–1–
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Flávia Carrazzone Ferreira
NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER
NATUREZA (ISS): MATERIALIDADE E BASE DE CÁLCULO
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2007
–3–
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Flávia Carrazzone Ferreira
NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER
NATUREZA (ISS): MATERIALIDADE E BASE DE CÁLCULO
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito do Estado
(Direito Tributário), sob orientação do Prof.
Doutor Paulo de Barros Carvalho.
SÃO PAULO
2007
–5–
Banca Examinadora
_____________________________
_____________________________
_____________________________
–6–
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: _______________________________ Local e Data: ________________
–7–
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo a construção da norma jurídica, à qual o
legislador ordinário deve necessária observância para a criação do Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza (ISS). Não obstante todos os critérios normativos que compõem
essa norma serem essenciais para delimitar a atuação legislativa dos Municípios e do
Distrito Federal para a instituição desse tributo, será dada maior ênfase à identificação dos
seus critérios material e quantitativo (base de cálculo, salvo aquela relativa ao trabalho
pessoal do próprio contribuinte e às sociedades de profissionais), visto que a integração
lógico-semântica desses termos é índice seguro para identificar o verdadeiro núcleo de
incidência jurídica que poderá ser submetido à tributação.
Para a elaboração do trabalho centramos nossa análise na norma de
competência legislativa tributária do ISS, norma essa que confere permissão aos
Municípios e ao Distrito Federal para criarem esse tributo consoante um conjunto de
limitações impostas pelo próprio direito positivo, e, por conseguinte, nas prescrições
que informam materialmente a conduta do legislador ordinário para a criação dessa
exação (princípios constitucionais, enunciados constitucionais e complementares).
Concluímos, por fim, que os Municípios e o Distrito Federal poderão erigir
como fato tributável pelo ISS somente prestações de serviços descritas na Lei
Complementar 116/2003 e que a unidade de referência a ser prevista como base de
cálculo desse tributo deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita bruta dele
proveniente, sem quaisquer deduções, exceto no caso da prestação de serviço de
construção civil, hipótese em que o preço do serviço será a receita dele decorrente, com
dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador, e das prestações de serviços
realizadas em regime de subcontratação, caso em que a base de cálculo deverá ser o preço
do serviço, com dedução do valor das subcontratações, tributáveis pelo imposto.
Palavras-chave: norma de competência legislativa tributária, permissão impositiva,
Municípios, Distrito Federal, regra-matriz tributária, norma padrão do ISS.
–8–
ABSTRACT
The present work has as objective the construction of the legal norm, to
which the ordinary legislator owes the necessary observance for the creation of the
Tax on Services of Any Nature (ISS). Notwithstanding all the normative criteria that
compose this norm being essential to delimit the legislative operation of the
Municipalities and of the Federal District for the institution of this levy, one shall give
greater emphasis to the identification of its material and quantitative criteria (base of
calculation, except for the one related to the personal work of the taxpayers themselves
and to the societies of professionals), considering that the logical semantic integration
of these terms is a secure index to identify the real nucleus of legal incidence which
may be submitted to taxing.
For the elaboration of the work we will focus our analysis on the norm of
legislative tax competence of the ISS, a norm that confers permission for the
Municipalities and the Federal District to create this levy according to a set of
limitations imposed by the positive law itself and, consequently, in the prescriptions
that materially inform the ordinary legislator’s conduct for the creation of this exaction
(constitutional principles, constitutional and complementary enunciations).
We conclude, finally, that the Municipalities and the Federal District may
erect as a taxable fact by the ISS only renderings of services described in the
Complementary Law 116/2003 and that the reference unit to be provided as base of
calculation of this levy must be the price of the service, so understood the gross
revenue from it, without any deductions, except in the case of rendering of services of
civil construction, a hypothesis in which the price of the service will be the revenue
resulting from it, with the deduction of the value of the materials supplied by the
renderer, and of the renderings of services carried out on a subcontracting basis, a case
in which the base of calculation must be the price of the service, with the deduction of
the value of the subcontractings, taxable by the tax.
Key-words: tax legislative competence norm, impositive permission,
Municipalities, Federal District, tax matrix rule, ISS standard norm.
–9–
SUMÁRIO
RESUMO .......................................................................................................................
7
ABSTRACT ...................................................................................................................
8
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
13
1.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS..............................................................................
17
1.1 Delimitação do objeto de estudo e metodologia adotada ..............................
17
1.2 Direito positivo e ciência do direito ..............................................................
20
1.3 Conhecimento jurídico ..................................................................................
24
1.3.1 Processo de interpretação do direito – construção normativa................................
26
1.4 Norma jurídica...............................................................................................
32
1.4.1 A estrutura lógica da norma jurídica..................................................
37
1.4.2 Norma geral e abstrata, norma individual e concreta.........................
38
1.4.3 Norma de estrutura e norma de conduta ............................................
39
1.4.3.1
Normas que regulam condutas normativas e normas que
regulam condutas não-normativas...................................... 41
1.5 Sistema do direito positivo ............................................................................
44
1.5.1 Unidade e estrutura escalonada..........................................................
48
1.6 Validade.........................................................................................................
50
2 NORMA JURÍDICO-TRIBUTÁRIA ........................................................................
54
2.1 Tributo como norma jurídica.........................................................................
54
2.2 Regra-matriz de incidência tributária ............................................................
56
2.2.1 Os critérios da regra-matriz de incidência tributária..........................
59
2.3 Norma de competência legislativa tributária.................................................
61
2.3.1 Competência legislativa na Constituição de 1988 .............................
62
2.3.2 Competência tributária como norma de competência legislativa
tributária .............................................................................................
63
2.3.2.1
3.
Estrutura da norma de competência legislativa tributária...
66
2.4 O exercício da competência tributária e o descumprimento da norma de
competência legislativa tributária..................................................................
68
A NORMA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA TRIBUTÁRIA DO
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS