço público em casos que tais “não deve produzir modificação do regime jurídico que preside essa atividade (pública), não acarretando a transformação do serviço em privado”.281 Em que pese a forma operacional adotada pelas entidades que desempenham o serviço público ser submetida às disposições do direito privado, o serviço prossegue sendo público, devendo, destarte, estar sujeito à tributação por meio de taxa. 279 280 281 Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 160. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, p. 102 e ss. Cf. José Eduardo Soares de Melo, O ISS e a Lei Complementar 116 – Conflitos de competência, p. 302. Conforme adverte este autor, “embora se positive um regime complexo – o particular atua em nome próprio na sua relação com terceiros (usuários dos serviços), mas presta os serviços no interesse público – revela-se o superior interesse (e participação indireta) da Administração Pública”. Ibidem, p. 302. – 112 – Sobre o assunto, Aires Fernandino Barreto observa que a proteção jurídico-normativa ao interesse público – que está no cerne do serviço púbico – continua sempre a existir. O que a Constituição consente, nesta matéria, é apenas que as formas de exercício, de desempenho dos atos concretos tendentes à produção e à prestação do serviço público sejam submetidas a formas de direito privado. Tem-se em vista, o acelerar o desenvolvimento do serviço público, tornar expedita a concretização dessas atividades; fazer versátil o funcionamento das entidades que os desempenham. Tudo isso, entretanto, não significa que o serviço tenha deixado de ser público. Jamais será qualificável como res in commercium só pela circunstância de as formas, mediante as quais os desempenha, serem 282 privadas. E ao final arremata dizendo: portanto, em rigor, só taxa pode remunerar os serviços públicos, seja qual for a forma operacional adotada pelas entidades que os desempenham. O que se concede não é o serviço, mas sim a sua execução. O serviço é sempre público; o titular é sempre a pessoa pública. Se o serviço é prestado pelo próprio Estado, cometido a concessionário seu, ou conferido a particulares, é o que menos importa. O serviço, em qualquer caso, seguirá sendo público. [...] Via de conseqüência, estamos absolutamente convencidos de que é inconstitucional o § 3.º, do art. 1.º, da Lei Complementar 116/2003, assim como é inconstitucional item 21 e seu subitem 21.01, da lista anexa a essa Lei Complementar, por força dos quais se pretende 283 tributar os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais”. Insta consignar, ainda, que a prestação de serviço público é afastada do conceito de serviço para fins de ISS, não só por ser tributável apenas por taxa, mas, também, por ser imune à tributação por impostos. 282 283 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 56. Idem, ibidem, p. 56. Segundo explica o autor: “como advertia, reiteradamente, o mestre Ataliba, na prática do direito brasileiro tem-se, com freqüência, adotado um chamado ‘regime tarifário’ para a remuneração de serviços públicos. Quando se fala, no Brasil, presentemente, em tarifa, quer-se fazer referência a uma entidade jurídica que se reconhece como ‘preço’. Ora, preço é a contrapartida de uma obrigação ex voluntate. É, portanto, a remuneração de uma obrigação contratual. O preço se insere, sempre, dentro de um contexto contratual. Ora bem, se o serviço público, por definição, é res extra commercium, há uma contradictio in terminis quando se fala em serviço público, de um lado, e a sua remuneração por preço, de outro. [...] Juridicamente, ou há ‘preço’, e o adjetivo ‘público’ é incabível, ou se algo é ‘público’, não pode vir vinculado a ‘preço’. Não há a figura híbrida do ‘público’ e ‘não público’ (regido pelo direito privado), assim como não há entidade ‘privada’ regida pelo direito público. Portanto, confirma-se que, se há serviço público – no Brasil, hoje, diante do art. 145, II, da Constituição Federal – somente pode haver taxa. E, se (impropriamente) por vezes se o submete ao regime de tarifas, é absolutamente certo que nunca poderá permitir a incidência de impostos”. Ibidem, p. 55. Nesse mesmo sentido confira Marçal Justen Filho, Concessão de serviços públicos: comentários às Leis ns. 8.987 e 9074, de 1995, p. 66; Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 15; Estevão Hovarth, Tarifa de transporte coletivo urbano, p. 150-160; José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 309, e Clélio Chiesa, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 346. – 113 – A Constituição Federal, ao atribuir as permissões para criar tributos, o faz com a simultânea exclusão de certas áreas, fatos ou circunstâncias, que indica entender estar fora dessa faculdade. Consoante se extrai do art. 150, VI, a, § 2.º, do Texto Constitucional – que preceitua ser proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, e às autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros –, foi excluída a permissão para tributar serviços públicos por meio de impostos. Esse dispositivo consagra a denominada imunidade recíproca que, reiterando expressamente o regime federativo e a isonomia das pessoas que compõem a Federação (máximas estabelecidas, também, pela própria Constituição Federal), evita que estas, aos prestarem serviço público, tenham suas atividades limitadas pela tributação de impostos. Como novamente explica Aires Fernandino Barreto, no nosso sistema constitucional, como as pessoas públicas são iguais, realmente nenhuma recebe do Texto Constitucional – que as cria em igualdade de condições (ou parificadas) – poder para tributar outra, mediante impostos. Deveras, basta lembrar que, ontologicamente, serviço público supõe a presença de um interesse público, a ser por ele (serviço) satisfeito. Esse interesse público é considerado igual ou superior ao próprio interesse que o Estado tem em realizar a tributação. Tanto é assim que a própria Constituição estabelece o princípio constitucional da imunidade 284 tributária recíproca (art. 150, VI, a). Assim, pretender tributar por meio de imposto determinado serviço público prestado por outro ente político implica, na verdade, exigir tributo do próprio Poder Público, em flagrante ofensa à imunidade recíproca, ex vi do art. 150, VI, a, do Texto Constitucional. Destarte, é impossível, senão com ofensa à Constituição Federal, a exigência recíproca pelos entes políticos de ISS sobre serviços públicos. 284 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 52. – 114 – Humberto Ávila é enfático ao consignar que os Municípios não possuem competência para tributar serviços públicos prestados pela União e pelos Estados, mesmo que por meio de instrumentalidade suas, nem serviços prestados por instituições de educação e de assistência social, por estarem ambos os serviços, por expressa disposição constitucional, fora do poder de 285 tributar. O serviço público, como explica Roque Antonio Carrazza, “escapa ao ISS, nos expressos termos do artigo 150, VI, a, da Constituição Federal”.286 Esse dispositivo, acrescenta esse autor, “veda que os serviços da alçada do Poder Público (serviços públicos) abram espaço à tributação por meio de impostos. Tais serviços, desde que específicos e divisíveis, somente podem ensejar taxas (de serviço)”.287 José Eduardo Soares de Melo compartilha desse mesmo entendimento consignando que “a desoneração tributária (imunidade a impostos) colima liberar a carga do ISS, para que não sejam onerados os serviços públicos (como é o caso de transporte coletivo), face à sua natureza a ao caráter de sua essencialidade”.288 Outra não é a posição de Aires Fernandino Barreto, para quem o serviço público não integra o campo de serviços tributáveis porque “o Texto Constitucional é bastante claro e expresso ao estabelecer, no item 150, VI, a, a imunidade tributária recíproca, deixando inteiramente fora das competências tributária os serviços públicos”.289 Não se pode olvidar que, se estivermos diante de serviço público (atividade vinculada), mesmo que exercido indiretamente pelo Estado, o serviço permanece 285 286 287 288 289 Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 168. Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços, p. 357. Idem, ibidem, p. 357. José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 310. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 52. – 115 – sendo público, de modo que a imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição Federal se impõe.290 A esse respeito, Humberto Ávila, após considerar que a Constituição Federal atribuiu o caráter público a alguns serviços, exigindo que eles sejam prestados pelo Poder Público e que, em função de razões operacionais, apenas a realização desses serviços é transferida para certas entidades, explica que, sendo certo que as entidades públicas são apenas instrumentos do Estado, não resta dúvida de que a imunidade recíproca também abrange essas entidades que prestam serviços em nome do Estado. Caso contrário, o Estado seria prejudicado, já que ele mesmo é que presta, ainda que indiretamente, o serviço. Apesar de a Constituição ter utilizado a expressão “é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”, essa locução não pode ser literalmente examinada, até mesmo porque o Supremo Tribunal Federal tem interpretado teleologicamente 291 as imunidades constitucionais. Assim, a imunidade recíproca, conclui esse autor, “alcança os serviços públicos, independente da forma jurídica utilizada pela entidade que a presta”.292 Em súmula, a prestação de serviço público não é albergada pelo núcleo semântico da outorga de permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal para criar o ISS (prestação de serviço, assim entendida a execução de esforço humano a outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado), seja porque (i) é regida por regime de direito público, e, portanto, somente submetida à tributação por meio de taxa, seja porque (ii) é imune. Fixadas essas noções, cumpre-nos apontar o sentido e alcance da expressão “de qualquer natureza”, constante do art. 156, III, da Constituição Federal. 290 291 292 Conforme adverte Aires Fernandino Barreto, “é de bom alvitre lembrar, ainda, que toda vez que uma empresa pública ou sociedade mista desempenha serviço público, ou o faz na condição de concessionária (quando a competência para prestação do serviço é de pessoa política diversa daquela que criou a executora do serviço), ou o faz na condição de delegada (quando o serviço é próprio de entidade política que criou a empresa executora). Em ambos os casos, porém, o serviço segue sendo público e, portanto, há imunidade”. ISS na Constituição e na lei, p. 53. Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 173. Idem, ibidem, p. 173. – 116 – 4.3 Sentido e alcance da expressão “de qualquer natureza” Consoante o art. 156, III, da Constituição Federal, cabe aos Municípios e ao Distrito Federal permissão para instituir imposto sobre prestação de serviços “de qualquer natureza”, não compreendidos no art. 155, II.293 Com se vê, para demarcar a prestação de serviço, núcleo semântico da outorga de permissão reservada aos Municípios e ao Distrito Federal em matéria de ISS, o legislador constituinte empregou a expressão “de qualquer natureza”. Portanto, em uma formulação simplista podemos asseverar que “de qualquer natureza” é denotativo de que todas as espécies de prestações de serviços, assim entendidas, execução de esforço humano a outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, estão contidas dentro do campo material de atuação específica, dentro do qual os Municípios e o Distrito Federal devem se ater para a instituição do ISS. Ocorre que, como visto anteriormente, o legislador constituinte atrelou o alcance dos termos “de qualquer natureza” à cláusula “não compreendidos no art. 155, inc. II”. Prevê o aludido art. 155, II, a que se refere o art. 156, III, caber aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.294 293 294 “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem do exterior.” Registre-se por oportuno que entendemos que a parte final do art. 155, II, do Texto Constitucional, “ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”, é aplicável tão-somente aos serviços de comunicação, já que não é possível cogitar de serviços de transporte “interestadual” (aquele que tem início em um Estado e término em outro) ou “intermunicipal” (aquele que se inicia em certo Município e termina em outro), cujo início dê no exterior. Como bem explica Aires Fernandino Barreto, “Essa cláusula final, destarte – e como está claro do Texto Constitucional – não se refere, nem se aplica aos serviços de transporte, mas, sim, aos serviços de – 117 – Diante desse cenário, tem-se, de um lado, a outorga de permissão aos Municípios e ao Distrito Federal para instituir impostos sobre serviço de qualquer natureza e, de outro, a exclusão das prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação dessa permissão impositiva, reservadas que foram à tributação pelos Estados e pelo Distrito Federal, ex vi do art. 155, II, da Constituição Federal. É inegável, portanto, que a identificação do alcance da expressão “de qualquer natureza” requer, inicialmente, se tenham em mente dois limites que, como reconhecidos pelo próprio Texto Constitucional, demarcam, negativamente, a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, quais sejam as prestações de serviços (i) de transporte de natureza interestadual e intermunicipal e (ii) de comunicação. A propósito, Aires Fernandino Barreto esclarece que, sem, primeiramente, afastar os serviços que, por sua natureza (tal como tratados na Constituição), não integram a competência Municipal, por expressa exclusão do próprio Texto Magno, não é possível conhecer o campo material de competência do Município para tributação de serviços. Efetivamente, a determinação objetiva e rigorosa do campo material de competência dos Municípios supõe o prévio conhecimento e precisa determinação da área material de competência que lhe é 295 vedada, porque entregue ao Distrito Federal e aos Estados. 295 comunicação, e apenas a estes. Com efeito, relativamente aos serviços de comunicação, a Constituição Federal não estabeleceu nenhuma restrição espacial, diferentemente do que fez com relação aos serviços de transporte. A comunicação pode ser municipal, intermunicipal, estadual, interestadual ou internacional, e sempre estará contida na descrição de outorga constitucional. Daí que, relativamente a esses serviços, podem ser tributáveis suas prestações iniciadas no exterior. No caso de serviços de transporte, isso não se faz possível, uma vez que não há (não pode haver) nenhuma prestação de serviços de transporte interestadual, cujo início se dê no exterior! Tem-se impossibilidade, assim lógica, como física. De fato, a) ou o serviço de transporte é interestadual (vale dizer, tem início em um Estado e término em outro, pois só assim poder-se-á dizer que é interestadual); b) ou o serviço de transporte é intermunicipal e, nesse caso, obviamente, só pode ser aquele que tem início em um Município e término em outro (só assim poderá ser intermunicipal). Admitir que a outorga de competência, tal como posta, abrange as prestações que tenham início no exterior implica o absurdo de supor que no exterior pode ter início prestação de serviço de transporte intermunicipal ou interestadual. Se os serviços de transporte se iniciam no exterior, é inegável que serão de transporte internacional, e não intermunicipal, nem interestadual”. ISS na Constituição e na lei, p. 66. Aires Fernandino Barreto, ibidem, p. 51. – 118 – Com efeito, a exata compreensão e alcance da expressão “de qualquer natureza” está irremediavelmente condicionada à análise prévia e conjunta da cláusula que lhe é umbilicalmente atrelada, “não compreendidos no art. 155, II”. 4.3.1 A cláusula “não compreendidos no art. 155, II” A cláusula “não compreendidos no art. 155, II”, vazada em termos negativos, vem limitar o alcance dos termos “de qualquer natureza” constantes do art. 156, III, da Constituição Federal. Conforme explica Bernardo Ribeiro Moraes, tal expressão representa um limite constitucional quanto a área dos serviços alcançados pelo ISS. Assim, na previsão legal das atividades (serviços) alcançadas pelo ISS, algumas ficaram à margem. Não podem ser incluídas no rol das 296 atividades gravadas pelo imposto municipal certos serviços. Configura, assim, verdadeira demarcação da indicação genérica prestação de serviços “de qualquer natureza”, denotando que o campo de atuação dos Municípios e do Distrito Federal se cinge a todas as prestações de esforços humanos a outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, tirante, apenas, aquelas compreendidas no art. 155, II, que são tão-somente as de transporte intermunicipal e interestadual e as de comunicação.297 Consoante a rígida discriminação de permissões impositivas, a regra geral é a tributabilidade dos serviços pelos Municípios e pelo Distrito Federal. A exceção é a tributabilidade pelos Estados e pelo Distrito Federal das prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Elisabeth Nazar Carrazza, a propósito, já mesmo antes da Constituição Federal de 1988, averbara que, 296 297 Bernardo Ribeiro Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 100. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 39. – 119 – quando o texto constitucional atribuiu à União a possibilidade de tributação de alguns serviços, excepcionou a regra geral, que é a da competência do Município nessa matéria. Na verdade, está claro e nítido na Magna Carta que a regra geral é a 298 tributabilidade dos serviços, pelos Municípios. Como cuida de demonstrar Bernardo Ribeiro de Moraes (anteriormente à Constituição Federal de 1988), os Municípios e o Distrito Federal têm competência para tributar a prestação de serviços de qualquer natureza, exceto aquela cuja tributação foi reservada à competência da União ou dos Estados-membros. Assim, podemos dizer que não são todos os serviços tributados pelo Imposto Municipal Sobre Serviços. Certa área foi extraída para a competência da União e dos Estados-membros. Há, 299 aqui, um processo de exclusão. Desse modo, nos termos em que consignadas constitucionalmente, apenas as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação não integram o campo material de atuação específica dos Municípios e do Distrito Federal para criação do ISS, pois foram expressamente conferidas à permissão impositiva dos Estados e do Distrito Federal. Nesse contexto, todas as prestações de serviços, que não as de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, estão contidas no campo material dentro do qual se resume a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal em termos de ISS. É dizer, toda e qualquer prestação de serviço, com exceção das conferidas à tributação pelos Estados e pelo Distrito Federal, é tributável pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Em outras palavras, salvo as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, cabe aos Municípios e ao Distrito Federal um campo material de atuação legislativa composto de todo e qualquer esforço 298 299 Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 24. Bernardo Ribeiro de Moraes, Imposto municipal sobre serviços, p. 182. – 120 – humano para outrem, com conteúdo econômico, executado sob regime de direito privado.300 Aires Fernandino Barreto é categórico ao dizer que, em função dos preceitos que conferem ao Distrito Federal e Estados competência para tributar os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os de comunicação, pode-se afirmar serem tributáveis – em princípio, porque outros pressupostos negativos há, como adiante se vai expor – pelo Município todos os 301 demais possíveis e imagináveis serviços. Nesse sentido também é o entendimento de José Artur Lima Gonçalves, para quem, nos termos do referido dispositivo constitucional, o imposto municipal incide sobre a prestação de serviços de qualquer natureza (excluídos, por expressa disposição constitucional, aqueles concernentes ao transporte interestadual e intermunicipal, e 302 os de comunicação). O âmbito material reservado aos Municípios e ao Distrito Federal para a instituição do ISS compreende todas as prestações de serviços a outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, exceto as de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Por conseguinte, resta evidente que é prestação de serviço “de qualquer natureza” toda execução de esforço humano a outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, exceto as de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.303 300 301 302 303 Elisabeth Nazar Carrazza, após considerar que a regra geral é a tributabilidade dos serviços, pelos Municípios, conclui que “todo e qualquer serviço, de qualquer natureza, de qualquer gênero ou espécie, desde que submetido, em sua prestação, a regime de direito privado, está no campo de competência material dos Municípios”. O imposto sobre serviços na Constituição, p. 24. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 52. José Artur Lima Gonçalves, ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 286. Idem, ibidem, p. 52. – 121 – 4.4 Conteúdo semântico e alcance da expressão “definidos em lei complementar” Para dar cabo à outorga de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, o legislador constituinte houve por bem atrelar as cláusulas “serviços” “de qualquer natureza” “não compreendidos no art. 155, II” à expressão “definidos em lei complementar”, conforme expressa dicção do art. 156, III, do Texto Constitucional. A compreensão integral do enunciado prescritivo “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” depende, ao fim, da adequada atribuição de sentido e alcance à expressão “definidos em lei complementar”. A doutrina não é uníssona quanto ao conteúdo semântico da mencionada expressão. Deveras, ao partirem de premissas divergentes quanto às funções reservadas à lei complementar tributária versadas no art. 146 do Texto Constitucional, acabam por atribuir sentidos distintos à cláusula “definidos em lei complementar” a que alude o mencionado art. 156, III, da Constituição Federal. Por essa razão, a atribuição de adequado sentido e alcance à expressão “definidos em lei complementar” depende de prévia identificação do regime jurídico da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal, consoante as funções desse veículo normativo previstas no art. 146 da Constituição Federal. 4.4.1 As funções da lei complementar tributária A doutrina assume, basicamente, duas posições diferentes acerca das funções da lei complementar tributária versadas no art. 146 do Texto Constitucional.304 304 “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; – 122 – A primeira delas, entendendo serem duas as funções da lei complementar, quais sejam dispor sobre conflitos de competência entres as pessoas políticas e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (incisos I e II), considera que o inciso III – que prevê caber à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária – só é aplicável para realizar aquelas hipóteses consagradas nos incisos I e II, pretendendo, com isso, prestigiar os princípios federativo305 e da autonomia municipal306 e, por conseguinte, a isonomia das 305 306 III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) dequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I – será opcional para o contribuinte; II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos e entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.” Integrando esse dispositivo constitucional está o art. 146-A que prevê que a “Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência e a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”. O princípio federativo é extraído basicamente do art. 1.º da Constituição Federal que prevê ser o Brasil uma República Federativa “[...] formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]”. Não existe hierarquia entre as pessoas políticas que compõem o Estado Federal. Os Estados-membros e o Estado Federal são dotados de capacidade política, enquanto atuam dentro de seus campos de ação autônomos e exclusivos constitucionalmente traçados, a evidenciar, destarte, que têm igualdade jurídica. Segundo Roque Antonio Carrazza, “[...] a União e os Estados-membros ocupam, juridicamente, o mesmo plano hierárquico. Daí por que devem receber tratamento jurídico-formal isonômico. [...]) Laboram em erro os que vêem uma relação hierárquica entre o governo central e os governos locais. O que há, na verdade, são, para cada uma destas entidades políticas, campos de ação autônomos e exclusivos, estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode alterar. Em nome desta autonomia, tanto a União como os Estados-membros podem, nos assuntos de suas competências, estabelecer prioridades. Melhor dizendo, cada pessoa política, no Brasil, tem o direito de decidir quais os problemas que deverão ser solvidos preferencialmente e que destino dar a seus recursos financeiros. É-lhes também permitido exercitar suas competências tributárias, com ampla liberdade. Assim, dependendo da decisão política que vierem a tomar, podem, ou não, criar os tributos que lhes são afetos. Se entenderem de criá-los, poderão fazê-lo de modo mais ou menos intenso, bastando apenas que respeitem os direitos constitucionais dos contribuintes e a regra que veda o confisco (art. 150, IV, da CF)”. Curso de direito constitucional tributário, p. 121. O princípio da autonomia municipal deflui dos enunciados constitucionais consubstanciados nos arts. 18, 29 e 30 da Constituição Federal. Embora, lembra Roque Antonio Carrazza, os Municípios não integrem a Federação, formada pelos Estados e pela União, eis que não participam do Congresso, já que não possuem representantes no Senado e na Câmara, ocupam posição sobranceira e privilegiada em nosso cenário jurídico, configurando pessoas políticas dotadas de inegável autonomia, que haurem suas competências da própria Constituição. Curso de direito constitucional tributário, p. 143. Nas palavras desse autor, “a autonomia, debaixo de um ângulo técnico-jurídico, encerra, em sua maior expressão, sempre, uma faculdade – 123 – pessoas políticas.307 As normas gerais, então, quando muito, caberiam apenas para dispor sobre conflitos de competência e regular as limitações ao poder de tributar.308 A segunda corrente doutrinária sustenta serem três as funções da lei complementar: (i) dispor sobre conflitos de competência tributária (inciso I do art. 146 da Constituição Federal); (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (inciso II do art. 146 da Constituição Federal); e (iii) estabelecer normas gerais de direito tributário (inciso III do art. 146 da Constituição Federal). Para essa corrente denominada “tricotômica”, a edição de normas gerais em matéria tributária não restringe os princípios federativos, da autonomia municipal e da isonomia entre as pessoas de direito público interno, dado que tanto essas diretrizes quanto a norma que autoriza a instituição de leis complementares estão, simultaneamente, previstas na Constituição Federal e que, ademais, as leis complementares são editadas pelo Congresso Nacional na qualidade de ente nacional, não tendo a União (ente Federado), 307 308 legislativa, que supõe a aptidão de estabelecer, por direito próprio (e não por delegação), regras obrigatórias. Esta faculdade não é, evidentemente, soberana, porque deve manter-se nos limites (extensos, no caso) que a Constituição impôs a seu regular exercício. Neste momento, nota-se que a autonomia dos Municípios é insofismável, já que elegem livremente seus Prefeitos e têm um Poder Legislativo capaz de prescrever, por direito próprio, normas jurídicas obrigatórias, obedecidos, apenas, os princípios da Constituição, aos quais, de resto, todas as pessoas devem submeter-se. O conceito de autonomia fixou-se, assim, em duas características essenciais: a) provimento privativo dos cargos governamentais; e b) competência exclusiva no trato de assuntos de seu peculiar interesse (Hans Kelsen). [...] Logo, exemplificando, toda lei tributária municipal válida é suprema sobre qualquer outra da União, do Estado ou de outro Município com a qual conflite. Quando, por hipótese, uma lei municipal a uma lei estadual regulam a mesma matéria, e esta se acha compreendida na competência da Câmara Municipal, a lei estadual deve ceder, pois não é senão um simulacro de lei, isto é, uma tentativa malograda de exercer uma aptidão estranha à legislatura dos Estados”. Curso de direito constitucional tributário, p. 145. Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “A isonomia das pessoas constitucionais – União, Estados e Municípios – é uma realidade viva da conjuntura normativa brasileira, muito embora aflore de maneira implícita. Mas a implicitude que lhe é congênita se demonstra com facilidade, uma vez que deflui naturalmente de duas máximas constitucionais da maior gravidade: a Federação e a autonomia dos Municípios. [...] Juridicamente, nenhuma se sobrepõe às demais, ainda que em termos políticos ou econômicos possamos reconhecer que a União foi beneficiada com um plexo de competências maior do que o dos Estados-Membros e do que o dos Municípios. Assim, nutrido pela conjugação do princípio federativo e do que consagra a autonomia municipal, deriva o reconhecimento da isonomia das pessoas constitucionais como corolário inevitável que se afirma com indestrutível certeza no contexto jurídico brasileiro”. Curso de direito tributário, p. 155-156. Entre os juristas dessa corrente doutrinária, destaca-se Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 213-215; Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 755; José Eduardo Soares de Melo, Curso de direito tributário, p. 105; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 106; Maria do Rosário Esteves, Normas gerais de direito tributário, p. 84. Próximo à tese defendida por esses autores está o pensamento de José Souto Maior Borges, para quem “as três funções do artigo 146 podem ser reduzidas a uma só: incumbe à lei complementar de normas gerais regular as limitações constitucionais do poder de tributar e dentre ela a mais eminente: a legalidade isonômica”. Aspectos fundamentais da competência municipal para instituir o ISS, p. 24. – 124 – portanto, influência na edição de leis complementares. Apregoam, ademais disso, que as hipóteses tributárias, as bases de cálculo e os contribuintes, assim como a obrigação, o lançamento, o crédito, a prescrição e a decadência, devem ser unitária e harmoniosamente definidos para todos os entes que comportam a federação. A exigência de unidade de normas gerais decorre do modelo federativo normativamente centralizador adotado pelo Texto Constitucional de 1988.309 Entre os doutrinadores da corrente dicotômica, destaca-se Aires Fernandino Barreto310 que, partindo do pressuposto de que cabe à lei complementar somente dispor sobre conflitos de competência e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, conclui que a lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal é aquela que veicula normas gerais para dispor sobre conflitos de competência, definindo um dos termos possivelmente conflitantes, quais sejam aqueles serviços reservados aos Estados e ao Distrito Federal, bem como aquelas atividades que se desenvolvem no bojo de operações mercantis. Como observa esse autor, a eventual “definição” dos serviços tributáveis pelos Estados, embora não possa diminuir a esfera de autonomia dos Municípios, não encerra maiores problemas ou complexidades. Todavia, já a “definição”, por lei complementar, de serviços tributáveis pelos Municípios agride frontalmente a autonomia municipal porque, se a lei complementar pudesse definir os serviços tributáveis, ela seria necessária e, pois, intermediária entre a outorga constitucional e o exercício atual da competência, por parte do legislador ordinário municipal. Se assim fosse, a sua ausência importaria inibição do Município, o que seria um absurdo no nosso sistema, porquanto a Constituição, no art. 30, atribui foros de princípio fundamental ao sistema à autonomia municipal, fazendo-a exprimir-se especialmente em matéria de “instituir e arrecadar os tributos de sua competência”. Essa singela consideração já demonstra impor-se repulsa categórica ao raciocínio de que definidos devem ser 311 os inúmeros serviços de competência dos Municípios. 309 310 311 Gilberto Ulhôa Canto, Lei complementar tributária, p. 1-8; Hamilton Dias de Souza, Normas gerais de direito tributário, p. 33. Eurico Marcos Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 8292; Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, p. 134-137; Sacha Calmon Navarro Coêlho, Curso de direito tributário brasileiro, p. 109; Luciano Amaro, Direito tributário brasileiro, p. 159-162; Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 95-97. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 40. Idem, ibidem, p. 41. Como bem adverte esse autor, “o Distrito Federal pode tributar todos os serviços, sem exceção, porque são de sua competência tanto os impostos estaduais como os Municipais”. Idem, p. 41. – 125 – José Eduardo Soares de Melo,312 também partindo da corrente dicotômica, apregoa que a “definição”, sem prejudicar a competência municipal, objetiva explicitar os serviços a fim de evitar eventuais conflitos de competência decorrentes de materialidades similares, afetas, à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Souto Maior Borges, por sua vez, após admitir que, em decorrência da teoria unificadora das normas gerais de direito tributário – dispor sobre a legalidade tributária das pessoas constitucionais –, não se verifica nenhuma redução do âmbito de validade do art. 146, III, da Constituição Federal, sublinha ser possível que a lei complementar defina esses serviços, pondo em atuação um limite virtualmente estabelecido pelo artigo 156, III, em caráter juridicamente exaustivo. Na área de conflitos, entenda-se. [...] Com efeito, se possível fora consideramos a definição na lei complementar não apenas como eventualmente exaustiva da zona cinzenta – área de conflitos – mas como dispondo com “taxatividade” sobre a própria competência tributária municipal, estaria subvertida a sistemática consagrada na Constituição. Ter-se-ia aberto uma brecha pela qual se introduziria a possibilidade de conversão do artigo 156, III, 1.ª parte, numa regra constitucional inócua (!). [...] De todo o exposto, cabe extrair uma conclusão: a lista é exaustiva, hoje como antes, só na área dos conflitos entre o ISS e o ICMS. Não é porém exaustiva senão exemplificativa, se correlacionada com a competência tributária 313 municipal como um todo. Todavia, em que pese a inquestionável percuciência desses ilustres juristas, partimos de outro ponto de vista, a ensejar, destarte, conclusão diversa a respeito das funções da lei complementar tributária e, por conseguinte, da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal. De fato, a partir da Constituição Federal de 1988, restou bastante claro que a lei complementar tributária não se limita apenas a (i) dispor sobre conflitos de 312 313 ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 55. Para este autor, “na medida em que os Municípios estejam subordinados ao Congresso Nacional – no tocante à edição de lei complementar definindo (estipulando) os serviços que poderão prever em suas legislações, e promover à respectiva exigibilidade – é evidente que a referida autonomia fica totalmente prejudicada. [...] Todavia, como não se pode ignorar que a norma prevendo lei complementar para ‘definir os serviços de qualquer natureza’, tributáveis pelo ISS, deve possuir um mínimo de eficácia; pode ser entendido que – sem prejudicar a competência municipal – a ‘definição’ teria por escopo explicitar os serviços a fim de evitar eventuais conflitos de competência em razão de materialidades assemelhadas, afetas à União, Estados e Distrito Federal. [...] Os fundamentos, argumentos e metas de natureza constitucional opõem-se ao pensamento de que ‘sem a lei complementar, o Município não tem condições para instituir o ISS dentro do seu território, por falta de competência tributária em relação ao serviço prestado’”. Ibidem, p. 54-55. Souto Maior Borges, Aspectos fundamentais da competência municipal para instituir o ISS, p. 30, 31 e 47. – 126 – competência, (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, mas também, e sobretudo, (iii) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. As normas gerais em matéria de legislação tributária, na medida em que são normas dirigidas à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, configuram expedientes que conferem uniformidade ao Sistema Tributário Nacional e garantem a igualdade e certeza da aplicação uniforme das normas jurídicas entre os entes políticos que compõem a federação.314 Eurico Marcos Diniz De Santi, analisando o contexto em que se começou a cogitar de normas gerais em matéria de legislação tributária, esclarece que, numa época em que, como se destaca no Parecer do Projeto do CTN, no mesmo local do território pátrio, o contribuinte era disputado por três competências fiscais diferentes, Aliomar Baleeiro falou em regras gerais para tratar de normas aplicáveis para a União, Estados, Municípios e Distrito Federal (os destinatários possíveis para regras sobre atos legislativos), de tal forma que normas gerais de direito financeiro significava o conjunto de preceitos que regiam a atividade impositiva da União, Estados, Municípios e Distrito Federal em matéria 315 tributária. Com esse sentido, conclui esse jurista, a expressão cunhada por Aliomar Baleeiro, de que derivou a expressão normas gerais em matéria de legislação tributária, não arranha o pacto federativo, como querem aqueles que levam em consideração apenas os incisos I e II do art. 146. Pelo contrário, funciona como expediente demarcador desse pacto, posto que, com sua generalidade, além de uniformizar a legislação, evitando eventuais conflitos interpretativos entre as pessoas políticas, garante o postulado da isonomia entre 316 União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 314 315 316 Segundo explica Lúcia Valle Figueiredo, a “norma geral, se corretamente dentro de seu campo de abrangência, ao contrário do que de pode dizer em matéria de invasão federativas, é, sobretudo, fator de segurança e certeza jurídicas, portanto, tendem a igualdade e certeza da aplicação uniforme de dados princípios”. Competência administrativas de Estados e Municípios, p. 7, apud Eurico Marcos Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 89. Eurico Marcos Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 88-89. Idem, ibidem, p. 88-89. – 127 – É preciso, pois, interpretar o pacto federativo em consonância com o art. 146, III, enunciado também situado no Texto Constitucional, que autoriza lei complementar editar normas gerais em matéria de legislação tributária. Deveras, o conteúdo do princípio federativo surge depois da conjugação e interpretação de enunciados que, com ele se relacionando, dispõem sobre a faculdade de editar normas gerais em matéria de legislação tributária. É dizer, o conteúdo desse pacto se verifica quando o art. 146, III, da Constituição Federal, enunciado constitucional que autoriza a edição de normas gerais em matéria de legislação tributária, já tiver sido interpretado. É o que se extrai da lição de Humberto Ávila, segundo o qual o significado do princípio federativo surge, primeiramente, quando as outras normas que com ele mantêm conexão semântica já tiverem sido analisadas. As regras de competência que prevêem a edição de normas gerais concretizam exatamente o princípio federativo. Não, há, pois, um princípio federativo, de um lado, e regras de competência, de outro, como se fossem entidades separadas e pudessem ser interpretadas em momentos distintos. O que há é um princípio federativo resultante da conexão com as regras de competência, e regras de competência devidamente interpretadas de acordo com o princípio federativo. A partir dessas considerações, pode-se afirmar que o modelo federativo adotado pela 317 Constituição de 1988 é normativamente centralizado. Assim como ocorre com o princípio federativo, o princípio da autonomia municipal também surge como tal após os influxos semânticos decorrentes da análise e compreensão do referido enunciado constitucional (art. 146, III) que dispõe sobre a faculdade de edição de normas gerais em matéria de legislação tributária. Com isso, entendemos que a existência de normas gerais em matéria de legislação tributária não implica violação ao princípio federativo e ao princípio da autonomia municipal, mas, antes, expediente demarcador dessas diretrizes, visto que, por meio de sua generalidade, uniformiza a legislação e prestigia a realização do postulado da isonomia entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de garantir a padronização e segurança jurídica do sistema tributário nacional. 317 Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, p. 136. – 128 – Cabe ressaltar, outrossim, que, tendo a Constituição Federal adotado um modelo federativo centralizado que pressupõe “normas gerais” com eficácia especificadora das demais normas jurídicas, é imperioso não deixar de se outorgar um mínimo de sentido ao enunciado constitucional que autoriza a edição das normas gerais em matéria de legislação tributária (inciso III, art. 146, da Constituição Federal).318 Bem por isso que, fortes nessa convicção e atentos à dicção do art. 146, III, e, ao que preceituam o princípio federativo e o princípio da autonomia municipal, tanto o Supremo Tribunal Federal – último e legítimo guardião da nossa Constituição Federal – quanto o Superior Tribunal reconhecem a necessidade e a legitimidade da função tríplice da lei complementar em nosso subsistema constitucional tributário.319 Cabe ressaltar, ademais, o dever de o legislador complementar que edita normas gerais para tratar, por exemplo, da definição do “fato gerador”, dirigir essas normas igualmente às pessoas de direito público interno, dado que, como assinala Eurico Marco Diniz De Santi, “a garantia do princípio federativo e da autonomia dos 318 319 Conforme Humberto Ávila, com apoio nas lições de Friedrich Muller e Robert Alexy, “não há dúvida de que as regras devem ser interpretadas de acordo com os princípios. Dúvida surge quando a interpretação, pretensamente principiológica, deixa de atribuir qualquer significado às regras. [...] Como já mencionado, a Constituição brasileira instituiu um modelo federativo centralizado que pressupõe normas gerais com eficácia limitadora e especificadora. Nessa perspectiva, a regra constitucional que prevê a edição de normas gerais em matéria tributária não pode ser deixada de lado. Sistema constitucional tributário, p. 136-137. Segundo Humberto Ávila, “há muito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a validade do Código Tributário Nacional com documento de normas gerais de Direito Tributário. O Tribunal aceitou as funções de evitar conflitos de competência e de estabelecer normas gerais de Direito Tributário. O Superior Tribunal de Justiça, cuja competência consiste em resolver conflitos relativos à legislação federal, especialmente na hipótese de a decisão recorrida negar vigência à lei federal, também reconheceu validade às normas gerais de Direito Tributário estabelecidas pelo Código Tributário Nacional. Essas decisões consubstanciam um fundamento suficiente para o reconhecimento das normas gerais em matéria de legislação tributária. Sistema constitucional tributário, p. 137. Os julgados a que de refere o autor são os seguintes: Recurso Extraordinário 106.217, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.09.1986, p. 16425; Recurso Extraordinário 136.215, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 16.04.1993, p. 6438; Recurso Extraordinário 194.987 2 194.115, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, sem data; Recurso Especial 36.311, Segunda Turma, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, DJ 25.11.1996, p. 46172; Recurso Especial 140.172, Primeira Turma, Rel. Demócrito Reinaldo, DJ 19.08.1996, p. 28441. Recurso Especial 111.611, Primeira Turma, Rel. Demócrito Reinaldo, DJ 26.09.1998, p. 29; Recurso Especial 104.419, Segunda Turma, Rel. Peçanha Martins, DJ 24.11.1997, p. 61166; Recurso Especial 93.255, Segunda Turma, Rel. Ari Pargendler, DJ 23.06.1997, p. 29080; Recurso Especial 131.458, Segunda Turma, Rel. Ari Pargendler, DJ 09.06.1997, p. 25526. – 129 – Municípios esta jungida à generalidade dos destinatários, realizando também o primado da isonomia das pessoas políticas”.320 4.4.2 Conseqüência exegética. A natureza da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal Fundamentados nesses ensinamentos, é forçoso concluir que, quando o art. 156, III, da Constituição Federal faz menção à cláusula “definidos em lei complementar”, está se referindo àquela lei complementar que insere no ordenamento jurídico normas gerais dirigidas igualmente aos Municípios e ao Distrito Federal, sobre definição de quais são os serviços que esses entes políticos poderão descrever, legislativamente, como passíveis de serem tributados pelo ISS. O Poder Constituinte, ao atribuir permissão aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem o ISS, o fez garantindo o exercício dessa faculdade à vinculação de uma lei complementar veiculadora de normas gerais de cunho nacional, a evidenciar, portanto, uma forte preocupação na uniformidade da descrição legislativa do fato tributável desse imposto por parte dos legisladores ordinários. Não há falar em violação ao princípio da autonomia dos Municípios, e, por conseguinte, ao princípio da isonomia das pessoas constitucionais, uma vez que a faculdade de instituir o ISS, descrevendo, legislativamente, os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária a ser criada não é soberana, devendo manter-se nos limites que a Constituição Federal impôs ao exercício dessa faculdade. É dizer, o princípio da autonomia municipal surge como tal após os influxos semânticos que sofre com a análise dos enunciados constitucionais que reservam à lei complementar veiculadora de normas gerais, em matéria de legislação tributária, a definição dos serviços tributáveis pelos Municípios e pelo Distrito Federal (art. 146, 320 Eurico Marco Diniz De Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 90. – 130 – III, c/c o art. 156, III). O conteúdo de tal princípio resulta do delineamento do próprio Texto Constitucional, que, ao mesmo tempo em que preconiza a competência exclusiva dos Municípios no trato de assuntos de seu peculiar interesse, alçou a necessidade de uniformização das prestações de serviços passíveis de serem tributadas pelos Municípios e pelo Distrito Federal, por intermédio de norma geral definidora de quais prestações são essas. A autonomia dos Municípios e do Distrito Federal é, assim, considerada como tal, na medida da reserva impositiva que lhes foi reconhecida constitucionalmente. Tendo o legislador constituinte previsto que cabe aos Municípios e ao Distrito Federal instituir imposto sobre serviços definidos em lei complementar, estas pessoas de direito público interno poderão exercitar a permissão impositiva que lhes foi reservada somente em relação àqueles serviços que foram objeto da definição exigida. O direito de esses entes políticos exercerem livremente a autonomia que lhes foi conferida, instituindo o ISS, completa-se, pois, com a edição de lei complementar definindo as prestações de serviços tributáveis. Júlio Maria de Oliveira bem evidencia a necessidade da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal, ressaltando que a exigência da definição das prestações de serviços potenciais que poderão constituir o fato jurídico tributário não obriga os Municípios e o Distrito Federal a tributar referidas prestações de serviço. Todavia, impede que tais entes tributantes desbordem dos limites estabelecidos na lei complementar. Segundo se vê, a composição da norma estruturante de competência completa-se com a edição da 321 referida lei complementar. Convém advertir, por oportuno, que a definição em questão só pode ser entendida como “especificadora” das prestações de serviços que podem ser consideradas como passíveis de tributação pela lei municipal e distrital, e não como 321 Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 96. – 131 – descritiva do próprio fato tributável, matéria reservada à lei ordinária instituidora do ISS. Conforme adverte Geraldo Ataliba, a lei complementar, portanto, não vai “descrever os fatos capazes de gerarem obrigações tributárias” – que isto é próprio da lei (municipal, in casu) – mas simplesmente estabelecer quais os serviços que podem ser tomados pela lei 322 municipal como hipótese de incidência (fato gerador) deste imposto. A lei municipal é que, reafirma esse jurista ao tempo do Decreto-lei 406/1968, nos limites da Lei Complementar (e o Decreto-lei 406 o é) – posta como intermediário necessário entre a norma permissiva constitucional e ela própria – irá instituir ou criar (ou mudar) o tributo, descrevendo as hipóteses de incidência, 323 condição sine qua non do nascimento das obrigações tributárias concretas. De fato, considerando que a Constituição Federal já pressupôs um significado à prestação de serviço, núcleo semântico da outorga da permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, o que cabe à lei complementar em questão é definir as prestações de serviços tributáveis, especificando quais são elas. Daí por que, para ser atendido o disposto na expressão “definidos em lei complementar”, as prestações de serviços devem ser fixadas, seja por meio de uma listagem, seja por outro método. Estamos, portanto, com Bernardo Ribeiro de Moraes, quando ele, anteriormente à Lei Complementar 116/2003, já sustentava que, “definidos em lei complementar” quer dizer estabelecidos em lei complementar, isto é, fixados, indicados, arrolados, em lei complementar. Compete à lei complementar estabelecer quais as atividades que devem ser tidas como serviços, para efeito de incidência do ISS. [...] Aliomar Baleeiro, utilizando expressão mais feliz e menos discutida, ao conceituar a hipótese de incidência do ISS, diz que os serviços de qualquer natureza devem estar previstos “em lei complementar”. [...] Não podemos deixar de conceber a lista de serviços baixada por lei complementar 322 323 Geraldo Ataliba, Lei complementar na Constituição, p. 83-84. Idem, Normas gerais de direito financeiro e tributário e autonomia dos Estados e Municípios, p. 58. – 132 – como taxativa, por imperativo de ordem constitucional (Emenda Constitucional n. 324 1, de 1969, art. 24, n. II; Decreto-lei n. 406, de 1968, art. 8.º). Importa gizar, nesse contexto, que a Lei Complementar 116/2003, quando, a pretexto de definir as prestações de serviços tributáveis pelo ISS, faz menção ao vocábulo “congêneres” ou a expressões vagas (como “serviços de pesquisas de desenvolvimento”), acaba, a rigor, não especificando prestação nenhuma e, por conseguinte, não definindo as prestações de serviços tributáveis, o que implica flagrante ofensa aos arts. 156, III, e 146, III.325 Somente especificação clara, precisa e minudente das prestações de serviços que poderão ser erigidas como fato jurídico tributário do ISS atende ao disposto nos mencionados enunciados prescritivos. Isso não significa, no entanto, que possa o legislador complementar definir como serviço algo que serviço não é. A lei complementar deve se cingir a especificar atividades que configurem prestações de serviços, não podendo nunca desbordar esse núcleo semântico da outorga de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, sob pena de tornar a Constituição Federal flexível. Como destaca Aires Fernandino Barreto, a lei complementar tem que se cingir a definir ou listar atividades que, indubitavelmente, configurem serviço. Será inconstitucional toda e qualquer legislação que pretenda ampliar o conceito de serviço constitucionalmente posto, para atingir outros fatos (iluminados pelos contratos respectivos). À guisa de exemplo, entre os fatos que não pode ser atingidos está a cessão de espaço em bem imóvel. Não pode a lei, complementar ou ordinária, prever a tributação, por via de ISS, de qualquer cessão de espaço em bem imóvel, uma vez que a CF outorgou aos Municípios apenas a tributação de serviços, de modo explícito e inalargável, atribuindo a competência residual à União. Não pode a lei complementar definir como serviço o que serviço não é, nem a pretexto de atender à cláusula final do art. 156, III. É que, se a CF é rígida, não pode ser modificada pela lei complementar. 324 325 Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 107-108. Segundo esse autor, a “maioria esmagadora os autores agasalham o mesmo ponto-de-vista, de forma categórica, pronunciando-se pela taxatividade da lista de serviços, v.g., Ruy Barbosa Nogueira, Rubens Gomes de Sousa, Arnoldo Wald, Manoel Lourenço dos Santos, José Afonso da Silva, Fábio Fanucchi e muitos outros”. Ibidem, p. 109-110. Consoante destaca Humberto Ávila, “a falta de atribuição de uma definição minimamente compreensível a determinados serviços pela Lei Complementar viola o disposto nos artigos 146, III, e 156, III, da Constituição Federal”. O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 170. – 133 – Esta não pode definir como serviço o que serviço não é. A lei complementar 326 completa a Constituição; não a modifica. No mesmo sentido, Bernardo Ribeiro de Moraes apregoa que, ao estabelecer o rol dos serviços, a lei complementar não pode violar o Estatuto Supremo que lhe é superior. Ao estabelecer, de forma precisa, não genérica, os serviços oneráveis pelo ISS, a lei complementar deve obedecer fielmente a 327 discriminação constitucional de rendas tributárias. Outro também não é o entendimento de Humberto Ávila, segundo o qual o legislador infraconstitucional – pouco importa se atuando por meio de lei complementar ou de lei ordinária – não pode contrariar o significado mínimo atribuído ao aspecto material da hipótese de incidência do imposto sobre serviços pela Constituição Federal. Dito de outro modo, o legislador infraconstitucional não poderá atribuir qualquer significado à expressão “prestação de serviços”, mas, apenas, o significado posto e pressuposto pela Constituição Federal. Nesse sentido, a Lei Complementar, a pretexto de estabelecer as normas gerais aplicáveis ao imposto sobre serviços, não poderá tributar serviços abrangidos por regras de imunidade, definir como serviço atividades que não se enquadram como tal ou em 328 campos materiais reservados à competência de outro ente federado. Em súmula, a lei complementar a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal é aquela que veicula normas gerais em matéria de legislação de ISS, definindo, mediante listagem clara e não genérica ou qualquer outro método de similar qualidade, quais as prestações de serviços que poderão ser erigidas como fato jurídico tributário do ISS por parte do legislador ordinário. Sendo assim, os Municípios e o Distrito Federal, nos termos em que reconhecidos no próprio Texto Constitucional, só podem descrever, legislativamente, como passíveis de tributação aquelas prestações de serviços previamente definidas em lei complementar. 326 327 328 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 109. Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 107. Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 168. – 134 – 4.5 Nosso conceito constitucional de serviço tributável pelo ISS Após essa longa digressão, consubstanciada na análise individual e sistemática de cada um dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, que conformam o enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal, é possível, ao cabo, identificar o conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente para discriminar a permissão impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, e, por conseguinte, para delimitar rigidamente o campo material de atuação legislativa desses entes políticos. Conforme elucida Aires Fernandino Barreto, ficando a Constituição Federal no plano da definição de competências e no da demarcação de campos materiais para delimitar a esfera de ação legislativa da União, Estados e Municípios, é visível que ela só pode cuidar de serviço “tributável”. [...] a Constituição, primeiramente, demarca o campo de ação da lei ordinária. Fixa um contorno genérico, que pode ser total ou parcialmente utilizado pelo legislador (ou até mesmo não exercido). Daí que o conceito constitucional seja o de serviço tributável. Observado o círculo definido pela Constituição, a lei poderá promover outros traçados, abrangendo todo o círculo ou ficar aquém, estabelecendo círculo menor. Obedecidos esses lineamentos, a administração encarregar-se-á de transformar o tributável em 329 tributado. Assim sendo, por serviço tributável entendemos a prestação de esforço humano economicamente apreciável, sem subordinação, tendente a produzir utilidade material ou imaterial a um terceiro, sob regime de direito privado, não compreendida na competência dos Estados e do Distrito Federal, definida em lei complementar. É a partir também desse conceito de serviço tributável, pressuposto constitucionalmente para atribuir e delimitar a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, que se empreenderá a construção da norma padrão do ISS, obstáculo intransponível dirigido a tais entes políticos para instituir esse tributo. 329 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 33. – 135 – 5 A NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS) 5.1 A norma padrão tributária Vimos que o objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária é a permissão para editar norma jurídica, descrevendo, legislativamente, os enunciados que comporão os critérios de certa regra-matriz de incidência tributária, conforme um conjunto de limitações prescritas pelo próprio sistema jurídico. Tal conjunto é formado pelos princípios jurídico-tributários, imunidades, enunciados constitucionais e complementares que disciplinam materialmente o conteúdo dos enunciados prescritivos que comporão os critérios da norma jurídica a ser criada.330 Com fundamento nesse conjunto de limitações é construída a norma padrão tributária, norma jurídica à qual devem necessária observância os legisladores ordinários para o exercício da faculdade de criar certo tributo.331 Trata-se referida norma padrão tributária de norma jurídica que predetermina a hipótese de incidência 330 331 Conforme registrado no capítulo 3, subitem 3.2.2, princípios são significações de enunciados prescritivos, dotadas de forte conotação axiológica ou fixadoras de limites objetivos orientados à realização de um dado valor, que integram a estrutura da norma jurídica, no caso a norma de competência legislativa tributária, informando e delimitando a faculdade de criar os tributos. Imunidades são aquelas significações de enunciados prescritivos veiculadoras de limites objetivos, que integram o conseqüente da norma de competência legislativa tributária, impedindo a edição de regras-matrizes que onerem certas situações, fatos ou pessoas. Enunciados complementares são aqueles enunciados prescritivos veiculados por leis complementares, cuja significação, sem afrontar os dispositivos constitucionais, compõe a norma de competência legislativa tributária, promovendo a delimitação de um ou mais de seus critérios. Tácio Lacerda Gama designa o que chamamos de norma padrão de incidência tributária de “regra-matriz de incidência tributária possível”. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 84. Preferimos, no entanto, empregar a expressão “norma padrão tributária”, em vez de “regra-matriz de incidência tributária possível”, por considerarmos que a menção ao termo “regra-matriz” constante da referida locução pode dar a entender que tal norma seria uma norma igual à regra-matriz tributária, ocasionando, dessarte, confusão de planos. – 136 – que poderá ser prescrita pelo legislador ordinário, a base de cálculo e alíquota possíveis, bem como os sujeitos que integrarão a relação jurídico-tributária.332 Importa esclarecer que não se confunde a “norma padrão tributária” com a “regra-matriz tributária”. Ambas são normas jurídicas; no entanto, a norma padrão tributária é construída a partir de enunciados constitucionais e complementares. Já a regra-matriz tributária é formada a partir de enunciados prescritivos veiculados pelas leis ordinárias editadas pelos entes políticos, após a permissão para a criação do tributo ter sido exercitada. O conteúdo dos enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz tributária haverá de se conformar às predeterminações trazidas pela norma padrão tributária. Dessarte, entendemos que a permissão para instituição de tributos, objeto da relação jurídica de competência legislativa, resta integralmente moldada e condicionada pela norma padrão, norma jurídica construída com fundamento na interpretação do conjunto de enunciados que disciplinam materialmente tal faculdade. Tácio Lacerda Gama a propósito atesta que o objeto da relação jurídica de competência é a permissão para criar um determinado tributo, formado pela reunião de enunciados que autorizam a criação de tributos e restringem sua instituição sobre certos e determinados fatos. Mais especificamente, é possível identificar uma regra-matriz de incidência tributária possível, vista como o campo de possibilidade para edição de um tributo, formada a partir da reunião de princípios, imunidades e enunciados complementares.333 Oportuno salientarmos que, adotada a uniformidade sintática das normas jurídicas, configura inexorável reconhecermos que a norma padrão tributária é estruturada logicamente em antecedente e conseqüente. No antecedente normativo da norma padrão tributária identifica-se a descrição do fato que poderá ser onerado (critério material), do momento de possível 332 333 Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 84. Idem, ibidem, p. 276. – 137 – ocorrência desse fato (critério temporal) e da porção do território em que é possível a ocorrência do fato (critério espacial). Já no conseqüente vislumbra-se a imputação de uma conseqüência, representada pela descrição de uma relação jurídico-tributária. Assim, o conseqüente normativo aponta para o critério pessoal e para o critério quantitativo, prescrevendo os sujeitos da relação tributária (o sujeito ativo e o sujeito passivo) a ser instaurada, bem como a prestação pecuniária que poderá ser objeto da relação. Os enunciados que compõem esses critérios normativos são, repita-se, vislumbrados por intermédio da interpretação de um conjunto de limitações, identificado por princípios, imunidades, enunciados constitucionais e enunciados complementares, que disciplinam a criação de tributos reservados aos entes políticos. A norma padrão tributária corresponde, assim, à prefiguração da regra matriz de incidência tributaria. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), ao exercitar a competência tributária, editando os enunciados prescritivos que comporão a regra-matriz tributária, deverá ser fiel à norma padrão tributária, não podendo, pois, fugir desse arquétipo.334 Em outras palavras, o tributo só pode ser criado por quem pode, de acordo com a norma padrão tributária da exação respectiva. Cabe ao legislador ordinário, a partir das predeterminações da norma padrão tributária, tão-só explicitar e detalhar o seu campo tributável próprio, não podendo lhe agregar ou subtrair nada de substancialmente novo. 334 Cf. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 426-427. Registre-se que este autor toma o termo “competência” como permissão para criação dos tributos, sendo diferentemente, portanto, do adotado neste trabalho. Conforme visto no capítulo 2, tratamos competência como uma norma de competência legislativa tributária que, em seu antecedente, contém a descrição do sujeito, do procedimento, do espaço e do tempo, necessários à edição do tributo, entendido como norma jurídica em sentido estrito (regra-matriz tributária) e, em seu conseqüente, a previsão de uma relação jurídica que tem por objeto a permissão para criar o tributo, dentro de certos limites, identificados pelo conjunto de princípios, imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares. – 138 – 5.2 A norma padrão do ISS Tratando-se de permissão para instituir ISS, tal faculdade deve ser exercida consoante a norma padrão tributária do ISS, doravante denominada simplesmente norma padrão do ISS. Eis o objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária do ISS, a que nos referimos no item 3.3.1 do capítulo 3. Trata-se a norma padrão do ISS de uma norma jurídica construída com fundamento no conjunto de enunciados que regulam materialmente a instituição desse tributo. Integram esse conjunto o enunciado constitucional que autoriza criação do ISS, os princípios e imunidades relacionados a esse tributo e os enunciados introduzidos por meio de lei complementar que dispõem sobre conflitos de competência entre os entes políticos, regulam as limitações ao poder de tributar e estabelecem normas gerais em matéria de legislação tributária. Configura, dessarte, verdadeira baliza posta pelo próprio direito positivo que norteia a atuação dos legisladores municipal e distrital, com intuito de exercer a permissão impositiva que lhes foi reservada para a instituição do ISS, sob pena de decretação de invalidade do tributo criado.335 Referida permissão normativa conforma o âmbito de atuação dentro do qual os legisladores municipais e distritais deverão observar quando forem criar os enunciados que, organizados em uma estrutura lógico-condicional, integrarão a estrutura da regra-matriz tributária. Assim, devem os legisladores – ao exercitarem a permissão para instituição do ISS conforme certo conjunto de limitações, prevista na norma de competência legislativa tributária correspondente – inexorável observância à norma padrão do ISS. Se assim não o fizerem, estarão incidindo em dupla inconstitucionalidade: (i) uma, por não respeitarem a norma padrão do ISS, e (ii) outra, via oblíqua, por contrariarem a 335 Cronologicamente, a norma padrão tributária é construída antes do exercício da permissão para criação do ISS. Já a regra-matriz tributária é construída somente após o exercício da permissão para criar esse tributo, encontrando-se no plano infraconstitucional. – 139 – norma de competência legislativa do ISS ao empreender criação normativa em dissonância com a previsão da permissão para criar o ISS. 5.2.1 O critério material (considerações superficiais) O critério material da norma padrão tributária do ISS prescreve a materialidade que pode ser erigida pelos legisladores ordinários, indicando os fatos passíveis de tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Esse critério normativo é construído com fundamento (i) nas imunidades contempladas no art. 150, VI, a, §§ 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, (ii) no enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, no conceito de serviço tributável nele pressuposto, (iii) bem como nos enunciados prescritivos veiculados pela Lei Complementar 116/2003.336 Tendo em vista que a integração lógico-semântica do critério material e do critério quantitativo (base de cálculo) da norma padrão do ISS configura índice seguro para identificar o verdadeiro núcleo de incidência jurídica, que poderá ser submetido à tributação, preferimos, por opção metodológica, proceder minudente construção desse normativo no próximo capítulo, ocasião em que será demonstrada que a materialidade do ISS só poderá ser prestar serviços arrolados na lista anexa à Lei Complementar 116/2003. 336 Sustentamos no subitem 4.4.1 do capítulo 4 que os enunciados introduzidos por lei complementar constituem também suporte lingüístico para a construção de “normas gerais em matéria tributária”, consoante previsto no art. 146 da Constituição Federal, garantindo, destarte, uniformidade para o exercício da conduta de produzir normas tributárias. Consoante será visto no decorrer deste capítulo, a Lei Complementar 116/2003 tem três funções, tendo em vista o disposto no referido art. 146 da Constituição Federal veiculando no sistema normas que cuidam de (i) dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes, (ii) regular as limitações ao poder de tributar, e (iii) estabelecer diretrizes gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre, (iii.a) definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, (iii.b) prescrição, decadência, obrigação, lançamento e crédito tributários, (iii.c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, e (iii.d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte. – 140 – 5.2.2 O critério temporal Não cabe cogitar dos fatos passíveis de tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal, sem a sua referência a certas conjunturas de espaço e de tempo.337 O critério espacial da norma padrão do ISS possível indica a porção do território nacional em que poderá ocorrer o fato jurídico tributário descrito na norma. Deveras, a identificação do território onde ocorre a prestação de serviços de construção civil, por exemplo, depende de prévia noção de quando se dá por concluída referida atividade. Assim, somente após saber o momento de possível ocorrência da materialidade do ISS é que se pode identificar, com firmeza, onde ocorrerá a prestação de serviço. Demarcar esse momento de ocorrência do fato jurídico tributário descrito na norma significar investigar o critério temporal338 da norma padrão do ISS. O critério temporal da norma padrão do ISS é identificado tendo em conta a interpretação empreendida do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, a noção do conceito de serviço tributável nele pressuposto. Sendo certo que, por força desse enunciado constitucional, o critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços, por exemplo, de construção civil; o critério temporal da norma padrão do ISS (momento em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário) somente pode ser a conclusão, a consumação, da mencionada prestação de serviços. 337 338 Paulo de Barros Carvalho pondera que “o comportamento de uma pessoa, consistência material lingüisticamente representada por um verbo e seu complemento, há de estar delimitado por condições espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito e acabado, como descrição normativa de um fato. Seria absurdo imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realizasse independentemente de um lugar e alheio a determinado trato de tempo”. Curso de direito tributário, p. 259260. Consoante Paulo de Barros Carvalho, o critério temporal compreende “o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária”. Ibidem, p. 264-265. – 141 – Como destaca Marcelo Caron Baptista,339 ao indicar o critério material que poderá ser erigido como hipótese de incidência do ISS como a prestação-fim de fazer de natureza sinalagmática, o Texto Constitucional, implicitamente, impôs ao Município e ao Distrito Federal o dever de, ao exercerem a permissão impositiva que lhes foi outorgada, instituir como critério temporal o momento da realização dessa prestação. Apenas a concretização integral do fato jurídico tributário descrito como critério material da norma padrão do ISS representa marco indicativo do critério temporal correspondente. Enquanto aquela prestação-fim à que se obrigou o prestador não for ultimada, “todo e qualquer esforço voltado ao tomador não passará de uma prestação-meio, incapaz de realizar o comportamento tributável”.340 Dessarte, adotando-se as palavras de Paulo de Barros Carvalho,341 a prestação de serviço pronta e acabada representa o critério temporal da norma padrão do ISS. Não obstante, a identificação de quando certa prestação de serviços resta pronta e acaba pressupõe que se tenha presente se se trata de atividade fracionável ou não-fracionável. Essa bipartição, consoante Aires Fernandino Barreto, “é crucial porque, se o fato for fracionável, o aspecto temporal pode ser tido por completado quando da ultimação da cada fração. Se, inversamente, não puder ser secionado esse imposto só se tornará exigível quando da integral conclusão do fato”.342 Com efeito, segundo o autor, eventual fracionamento da prestação de serviços 339 340 341 342 ISS: do texto à norma, p. 502. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 495. ISS – diversões públicas, p. 191. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 301. – 142 – permitirá se constate a existência de vários fatos parciais, cada qual encerrando as circunstâncias necessárias e ao mesmo tempo suficientes para o surgimento da obrigação tributária. Sempre que a segmentação dos fatos se revelar viável sem perda de sua inteireza (e configurar uma prestação de serviço) ocorrerão tantos fatos tributários quantas forem as decomposições que se fizerem possíveis.343 De toda sorte, comportando a prestação de serviços fracionamento ou não, é vedado ao legislador ordinário, por imposição lógica do nosso subsistema constitucional tributário, considerar como critério temporal do ISS qualquer momento que anteceda a ultimação da prestação de serviços. Antes de consumada certa prestação de serviço. não há cogitar sobre momento de ocorrência da materialidade do ISS.344 No tocante à impossibilidade de o legislador municipal ou distrital eleger como critério temporal um momento qualquer que anteceda a consumação da prestação de serviços, Marçal Justen Filho pondera que, em essência, se o aspecto material é a prestação de serviço, o aspecto temporal só pode ser um único: o momento em que há prestação de serviço. Se é eleito, como critério temporal, um momento temporal diverso, o único resultado seria o de que a tributação não mais teria por hipótese, no aspecto material, a prestação de serviço, mas aquela situação que se verifica no momento localizado a partir do critério temporal. Assim, se se decide eleger como critério temporal a inscrição do 343 344 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 301. O fracionamento pode ser de duas espécies: etapas, fases, trechos ou períodos de tempo. Consoante explica esse tributarista, “tem-se fracionamento em etapas, por exemplo: quando contratado um serviço de construção civil para a pavimentação de 10 quilômetros de estrada, ocorre a ultimação de 1quilômetro. A conclusão desse trecho permitirá a incidência do ISS sobre essa extensão, mesmo que incompletas (ou até mesmo não iniciadas) as demais. Não se conclua, todavia, que todo serviço de construção civil seja fracionável. Se o serviço contratado fosse a execução de um prédio escolar, rigorosamente não seria possível o fracionamento, porque se tem aí obrigação de resultado. Sem a escola pronta não se há falar em prestação de serviços. Essa postura não é pacífica. É possível defender que, se há um cronograma de execução, e o tomador aceita (reconhece realizadas) as várias medições efetuadas, se tem, a cada uma delas, um fato suscetível de tributação, por via de ISS. De toda a sorte, é preciso verificar se o serviço, por suas características ou especificidades, admite uma execução parcelada. Se for possível essa partição, o ISS será devido quando concluída certa etapa ou fração. Não basta a simples medição. É necessário que o tomador a reconheça como correta, aceitando-a. Nesse átimo, surge a obrigação tributária. O fracionamento no tempo ocorre quando, a despeito de envolver um longo período de tempo, for possível decompô-lo, em lapsos temporais menores. Exemplo típico se dá com o serviço de ensino que, nada obstante contratado para o ano letivo, pode ser desdobrável a cada mês”. Ibidem, p. 301. O Superior Tribunal de Justiça já assentou ser incabível a exigência tributária antes da verificação da prestação de serviços. Vejam-se, nesse sentido, os seguintes julgados nos quais restaram consignado ser ilegítimo deslocar o momento da ocorrência da prestação de serviços de diversões públicas para a chancela prévia de ingressos pelo Município: Recurso Especial 159.861/SP, Rel. Min. Humberto de Barros, DJU 14.12.1998, p. 109; Recurso Especial 198.182/SP, Rel. Min. Falcão, DJU 31.03.2000; Recurso Especial 302.534/SP, Rel. Min. Paulo Medina, DJU 17.02.2003, p. 125. – 143 – profissional liberal nos cadastros municipais, o tributo, materialmente, passa a incidir sobre a inscrição profissional, sobre o cadastramento – não é tributo sobre prestação de serviço.345 Aires Fernandino Barreto também destaca a impossibilidade de eleger como critério temporal do ISS qualquer momento anterior à ocorrência de certa prestação de serviço. Nas palavras desse autor, o aspecto temporal é condicionado ao perfazimento do critério material. Inexistente ou não exaurido o fato prestar serviço não é válida a eleição de qualquer átimo antecedente, como demarcador do aspecto temporal da hipótese de incidência.346 A respeito do assunto também vale transcrever a lição de José Eduardo Soares de Melo, segundo a qual, em se tratando de ISS, impõe-se a irrestrita obediência ao seu aspecto material – prestação de serviços – nada interessando os aspectos meramente negociais ou documentais. Somente com a efetiva realização (conclusão, ou medição por etapas) dos serviços é que ocorre o respectivo fato gerador tributário com a verificação do seu aspecto temporal.347 A nosso ver, portanto, a realização de atividades necessárias à efetivação da prestação-fim contratada, por exemplo, a mera contratação e capacitação técnica e profissional para a execução dos serviços, não guarda correspondência com o perfazimento da prestação de serviços. Em súmula, critério temporal da norma padrão do ISS é a conclusão de certa prestação de serviço. Somente esse preciso instante pode ser erigido pelo legislador ordinário como o momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico tributário. Reconhecido o momento em que se considera ocorrida a prestação de serviços (critério temporal da norma padrão do ISS), já é possível identificar, com segurança, o local em que se reputa ocorrido esse fato. 345 346 347 Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 138. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 306. José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 160. – 144 – 5.2.3 O critério espacial O critério espacial da norma padrão do ISS contém a indicação do lugar que os Municípios e o Distrito Federal poderão erigir como aquele em que se considera ocorrida a prestação de serviços.348 Esse critério normativo é identificado tendo em consideração a materialidade da norma padrão do ISS – extraída da interpretação do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, do conceito de serviço tributável nele pressuposto –, o discrímen da territorialidade das leis, também denominado princípio da territorialidade, por alguns doutrinadores,349 bem como a adequada interpretação do art. 3.º da Lei Complementar 116/2003, veiculado para dispor sobre conflitos de competência entre os Municípios e Distrito Federal. Consoante adverte Suzy Gomes Hoffmann,350 não há como especificar o local em que ocorrerá o fato descrito no critério material sem conhecer, previamente, o fato tributável. Considerando que a materialidade inserta na norma padrão do ISS se resume em prestar serviços, por exemplo, de construção civil, o local de ocorrência desse fato somente pode ser o da prestação, isto é, aquela porção do território na qual a obrigação de fazer se configura. 348 349 350 Como bem assevera Paulo de Barros Carvalho, o critério espacial contém “os elementos necessários e suficientes para identificarmos a circunstância de lugar que condiciona o acontecimento do fato jurídico”. Teoria da norma tributária, p. 119. Consoante Geraldo Ataliba, é vital a identificação das circunstâncias de lugar, consideradas juridicamente importantes, para efeitos de regular o surgimento das obrigações tributárias. Hipótese de incidência tributária, p. 104. Entre alguns doutrinadores, confiram-se: José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 165; Heleno Taveira Tôrres, Prestações de serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior, p. 286; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 318; Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 533; Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 518. As contribuições no sistema constitucional tributário, p. 138. – 145 – Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto bem evidenciam essa máxima ao dizerem que, “se o arquétipo é a prestação de serviços, o aspecto espacial só pode se reduzido ao local onde se efetua a prestação”.351 Betina Treiger Grupenmacher abona esse entendimento ao sustentar que “o aspecto espacial da hipótese de incidência, assim como o material, também está implicitamente indicado no Texto Constitucional, é o local onde se dá a execução da respectiva prestação”.352 Marçal Justen Filho também é categórico nesse sentido ao asseverar que, assim como o simples esforço humano físico e intelectual não materializa fato imponível do tributo enfocado, mas se faz necessário configurar-se a execução da obrigação de fazer, há de reputar-se o fato imponível ocorrido no território do Município onde se configuram realizados os aspectos material e temporal da hipótese de incidência. Antes de tudo, há de sublinhar-se a irrelevância do local onde o contrato se aperfeiçoa. O fundamental é o espaço geográfico onde há execução do contrato. Como é logicamente inferível, ambos os locais não 353 coincidem necessariamente. O local da prestação é o do Município em que é produzida, executada, consumada, a prestação de serviço contratada.354 Reforça essa noção elementar a circunstância de que os Municípios e o Distrito Federal somente podem exigir ISS sobre fatos ocorridos no território onde irradia efeitos a lei que o instituiu. É dizer, cabe a esses entes políticos colher apenas prestações de serviços concretizadas dentro de seu próprio âmbito territorial. 351 352 353 354 Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS – construção civil – pseudo-serviço e prestação de serviço – estabelecimento prestador – local da prestação, p. 93. Betina Treiger Grupenmacher, Imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade da lei, p. 212. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 139. Aires Fernandino Barreto, a propósito, adverte para a necessidade de absorção “do único critério que parece prestigiado pela Constituição, qual seja, o de que o local da prestação é o do Município onde se conclui, onde se consuma o fato tributário, é dizer, onde se produzirem os resultados da prestação do serviço. Se o fato tributável só ocorre no momento da consumação do serviço, ou seja, no átimo da produção dos efeitos que lhe são próprios, parece ser necessário concluir que o Município competente seja o do lugar onde forem eles produzidos, executados, consumados. É fazer prevalecer só a única regra, sem contemplar exceção: deve-se o ISS no lugar onde se efetuar a prestação”. ISS na Constituição e na lei, p. 314. – 146 – De fato, o legislador constituinte utilizou-se do discrímen da territorialidade da lei municipal e distrital ou princípio da territorialidade – a par do campo material de atuação possível – para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem ISS. O discrímen da territorialidade das leis tributárias dos Municípios e do Distrito Federal – decorrência imediata da autonomia dos Municípios e do Distrito Federal355 – consiste em restringir a irradiação da eficácia das normas desses entes políticos sobre fatos ocorridos dentro dos limites dos territórios respectivos. Aires Fernandino Barreto atesta essa exigência constitucional ao afirmar que, como a matéria é praticamente idêntica, a descrição destinada a juridicizar os fatos, a ser efetuada pelas várias leis municiais, além da do Distrito Federal, contemplará, salvo umas poucas especificidades, as diversas prestações de serviços. Conseqüentemente, só não ocorrerá pluralidade de incidência mercê da limitação imposta pela Constituição decorrente da atuação, também, do critério territorial, por força do qual o âmbito de eficácia da lei de certo Município (vale o mesmo para o Distrito Federal), embora aparentemente igual, é o contido nos limites do território 356 respectivo. Desse modo, pelo prestígio constitucional do critério da territorialidade das leis municipais e distritais, é evitada a pluralidade de incidências de ISS, sendo devido esse tributo apenas ao ente político onde a prestação de serviço é realizada, concluída, ultimada. Sendo o ISS um tributo que cabe a cada um dos mais de 5.500 Municípios (isso sem mencionar o Distrito Federal), há, como menciona Cléber Giardino, no subsistema constitucional tributário 355 356 Como reconhece Aires Fernandino Barreto “Esse é um ponto fulcral da autonomia de Estados-membros e de Municípios. Significa que, dentro do respectivo território e no tocante à esfera de competências que detêm, Estados-membros e Municípios só se vinculam às normas por eles próprios editadas – por conseguinte, também as pessoas ali encontradas sujeitam-se exclusivamente às ditas normas”. ISS na Constituição e na lei, p. 142. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 307. – 147 – tantos impostos sobre serviços quantas forem as distintas leis ordinárias municipais que concretamente tenham exercido idêntica (em conteúdo) competência recebida do Texto Constitucional. Isso significa que, se de fato há um só imposto de renda, ou um só imposto de importação, por exemplo (porque uma única legislação, federal, deles cuida), seguramente de 3.000 ou 4.000 impostos sobre serviços se deve cogitar, porque 3.000 ou 4.000 leis (ordinárias municipais), autônomas e distintas, abordam o mesmo objeto normativo. Essas leis – todas elas – incidem sobre a mesma matéria. Isto é, respeitadas suas peculiaridades específicas, no geral qualificam juridicamente os mesmos fatos (prestação de serviços), tornando-os jurígenos para o efeito de produzirem as conseqüências tributárias próprias. Disso resulta que – inexistisse critério (constitucional) de seleção, em cada situação concreta, da lei especificamente aplicável – ter-se-ia presente, no sistema, a absurda e impensável situação de, pela ocorrência de uma só e mesma prestação de serviços, validamente propiciar-se incidência a milhares de leis municipais naturalmente desencadeando milhares de obrigações tributárias distintas, mas de idêntica natureza. [...] Por isso, resolve-a o Texto Constitucional brasileiro. Inocorre pluralidade de incidências, nos casos citados, porque a Constituição limita e restringe, segundo critério territorial, o âmbito de eficácia de cada uma dessas legislações “idênticas”. Ou seja, sobre cada um dos fatores (serviços) ocorridos, uma só única lei (das inúmeras existentes) incide e irradia efeitos; o critério de seleção (e recíproca exclusão) constitucionalmente consagrado para tal fim é de consistência territorial – critério do situs, segundo Pontes de Miranda – implicando aplicação da lei vigentes sobre a base física (território do Município) dentro da qual 357 o fato jurígeno se dá. Ao acolher essa lição, Roque Antonio Carrazza averba que poucos, como o inesquecível Cléber Giardino, jurista dos mais sérios e capazes, cuja força criadora foi tão limitada no tempo, como profunda no traço, tiveram a argúcia de perceber que há, no Brasil, tantos impostos estaduais, municipais e distritais quantas são as pessoas políticas autorizadas pela Constituição Federal a instituí-los. É que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal têm competências impositivas materialmente concorrentes. Em razão disto, para evitar conflitos entre eles, nosso Estatuto Magno adotou, também, um critério territorial de repartição das competências impositivas. [...] Este critério exige que a única lei tributária 358 aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu. Por força do discrímen da territorialidade da lei, haverá invasão de permissão impositiva se certo Município, ao instituir o ISS, pretender alcançar prestações de serviços realizadas fora de seu âmbito territorial.359 357 358 359 Cléber Giardino, ISS – Competência municipal – o artigo 12 do Decreto-lei n. 406, p. 723. Ênfase do autor. Curso de direito constitucional tributário, p. 531 e 533. Ênfase do autor. Por essa razão entendemos ser inconstitucional o regramento procedido pela Lei Complementar 116/2003 que, no § 1.º de seu art. 1.º c/c o art. 3.º, I, desse mesmo diploma normativo, olvida a partilha de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal – fixada constitucionalmente segundo o critério material e o discrímen da territorialidade das leis tributárias desses entes políticos – para pretender sejam alcançáveis pelo ISS prestações de serviços ocorridas fora do País e, por conseguinte, para considerar que o local da prestação de serviços seja onde estiver estabelecido ou domiciliado o tomador ou intermediário. Por esse motivo não levamos em consideração esses enunciados complementares para identificar o critério espacial da norma padrão do ISS. – 148 – Disso decorre que apenas o território do Município onde a atividade é realizada, concluída, ultimada, pode ser considerado o local da prestação. Com efeito, lei complementar, ao versar sobre o local em que se considera ocorrida a prestação de serviço e, por conseguinte, devido o ISS – a pretexto de dispor sobre virtuais conflitos de competência entre os Municípios e Distrito Federal –, apenas pode indicar como tal o local da prestação, assim entendido o do Município onde é realizada a atividade-fim contratada. Não pode nunca estabelecer como local da prestação o local do estabelecimento ou do domicílio do prestador. Segundo Roque Antonio Carrazza, se o serviço é prestado no Município “A”, nele é que deverá ser tributado pelo ISS, ainda que o estabelecimento prestador esteja sediado no Município “B”. Do contrário estaríamos admitindo que a lei do Município “B” pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre o fato ocorrido no território do município onde ela não pode ter voga.360 Sobre a impossibilidade de considerar o domicílio do prestador como local da prestação e, por conseguinte, o local onde é devido o ISS, Heron Arzua enfatiza que, 360 Encontramos apoio para essa conclusão nas lições de José Eduardo Soares de Melo que, após analisar tal dispositivo, aduziu que a disciplina nele contemplada “não retira efetivo fundamento de validade do ordenamento constitucional, uma vez que objetiva alcançar fatos ocorridos fora do território nacional, além de criar esdrúxula obrigação tributária (inexistência de contribuinte-prestador do serviço na legislação, e exclusiva estipulação do responsável pelo imposto, na pessoa do respectivo tomador)”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 180. No mesmo sentido Aires Fernandino Barreto concluiu estar convencido de que, “relativamente à primeira parte, tem-se previsão inconstitucional. Serviços prestados no exterior do País não podem ser aqui devidos. Esse imposto incide no local da prestação e, no caso, essa concretização ocorre fora dos lindes nacionais”. ISS na Constituição e na lei, p. 322. Também Clélio Chiesa ao dizer que, “com a referida inovação, o legislador autorizou, por meio de lei complementar, indevidamente, a criação de um imposto municipal sobre a importação de serviços, extrapolando os limites autorizados constitucionalmente. Primeiro porque autorizou a tributar evento que não se perfaz integralmente no território nacional. Segundo, porque a materialidade possível do ISS é prestar serviços e não importar serviços, incorrendo em violação ao princípio da tipicidade”. Inconstitucionalidades da LC 116/2003, p. 334. Em sentido contrário ao entendimento aqui acolhido estão as lições de Heleno Taveira Tôrres, Prestações de serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior, p. 281-298; Luís Eduardo Schoueri, ISS sobre a importação de serviços do exterior, p. 39-51; Mariana Oiticica Ramalho, ISS – serviços de impostação e exportação. Imposto sobre serviços, p. 93-123. Roque Antonio Carrazza, O imposto sobre serviços, p. 210. – 149 – quando a lei põe o domicílio do prestador apto a indicar o Município legitimado para imposição do imposto sobre serviços, em realidade está mudando a norma constitucional do imposto. No lugar da prestação de serviços tem-se a conduta de alguém manter domicílio.361 No mesmo sentido, Marçal Justen Filho: a questão do domicílio ou da sede do estabelecimento do prestador é irrelevante para a determinação do local em que o fato imponível ocorre. A Constituição, ao adotar a materialidade da hipótese de incidência o ISS, impôs a escolha de um critério espacial que em nada se relaciona com o tema do domicílio ou da sede do estabelecimento do prestador do serviço. O critério espacial do ISS está vinculado não ao critério pessoal, mas ao critério material da hipótese de incidência do mesmo tributo. O local da prestação não é aquele em que tem domicílio o prestador do serviço, eis que inexiste qualquer vínculo entre o local da prestação e o domicílio do prestador. Pelo menos, nenhum vínculo jurídico. A vinculação dá-se entre o local e a prestação (ou seja, é o local da prestação).362 Não se pode reputar, também, lugar da prestação: (i) o local em que celebrado o contrato entre prestador e tomador; (ii) o lugar onde são emitidos, escriturados ou contabilizados os documentos; (iii) o local do tomador ou intermediário dos serviços; bem como (iv) o lugar onde são desenvolvidas tarefasmeio, necessárias ao perfazimento da prestação de serviços contratada. Uma vez que tais “ações” não representam o comportamento de que trata o critério material da norma padrão do ISS, não podem ser consideradas para efeito de identificação do local da prestação. Em súmula, não pode o legislador complementar reputar local da prestação qualquer outro lugar que não aquele onde a atividade é realizada. Passar ao largo dessa noção elementar implica desconsiderar totalmente a partilha de permissão impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, segundo o critério material e o discrímen da territorialidade das leis tributárias. As conseqüências desastrosas que podem advir dessa postura são inevitáveis. Como bem adverte Marcelo Caron Baptista a esse respeito, 361 362 Heron Arzua, O imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade, p. 147. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 148. – 150 – quando o legislador “complementar” considera, para efeitos de incidência da norma do ISS, como local da prestação o local do estabelecimento ou do domicílio do prestador ou do tomador, ele não está exercendo o seu papel de evitar virtuais “conflitos de competência”. Ao contrário, ele mesmo institui conflitos inexistentes. [...] Nesse caso, o Município não estaria a tratar de assunto do seu exclusivo interesse, mas, ao contrário, estaria legislando sobre matéria reservada ao crivo de outros Municípios, mediante clara invasão de competência municipal.363 Nesse contexto, é manifesta a inconstitucionalidade perpetrada pela Lei Complementar 116/2003 que, em seu art. 3.º,364 veiculado a pretexto de dispor sobre conflitos de competência, prescreve que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local 363 364 ISS: do texto à norma, p. 526-527. Art. 3.º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local: I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do § 1.º do art. 1.º desta Lei Complementar; II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, no caso dos serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa; III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa; IV – da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da lista anexa; V – das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.05 da lista anexa; VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer, no caso dos serviços descritos no subitem 7.09 da lista anexa; VII – da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.10 da lista anexa; VIII – da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa; IX – do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos, no caso dos serviços descritos no subitem 7.12 da lista anexa; X – (Vetado.); XI – (Vetado.); XII – do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.16 da lista anexa; XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.17 da lista anexa; XIV – da limpeza e dragagem, no caso dos serviços descritos no subitem 7.18 da lista anexa; XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso dos serviços descritos no subitem 11.01 da lista anexa; XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02 da lista anexa; XVII – do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda do bem, no caso dos serviços descritos no subitem 11.04 da lista anexa; XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e congêneres, no caso dos serviços descritos nos subitens do item 12, exceto o 12.13, da lista anexa; XIX – do Município onde está sendo executado o transporte, no caso dos serviços descritos pelo subitem 16.01 da lista anexa; XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa; XXI – da feira, exposição, congresso ou congênere a que se referir o planejamento, organização e administração, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.10 da lista anexa; XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário ou metroviário, no caso dos serviços descritos pelo item 20 da lista anexa. § 1.º No caso dos serviços a que se refere o subitem 3.04 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza, objetos de locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não. § 2.º No caso dos serviços a que se refere o subitem 22.01 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de rodovia explorada. § 3o Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do estabelecimento prestador nos serviços executados em águas marítimas, excetuados os serviços descritos no subitem 20.01. – 151 – do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local da prestação dos serviços. Como se vê, quanto às hipóteses excepcionadas houve observância ao norte constitucional, prestigiando-se o local da prestação dos serviços. O problema está na regra geral que se extrai da primeira parte do art. 3.º em questão. Nesse tocante, não se supõe que referida lei complementar tenha prestigiado integralmente a noção inarredável de que o ISS é devido no local da prestação. Tal legislação, longe de considerar os critérios constitucionalmente pressupostos para a repartição da permissão impositiva entre os Municípios, acabou reputando o local da prestação ora como aquele Município em que situado o estabelecimento prestador (regra geral: art. 3.º, primeira parte), ora como aquele Município em que ultimados os serviços ali excepcionados (regra específica: art. 3.º, segunda parte). Aquele regramento geral é incompatível com a Constituição, eis que não reflete o discrímen da territorialidade das leis empregado pelo legislador constituinte – a par do campo material de atuação possível – para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem ISS. Como atesta Paulo de Barros Carvalho, ao analisar essa questão sob a égide do Decreto-lei 406/68 (veículo normativo que anteriormente regulava a matéria), referida regra geral é de “rara infelicidade. [...] abriga um descompasso lógico-jurídico [...]: consagra o desvirtuamento da regra-matriz de incidência do ISS, por não adotar o critério espacial adequado”.365 Tal regramento, segundo esse jurista, “parece uma solução esdrúxula e profundamente infeliz do Decreto-lei n.º 406, porque fere, justamente, o princípio da territorialidade da tributação”.366 365 366 Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 191. Ressalte-se que esse entendimento, apesar de ter sido exarado à luz do Decreto-lei 406/68, é, atualmente, de grande valia, já que a Lei Complementar 116/2003 impôs o mesmo tratamento jurídico ao local da prestação de serviços. Cf. Paulo de Barros Carvalho, A competência tributária municipal, p. 332. Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto também compartilham desse mesmo entendimento: “A pretexto de regular conflitos de competência, o Decreto-lei em questão criou regra esdrúxula, sem apoio – 152 – A constatação de tal absurdo também não passou desapercebida por Marçal Justen Filho que, também já à época do Decreto-lei 406/68, aduziu que a alínea a do art. 12, ao tencionar fixar critérios para solução de dúvidas sobre competência tributária, acabou por produzir tentativa de alterar a própria materialidade do ISS, ao pretender vincular a competência tributária a evento alheio e incompatível, sob todos os ângulos, com o esquema instituído constitucionalmente para a materialidade da hipótese de incidência do ISS. Sua inconstitucionalidade, nesse passo, deriva da evidenciação de que o conteúdo de suas disposições não é mera revelação da vontade constitucional – mas traduz inovação antinômica da estrutura do ordenamento jurídico, estrutura essa já definida constitucionalmente de modo rígido.367 Não obstante a flagrante inconstitucionalidade incorrida pelo art. 3.º da Lei Complementar 116/2003, ao prescrever regramento geral no sentido de que o local da prestação é o do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, o do domicílio do prestador, faz-se necessário extrair a possível eficácia de parte desse enunciado complementar diante da Carta Magna. Como vimos anteriormente, o local de ocorrência da prestação de serviço somente pode ser o da prestação, assim entendido o território do ente político onde a prestação de serviço contratada é ultimada. Os Municípios e o Distrito Federal só podem exigir ISS relativamente a prestações de serviços realizadas em seus respectivos territórios. É proibido exigi-lo sobre prestações de serviços ocorridas fora de suas porções territoriais. Levando em conta que estabelecimento prestador só pode ser reputado aquele em que a prestação de serviço tem condições de ser realizada, sendo irrelevante o fato de configurar matriz, filial, sucursal ou agência,368 tem-se que é legítimo 367 368 constitucional. Com isso, ao invés de dispor sobre conflitos, instaurou o caos”. ISS – construção civil – pseudo-serviços e prestação de serviços – estabelecimento prestador – local da prestação, p. 93. Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 150. Cf. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, p. 15; Heron Arzua, Noção de estabelecimento, p. 12; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 316 e 320; José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 167. Segundo o art. 4.º da Lei Complementar 116/2003, “considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações da sede, filial, – 153 – considerar o local em que situado o estabelecimento prestador como o local da prestação apenas se ele for o lugar escolhido pela empresa (entre outros tantos que eventualmente possua) para “realizar, desenvolver e ultimar os atos materiais, providências e medidas necessárias à prestação dos serviços. Ter-se-á caracterizado, nesse local, o ‘estabelecimento prestador’ dos serviços”.369 Dessa forma, entendemos que o regramento geral previsto pelo art. 3.º, primeira parte, da Lei Complementar 116/2003, tem aplicação apenas para aquelas situações em que o local onde é realizada prestação de serviços coincidir com o do estabelecimento prestador. Tirante essas hipóteses, local da prestação é o do Município em que é realizada, concluída, ultimada, a prestação de serviço. Critério espacial da norma padrão do ISS é o local da prestação de serviços, assim entendido o do Município onde é realizada, concluída, ultimada, a atividade-fim contratada. Os Municípios e o Distrito Federal somente poderão considerar ocorrida a prestação de serviços no local onde se dá a execução da prestação. 5.2.4 O critério pessoal O fato prestar serviços listados em lei complementar, identificado no tempo e no espaço, previsto no antecedente da norma padrão do ISS, implica a imputação de uma relação jurídica de cunho patrimonial, presumida no conseqüente dessa norma. Trata-se, referida relação jurídica, de um vínculo abstrato entre duas pessoas em torno de um objeto. Demarcar esse vínculo abstrato requer que indaguemos sobre os itens (a) sujeitos dessa relação e (b) a prestação pecuniária que poderá ser exigida, 369 agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”. Não é, contudo, de grande auxílio o conceito de estabelecimento prestador de autoria do legislador complementar. Ele apenas nos diz o que é óbvio, ou seja, que estabelecimento prestador é o local onde o serviço é efetivamente prestado. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na constituição e na lei, p. 320. – 154 – denominados por Paulo de Barros Carvalho370 de critério pessoal e critério quantitativo, respectivamente. 5.2.4.1 O sujeito ativo O critério pessoal contém a indicação do sujeito ativo, isto é, da pessoa que poderá ser erigida pelos legisladores como titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação pecuniária. Esse critério normativo contém, ainda, a previsão do sujeito passivo, isto é, quem tem o dever jurídico de cumprir a referida prestação, podendo ser colocada nessa condição pelos Municípios e pelo Distrito Federal, quando do exercício da permissão impositiva que lhes foi outorgada. A identificação do sujeito ativo da norma padrão do ISS é feita tendo em consideração a significação do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, os critérios material e espacial da norma padrão do ISS. Se do conceito de serviço pressuposto no art. 156, III, do Texto Constitucional extrai-se que a materialidade possível do ISS é, em linhas gerais, prestar serviço listado em lei complementar, e se o critério espacial possível da norma padrão do ISS é o local da prestação, assim entendido aquele onde o referido comportamento humano é realizado, tem-se que o titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação pecuniária só pode ser o Município ou o Distrito Federal, em cujo território se concretiza a prestação de serviço. Vimos que, no caso do ISS, a indicação da materialidade pelo legislador constituinte não foi suficiente para estabelecer a outorga de permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal, tendo sido necessário o emprego do discrímen da territorialidade, a evidenciar, portanto, que sujeito ativo só pode ser aquele Município em cujo território ocorre a prestação de serviço, apregoa Aires Fernandino Barreto.371 370 371 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 89. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 345. – 155 – A pessoa titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária é a mesma que detém permissão para criar o ISS. Com efeito, se são as mesmas a figura a ser erigida pelo legislador ordinário como titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação pecuniária e a pessoa que detém permissão para criar o ISS, o legislador não precisa prever expressamente o sujeito ativo. Apenas nos casos em que se faz necessário prever parafiscalidade372 é que os Municípios e o Distrito Federal deverão apontar o sujeito ativo, indicando, como tal, pessoa diferente daquela que detém permissão para instituir o ISS. 5.2.4.2 O sujeito passivo O sujeito passivo possível a integrar a relação jurídico-tributária do ISS vem implícito no Texto Constitucional. A Constituição Federal contém diretrizes que possibilitam a identificação daquele quem tem o dever jurídico de cumprir a prestação tributária, ao contemplar destinatário constitucional tributário. É por meio do destinatário constitucional tributário, sujeito implicitamente referido pela Constituição Federal como sujeito passivo da obrigação tributária – nas 372 José Eduardo Soares de Melo se posiciona no mesmo sentido: “a instituição de qualquer espécie tributária – inclusive os impostos – só pode ser exercida pela pessoa política eleita pela Constituição que fixa os respectivos estados, situações e atividades, de modo a assegurar-lhe a decorrente receita financeira”, de modo que a sujeição ativa “trata-se de matéria de ordem pública, sendo questionável a instituição desse imposto por Município localizado em âmbito territorial desvinculado daquele em que ocorre a efetiva prestação dos serviços”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 9. Também Betina Treiger Grupenmacher, quando, após reconhecer que a Constituição delineia os aspectos fundamentais da norma padrão do ISS, afirma que “o sujeito ativo é o Município onde efetivamente tenha ocorrido a prestação de serviços”. A base de cálculo do ISS, p. 193-194. Dá-se a parafiscalidade quando figurar na relação jurídico-tributária alguém que não o próprio ente político competente para a criação do tributo, a fim de que esse alguém cobre e aplique a sua receita no desempenho de suas finalidades. Não se tem aqui delegação de competência, mas, tão-somente, delegação de capacidade tributária ativa, isto é, para figurar no pólo ativo da relação tributária. Paulo de Barros Carvalho define a parafiscalidade como “o fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos peculiares”. Curso de direito tributário, p. 237. – 156 – palavras de Hector Villegas,373 destinatário legal tributário –, que se extrai o sujeito passivo da norma padrão do ISS. Ao se debruçar sobre esse tema, Aires Fernandino Barreto, com apoio nas lições de Hector Villegas e de Cléber Giardino, ensina que, toda vez que o legislador constituinte faz referência a um fato – ao distribuir competências tributárias – está fazendo referência à pessoa produtora do fato, ou de alguma maneira a ele ligada, por um tipo de conexão constitucionalmente qualificada para produzir não só o efeito de fazer nascer a obrigação tributária, como ainda o especial efeito de fazê-la nascer, tendo por sujeito passivo uma determinada categoria de pessoas (o destinatário constitucional tributário, a que se refere Cléber Giardino, aplicando magnífica e fecunda lição de Hector Villegas).374 A figura do destinatário constitucional tributário é extraída da materialidade descrita da norma padrão do ISS. É o que doutrina Geraldo Ataliba, quando assevera que a figura do destinatário constitucional tributário “deve ser deduzida, pelo intérprete, do sistema constitucional, sempre tendo em vista o fato imponível”.375 Tratando-se de ISS, tal identificação é feita levando-se em consideração o enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, a materialidade possível do ISS, bem como o princípio da capacidade contributiva.376 A interpretação dessas diretrizes nos permite inferir que, no caso do ISS, a pessoa implicitamente referida pelo Texto Constitucional como sujeito passivo a 373 374 375 376 Destinatário legal tributário – contribuinte e sujeitos passivos na obrigação tributária, p. 242. Geraldo Ataliba chama esse sujeito de “destinatário constitucional tributário”, já que vem designado na própria Constituição Federal pela indicação sistemática, no caso de impostos, do princípio da capacidade contributiva. Hipótese de incidência tributária, p. 81. Aires Fernandino Barreto, ISS: Serviços de despachos aduaneiros – Momento de ocorrência do fato imponível – Local da prestação – Base de cálculo – Arbitramento, p. 116. Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 87. O princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade tributária, é construído a partir do enunciado expresso no § 1.º do art. 145 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Esse princípio constitui, como mostra José Eduardo Soares de Melo, “mandamento que obriga que só deve ocorrer imposição tributária quando se está diante de fatos, operações, situações e estados que denotem fundamento econômico (riqueza), jamais tendo cabimento incidir tributo sobre qualidades pessoais, físicas ou intelectuais”. Curso de direito tributário, p. 30. – 157 – compor a relação jurídico-tributária só pode ser aquele que realiza a prestação de serviço. Conforme sustenta Aires Fernandino Barreto, a dicção constitucional considerada (art. 156, III) não só requer o fato serviço como necessário, mas igualmente – embora implicitamente – seu produtor: não supõe o fato com abstração de quem lhe dá origem. Pelo contrário, visa a indicar, claramente, ao legislador ordinário o sujeito passivo do tributo (que só pode ser quem produz o serviço, quem desempenha o esforço em que ele consiste).377 Portanto, considerando que do conceito de serviço pressuposto no art. 156, III, do Texto Constitucional extrai-se que a materialidade possível do ISS é prestar serviço listado em lei complementar e que quem denota fato signo presuntivo de riqueza é aquele que realiza tal comportamento, tem-se que o sujeito passivo a integrar a relação jurídico-tributária do ISS só pode ser aquele que desempenha a prestação de serviço, isto é, o prestador de serviço. Reconhecendo essa dicção constitucional, a Lei Complementar 116/2003, em seu art. 5.º, estabeleceu que contribuinte do ISS deverá ser o prestador de serviços.378 Sujeito passivo possível, ou melhor, o contribuinte, a integrar a relação jurídico-tributária do ISS é, portanto, tão-só o prestador de serviços. Nos termos em que reconhecido constitucionalmente, o prestador de serviços é a única pessoa legitimada a integrar a relação jurídico-tributária na qualidade de sujeito passivo.379 377 378 379 Aires Fernandino Barreto, ISS: Serviços de despachos aduaneiros – Momento de ocorrência do fato imponível – Local da prestação – Base de cálculo – Arbitramento, p. 116. No mesmo sentido José Eduardo Soares de Melo ensina que “a íntima conexão da pessoa com a materialidade é que tem a virtude de revelar o contribuinte, porque, ao realizar o fato gerador, terá que recolher aos cofres públicos uma parte da respectiva grandeza econômica, qualificada como tributo. É fácil inferir tal assertiva no ISS, uma vez que o contribuinte só poderá ser a pessoa (jurídica ou natural) que presta serviços de qualquer natureza (exceto os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação – de competência estadual e distrital, art. 155, II, CF)”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 11. Art. 5.º Contribuinte do imposto é o prestador do serviço. Adotamos a advertência de Paulo de Barros Carvalho no sentido de que não existe a dicotomia “sujeito passivo direto” e “sujeito passivo indireto”, interessando, “do ângulo jurídico-tributário, apenas quem integra o vínculo obrigacional”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 159. – 158 – O legislador ordinário, ao prever o sujeito passivo a compor a relação jurídico-tributária, só pode indicar como tal aquela pessoa que revela capacidade contributiva pela produção do fato “prestar serviço”: o prestador de serviços. O tomador de serviços não pode, portanto, ser eleito como sujeito passivo, sob pena de violação da norma padrão do ISS e de conceber inútil a rígida repartição da permissão para tributar o fato prestar serviços. Sobreleva considerar que a técnica da substituição tributária,380 operada pela retenção na fonte, não configura sujeição passiva tributária, eis que não decorre de uma relação jurídico-tributária, mas sim de uma relação jurídica administrativofiscal entre o Estado e o substituto. Por meio dessa relação jurídica, o substituto é obrigado a repassar ao Estado determinada quantia pertencente ao substituído (sujeito passivo da relação jurídico-tributária). A atual Lei Complementar 116/2003, nos termos do art. 146, III, da Constituição Federal,381 prevê, em seu art. 6.º,382 a possibilidade de os Municípios e o 380 381 Como preleciona Paulo Ayres Barreto, “no âmbito de uma relação jurídica de cunho eminentemente tributário, o contribuinte é o único sujeito de direito a figurar no pólo passivo dessa relação. E assim é porque ele é o titular da riqueza pessoal descrita no antecedente da norma geral e abstrata de índole tributária”. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 86. Ainda segundo Luís César Souza de Queiroz, “o contribuinte é o único sujeito de direito (sujeito passivo) que pode figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária e cuja identificação é informada pelo critério pessoal passivo do conseqüente da norma impositiva de imposto; se o sujeito passivo for outro (responsável ou substituto, p. ex.), a norma terá necessariamente natureza diversa da tributária”. Sujeição passiva tributária, p. 185. Sobre a possibilidade de terceiro (responsável) poder integrar a relação jurídica tributária, confira Maria Rita Ferragut, Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, fruto de brilhante tese de doutorado defendida na PUC/SP. A substituição tributária é uma técnica instituída pelos legisladores ordinários, tendo por fundamento a eficiência na arrecadação e a fiscalização dos tributos. Consoante explica Luís César Souza de Queiroz, a substituição tributária envolve “duas relações jurídico-formais de naturezas diversas e inconfundíveis: – uma – a que corresponde à relação jurídica tributária que surgirá entre o contribuinte e o Estado (representado pelo seu agente arrecadador, o substituto) – relação jurídico-formal de natureza tributária; e – outra – a que corresponde à relação jurídica administrativo-fiscal que nascerá entre o substituto e o Estado, onde o substituto (órgão meramente arrecadador) é obrigado a entregar (repassar) ao Estado o dinheiro recebido ou retido do contribuinte – relação jurídico-formal de natureza administrativo-fiscal”. Sujeição passiva tributária, p. 201. Grifos do autor. Conforme adverte Simone Rodrigues Duarte Costa, o art. 146, III, da Constituição Federal prevê “que compete à lei complementar dispor sobre normais gerais em matéria tributária, especialmente sobre contribuintes. O vocábulo ‘especialmente’ utilizado pelo constituinte evidencia que o rol do inciso III do art. 146 é meramente sugestivo, sendo permitido ao legislador complementar estabelecer normas gerais sobre responsabilidade e substituição tributárias”. ISS, a Lei Complementar 116/03 e a incidência na importação, p. 85. – 159 – Distrito Federal instituírem a substituição tributária na modalidade de retenção na fonte do ISS, muito embora tenha empregado o termo “responsáveis”. No que concerne a essa disposição entendemos que a retenção na fonte do ISS ali autorizada parece não ter respeitado os limites para tanto. O legislador complementar desrespeitou a norma padrão do ISS ao desconsiderar a máxima de que o ISS só pode ser devido no local da prestação e prever como passíveis de serem eleitos como substitutos tributários tomadores, cujos serviços não são prestados no Município onde estão localizados.383 382 383 “Art. 6.º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais. § 1.º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte. § 2.º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1.º deste artigo, são responsáveis: I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.” Tendo em vista que, para fins de incidência do ISS, importa apenas o local da prestação (considerado o local em que ultimado o serviço), o que é relevante para fins de responsabilidade por retenção do ISS na fonte é verificar se no Município onde se pretende criar referida responsabilidade o serviço foi prestado e se seu tomador também nele está estabelecido. Diante do princípio da territorialidade e da Lei Complementar 116/2003, cabe reter o ISS desde que a prestação de serviço tenha se verificado no Município “A” e, se nesse mesmo Município, também esteja o tomador. Sobre o assunto ver estudo específico de Aires Fernandino Barreto, intitulado ISS e responsabilidade tributária, p. 07-24. Consoante mostra o autor, “a segunda hipótese de responsabilidade por substituição, contemplada pelo § 2.º do art. 6.º da LC 116/2003, instituiu modalidade de ‘substituição compulsória’, em contrapartida àquela criada pelo caput do mesmo artigo, uma vez que a criação de substituição nesta última hipótese é apenas uma faculdade atribuída aos Municípios. Num e noutro caso, contudo, há requisitos a serem observados, como assentou Simone Costa, segundo a qual: ‘Há [...] uma condição a ser observada pelo legislador ordinário, ao instituir a denominada ‘substituição compulsória’, o tomador do serviço deverá estar localizado no mesmo Município em que o serviço for prestado. Do contrário, óbices jurídicos e operacionais impedirão a exigência do ISS pelo Município competente’. Em complemento ao seu raciocínio, averba ainda a referida autora, desta sorte, em relação à substituição facultativa: ‘Nos demais serviços, entretanto, em que a substituição tributária é uma faculdade dos Municípios, advertimos que o legislador municipal deverá observar barreira intransponível: prestador e tomador deverão estar localizados no Município onde se der a prestação do serviço’. Desta feita, os Municípios não são inteiramente livres para instituírem qualquer hipótese de substituição, quer sob a modalidade facultativa, quer compulsória. Ainda mais, em relação a esta última, mais precisamente à hipótese do inciso II, que ora nos interessa, infere-se que os Municípios, em querendo criar a responsabilidade por retenção, somente podem eleger como responsáveis os tomadores dos serviços descritos naqueles subitens. Saliente-se ainda que, de acordo com a LC 116/2003, as hipóteses de ‘substituição compulsória’ são uma exceção à regra do art. 3.º, segundo a qual, mesmo contrariando o arquétipo constitucional do ISS, considera – 160 – 5.2.5 O critério quantitativo (alíquota) O critério quantitativo do conseqüente da norma padrão do ISS é formado pelos elementos “base de cálculo” e “alíquota”. É nesse critério que encontramos referências às grandezas que o legislador ordinário deverá prescrever, conceitualmente, quando da instituição dos enunciados que comporão o critério quantitativo da regra-matriz de incidência, para possibilitar o dimensionamento da prestação de serviço e, pois, a obtenção do valor da prestação objeto da relação jurídico-tributária a ser instaurada. A base de cálculo contém descrição da unidade de referência que deverá ser prevista pelo legislador ordinário para medir a intensidade do comportamento “prestar serviços”. Esse elemento do critério quantitativo da norma padrão do ISS é obtido por intermédio da interpretação do art. 156, III, dos princípios da tipologia tributária, da igualdade, da capacidade contributiva e do enunciado complementar consubstanciado o serviço prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, uma vez que, naquela hipótese, o imposto será devido no local da prestação do serviço. Relativamente às atividades excepcionadas pela lei, é visível que a Lei Complementar referiu serviços cuja prestação se dá em local devidamente identificado, dado que se vinculam fisicamente a certo Município. Nesse particular, a Lei Complementar estaria correta, na medida em que só considerou como passíveis de serem eleitos pela lei municipal como responsáveis, os tomadores de serviços, cujos serviços são necessariamente prestados no Município onde se localizam. Quanto à regra geral segundo a qual o imposto será devido no local do estabelecimento prestador, há flagrante inconstitucionalidade, pela singela razão de que o ISS só pode ser devido no local da prestação. Deveras, esse dispositivo possibilita a criação de onerosas e vexatórias exigências. Deturpa, pela fraude da hipótese de incidência do ISS, por via do seu aspecto espacial, o mecanismo da responsabilidade por retenção (substituição tributária). O Município em que estiver situado o estabelecimento prestador – até mesmo nos casos em que, em face da LC 116/2003, o ISS é considerado devido no local da prestação (cf. incisos do art. 3.º) – seguramente, pretenderia imposto, invocando aquele fato; o Município no qual o serviço for prestado elegerá o tomador como substituto. Com efeito, para receber o preço (fruto da prestação de serviços) o prestador terá que sujeitar-se à retenção, caso prevista na lei municipal. Concomitantemente, ver-se-á obrigado a pagar ISS no Município em que estiver seu estabelecimento prestador. Pagará cá e lá. Não é pessimista a afirmação de que estará instalado um verdadeiro caos nessa matéria. Essa sistemática amplia a já precária segurança dos contribuintes, que estarão sujeitos à dupla oneração. Serão compelidos a recolher o tributo, duas vezes: (a) uma, no Município da prestação, inclusive, com retenção na fonte, do valor do imposto, pelos tomadores ou intermediários nele localizados e, (b) outra, no Município em que localizados seus estabelecimentos prestadores. Vê-se, pois, desde logo, a respeito dos demais serviços tributáveis pelo ISS não incluídos na exceção do inciso II, § 2.º, do art. 6.º, que a lei municipal só pode eleger como responsáveis tributários tomadores cujos serviços forem prestados no Município onde se localizam, ainda que o estabelecimento prestador esteja em local diverso. A lei do Município ‘A’ não vale no Município ‘B’. O Município não pode criar retenção do ISS na fonte, excluindo responsabilidade de pessoa que não prestou serviço em seu território, ou seja, que não praticou o fato jurídico tributário ali, que está fora do âmbito eficacial da lei. Do mesmo modo, a lei não pode eleger como responsável tributário pessoa que não está submetida ao próprio Município”. – 161 – no art. 7.º da Lei Complementar 116/2003. Esse critério normativo, por constituir, ao lado da materialidade possível do ISS, tema central de nosso estudo, será objeto de exploração minudente em capítulo próprio. A alíquota da norma padrão do ISS contém, por sua vez, a descrição do indicador da proporção a ser levada em conta da base de cálculo. Configura mero indicador da proporção a ser reputada da base de cálculo.384 Apenas após a edição de lei e sua aplicação ao caso concreto é que caberá cogitar de alíquota como fator numérico (percentual ou cifra) concretamente considerado para, conjugado à base calculada (concreta mensuração de um fato tributário), obter o valor que deverá ser pago pelo sujeito passivo. Esse critério normativo é construído com fundamento (i) nos enunciados constitucionais consubstanciados no art. 156, § 3.º, I, da Constituição Federal e no art. 88 do ADCT, (ii) no enunciado complementar do art. 8.º da Lei Complementar 116/2003, (iii) bem como nos princípios da vedação de exigência tributária com efeito de confisco e da igualdade tributária. Consoante o art. 156, § 3.º, I, do Texto Constitucional, na redação dada pela Emenda Constitucional 37, de 12.06.2002, cabe à lei complementar fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS. A referida emenda constitucional deu nova redação ao inciso I, § 3.º, do art. 156 da Constituição Federal, para o fim de conferir ao legislador 384 Como mostra Aires Fernandino Barreto, o conceito de alíquota “haverá de ser distinto, conforme se a focalize no plano normativo ou no plano da relação jurídica. No plano normativo, alíquota é o indicador da proporção a ser tomada da base de cálculo. Nesse patamar, a alíquota esgota-se ‘no ser mero indicador’ porque só passível de conjugação com um dado abstrato (no sentido de não numérico): a base de cálculo. Enquanto não se der a ocorrência do fato a ser medido, não se presta a alíquota à obtenção do quantum devido a título de tributo. Antes da ocorrência do fato tributário, um dos termos da equação matemática é numericamente indeterminável; configura incógnita matemática. Não se pode ir além da seguinte constatação: sobre a base de cálculo x (cuja expressão numérica é ainda desconhecida), aplique-se a alíquota de, por exemplo, 5%. Inviável ter-se, de conseqüência, nesse átimo, o quantum debeatur. Saber-se-á, no máximo, que este será o resultado da aplicação da alíquota (já numericamente identificável) sobre um dado numericamente não identificável, qual seja a base de cálculo do ISS. [...] A alíquota do ISS no plano da aplicação da lei é o fator que deve ser conjugado à base calculada (preço do serviço convertido em cifra) para a obtenção do objeto da prestação tributária. Neste estádio, a alíquota já atua como um dos termos da multiplicação cujo produto é, concretamente, o quantum debeatur”. ISS na Constituição e na lei, p. 401-402. – 162 – complementar a faculdade para fixar as alíquotas mínimas do ISS, ao lado daquela capacidade originalmente prevista para estipular as alíquotas máximas desse tributo.385 Trata-se de faculdade que está em harmonia com disposto no art. 146, II, da Constituição Federal, que preceitua caber à lei complementar regular limitações ao poder de tributar postas pelo próprio Texto Constitucional. Conforme já ensinara José Souto Maior Borges386 – antes mesmo da edição da Emenda Constitucional 37/2002 –, a lei complementar estará nesses casos apenas regulando uma limitação constitucional ao poder de tributar, jamais estabelecendo-a. Aires Fernandino Barreto,387 outrossim, atesta – também à época em que a faculdade conferida ao legislador complementar restringia-se à fixação das alíquotas máximas – que a atribuição do estabelecimento desses limites à legislação constitucional não significa que sejam essas normas limitadoras da competência dos Municípios, posto que se trata de uma restrição posta pela própria Constituição. Registre-se que, com o advento da Emenda Constitucional 37/2002 – que atribuiu ao legislador complementar faculdade para estabelecer as alíquotas mínimas do ISS (ao lado da permissão já existente para estipular as alíquotas máximas) –, não mudou o contexto que levou o legislador constituinte a cogitar de alíquotas máximas. O interesse nacional consubstanciado na necessidade de preservar o princípio do não- 385 386 387 Registre-se, desde logo, que o subsistema constitucional tributário não impôs a uniformização de alíquotas, mas sim a necessidade de fixação das alíquotas máximas (alíquotas de mais alto grau) e mínimas (alíquotas piso) do ISS. É o que sublinha Roque Antonio Carrazza, para quem, em relação ao ISS, “não vigora o princípio da uniformidade das alíquotas em todo o território nacional”. Curso de direito constitucional tributário, p. 914. Deveras, a referida uniformização é, consoante adverte Aires Fernandino Barreto, “imperativo constitucional que, por ora, só se compadece com o ICMS”, e, ademais, “enquanto uniforme significam igual, invariável, que não muda, que é sempre o mesmo, o adjetivo ‘máxima’ quer dizer que é a alíquota de mais alto grau e a ‘mínima’, a identificadora de piso”. ISS na Constituição e na lei, p. 407. Este autor manifesta-se, outrossim, no sentido, com o qual estamos de pleno acordo, de que, “como a Constituição fala em alíquotas máximas, podem ser estabelecidas várias alíquotas máximas, tomando em conta a natureza dos serviços, em homenagem não só a valores prestigiados pela Constituição (como, v.g., a educação e a saúde) e sua essencialidade. Nem se diga que esta última classificação não é posta como critério constitucional; não há confundir cláusula expressa, com obrigatoriedade implícita, decorrente do sistema”. Ibidem, p. 404. Lei complementar tributária, p. 209. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 72. – 163 – confisco388 e em evitar eventuais e abusos por parte dos Municípios e do Distrito Federal na tributação das prestações de serviços segue-se imperioso. Apenas a forma de disciplinar essa necessidade é que sofreu alteração. O que antes podia ser regulado pela fixação da alíquota máxima passou, com o advento da Emenda Constitucional 37/2002, a ser disciplinado por uma faixa indicadora dos tetos máximos (alíquotas máximas) e pisos mínimos (alíquotas mínimas), dentro da qual deverá o legislador ordinário se ater para prescrever os enunciados que comporão o critério quantitativo (alíquota) da regra-matriz do ISS. Nesse contexto, o que é facultado ao legislador complementar não é estabelecer, prescrever, as alíquotas do ISS, mas apenas fixar suas alíquotas máximas e mínimas, em função das quais deverá o legislador ordinário se ater quando da edição dos enunciados que comporão o critério quantitativo (alíquota). Como anota Roque Antonio Carrazza, tal lei complementar irá estabelecer tetos máximos e pisos mínimos, que o legislador municipal não poderá ultrapassar. Este é um nítido caso de lei complementar reguladora de “limitações constitucionais ao poder de tributar”. Melhor explicitando, a Constituição, no dispositivo sob exame, contém uma limitação à competência municipal para tributar por meio de ISS, que a lei complementar poderá regular. É evidente que as alíquotas do ISS são estabelecidas pelo legislador ordinário de cada Município. Apenas a Constituição deu à União a possibilidade de, para evitar eventuais abusos, estabelecer parâmetros máximos e mínimos que a legislação municipal deverá observar.389 Dessarte, terão os Municípios e o Distrito Federal ampla liberdade para, no plano ordinário, trabalhar dentro da faixa demarcada pelo legislador complementar, reveladora dos limites máximos e mínimos das alíquotas do ISS. 388 389 Segundo Estevão Horvarth, o princípio do não-confisco, positivado no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, busca “manifestar que a tributação tem de ser razoável. Pode aparentar simplista esta conclusão, porém não só de argumentos complexos e esotéricos vive o Direito. O que se quer significar é que, neste ponto, coincidem o desejo o cidadão e o Direito positivo; é dizer: o legislador, ao desempenhar sua atividade legiferante em matéria tributária, deverá pautar-se pelos caminhos da proporcionalidade e da razoabilidade (como aliás, deveria proceder no desenvolver de todo o seu mister constitucional). Aí inclui-se não somente a razoabilidade no sentido de bom senso, como também a razoabilidade quantitativa, ou seja, o montante de um tributo, bem como o da soma de todos eles, deve ser razoável”. O princípio do não-confisco no direito tributário, p. 67 e 14. Grifos do autor. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 913. – 164 – Portanto, entendemos que não há falar, aqui, que a fixação das alíquotas máximas e mínimas do ISS por lei complementar implica violação à autonomia financeira dos Municípios e do Distrito Federal. Não há tentativa de abolir, diminuir, restringir ou suprimir a autonomia financeira desses entes políticos.390 Deveras, o que existe é uma é limitação à competência municipal para tributar por meio de ISS, posta pela própria Constituição Federal, e que a lei complementar poderá regular. A própria circunstância de os Municípios e o Distrito Federal terem o dever de observar uma faixa fixada por lei complementar contendo os limites máximos e mínimos das alíquotas do ISS acaba por conformar a autonomia desses entes políticos391 e do próprio poder de tributar. É dizer, o enunciado consubstanciado no inciso I, § 3.º, art. 156 da Constituição Federal – que autoriza o legislador complementar a fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS –, ao lado de outros enunciados constitucionais, dá contornos e conteúdo à autonomia dos Municípios e do Distrito Federal, contribuindo, então, para a delimitação da própria aptidão de tributar. Posta assim a questão, tem-se a Lei Complementar 116/2003 exercendo, embora parcialmente, a faculdade prevista no mencionado enunciado constitucional. Referida legislação, com fundamento no inciso I, § 3.º, do art. 156, previu em seu art. 8.º, II, a alíquota máxima do ISS como 5%, in verbis: Art. 8.º As alíquotas máximas do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza são as seguintes: I – (Vetado.); 392 II – demais serviços, 5% (cinco por cento). 390 391 392 Contrariamente ao que pensamos, confira Aires Fernandino Barreto, A Emenda Constitucional n. 37/2002 e a alíquota mínima do ISS, p. 19. A análise e construção de sentido da diretriz que prestigia a autonomia dos Municípios e do Distrito Federal foram empreendidas no item 4.4.2 do Capítulo 4. Registre-se que a redação dada a esse dispositivo é estranha, uma vez que de um lado consigna “demais serviços” e de outro, nada diz a respeito da regra geral, qual seja a classe de serviços cuja alíquota máxima é outra, que não a de 5%. Consoante afirma Roque Antonio Carrazza, a explicação para tal redação “é simples: o Presidente da República houve por bem vetar o art. 8.º, I, da mesma lei complementar, que estipulava uma alíquota máxima de 10% para algumas prestações de serviços de diversão pública. Como o veto não foi derrubado, somente interpretação sistemática do inciso II consegue revelar que ‘demais – 165 – A legislação em comento nada fixou acerca da alíquota mínima do ISS. Entretanto, isso não significa a inexistência de alíquota piso desse tributo, a teor do que dispõe o art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A Emenda Constitucional 37/2002, além de atribuir permissão ao legislador complementar para estabelecer as alíquotas mínimas do ISS (ao lado da faculdade para estipular as alíquotas máximas), acresceu ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o art. 88. Tal enunciado constitucional prevê, entre outras coisas, que, enquanto não editada a lei complementar de que trata o inciso I, § 3.º, do art. 156 da Constituição Federal, a alíquota mínima do ISS será de 2%, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei 56/87 (que atualmente correspondem aos subitens 7.02, 7.04 2 7.05 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003). Assim, tendo a Lei Complementar 116/2203 sido silente quanto à alíquota mínima do ISS, forçoso concluir que, atualmente, a alíquota em questão é de 2%. A disposição do art. 88 não tolhe o poder de os Municípios e o Distrito Federal instituírem isenção de ISS. De fato, a alíquota mínima de 2% impede, logicamente, a sua fixação no equivalente a “zero” (nítida isenção, consoante adverte Paulo de Barros Carvalho).393 No entanto, isso não implica reconhecer que os entes políticos, ante a impossibilidade de erigirem alíquota menor que 2%, estarão impedidos de isentar, porquanto poderão legislar criando isenção por meio da mutilação parcial de qualquer outro critério normativo.394 393 394 serviços’ têm, no contexto, a acepção de ‘todos os serviços’”. Curso de direito constitucional tributário, p. 914. Na lição de Paulo de Barros Carvalho, “o legislador muitas vezes dá ensejo ao mesmo fenômeno jurídico de recontro normativo, mas não chama a norma mutiladora de isenção. Não há relevância, pois aprendemos a tolerar as falhas do produto legislado e sabemos que somente a análise sistemática, iluminada pela compreensão dos princípios gerais do direito, é que poderá apontar os verdadeiros rumos da inteligência de qualquer dispositivo de lei. É o caso da alíquota zero. Que expediência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI? A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma-padrão, investindo contra o critério quantitativo do conseqüente. Qualquer que seja a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação”. Curso de direito tributário, p. 491. Registre-se o entendimento contrário de Roque Antonio Carrazza, no sentido de que a alíquota mínima de 2% amesquinha o princípio da autonomia municipal, por impedir o pleno exercício da competência – 166 – De outra parte, entendemos que esse enunciado viola o princípio da igualdade tributária,395 ao ressalvar da aplicação da alíquota mínima de 2% as prestações de serviços indicadas nos itens 32, 33 e 34 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei 56/87 (que atualmente correspondem aos subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003). Isso porque, como bem adverte Marcelo Caron Baptista, enquanto os demais prestadores de serviços sujeitar-se-ão ao ISS por alíquota igual ou superior a dois por cento, ficariam autorizados os Municípios e o Distrito Federal a fixar alíquota menor, ou mesmo igual a zero, para o setor da construção civil, sem qualquer amparo constitucional a legitimar tal discriminação.396 395 396 tributária dos Municípios, em função da impossibilidade de estes entes políticos concederem isenção que resulte na redução do referido percentual. Vide seu livro Curso de direito constitucional tributário, p. 915. A Constituição Federal traz, em seu art. 5.º, caput, formulação expressa que veicula valor de absoluta preponderância: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Ao tratar do assunto, Geraldo Ataliba já esclarecia que a igualdade é “a primeira base de todos os princípios constitucionais e condicionam a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as manifestações do Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar-se ou subtrair-se às exigências da igualdade”. República e Constituição, p. 160. Corolário do princípio republicano, a diretriz da igualdade das pessoas em face da lei é valor que impede a instituição de disciplina normativa que desiguala indivíduos que estão em situação idêntica. A idéia de um tratamento igualitário das pessoas e situação equivalente perante a lei é tratada sob o rótulo de igualdade formal. No que se refere à tributação, além de um enunciado geral sobre a isonomia, voltado a todos os cantos do sistema de direito positivo brasileiro, existe um enunciado específico para a disciplina isonômica das questões tributárias, aplicável a esse subsistema (CF, art. 150, II): é vedado aos entes tributantes “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Esse enunciado estabelece que, em matéria tributária, é proibida a criação de tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente, o que inclui a criação de distinções em razão de ocupação profissional ou função. Dessa forma, o princípio da igualdade tributária veicula limite objetivo consubstanciado numa restrição aos fatores de discriminação que o legislador pode utilizar com o propósito de criar tratamento diferenciado entre contribuintes. Assim, consoante pondera Roque Antonio Carrazza, a “lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas” (Curso de direito constitucional tributário, p. 77-78). Destarte, com apoio nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra clássica, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 21, tem-se que as diferenças contidas na norma tributária devem ser consoantes os interesses absorvidos pelo sistema constitucional e devem decorrer de critérios de seleção (fatores de discriminação), que guardem uma relação lógica de implicação com a distinção entre o tratamento criado pelas normas jurídico-tributárias. Ausente fator de discriminação ou presente fator de discriminação inadequado, a desigualação procedida não encontra amparo no Texto Constitucional. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 630. – 167 – O caos estaria instalado, adverte Aires Fernandino Barreto,397 visto que a alíquota de serviços essenciais, como a prestação de serviço de educação, poderia ser de 2%, no mínimo, enquanto a da prestação de serviços de construção civil poderia ser de qualquer percentual, por certo menor do que 2%. Por conseguinte, a melhor interpretação que coaduna com o nosso subsistema constitucional tributário parece-nos ser aquela no sentido de que também para as prestações de serviços descritas nos subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 a alíquota mínima do ISS seja de 2%. Dessarte, forçoso concluir, com fundamento (i) nos enunciados consubstanciados no art. 156, § 3.º, I, da Constituição Federal e no art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, (ii) no enunciado complementar do art. 8.º da Lei Complementar 116/2003, bem como (iii) nos princípios da vedação de exigência tributária com efeito de confisco e da igualdade tributária, que a alíquota da norma padrão do ISS é qualquer percentual situado entre 5% e 2%. Os Municípios e o Distrito Federal devem inexorável obediência ao conteúdo desse critério normativo, somente podendo erigir como alíquotas do ISS percentuais situados entre 5% e 2%. Feitas essas considerações partiremos para a minudente construção dos critérios material e quantitativo (base de cálculo, menos aquela identificável no caso das sociedades de profissionais e do trabalho pessoal do próprio contribuinte) da norma padrão do ISS, tema central do presente estudo. 397 No mesmo sentido, Aires Fernandino Barreto aduz o seguinte: “a Emenda ao dizer que a alíquota será de 2%, exceto para os serviços referidos nos itens 32 a 34 da lista (na redação da Lei Complementar 56/87), não deixa claro se com relação a esses itens a alíquota mínima deverá ser menor ou maior. Essa observação pode, à primeira vista, parecer acaciana, mas o certo é que a redação não confere a certeza de que a alíquota mínima para esses serviços a) não existirá; b) deverá existir, mas será b1) inferior a 2%; ou b2) será superior a 2%. [...] Se a conclusão for a de que, em relação a esses itens, as alíquotas podem ser inferiores a 2%, segue-se, inexoravelmente, que estará sendo posto às avessas o princípio da igualdade, porque serviços essenciais (v.g., saúde e educação) serão tributados a 2%, no mínimo; e os de construção civil em qualquer percentual, inclusive, por óbvio, a 0,01 %. Flagrante ofensa à isonomia, portanto”. A Emenda Constitucional n. 37/2002 e a alíquota mínima do ISS, p. 22. – 168 – 6 CRITÉRIO MATERIAL DA NORMA PADRÃO DO ISS 6.1 Materialidade da norma padrão do ISS O critério material da norma padrão do ISS contém a descrição do comportamento humano que poderá ser previsto como fato jurídico tributário pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Essa descrição é aqui designada de materialidade da norma padrão do ISS ou materialidade possível do ISS. Tal critério normativo é construído tendo em conta um conjunto de prescrições que regulam o conteúdo semântico do critério material da regra-matriz tributária a ser criada, quais sejam as imunidades contempladas no art. 150, VI, a, § § 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, o art. 156, inciso III, do Texto Constitucional e, por conseguinte, o conceito de serviço tributável que dele se extrai, o art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e os enunciados complementares constantes da lista de serviços anexa a essa legislação complementar. Para proceder a construção do critério material da norma padrão do ISS partiremos, inicialmente, da noção inafastável de que os (i) serviços prestados por outras esferas de governo, autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, (ii) os serviços relacionados aos templos de qualquer culto, (iii) os serviços prestados por partidos políticos, inclusive suas Fundações, Entidades Sindicais de Trabalhadores, Instituições de Educação e de Assistência Social, e (iv) aqueles serviços relativos aos livros, jornais, periódicos, tendo sido, por força do art. 150, VI, a, § § 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, contemplados por imunidade398, não podem sofrer tributação, é dizer, não podem ser objeto do exercício de permissão impositiva. 398 Conforme vimos no capítulo 3, imunidades são unidades de significação de enunciados prescritivos que impedem o exercício da permissão impositiva em relação a certas situações, fatos ou pessoas. Contribuem, – 169 – Isso implica reconhecer que as prestações de serviços albergadas pela imunidade ficam fora do campo de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal. É dizer, não são tributáveis pelo ISS. Aires Fernandino Barreto, a propósito, esclarece que só há serviço tributável, juridicamente, quando a Constituição prevê competência para sua tributação. Ora, as exclusões constitucionais são verdadeiras balizas intransponíveis a serem rigorosamente respeitadas pelos titulares das competências, porque ficam além dos campos demarcatórios das próprias competências. Em rigor, não há ‘limitações constitucionais ao poder de tributar’. Há, isto sim, balizas que conformam as competências. [...] Serviços há que não são tributáveis porque não foram cometidos a nenhuma pessoa política. Dessa espécie são as imunidades.399 Compondo o conjunto de atividades albergadas pelas imunidades estão (i) os serviços prestados por outras esferas de governo, autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público (art. 150, VI, a, §§ 2.º e 3.º, da Constituição Federal), (ii) os serviços relacionados aos templos de qualquer culto (art. 150, VI, b, § 4.º, da Constituição Federal), (iii) os serviços prestados por partidos políticos, inclusive suas Fundações, Entidades Sindicais de Trabalhadores, Instituições de Educação e de Assistência Social (art. 150, VI, c, da Constituição Federal), e (iv) os serviços próprios dos livros, jornais, periódicos (art. 150, VI, d, da Constituição Federal). Tais prestações de serviços, sendo intributáveis, visto que ficaram fora do campo de atuação legislativa dos Municípios e do Distrito Federal, não podem ser levadas em consideração para identificar o critério material da norma padrão do ISS, responsável pela predefinição do comportamento humano que poderá ser erigido como fato jurídico tributário do ISS. De outro lado, conforme vimos no Capítulo 4, a Constituição Federal, em seu art. 156, III, pressupôs um conceito de serviço tributável para outorgar e delimitar rigidamente a permissão dos Municípios e do Distrito Federal para criarem o ISS. Interpretando sistematicamente cada um dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer 399 pois, na identificação da permissão impositiva dos entes políticos, ao colocar certas situações, fatos e pessoas de particular significado político, social ou econômico, fora do âmbito de atuação legislativa. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 60. – 170 – natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, que conformam o enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal, identificamos que serviço tributável é toda prestação de esforço humano economicamente apreciável, sem subordinação, tendente a produzir utilidade material ou imaterial a um terceiro, sob regime de direito privado, não compreendida na competência dos Estados e do Distrito Federal, definida em lei complementar. Desse conceito de serviço tributável extrai-se que o critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços (“verbo” + “complemento verbal”) previstos em lei complementar, definidora das atividades que poderão ser erigidas como hipótese tributária. É o que atesta Susy Gomes Hofmann quando pondera que o artigo 156, III, da Constituição Federal dispõe que compete aos Municípios instituir Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza não compreendidos no artigo 155, II (isto é, os serviços de transporte intermunicipal e interestadual e os serviços de comunicação), definidos em lei complementar. O texto constitucional indica o critério material do imposto, de tal forma que somente poderá ser “prestar serviços de [...]”.400 Deveras, conforme observamos no Capítulo 4, o Texto Constitucional reconheceu a necessidade de lei complementar definindo as prestações de serviços – tirante aquelas reservadas à tributação pelos Estados e pelo Distrito Federal – passíveis de tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Somente prestação de serviços definida em lei complementar poderá ser erigida como hipótese tributária do ISS. Essa legislação complementar é aquela que veicula normas gerais sobre matéria de legislação tributária, definindo os serviços que os Municípios e o Distrito Federal poderão descrever, legislativamente, como passíveis de serem tributados pelo ISS. Com efeito, ela atua como instrumento introdutor de enunciados prescritivos que conformam a permissão – descrita no conseqüente da norma de competência legislativa – para criação do ISS; ajuda na construção do critério material da norma 400 Susy Gomes Hofmann, A base de cálculo do ISS, p. 213. – 171 – padrão do ISS, explicitando quais as prestações de serviços poderão ser erigidas como fatos tributáveis. A Lei Complementar 116/2003, editada a título de dispor sobre o ISS e dar outras providências, cumpre exatamente essa função em seu art. 1.º e na lista de serviços que veicula. Como consta de seu art. 1.º, O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. Ressalte-se que a expressão “atividade preponderante” mencionada nesse enunciado complementar foi empregada para deixar bem claro que o ISS incide mesmo se certa prestação de serviço não configurar atividade preponderante do contribuinte. De fato, uma mesma pessoa, física ou jurídica, pode, além de praticar operação de circulação de mercadorias, dedicar-se a prestação de serviços. Assim sendo, o art. 1.º em questão preceitua ser irrelevante a circunstância de a prestação de serviço corresponder a 1%, 2%, 3%, 4%, etc.; incidirá ISS do mesmo modo, pouco importando a intensidade do percentual da prestação de serviço em relação às demais atividades a que se dedica o contribuinte. É o que se extrai da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo a qual o que o art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 pressupõe é que a incidência de ISS independa da circunstância de a atividade de prestação de serviços desenvolvida pelo prestador constituir ou não a de maior importância, a de predomínio ou a de maior peso. Em outras palavras, a incidência do ISS não pode ser afastada e nem sofrer arranhões pelo fato de que, em certos casos, ela representa parcela ínfima das múltiplas atuações a que se dedica o prestador. É dizer, se determinada pessoa física ou jurídica dedica-se 50% à atividade industrial, 48% à atividade comercial e só 2% à atividade de prestação de serviços, nem por isso deixará de haver a incidência de ISS relativamente aos 2%.401 401 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 297. – 172 – Por força do referido art. 1.º e dos enunciados complementares constantes da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, os Municípios e o Distrito Federal só poderão submeter à tributação do ISS as prestações de serviços previamente definidas na mencionada legislação complementar.402 É inarredável, pois, que o critério material da norma padrão do ISS não seja identificável apenas por enunciados constitucionais. A construção desse critério normativo requer que tomemos em consideração a existência dos enunciados prescritivos veiculados pela lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Segundo ressalta Júlio Maria de Oliveira, “a construção normativa é sistêmica e necessita de enunciados prescritivos advindos de diversos veículos normativos”, de modo que o legislador constituinte condicionou o exercício da permissão para instituição do ISS à observância da lei complementar, e o fez, segundo explica o autor, para garantir uma uniformidade mínima: qual seja restringir a construção do fato jurídico tributário a eventos previamente determinados na hipótese tributária, por complementos verbais numerus clausus, expressamente previstos na Lei Complementar requerida pela Constituição.403 Sendo assim, após a edição da lei instituidora do ISS será possível identificar diferentes fatos tributáveis e, portanto, construir várias regras-matrizes em função dos complementos verbais que foram colhidos pelos legisladores ordinários da Lei Complementar 116/2003. No plano da lei ordinária serão vislumbrados, ao lado do núcleo permanente prestar serviços, vários complementos adicionais – representativo 402 403 Conforme mencionado no Capítulo 4 e evidenciado no decorrer deste trabalho, a Lei Complementar 116/2003 não se limita a definir os serviços que poderão ser tributados pelos Municípios e pelo Distrito Federal, exercendo, também, as funções de dispor sobre conflitos de competência entre entes tributantes e regular as limitações ao poder de tributar. A propósito, sobre a força normativa apenas dos “subitens” constantes da lista de serviços anexa à LC 116/2003 para prever os serviços que poderão ser descritos pelo legislador ordinário como passíveis de incidência do ISS, confira nosso A função meramente aglutinadora dos itens descritos na lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003 e a força normativa dos subitens para estabelecer a incidência do ISS, n. 3, v. 1. Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 96. – 173 – da espécie da atividade tributável – prescritos em consonância com a lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. É o que novamente se extrai da lição de Júlio Maria de Oliveira, segundo a qual há um núcleo comum no critério material do antecedente que é manifesto na expressão prestar serviços [verbo (prestar) + serviços (primeiro complemento)], e uma diversidade de complementos adicionais prescritos na Lista anexa ao Decreto-lei n.º 406/68. [...] O critério material da hipótese tributária deverá ser composto pela expressão verbal advindo de enunciados prescritivos veiculados em leis municipais ou distritais que poderão colher complementos verbais que estiverem contidos na Lista anexa ao Decreto-lei n.º 406/68 (veículo normativo recebido como Lei Complementar, esta exigida pelo enunciado do inciso III, art. 156, da Constituição Federal, para compor a construção do fato jurídico tributário do ISSQN.404 Importante ter presente que a lei complementar não pode arrolar como prestação de serviço o que prestação de serviço não é. Como já demonstrado no item 4.2.1 do Capítulo 4, o ISS recai sobre a prestação de serviço, assim entendida aquela atividade “consistente em desenvolver um esforço visando adimplir uma obrigação de fazer”.405 As obrigações de dar estão, por óbvio, fora do campo tributável dos Municípios e do Distrito Federal em matéria de ISS. Indicá-las como prestação de serviços implica violação ao Texto Constitucional.406 Roque Antonio Carrazza é incisivo ao assinalar que fatos que estejam no campo material de imposto federais ou estaduais, não podem ser tributados por meio de ISS, ainda que uma lei complementar assim o permita. Aliás, lei complementar desse jaez seria inconstitucional, porque estaria ampliando o âmbito de abrangência do ISS e, o que é muito pior, atropelando o direito subjetivo que todos os contribuintes têm, de só serem tributados pela pessoa política competente, observadas as regras-matrizes exacionais, postas no Diploma Magno. Serviços novos só podem ser inseridos na lista se forem, em tese, tributáveis por meio de ISS. Ou, se preferirmos, a lei complementar não pode “definir” ou “arrolar” fatos intributáveis pelo ISS (que poderíamos chamar de nãoserviços). Também a lista não pode criar serviços tributáveis por analogia, 404 405 406 Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 91 e 96. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 295. Segundo Aires Fernandino Barreto, “essa impossibilidade conduz, inexoravelmente, à inconstitucionalidade da instituição e de exigência desse tributo em casos de atividades que se traduzem em obrigações de dar, que são com ele incompatíveis. Já consignamos que o ISS só pode abranger obrigações de fazer, contidas em contrato em que uma pessoa (física ou jurídica) presta e outra recebe serviços; só há ISS debaixo de uma relação jurídica instaurada entre prestador e tomador do serviço”. Ibidem, p. 295-296. – 174 – equiparação, ficção ou presunção. Tampouco considerar serviços, para fins de ISS, fatos regidos pelo Direito Público (v.g., os serviços públicos).407 Outro não é o entendimento de Aires Fernandino Barreto, de acordo com o qual a lei complementar tem que se limitar em definir ou em listar atividades que configurem serviço. Nas palavras deste jurista, muitos são os casos em que se pretende exigir imposto sobre serviços sobre atividades que não o são, a pretexto de que tais atividades forma listadas por lei complementar. [...] A expressão definidos em lei complementar não autoriza conceituar como serviço o que serviço não é. Admitir que o possa equivale a supor que, a qualquer momento a lei complementar possa dizer que é serviço a operação mercantil, a industrialização, a operação financeira, a venda mercantil, a industrialização, a operação financeira, a venda civil, a cessão de direitos. Em outras palavras, que a lei complementar possa, a seu talante, modificar a CF.408 Por essa razão, o referido tributarista, após evidenciar que as cessões de direitos não envolvem nenhuma obrigação de fazer (prestação de esforço pessoal para outrem), e sim uma obrigação de dar, acaba apoiando o veto do Poder Executivo ao subitem 3.01 da Lei Complementar 116/2003, que versava locação de bens móveis (obrigação de dar) e rechaçando o erro desse mesmo Poder, ao permitir que outras modalidades de locação de bens prosseguissem figurando na lista, ao lado de cessões de direito.409 407 408 409 Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, p. 36. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 108. Idem, ibidem, p. 161. Segundo esse autor, a lista de serviços anexa à Lei Complementar contempla “várias hipóteses de cessão de direitos como se pode observar especialmente dos subitens 1.05 ‘Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação’; 3.02 ‘Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda’; 3.05 ‘Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário’; 15.08 ‘Emissão, reemissão, alteração, cessão, substituição, cancelamento e registro de contrato de crédito; estudo, análise e avaliação de operações de crédito; emissão, concessão, alteração ou contratação de aval, fiança, anuência e congêneres; serviços relativos a aberturas de crédito, para quaisquer fins’; e 15.09 ‘Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing)’”. Ibidem, p. 161. Mais adiante o autor repugna a tentativa de a Lei Complementar 116 arrolar servidões administrativas (subitem 3.04) para efeito de tributação pelo ISS, ao dizer que “a nova lista contempla, outrossim, em seu subitem 3.04, a ‘Locação, sublocação, arrendamento’ ao lado do ‘direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza’. Deveras, prevê a tributação de verdadeiras servidões administrativas. A servidão administrativa é o direito real por força do qual o proprietário (ou titular do domínio útil, do direito de superfície ou o possuidor), por razões de interesse público, tem que se sujeitar a restrições ou limitações aos poderes de que é titular. O Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua a servidão administrativa como ‘[...]’ . E arrola como exemplos de servidão administrativa, entre outros, a passagem de aquedutos e a passagem de fios elétricos sobre – 175 – A Lei Complementar 116/2003 incorreu em flagrante inconstitucionalidade ao listar como prestação de serviço a franquia (subitem 17.08) e o licenciamento de uso de software (subitem 1.05), negócios jurídicos que, diante de nossa ordem jurídica, configuram cessão de direitos e, portanto, nítida obrigação de dar, compreendida no campo de atuação da competência residual da União, ex vi do art. 154, I, da Constituição Federal. A inconstitucionalidade prossegue, outrossim, no art. 1.º, § 3.º, da referida legislação, bem como nos subitens 21.01 e 22.01 da lista a ela anexa, ao se pretender que os serviços públicos possam ser tributados pelo ISS.410 Ressalte-se, por derradeiro, que também andou mal a Lei Complementar 116/2003 no que tange à indicação dos serviços que constituem fatos tributáveis do ISS, eis que não procedeu à listagem dessas atividades segundo um critério único. Basta, adverte Aires Fernandino Barreto, passar os olhos na lista de serviços para perceber que se trata de um rol acriterioso, que ora menciona profissões, ora profissionais, ora atividades, ora objetos de atividades, ora ações, ora resultados, ora agentes, tudo isso de modo caótico e sem nenhum nexo, a ponto de compreender situações que de modo algum podem ser consideradas serviços.411 Além disso, como já registrado no subitem 4.4.2 do Capítulo 4, quando mencionada legislação complementar faz menção aos vocábulos “congêneres”, “quaisquer” 410 411 ou a expressões vagas (como “serviços de pesquisas de imóveis particulares. Já se vê, pois, que sobre essas modalidades de permissões ou de concessões não pode incidir nenhum ISS. Quem concede ou permite não opera nenhum fazer. Pelo contrário, vê-se obrigado, tãosó, a suportar restrições ao seu direito de propriedade. Se imposto algum pudesse incidir estaria ele contido na competência residual da União (art. 154, I, da Constituição)”. Ibidem, p. 162. O § 3.º do art. 1.º em questão prevê o seguinte: “O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário”. A Lei Complementar 116 lista como tributáveis pelo ISS (i) no subitem 21.01 os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais”, (ii) no subitem 22.01 “serviços se exploração de rodovia mediante cobrança de preço ou pedágio dos usuários, envolvendo execução de serviços de conservação, manutenção, melhoramentos para adequação de capacidade e segurança de trânsito, operação, monitoração, assistência aos usuários e outros serviços definidos em contratos, atos de concessão ou de permissão ou em normas oficiais”, e (iii) no subitem 26.01 “serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores, inclusive pelos correios e suas agências franqueadas; courrier e congêneres”. Sobre a inconstitucionalidade em questão confiram-se: Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, p. 353-368; Clélio Chiesa, Inconstitucionalidades da LC 116/2003, p. 330-331; José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 303-325; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 57. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 237. – 176 – desenvolvimento”), acaba, a rigor, não definindo prestação de serviços alguma, implicando, destarte, flagrante ofensa aos arts. 156, III, 146, III, a, ambos da Constituição Federal. Em súmula, critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços arrolados na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Apenas essa materialidade poderá ser prevista pelos Municípios e pelo Distrito Federal como hipótese tributária da regra-matriz do ISS a ser criada. 6.1.1 Efetividade, habilitação, habitualidade, lucratividade, da prestação de serviços e a materialidade possível do ISS Por força da materialidade, prestar serviços definidos na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 infere-se que o ISS só pode alcançar as prestações de serviços concretamente ocorridas. As prestações potenciais de serviços não compõem o âmbito material de atuação legislativa dos Municípios e do Distrito Federal. Com sua linguagem rigorosa, Souto Maior Borges ensina que o imposto sobre serviços, não pode incidir sobre o que ainda não é serviço, a mera potencialidade dessa prestação. [...] Como a CF só autoriza sejam gravadas as prestações de serviços concretamente ocorridas, ou – o que é mesmo – os serviços efetivamente prestados – as prestados – as prestações potenciais de serviços não compõem o âmbito material de validade da lei municipal instituidora do ISS.412 A contratação de determinada prestação de serviço não se confunde com a materialidade do ISS, que poderá ser prescrita pelos Municípios e pelo Distrito Federal;413 denota apenas previsão de obrigação de fazer, prestação potencial de serviço, não uma prestação de serviço concretamente ocorrida. 412 413 Souto Maior Borges, Inconstitucionalidade e ilegalidade da cobrança do ISS sobre contratos de assistência médico-hospitalar, p. 169-170. Cf. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 574. – 177 – Embora prestações de serviço sejam iluminadas por contratos, destaca Aires Fernandino Barreto, o ISS não incide sobre esses pactos, mas sobre prestações de serviços concretamente ocorridas. Segundo esse jurista, apesar de o ISS não incidir sobre contratos, mas sobre o fato prestar serviço, não se pode descartar o exame dos contratos em que essa realidade se assenta, pena de cometer equívocos e fraudar a real compostura da avença havida entre as partes. Não podem ser olvidadas as lições do mestre Geraldo Ataliba, segundo a qual são os contratos que iluminam os fatos. Não pode o exegeta desconsiderar o contrato, que descreve o fato (atividade-fim) com precisão, para atribuir relevância a outras expressões (que não espelham o conceito e os caracteres do contrato), com vistas a subsumir certos fatos, segundo a sua conveniência.414 Apenas aquelas prestações de serviços concretamente ocorridas podem ser levadas em conta pelos Municípios e pelo Distrito Federal como passíveis de tributação pelo ISS; somente elas é que podem ser submetidas à tributação. Tomar em consideração a prestação potencial de serviço para submetê-la à tributação é o mesmo que reconhecer que o ISS possa recair sobre a mera contratação da prestação de serviço, em flagrante violação à rígida outorga de permissão impositiva e à norma padrão desse tributo. Cabe ressaltar, outrossim, que pouco importa se a prestação de serviço se dá por pessoa (física ou jurídica) que possui habilitação ou não. Aires Fernandino Barreto, a propósito, explica que, se, por hipótese, o prestador elabora um projeto de engenharia apesar de não estar habilitado para esse mister, o imposto incide normalmente. Aquele que prestar serviços médicos, mesmo sem habilitação, sujeita-se ao ISS. É que esse imposto não incide sobre a habilitação, mas sobre a prestação de serviços. Se os serviços médicos só pudessem ser tributados quando prestados por profissionais habilitados, o imposto deixaria de ter por materialidade a prestação de serviços, para incidir sobre a habilitação profissional. Ter-se-ia imposto absolutamente distinto do ISS, em relação ao qual a habilitação é irrelevante.415 Pouco importa, também, se da prestação de serviço decorre lucro ou se seu prestador visa lucro. Basta a ocorrência de certa prestação de serviço economicamente 414 415 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 130. Idem, ibidem, p. 297. – 178 – apreciável (remunerável) para que esse fato possa ser tributado pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Não é demais relembrar que, segundo Aires Fernandino Barreto, o que importa é ter havido prestação de serviços. Se dela decorre, ou não, lucro para o prestador é circunstância de nenhum relevo para a incidência do imposto. [...] o imposto é devido mesmo que a pessoa física ou jurídica prestadora dos serviços não tenha finalidade lucrativa. É dizer, o ter lucro ou não é irrelevante; também não tem relevo o fato de o prestador visar lucro. Basta, tão-só, que se trate de prestação de serviço com conteúdo econômico. [...] É certo que o prestador de serviço tributável – qualquer que seja – objetiva uma remuneração; mas obter paga não é o mesmo que visar lucro. O que parece correto afirmar é que a incidência do ISS pressupõe, inafastavelmente, remuneração e, em alguns casos, a perseguição ao fim lucrativo. Inversamente, não se pode haver exigência do imposto quando não houver preço, por se tratar de “serviço” gracioso, altruístico, desinteressado.416 Não é demais lembrar, outrossim, que, para que a prestação de serviço seja submetida à tributação pelo ISS, se faz necessário que se dê com habitualidade. A habitualidade, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, representa a reiteração de certo comportamento, a celebração iterativa de atos, de tal forma que mesmo considerados isoladamente pressupõe outros que o antecedem ou que lhe sejam posteriores. É óbvio que um único ato ou dois ou três, soltos num período tomado por referência, podem não expressar “habitualidade”. Contudo, não há negar-se que um ato singelo, pode, perfeitamente, caracterizar uma cadeia, da qual aparece como o primeiro.417 Assim, esse mestre, após enfatizar que a venda efetuada por comerciante que acaba de inaugurar suas instalações representa exemplo de ato habitual, conclui que, se o considerarmos, mesmo isoladamente, haveremos de sentir que se trata de ato habitual, que se repetirá com freqüência, ainda que não tenhamos notícia do segundo nem do terceiro ou do quarto. Tem vocação iterativa, tende a repetir-se, 416 417 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 298. Ainda segundo o autor, não há que confundir serviço gratuito com outra situação “na qual o prestador deixa de cobrar o preço a um certo tomador visando a conquistá-lo como cliente. É que, nessa hipótese, não houve serviço gracioso (senão aparente), mas serviço com conteúdo econômico em que se escamoteou o preço. [...] A indagação será sempre e só se houve, ou não, efetiva prestação de serviço. Se induvidosa for a ocorrência da prestação se serviço, a incidência do imposto é inexorável, mesmo que o prestador – quaisquer que sejam as razões – deixe de receber o preço a ela correspondente”. Ibidem, mesma página. Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 200. – 179 – indefinidamente. Assim também a habitualidade na prestação de serviços tributáveis pelos Municípios.418 A habitualidade é da essência da atividade realizável como exercício de uma profissão ou como objeto de uma empresa. Como adverte Bernardo Ribeiro de Moraes, não podemos compreender a existência de empresa ou profissional autônomo que pratique atos não habituais ou não sucessivos. Segundo esse autor, o advogado pode prestar serviço o ano todo para o seu cliente, ou prestá-lo uma única vez. Será alcançado pelo ISS, pois a habitualidade na sua profissão é inerente, desde que a exerça. É esta habitualidade no exercício profissional que trará um status ao prestador do serviço. 419 Como se percebe, a prestação de serviço é habitual quando decorre do exercício de uma profissão ou do objeto de uma empresa. O ISS alcança os esforços humanos com habitualidade, isto é, o fornecimento de um fazer que é fruto do exercício de uma profissão ou do objeto-fim de uma empresa. Assim, uma única prestação de serviços poderá ser submetida à tributação do ISS se o seu produtor exercê-la em caráter habitual, isto é, na qualidade de empresa ou profissional autônomo. Conforme assinala Bernardo Ribeiro de Moraes, uma prestação de serviços esporádica, realizada por particular, não dá lugar a exigência do ISS. Quem, acidentalmente, presta serviço de corretagem, uma única vez, embora tenha obtido resultado econômico, não está sujeito ao ISS, pois não agiu no exercício de uma profissão e nem como empresa. [...] Uma única prestação de serviços não constituirá fato imponível do ISS se não for realizada dentro da atividade (habitual) do profissional autônomo ou da empresa. Interessa ao imposto 420 a atividade exercida com idéia de profissionalidade. Somente o esforço humano desenvolvido no exercício de uma profissão ou do objeto-fim de uma empresa constitui fato tributável pelo ISS. 418 419 420 Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 200. Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 121. Idem, ibidem, p. 121. – 180 – Aliomar Baleeiro, a propósito, evidencia acatar essa noção ao afirmar, categoricamente que “o fato gerador (do ISS) pressupõe prestação de serviços a terceiros como negócio ou profissão”.421 Atividade realizada à margem do regular exercício profissional ou do objeto da empresa, por não ser habitual, com vocação iterativa, não pode ser submetida à tributação pelo ISS. 6.1.2 Fruição da prestação de serviços e a materialidade possível do ISS A fruição ou a utilização da prestação de serviços não podem ser tidas como comportamentos tributáveis pelo ISS; não integram o campo de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal. É que, por força da materialidade possível do ISS, esse tributo alcança o desempenho de esforço humano a terceiros, não a fruição ou utilização da prestação. Esses comportamentos não defluem do arquétipo constitucional desse imposto. Se recaísse descrição abstrata de tais fatos como suscetíveis de exigência do ISS, estar-se-ia a contornar a Constituição, a volteá-la para instituir imposto outro que não o ISS, em face do seu distanciamento dos parâmetros constitucionais. Assim, se fruidor, consumidor se beneficiário de utilidade forem chamados a contribuir, já se estará não diante do “fenômeno prestação do serviço” (desempenho de esforço humano em favor de terceiro), mas sim, de outros fatos quaisquer, inteiramente distintos.422 Nem mesmo a Lei Complementar 116/2003 parece ter se atentado para essa noção elementar, eis que, em seu art. 1.º, § 1.º,423 acabou concebendo como fato tributável pelo ISS a fruição da prestação de serviço, ao prever como passíveis de tributação as prestações de serviços provenientes do exterior. 421 422 423 Aliomar Baleeiro, Direito tributário brasileiro, p. 282. Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na Lei, p. 31. “Art. 1.º [...] § 1.º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.” – 181 – Estamos, pois, com Clélio Chiesa que, após partir da premissa de que não pode o legislador complementar redefinir a materialidade possível do ISS, seja para ampliar, seja para restringir o âmbito de atuação dos Municípios e do Distrito Federal, analisou o § 1.º do art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 em conjunto com o inciso I do § 2.º do art. 6.º,424 do mesmo diploma normativo, concluindo, candentemente, o seguinte: Examinando-se os referidos dispositivos, tem-se a impressão que o legislador simplesmente contemplou uma hipótese de responsabilidade tributária. Com efeito, parece-nos que não foi isso que foi feito. Em verdade, o legislador ampliou a incidência do Imposto sobre Serviços – ISS para alcançar materialidade diversa daquela autorizada constitucionalmente. A materialidade possível do Imposto sobre Serviços – ISS, como registrado alhures, é “prestar serviços” e não “tomar serviço”. Poder-se-ia argumentar que o evento submetido à tributação continua sendo a prestação de serviços e que apenas estaria ocorrendo uma mudança de sujeito passivo. Ocorre que, na substituição tributária, o regime jurídico que rege o dever do substituto em relação à obrigação do substituído é o desse e não o daquele. In casu, o regime do prestador (substituído) é ignorado, simplesmente, o tomador, sempre que contratar serviços provenientes do exterior, terá que recolher, sobre o montante pago ao prestador, o ISS. O evento tributado, então, não é o ato de prestar serviços, mas o ato de tomar serviços provenientes do exterior. [...] Destarte, partindo-se da premissa de que a lei complementar autorizou a tributação sobre o ato de tomar serviços provenientes do exterior, incorreu em inconstitucionalidade, pois ampliou a materialidade possível do Imposto sobre Serviços – ISS contemplada constitucionalmente.425 6.1.3 Atividade-fim e a materialidade possível do ISS Segundo averba José Eduardo Soares de Melo, o esforço humano para outrem pode representar “a) um ato, fato ou obra constitutivo de um passo ou etapa para a consecução de um fim; e b) o próprio fim ou objeto”,426 implicando, destarte, a existência da dicotomia atividade-meio e atividade-fim. Analisando o contrato de prestação de serviço firmado será possível identificar a prestação-fim contratada e estremá-la dos comportamentos que lhe antecedem (as atividades-meio). 424 425 426 Consoante o inciso I do § 2.º do art. 6.º, sem prejuízo (i) de os Municípios e o Distrito Federal poderem atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa e (ii) do responsável estarem obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, independentemente de ter sido efetuada a sua retenção na fonte, são responsáveis “o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País”. Clélio Chiesa, Inconstitucionalidades da LC 116/2003, p. 334. José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspetos práticos e teóricos, p. 45. – 182 – Consoante observa Marcelo Caron Baptista, sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que denominamos de “prestação-fim”, saberá ele que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas “prestações-meio” da sua realização.427 Assim, identificada a prestação-fim a ser realizada pelo prestador, à luz do contrato que a ilumina, é possível demarcar as atividades-meio que a precede. Tanto os comportamentos de dar como o de fazer podem representar, conjunta ou separadamente, ações desenvolvidas como requisitos ou condições do esforço humano a ser prestado a terceiros como fim ou objeto. Exemplo conspícuo de qualificação de mera atividade-meio consubstanciada em um fazer se dá no caso de transporte de valores dentro de um Município, atividade-fim tipificada no subitem 16.01. Para a realização dessa prestação de serviço faz-se essencial (imprescindível, inafastável) a execução de atividades que a viabilizem, como a coleta e a entrega dos valores a serem transportados. Essas atividades são meios necessários à efetivação da prestação de serviços de transporte de valores. Não configuram o fim perseguido, não se constituindo, portanto, no objeto do contrato de transporte. Deveras, como explica Aires Fernandino Barreto, o tomador não quer um “fazer” consistente na simples coleta. Não. O utente ou destinatário dos serviços quer apenas e tão-somente que os valores sejam recebidos, transportados e entregues ao destinatário eleito pelo encomendante do transporte. Tais atividades ancilares, tarefas-meio, nada obstante necessárias, não são autônomas, não são um fim em si mesmas; pelo contrário, incluem-se nos serviços de transporte, constituindo-se em atividades-meio para a realização dos mesmos. [...] Repare-se que o objetivo é o transporte de valores. Coleta e entrega não são atividades autônomas, serviços em si mesmo considerados. Ao coletar os valores, o transportador realiza serviços de transporte de bens (da espécie valores). A entrega é simplesmente o corolário, etapa final do serviço de transporte. O transportador não realiza essas tarefas (coleta e entrega) como finalidade, como objetivo final. Contrata serviços de transporte, da espécie transporte de valores, o que implica, inafastavelmente, coletar, zelar por esses bens (valores) até a sua entrega no destino. Só exercitando essas tarefas-meio é que pode desenvolver as atividadesfim (serviços) a cuja exploração econômica se dedica. Mais cristalina é essa 427 Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 284. – 183 – qualificação de mera atividade-meio, naqueles casos em que sua execução é feita sem nenhuma cobrança adicional aos clientes (seja pela coleta, seja pela custódia normal, seja pela entrega). Só na excepcional hipótese de acordo adicional em que o encomendante requeira uma especial custódia (por exemplo, que os valores “durmam” em um dos armazéns ou galpões mantidos pelo transportador) é que se 428 teria um novo e diferente serviço. De outra parte, exemplo clássico de qualificação de atividades-meio consubstanciadas em um dar, fazer e não fazer pode ser verificado no caso da franquia,429 atividade relacionada no subitem 17.08 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. O fim perseguido com a franquia é o direito de uso dos produtos, mercadorias ou serviços representados pela marca. Muitas vezes, para atingir esse fim, franqueado e franqueador assumem deveres heterônomos que, constituindo-se em meras atividades-meio, podem envolver obrigações de dar, de fazer e de não-fazer. Entre as obrigações do franqueador se situam assistência técnica, instrução, treinamento ou avaliação pessoal, transferência da tecnologia. Segundo Aires Fernandino Barreto, o fim da franquia é possibilitar que terceiros explorem um produto, mercadoria ou serviço representado por uma marca. A maioria dos contratos limitam-se a esse tipo de objeto. Outros, porém, podem abranger, também, a assistência técnica do franqueador. Nos contratos em que se prevê assistência técnica, instrução, treinamento ou avaliação pessoal por parte do franqueador, essas tarefas são meras atividades-meio, e não atividades-fim. Deveras, são elementos consubstanciados em métodos e meios de venda, viabilizadores da exploração da marca objeto da franquia. É dizer, configuram requisitos, insumos, condições (às vezes até sofisticações) da atividade-fim: a cessão de direitos designada franquia.430 Portanto, como visto, a identificação da prestação-fim é imprescindível para se determinar qual será o comportamento submetido à tributação pelo ISS. É o negócio 428 429 430 Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 127-128. Ressalte-se que, no nosso entender, a franquia não configura prestação de serviço. A franquia simboliza o contrato pelo qual uma pessoa, mediante certas condições, cede à outra o direito de comercializar produtos ou marcas de que é titular. Trata-se, na verdade, de espécie de cessão de direitos, e, por isso, não se subsume ao conceito de serviço tributável pelo ISS. Apenas para demonstrar o equívoco em que se tem incorrido em tentar tributar as suas atividades-meio é que estamos nos aludindo a esse negócio jurídico. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 214. – 184 – jurídico objetivado pelas partes, a prestação-fim que se persegue, que interessa para a tributação do ISS, destaca José Eduardo Soares de Melo.431 Tributável pelo ISS é a prestação de esforço humano a terceiro como fim ou objeto, não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo). As etapas, passos, processos, tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio prestador e não “para terceiros”, ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornaram possível).432 Por essa razão, não é permitido ao legislador ordinário segregar certa prestação de serviço para considerar as atividades-meio que a antecedem como obrigação de fazer autônoma e, por conseguinte, submetê-las à tributação pelo ISS, inserindo-as separadamente como materialidade da hipótese tributária desse tributo. Como bem adverte Geraldo Ataliba, a principal conseqüência da unidade formal e substancial da hipótese de incidência tributária está em que o comportamento humano descrito nessa norma é uno, incindível, indecomponível,433 de modo que, por mais variados e diversos que sejam os fatos que o integram, como dados ou elementos pré-jurídicos, o fato imponível como tal – ou seja, como ente do mundo fenomênico – é uno e simples, irredutível em sua simplicidade, indivisível e indecomponível.434 Sendo a prestação de serviço una e indecomponível, não pode o legislador seccioná-la nas atividades-meio que a viabilizam, para, com isso, submetê-las à tributação, separadamente, como se correspondessem, cada qual, a prestações de serviços. Alvo de incidência do ISS é a prestação de serviço integralmente considerada; não, repita-se, as atividades-meio realizadas para a consecução do fim 431 432 433 434 José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 45. Cf. idem, ISS – Atividade-meio de serviço-fim, p. 83. Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 72. Idem, ibidem, p. 73. – 185 – perseguido, ainda que previstas como prestações de serviços em determinado subitem da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.435 O entendimento de Aires Fernandino Barreto, a propósito, é mais uma vez esclarecedor. Nas suas palavras, “somente podem ser tomadas, para sujeição ao ISS (e ao ICMS), as atividades entendidas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado”.436 Pensar o contrário, assevera esse autor, “seria uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à hipótese desse imposto”.437 Portanto, no caso de prestação de serviço de transporte de valores dentro de um mesmo Município, exemplificada anteriormente, é forçoso concluir que a coleta e a guarda de valores, sendo atividades-meio, e, desse modo, não configurando o fim perseguido, não podem ser vistas isoladamente para fins de tributação pelo ISS. Constitui erronia jurídica pretender desmembrar as inúmeras atividades-meio necessárias ao transporte, que culminam com a entrega dos bens, como se fossem “serviços” parciais, para fins de incidência do imposto. Nenhuma dessas atividades-meio – seja a coleta, seja a consolidação, seja a guarda dos volumes, seja a entrega – pode ser considerada como serviço em si mesmo, com existência autônoma; não são essas tarefas senão condições, fases, meios ou instrumentos para a efetiva realização dos serviços de transporte contratados.438 A errônea jurídica de considerar atividades-meio também para fins de tributação da franquia, ante as obrigações heterônomas que a envolvem, não passou desapercebida por Aires Fernandino Barreto. 435 436 437 438 O seguinte trecho do voto vencedor proferido pelo Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal, Décio Miranda, já antes da Lei Complementar 116/2003, deixa clara a impossibilidade de se tomar determinada atividade descrita na lista de serviços como serviço autônomo para fins de incidência de ISS, in verbis: “Nem se pode subsumir na alínea 14 da lista, alusiva à ‘datilografia, estenografia e expediente’, eis que, nos estabelecimentos bancários, tais atividades apenas correspondem a meios de prestação dos serviços e não a estes próprios. O item ‘expediente’ desperta idêntica recusa, É apenas a expressão de serviços variados, prestados no exercício de atividades-meio do comércio bancário, que, como diz o acórdão recorrido, não chegam a constituir serviço próprio, autônomo”. Voto proferido no Recurso Extraordinário 97.804/SP, v.u., DJU 31.08.1984, p. 13937. Aires Fernandino Barreto, ISS – Atividade-meio e serviço-fim, p. 83. Idem, ibidem, p. 83. Cf. idem, ISS na Constituição e na lei, p. 127. – 186 – Conforme o autor, a franquia é um contrato complexo (misto), o que não implica concluir que é inviável o seccionamento dos contratos (ou prestações típicas inteiras ou, ainda, elementos de outros contratos) que o compõem. Não é demais reiterar que transferência de tecnologia, instrução, treinamento ou seleção de pessoal, além de outros, configuram atividades-meio. Igualmente é atividade-meio a eventual assistência técnica, requerida em certos contratos de franquia. Como visto, na franquia há um plexo de obrigações de dar, de fazer e de não-fazer, impostas a ambas as partes. Não se pode dissociar, fatiar, seccionar esses deveres – cuja execução cabe ao franqueador e ao franqueado – para isolar as atividades-meio ou eventuais obrigações de fazer, objetivando considerá-las de per si como uma prestação de serviços.439 Por mais sofisticadas, complexas, significativas e caras que sejam as atividades-meio, a prestação de serviço permanece íntegra, clara e irredutível, não se desfaz. Registre-se, ademais, que não se confunde a prestação-fim contratada com o ato final exigido do prestador, consistente na entrega de bem ao tomador, quando, então, a prestação de serviços poderá ser tida como adimplida. No caso do alfaiate, por exemplo, o fato de a prestação de serviço ser tida como adimplida somente com a entrega da roupa feita para quem a encomendou não infirma a prestação-fim consistente em confeccionar a roupa (obrigação de fazer). Marcelo Caron Baptista é enfático nesse sentido, ao dizer que, em casos como esse, “a simples entrega do resultado da prestação do serviço, do prestador ao tomador, não é fato capaz de alterar a natureza da prestação, que é de fazer”.440 6.1.4 Classificação da prestação-fim As prestações de serviços podem se dar sob diversas formas. É de autoria de Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto441 grande estudo dessa matéria, no qual classificam as prestações de serviços, segundo as formas de sua realização, em (i) 439 440 441 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 215. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 284. ISS e ICMS – conflitos, p. 170-171. – 187 – prestações de serviços puros, (ii) prestações de serviços com emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, (iii) prestações de serviços com a aplicação de materiais e (iv) prestações de serviços com emprego de instrumentos e a aplicação de materiais. Todas essas prestações de serviços se sujeitam ao ISS, podendo ser submetidas à tributação pelo ISS. 6.1.4.1 Prestações de serviços puros Muitos são os casos em que certas prestações de serviços prescindem de instrumentos ou materiais para sua execução. Por serem executadas apenas com o desempenho de esforço humano, são denominadas de prestações de serviços puros. Exemplo clássico dessa subespécie de forma de prestação de serviços é o do “advogado, que se pode limitar a ouvir um relato e sugerir um comportamento ou formular uma advertência, orientação ou conselho verbal ao cliente”.442 Nestes casos dúvidas não há quanto ao fato de que essas prestações de serviços se sujeitam ao ISS, podendo o legislador ordinário submetê-las à tributação, erigindo-as como materialidade da hipótese tributária desse tributo. 6.1.4.2 Prestações de serviços com o emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos Inúmeras outras prestações de serviços necessitam, para a sua realização, do emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos. Nestas hipóteses os esforços humanos a terceiros são viabilizados pela utilização desses bens, que surgem como requisitos imprescindíveis à realização de prestações de serviços. 442 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 47. – 188 – Essas prestações de serviços são designadas “prestações de serviços menos puros”,443 visto que há a conjugação de capital e de trabalho para a sua realização. Exemplo conspícuo dessas prestações de serviços se dá no caso do médico patologista que necessita do emprego de microscópio para realizar o seu mister; da esteticista que requer a utilização de aparelho de laser para a prestação de serviço para a qual foi contratada; do transportador de valores dentro de um mesmo Município que precisa, por exemplo, do carro para efetuar o transporte. À míngua desses requisitos, a prestação de serviços não se aperfeiçoa. O fato de a execução da atividade ficar na dependência do emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, por mais sofisticados que sejam, não desnatura a prestação de serviços. É o que se extrai da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo a qual “não deixa de configurar prestação de serviço o exercício de atividade que requeira o uso de instrumentos ou equipamentos, por mais sofisticados que sejam. Os meios viabilizam, aperfeiçoam, aumentam ou garantem a eficácia do esforço”.444 Também não deixa de configurar prestação de serviço se o esforço humano a terceiro, a despeito de utilizar máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, traduzir-se numa coisa material entregue ao tomador (v.g. uma chapa de raio X, o quadro feito pelo pintor, a roupa feita pelo alfaiate). Essa circunstância de a prestação de serviços poder se traduzir numa coisa material entregue ao tomador não tem o condão de transmudar a atividade do prestador em venda de mercadoria. Considerando que nessas hipóteses as máquinas, os veículos, os instrumentos e os equipamentos assumem feição meramente instrumental da viabilização da prestação de serviço, não são objeto de negócio jurídico mercantil, não configuram mercadoria. 443 444 Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS e ICM: conflitos, p. 333-335. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 46. – 189 – Nas fecundas lições de Roque Antonio Carrazza, com amparo nas lições de Paulo de Barros Carvalho, só é mercadoria o bem objeto de mercancia, ou seja, a que se destina à prática de operações mercantis. Ensina o autor que não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão-só aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem imóvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. Estamos percebendo que nada é mercadoria “pela própria natureza das coisas”. De fato, como aguisadamente observa Paulo de Barros Carvalho, a natureza mercantil de um bem não deflui de suas propriedades intrínsecas, mas de sua destinação específica.445 Na prestação de serviços com o emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, alerta Aires Fernandino Barreto, o simples cunho de instrumentalidade da coisa já será bastante para evidenciar não ser mercadoria. Aí há serviço e só serviço. E, como tal, tributável pelo Município, como prevê o art. 156, III, da Constituição Federal. A coisa entregue é mero resultado, objetivação, testemunho ou registro do serviço (esforço humano) prestado a terceiro.446 Como se vê, os esforços humanos com o emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos configuram, apenas e tão-somente, prestações de serviços, podendo os Municípios e o Distrito Federal submetê-las à tributação, erigindo-as como materialidade da hipótese tributária desse tributo. 6.1.4.3 Prestações de serviços com aplicação de materiais Há prestações de serviços que só são concretizadas mediante a aplicação de materiais. Nessa espécie de prestação de serviços os materiais são “elementos concretos envolvidos na prestação, por ela requeridos ou exigidos, sob pena de se 445 446 Roque Antonio Carrazza, ICMS, 9. ed., p. 41. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 46. – 190 – tornar impossível o resultado (resultado esse almejado pelo tomador do serviço e escopo do esforço do prestador)”.447 Inexistente a aplicação de tais elementos, a prestação de serviços não pode ser realizada. Como lembra Marcelo Caron Baptista, efetivamente, não há como prestar um serviço de pintura sem a aplicação da tinta, como não se pode prestar um serviço de confecção de roupa sem o tecido. A tinta, para o pintor, como o tecido, para o alfaiate, são insumos, sem os quais não há prestação de serviço. Sem os materiais, não há possibilidade nem de prestar o serviço e nem de provar a sua realização. Quando a prestação se der por acaba, o esforço do pintor será manifestado pela parede pintada, o do alfaiate pela roupa confeccionada.448 Mas isso não implica dizer que os materiais empregados na prestação de serviço configuram mercadorias. Ou melhor, não há falar em operações relativas à circulação de mercadorias, fato tributável pelo ICMS. Para que haja uma operação tributável pelo ICMS, tributo reservado à permissão impositiva dos Estados e do Distrito Federal, ex vi do art. 155, II, da Constituição Federal, é necessário, além de um negócio jurídico que implique transferência de titularidade jurídica de bem, que esse bem seja qualificado como mercadoria. Assim, cabe cogitar de incidência de ICMS apenas quando diante de uma operação relativa à circulação de “mercadoria”.449 O que qualifica certo bem como “mercadoria” é a sua destinação. Apenas bens destinados ao comércio podem ser considerados mercadorias. 447 448 449 Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 47. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 293. Geraldo Ataliba e Cléber Giardino ensinam que só há mercadoria, para o Direito, “onde existam regras jurídicas que a definam e dêem critérios para o seu reconhecimento (mercadorias são coisas qualificadas pelo Direito, em função de sua destinação; destarte inexistem mercadorias onde inexista ato juridicamente regrado). ‘Circulação’ e ‘mercadorias’ são – nesse sentido – adjetivos que restringem o conceito do substantivo operações. Isto é, nem todas as operações negociais são alcançáveis pelo ICM. Apenas as que digam respeito (sejam referentes, sejam relativas) à circulação de certas categorias de bens: as mercadorias”. Núcleo da definição constitucional do ICM, p. 105. Sobre a importância e a necessária presença da “mercadoria” para que se vislumbre uma operação tributável, Paulo de Barros Carvalho postula o seguinte: “Importa sinalar que o tributo não onera a circulação de mercadorias, mas as operações a ela relativas. A ponderação desse aspecto é de cabal relevo para explicar a verdadeira latitude do critério material da hipótese colhida no preceito constitucional que outorga competência aos Estados para instituir o gravame, ad litteram”. A regra matriz do ICM, p. 32. – 191 – Nas precisas palavras de Roque Antonio Carrazza, “mercadoria, nos patamares do Direito, é o bem móvel, sujeito à mercancia. É, se preferirmos, o objeto da atividade mercantil, que obedece, por isso mesmo, ao regime jurídico comercial”.450 Assim, conclui o autor que “não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só aquele que se submete à mercancia”.451 Os materiais aplicados para a realização da prestação de serviço não se destinam à mercancia, não são mercadorias.452 Em si mesmos considerados, não interessam nem ao prestador nem ao tomador do serviço. Configuram simples insumos que integram a própria prestação, com ela se confundindo, ou que a seguem como acessório. Como explica Aires Fernandino Barreto, os materiais aplicados na produção da prestação de serviços são meros ingredientes, insumos, componentes, elementos integrantes do serviço. Sua presença, nesse contexto, é explicada exclusivamente em função do esforço humano, em que o serviço se traduz. Não se pode cogitar de um parecer jurídico escrito sem o emprego das folhas de papel que se o expede. Absurdo seria insinuar, porém, que o jurista vende papel. Trata-se, pelo contrário, de mero ingrediente que não se destina ao comércio, que não é objeto de mercancia. É insumo que condiciona a prestação do serviço: que não se destina ao comércio e, por isso, não é mercadoria. Nítido material integrativo do serviço, neste se insere indissociavelmente, formando unidade que não se pode decompor. [...] Parece importante salientar que, sempre que a prestação do serviço envolva aplicação de materiais, estes de dissolvem na própria atividade. Com ela confundem-se, ou, quando muito, seguem-na como acessório.453 Nesse mesmo sentido, Geraldo Ataliba, em estudo conjunto com Aires Fernandino Barreto, apregoa que “a aplicação desses materiais é condição ou requisito da produção do serviço – sua presença integra essencialmente o próprio serviço”.454 450 451 452 453 454 Roque Antonio Carrazza, ICMS, 9. ed., p. 41. Idem, ibidem, p. 41. Cf. Geraldo Ataliba e Aliomar Baleeiro, ICMS sobre importação de bens de capital para uso do importador, p. 146. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 47. Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição: pressupostos positivos – arquétipo do ISS, p. 41. – 192 – Daí por que, em casos que tais, não há falar em existência de prestação de serviço mista, em que a obrigação de fazer se amalgama com uma “pseudo” obrigação de “dar”,455 e sim de prestação de serviço, envolvendo aplicação de materiais. O emprego de materiais, adverte Pontes de Miranda,456 não decorre nunca de contrato de compra e venda, mas de uma obrigação de fazer, para a qual a aplicação desses bens é mero meio para a realização da prestação de serviços . O prestador, ao aplicar materiais necessários à prestação de serviços, não se transforma em promovente de negócio jurídico mercantil. Aires Fernandino Barreto versa essa situação com didático exemplo e fornece brilhante elucidação a respeito: Tomemos os seguintes exemplos: ninguém poderá asseverar, em sã consciência (à luz do conceito cediço de mercadorias), que o dentista ao aplicar amálgama, ao aplicar ouro ou porcelana é vendedor dessas mercadorias, porque na verdade são meros materiais, insumos necessários à prestação de serviços. Não se pode chegar ao absurdo de pretender que o advogado, que o parecerista, quando elabora um estudo e tem que empregar papel, seja vendedor de papel, realize venda de mercadoria. Vale-se ele de meio, de ingrediente, de insumo necessário à prestação do serviço.457 Deveras, a mercadoria, após ter sido adquirida pelo prestador, perde essa qualidade quando destinada à aplicação no esforço humano. É dizer, por transpor a fase na qual estava posta no comércio, passa a ser material, elemento integrante da prestação de serviço, não havendo que falar em fornecimento de “mercadoria”. Em tais circunstâncias, “a finalidade não é mais o fornecer ou entregar uma coisa, mas, diversamente, prestar um serviço, para o qual o emprego ou aplicação de coisas (materiais) é mero meio”.458 455 456 457 458 Como apregoa Bernardo Ribeiro de Moraes, nenhuma prestação de serviços pode ser considerada atividade de caráter misto, para efeitos de incidência do ICMS e do ISS. A mesma atividade não pode ser alcançada, simultaneamente, pelo imposto estadual e municipal. Doutrina e prática do ISS, p. 214. Tratado de direito privado, p. 385. Aires Fernandino Barreto, Imposto sobre serviços de qualquer natureza, p. 190. Cf. Idem, ISS na Constituição e na lei, p. 235. – 193 – Marcelo Baptista Caron também é eloqüente nesse sentido, ao dizer que, “após adquirida, nessa hipótese, a mercadoria passou a ser um bem, um material, um mero insumo, cuja circulação física não implica incidência do ICMS”.459 Portanto, nessas hipóteses em que é inafastável a aplicação de materiais tem-se uma única atividade, prestação de serviços. Persiste-se apenas e tão-somente no âmbito de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal em matéria de ISS. Bem por isso que, como adverte Eduardo Soares de Melo,460 não se pode pretender dissociar os materiais da prestação de serviços, como se se tratasse de objeto de negócio jurídico mercantil, para pretender alcançá-los pelo ICMS. Essa parece ter sido parte da conclusão externada na Lei Complementar 116/2003, ao prever em seu art. 1.º, § 2.º – veiculado a pretexto de dispor sobre conflitos de competência –, que Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. Embora o legislador complementar tenha incorrido no equívoco de fazer referência a “mercadorias” – expressão imprópria para designar materiais – e previsto disposição esdrúxula,461 o certo é que, sob certa perspectiva, acabou por reconhecer que as prestações de serviços indicadas na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 não poderão, salvo expressas exceções, ficar sujeitas ao ICMS, mesmo que sua execução envolva aplicação ou fornecimento de materiais. Por outro giro, 459 460 461 Marcelo Baptista Caron, ISS: do texto à norma, p. 300. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 46. Trata-se de disposição esdrúxula porque, segundo pondera Aires Fernandino Barreto, “se o que está listado é serviço, não há, nunca, fornecimento de mercadorias. Na prestação de serviços, aplicam-se materiais, como meio para a consecução de um fim: prestação de serviços; jamais mercadorias. Se o que está listado não é serviço, não há incidência do ISS”. ISS na Constituição e na lei, p. 237. Ainda consoante esse autor, o referido dispositivo (art. 1.º, § 2.º) peca, também, porque, “se se tratar de serviço, é a Constituição que diz não caber ICMS. E, se se tratar de operação mercantil, a lei estadual é que deverá dispor sobre a matéria”. Ibidem, p. 238. – 194 – ressalvadas certas situações, incidirá ISS mesmo que a prestação de serviços compreenda aplicação ou fornecimento de materiais. De outra perspectiva, terminou discernindo onde não tem cabimento, ao admitir incabível a incidência de ICMS, quando subitens da lista ressalvam certas parcelas (materiais) da prestação de serviços e, por conseguinte, do campo de incidência do ISS. Como se extrai das ressalvas constantes, por exemplo, dos subitens 14.01, 14.03 e 17.11, todos da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003,462 o legislador complementar, ao indicar as prestações de serviços ali descritas como passíveis de tributação pelo ISS, incorreu no equívoco de excluir os materiais empregados no esforço humano da sujeição do ISS, por supor que tais insumos configuram mercadorias. 6.1.4.4 Prestações de serviços complexas Prestações de serviços outras há que somente são realizadas mediante o emprego de instrumentos e a aplicação de materiais. O prestador de serviços, em virtude da complexidade da prestação de serviço a ser efetuada, se vê obrigado a utilizar uma série de instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e, ainda, a aplicar materiais, para cumprir o “fazer” para o qual foi contratado. A doutrina denomina463 os esforços humanos a outrem realizados pela conjugação de instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e de materiais de prestações de serviços complexas. 462 463 14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS); 14.03 – Recondicionamento de motores (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS); 17.11 – Organização de festas e recepções; bufê (exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao ICMS). Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição: pressupostos positivos – arquétipo do ISS, p. 41; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 48; Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 294. – 195 – Os instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos configuram requisitos empregados para suprir limitações intelectuais e físicas do prestador de serviços, condicionando, destarte, a viabilização do esforço humano a outrem. Os materiais aplicados também configuram requisitos condicionantes da prestação de serviços. Sem esses elementos, insumos, a prestação de serviços não pode ser efetivada. Exemplo claro dessa subespécie de prestação de serviços se dá na prestação de serviço de impressão gráfica, na qual o prestador se vê na dependência de empregar equipamentos e máquinas, bem como de utilizar papel, plástico ou outro material, para que possa concretizá-la. Ressalte-se que a sofisticação dos instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e dos materiais empregados não tem o condão de descaracterizar a atividade, que prossegue como prestação de serviços.464 No tocante ao fato de o cerne do objeto contratual prosseguir como uma prestação de serviços, Aires Fernandino Barreto pondera que, por mais sofisticados, complexos e significativos que sejam os materiais empregados, a entidade não se desfigura; nem por isso deixa de caracterizar prestação de serviço. Muitas vezes, sob perspectiva leiga, econômica ou técnica, o observador pode impressionar-se com estes fatores, chegando a pôr em segundo plano – ou até mesmo a negligenciar – o esforço humano catalisador e centralizador de tudo. Pode ser o caso de um complexo e sofisticado exame médico. As instalações hospitalares, bem como a aparelhagem – inclusive computadores empregados – induzem o leigo a supor insignificante ou irrelevante o seu operador (ou qualquer exemplo semelhante, propiciado pelo desenvolvimento tecnológico da humanidade). Para o direito, o cerne de tudo persistirá igualmente nítido e fundamental: o esforço humano produtivo de utilidade a terceiro. Onde este for o fator decisivo, aí haverá serviço.465 Cabe ter presente, outrossim, que aqui também os instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos, bem como os materiais empregados para a realização da prestação de serviço, não se destinam à mercancia, não são mercadorias. 464 465 Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 294. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 48. – 196 – Assim sendo, resta evidente que as prestações de serviços complexas se sujeitam ao ISS, podendo os Municípios e o Distrito Federal erigi-las como materialidade da hipótese tributária desse tributo, se tipificadas na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. 6.2 Cautela necessária: inexistência de prestação de serviços “com” fornecimento de mercadorias Como se percebe, diante de esforços humanos a terceiros com emprego de instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e/ou materiais, não há que admitir a existência de prestação de serviço “com” fornecimento de mercadoria. Aires Fernandino Barreto ressalta que é totalmente despropositado – à luz do Texto Constitucional vigente a para fins tributários – falar-se em “serviço com mercadoria”. Não pode haver um negócio jurídico que envolva concomitantemente prestação de serviço e fornecimento de mercadoria. Não há, no Brasil, prestação de serviços “com” fornecimento de mercadorias.466 Vislumbra-se, nesses casos, um único fato, qual seja prestação de serviços. Persiste-se tão-somente no âmbito de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, cabendo cogitar de tributação desse único fato apenas pelo ISS. Todavia, o que se pode vislumbrar é a ocorrência de prestação de serviços com “concomitante” fornecimento de mercadorias, adverte Aires Fernandino Barreto, fruto de dois distintos negócios jurídicos. Dois tipos de situações jurídicas radicalmente diversas, dois negócios jurídicos absolutamente distintos, que se desenvolvem concomitantemente. Jamais, porém, “serviço com mercadoria”, quando muito, simples concomitância. Nesse caso, as duas entidades não se tocam, não se chocam; uma não interfere na outra e o fato de acontecer esse fenômeno não afeta a competência tributaria quer dos Estados, quer dos Municípios.467 Consoante esse autor, 466 467 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 49. Idem, ibidem, p. 49. – 197 – exemplo típico dessa alternativa é o dedicar-se dado contribuinte a1) ao negócio mercantil de vender peças para automóveis a serem aplicadas por terceiros e a2) à prestação dos serviços de reparação ou conserto de veículos, em que é inafastável a aplicação de materiais.468 Importa ter presente que também nessas situações as peças, por exemplo, após transporem a fase na qual estavam no comércio, sendo aplicadas na prestação de serviço de conserto de veículos, já não são mais mercadorias, e sim materiais necessários à produção do esforço humano, que, como tal, segue-o como acessório. Há aqui, já nessa fase, apenas e tão-somente, prestação de serviços com aplicação de materiais. De todo modo, entendemos ser necessário discernir os fatos subsumíveis ao ICMS dos oneráveis pelo ISS, mesmo que essas obrigações de dar e de fazer estejam previstas em um único instrumento contratual, uma vez que [...] no Brasil, por força da repartição constitucional rígida de competências tributárias, cada negócio requer consideração tributária isolada, em função da necessidade de deduzir os efeitos tributários em face da legislação – conforme o caso – federal, estadual e municipal [...].469 Em face da rígida repartição de permissão impositiva dos entes políticos, é imperioso concluir que, nos casos de prestação de serviços com “concomitante” fornecimento de mercadorias, a obrigação de fazer e a obrigação de dar ficam sujeitas cada qual, separadamente, ao ISS e ao ICMS, na proporção de suas respectivas receitas. Bem por isso que, atento à possibilidade de eventual existência de prestação de serviços com concomitante venda de mercadorias, o legislador complementar houve por bem – com fundamento no art. 146, I e II, do Texto Constitucional – indicar como serviços tributáveis aqueles descritos nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003470 e ressalvar da tributação pelo ISS o 468 469 470 Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 234. Idem, ICMS e ISS – estremação da incidência, p. 14. O subitem 7.02 da referida lista de serviços anexa à referida lei (Lei Complementar 116/2003) trata da “execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e – 198 – fornecimento de mercadorias produzidas pelo construtor fora do local da obra, cogitando de incidência de ICMS sobre tais bens. Essa disciplina específica revela que o legislador complementar teve bem presente eventuais hipóteses em que o contribuinte se dedica, concomitantemente, a duas atividades radicalmente distintas: venda de mercadorias que foram produzidas pelo prestador fora do local da obra e prestação de serviço de construção civil com aplicação dos materiais fornecidos (prestação de serviço com concomitante fornecimento de mercadoria, decorrente de dois diferentes negócios jurídicos).471 Tal foi necessário para, em homenagem à rígida discriminação de permissão impositiva reservada aos Estados, Municípios, Distrito Federal e ao princípio da igualdade tributária, explicitar a necessidade de o contribuinte, que se dedica a, concomitantemente, promover operações relativas à circulação de mercadoria e prestar serviços de construção civil, também ficar sujeito ao ICMS, do mesmo modo aquele contribuinte que exerce apenas a atividade de venda de mercadoria para terceiros. Por força dessa disciplina, restou evidenciada a necessidade de o prestador de serviços de construção civil, na qualidade de vendedor de mercadorias por ele produzidas fora do local de prestação, ficar sujeito ao ICMS, em situação de equivalência ao terceiro fornecedor de mercadoria. 471 irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”. Já o subitem 7.05 contempla a “reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”. A sujeição do fornecimento de mercadorias pelo próprio construtor ao ICMS restringe-se, portanto, aos casos em que este também é o “produtor” desses bens e sua produção se realiza fora do canteiro da obra. Se, todavia, o construtor adquire material de terceiros para aplicação na obra e os fornece ao tomador, esse “fornecimento”, em relação ao referido prestador, não está sujeito ao ICMS. Nesses casos a tributação pelo ICMS fica reservada para os terceiros, fornecedores. É dizer, para os terceiros de quem o prestador de construtor civil adquiriu os materiais para aplicação na obra. Sobre o assunto, confira Bernardo Ribeiro de Moraes, Serviço de engenharia, ISS e não ICM, p. 12. Confira, outrossim, os julgados do Superior Tribunal de Justiça proferidos no REsp 226.685/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 04.04,2000, DJU 1 de 02.05.2000, p. 106, e no Edcl no RMS 9.630/MG, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 10.10.2000, DJU 1 de 04.12.2000, p. 55. – 199 – 6.3 A exportação de serviços e os critérios material e espacial da norma padrão do ISS Estabelece a nossa Carta Magna, no art. 153, § 3.º, que, em relação ao imposto sobre serviços “[...] cabe à lei complementar: [...] excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”. Configura exportação de serviço prestação de esforço humano no território nacional e usufruído em território estrangeiro, por tomador lá situado. Não configura exportação de serviços prestação de serviço realizada no País e cujo resultado também aqui se verifique. Como bem salientou Simone Rodrigues Duarte Costa, considerando que a prestação de serviços realizada em território nacional pressupõe a incidência do ISS, independentemente do local em que os serviços vierem a ser utilizados, o constituinte delegou ao legislador complementar a faculdade de isentála do ISS, quando a utilização dos serviços se der no exterior. Trata-se de hipótese excepcional de isenção heterônoma, ou seja, concedida por pessoa diversa daquela titular da competência tributária, expressamente autorizada pela Constituição Federal.472 Roque Antonio Carrazza, a propósito, preceitua que, “de acordo com o supramencionado art. 156, § 3.°, II, da Carta Magna, a União, por meio de lei complementar, pode conceder isenções de ISS sobre serviços prestados a destinatário no exterior”.473 472 473 Simone Rodrigues Duarte Costa, ISS, a LC 116/2003 e a incidência na importação, p. 155-156. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 786. Segundo pondera Clélio Chiesa, “a regra do art. 156, § 3.º, II, da Constituição Federal não se choca com o comando do art. 151, III, também da Constituição Federal, porque são normas dirigidas a pessoas jurídicas diferentes. A vedação contida no art. 151, III, dirige-se à União ordem jurídica parcial, e não à União Estado brasileiro. A faculdade atribuída no art. 156, § 3.º, II, é conferida ao Congresso Nacional, na qualidade órgão legislativo do Estado brasileiro, não havendo, portanto, nenhuma incompatibilidade entre os referidos preceptivos. A faculdade atribuída no art. 156, § 3.º, II, da Constituição é uma competência especial atribuída ao Estado brasileiro para conceber isenções, que objetivam proteger interesses nacionais relevantes. Esses se sobrepujam aos interesses das ordens jurídicas parciais, e não se pode falar em violação ao princípio federativo e da autonomia dos Municípios”. O imposto sobre serviços de qualquer natureza e aspectos relevantes da Lei Complementar 116/2003, p. 60. – 200 – Por conseguinte, a Lei Complementar 116/2003, em seu art. 2.º, I, houve por bem estabelecer isenção474 das exportações de serviços para o exterior, in verbis: “Art. 2.º O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do País”. Vale dizer, o legislador complementar isentou as prestações de serviços realizadas no País, cuja utilização se der no exterior. De outra parte, estabeleceu acertadamente, no parágrafo único do mencionado dispositivo, que “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”. Isentas, portanto do ISS, são apenas as exportações de serviços. Essa desoneração tributária, explica José Eduardo Soares de Melo, decorre da adequada aplicação dos seguintes componentes: a) exportação de serviços; b) efetiva destinação dos serviços ao exterior; c) resultado no exterior; e d) pagamento a não-residente do território nacional. Assim, compreende-se que ‘dois elementos são vitais para a caracterização do ‘resultado’ (e o respectivo local da ocorrência): i) o beneficiário efetivo do serviço (quem está consumindo) – que deve estar fixado no exterior para que haja exportação – e, ii) a delimitação dos efeitos imediatos diretos da prestação do serviço, descartando-se de plano quaisquer efeitos secundários’.475 Como se vê, essa disciplina está, por conseguinte, em perfeita consonância com o critério material da norma padrão do ISS, segundo o qual prestação de serviço configura fato tributável pelo ISS, independentemente do local em que vier a ser utilizada e, com o critério espacial dessa norma jurídica, por força do qual a localização do tomador é irrelevante para definição do local em que o imposto é devido. 474 475 Como ensina Paulo de Barros Carvalho, a dinâmica da isenção “pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da conseqüência da regra-matriz do tributo”. Curso de direito tributário, p. 188. José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 222-223. – 201 – 7 A BASE DE CÁLCULO DA NORMA PADRÃO DO ISS 7.1 O conseqüente da norma padrão do ISS: predeterminação da base de cálculo O conseqüente da norma padrão do ISS contém, em seu critério quantitativo, a predeterminação da base de cálculo a ser erigida pelo legislador ordinário, é dizer, o conteúdo semântico do enunciado que deverá ser previsto como base de cálculo do ISS pelos Municípios e pelo Distrito Federal, para efeito de determinação da prestação tributária. Essa predeterminação é aqui designada “base de cálculo” da norma padrão do ISS. Trata-se a base de cálculo da norma padrão do ISS de critério normativo construído, conforme se verá mais adiante, a partir (i) do critério material desse arquétipo tributário, (ii) dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e (iii) dos enunciados complementares consubstanciados no art. 7.º, caput, e no art. 7.º, § 2.º, I, ambos da Lei Complementar 116/2003. Esse critério normativo contém prescrição de três unidades de referência mensuradoras a serem adotadas como base de cálculo. Com fundamento nesse conjunto de limitações que disciplina materialmente a criação do ISS, é identificado três enunciados prescritivos que poderão ser prescritos pelo legislador ordinário como base de cálculo desse tributo. Antes de identificar qual são esses enunciados prescritivos que poderão ser prescritos pelo legislador ordinário, faz-se necessário ter bem presente assim o conceito de base de cálculo, como as suas funções. – 202 – 7.1.1 Base de cálculo: conceito A doutrina define a expressão “base de cálculo” de forma diferente, muito embora seja uníssona quanto à noção de que (i) trata-se de critério normativo intimamente relacionado com o critério material da hipótese de incidência e (ii) configura elemento nuclear da regra-matriz tributária que se destina a possibilitar a determinação do valor que o sujeito ativo da relação jurídico-tributária pode exigir, a título de tributo, e que o sujeito passivo deve pagar. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a base de cálculo é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.476 Para Ruy Barbosa Nogueira, a base de cálculo “representa legalmente o valor, grandeza ou expressão numérica do fato gerador sobre a qual se há de aplicar a alíquota; é assim dizer um dos lados ou modo de ser do fato gerador”.477 Consoante Roque Antonio Carrazza, a base de cálculo é “a dimensão da materialidade do tributo. É ela que dá critérios para mensurar o fato imponível tributário”.478 No dizer de Luciano Amaro,479 a base de cálculo configura medida legal da grandeza do fato gerador, dentro das possíveis medidas do fato gerador. Amílcar de Araújo Falcão sustenta ser a base de cálculo “a grandeza econômica ou numérica sobre a qual se aplica a alíquota para obter o quantum a pagar”.480 476 477 478 479 480 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 331-332. Ruy Barbosa Nogueira, Curso de direito tributário, p. 126. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 221. Direito tributário brasileiro, p. 248. Amílcar de Araújo Falcão, Fato gerador da obrigação tributária, p. 137. – 203 – Hugo de Brito Machado,481 por sua vez, entende por base de cálculo a grandeza sobre a qual se aplica a alíquota do tributo para determinar o respectivo valor. Segundo Valdir de Oliveira Rocha, a base de cálculo é a “grandeza apta, à qual se aplica a alíquota, para se quantificar o montante do tributo”.482 Por seu turno, Aires Fernandino Barreto toma a base de cálculo como fundamento para cálculo, ao defini-la como “a descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato tributário. Espelha o critério abstrato uniforme e genérico de mensuração das realidades que se pretende medir”.483 Para os fins do presente trabalho, conceberemos base de cálculo como a descrição legal da unidade de referência mensuradora da intensidade do núcleo do fato jurídico tributário, constante da norma instituidora do tributo. Essa descrição legal da unidade de referência, conjugada à alíquota,484 se destina à quantificação do conteúdo da prestação tributária. Ressalte-se que não estamos fechando os olhos para a dicotomia doutrinária entre base de cálculo/base calculada, ou base de cálculo normativa/base de cálculo fáctica. Como é sabido, a base de cálculo (ou base de cálculo normativa) exprime a definição, pela lei instituidora do tributo, de fator de medida para quantificar o núcleo do fato tributável. Representa, pois, a definição legal adotada pelo legislador ordinário 481 482 483 484 Base de cálculo, Cadernos de Pesquisas Tributária, n. 7, p. 120, apud Valdir de Oliveira Rocha, Determinação do montante do tributo, p. 101. Idem, Determinação do montante do tributo, p. 103. Aires Fernandino Barreto, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 51. Segundo este jurista, o aspecto material da hipótese de incidência é suscetível de apreciação e dimensionamento tendente à estipulação do objeto da prestação. Por isso a doutrina emprega a expressão “base de cálculo” para se referir aos atributos dimensíveis do aspecto material da hipótese de incidência. Essa postura, adverte, significa reconhecer que a base de cálculo é “aparência dimensível do abstrato”. Diante disso, prefere conceituar a base de cálculo como o “padrão, critério ou referência para medir um fato tributário”. Ibidem, p. 50-51. Conforme visto no Capítulo 2, a alíquota é o fator situado no conseqüente da regra-matriz tributária, indicativo da proporção a ser considerada da base de cálculo. – 204 – para fins de determinação do conteúdo da prestação objeto da relação jurídicotributária. Já a base calculada (ou base de cálculo fática) representa a mensuração concretamente considerada do fato jurídico tributário, isto é, traduzida em expressão monetária, situando-se, pois, no plano do lançamento tributário.485 Não obstante, a relevância dessas instâncias, sobretudo para fins de identificação de submissão ao princípio da legalidade, para os objetivos aqui propostos, interessa-nos mais de perto a referência abstrata à unidade de mensuração do núcleo do fato jurídico, destacado na norma instituidora do tributo como passível de sofrer oneração. 7.1.2 Funções da base de cálculo Importante ter presente que não é qualquer unidade de referência que pode ser descrita como base de cálculo. Há que ser unidade de referência apta para dimensionar o núcleo do fato jurídico prescrito no antecedente da regra-matriz tributária, que mensure, adequadamente, a intensidade do comportamento, sob pena de descaracterização da exigência tributária. É dizer, unidade de referência que seja compatível, consentâneo (não conflitante), com as qualidades do fato jurídico inserto no antecedente da norma instituidora do tributo. Essa máxima fica mais evidente com a análise das funções “mensuradora” e “comparativa” da base de cálculo, explicitada com maestria por Paulo de Barros Carvalho. Segundo este jurista, a base de cálculo, além de medir as proporções reais do fato previsto na norma (função mensuradora), exerce a função de confirmar, 485 Sobre o assunto ver Aires Fernandino Barreto, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 5053 e 126-128. Paulo de Barros Carvalho, acolhendo a distinção proposta por Aires Fernandino Barreto afirma que “A base de cálculo nunca vem determinada no plano normativo. Lá teremos só uma referência abstrata – o valor da operação, o valor venal do imóvel etc. É com a norma individual do ato administrativo do lançamento que o agente público, aplicando a lei ao caso concreto, individualiza o valor, chegando a uma quantia líquida e certa – a base de cálculo fáctica”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 330. – 205 – infirmar ou afirmar a materialidade do evento posto à tributação (função comparativa).486 Sobre a primeira função, Paulo de Barros Carvalho explica que debuxados os contornos genéricos do acontecimento, inicia o político por fixar a fórmula numérica de estipulação do conteúdo econômico do dever jurídico a ser cumprido pelo sujeito passivo. É aí que escolhe, dentre os múltiplos atributos valorativos que o fato exibe, aquele que servirá de suporte mensurador do êxito descrito, e sobre o qual atuará outro fator, nominado de alíquota.487 Para atender a essa função, adverte o autor, qualquer indicação de suporte mensurador pode ser útil, “desde que, naturalmente, seja idôneo para anunciar a grandeza efetiva do evento”.488 A eleição de suporte mensurador (unidade de referência) idôneo significa a indicação de aspectos ínsitos àquele comportamento previsto na norma. Como pondera Paulo de Barros Carvalho, o âmbito da atuação legislativa é amplo, encontrando apenas “o obstáculo lógico de não extrapassar as fronteiras do fato, indo à caça de propriedades estranhas à sua contextura. Há de cingir-se às qualidades possíveis, buscando a medição do sucesso mediante dado compatível com sua natureza”.489 Assim, a unidade de referência a ser erigida pelo legislador ordinário tem de corresponder às propriedades do acontecimento descrito na hipótese tributária.490 É 486 487 488 489 490 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 332. Além dessas funções, existe a função objetiva ou de compor a específica determinação da dívida. Essa função denota a aptidão que a descrição do fator de mensuração do fato jurídico discriminado na norma revela, ao ser combinado à alíquota, para especificar monetariamente o conteúdo da prestação objeto da relação jurídico-tributária. Nesta instância a base de cálculo aparece como “fator integrante de uma operação aritmética de multiplicação. No tópico de multiplicando, ao revestir feitio de valor pecuniário; de multiplicador, nas demais circunstâncias”. Trata-se, portanto, de função meramente objetiva para o processo de cálculo aritmético, e que resulta na previsão do conteúdo monetário da obrigação tributária. Cf. Paulo de Barros Carvalho, ibidem, 17. ed., p. 337-338. Idem, ibidem, p. 332. Idem, p. mesma página. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 333. Conforme esclarece Geraldo Ataliba, a base de cálculo (para ele base imponível) não é inerente ao acontecimento que o conceito legal do suposto normativo se refere. Deveras, apresenta-se como a descrição legal da materialidade do tributo, como um conceito legal. Daí que “a base imponível pode abranger inteiramente as perspectivas dimensíveis do fato objeto do conceito em que a h.i. se constitui ou somente algumas”. Hipótese de incidência tributária, p. 111. Portanto, nas linhas desse mestre, o legislador, sobre – 206 – dizer, entre os diversos atributos dimensíveis que o núcleo do fato jurídico prescrito no antecedente normativo revela, só pode ser eleita como base de cálculo unidade de referência que seja compatível com aspectos ínsitos a tal comportamento. E isso, destaca Paulo de Barros Carvalho,491 o legislador faz sempre apanhando índices avaliativos inerentes ao núcleo da incidência, como o valor da operação, o valor venal, o valor de mercado, o peso, a largura, a altura, a profundidade. Destarte, se erigido como critério material da hipótese tributária “prestar serviços”, a unidade de referência a ser descrita como base de cálculo haverá de ser a medida da prestação de serviço, ou seja, o valor da prestação de serviço. De outra parte, a função comparativa da base de cálculo, ainda segundo Paulo de Barros Carvalho,492 consiste em – por intermédio da comparação do fator de mensuração (unidade de referência) fixado no conseqüente normativo com o critério material prescrito na hipótese de incidência – confirmar, infirmar ou afirmar a materialidade da norma jurídico-tributária. Nesse contexto, a base de cálculo estará confirmando o critério material descrito na hipótese tributária sempre que houver correspondência entre o fato que se 491 492 poder eleger como base de cálculo qualidades dimensíveis somente do fato jurídico descrito na norma, pode considerar apenas uma, ou algumas. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 332-333. Paulo de Barros Carvalho adverte que a base de cálculo quase sempre é um valor em dinheiro, não sendo tal dado, contudo, um imperativo. Como explica o autor, “em sendo a dívida tributária essencialmente expressa em pecúnia, quando a base não se exprimir em símbolos monetários, a alíquota forçosamente o será. Ilustramos a nota com a lembrança do extinto imposto de consumo incidente nos casos de industrialização de tecidos, em que a base de cálculo era o número de metros lineares de comprimento, e a alíquota uma quantia em dinheiro (p. ex.: $ 1,20 por metro de comprimento)”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 323 Aires Fernandino Barreto, após advertir que reconhecer possam as unidades quilo, testada, metro representar, no caso dos impostos, base de cálculo, implica, por conseguinte, admitir que, por ocasião da transformação desta em base calculada, haveria de ser levado ao Estado x quilos, x testadas, x metros, posiciona-se no sentido de que a base de cálculo será sempre, imutavelmente, o valor (gênero), residindo as variações possíveis na espécie de valor utilizada, v.g., no caso de o critério material ser a propriedade, o valor de venda da propriedade, o valor (preço) de custo da propriedade, o valor (preço) de mercado. Para este jurista, “essa afirmação aplica-se, quer em face dos tributos não vinculados, quer diante dos tributos vinculados. Relativamente a estes últimos, será sempre o valor da atuação estatal, quando se tratar de taxa; o valor do fato lícito, vinculado à atuação estatal, quando a espécie tributária caracterizar-se como contribuição”. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 67 e 62. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 335. – 207 – pretende seja mensurado e a unidade de referência eleita para dimensioná-lo. Estará infirmando a materialidade descrita quando o fator de mensuração for incompatível, conflitante, com núcleo do fato jurídico descrito na hipótese normativa. E, afirmando, quando obscura a unidade de referência dimensionadora do conceito do fato tributário, “prevalecendo, então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada”.493 Aires Fernandino Barreto,494 com apoio nessas considerações de Paulo de Barros Carvalho, assinala que, se o critério material da hipótese tributária é formado por um verbo e seu complemento, a base de cálculo, a confirmar ou afirmar a consistência do fato tributável, haverá de ser unidade de referência compatível com tal formulação. E, em seguida, ilustra essa sua idéia consignando que A fórmula simplificada identificadora do critério material será “vender mercadorias”, “industrializar produtos”, “ser proprietário de bem imóvel”, “auferir rendas”, “prestar serviços”, “construir estradas”, “pavimentar ruas”. Os critérios quantitativos passíveis de eleição pelo legislador haverão de ser os que respondam ao aditamento de dado conjunto adnominal. Assim, “vender mercadorias”, “industrializar produtos”, “ser proprietário de bem imóvel” de que valor? “auferir 495 rendas” de que montante?, “construir estradas’ de que custos?. A função comparativa em questão indica, pois, a propriedade que a unidade de referência fixada como base de cálculo tem de – ao ser cotejada com a materialidade descrita na hipótese tributária – revelar o verdadeiro núcleo factual que é objeto da tributação. 493 494 495 Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 335. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 51. Aires Fernandino Barreto, Ibidem, p. 51. – 208 – Os dois elementos do binômio496 (hipótese de incidência e base de cálculo) haverão de estar em sintonia para que se tenha o verdadeiro núcleo factual que se pretende seja objeto da incidência tributária. Como observa Paulo Ayres Barreto,497 é da análise do binômio hipótese de incidência/base de cálculo que se extrai a verdadeira compostura jurídica do tributo, de modo que, havendo descompasso entre a base de cálculo e o critério material, deverá prevalecer a base. Sobre a necessidade dessa sintonia – decorrência do binômio “hipótese de incidência/base de cálculo” –, Roque Antonio Carrazza498 averba que a base de cálculo há de ser em qualquer tributo uma medida da materialidade, de modo que esses critérios normativos (hipótese de incidência e base de cálculo) devem guardar sempre uma relação de inerência, de correspondência. Geraldo Ataliba,499 a propósito, observa que é impossível um tributo, sem se desnaturar, tenha como base imponível (aqui adotada como base de cálculo) uma grandeza que não seja inerente àquela materialidade descrita na norma. Consoante assinala esse autor, “tão importante, central e decisiva é a base imponível que se pode 496 497 498 499 Como pondera Paulo de Barros Carvalho, “no direito positivo brasileiro, o tipo tributário é definido pela integração lógico-semântica de dois fatores: hipótese de incidência e base de cálculo. Ao binômio, o legislador constituinte outorgou a propriedade de diferençar as espécies tributárias entre si, sendo também operativo dentro das próprias subespécies. Adequadamente isolados os dois fatores, estaremos credenciados a dizer, sem hesitações e perplexidades, se um tributo é imposto, taxa ou contribuição de melhoria, bem como anunciar que tipo de imposto ou que modalidade de taxa”. Curso de direito tributário, 17 ed., p. 162163. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 90. Curso de direito constitucional tributário, p. 427. Segundo Roque Antonio Carrazza “[...] para total garantia do contribuinte de que está sendo tributado nos termos da Constituição, exige-se uma correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência do tributo. Por quê? Porque a base de cálculo é índice seguro para a identificação do aspecto material da hipótese de incidência, que o confirma, afirma ou infirma (caso em que o tributo torna-se incobrável, por falta de coerência interna na norma jurídica que o instituiu). Estamos, pois, percebendo que a materialidade de cada tributo já permite que se infira sua base de cálculo possível. Vai daí que, inexistindo tal correlação lógica, descaracteriza-se o próprio gênero jurídico do tributo, conforme bem demonstrou Alfredo Augusto Becker”. Curso de direito constitucional tributário, p. 251. Hipótese de incidência tributária, p. 111. – 209 – dizer que – conforme o legislador escolha uma ou outra – poderemos reconhecer configurada esta ou aquela espécie e subespécie tributária”.500 Assim, ilustra esse jurista,501 não é possível que um imposto sobre o patrimônio tenha por base imponível a renda do seu titular. Também não é possível que uma taxa por serviços municipais de conservação de rodovias tenha como base imponível o valor ou idade dos veículos; o certo seria o seu peso ou outras características que provoquem desgaste, maior ou menor, na rodovia e que, por isso mesmo, poderia determinar, individualmente, o preço do serviço de conservação. Desse modo, sendo erigida pelo legislador unidade de referência distanciada das características do fato jurídico tributário, isto é, sendo incompatíveis a materialidade e a base de cálculo, esta última haverá de prevalecer, substituindo a descrição legal do fato tributário por aquele que efetivamente afigura-se estar sendo medido.502 7.2 A necessária presença da base de cálculo no conseqüente da regra-matriz tributária Como nos dá conta Paulo de Barros Carvalho, há autores, como Geraldo Ataliba, que não aprovam o emprego da locução “base de cálculo”, “por entenderem que existem tributos cuja determinação quantitativa independe de cálculo e cuja base, 500 501 502 Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, 113. Ibidem, idem, p. 111-112. Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 336. O descompasso entre a base de cálculo e a hipótese de incidência faz prevalecer o primeiro critério normativo, preservando o tributo convertido segundo a sua base de cálculo, apenas se for possível preservá-lo, como quando compreendido no campo de competência da pessoa política. Assim, como enfatiza Geraldo Ataliba, no caso de uma taxa por serviços municipais de conservação de rodovia, “se a lei tomar por base o valor do veículo, desnatura inteiramente a taxa configurando imposto sobre o patrimônio. Em outros sistemas isso pode ser irrelevante. No nosso, essa lei municipal seria inconstitucional, porque imposto sobre bem patrimonial representado por veículo pertence exclusivamente à competência dos Estados”. Hipótese de incidência tributária, p. 100. – 210 – portanto, não pode ser corretamente designada como ‘de cálculo’ (além dos impostos fixos, isto se dá com a maioria das taxas)”.503 Esses tipos de tributo Valdir de Oliveira Rocha504 os denomina de “tributos em montante fixos” ou simplesmente “tributo fixo”. Para este autor, o tributo em montante fixo é modalidade de determinação que ocorre diretamente na lei, enquanto na quantificação o montante é determinado conforme a lei, com o que, apoiado nas lições de J.J. Ferreiro Lapatza505 e Héctor Villegas,506 define tributo em montante fixo como “aquele cujo valor está determinado na lei que o estabelece”.507 Com efeito, para esses tributos não há falar em previsão de base de cálculo (unidade de referência mensuradora do fato tributável) nem de alíquota (indicador da proporção a ser tomada da base de cálculo),508 estipulando o legislador, na própria lei, uma quantia definitiva e invariável como objeto da prestação tributária, seja qual for a intensidade do fato submetido à tributação. Em que pese o entendimento desses juristas, consignamos, desde logo, que acatamos integralmente a posição de Paulo de Barros Carvalho,509 que julga não ter 503 504 505 506 507 508 509 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 338. Determinação do montante de tributo: quantificação, fixação e avaliação, p. 139-142. “Existen, en esencia, dos formas o maneras de determinar la citada cantidad. En base a ellas los tributos pueden ser clasificados en dos categorias: tributos fijos y tributos variables. En los tributos fijos la En los tributos fijos la Ley determina el hecho imponible y directamentte la cantidad a pagar. [...] En los impustos variables le Ley fija el hecho imponible pero no la cuota a pagar. Esta se determina en función de dos elementos asimismo fijados por la Ley: la base y el tipo de gravamen”. J.J. Ferreiro Lapatza, Cuantificacion de la deuda tributaria, Revista de Direito Tributário, n. 49, p. 7-8, jul.-set. 1989, apud Valdir de Oliveira Rocha, Determinação do montante de tributo: quantificação, fixação e avaliação, p. 139. “O montante tributário fixo é aquele em que a quantia do tributo está especificada, ab initio e diretamente, no mandamento da norma”. Curso de direito tributário, Tradução de Roque Antonio Carrazza, São Paulo: RT, 1980, p. 133, apud Valdir de Oliveira Rocha, Determinação do montante de tributo: quantificação, fixação e avaliação, p. 139. Valdir de Oliveira Rocha, Ibidem, p. 139. Importante ter presente que não há que confundir tributo fixo com alíquota fixa. Alíquota fixa corresponde a um indicador de proporção invariável, aplicado sobre a unidade de mensuração variável (base de cálculo). Consoante Paulo de Barros Carvalho, a Constituição Federal elegeu a hipótese de incidência e a base de cálculo como o binômio diferençador dos tributos, o que torna impossível cogitar em regra-matriz de incidência sem base de cálculo. Essa noção surge a partir da construção que se faz dos enunciados constitucionais contidos no § 2.º do art. 145 (“As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”) e no inciso I do artigo 154 (“A União poderá instituir [...] mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”). Apesar de o atual texto constitucional ser menos preciso que o anterior ao empregar, no inciso I de seu artigo 145, o operador “ou” em vez do “e”, como – 211 – visos de procedência essa posição da doutrina, porque faria ruir a tipologia dos tributos, integrada pela associação da hipótese de incidência/base de cálculo, impedindo discernir a natureza jurídica do tributo. Observa este jurista que muito se fala nos tributos fixos, onde o valor da dívida viria determinado nas expressões da lei, tornando-se dispensáveis maiores esforços de interpretação e, de conseguinte, afastando-se a procura de uma base de cálculo ou de uma alíquota. Em casos desse tipo, a importância a ser recolhida pelo devedor estará estipulada, em termos definitivos e invariáveis, mostrando-se ao conhecimento dos interessados, mesmo que o fato jurídico tributário ainda não tenha ocorrido. [...] Curvados diante da conformação rígida do nosso sistema constitucional, pensamos que descabem alusões aos denominados tributos fixos, sobretudo porque a Constituição Federal brasileira elegeu a hipótese normativa e a base de cálculo como o binômio diferenciador dos tributos, na estrita conformidade do que já estudamos no Capítulo II deste Curso. O meio jurídico especializado não se tem mostrado sensível à tese que adotamos, prevalecendo entre nós alguns tributos fixos, como, por exemplo, o ISS, na faixa de incidência que atinge os profissionais liberais, e grande quantidade de taxas. Vemos nisso uma inconstitucionalidade vitanda, embora os tribunais não se hajam manifestado na apreciação específica desse problema.510 Em face da tipologia tributária integrada pela associação do binômio “hipótese de incidência/base de cálculo”, a base de cálculo configura elemento normativo imprescindível para mensurar a intensidade do fato descrito como critério material da hipótese tributária. Não cabe cogitar de regra-matriz tributária sem esse critério quantitativo, não há que falar em tributos fixos. Regra-matriz de incidência sem base de cálculo implica flagrante inconstitucionalidade. Como bem adverte José Roberto Vieira “[...] da aludida imprescindibilidade constitucional da base de cálculo decorre, por óbvio, a irretorquível inconstitucionalidade de sua ausência”.511 510 511 constou de texto anterior (CF de 1967, art. 18, § 5.º), nem por isso a mensagem legislada deixaria de ser clara: para permitir a verificação da espécie tributária correspondente e, com isso, preservar a rígida discriminação de competências tributárias, o constituinte teria inserido a base de cálculo na compostura do tipo tributário, exigindo, pois, a presença de ambos (hipótese de incidência e base de cálculo) na regramatriz de incidência tributária. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 28. Paulo de Barros Carvalho, ibidem, 328-329. José Roberto Vieira, A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto, p. 115. – 212 – Essa noção elementar é ainda mais irretorquível quando diante de tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal, como é o caso do ISS. Como se vê da lição de Aires Fernandino Barreto, em face do princípio da igualdade512 – e de seu corolário, o princípio da capacidade contributiva513 –, 512 513 A Constituição Federal traz, em seu art. 5.º, caput, formulação expressa que veicula valor de absoluta preponderância: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Ao tratar do assunto, Geraldo Ataliba já esclarecia que a igualdade é “a primeira base de todos os princípios constitucionais e condicionam a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as manifestações do Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar-se ou subtrair-se às exigências da igualdade”. República e Constituição, p. 160. Corolário do princípio republicano, a diretriz da igualdade das pessoas em face da lei é valor que impede a instituição de disciplina normativa que desiguala indivíduos que estão em situação idêntica. A idéia de um tratamento igualitário das pessoas e situação equivalente perante a lei é tratada sob o rótulo de igualdade formal. No que se refere à tributação, além de um enunciado geral sobre a isonomia, voltado a todos os cantos do sistema de direito positivo brasileiro, existe um enunciado específico para a disciplina isonômica das questões tributárias, aplicável a esse subsistema (CF, art. 150, II): é vedado aos entes tributantes “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Esse enunciado estabelece que em matéria tributária é proibida a criação de tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente, o que inclui a criação de distinções em razão de ocupação profissional ou função. Dessa forma, o princípio da igualdade tributária veicula limite objetivo consubstanciado numa restrição aos fatores de discriminação que o legislador pode utilizar com o propósito de criar tratamento diferenciado entre contribuintes. Assim, consoante pondera Roque Antonio Carrazza, a “lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas”. Curso de direito constitucional tributário, p. 77-78. Destarte, com apoio nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra clássica, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade (p. 21), tem-se que as diferenças contidas na norma tributária devem ser consoantes com interesses absorvidos pelo sistema constitucional e devem decorrer de critérios de seleção (fatores de discriminação), que guardem uma relação lógica de implicação com a distinção entre o tratamento criado pelas normas jurídico-tributárias. O desdobramento desse princípio na graduação do tributo é bastante claro: ao legislador é exigido que estabeleça distinções na carga tributária entre sujeitos passivos, na medida da distinção de sua capacidade contributiva. O princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade tributária, é construído a partir do enunciado expresso no § 1.º do art. 145 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. – 213 – sempre que os fatos tenham distintos valores, o princípio exige que o legislador preveja base de cálculo compatível com essa diversificação quantitativa. Repugna à Constituição que fatos (conceitos de) nitidamente diferentes, especialmente do ponto de vista valorativo, possam ser medidos de idêntica maneira. A realização do Sob o rótulo “princípio da capacidade contributiva” apontamos duas diferentes concepções examinadas sob as designações “capacidade contributiva absoluta ou objetiva” e “capacidade contributiva relativa ou subjetiva”. Realizar o princípio da contributiva absoluta ou objetiva, destaca Paulo de Barros Carvalho, “retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”. Assim, conclui o autor, observar o princípio da capacidade contributiva subjetiva significa realizar o princípio da igualdade previsto no art. 5.º, caput, da Constituição Federal. Todavia, a realização do princípio da capacidade contributiva subjetiva só se torna possível se, antes, for concretizado o princípio da capacidade contributiva objetiva, selecionando “o legislador ocorrências que demonstrem fecundidade econômica, pois, apenas desse modo, terá ele meios de dimensioná-las, extraindo a parcela pecuniária que constituirá a prestação devida pelo sujeito passivo, guardadas as proporções do acontecimento”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 341. Ressalte-se que os valores prescritos pela capacidade contributiva objetiva não são aplicáveis às taxas, visto que a hipótese normativa dessa espécie tributária só poderá ser o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de um serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. O mesmo ocorre com a contribuição de melhorias – tributos com hipótese normativa vinculada indiretamente à atividade estatal –, visto que a única hipótese normativa possível, em tais casos, é valorização imobiliária decorrente da capacidade contributiva objetiva. A respeito da aplicabilidade da capacidade contributiva absoluta apenas aos tributos, cuja hipótese normativa está desvinculada de qualquer atividade estatal, confira Márcio Severo Marques, Classificação constitucional dos tributos, p. 227. Para os tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal, o valor prescrito pela capacidade contributiva absoluta objetiva limitar as opções do legislador ao estabelecer que apenas são idôneos à tributação os eventos que ostentam signos presuntivos de riqueza passíveis de mensuração. Nesse sentido, confira Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 88; Regina Helena Costa, Princípio da capacidade contributiva, p. 26; Amílcar Araújo Falcão, Fato gerador da obrigação tributária, 6. ed., p. 30. Quanto à capacidade contributiva relativa ou subjetiva, esta se aplica aos tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal, prescrevendo que o tributo que a pessoa política criar não poderá deixar de levar em conta a capacidade econômica do contribuinte. Uma aproximação ao valor prescrito pela capacidade contributiva relativa ou subjetiva aponta para a necessária graduação do tributo cuja hipótese não está vinculada a qualquer atividade estatal, consoante um critério de valor ínsito ao fato que serve como antecedente normativo. Destarte, a adequada criação de um tributo dessa ordem não se satisfaz com o simples fato de a pessoa política estabelecer como hipótese tributária um evento que ostenta conteúdo econômico. A adequada criação desse tributo também depende de o objeto obrigacional do sujeito passivo ser determinado com base em valor econômico ínsito ao evento prescrito como critério material da hipótese normativa. No que se refere à inaplicabilidade da capacidade contributiva subjetiva aos tributos cuja hipótese normativa seja uma atividade estatal, tem-se que, se, com estes tributos, como observa Regina Helena Costa, “pretende-se remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma e não à capacidade econômica do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa” (Princípio da capacidade contributiva, p. 56). Nesse mesmo sentido Misabel Abreu Machado Derzi pondera que a aplicabilidade do valor positivado pelo enunciado prescrito pelo § 1.º do art. 145 do Texto Constitucional está restrito aos tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal. Segundo essa autora, “enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vinculados – relativos às taxas e contribuições –, ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte”. Aliomar Baleeiro, Direito tributário brasileiro, p. 2001. Com efeito, o princípio da capacidade contributiva, analisado sob o ângulo de suas duas concepções impõe ao legislador ordinário escolher, como hipótese normativa dos impostos, fatos com conteúdo econômico e, no conseqüente normativo, prescrever referências à base de cálculo, isto é, a critério de mensuração com base em valor ínsito ao fato descrito como hipótese normativa. – 214 – princípio da capacidade contributiva dá-se apenas quando à intensidade de um fato corresponda mediação equivalente. [...] No caso do ISS, a eventual tributação fixa esbarra nesse entrave, implicando instituição e exigência de tributo inconstitucional.514 José Eduardo Soares de Mello também compartilha do entendimento de que a ausência de referências à base de cálculo na regra-matriz de incidência do ISS implica exigência de tributo inconstitucional. Conforme suas palavras, a exigência do ISS segundo um valor previamente estipulado não guarda consonância e adequação à estrutura das normas de incidência, uma vez que a base de cálculo do imposto está fundamentada, decorre e se condiciona ao princípio da capacidade contributiva, atrelado aos princípios da isonomia e da vedação de confisco.515 Podemos observar que a necessidade da presença da base de cálculo na regra-matriz de incidência tributária é imperativo que decorre seja da tipologia tributária, integrada pela associação do binômio “hipótese de incidência/base de cálculo”, seja do princípio da igualdade tributária e seu corolário, o princípio da capacidade contributiva subjetiva (no caso dos tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal). Nosso subsistema constitucional tributário não ampara a existência de regra-matriz de incidência que prescreva o preciso valor da prestação pecuniária devida pelo sujeito passivo (os chamados tributos fixos). A base de cálculo, ad valorem ou não, é critério normativo que deverá estar presente na regra-matriz de 514 515 ISS na Constituição e na lei, p. 12-13. Importante ter presente o registro de Aires Fernandino Barreto, em obra clássica, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, no sentido de que, apesar de o princípio da capacidade contributiva não ser aplicável aos tributos que possuem em sua hipótese normativa a indicação de uma atuação estatal, isso não significa possam essas exações prescindir de base de cálculo. Tratando-se de taxas, apesar de a única base de cálculo possível ser o valor da atuação estatal, ainda assim se torna necessária a presença de referências à base de cálculo e alíquota. Como bem ressalta este autor, “aqui não se cogita de eleição de fato sem conteúdo econômico, porque a hipótese de incidência só pode ser a atuação estatal. De conseguinte, a única base de cálculo admissível é o valor dessa atuação. Por essa razão, a doutrina tem entendido não se poder cogitar do cabimento do princípio da capacidade contributiva relativamente a esta espécie tributária (taxa). Não obstante, entendemos que, se, em verdade, é incabível a cogitação de ser o princípio ferido pela não escolha de fato com conteúdo econômico, isto não afasta o cumprimento da diretriz constitucional que obriga a designação da alíquota. Melhor elucidando: temos por assentado que a alíquota está intimamente ilaqueada à base de cálculo. Vale dizer, o mero registro de alíquota pressupõe a presença obrigatória de base de cálculo” (p. 135-136). José Eduardo Soares de Mello, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 148. – 215 – incidência de todos os tributos, inclusive, por óbvio na norma padrão respectiva, no caso, da do ISS.516 Delineados o conceito de base de cálculo e suas funções, bem como registrada a inexorável necessidade de sua presença na regra-matriz de incidência dos tributos, especialmente na do ISS, passaremos a proceder à construção da base de cálculo da norma padrão correspondente – exceto a relativa às prestações de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou por sociedades de profissionais, que não constitui objeto de nosso estudo –, cujas prescrições constituem obstáculo intransponível para a válida instituição dessa exação. 7.3 A unidade de referência “preço do serviço” como base de cálculo da norma padrão do ISS Como já mencionado, a norma padrão do ISS prevê, em seu conseqüente, formulação abstrata e genérica da unidade de referência (fator de mensuração) que deverá ser erigida como base de cálculo pelo legislador ordinário. Essa unidade de referência é identificada pela prescrição do critério material inserto no antecedente da norma padrão do ISS, bem como pela interpretação de certos princípios constitucionais e enunciados complementares, que disciplinam a instituição desse critério normativo, a saber: os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, bem como os enunciados complementares consubstanciados no art. 7.º, caput, e no art. 7.º, § 2.º, I, ambos da Lei Complementar 116/2003. Vejamos. O critério material da norma padrão do ISS predetermina a base de cálculo que poderá se erigida pelo legislador ordinário. 516 Como se verá mais adiante, a norma padrão do ISS impõe ao legislador ordinário o dever de prever unidade de referência ad valorem como base de cálculo do tributo a ser instituído. – 216 – Se, como visto, a Constituição Federal exige uma correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência e, por conseguinte, a base de cálculo, a confirmar, afirmar ou infirmar o critério material da hipótese de incidência, configura índice seguro para a identificação do fato que se pretende seja onerado, resta evidente que a materialidade possível do ISS, isto é, o critério material da norma padrão do ISS, já permite que se infira a base de cálculo dessa norma jurídica. Por outro giro, a norma padrão, ao prever o critério material que poderá ser prescrito, acaba por indicar qual a unidade de referência a ser adotada, predeterminando, pois, a base de cálculo que poderá ser prescrita pelo legislador ordinário. Sendo o critério material previsto da norma padrão do ISS “prestar serviço previsto em lei complementar”, no caso a de n. 116/2003, a base de cálculo em questão somente pode ser – salvo o caso das prestações de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou por sociedades de profissionais, que não constitui objeto de nosso estudo – unidade de referência mensuradora da prestação do serviço. A base de cálculo da norma padrão do ISS também é construída com fundamento no princípio da igualdade tributária. Como já ressaltado no item anterior, o princípio da igualdade tributária estabelece que em matéria tributária é proibida a criação de tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente, o que inclui a criação de distinções em razão de ocupação profissional ou função. Dessa forma, o princípio da igualdade tributária encerra valor que vincula o legislador ordinário,517 impedindo que este crie 517 Essa vinculação é denominada por Clarice von Oertzen de Araújo de técnica de imunização do conteúdo da norma a ser criada (imunização finalista). Essa autora, com amparo nas lições de Tercio Sampaio Ferraz Junior, explica que “a imunização foi concebida por Ferraz Jr. como ‘uma relação entre o aspecto-relato de uma norma e o aspecto-cometimento de outra’. O autor previu duas formas de imunização, definidas como imunização finalista e imunização condicional. Na primeira, a norma superior imuniza o conteúdo da norma inferior, delimitando-lhe o relato. Na segunda, a norma superior disciplina o procedimento de edição da norma inferior. [...] As técnicas de imunização constituem funções metalingüísticas do sistema de direito positivo, uma vez que, não estando voltadas diretamente à regulação das condutas intersubjetivas, estabelecem critérios para a criação de novas normas no interior do sistema”. Assim, para essa autora, a – 217 – disciplina normativa desigual aos contribuintes que estão em situação equivalente. Essa diretriz representa a igualdade formal, isto é, igualdade perante a lei.518 O tratamento tributário diferenciado entre diferentes contribuintes perante a lei decorre da possibilidade de estes praticarem com maior ou menor intensidade o mesmo fato jurídico tributário previsto.519 Assim, como resultado desse fator de discriminação (maior ou menor intensidade do fato), a prestação pecuniária devida pelo sujeito passivo será maior ou menor (tratamento diferenciado). Diante disso, no caso da norma padrão do ISS, por exigência do princípio da igualdade tributária, a unidade de referência que poderá ser erigida como base de cálculo pelo legislador ordinário somente poderá ser uma grandeza apta a mensurar proporcionalmente a prestação de serviços, é dizer, uma grandeza ad valorem. A base de cálculo da norma padrão do ISS é, outrossim, construída com fundamento no princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva,520 corolário do princípio da igualdade tributária. Esse princípio, como valor objetivado que é, evidencia a necessidade de os tributos, cuja hipótese de incidência não esteja vinculada a uma atuação estatal, como 518 519 520 imunização finalista delimita o conteúdo semântico da norma que será introduzida no sistema, é dizer, “elege fins (valores) que devem ser perseguidos pela positivação normativa”. Semiótica do direito, p. 25-26. Importante ter presente que a igualdade perante a lei não significa tratar todos de forma idêntica, e sim em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Para tanto, observa Celso Ribeiro Bastos, como a lei sempre discrimina, é imprescindível identificar quais os fatores de diferenciação e os tratamentos diferenciados que podem ser adotados pela legislação sem que se ofenda a igualdade. Curso de direito constitucional, p. 189. A respeito dos critérios de diferenciação e os tratamentos diferenciados que ofendem a isonomia, confira Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra clássica, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade (1978). Como bem evidencia José Artur Lima Gonçalves, “o tratamento diferenciado em tema de tributação consiste sempre em, comparativamente, (i) dever entregar mais dinheiro ao erário, (ii) dever entregar menos, (a) dever entregar, ao passo que os outros não, (b) não dever entregar enquanto outros devem. Os regimes discriminatórios no que diz respeito à atividade de tributar circularão sempre em torno dessas variáveis” Isonomia na norma tributária, p. 49. Como já mencionado no item anterior, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva significa, consoante destaca Paulo de Barros Carvalho, “a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 340-341. – 218 – é o caso do ISS, serem graduados consoante a capacidade econômica do contribuinte.521 Sendo assim, essa diretriz atua no critério quantitativo da norma padrão do ISS, prescrevendo que a unidade de referência a ser prescrita como base de cálculo do ISS constitua-se em grandeza que mensure economicamente o fato jurídico tributário prescrito no antecedente normativo. Destarte, tal unidade de referência, por força do princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva, somente pode ser o valor econômico da prestação de serviços, fato signo presuntivo de riqueza descrito no critério material da referida norma padrão.522 Feitas essas considerações, à outra conclusão não podemos chegar senão de que por força da prescrição do critério material da norma padrão do ISS, e dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva relativa, a base de cálculo da referida norma padrão somente pode ser – salvo na hipótese das prestações de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou por sociedades de profissionais – o preço do serviço. Preço, segundo F. J. Caldas Aulete é, “[...] o valor estimativo de uma coisa/O valor pecuniário de uma coisa; o dinheiro que de dá por ela./O equivalente de uma coisa; aquilo que se dá, se sacrifica ou se obtém em troca de outra coisa”.523 521 522 523 Regina Helena Costa, a respeito, observa que a “capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno, opera, inicialmente, com critério de graduação dos impostos. Como ver-se adiante, quando cuidarmos especificamente da definição da base de cálculo e da alíquota, a apuração do quantum do imposto tem como medida a própria capacidade contributiva do sujeito passivo. É o que Perez de Ayala e Eusébio Gonzáles denominam de ‘graduação do imposto, segundo a valoração econômica do pressuposto de fato’”. Princípio da capacidade contributiva, p. 29. Nesse sentido é lapidar a lição de Susy Gomes Hoffmann, segundo a qual, se definido como fato signo presuntivo de riqueza a prestação de serviços, “o único valor que poderá compor a correspondente base de cálculo é o valor relativo à prestação de serviços. [...] a composição da base de cálculo com valores diversos daqueles relativos à prestação de serviços feriria o princípio da capacidade contributiva, visto que o valor indicativo da riqueza é somente o valor referente à prestação de serviços e não outros valores indiretamente relacionados ao exercício da prestação dos serviços”. A base de cálculo do ISS, p. 227. F. J. Caldas Aulete, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 4044. – 219 – No mesmo sentido Silveira Bueno afirma ser preço “[...] a paga correspondente ao valor do objeto”.524 Para De Plácido e Silva, preço representa “[...] o valor ou a avaliação pecuniária atribuída a uma coisa, isto é, o valor dela determinado por uma soma em dinheiro”. 525 Nesse contexto, preço do serviço pode ser entendido como o valor correspondente à remuneração a que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano contratado. Constitui, destarte, unidade de referência que reflete o conteúdo econômico do conceito do fato indicado como critério material da norma padrão do ISS.526 A doutrina é uníssona no sentido de que o preço do serviço configura unidade de referência mensuradora da prestação do serviço descrita como materialidade do ISS. Como ensina Paulo de Barros Carvalho a base de cálculo do ISS está representada pelo preço do serviço, enquanto a alíquota fica ao livre talante do legislador municipal, respeitado o limite fixado por lei complementar [...]. A escolha não merece reparos, eleita que foi uma grandeza apta para dimensionar o critério material da hipótese. Sendo esta “prestar serviços”, há perfeita harmonia na base estipulada, qual seja, “o preço do serviço prestado”.527 Aires Fernandino Barreto, lastreado na fecunda lição de Paulo de Barros Carvalho, já ensinara que a base de cálculo do ISS passível de eleição pelo legislador será, em regra, aquela que representa o adjunto adnominal correspondente à resposta que se dá a indagação “prestação de serviço de que valor?”. Desse modo, conclui esse 524 525 526 527 Grande dicionário etimológico prosódico da língua portuguesa, p. 3014. Vocabulário jurídico, p. 418. É salutar o esclarecimento de Bernardo Ribeiro de Moraes a esse respeito: “Preço do serviço, base imponível do ISS, vem a ser a expressão monetária do valor do respectivo serviço. É o serviço medido em unidades monetárias. É o valor do bem imaterial (serviço) expresso (traduzido) em dinheiro (moeda)”. Doutrina e prática do ISS, p. 51. No mesmo sentido Sérgio Pinto Martins apregoa que preço do serviço constitui-se no número de unidades monetárias que se pagam para adquirir o fornecimento do serviço. Manual do ISS, p. 196-197. Paulo de Barros Carvalho, A natureza jurídica do ISS, p. 156. – 220 – jurista, o adjunto adnominal em questão será o valor do serviço transformado em cifra, é dizer, o “preço do serviço”.528 Conforme apregoa Marçal Justen Filho, o único meio de quantificar a prestação de serviço é adotar sua remuneração como base de cálculo, é dizer, o preço do serviço. Nas palavras desse autor, por imperativo de congruência interna da norma do ISS e para manter sua constitucionalidade, a base imponível desse tributo só pode ser, a nosso ver, a remuneração do serviço. Entendemos esse o único critério apto a obter uma quantificação do aspecto material da hipótese de incidência.529 No mesmo sentido, Betina Treiger Gupenmacher530 pondera que a base de cálculo do ISS há de ser a remuneração do serviço prestado, sendo ela a única unidade de referência apta a possibilitar a quantificação da intensidade do fato jurídico tributário previsto na norma. Sobre a adequação dessa unidade de referência como base de cálculo a ser erigida pelo legislador, é eloqüente o magistério de Bernardo Ribeiro de Moraes: [...] Constituindo a prestação de serviços o fato gerador do imposto, não podemos censurar a escolha de uma base imponível com fulcro num sinal externo, comprobatório do vulto econômico de serviço prestado, como é o seu preço. [...] Se o ISS tem como pressuposto material de sua incidência a prestação de serviços, o preço desta constitui um elemento natural, decorrente da atividade, portanto bastante apto a servir de base de cálculo do tributo.531 Do mesmo modo, nas lições sempre precisas lições de Susy Gomes Hoffmann, [...] se o legislador constituinte elegeu a prestação de serviços como um dos critérios materiais passíveis de determinar a ocorrência da incidência tributária, a 528 529 530 531 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 357. Marçal Justen Filho, Imposto sobre serviços na Constituição, p. 161. Consoante esse autor, “adotar outra base imponível acarretaria tributação não do evento ‘prestação de serviço’, mas de outra situação material, pois conduz à quantificação de outro estado de fato ou conduta. E isso se conflita abertamente com a discriminação constitucional de competência”. Ibidem, mesma página. A base de cálculo do ISS, p. 194. Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina a prática do ISS, p. 516. – 221 – indicação legal da base de cálculo do tributo deverá, necessariamente, indicar o valor relativo a tal prestação de serviços.532 Nesse mesmo sentido é lapidar o entendimento de Roque Antonio Carrazza,533 segundo o qual a base de cálculo que deverá ser prevista pelo legislador ordinário é o preço do serviço. Outro não é o entendimento de Eduardo Domingos Botallo,534 para quem a base de cálculo que deverá ser prevista só pode ser o preço do serviço prestado. Atento a essa máxima, o legislador complementar – exercendo a função preconizada no art. 146, III, a, da Constituição Federal535 –, por intermédio da Lei Complementar 116/2003, padronizou, em seu art. 7.º, caput,536 o preço do serviço como a unidade de referência passível de ser indicada como base de cálculo do ISS pelos Municípios e pelo Distrito Federal. O legislador em questão, embora tenha acertado quando, em atenção à materialidade possível do ISS, indicou o preço do serviço como unidade de referência a ser prescrita como base de cálculo, andou mal quando previu, no § 1.º do art. 7.º, 532 533 534 535 536 Susy Gomes Hoffmann, A base de cálculo do ISS, p. 215. Grupo de empresas – autocontrato – não incidência de ISS – questões conexas, p. 120. Notas sobre o ISS e da Lei Complementar n. 116/2003, p. 82. Com fundamento no art. 146, III, a da Constituição Federal, a Lei Complementar 116/2003, em seu art. 7.º, caput, atua como instrumento introdutor de enunciado prescritivo que conforma a permissão – descrita no conseqüente da norma de competência legislativa – de criação do ISS, ao padronizar, com observância à prescrição do critério material e aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, o preço do serviço como a unidade de referência que poderá ser erigida pelo legislador ordinário como base de cálculo. Com efeito, com base no art. 7.º, caput, da Lei Complementar 116/2003, também é identificada a base de cálculo da norma padrão do ISS. Conforme sustentamos no subitem 4.4.1. do capítulo 4, entendemos que cabe è lei complementar, a par de dispor sobre conflitos de competência e de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, veicular normas gerais em matéria de legislação tributária (art. 146, III, da CF), garantindo, destarte, uniformidade no exercício da conduta de produzir normas tributárias. Sendo assim, deverão os legisladores ordinários, quando da criação dos enunciados que comporão os critérios da regra-matriz tributária, estar jungidos ao que prevêem as normas gerais em matéria de legislação tributária veiculadas pela lei complementar. Cumpre-nos advertir, contudo, que o legislador complementar, no exercício das três funções (dispor sobre conflitos de competência, regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer normas gerais e matéria de legislação tributária), não é livre, jungido que está ao disposto no Texto Constitucional, expressa ou implicitamente. Sua atuação é adstrita às diretrizes constitucionais. “Art. 7.º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.” – 222 – que, quando os serviços descritos no subitem 3.04 da lista de serviços de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003,537 que na verdade serviços não são, forem prestados no território de mais de um Município, a base de cálculo será proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes em cada Município. Parece que aqui, além de ter desprezado a noção de que as atividades descritas no subitem 3.04 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 não configuram serviço tributável – o que, desde logo, torna inócua e inválida a prescrição dessa base de cálculo específica538 –, não se atentou para o fato de que a base de cálculo ali versada não tem o condão de mensurar a expressão econômica da prestação de serviço ali indicada. Na lição de Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva Campos Jr., ao atrelar a base de cálculo proporcionalmente a “extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes em cada Município”, lobriga-se em infirmação da hipótese de incidência do ISS. É que a extensão da ferrovia, por exemplo, não mensura a expressão econômica do serviço. Veja-se, por exemplo, uma ferrovia constituída de um ponto A ao ponto B sem a feitura de um túnel e uma mesma ferrovia constituída na mesma extensão de A a B, porém com a feitura de um túnel. O esforço humano no segundo caso é bem maior do que no primeiro e, segundo a forma equivocadamente estipulada no parágrafo em comento, a base de cálculo do inconstitucional ISS seria incrivelmente a mesma. Trata-se de disparate que não guarda consonância como arquétipo constitucional do tributo.539 Esse enunciado complementar (§ 1.º, art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003), portanto, não se presta à construção da base de cálculo da norma padrão do ISS, sendo desprezado neste trabalho. Nesse patamar, servirmo-nos apenas do regramento geral adotado no caput do art. 7.º em questão. 537 538 539 Os serviços a que se refere o § 1.º em questão são os de “locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza”. Rigorosamente, tais atividades não configuram prestação de serviço, mas prestação de coisas, nítida obrigação de dar, o que implica estar fora do campo de incidência do ISS. Cf. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à lei, p. 623. Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva Campos Jr., A base de cálculo do ISS: o preço do serviço, p. 246. – 223 – Em súmula, com fundamento na prescrição do critério material da norma padrão do ISS, nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e no enunciado do art. 7.º, caput, da Lei Complementar 116/2003, a base de cálculo da norma padrão do ISS é o preço do serviço, de modo que apenas essa unidade de referência poderá ser erigida como base de cálculo pelo legislador ordinário. 7.3.1 Identificação do preço do serviço: receita proveniente da prestação de serviço, sem quaisquer deduções Conceber preço do serviço como o valor correspondente à remuneração a que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano contratado implica reconhecer que se trata da receita bruta auferida com a prestação de serviços, sem quaisquer deduções. Como explica Aires Fernandino Barreto,540 [...] preço do serviço é o valor da contraprestação que o tomador ou usuário do serviço deve pagar diretamente ao prestador (ou, visto de outro prisma, preço do serviço é o valor a que o prestador faz jus, pelos serviços que presta). Por preço do serviço deve-se entender a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções. Importante ter presente que, consoante adverte esse autor, a cláusula “sem quaisquer deduções” está ligada à proposição que lhe antecede, qual seja “receita bruta dele proveniente”, de modo que só pode ser tido como base de cálculo do ISS a receita bruta, sem deduções, que decorra de prestação de serviços. Assim, não se podem prever deduções “apenas e tão-só naquela receita bruta, que decorre, que provém diretamente da prestação de serviços”.541 Portanto, se a receita for proveniente de prestação de serviços, não pode o legislador ordinário impor deduções. 540 541 ISS na Constituição e na lei, p. 357-358. Cf. Aires Fernandino Barreto, Ibidem, p. 358. – 224 – Outro não é o entendimento de Bernardo Ribeiro de Moraes,542 para quem o preço do serviço abrange a receita total auferida, sem quaisquer deduções da importância entrada para o patrimônio do contribuinte, proveniente de prestação de serviços. Abrange, pois, a soma de tudo quanto foi auferido pelo contribuinte como produto da atividade prestada. Por essa razão, conforme ponderado por Geraldo Ataliba, não agride a lei complementar a lei municipal que prevê como base de cálculo do ISS a receita bruta proveniente da prestação de serviço.543 Não se pode perder de vista, ainda, que a expressão “receita bruta” mantém íntima relação com o critério material “prestar serviço”, a evidenciar, portanto, que nem tudo o que se recebe no desenvolvimento de uma atividade – ainda que envolva eventual prestação de serviço – pode compor o preço e, pois, a base de cálculo do ISS. Nesse contexto, importante ter presente a distinção entre receita e ingresso tão bem demonstrada por Aliomar Baleeiro,544 Geraldo Ataliba545 e Eduardo Domingos Boltallo.546 Consoante esses mestres, receita corresponde à entrada de valores resultantes do exercício da atividade profissional que passam a modificar o patrimônio do prestador, incrementando-o. Já o ingresso corresponde à entrada de valores que não são incrementos financeiros próprios do prestador, não integrando, destarte, o seu patrimônio. Embora transitem no caixa do prestador, não pertencem ao seu patrimônio. Assim, não são todos os ingressos de valores nos cofres do prestador que podem integrar a base de cálculo do ISS a ser erigida, mas, tão-somente, as parcelas correspondentes às receitas provenientes dos serviços que executa.547 542 543 544 545 546 547 Doutrina e prática do ISS, p. 521. Geraldo Ataliba, ISS – Base imponível, p. 76. Uma introdução à ciência das finanças, p. 130-135. ISS – Base imponível, p. 85. Empresas prestadoras de serviços de recrutamento de mão-de-obra temporária, p. 16, e Base de cálculo do ISS e importâncias reembolsadas ao prestador de serviços, p. 525. Eduardo Domingos Botallo, Notas sobre o ISS e a Lei Complementar n. 116/2003, p. 83. – 225 – Em outras palavras, apenas as receitas provenientes da prestação própria é que podem ser tidas como preço do serviço, para efeito de ISS. Por remunerarem a prestação de serviços, isto é, representarem o valor da prestação, constituem entradas que integram o patrimônio do prestador, incrementando-o, como elemento novo e positivo. Diante disso, fica patente que os ressarcimentos feitos ao prestador de serviços, pelos seus tomadores, de despesas havidas no exclusivo interesse destes,548 bem como as entradas de valores que devem ser repassadas a terceiros (como acontece com as empresas de trabalho temporário e com as agências de viagens),549 por não 548 549 Essa hipótese fica bem clara diante dos serviços de despachos. Como ensina Aires Fernandino Barreto, nesses casos, “as importâncias exigidas ou adiantadas para o pagamento – v.g., de tributos aos quais está submetido o tomador – ingressam nos cofres do prestador para repasse desse mesmo montante aos cofres públicos. Para o escritório de despachos, há ingresso financeiro, mas não se pode cogitar de receita”. Destarte conclui o autor que nenhum fundamento jurídico “pode respaldar o entendimento de que a base de cálculo de cálculo do ISS inclua valores pertencentes a terceiros, embora entregues ao prestador, para fazer face às despesas que, a ordem e à conta daqueles, deva realizar. Bem ao revés, como demonstrado, razões jurídicas o desabonam, desautorizam e repelem. Em resumo, integram a base de cálculo do ISS as despesas que fazem parte da prestação do serviço (despesas do prestador do serviço); não a integram as relativas a valores que não fazem parte da prestação do serviço (impropriamente chamadas também de despesas reembolsáveis)”. ISS na Constituição e na lei, p. 396 e 398. A propósito, com nos dá conta Marcelo Caron Baptista, “o Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua Primeira Turma, bem decidiu, nos autos do Recurso Especial n. 224.813/SP, que as despesas de combustíveis cobradas à parte, dos locatários de automóveis, pela empresa locadora, tal como os gastos com franquias de seguros decorrentes de sinistros por aqueles ocasionados, não deveriam ser computados na base de cálculo do ISS, a qual seria representada tão-somente pelo preço da locação. Ainda que indevida a incidência do imposto sobre a locação de bens móveis, como antes demonstrado, correto o entendimento adotado em relação aos gastos reembolsados”. ISS: do texto à norma, p. 610. Quanto a essas atividades, Aires Fernandino Barreto ensina que o fornecimento de mão-de-obra temporária é agenciamento, cuja receita é apenas a comissão dela decorrente. Consoante esse autor, as empresas de trabalho temporário “recebem dois tipos de valores do tomador do serviço: o primeiro não correspondente ao pagamento de seus serviços, mas meras importâncias a serem pagas aos temporários (salários) ou a outros terceiros (contribuições previdenciárias e outros encargos); o segundo, a sua comissão, esta sim corresponde à prestação de seus serviços, à parcela que ingressa em seu patrimônio, incrementando-o. Como em outras atividades, o preço do serviço não pode ser integrado por valores estranhos à atividade do prestador, pena de infringência ao princípio constitucional da capacidade contributiva e de descaracterização do fato tributário”. Ibidem, p. 392. Confira, ainda, trabalho específico do autor sobre o assunto, intitulado Trabalho temporário e base de cálculo do ISS. Atividades comissionadas – Distinção entre ingressos e receitas, p. 720. Em relação às agências de viagens, esse autor registra que tais empresas “recebem de seus clientes valores expressivos destinados à aquisição de passagens. Ora bem, desses valores apenas uma pequena parte virá a integrar seus patrimônios. A parcela mais expressiva destina-se a remunerar as empresas de navegação aérea, às quais os ingressos têm que ser repassados, pena de apropriação indébita. Figuremos um exemplo: suponha-se que cliente de certa agência de turismo entregue-lhe R$ 10.000,00 para aquisição de três passagens aéreas, para a Europa. Pois bem. À agência incumbe entregar esse valor à empresa de navegação aérea, deduzido de uma pequena parte, representada por sua comissão, por hipótese, de 4%. No exemplo, a agência tem que entregar à empresa de navegação aérea R$ 9.600,00, ficando com R$ 400,00, que é o total de sua receita pela prestação de serviços. Embora tenham transitado pelo seu caixa R$ 10.000,00, apenas R$ 400,00 constituem sua receita. Os R$ 9.600,00 restantes são meros ingressos, valores pertencentes a – 226 – constituírem remuneração dos serviços próprios do prestador, não podem integrar a base de cálculo do ISS. Legislar, prevendo sejam tais ingressos incluídos na base de cálculo do ISS, significa (i) equiparar receita da prestação de serviço próprio (i.a) com entrada de terceiros, que não incrementam seu patrimônio”. Ibidem, p. 396. Nesse mesmo sentido, confira a lição de Bernardo Ribeiro de Moraes, em ISSQN – Fornecimento de mão-de-obra temporária – Base de cálculo, p. 26-35. Cumpre salientar que Superior Tribunal de Justiça, partindo da distinção entre receita e ingresso, é firme no sentido de que a base de cálculo do ISS é apenas a receita bruta do prestador do serviço, não a integrando as importâncias referentes aos salários e encargos sociais dos empregados temporários, in verbis: “Tributário. Recurso especial. ISS. Empresas que agenciam mão-de-obra. 1. Há de se compreender, por ser a realidade fática pausada nos autos, que a empresa agenciadora de mãode-obra temporária atua como intermediária entre a parte contratante da mão-de-obra e terceiro que irá prestar os serviços. 2. Atuando nessa função de intermediação, é remunerada pela comissão acordada, rendimento específico desse tipo de negócio jurídico. 3. O ISS, no caso, deve incidir, apenas, sobre a comissão recebida pela empresa, per ser esse o preço do serviço prestado. 4. Não há de se considerar, por ausência de previsão legal, para fixação da base de cálculo do ISS, outras parcelas, além da taxa de agenciamento, que a empresa recebe como responsável tributário e para o pagamento dos salários dos trabalhadores. Aplicação do princípio da legalidade. 5. Impossível, em nosso regime tributário, subordinado ao princípio da legalidade, um dos sustentáculos da democracia, ampliar a base de cálculo de qualquer tributo por interpretação jurisprudencial. 6. Recurso especial provido, a fim de que o ISS incida, apenas, sobre o valor fixado para a taxa de agenciamento, excluídas as demais parcelas” (1.ª Turma, REsp 821.279/PR, Rel. Min. José Delgado, j. 26.09.2006, DJU 1 de 09.10.2006, p. 265). “Tributário. Imposto sobre os serviços de qualquer natureza – ISSQN. Empresas prestadoras de serviços de agenciamento de mão-de-obra temporária. 1. A empresa que agencia mão-de-obra temporária age como intermediária entre o contratante da mão-deobra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho. 2. A intermediação implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente nessas ‘intermediações’. 3. O implemento do tributo em face da remuneração efetivamente percebida conspira em prol dos princípios da legalidade, justiça tributária e capacidade contributiva. 4. O ISS incide, apenas, sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiro (os empregados) e despesas, que pressupõem o reembolso. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários. Precedentes do E. STJ acerca da distinção. 5. A equalização, para fins de tributação, entre o preço do serviço e a comissão induz a uma exação excessiva, lindeira à vedação ao confisco. 3. (Sic) Recurso especial provido” (1.ª Turma, REsp 411.580/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08.10.2002, DJU 1 de 16.12.2002). “Tributário. ISS. Base de cálculo. Incidência. Serviços prestados por empresas de recrutamento e recolocação de mão-de-obra temporária. 1. Não há violação ao art. 9.º do Decreto-lei 406/68, quando o acórdão recorrido decidiu que a base de cálculo do ISS tenha a sua incidência somente sobre a receita bruta, que é a taxa de agenciamento recebida por empresa de recrutamento e recolocação de mão-de-obra, tendo sido excluídas as importâncias referentes aos salários e encargos sociais dos recrutados, ao fundamento de que tais empresas seriam meras depositárias desses valores. 2. Agravo de instrumento improvido (art. 254, I, do RISTJ)” (1.ª Turma, Agravo de Instrumento n. 215.659/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 29.03.1999, DJU 1 de 09.04.1999). – 227 – valores referentes ao reembolso de despesas de numerários que não fazem parte da prestação do serviço e (i.b) com meros ingressos de valores que correspondem à remuneração por atividade realizada por terceiros, implicando, destarte, desvirtuamento da base de cálculo do ISS e, conseqüentemente, flagrante ofensa à norma padrão em questão. Cabe registrar, também, que, não podem compor a base de cálculo do ISS devido pelas empresas designadas “planos de saúde” – supondo fosse a atividade por elas exercida serviço tributável pelo ISS550 – os valores correspondentes aos dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios. Em casos que tais, o preço do serviço é a diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios (terceiros prestadores de serviços aos segurados associados). Supor o contrário implica aceitar possa o ISS incidir sobre serviços “por terceiros prestados”, além de reconhecer que a materialidade desse tributo possa ser despesa com serviços. Por essa razão, entendemos totalmente inócuo o veto ao presidencial ao § 3.º do art. 7.º da Lei Complementar 116/2003, que permitia a dedução da base de cálculo do ISS dos valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços de hospitais, laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais profissionais do plano de saúde operado por cooperativas. Deveras, com ou sem veto, a base de cálculo, nesses casos, por imposição da própria materialidade da norma padrão do ISS, só pode ser a diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios.551 550 551 É certo que essa atividade está arrolada no subitem 4.23 da lista de serviços veiculada pela Lei Complementar 116/2003. Tal, no entanto, não autoriza a exigência de ISS porque, conforme já exposto, à lei complementar não é deferido prever a incidência de algo que serviço não é. Sobre a intributabilidade da atividade de planos de saúde pelo ISS confiram-se: José Souto Maior Borges, ISS – Seguro-saúde, p. 52-73; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 219-232; e José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 70-74. Nesse sentido, confira acórdão emblemático proferido no EDcl no Recurso Especial 227.293/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 09.08.2005, DJU 1, de 28.11.2005. Outrossim, relevante conferir diversas leis municipais que, tendo em conta a base de cálculo da norma padrão do ISS, prevê como preço do serviço, nesses casos, a diferença entre o valor recebido pelas mensalidades e os dispêndios havidos com terceiros (especialmente médicos, hospitais, laboratórios): Lei 691/1984 com as alterações dadas pela Lei 2.016/1993, do Município do Rio de Janeiro (art. 26), Lei Complementar 07/1973, com as alterações dadas pela Lei Complementar 501/2003, do Município de Porto Alegre (art. 21), Lei 7.186/2006, do Município de Novo Hamburgo (art. 42, § 11), Lei 1.819/2003, do – 228 – Ressalte-se, outrossim, que aquelas receitas decorrentes de negócios outros, inconfundíveis com a prestação de serviço, também não podem ser tidas como preço do serviço ou integrá-lo, devendo ser desprezadas pelo legislador e pelo aplicador da lei. Aires Fernandino Barreto552 traz importante lição a esse respeito, propondo análise da questão sob prisma positivo e negativo. Nas palavras desse autor, examinando a questão de prisma positivo, tem-se que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nele (preço) incluído tudo o que for pago pelo tomador (utente, usuário) ao prestador, desde que provenha da prestação de serviços. Essa proveniência determina-se pela precisa identificação do negócio jurídico desencadeador das receitas. Vista de ângulo negativo, tem-se que a base de cálculo do ISS não inclui – não pode incluir – valores que decorram de negócios outros, inconfundíveis com a prestação de serviço. É ilegal (rectius, inconstitucional) assim, a inclusão de valores correspondentes a negócios paralelos, distintos da prestação de serviços, na base de cálculo do ISS. Sendo assim, quando diante de duas relações jurídicas diferentes, ainda que previstas num único instrumento contratual (v.g., concomitância de eventual prestação de serviços com uma operação de venda ou com uma operação de crédito), é preciso ter cautela, identificando as receitas que provenham de prestação de serviço e estremando-as daquelas provenientes de outros negócios jurídicos distintos da prestação de serviços. É o que nos ensina, mais uma vez, Aires Fernandino Barreto:553 o Município só pode exigir ISS sobre a receita que provenha de serviços. [...] Nas hipóteses em que determinada vinculação jurídica complexa, engendrada pelas pessoas privadas, desenvolva-se e um contexto multifacetário – em que a prestação de serviço surja envolvida ou em paralelo – esta circunstância não autoriza o legislador ordinário, nem muito menos a administração, a ignorar a eventual autonomia recíproca de cada um desses negócios, para ampliar a base de cálculo do 552 553 Município de Guaíba (art. 2.º, IV) e Lei Complementar 02/2001, com as alterações dadas pela Lei Complementar 28/2004, do Município de Santa Maria (art. 27, § 14). ISS na Constituição e na lei, p. 355. E conclui este autor que a base de cálculo do ISS “é o preço do serviço, vale dizer, a receita auferida pelo prestador como contrapartida pela prestação do serviço tributável pelo Município ou pelo Distrito Federal ao qual cabem os impostos municipais. Receita auferida pelo prestador que não corresponda à remuneração pela prestação de serviços de competência dos Municípios não poderá ser tomada como base de cálculo do ISS, pena de desfigurá-lo, no mais das vezes, com invasão de competência tributária alheia. E, obviamente, onde não houver receita, jamais se poderá cogitar de exigência de ISS, pela singela razão de que, nessa hipótese, preço não há”. Ibidem, p. 355. Idem, p. 355-357. – 229 – ISS, nela incluindo valores provenientes de outros negócios distintos da prestação de serviços. [...] Diante de venda ou prestação de serviços e financiamento, v.g., duas pessoas político-constitucionais são competentes para impor tributação, cada qual nos limites previstos pela Constituição. Onde haja venda ou prestação de serviços e financiamento, ainda que em único instrumento, ou envolvidas em uma só vinculação negocial, incidem dois distintos tributos; duas competências tributárias distintas e inconfundíveis atuam, integrando os feixes de poderes de duas esferas de governo diferentes. Daí ser imperioso discernir, distinguir, identificar e separar as receitas consoante suas respectivas procedências, para que se identifiquem as específicas bases de cálculo de cada um dos tributos, com vistas a evitar o extrapassamento dos limites constitucionalmente traçados às competências tributárias. É inconcebível, senão com ofensa ao Texto Constitucional, reunir os negócios jurídicos diversos para pretender inserir a totalidade de seus valores na base de cálculo do ISS. Em casos como esse, tomar como preço do serviço receita auferida pelo prestador que não corresponda à remuneração pela prestação de serviços implica adoção de base de cálculo inadequada, isto é, incompatível com a materialidade “prestar serviços” e, por conseguinte, desvirtuamento da base de cálculo da norma padrão do ISS. Destarte, jamais se poderão incluir na base de cálculo do ISS as receitas decorrentes de encargos relativos ao financiamento do preço do serviço (v.g., juros).554 Tais valores, advindo de operações de crédito (negócio jurídico, inclusive, submetido à tributação pela União, ex vi do art. 153, VI, da CF/1988), não são receitas de prestação 554 Marcelo Caron Baptista lembra que “o pagamento pela prestação de um serviço, assim como o pagamento por outras prestações de natureza diversa, nem sempre se dão ‘à vista’. A relação de prestação de serviços desenvolve-se no ambiente da economia de mercado. O tomador dos serviços, a depender de sua condição financeira ou da forma pela qual administra seus interesses, necessita ou opta pelo financiamento do preço. O financiamento do preço da prestação do serviço envolve uma operação em que uma pessoa disponibiliza um crédito ao tomador do serviço, ficando este obrigado a pagar-lhe a mesma quantia em determinado prazo, acrescida de encargos do financiamento (v.g., juros). Nessa hipótese, resta saber se o valor desses encargos integra o valor da base de cálculo para fins de incidência do ISS. A resposta é negativa. [...] Quando presente o financiamento do preço, aparece, paralelamente à relação de prestação de serviço, uma segunda relação jurídica, entre financiador e financiado – tomador do serviço. Trata-se de uma relação jurídica do gênero ‘operação de crédito’. [...] Os encargos financeiros, portanto, não são originados da relação de prestação de serviços, mas de outra relação jurídica, a operação de crédito. Não há, como se vê, uma subsunção do conceito de encargos de financiamento ao conceito da base de cálculo do ISS – preço da prestação do serviço. Por isso, incluir na base de do ISS tal valor acarreta um alargamento indevido do conteúdo econômico da materialidade da hipótese de incidência. Se o fato tributável é a prestação de serviço originada de uma relação jurídica específica, elementos econômicos alheios a essa relação não podem ser considerados no cálculo do imposto”. ISS: do texto à norma, p. 576-577. No mesmo sentido, José Eduardo Soares de Melo, tratando do financiamento do preço do serviço mediante a utilização de cartão de crédito, pondera que os acréscimos financeiros não podem ser tomados como base de cálculo do ISS, uma vez que “o pagamento do preço dilatado no tempo constitui operação financeira, distinta da prestação de serviço”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 140. – 230 – de serviços, isto é, não representam preço do serviço, não podendo, portanto, compor a base de cálculo do ISS.555 Geraldo Ataliba e Cléber Giardino556 já advertiram sobre a impossibilidade de os referidos encargos relativos ao financiamento integrarem o preço do serviço, por tratar-se de valor imputável a negócio distinto da prestação de serviços. Outrossim, as receitas provenientes de inadimplemento contratual, tais como multa e juros moratórios, por não advirem de prestação de serviços, não podem ser tidas como preço do serviço, devendo, pois, ser desprezadas para fins de base de cálculo do ISS. Conforme Aires Fernandino Barreto,557 é claro que o fato de que as receitas provenientes de multa, juros e outros encargos exigíveis dos destinatários ou encomendantes da prestação, que não liquidam seus débitos nas datas convencionadas, não correspondem a nenhum serviço. É, pois, vedada a inclusão desses valores na base de cálculo do ISS. Também aqui se está diante de receitas decorrentes de contrato autônomo, específico; também aqui de cuida de receita que não provém de nenhuma prestação de serviço [...]. 7.3.2 O valor dos materiais compõe o preço do serviço Como visto no Capítulo 6, há prestações de serviços que requerem, como condição de sua viabilização, a aplicação de materiais, sob pena de não poder se concretizar. Tais prestações de serviços integram a classe que a doutrina denomina de prestação de “serviços menos puros”.558 Nessas hipóteses, não pode o legislador 555 556 557 558 Não foi por outra razão que a Lei Complementar 116/2003, a pretexto de dispor sobre conflito de competência entre os Municípios e a União Federal (art. 146, II, da CF), dispôs, em seu art. 2.º, caput e inciso III – embora erroneamente, por restringir-se às operações de crédito realizadas por instituições financeiras –, que “O imposto não incide sobre: [...] o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras”. Ressalte-se que encargos de financiamento, ainda que cobrados pelo próprio prestador do serviço, na condição de financiador do serviço a ser prestado, possuem natureza distinta do preço do serviço. Dessa forma, a despeito de o inciso III do art. 2.º da Lei Complementar 116/2003 apenas fazer menção aos créditos de financiamento de “operações de crédito realizadas por instituições financeiras...”, aplica-se a mesma regra para os financiamentos em que elas não se fizerem presentes. ICM – base de cálculo – diferenças entre venda financiada e venda a prazo, p. 113. ISS na Constituição e na lei, p. 363. Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS e ICMS – conflitos, p. 171. – 231 – ordinário prever deva ser deduzido da base de cálculo do ISS o valor dos materiais empregados, aplicados, utilizados na prestação de serviço. Esse entendimento não é uníssono na doutrina. Muitos juristas, entre eles Betina Treiger Grupenmacher559 e Sergio Pinto Martins,560 entendem que o valor dos materiais deva ser deduzido da base de cálculo do ISS, por representar valor decorrente da venda de mercadorias. Todavia, pensamos de modo diferente. Para nós, tais materiais são elementos aplicados na prestação de serviço, como requisitos de sua viabilização ou como ingredientes da própria prestação. O prestador aplica materiais na prestação de serviços pela simples razão de que sem esses elementos o esforço humano contratado não pode ser produzido. Os materiais configuram, destarte, requisitos, insumos, cuja presença incorpora a prestação de serviço ou a segue como acessório, dela não podendo ser dissociados. Não representam mercadorias, pois não são bens móveis objetos de mercancia,561 mas simples elementos que, como requisitos, ingredientes, condicionam a prestação de serviço. Se considerados isoladamente, não interessam nem ao prestador, porque não é vendedor de mercadorias (ao revés, o que se busca é a produção do esforço humano contratado, ainda que seja inafastável o emprego de materiais), nem ao tomador do serviço, porque não é comprador. Não se configura venda de coisas, mas seu emprego é requisito necessário à prestação do serviço. 559 560 561 A base de cálculo do ISS, p. 198-206. Manual do ISS, p. 196-197. Nas fecundas lições de Roque Antonio Carrazza, com amparo nas lições de Paulo de Barros Carvalho, só é mercadoria o bem objeto de mercancia, ou seja, que se destina à prática de operações mercantis. Ensina o autor que “não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão-só aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem imóvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. Estamos percebendo que nada é mercadoria ‘pela própria natureza das coisas’. De fato, como aguisadamente observa Paulo de Barros Carvalho, a natureza mercantil de um bem não deflui de suas propriedades intrínsecas, mas de sua destinação específica”. ICMS, 9. ed., p. 41. – 232 – Pontes de Miranda562 é categórico nesse sentido, quando assinala que o emprego de material não desconstitui a prestação de serviço, que não se transforma em compra e venda. Prestação de serviço com aplicação de material, não é, nunca, contrato de compra e venda, porque a sua finalidade não é a aquisição dos materiais, mas a execução da obrigação de fazer contratada. Aires Fernandino Barreto versa essa situação com didático exemplo e fornece brilhante elucidação a respeito: Tomemos os seguintes exemplos: ninguém poderá asseverar, em sã consciência (à luz do conceito cediço de mercadorias), que o dentista ao aplicar amálgama, ao aplicar ouro ou porcelana é vendedor dessas mercadorias, porque na verdade são meros materiais, insumos necessários à prestação de serviços. Não se pode chegar ao absurdo de pretender que o advogado, que o parecerista, quando elabora um estudo e tem que empregar papel, seja vendedor de papel, realize venda de mercadoria. Vale-se ele de meio, de ingrediente, de insumo necessário à prestação do serviço.563 Nessas hipóteses em que é inafastável a aplicação de materiais tem-se um único negócio jurídico, prestação de serviços com aplicação de materiais, configurando hipótese de incidência apenas do ISS. É o que se extrai novamente da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo a qual vários autores não distinguem duas situações absolutamente diferentes: a) o exercício, pela mesma pessoa física ou jurídica, de duas ou mais atividades; b) o exercício, pela mesma pessoa, de uma única atividade. No primeiro caso (a), o contribuinte estrutura os seus negócios visando a, concomitantemente, promover operações relativas à circulação de mercadoria e prestar serviços. Exemplo típico dessa alternativa é o dedicar-se dado contribuinte a1) ao negócio mercantil de vender peças para automóveis a serem aplicadas por terceiros e a2) à prestação dos serviços de reparação ou conserto de veículos, em que é inafastável a aplicação de materiais. Nesse caso, submete-se ao ICMS relativamente à primeira atividade (a1); e ao ISS, no pertinente à segunda (a2). Na situação alvitrada em (b), em que o contribuinte desenvolve uma só atividade, ela poderá consistir em só b1) promover negócios mercantis ou b2) prestar serviços. Obviamente, na primeira hipótese, ele estará sujeito ao ICMS; na segunda, apenas ao ISS.564 562 563 564 Tratado de direito privado, p. 385. Aires Fernandino Barreto, Imposto sobre serviços de qualquer natureza, p. 190. Idem, ibidem, p. 236. No mesmo sentido, confira Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 250. – 233 – Nesse mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres,565 embora se refira a “mercadorias”, quando o certo seria materiais, esclarece que o ISS incide sobre a prestação de serviços, ainda que acompanhada da aplicação de “mercadorias”. Patente que os materiais empregados não são mercadorias, e sim elementos essenciais à prestação do serviço, que se dissolvem na própria atividade ou, quando muito, segue-a como acessório, persiste-se no campo de prestação de serviços passível de tributação pelo ISS. Nesse contexto, o valor de tais elementos configura numerário referente a bens necessários à execução da prestação de serviços, devendo por isso, pondera Bernardo Ribeiro de Moraes,566 compor a formação do preço do serviço. É dizer, o valor dos materiais, por configurar numerário referente a insumos necessários à execução da prestação de serviços, constitui-se parcela integrante da receita a que o prestador faz jus pela prestação de serviços, sendo, por conseguinte, componente inafastável do preço do serviço. Sendo componente inafastável do preço do serviço não pode ser deduzido da base de cálculo do ISS. Lembre-se que a base de cálculo da norma padrão do ISS é o preço do serviço. Entende-se por preço do serviço a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções. A cláusula “sem quaisquer deduções” deve ser interpretada em sintonia com a expressão que lhe antecede “receita bruta dele proveniente”. Com efeito, constituindo-se o valor dos materiais numerário integrante da receita a que o prestador faz jus pela prestação de serviços, não se pode – pena de desvirtuamento da base de cálculo da norma padrão do ISS e violação à referida norma padrão – deduzilo da base de cálculo. É incabível dedução do valor dos materiais da base de cálculo do ISS, sendo vedado ao legislador prevê-la. 565 566 Tratado de direito tributário brasileiro, p. 324. Doutrina e prática do ISS, p. 522. – 234 – Não foi por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 274 prevendo que “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se nelas as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares”. Embora não unânime na Corte, há respeitáveis julgados do Superior Tribunal de Justiça, já antes da Lei Complementar 116/2003, no sentido de que o valor dos materiais aplicados na prestação do serviço integra o preço, não podendo dele ser deduzido: Tributário. Recurso especial. Base de cálculo do ISSQN. Preço final do serviço. Insumos utilizados. Redução. Impossibilidade. Exame de matéria de fato. Óbice de Súmula 07/STJ. Ausência de prequestionamento. Não-conhecimento da pretensão. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa, não-provido. 1. Em exame recurso especial ajuizado em autos de mandado de segurança por Transeguro BH Transporte de Valores e Vigilância Ltda. Com o objetivo de deduzir, da base de cálculo do ISSQN, o preço dos materiais utilizados na execução do serviço. 2. A base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço prestado, conforme o disposto no DL 406/68, art. 9.º, não sendo possível deduzir, para efeito de tributação, o preço referente aos insumos utilizados, o que corresponderia à exclusão da própria tributação. 3. Na hipótese, a recorrente é empresa de transporte de valores e de vigilância, sendo que o valor que pretende deduzir da base de cálculo do imposto se refere a combustível, peças, óleos, lubrificantes e pneus, dentre outros, materiais que são imprescindíveis à efetivação da atividade explorada. Precedentes. 4. [...] 5. [...] 6. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa, não provido.567 Tributário. Recurso especial. ISS. Exames radiológicos. Materiais. Exclusão da base de cálculo. 1. É inadmissível a exclusão da base de cálculo do ISS dos materiais utilizados para a realização dos serviços, sem os quais, afinal de contas, sequer poderiam eles ser realizados. 2. Recurso especial improvido.568 Tributário. Imposto Sobre Serviços (ISS). Hospitais. Base de cálculo. Incidência. Precedentes. - As diárias hospitalares estão sujeitas à incidência do ISS, mesmo envolvendo o valor referente aos medicamentos e a alimentação. - Recurso conhecido pela letra “c” e provido.569 567 568 569 1.ª Turma, REsp 781.456/MG, Rel. Min. José Delgado, j. 18.04. 2006, DJU 1 de 22.05.2006, p. 166. 2.ª Turma, REsp 132430/CE, Rel. Min. Castro Meira, j. 17.03.2005, DJU 1 de 30.05.2005, p. 267. No mesmo sentido confira REsp 254863/SP e REsp 299409/SP. 2.ª Turma, REsp 130621/CE, Rel. Francisco Peçanha Martins, j. 28.09.1999, DJU 1 de 27.03.2000, p. 48. – 235 – Tributário. ISS. Base de Cálculo. Hospitais. - O valor da alimentação e dos medicamentos fornecidos pelos hospitais está embutido nas diárias hospitalares e faz parte da base de cálculo do imposto sobre serviços. - Recurso especial não conhecido.570 Tributário. ISS. Alimentação e medicamentos fornecidos por hospitais. Inclusão no preço da prestação de serviço. DL n. 406/68. Arts. 8.º e 114 do CTN. 1. Esta Corte já pacificou entendimento de que não é devido o ICM sobre o valor das refeições e medicamentos servidos por hospitais. 2. A interpretação do art. 9.º do DL n. 406/68, combinado com o item 2 da Lista de Serviços autoriza a cobrança do ISS sobre a prestação de serviço, com a inclusão do preço da alimentação e dos medicamentos. 3. Recurso improvido.571 7.3.3 Preço do serviço com dedução 7.3.3.1 Valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de construção civil Como visto, preço do serviço é a receita bruta dele decorrente, sem quaisquer deduções. O valor dos materiais compõe o preço do serviço, não podendo ser deduzido da base de cálculo do ISS. No entanto, o legislador complementar, tendo em conta que a construção civil é um setor em que ocorre maciça aplicação de material, houve por bem, com fundamento no art. 146, I e III, a, da Constituição Federal, prever que essa regra geral de não-dedução não tem cabimento quando o próprio prestador de certos serviços de construção civil572 fornece os materiais a serem aplicados, empregados, utilizados, na prestação dessa atividade. 570 571 572 2.ª Turma, REsp 11533/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 11.10.1995, DJU 1 de 06.11.1995, p. 37560. 2.ª Turma, REsp 254.863/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.10.2001, DJU 1 de 18.02.2002, p. 300. No mesmo sentido confira-se 2.ª Turma, REsp 130.621/CE, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 28.09.1999, DJU 1 de 27.03.2000, p. 84. Conforme a definição de De Plácido e Silva, construção civil é terminologia empregada “[...] para indicar o edifício ou o prédio (em sentido estrito), já construído (obra executada), como para apontar toda espécie de obra ou edificação que se esteja executando”. Dicionário jurídico, v. 1, p. 415. Ensina Hely Lopes Meirelles que “[...] construção em sentido técnico nos oferece o duplo significado de atividade e de obra. Como atividade, indica o conjunto de operações empregadas na execução de um projeto. Como obra, significa toda realização material e intencional do homem, visando a adaptar a natureza às suas – 236 – Consoante o disposto no § 2.º, I, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003 – lei essa até hoje não declara inconstitucional, nem extirpada do direito positivo –, não se inclui na base de cálculo do ISS o valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço de construção civil, previsto nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços.573 É dizer, não deve ser incluído no preço do serviço o valor dos materiais fornecidos pelo próprio construtor a serem empregados, aplicados ou utilizados na realização da obra de que trata os referidos subitens. Embora imperfeita a redação desse enunciado, a despeito de mencionar não se “inclui”, entendemos que tal dispositivo previu – a exemplo do regramento anterior veiculado no art. 9.º, § 2.º, do Decreto-lei 406/1968574 – nítida hipótese de dedução, do preço do serviço, do valor dos materiais fornecidos pelo próprio construtor para aplicação na obra. Cabe registrar, desde logo, que entendemos que o fornecimento em questão “abrange todos os materiais fornecidos pelo prestador do serviço, independente de sua origem (produzidos por ele ou por outros)”.575 É dizer, refere-se tanto aos materiais produzidos por terceiros, isto é, adquiridos de terceiros, quanto àqueles materiais 573 574 575 conveniências. Neste sentido, até mesmo a demolição se enquadra no conceito de construção, porque objetiva, em última análise, a preparação do terreno para subseqüente e melhor aproveitamento”. Direito de construir, 3. ed., p. 350-351. “Art. 7.º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 2.º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar.” O subitem 7.02 da referida lista de serviços anexa à referida lei (Lei Complementar 116/2003) trata da “execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”. Já o subitem 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 contempla a “reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”. “Art. 9.º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 2.º Na prestação de serviços a que se refere os itens 19 e 20 da lista anexa, o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes: a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço.” Cf. Gilberto Rodrigues Gonçalves, ISS na construção civil, p. 112. – 237 – produzidos pelo prestador fora do canteiro da obra, para aplicação, emprego, utilização, na prestação de serviço. Entendemos, portanto, que a possibilidade de dedução do valor dos materiais fornecidos não se restringe àqueles adquiridos de terceiros para aplicação na obra, se estendendo também aos materiais produzidos pelo prestador de construção civil fora do local da obra. Os materiais fornecidos pelo prestador de serviço de construção civil, repita-se, após transporem a fase na qual estavam no comércio, vindo a serem aplicados na obra, passam a configurar materiais. Há, nessa fase, apenas prestação de serviços com aplicação de materiais, e, como tal, sujeita ao ISS. Não há falar, aqui, em venda, negócio jurídico vislumbrado quando esses bens ainda configuravam “mercadorias”. A empreitada de material,576 modalidade mais freqüente de execução da obra de construção civil em que há fornecimento de materiais, não se confunde com a compra e venda. Segundo adverte Hely Lopes Meirelles, em obra clássica, já antes do atual Código Civil, na compra e venda o objetivo do contrato é a transferência da coisa, mediante o pagamento de seu preço, ao passo que na empreitada de material o fim almejado é a obra concluída, mediante o duplo pagamento do trabalho e da matéria-prima, consubstanciado na remuneração do empreiteiro. [...] Para com os fornecedores e empregados da obra, o empreiteiro de material é prestador de serviço e, em princípio, o responsável único pelo pagamento do material e salários, visto ser da natureza dêsse tipo de empreitada a função de todos os encargos pelo construtor. [...] Na empreitada de material, como o empreiteiro concorre com o trabalho e a matéria-prima, todos os riscos da execução do contrato correm por sua conta, até a entrega da obra concluída, desde que quem a encomendou não esteja em mora de receber (art. 1.238 caput).577 576 577 Como ressalta Gilberto Rodrigues Gonçalves, antes mesmo da atual Lei Complementar 116/2003, “quem fornece pode fornecer o que produz ou o que terceiro produz”. Ibidem, p. 111. Conforme nos dá conta Hely Lopes Meirelles, a empreitada de material é aquela em que o empreiteiro (construtor da obra) se obriga quanto à mão-de-obra e aos materiais, correndo ambos por sua conta. É a modalidade mais freqüente, na qual o empreiteiro assume os riscos integrais pela execução da obra, respondendo tanto pela boa qualidade de tudo o que empregou na construção como pela perfeição de seu trabalho. Direito de construir, 6. ed., p. 193. Direito de construir, 2. ed., p. 228, 230 e 232. – 238 – J. M. Carvalho Santos também apregoava não se confundir a empreitada de materiais com compra e venda. Conforme o autor, “a empreitada com fornecimento de materiais não é propriamente, como entendem muitos, uma reunião do contrato de locação de serviços com o de compra e venda de materiais; é, antes, um contrato especial”.578 Nesse mesmo sentido, Pontes de Miranda sublinha que o o contrato de empreitada, com fornecimento de materiais pelo empreiteiro, não é, nunca, contrato de compra-e-venda, porque a sua finalidade não é a de aquisição dos materiais, mas a fabricação, a atividade do empreiteiro ou de quem trabalhe para êle, na obra. [...] Não há, na empreitada com fornecimento de materiais, contrato misto. A alienação foi meio para o adimplemento do dever de fazer a obra. [...] Um ponto que se tem de pôr em relevo quanto se aprofunda o estudo da empreitada está em que, fornecendo o material, o empreiteiro não o vende propriamente, pois o acordo de transmissão da propriedade é como prestação de empreiteiro, e não como prestação de vendedor.579 Como bem adverte Ruy Barbosa Nogueira, “em verdade, terminada a fase de circulação fabril e comercial dos produtos ou mercadorias que passam para as mãos do construtor (prestador do serviço), esta nova etapa passa a ser tributada exclusivamente pelo ISS”.580 Destarte, sendo inequívoco o fato de que na condição de prestador de serviço o construtor se sujeita apenas ao ISS, lhe é permitido, consoante disposto no inciso I, § 2.º, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003, para formar a base de cálculo desse tributo municipal, deduzir o valor dos materiais fornecidos para aplicação na obra. Portanto, como se vê, por força desse enunciado complementar há previsão de adoção de base de cálculo específica para prestação de serviço de construção civil. É dizer, nos casos em que na prestação de serviço de construção civil descrita nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 houver aplicação de materiais fornecidos pelo prestador, a base de cálculo a ser prevista pelo 578 579 580 J. M. Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, p. 316. Tratado de direito privado, 2. ed., t. XLIV, p. 385, 387 e 389. Ruy Barbosa Nogueira, Serviço de engenharia, ISS e não ICM, p. 12. – 239 – legislador ordinário deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita dele decorrente, com dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador.581 Registre-se, por oportuno, que esse regramento de dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador só vem a confirmar a noção geral de que, ao fornecer materiais imprescindíveis à prestação de serviço, o prestador não se transforma em vendedor de mercadorias, devendo esses insumos, por conseguinte, integrar a base de cálculo do ISS.582 De todo modo, a previsão de possibilidade de deduções do valor dos materiais também foi necessária para, prevenindo conflitos entre o ICMS e o ISS, impedir que este último abrangesse, novamente, o valor dos materiais empregados. Entretanto, andou mal o legislador complementar ao reservar a dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador apenas para o serviço de construção civil descrito nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, visto que não são apenas nessas hipóteses que há aplicação de materiais fornecidos pelo próprio prestador. Consoante adverte Aires Fernandino Barreto,583 nos casos de construção civil abrangendo atividades preliminares, auxiliares ou complementares, como as atividades de sondagem do solo, de aterro, de fundação, de andaimes, descritas no 581 582 583 Ressaltamos que o Superior Tribunal de Justiça tem ignorado a previsão base de cálculo específica para os serviços de construção civil descritos nos subitens 7.02 e 7.05, decidindo pela aplicação, ao caso, da regra geral de não dedução do valor dos materiais. Vide: 1.ª Turma, AgRg no REsp 921804/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 17.05.2007, DJU 1 de 31.05.2007, p. 408; 2.ª Turma, REsp 926339/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 03.05.2007, DJU 1 de 11.05.2007, p. 393; 2.ª Turma, REsp 864619/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. 24.10.2006, DJU 1 de 07.11.2006, p. 289; 1.ª Turma, REsp 828879/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 17.08.2006, DJU 1 de 31.08.2006; 1.ª Turma, AgRg no REsp 621484/SP, Rel. Min. Denise Arruda, j. 20.10.2005, DJU 1 de 14.11.2005, p. 188. Como adverte o atilado estudioso da matéria, Aires Fernandino Barreto, “ao prever a dedução dessas parcelas, parece claro que o sistema admitiu a) que, como regra, o valor dos materiais integra a base de cálculo do ISS, dela não podendo ser excluída para submetê-la ao ICMS. [...] Com efeito, se o valor dos materiais não integrasse normalmente a base de cálculo do ISS, que sentido teria prever a dedução dessa parcela? Parece inquestionável que, salvo expressa exceção, o valor dos materiais fornecidos pelo prestador é componente inafastável da base de cálculo do ISS, reforçando, pois, as afirmações anteriores de que ao fornecer materiais necessários à prestação dos serviços o prestador não se transforma em promovente de operações mercantis, isto é, não é vendedor de mercadorias”. ISS na Constituição e na lei, p. 363. Aires Fernandino Barreto, Ibidem, p. 364. – 240 – subitem 7.02 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, sempre se têm serviços de construção civil, cabendo, em todos eles, o direito à dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador. Portanto, a previsão de dedução do valor dos materiais apenas para as hipóteses de construção civil descritas nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 implica visível tratamento díspar entre contribuintes que se encontram em idêntica situação. Uma interpretação rigorosa do § 2.º, I, do art. 7.º importaria reconhecer a sua inconstitucionalidade, por flagrante violação ao princípio da igualdade tributária. No entanto, a redação desse dispositivo não impede que dela se extraia uma previsão compatível com o sistema jurídico, entendendo-se que o regramento que dele se retira pode ser aplicável a todas as hipóteses de prestação de construção civil em que há a aplicação de materiais fornecidos pelo próprio prestador. Cabe registrar, outrossim, que tal regramento específico (dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço) não configura previsão de isenção, antes, cuida de disciplina da base de cálculo do ISS, a teor do que dispõe o art. 146, III, a, da Constituição Federal, além de prevenir conflitos entre o ICMS e o ISS. Como nos ensina Paulo de Barros Carvalho,584 a regra de isenção subtrai parcela do campo de abrangência de um ou mais critérios da hipótese ou do conseqüente da regra-matriz de incidência, impedindo, assim, que a relação obrigacional se instale, tendo em vista o desaparecimento do objeto prestacional. Na dedução do valor dos materiais fornecidos pelo próprio prestador de serviço de construção civil não estamos diante de mutilação de parcela da base de cálculo. Vale dizer, não se tem configurada uma previsão de isenção. O que há é a disciplina de redução da base de cálculo, sem mutilá-la, isto é, que se processa no 584 Curso de direito tributário, 17. ed., p. 490. – 241 – critério quantitativo, mas que não implica o desaparecimento do vínculo obrigacional. Portanto, resta afastada qualquer interpretação no sentido de que os prestadores de serviços de construção civil estariam impossibilitados de promover deduções, perante a vedação constante no art. 151, III, da Constituição Federal, que estabelece ser vedado à União conceder isenção de tributos estaduais, distritais e municipais.585 Em súmula, a prescrição geral de que a base de cálculo do ISS a ser erigida somente poderá ser o preço do serviço, assim entendido a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções, não é aplicável à prestação de serviço de construção civil em que o próprio prestador fornece os materiais a serem aplicados na obra. Há, nesse caso, previsão de prescrição de base de cálculo específica, de modo que a unidade de referência a ser erigida pelo legislador ordinário como base de cálculo deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita dele decorrente, com dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviço. Eis aqui, o segundo conteúdo semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS, a segunda unidade de referência a ser adotada como base de cálculo. 7.3.3.2 Valor das prestações de serviços subcontratadas Muitas prestações de serviços são viabilizadas mediante a contratação, pelo prestador, de parte de sua execução com terceiros. Conforme assinala José Eduardo Soares de Mello, é natural que em determinadas prestações de serviços o prestador – que mantém relação direta com o tomador – procede à contratação de parte desses serviços com terceiros (impossibilidades operacionais, econômicas etc.), como é o caso do 585 A esse respeito, confiram-se as lições de José Eduardo Soares de Mello, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 144, e de Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 366. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar essa questão, já decidiu que a dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador é disciplina que cuida da base de calculo do ISS, ex vi do disposto no art. 146, III, a, da Constituição Federal, não configura isenção. Nesse sentido confiram-se os Recursos Extraordinários 214.414-2/MG, 2.ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 05.11.2002, DJU 1 de 29.11.2002, p. 99-100, e 236.604/PR, Tribunal Pleno, Min. Carlos Velloso, j. 26.05.1999, DJU de 06.08.1999, p. 52. – 242 – fornecimento de mão-de-obra para tarefas de limpeza, zeladoria, copa, cantina, operações de elevador e de central telefônica.586 Assim, um prestador do serviço, por opção estratégica (v.g., não dispor de tantos recursos quanto necessários para executar a totalidade do serviço contratado, não possuir certa especialidade para executar determinada atividade, a oferta de terceiros é mais vantajosa do que empregar seus próprios meios etc.), contrata parte da execução da prestação de serviço com terceiros, concorrendo junto de tais prestadores. Em vez de executar a prestação de serviço diretamente, o prestador principal subcontrata outros prestadores de serviço (que por sua vez podem subcontratar outros prestadores e assim por diante) para a realização de uma determinada parcela da obrigação de fazer, que foi contratada integralmente com o tomador.587 A subcontratação ocorre com mais freqüência na subempreitada, contrato por meio do qual, ensina Ponte de Miranda, o empreiteiro contrata com terceiro, ou com terceiros, a execução da obra de construção civil.588 Mas, como adverte Aires Fernandino Barreto, essa forma de execução da prestação do serviço não existe apenas no caso de prestação de serviço de construção civil: 586 587 588 José Eduardo Soares de Mello, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 145. Vide Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 57. Ressalte-se que a contratação total da prestação de serviço (aquela em que prestador principal, contratado para a realização integral do serviço, encarrega a realização de todo o serviço contratado a terceiros) não nos interessa porque o fato jurídico tributário, à míngua de parte da execução da prestação pelo prestador principal, não pode se concretizar, não havendo se falar, por conseguinte, em dedução do valor da subempreitada do preço total do serviço tributável pelo ISS. Ensina Pontes que empreitada “é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante remuneração, a fazer determinada obra, ou mesmo obra determinável. [...] Empreiteiro é quem se vincula a fazer a obra, com independência econômica, e não como simples trabalhador subordinado. [...] O subempreiteiro está para o empreiteiro (subempreitante) como o empreiteiro para o empreitante. [...] Na subempreitada cria-se nova relação jurídica distinta da relação jurídica entre o empreitante e o empreiteiro. O empreitante permanece estranho ao que se passou entre o empreiteiro e o terceiro, ou terceiros. Tratado de direito privado, 2. ed., t. XLIV, p. 380-381. Segundo Natália de Nardi Dácomo, subempreitada “é a relação jurídica em que o empreiteiro delega a terceiro a execução do serviço. Tendo em vista as especificidades de cada trabalho, o empreiteiro contrata terceiros para realizar algumas tarefas (serviços elétricos, hidráulicos, de fundação etc.)”. Hipótese de incidência do ISS, p. 120. – 243 – Vários serviços comportam fracionamento na sua execução. Dentre eles, basta referir o serviço de transporte. Cuide-se aqui apenas dos serviços de transporte de natureza estritamente municipal, posto que os demais não estão sujeitos ao ISS. É comum a subcontratação dos serviços de transporte de cunho municipal, entre outras tantas razões, em virtude da impossibilidade de circulação de certos veículos – por exemplo, caminhões – em determinadas áreas da cidade, mercê dos congestionamentos que assolam certas regiões em que o volume de trânsito está saturado. Em tais casos, é comum o “fatiamento” da carga a ser transportada, de modo que possam ser entregues em seus destinos em veículos de menor tamanho, não sujeitos a restrições de circulação.589 Outro não é o entendimento de Allan Moraes, para quem não só nos serviços de construção civil verifica-se a existência de uma cadeia de prestadores de serviço atuando em conjunto mediante subcontratações. Em vista da tendência de especialização das empresas, diversos serviços auxiliares que antes eram executados pelo prestador principal passaram a ser subcontratados.590 É indubitável, a nosso ver, que nesses casos a prestação de serviço é a mesma – permanece sendo aquele serviço contratado diretamente com o tomador –, apenas a sua execução é que é fracionada entre vários prestadores, entre eles o prestador principal. A prestação de serviço contratada não deixa de ser a mesma a despeito de que para sua execução podem concorrer vários prestadores. Vislumbra-se nessa hipótese a existência de uma única prestação – sob o pálio de vários outros contratos –, sendo realizada por mais de um prestador. Estando diante de uma única prestação de serviço, como advertiu Elisabeth Nazar Carrazza, em congresso nacional realizado em 1981, não há falar em incidência múltipla do ISS (ou seja, que o tributo recairia integralmente sobre cada um dos prestadores), eis que é da própria natureza do ISS “ser não cumulativo”. Como salientou a ilustre jurista, essa noção elementar não pretendeu estender ao ISS o princípio da não-cumulatividade consagrado pelo Texto Constitucional ao ICM e ao IPI. Concluiu a autora a sua tese da seguinte maneira: Portanto, por injunção constitucional, a hipótese de incidência do ISS só pode ser a prestação de trabalho humano do qual resulte uma utilidade material ou imaterial, sob regime de direito privado. Para cada prestação só pode haver uma incidência do ISS. Ou, em outros termos, esta prestação humana só pode ser tributada uma vez 589 590 Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 388. Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 58. – 244 – por via de ISS, sob pena de dupla incidência tributária (que o nosso ordenamento jurídico veda). A circunstância de para uma única prestação de serviço concorrer um terceiro não infirma tal assertiva, já que continua a existir um único fato imponível.591 Com efeito, persistindo apenas uma prestação de serviço, mesmo que executada por vários prestadores, impõe-se uma única incidência de ISS. Em outras palavras, o ISS incide uma única vez, ainda que a prestação de serviço venha a ser desenvolvida por diferentes pessoas. Nunca é demais lembrar que tributável pelo ISS é a prestação de serviços, não a sua contratação. Outro não é o entendimento de Cléber Giardino que, atento para o fato de que tributável pelo ISS é a prestação de serviço e não contratos que a iluminam, absorveu a noção de existência de uma única prestação, ponderando em debate favoravelmente à tese defendida por Elisabeth Nazar Carrazza, o seguinte: Muito bem, quer-nos parecer que é a partir dessa situação que o problema aventado na tese se põe. E o que nós devemos deliberar é se – quando a Constituição fala que é atribuída ao Município competência para instituir imposto sobre serviços – ela se refere a “serviço” como vínculo jurídico de natureza contratual, regido pelo direito privado, se refere, portanto, ao contrato de serviço (e, nesses casos, indiscutivelmente, temos dois contratos de serviço), ou se ela se refere à prestação material de um certo trabalho, de um certo esforço pessoal, à produção de uma certa utilidade. Para esse núcleo, para essa essência, é que converge a tese da Dra. Elisabeth. Diríamos inclusive que, para essa finalidade, a precisão do conceito de serviço é até irrelevante; o que nos importa estabelecer é apenas se a um contrato de serviço é que se volta o Texto Constitucional ao aludir ao núcleo da hipótese de incidência do ISS, ou, ao contrário, se a uma prestação material de trabalho é que se refere. Porque, conforme a posição que assumamos, as nossas conclusões serão as mais díspares possíveis. Temos dois contratos no exemplo dado, mas um só esforço material; temos dois vínculos jurídicos de serviço, mas um só esforço pessoal. Se “‘serviço”, no sentido constitucional, for expressão referida ao contrato, sem dúvida teremos duas incidências possíveis; se, todavia, serviço, no sentido constitucional, for expressão referida à prestação material de trabalho, teremos uma 591 Elisabeth Nazar Carrazza, Natureza “não-cumulativa” do ISS, p. 257. Aires Fernandino Barreto também adota a posição de que, diante de uma única prestação, não cabe cogitar de múltipla incidência do ISS, por ser tal tributo não cumulativo. Para o autor, o fato de a Constituição Federal consignar, expressamente, que o ICMS e o IPI são não-cumulativos e não ter feito o mesmo em relação ao ISS, não implica transformá-lo em cumulativo. É que, quanto a esses dois impostos, a regra é a sucessão de várias operações em cadeia, de modo que a ausência de definição constitucional de critério para a questão implicaria permitir a cumulatividade. No que tange ao ISS, como é excepcional a possibilidade de uma prestação de serviço ser executada por vários prestadores, o legislador municipal é proibido de adotar a cumulatividade, senão implicitamente. ISS na Constituição e na lei, p. 385-386. – 245 – única possibilidade de incidência. Eu me inclino – e essa a razão deste encaminhamento a favor da tese – no sentido de acompanhar as conclusões que a Profa. Elisabeth apresenta. Espero que o plenário assim também entenda.592 A identificação da base de cálculo que poderá ser erigida pelo legislador ordinário nos casos de prestações de serviços executadas sob o regime de subcontratação resolve-se no exame da própria materialidade do ISS. Segundo explica Aires Fernandino Barreto, o rigoroso exame da consistência material do ISS implica a conclusão inexorável de que, incidindo esse imposto sobre a prestação de serviço e não sobre contratos de serviços, só poderá haver a exigência de imposto diante da concreta prestação de serviços, que manterá essa unidade, a despeito de para ela terem concorrido vários prestadores. Note-se que se terá vários prestadores, mas um só serviço. Logo, só se faz possível uma única incidência. Com efeito, o ISS incide sobre a prestação de serviço e não sobre o número de pessoas que o prestou. [...].593 Assim, se, como visto, é da essência da materialidade desse tributo a impossibilidade de múltiplas incidências diante de uma única prestação de serviço executada por vários prestadores,594 faz-se imperiosa a dedução do valor das prestações de serviços subcontratadas do preço total do serviço tributável, para que não haja dupla tributação. Deveras, sendo as prestações de serviços subcontratadas tributáveis pelo ISS, cabe ao subcontratado cumprir a obrigação tributária, recolhendo o tributo sobre o valor cobrado pela parcela da prestação de serviço por ele realizada. Se não houver a dedução desse valor daquele valor total cobrado pelo empreiteiro principal do contratante da prestação de serviço (tomador principal), haverá nova incidência do ISS. 592 593 594 Cléber Giardino, debate ocorrido em Congresso realizado em 1981, Natureza “não-cumulativa” do ISS, p. 267. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 387. Não cabe cogitar essa assertiva quando diante de duas distintas e inconfundíveis prestações. É que, nessas hipóteses, sendo diferentes os serviços entre si, a cada prestação corresponderá uma incidência de ISS. – 246 – Como pondera Aires Fernandino Barreto,595 diante de mais de um prestador, mas uma única prestação de serviços, impõe-se “a dedução do valor da subempreitada tributável pelo imposto. Exigir ISS integral de um ou mais prestadores é tributá-los sem amparo legal e constitucional. Estar-se-á a cobrar ISS duas ou mais vezes”, implicando tributação que não é autorizada pelo sistema jurídico. Esse entendimento também é abonado por Hugo de Brito Machado para quem, não obstante a prestação de serviços ser uma só, “em conseqüência, não se pode admitir a dupla tributação”.596 Logo, em casos que tais, a única base de cálculo passível de ser erigida pelo legislador ordinário e empregada pela administração é o preço total do serviço tributável, assim entendido a receita dele proveniente, com dedução do valor das subcontratações, sob pena de se tributar duas vezes o mesmo fato e incorrer em flagrante inconstitucionalidade. Conforme bem apanhado também por José Alberto Borges, a base de cálculo terá que ser o preço originariamente contratado, dele deduzidos os valores do serviço subcontratado a terceiros [...] entender o contrário, isto é, não admitir a dedução, implica na duplicidade de exigência de imposto sobre o mesmo serviço, eis que o terceiro subcontratado vai pagar o imposto sobre o serviço por ele prestado. Isto significa cumulação de exigência tributária, o que não é admitido no sistema tributário brasileiro.597 Ressalte-se que, nesses casos, somente com a dedução do valor das subcontratações restará configurada a necessária consonância da base de cálculo com a materialidade do ISS. 595 596 597 ISS na Constituição e na lei, p. 387-388. Hugo de Brito Machado, A base de cálculo do ISS a e as subempreitadas, p. 67-68. José Alberto Borges, ISS – Mão-de-obra – Base de cálculo, p. 203. – 247 – Cabe registrar, outrossim, que, ainda por força dessa necessária consonância, a dedução em referência se impõe diante das subcontratações já tributadas ou não. Conforme leciona Allan Moraes, a determinação de uma base de cálculo mensuradora da materialiadade do ISS implica a dedução, do valor cobrado pelo prestador principal, de todo e qualquer serviço subcontratado (prestado por terceiros), independentemente do pagamento do imposto pelo prestador principal. O serviço subcontratado pode não constar da lista de serviços (hipótese em que não será devido o imposto), ou o imposto pode não ser pago pelo subcontratado (inadimplência); mesmo assim a dedução relativa aos valores subcontratados há de ser efetuada para que a base de cálculo seja coerente com a grandeza do serviço prestado pelo prestador principal.598 Nada impede, a bem da verdade, que o legislador ordinário venha impor ao prestador principal responsabilidade pelo pagamento do imposto em relação aos serviços subcontratados. É nesse contexto que a expressão “já tributadas” deve ser assumida pelo intérprete,599 mormente considerando a previsão obrigatória de adoção, por parte do legislador ordinário, de substituição tributária na modalidade de retenção na fonte, como versado no art. 6.º, § 2.º, III, da Lei Complementar 116/2003.600 Desse modo, quando o serviço subcontratado for tributável e houver imposição da substituição tributária, o legislador poderá condicionar a dedução de seu valor pelo prestador principal à prova de repasse ao erário do tributo devido pelo 598 599 600 Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 59. Cf. Idem, ibidem, p. 60. “Art. 6.º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais. § 1.º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte. § 2.º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1.º deste artigo, são responsáveis: I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.” – 248 – subcontratado,601 sem que se possa falar em violação ao primado da dedução do valor das prestações de serviço subcontratadas, já que estamos diante de transferência da responsabilidade pelo pagamento do tributo. A explanação foi longa, mas necessária para deixar patente o nosso entendimento no sentido de que o fato de não haver previsão expressa na Lei Complementar 116/2003 a respeito da dedução do valor das subcontratações, nem mesmo em relação à prestação de serviço de construção civil,602 não impede deva o legislador ordinário prever a dedução desses valores do preço total do serviço contratado entre o prestador e o tomador principais, eis que, consoante visto anteriormente, tal noção decorre da própria compostura constitucional do ISS, sendo necessária para evitar que se cobre o tributo duas ou mais vezes. Nos casos de prestações de serviços realizadas sob regime de subcontratação, a unidade de referência que poderá ser prescrita como base de cálculo do ISS e empregada pelo aplicador da lei é o preço do serviço, assim entendido a receita dele proveniente, com dedução do valor das subcontratações tributáveis pelo imposto. Não pode o legislador ordinário se distanciar desse terceiro conteúdo semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS para mensurar as prestações de serviços realizadas sob regime de subcontratação. 601 602 Cf. Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 60. O projeto de lei referente à Lei Complementar 116/2003 continha o seguinte dispositivo: “Art. 7.º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. [...] § 2.º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: [...] II – o valor de subempreitadas sujeitas ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza”. Tal dispositivo, apesar de aprovado no Congresso Nacional e levado à sanção, foi vetado pelo Presidente da República. As razões do veto, diga-se de passagem, políticas e não jurídicas, foram as seguintes: “A norma contida no inc. II do § 2.º do art. 7.º do projeto de lei complementar ampliou a possibilidade de dedução das despesas com subempreiteira da base de cálculo do tributo. Na legislação anterior, tal dedução somente era permitida para as subempreitadas de obras civis. Dessa forma, a sanção do dispositivo implicaria perda significativa de base tributável. Agregue-se a isso o fato de a redação dada ao dispositivo ser imperfeita. Na vigência do § 2.º do art. 9.º do Dec.-lei 406, de 31.12.1968, somente se permitia a dedução de subempreitadas já tributadas pelo imposto. A redação do Projeto de Lei Complementar permitiria a dedução de subempreitadas sujeitas ao imposto. A nova regra não exige que haja pagamento efetivo do ISS por parte da subempreiteira, bastando para tanto que o referido serviço esteja sujeito ao imposto. Assim, por contrariedade ao interesse público, propõe-se o veto ao dispositivo”. Aires Fernandino Barreto assinala ser “inócuo o veto que apôs o Presidente da República ao inciso II do § 2.º do art. 7.º do projeto de lei submetido a sanção presidencial, tendo em vista que, com ou sem ele, quando se estiver diante dos exemplos formulados acima, a dedução se impõe, pena de afronta à Constituição e à própria estrutura do imposto”. ISS na Constituição e na lei, p. 388. – 249 – CONCLUSÕES 1. A linguagem é condição indispensável no processo de conhecimento do plexo normativo que conforma o direito positivo. 1.1 Como todo bem cultural, o direito positivo apresenta-se como um corpo de linguagem empregado em função eminentemente prescritiva de condutas que se projetam sobre o plano da linguagem da realidade social. 1.2 Por ser uma camada de linguagem, o direito positivo pode ser investigado sob os ângulos sintático, semântico e pragmático. 1.3 Tratando da camada de linguagem direito positivo, está a metalinguagem consubstanciada na ciência do direito. A ciência do direito constitui um corpo de linguagem descritiva do feixe de prescrições que formam o direito positivo. 1.4 Sendo o direito objeto de estudo que se manifesta em linguagem, aquele que lhe dirija com pretensões cognoscitivas, imerso que está num universo lingüístico, será capaz apenas de interpretá-lo, compreendê-lo, não sendo possível reproduzi-lo, tal como se houvesse o sentido “em si”, passível de apreensão. 1.4.1 O fato de o direito apresentar-se em linguagem pressupõe aceitar que se circunscreve em um texto (plano de expressão), dado objetivo que nos possibilita construir o conteúdo que se busca no processo gerativo de sentido. 1.4.2 Conhecer o direito é interpretá-lo, conferindo sentido ao produto legislado. O conhecimento do direito pede a investigação de seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática. 1.4.3 No processo de interpretação, o intérprete inicialmente se põe em contato com a literalidade textual dos enunciados prescritivos (S1) fixados nos – 250 – documentos normativos, quais sejam Constituição, emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, medidas provisórias, sentenças, atos administrativos, contratos, entre outros. 1.4.4 Em um segundo momento, entra o exegeta no plano dos conteúdos significativos dos enunciados prescritivos individualmente considerados (S2). Nesta instância, o intérprete atribuirá significação isolada ao enunciado prescritivo. É dizer, a partir da estrutura sintático-gramatical, que é o enunciado, constrói-se a proposição. Trata-se, pois, essa fase do processo de interpretação do sistema de significações proposicionais, em que as significações dos enunciados já possuem sentido deôntico, todavia incompleto. 1.4.5 Somente no plano S3 é que se encontram as mensagens que contêm o mínimo necessário à regulação da conduta humana. Articulando as significações de vários enunciados prescritivos (proposições), de modo a ordená-las na forma de juízos implicacionais, ocuparão algumas o tópico de antecedente, enquanto outras o lugar de conseqüente. O intérprete, dessarte, constrói as normas jurídicas capazes de orientar juridicamente a conduta humana. 1.4.6 Construída a norma jurídica (S3), o intérprete adentra no plano S4, no qual é feita a relação da norma com o todo do sistema jurídico vigente, por meio da verificação dos vínculos de coordenação e subordinação que se estabelecem entre as demais normas jurídicas. O S4 configura o plano de interpretação no qual se vislumbra o cotejo sistemático das normas jurídicas construídas no plano S3. 1.5 Norma jurídica é produto da atividade hermenêutico-analítica do estudioso do direito, processada a partir dos textos jurídicos e organizada numa estrutura lógico-sintática de significação, que contém o mínimo necessário à regulação da conduta humana. Não se situa no texto do direito positivo (plano da literalidade textual), e sim no plano das significações, visto que surge como resultado do processo de construção de sentido, desencadeado a partir do corpo do texto bruto (plano de expressão). – 251 – 1.5.1 As normas jurídicas do ordenamento jurídico compartilham de uma mesma estrutura lógico-formal, independentemente do conteúdo semântico que possam carregar. 1.5.2 A estrutura lógica das normas jurídicas será a de um juízo hipotéticocondicional, que determina a relação de implicação deôntica entre hipótese e conseqüência. A hipótese descreverá os critérios identificadores de um fato de possível ocorrência ou já ocorrido e funcionará como implicante da conseqüência, que prescreverá a disciplina de um comportamento intersubjetivo. À conseqüência, por sua vez, cabe prescrever condutas intersubjetivas. Apresenta-se com uma proposição relacional que enlaça dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória. 1.5.3 As normas jurídicas são usualmente classificadas entre gerais e abstratas e entre individuais e concretas. A norma será abstrata quando se apresentar na forma de tipo ou categoria genérica e será concreta quando especificar um fato determinado no tempo e no espaço. Geral será a norma que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, aquela voltada a certo indivíduo ou grupo identificado de pessoas. 1.5.4 Há também normas gerais e abstratas (v.g., regras-matrizes de incidência tributária), gerais e concretas (v.g., veículos introdutores de normas), individuais e abstratas (v.g., contratos particulares com obrigações futuras), e individuais e concretas (v.g., as normas introduzidas pelo lançamento tributário). 1.6 Todas as normas jurídicas se destinam, ainda que indiretamente, à regulação das condutas. É dizer, as normas jurídicas sempre são normas de conduta, ainda que a conduta regulada tenha por conteúdo a regulação do comportamento de criar normas. 1.6.1 Haverá no sistema direito positivo normas que regulam condutas normativas e normas que regulam condutas não normativas. As normas que regulam a – 252 – condutas normativas são aquelas orientam o órgão credenciado, o procedimento, bem como os limites materiais para a produção de novas estruturas deôntico-jurídicas. As normas que regulam condutas não-normativas direcionam em termos decisivos e finais os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente em obrigatórios, proibidos ou permitidos. 1.7 Por sistema de direito positivo ou sistema jurídico entendemos o conjunto de normas jurídicas existentes em um país, num dado intervalo de tempo, organizado segundo uma estrutura que lhe confere unidade. 1.7.1 A estrutura do sistema de direito positivo corresponde à sua organização hierárquica vertical (subordinação das normas) e horizontal (coordenação entre normas). As normas jurídicas (elementos contidos nesse sistema) aparecem em vínculos de coordenação e subordinação, tanto sob o aspecto formal como o material. 1.7.2 A unidade do sistema de direito positivo, em última análise, repousa na relação hierárquica que as normas jurídicas têm com a norma hipotética fundamental, para a qual todos esses elementos convergem, dela retirando fundamento de validade. 1.8 A norma hipotética fundamental é uma norma pressuposta no sistema de direito positivo, em função da qual convergem todas as normas jurídicas componentes do sistema e de acordo com a qual as várias normas da ordem devem ser criadas. 1.8.1 Uma norma jurídica é hierarquicamente superior a outra quando lhe prescrever o modo de criação, ou seja, o órgão que está autorizado a editá-la, ou os limites formais ou materiais necessários à sua produção. 1.8.2 Da superioridade hierárquica de uma norma jurídica (v.g., a que regula a conduta de produzir outras normas) decorre a inexorável obrigatoriedade de sua observância no ato de produção normativa. A não-observância ao escalonamento – 253 – hierárquico possibilita seja o produto daquela enunciação declarado inválido, por ilegalidade ou inconstitucionalidade. 1.9 Por “validade” entendemos a expressão que denota a perfeita consonância de uma norma jurídica com as normas de produção normativa (introdutora de limites formais e materiais). As normas postas por autoridades competentes ostentarão presunção de conformidade a todas as normas que disciplinam sua criação, permanecendo assim até que sejam expulsas do sistema jurídico. 2. Tributo é norma jurídica que orienta o comportamento de o particular entregar determinada quantia em dinheiro ao erário, quando se realizar o fato lícito descrito em sua hipótese normativa. 2.1 Essa norma, denominada “regra-matriz de incidência”, apresenta, como qualquer norma jurídica, a estrutura lógica própria dos juízos hipotético-condicionais. Contém, em sua hipótese ou antecedente normativo, a descrição de um fato lícito de possível ocorrência, com conteúdo econômico que é conjugado, por imputação deôntica, a uma conseqüência prescritiva de uma relação jurídica de cunho patrimonial (obrigação tributária). 2.2 A hipótese ou antecedente normativo da regra-matriz de incidência é composto pelos critérios material, espacial e temporal, já o conseqüente normativo é formado pelos critérios pessoal e quantitativo. 2.2.1 No critério material da regra-matriz de incidência vislumbra-se a descrição de um comportamento de pessoas, que se encontra ligado a circunstâncias de espaço e tempo. No critério espacial está contida a delimitação do local onde o comportamento descrito deve ocorrer para dar nascimento à relação jurídico-tributária. Por fim, o critério temporal consiste na indicação do instante em que se considera ocorrido o fato descrito, passando a existir a relação jurídica que liga devedor e credor. Com a indicação desse preciso instante, identifica-se o nascimento do direito do Estado de exigir uma prestação do sujeito passivo. – 254 – 2.2.2 O conseqüente é aquela parte do juízo hipotético-condicional que prescreve direitos e obrigações das pessoas que estarão envolvidas na relação jurídicotributária. Ele informa todos os elementos do vínculo obrigacional a ser instaurado, com a identificação dos sujeitos envolvidos e a indicação do montante da prestação. Contém dados que permitem a identificação da relação jurídica, sendo eles os critérios pessoal e quantitativo. 2.2.3 O critério pessoal aponta os sujeitos ativo e passivo da relação jurídico-tributária. O critério quantitativo, por sua vez, é formado pela descrição da base de cálculo e da alíquota, permitindo, portanto, mensurar a grandeza do fato tributário descrito e calcular a quantia a ser transferida ao sujeito ativo. 2.3 Sendo a regra-matriz uma norma jurídica que define a incidência tributária, situa-se entre as normas gerais e abstratas. Está, outrossim, entre as normas que regulam condutas de produzir outras normas, visto que com seus critérios orienta e delimita o conteúdo da norma individual e concreta a ser produzida. 2.4 Tratando-se a regra-matriz de incidência de norma tributária, é imperioso que sua edição tenha obedecido ao regime jurídico que disciplina a sua produção, identificado pela norma de competência legislativa tributária. 2.5 A norma de competência legislativa tributária, elemento do subsistema constitucional tributário (subconjunto inserido no sistema constitucional brasileiro, formado por normas jurídicas que, em nível constitucional, dispõem direta ou indiretamente sobre a atividade estatal de criação e arrecadação de tributos, por parte dos entes políticos), é uma norma jurídica geral e abstrata, que disciplina a permissão para criação de novas estruturas normativas tributárias em sentido estrito. 2.5.1 Tratando-se a norma de competência legislativa tributária de norma jurídica que orienta e delimita a permissão do Poder Legislativo para criar outras entidades normativas, situa-se entre aquelas normas que orientam condutas – 255 – normativas, é dizer, a conduta de produção de enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra matriz de incidência tributária (tributo). 2.5.2 A criação do tributo está subordinada e condicionada à observância da norma de competência legislativa tributária, entidade normativa que, estruturada formalmente em antecedente e conseqüente, regula a permissão de produção de regrasmatrizes de incidência tributária. 2.6 No antecedente da norma de competência legislativa tributária identifica-se a descrição de um fato, ou seja, do processo de enunciação (sujeito competente, procedimento, tempo e espaço) necessário à criação do tributo (da regramatriz de incidência). Por seu turno, no conseqüente normativo vislumbra-se a descrição de uma relação jurídica, cujo objeto é a faculdade de criar o tributo, dentro de certos limites formais e materiais. 2.6.1 Em decorrência da descrição do sujeito competente, do procedimento legislativo adequado, do local em que deve ser realizado o procedimento e do instante em que a norma produzida entrará no ordenamento jurídico, deve ser a imputação de uma relação jurídica de competência legislativa tributária. 2.6.2 Nesta relação jurídica, como em qualquer outra, há a indicação de dois ou mais sujeitos em torno de um objeto, qual seja a permissão de criar os enunciados prescritivos que integrarão os critérios da regra-matriz tributária. 2.6.3 O sujeito ativo da referida relação jurídica é o sujeito competente para criar o tributo, exercitando a atividade de produção dos enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz tributária. O sujeito passivo, por sua vez, são todas as pessoas que deverão cumprir a regra-matriz tributária a ser criada. 2.6.4 No conseqüente da norma de competência legislativa tributária, vislumbra-se, ainda, a descrição do objeto da relação jurídica de competência, qual – 256 – seja da faculdade (permissão) para criar o tributo, descrevendo legislativamente os critérios que comporão a regra-matriz tributária. 2.6.4.1 É essa faculdade para criação do tributo, identificada por um conjunto limitações materiais informadoras do conteúdo semântico dos enunciados, que comporá os critérios da norma a ser produzida (regra-matriz tributária). Tal faculdade encontra-se subordinada à observância de limites materiais prescritos pelo próprio direito positivo. 2.6.4.2 Compondo esse conjunto de limitações, estão, além dos enunciados constitucionais, os princípios jurídico-tributários, as imunidades e os enunciados veiculados por leis complementares, disciplinadores da conduta de criação do tributo, isto é, delimitadores do conteúdo semântico dos critérios que conformarão a regramatriz tributária. 2.6.4.3 Os princípios jurídico-tributários são significações de enunciados prescritivos, dotados de forte conotação axiológica ou fixadoras de limites objetivos orientados à realização de um dado valor, que integram a estrutura da norma jurídica, no caso, da norma de competência legislativa tributária, informando e delimitando a faculdade de criar os tributos. As imunidades são significações de enunciados prescritivos, veiculadoras de limites objetivos, que atuam no conseqüente da norma de competência legislativa tributária, impedindo a edição de regras-matrizes que onerem certas situações, fatos ou pessoas. Os enunciados veiculados por leis complementares são aqueles enunciados prescritivos, cuja significação, sem afrontar os dispositivos constitucionais, compõe a norma de competência legislativa tributária, promovendo a delimitação de um ou mais de seus critérios. 2.7 O objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária é, destarte, a permissão para criação do tributo, subordinada à observância do conjunto de limitações que disciplinam materialmente a criação de cada um dos enunciados que comporão os critérios da regra-matriz. – 257 – 2.8 Com fundamento nesse conjunto de limitações, é construída a norma padrão tributária, à qual devem necessária observância os legisladores ordinários para o exercício da faculdade de criar o tributo. 3. No caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária não é diferente. Diante da ocorrência de certo processo de produção normativa descrito no antecedente da norma de competência legislativa tributária do ISS, deve ser a imputação, no conseqüente normativo, de uma relação jurídica de competência legislativa, cujo objeto é a permissão para criar os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz tributária do ISS, dentro de certos limites. 3.1 Nessa relação jurídica de competência legislativa o sujeito ativo são os Municípios e o Distrito Federal, detentores da permissão para criar o ISS (a regramatriz tributária), e o sujeito passivo são todos os sujeitos que, realizando o fato hipoteticamente a descrito na regra-matriz, poderão ser coagidos ao cumprimento da norma produzida. 3.2 O objeto da relação jurídica de competência em questão é a permissão para criar o ISS em consonância com certos limites, prescritos pelo próprio direito positivo. Esses limites são identificados por certos princípios constitucionais, imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares, que orientam materialmente a conduta dos legisladores municipais e distritais para a criação do ISS. 3.3 O conjunto de tais diretrizes essenciais confere homogeneidade ao regime jurídico que orienta a permissão para a criação do Imposto Sobre Serviços, descrita no conseqüente da norma de competência legislativa do ISS. 3.4 Com fundamento nesse conjunto de diretrizes essenciais, é construída a norma padrão de incidência tributária do ISS, dentro da qual deverá ater-se o – 258 – legislador ordinário por ocasião do exercício da permissão que lhe foi outorgada para criar esse tributo. 4. Consoante o enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal, cumulado com o enunciado do art. 147, também do Texto Constitucional, foi outorgada aos Municípios e ao Distrito Federal permissão para instituir Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), descrevendo, legislativamente, os enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz tributária. 4.1 Essa outorga de permissão impositiva foi reservada e demarcada tendo em vista um conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente e um critério territorial, também implicitamente adotado pelo legislador constituinte. 4.2 Somente atividade que corresponda ao conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente pode ser erigida como fato tributável pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Ademais, por força do critério territorial a lei dos Municípios e do Distrito Federal apenas pode alcançar fato tributável verificado no território da ordem jurídica que a editou. É dizer, a lei instituidora do ISS somente pode colher fatos (serviços) ocorridos dentro do seu próprio âmbito territorial. 4.3 O conceito de serviço tributável – a partir do qual também é construída a norma padrão do ISS – é obtido analisando individual e sistematicamente cada um dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, insertos no enunciado do art. 156, III, da Constituição Federal. 4.3.1 Diante da análise individual e sistemática de cada um dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, que conformam o enunciado constitucional consubstanciado no art. 156, III, da Constituição Federal, é possível, ao cabo, identificar o conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal, e, por – 259 – conseguinte, para delimitar rigidamente o campo material de atuação legislativa desses entes políticos. 4.3.2 Por serviço tributável entendemos a prestação de esforço humano economicamente apreciável, sem subordinação, produtiva de utilidade material ou imaterial a um terceiro, sob regime de direito privado, não compreendida na competência dos Estados e do Distrito Federal, definida em lei complementar. 4.4 É a partir também desse conceito de serviço tributável, pressuposto constitucionalmente para atribuir e delimitar a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, que se empreenderá a construção da norma padrão do ISS, obstáculo intransponível dirigido a tais entes políticos para instituir esse tributo. 5. Essa norma padrão configura entidade normativa que, estruturada logicamente em antecedente e conseqüente, predetermina a hipótese de incidência que poderá ser prescrita pelos Municípios e pelo Distrito Federal, a base de cálculo e alíquota possíveis, bem como os sujeitos que integrarão a relação jurídico-tributária. 5.1 Trata-se a norma padrão do ISS de uma norma jurídica construída a partir do conjunto de prescrições que regulam materialmente a instituição desse tributo. Integram esse conjunto o enunciado constitucional que autoriza criação do ISS, os princípios e imunidades relacionados a esse tributo, e os enunciados introduzidos por meio de lei complementar que dispõem sobre conflitos de competência entre os entes políticos, regulam as limitações ao poder de tributar e estabelecem normas gerais em matéria de legislação tributária. 5.2 A permissão para instituição de tributos, objeto da relação jurídica de competência legislativa, resta integralmente moldada e condicionada às disposições da norma padrão tributária. O legislador, ao exercitar a competência tributária, editando os enunciados prescritivos que comporão a regra-matriz tributária, deverá ser fiel à norma padrão do ISS, não podendo fugir deste arquétipo, sob pena de decretação de invalidade do tributo criado. – 260 – 5.3 No antecedente da norma padrão do ISS identifica-se a descrição do fato que poderá ser onerado (critério material), do momento de possível ocorrência desse fato (critério temporal) e da porção do território em que é possível a ocorrência do fato (critério espacial). Já no conseqüente vislumbra-se a imputação de uma conseqüência, representada pela descrição de uma relação jurídico-tributária. Assim, o conseqüente normativo aponta para o critério pessoal e para o critério quantitativo, prescrevendo os sujeitos da relação tributária (o sujeito ativo e o sujeito passivo) a ser instaurada, bem como a prestação pecuniária que poderá ser objeto da relação. 5.3.1 O critério material da norma padrão do ISS prescreve a materialidade que pode ser erigida pelos legisladores ordinários, indicando os fatos passíveis de tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Esse critério normativo é construído com fundamento (i) nas imunidades contempladas no art. 150, VI, a, § § 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, (ii) no enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, no conceito de serviço tributável nele pressuposto, (iii) bem como no art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e nos enunciados complementares constantes da lista de serviços anexa a essa legislação complementar. Por opção metodológica, esse critério normativo foi objeto de minudente construção em capítulo próprio, ocasião em que se verificou que a materialidade do ISS só poderá ser prestar serviços arrolados na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. 5.3.2 O critério temporal da norma padrão do ISS é identificado tendo em consideração a interpretação procedida do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, a noção do conceito de serviço tributável nele pressuposto. 5.3.2.1 Sendo certo que, por força desse enunciado constitucional e do conceito de serviço tributável que dele se extrai, critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços descritos na lista anexa à Lei Complementar 116/2003, critério temporal da norma padrão do ISS (indicativo do momento em que se pode considerar ocorrido esse fato jurídico) somente pode ser a conclusão, a consumação, da prestação de serviços. Apenas esse instante pode ser erigido pelo legislador ordinário como o momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico-tributário. – 261 – 5.3.3 O critério espacial da norma padrão do ISS contém a indicação do lugar em que os Municípios e o Distrito Federal poderão erigir como aquele em que se considera ocorrida a prestação de serviços. Esse critério normativo é identificado tendo em conta a materialidade da norma padrão do ISS – extraída da interpretação do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, do conceito de serviço tributável nele pressuposto –, o discrímen da territorialidade das leis, também denominado princípio da territorialidade, bem como a adequada interpretação do art. 3.º da Lei Complementar 116/2003, veiculado para dispor sobre conflitos de competência entre os Municípios e Distrito Federal. 5.3.3.1 Considerando que a materialidade inserta na norma padrão do ISS se resume em prestar serviços arrolados em lei complementar, no caso a Lei Complementar 116/2003, o local de ocorrência desse fato somente pode ser o da prestação, isto é, aquela porção do território na qual a obrigação de fazer se configura. Reforça essa noção elementar a circunstância – decorrente do discrímen da territorialidade das leis – de que os Municípios e o Distrito Federal somente podem exigir ISS sobre fatos ocorridos no território onde irradia efeitos a lei que o instituiu. 5.3.3.2 É manifesta a inconstitucionalidade perpetrada pela Lei Complementar 116/2003 que, em seu art. 3.º, veiculado a pretexto de dispor sobre conflitos de competência, prescreve que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local da prestação dos serviços. Tal legislação acabou considerando o local da prestação ora como aquele Município em que situado o estabelecimento prestador (regra geral: art. 3.º, primeira parte), ora como aquele Município em que ultimados os serviços ali excepcionados (regra específica: art. 3.º, segunda parte). Aquele regramento geral é incompatível com a Constituição, eis que não reflete o discrímen da territorialidade das leis empregado pelo legislador constituinte – a par do campo material de atuação possível – para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem ISS. – 262 – 5.3.3.3 Não obstante a flagrante inconstitucionalidade incorrida pelo art. 3.º da Lei Complementar 116/2003, ao prescrever regramento geral no sentido de que o local da prestação é o do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, o do domicílio do prestador, faz-se necessário extrair a possível eficácia de parte desse enunciado complementar diante da Carta Magna. Tal regramento geral, previsto pelo art. 3.º, primeira parte, da Lei Complementar 116/2003, tem aplicação apenas para aquelas situações em que o local onde é realizada prestação de serviços coincidir com o do estabelecimento prestador. Tirante essas hipóteses, local da prestação é o do Município em que é concretizada, concluída, ultimada, a prestação de serviço. 5.3.3.4 Critério espacial da norma padrão do ISS é o local da prestação de serviços, assim entendido o do Município onde é realizada, concluída, ultimada, a atividade-fim contratada. Os Municípios e o Distrito Federal somente poderão considerar ocorrida a prestação de serviços no local onde se dá a execução da prestação. 5.3.4. O fato prestar serviços listados em lei complementar, identificado no tempo e no espaço, previsto no antecedente da norma padrão do ISS, implica a imputação de uma relação jurídica de cunho patrimonial, prevista no conseqüente dessa norma. Trata-se, referida relação jurídica, de um vínculo abstrato entre duas pessoas em torno de um objeto, previsto no conseqüente da norma padrão do ISS por intermédio de dois critérios: pessoal e quantitativo. 5.3.4.1 O critério pessoal contém a indicação do sujeito ativo, isto é, da pessoa que poderá ser erigida pelos legisladores como titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação pecuniária. Esse critério normativo contém, ainda, a previsão do sujeito passivo, isto é, quem tem o dever jurídico de cumprir a referida prestação, podendo ser colocada nessa condição pelos Municípios e pelo Distrito Federal, quando do exercício da permissão impositiva que lhes foi outorgada. 5.3.5 A identificação do sujeito ativo da norma padrão do ISS é feita tendo em consideração a significação do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por – 263 – conseguinte, os critérios material e espacial da norma padrão do ISS. Se do conceito de serviço pressuposto no art. 156, III, do Texto Constitucional extrai-se que a materialidade possível do ISS é, em linhas gerais, prestar serviço listado em lei complementar, e se o critério espacial possível da norma padrão do ISS é o local da prestação, assim entendido aquele onde o referido comportamento humano é realizado, é forçoso concluir que o titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação pecuniária só pode ser o Município ou o Distrito Federal, em cujo território se dá a prestação de serviço. Sujeito ativo da norma padrão do ISS é, portanto, o Município ou Distrito Federal onde ocorre a prestação de serviço. 5.3.6 O sujeito passivo possível a integrar a relação jurídico-tributária do ISS vem implícito no Texto Constitucional. A Constituição Federal contém diretrizes que possibilitam a identificação daquele quem tem o dever jurídico de cumprir a prestação tributária em questão, ao contemplar o destinatário constitucional tributário. 5.3.6.1 A figura do destinatário constitucional tributário é deduzida, pelo intérprete, do subsistema constitucional tributário, tendo em vista o enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, a materialidade possível do ISS, bem como o princípio da capacidade contributiva. Considerando que do conceito de serviço pressuposto no art. 156, III, do Texto Constitucional extrai-se que a materialidade possível do ISS é prestar serviço listado em lei complementar e que quem denota fato signo presuntivo de riqueza é aquele que produz tal comportamento, tem-se que o sujeito passivo a integrar a relação jurídico-tributária do ISS só pode ser aquele que desempenha a prestação de serviço, isto é, o prestador de serviço. 5.3.6.2 O legislador ordinário, ao prever o sujeito passivo a compor a relação jurídico-tributária, só pode indicar como tal aquela pessoa que revela capacidade contributiva pela produção do fato prestar serviço: o prestador de serviços. O tomador de serviços não pode ser eleito como sujeito passivo, sob pena de violação da norma padrão do ISS e de se conceber inútil a rígida repartição da permissão para tributar o fato prestar serviços. – 264 – 5.3.7 O critério quantitativo do conseqüente da norma padrão do ISS é formado pelos elementos “base de cálculo” e “alíquota”. É nesse critério normativo que encontramos referências às grandezas que o legislador ordinário deverá prescrever, conceitualmente, para possibilitar o dimensionamento da prestação de serviço e, pois, a obtenção do valor da prestação objeto da relação jurídico-tributária a ser instaurada. 5.3.8 A base de cálculo da norma padrão do ISS contém descrição da unidade de referência que deverá ser prevista pelo legislador ordinário para medir a intensidade do comportamento “prestar serviços”. 5.3.8.1 A alíquota da norma padrão do ISS contém a descrição do indicador da proporção a ser considerada da base de cálculo. Esse critério normativo é construído com fundamento (i) nos enunciados constitucionais consubstanciados no art. 156, § 3.º, I, da Constituição Federal e no art. 88 do ADCT, (ii) no enunciado complementar do art. 8.º da Lei Complementar 116/2003, (iii) bem como nos princípios da vedação de exigência tributária com efeito de confisco e da igualdade tributária. 5.3.8.2 A partir desse conjunto de limitações que orienta materialmente a permissão impositiva dos legisladores municipais e distritais para a criação do ISS, forçoso concluir que a alíquota da norma padrão do ISS é qualquer percentual situado entre 5% e 2%. Os Municípios e o Distrito Federal devem inexorável obediência ao conteúdo desse critério normativo, somente podendo erigir como alíquota do ISS percentuais situados entre 5% e 2%. 6. O critério material da norma padrão do ISS contém a descrição do comportamento humano que poderá ser previsto como fato jurídico-tributário pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Essa descrição é designada de materialidade da norma padrão do ISS ou materialidade possível do ISS. – 265 – 6.1 Tal critério normativo é construído tendo em conta as imunidades contempladas no art. 150, VI, a, § § 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, o art. 156, III, do Texto Constitucional e, por conseguinte o conceito de serviço tributável que dele se extrai, bem como o art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e os enunciados complementares constantes da lista de serviços anexa a essa legislação complementar. 6.1.1 A partir desse conjunto de diretrizes que delimitam materialmente a criação do ISS, tem-se que critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços (“verbo” + “complemento verbal”) previstos na lei complementar indicadora das atividades que poderão ser erigidas como hipótese tributária, qual seja a Lei Complementar 116/2003 e sua lista de serviços. 6.1.2 Após a edição da lei instituidora do ISS será possível identificar diferentes fatos tributáveis e, portanto, construir várias regras-matrizes em função dos complementos verbais que foram colhidos pelos legisladores ordinários da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. No plano da lei ordinária serão vislumbrados, ao lado do núcleo permanente prestar serviços, vários complementos adicionais – representativo da espécie da atividade tributável – prescritos em consonância com a lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. 6.1.3 Não pode a mencionada lei complementar arrolar como prestação de serviço o que prestação de serviço não é. A Lei Complementar 116/2003 incorreu em flagrante inconstitucionalidade ao listar como prestação de serviço a franquia (subitem 17.08) e o licenciamento de uso de software (subitem 1.05), negócios jurídicos que, diante de nossa ordem jurídica, configuram cessão de direitos e, portanto, nítida obrigação de dar, compreendida no campo de atuação da competência residual da União, ex vi do art. 154, I, da Constituição Federal. A inconstitucionalidade prossegue, outrossim, no art. 1.º, § 3.º, da referida legislação, bem como nos subitens 21.01 e 22.01 da lista a ela anexa, ao se pretender que serviços públicos possam ser tributados pelo ISS. – 266 – 6.1.4 Também não pode a Lei Complementar 116/2003 fazer menção aos vocábulos “congêneres”, “quaisquer” ou a expressões vagas (como “serviços de pesquisas de desenvolvimento”). Ao assim proceder, acaba, a rigor, não definindo prestação de serviços nenhuma, implicando, destarte, flagrante ofensa aos arts. 156, III, 146, III, a, ambos da Constituição Federal. 6.2 Por força do critério material da norma padrão, infere-se que o ISS só pode alcançar as prestações de serviços concretamente ocorridas, com conteúdo econômico, que ocorrem com habitualidade. 6.3 Consoante, ainda, a materialidade possível do ISS, esse tributo só alcança o desempenho de esforço humano a terceiros. A fruição ou a utilização da prestação de serviços não podem ser tidas como comportamentos tributáveis pelo ISS; não integram o campo de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal. A Lei Complementar 116/2003 parece ter se atentado para essa noção elementar, eis que em seu art. 1.º, § 1.º, acabou concebendo como fato tributável pelo ISS a fruição da prestação de serviço, ao prever como passíveis de tributação as prestações de serviços provenientes do exterior. 6.4 Decorre ainda do critério material da norma padrão do ISS que tributável é a prestação de esforço humano a terceiro como fim ou objeto, não as suas etapas ou tarefas intermediárias, imprescindíveis à obtenção do fim. Não é permitido ao legislador ordinário segregar certa prestação de serviço para considerar as atividades-meio que a antecedem como obrigação de fazer autônoma e, por conseguinte, submetê-las à tributação pelo ISS, inserindo-as separadamente como materialidade da hipótese tributária desse tributo. 6.5 As prestações de serviços são classificadas, segundo as formas de sua realização, em (i) prestações de serviços puros, (ii) prestações de serviços com emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, (iii) prestações de serviços com a aplicação de materiais, e (iv) prestações de serviços com utilização de instrumentos e a aplicação de materiais. – 267 – 6.5.1 As prestações de serviços puros prescindem de instrumentos ou materiais para sua execução, sendo executadas apenas com o desempenho de esforço humano. Dúvidas não há quanto ao fato de que essas prestações de serviços se sujeitam ao ISS, podendo o legislador ordinário submetê-las à tributação, erigindo-as como materialidade da hipótese tributária desse tributo. 6.5.2 Inúmeras outras prestações de serviços necessitam, para a sua realização, do emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos. Nestas hipóteses os esforços humanos a terceiros são viabilizados pela utilização desses bens, que surgem como requisitos imprescindíveis à realização de prestações de serviços. Essas prestações de serviços são designadas “prestações de serviços menos puros”, já que há a conjugação de capital e de trabalho para a sua efetivação. 6.5.2.1 O fato de a execução do esforço humano ficar na dependência do emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, por mais sofisticados que sejam, não desnatura a prestação de serviço. Também não deixa de configurar prestação de serviço se o esforço humano a terceiro, a despeito de utilizar máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, traduzir-se numa coisa material entregue ao tomador (v.g., uma chapa de raio X, o quadro feito pelo pintor, a roupa feita pelo alfaiate). Há, em casos que tais, apenas e tão-somente, prestações de serviços, podendo os Municípios e o Distrito Federal submetê-las à tributação, erigindo-as como materialidade da hipótese tributária desse tributo. 6.5.3 Há prestações de serviços que só são realizadas mediante a aplicação de materiais. Nessa espécie de prestação de serviços os materiais são elementos envolvidos no esforço humano, por ele requeridos ou exigidos, sob pena de se tornar impossível o resultado almejado pelo tomador do serviço, a que se obriga o prestador. Inexistente a aplicação de tais elementos, a prestação de serviços não pode ser realizada. 6.5.3.1 Os materiais empregados na prestação de serviço não se destinam à mercancia, não configuram mercadorias. É dizer, não há falar em operações relativas à – 268 – circulação de mercadorias, fato tributável pelo ICMS. Esses elementos, em si mesmos considerados, não interessam nem ao prestador nem ao tomador do serviço. Configuram simples insumos que integram a própria prestação, com ela se confundindo, ou que a seguem como acessório. 6.5.3.2 O prestador, ao empregar materiais necessários à prestação dos serviços, não se transforma em promovente de negócio jurídico mercantil. A mercadoria, após ter sido adquirida pelo prestador, perde essa qualidade quando destinada à aplicação no esforço humano. É dizer, por transpor a fase na qual estava posta no comércio, passa a ser material, elemento integrante da prestação de serviço, não havendo que falar em fornecimento de “mercadoria”. Tem-se, nessas hipóteses, prestação de serviço envolvendo aplicação ou fornecimento de materiais, nunca de mercadorias. Persiste-se apenas e tão-somente no âmbito de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal em matéria de ISS. 6.5.3.3 Andou bem a Lei Complementar 116/2003 ao reconhecer, em seu art. 1.º, § 2.º – veiculado a pretexto de dispor sobre conflitos de competência –, que as prestações de serviços indicadas na lista anexa à mencionada legislação não poderão, salvo expressas exceções, ficar sujeitas ao ICMS, mesmo que sua execução envolva aplicação ou fornecimento de materiais. De outra parte, o legislador complementar, nesse mesmo dispositivo, terminou discernindo onde não tem cabimento, ao admitir incabível incidência ICMS, quando subitens da lista (v.g., 14.01, 14.03 e 17.11) ressalvarem certas parcelas (materiais) da prestação de serviços e, por conseguinte, do campo de incidência do ISS. 6.4 Prestações de serviços outras há que somente são efetuadas mediante o emprego de instrumentos e a aplicação de materiais. Por traduzirem esforços humanos a outrem realizados pela conjugação de instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e de materiais, são designadas “prestações de serviços complexas”. 6.4.1 Os instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos configuram requisitos empregados para suprir limitações intelectuais e físicas do prestador de – 269 – serviços a outrem, condicionando, destarte, a viabilização do esforço humano. Os materiais aplicados também configuram requisitos condicionantes da prestação de serviços. Tais bens não se destinam à mercancia, não são mercadorias, e sim elementos, insumos, sem os quais a prestação de serviços não pode ser realizada. 6.4.2 As prestações de serviços complexas se sujeitam ao ISS, podendo os Municípios e o Distrito Federal erigi-las como materialidade da hipótese tributária desse tributo, se tipificadas na lista de serviços anexa à lei complementar 116/2003. 6.5 Diante de esforços humanos a terceiros com emprego de instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e/ou materiais, não há que admitir a existência de prestação de serviço “com” fornecimento de mercadoria. Vislumbra-se, nesses casos, um único fato, qual seja prestação de serviços. Persiste-se tão-somente no âmbito de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, cabendo cogitar de tributação desse único fato apenas pelo ISS. 6.5.1 O que se pode vislumbrar, isto sim, é a ocorrência de dois fatos distintos: prestação de serviços com “concomitante” fornecimento de mercadorias. Nessas hipóteses a obrigação de fazer e a obrigação de dar ficam sujeitas cada qual, separadamente, ao ISS e ao ICMS, na proporção de suas respectivas receitas. De todo modo, “mercadorias”, após transporem a fase na qual estavam no comércio, vindo a ser aplicadas na prestação de serviço, já não são mais mercadorias, e sim materiais necessários à produção do esforço humano, que, como tal, com ele se confundem ou seguem-no como acessório. 6.5.2 Atenta à possibilidade de eventual existência de prestação de serviços com “concomitante” venda de mercadorias, a Lei Complementar 116/2003 houve por bem – com fundamento no art. 146, I e II, do Texto Constitucional – indicar a construção civil como serviço tributável (cf. subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços que lhe é anexa) e ressalvar da tributação do ISS o fornecimento de mercadorias produzidas pelo construtor fora do local da obra, cogitando de incidência de ICMS sobre tais bens. Essa disciplina específica foi necessária para, em homenagem à rígida – 270 – discriminação de permissão impositiva reservada aos Estados, Municípios, Distrito Federal e ao princípio da igualdade tributária, explicitar a necessidade de o prestador de serviços de construção civil, na qualidade vendedor de mercadorias por ele produzidas fora do local de prestação, ficar sujeito ao ICMS, em situação de equivalência ao terceiro fornecedor de mercadoria. 6.6 A Lei Complementar 116/2003, em seu art. 2.º, I – com fundamento no art. 153, § 3.º, da Constituição Federal – isentou do ISS as prestações de serviços realizadas no território nacional e usufruídas em território estrangeiro, por tomador lá situado. Essa disciplina está em perfeita consonância com o critério material da norma padrão do ISS, segundo o qual prestação de serviço configura fato tributável do ISS, independentemente do local em que vier a ser utilizada, e com o critério espacial dessa norma jurídica, por força do qual a localização do tomador é irrelevante para definição do local em que o imposto é devido. 7. O conseqüente da norma padrão do ISS contém, em seu critério quantitativo, a predeterminação da base de cálculo a ser erigida pelo legislador ordinário, é dizer, o conteúdo semântico do enunciado que deverá ser previsto como base de cálculo do ISS pelos Municípios e pelo Distrito Federal, para efeito de determinação da prestação tributária. 7.1 Por base de cálculo entendemos a descrição legal da unidade de referência mensuradora da intensidade do núcleo do fato jurídico-tributário, constante da norma instituidora do tributo. Essa descrição legal da unidade de referência, conjugada à alíquota, se destina à quantificação do conteúdo da prestação tributária. 7.1.1 Não é qualquer unidade de referência que pode ser descrita como base de cálculo legislador ordinário. Há que ser unidade de referência que corresponda às propriedades do acontecimento descrito como hipótese tributária. É dizer, entre os diversos atributos dimensíveis que o núcleo do fato jurídico prescrito no antecedente normativo revela, só pode ser eleito como base de cálculo unidade de referência que seja compatível com aspectos ínsitos a tal comportamento. – 271 – 7.1.2 A base de cálculo, a confirmar ou afirmar a consistência do fato tributável prescrito como hipótese tributária, haverá de ser unidade de referência compatível com tal formulação. Os dois elementos do binômio (hipótese de incidência e base de cálculo) haverão de estar em sintonia para que se tenha o verdadeiro núcleo factual que se pretende seja objeto da incidência tributária. Sendo erigida pelo legislador unidade de referência distanciada das características do fato tributável, isto é, sendo incompatíveis a materialidade e a base de cálculo, esta última haverá de prevalecer, substituindo a descrição legal do fato tributário por aquele que efetivamente afigura-se estar sendo medido. 7.3 A necessidade da presença da base de cálculo na regra-matriz de incidência tributária é imperativo que decorre seja da tipologia tributária, integrada pela associação do binômio “hipótese de incidência/base de cálculo”, seja do princípio da igualdade tributária e seu corolário, o princípio da capacidade contributiva subjetiva (no caso dos tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal). Nosso subsistema constitucional tributário não ampara a existência de regramatriz de incidência que prescreva o preciso valor da prestação pecuniária devida pelo sujeito passivo (os chamados tributos fixos). A base de cálculo, ad valorem ou não, é critério normativo que deverá estar presente na regra-matriz de incidência de quaisquer espécies tributárias, inclusive, por óbvio, na norma padrão respectiva, no caso, da do ISS. 7.4 A base de cálculo da norma padrão do ISS é construída a partir (i) do critério material desse arquétipo tributário, (ii) dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e (iii) dos enunciados complementares consubstanciados no art. 7.º, caput, e no art. 7º, § 2º, I, ambos da Lei Complementar 116/2003. Com fundamento nesse conjunto de limitações que disciplinam materialmente a criação do ISS, é identificada três unidades de referências mensuradoras que poderão ser prescritas como base de cálculo desse tributo. 7.4.1 O critério material da norma padrão do ISS predetermina a base de cálculo que poderá ser erigida pelo legislador ordinário. Sendo o critério material – 272 – previsto da norma padrão do ISS “prestar serviços previstos em lei complementar”, no caso a de n. 116/2003, a base de cálculo em questão somente pode ser – salvo as prestações de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e pelas sociedades de profissionais, que não constitui objeto de nosso estudo – unidade de referência mensuradora da prestação de serviço. 7.4.2 A base de cálculo da norma padrão do ISS também é construída com fundamento no princípio da igualdade tributária. Por exigência desse princípio, a unidade de referência que poderá ser erigida como base de cálculo do ISS pelo legislador ordinário somente poderá ser uma grandeza apta a mensurar proporcionalmente a prestação de serviços, é dizer, uma grandeza ad valorem. 7.4.3 A base de cálculo da norma padrão do ISS é, outrossim, construída com fundamento no princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva, corolário do princípio da igualdade tributária. Essa diretriz também atua no critério quantitativo da norma padrão do ISS, prescrevendo que a unidade de referência a ser erigida como base de cálculo do ISS constitua-se em grandeza que mensure economicamente o fato jurídico-tributário prescrito no antecedente normativo. Tal unidade de referência, por força do princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva, somente pode ser o valor econômico da prestação de serviços, fato signo presuntivo de riqueza descrito no critério material da referida norma padrão. 7.5 Por força da prescrição do critério material da norma padrão do ISS, e dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva relativa, a base de cálculo da referida norma padrão somente pode ser – salvo no caso dos serviços prestados por profissionais habilitados e pelas sociedades de profissionais, que não nos cabe analisar – o preço do serviço. 7.5.1 Por preço do serviço entendemos o valor correspondente à remuneração a que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano contratado. Constitui, dessarte, salvo no caso das prestações de serviços efetuadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e pelas sociedades de – 273 – profissionais, a única grandeza que reflete o conteúdo econômico do conceito do fato indicado como critério material da norma padrão do ISS. 7.5.2 Atento a essa máxima, o legislador complementar – exercendo a função preconizada no art. 146, III, a, da Constituição Federal –, por intermédio da Lei Complementar 116/2003, padronizou, em seu art. 7.º, caput, o preço do serviço como a unidade de referência passível de ser indicada como base de cálculo do ISS pelos Municípios e pelo Distrito Federal. 7.5.2.1 O legislador em questão, embora tenha acertado quando, em atenção à materialidade possível do ISS, indicou o preço do serviço como grandeza a ser prescrita como base de cálculo, andou mal quando previu, no § 1.º do art. 7.º, que, quando os serviços descritos no subitem 3.04 (“locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza”) – que na verdade serviços não são – “forem prestados no território de mais de um Município, a base de cálculo será proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes em cada Município”. Parece-nos que aqui, além de ter desprezado a noção de que as atividades descritas no subitem 3.04 não configuram serviço tributável – o que, desde logo, torna inócua e inválida a prescrição dessa base de cálculo específica –, não se atentou para o fato de que a base de cálculo ali versada não tem o condão de mensurar a expressão econômica da prestação de serviço indicada. 7.5.2.2 Esse enunciado complementar (§ 1.º, art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003), portanto, não se presta à construção da base de cálculo da norma padrão do ISS, sendo desprezado neste trabalho. Nesse patamar, servirmo-nos apenas do regramento geral adotado no caput do art. 7.º em questão. 7.6 Conceber preço do serviço como o valor correspondente à remuneração a que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano contratado implica reconhecer que se trata da receita bruta auferida com a prestação de serviços, sem – 274 – quaisquer deduções. Não ofende a norma padrão do ISS lei que prevê como base de cálculo do ISS a receita bruta proveniente da prestação de serviço, sem quaisquer deduções. 7.6.1 A cláusula “sem quaisquer deduções” está ligada à proposição que lhe antecede, qual seja “receita bruta proveniente da prestação de serviços”, de modo que só pode ser tida como base de cálculo do ISS a receita bruta, sem deduções, que decorra de prestação de serviços. Não pode o legislador prever deduções apenas e tãosó naquela receita bruta que decorre da prestação de serviços. 7.6.2 A expressão “receita bruta” mantém íntima relação com o critério material “prestar serviço”, a evidenciar, portanto, que nem tudo o que se recebe no desenvolvimento de uma atividade – ainda que envolva eventual prestação de serviço – pode integrar o preço e, pois, a base de cálculo do ISS a ser erigida. Não são todos os ingressos de valores nos cofres do prestador que podem compor a base de cálculo do ISS, mas, tão-somente, as parcelas correspondentes às receitas provenientes dos serviços que executa. 7.6.2.1 Os ressarcimentos feitos ao prestador de serviços, pelos seus tomadores, de despesas havidas no exclusivo interesse desses, bem como as entradas de valores que devem ser repassadas a terceiros (como acontece com as empresas de trabalho temporário e com as agências de viagens), por não constituírem remuneração dos serviços próprios do prestador, não podem integrar a base de cálculo do ISS. Legislar, prevendo sejam tais ingressos incluídos na base de cálculo do ISS, significa (i) equiparar receita da prestação de serviço próprio (i.a) com entrada de valores referentes ao reembolso de despesas de numerários que não fazem parte da prestação do serviço e (i.b) com meros ingressos de valores que correspondem à remuneração por atividade realizada por terceiros, implicando, destarte, desvirtuamento da base de cálculo do ISS e, conseqüentemente, flagrante ofensa à norma padrão do ISS. 7.6.2.2 Não podem compor a base de cálculo do ISS devido pelas empresas designadas “planos de saúde” – supondo fosse a atividade por elas exercida serviço – 275 – tributável pelo ISS – os valores correspondentes aos dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios. Em casos que tais, o preço do serviço é a diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios (terceiros prestadores de serviços aos segurados associados). Supor o contrário implica aceitar possa o ISS incidir sobre serviços “por terceiros prestados”, além de reconhecer que a materialidade desse tributo possa ser despesa com serviços. Por essa razão, entendemos totalmente inócuo o veto presidencial ao § 3.º do art. 7.º da Lei Complementar 116/2003, que permitia a dedução da base de cálculo do ISS dos valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços de hospitais, laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais profissionais do plano de saúde operado por cooperativas. Com ou sem veto, a base de cálculo, nesses casos, por imposição da própria materialidade da norma padrão do ISS, só pode ser a diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios. 7.6.2.3 Aquelas receitas decorrentes de negócios outros, inconfundíveis com a prestação de serviço, também não podem integrar o preço do serviço, devendo ser desprezadas pelo legislador e pelo aplicador da lei, sob pena de adoção de base de cálculo inadequada, isto é, incompatível com a materialidade “prestar serviços” e, por conseguinte, desvirtuamento da base de cálculo da norma padrão do ISS. Os juros decorrentes do financiamento do preço da prestação de serviço, por exemplo, configurando valores advindos de operações de crédito (negócio jurídico, inclusive, submetido à tributação pela União, ex vi do art. 153, VI, da CF/1988) não são receitas de prestação de serviços, isto é, não representam preço do serviço, não podendo, portanto, compor a base de cálculo do ISS. 7.6.2.4 Outrossim, as receitas provenientes de inadimplemento contratual, tais como multa e juros moratórios, por não serem provenientes de prestação de serviços, não podem ser tidas como preço do serviço, devendo, pois, ser desprezadas para fins de base de cálculo do ISS. – 276 – 7.7 Diante de prestações de serviços que requerem, como condição de sua viabilização, a aplicação de materiais, sob pena de não se poderem concretizar, não pode o legislador ordinário prever deva ser deduzido da base de cálculo do ISS o valor dos materiais empregados, aplicados, utilizados na prestação de serviço, a pretexto de que representa valor decorrente de venda de mercadoria. 7.7.1 Os materiais não representam mercadorias, pois não são bens móveis objetos de mercancia, mas simples elementos que, como requisitos, ingredientes, insumos, condicionam a prestação de serviço. Não há falar em venda de coisas, mas seu emprego como requisito necessário à prestação do serviço. Nessas hipóteses em que é inafastável a aplicação de materiais tem-se um único negócio jurídico, prestação de serviços com aplicação de materiais, persistindo-se no campo de prestação de serviços tributáveis pelo ISS. 7.7.2 O valor dos materiais configura numerário referente a bens necessários à execução da prestação de serviços, devendo, por isso, compor a formação do preço do serviço. Por configurar numerário referente a insumos necessários à execução da prestação de serviços, constitui-se parcela integrante da receita a que o prestador faz jus pela prestação de serviços, sendo, por conseguinte, componente inafastável do preço do serviço. Sendo componente inafastável do preço do serviço, não se pode prever – pena de desvirtuamento da base de cálculo da norma padrão do ISS e violação à referida norma padrão – a sua dedução da base de cálculo. 7.7.2.1 Não foi por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 274 prevendo que “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se nelas as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares”. 7.8 No entanto, o legislador complementar, tendo em conta que a construção civil é um setor onde ocorre maciça aplicação de material, houve por bem, com fundamento no art. 146, I e III, a, da Constituição Federal, prever que essa regra geral de não-dedução não tem cabimento quando o próprio prestador de certos serviços de construção civil fornece os materiais a serem aplicados, empregados, utilizados, na – 277 – prestação dessa atividade. Consoante o disposto no § 2.º, I, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003 – lei essa até hoje não declarada inconstitucional, nem extirpada do direito positivo –, é dedutível da base de cálculo do ISS o valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço de construção civil, previsto nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços. 7.8.1. O fornecimento em questão “abrange todos os materiais fornecidos pelo prestador do serviço, independente de sua origem (produzidos por ele ou por outros)”. Vale dizer, refere-se tanto aos materiais produzidos por terceiros, isto é, adquiridos de terceiros, quanto àqueles materiais produzidos pelo prestador fora do canteiro da obra, para aplicação, emprego, utilização, na prestação de serviço. 7.8.2 Os materiais fornecidos pelo prestador de serviço de construção civil, após transporem a fase na qual estavam no comércio, vindo a ser aplicados na obra, passam a configurar materiais. Há, nessa fase, apenas prestação de serviços com aplicação de materiais, e, como tal, sujeita ao ISS. Não há falar, aqui, em venda, negócio jurídico vislumbrado quando esses bens ainda configuravam “mercadorias”. 7.8.3. Sendo inequívoco o fato de que na condição de prestador de serviço o construtor se sujeita apenas ao ISS, lhe é permitido, consoante o disposto no inciso I, § 2.º, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003, para formar a base de cálculo desse tributo municipal, deduzir o valor dos materiais fornecidos para aplicação na obra. 7.8.4 O legislador complementar previu adoção de base de cálculo específica para prestação de serviço de construção civil. É dizer, nos casos em que na prestação de serviço de construção civil descrita nos subitens 7.02 e 7.5 há aplicação de materiais fornecidos pelo prestador, a base de cálculo a ser prevista pelo legislador ordinário deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita dele decorrente, com dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador. – 278 – 7.8.5 Essa previsão de possibilidade de deduções do valor dos materiais também foi necessária para, prevenindo conflitos entre o ICMS e o ISS, impedir que este último abrangesse, novamente, o valor dos materiais empregados. 7.8.6 A previsão de dedução do valor dos materiais apenas para as hipóteses de construção civil descritas nos subitens 7.02 e 7.05 implica visível tratamento díspar entre contribuintes que se encontram em idêntica situação. Uma interpretação rigorosa do § 2.º, I, do art. 7.º importaria reconhecer a sua inconstitucionalidade, por flagrante violação ao princípio da igualdade tributária. No entanto, a redação desse dispositivo não impede que dela se extraia uma previsão compatível com o sistema jurídico, entendendo-se que o regramento que dele se retira pode ser aplicável a todas as hipóteses de prestação de construção civil em que há a aplicação de materiais fornecidos pelo próprio prestador. 7.8.7 Tal regramento específico (dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço) não configura previsão de isenção, antes cuida de disciplina da base de cálculo do ISS, a teor do que dispõe o art. 146, III, a, da Constituição Federal, além de prevenir conflitos entre o ICMS e o ISS. 7.8.8 A prescrição geral de que a base de cálculo do ISS a ser erigida somente poderá ser o preço do serviço, assim entendido a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções, não é aplicável à prestação de serviço de construção civil em que o próprio prestador fornece os materiais a serem aplicados na obra. Há, nesse caso, previsão de prescrição de base de cálculo específica, de modo que a unidade de referência a ser erigida pelo legislador ordinário como base de cálculo deverá ser o preço do serviço, assim entendido o valor da prestação, com dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviço. Eis aqui, o segundo conteúdo semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS, a segunda unidade de referência a ser adotada como base de cálculo. 7.9 Diante de prestação de serviço em que o prestador contrata parte da execução da prestação de serviço com terceiros, concorrendo junto de tais prestadores – 279 – – forma de execução do esforço humano que não se dá apenas no caso de prestação de serviço de construção civil –, vislumbra- a existência de uma única prestação sendo realizada por mais de um prestador. A prestação de serviço contratada é a mesma – permanece sendo aquela contratada diretamente com o tomador –, apenas a sua execução que é fracionada entre vários prestadores, entre eles o prestador principal. 7.9.1 Estando diante de uma única prestação de serviço, não há falar em incidência múltipla do ISS, ou seja, que o tributo recaia integralmente sobre cada um dos prestadores, eis que é da própria natureza do ISS “ser não cumulativo”. 7.9.2 Persistindo apenas diante de uma prestação de serviço, mesmo que executada por vários prestadores, impõe-se uma única incidência de ISS, configurando-se imperiosa a dedução do valor das prestações de serviços subcontratadas do preço total do serviço tributável, para que não haja dupla tributação. 7.9.3. Nessa hipótese, a única base de cálculo passível de ser erigida pelo legislador ordinário e empregada pela administração é o preço total do serviço tributável com dedução do valor das prestações de serviços subcontratadas, sob pena de se tributar duas vezes o mesmo fato e incorrer em flagrante inconstitucionalidade. 7.9.4 Para que haja coerência entre a base de cálculo e a grandeza da prestação de serviço executada pelo prestador principal, a dedução em referência se impõe diante das subcontratações já tributadas ou não. 7.9.5 O fato de não haver previsão expressa na Lei Complementar 116/2003 a respeito da dedução do valor das subcontratações, nem mesmo em relação à prestação de serviço de construção civil (espécie de prestação de serviço em que há maciça subcontratação), não impede deva o legislador ordinário prever a dedução desses valores do preço total do serviço contratado entre o prestador e o tomador principal. – 280 – 7.9.6 Nos casos de prestação de serviço realizada sob regime de subcontratação, a unidade de referência que poderá ser prescrita como base de cálculo do ISS e empregada pelo aplicador da lei é o preço do serviço, assim entendido a receita dele proveniente, com dedução do valor das subcontratações tributáveis pelo imposto. Não pode o legislador ordinário se distanciar desse terceiro conteúdo semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS para mensurar as prestações de serviços realizadas sob regime de subcontratação. – 281 – BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva, 1996. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005. ARZUA, Heron. Noção de estabelecimento. Suplemento tributário da LTR, nº 15. São Paulo, 1976, p. 12. ––––––. O imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (Org.). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba: direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 142-152. ATALIBA, Geraldo. Estudos e pareceres. 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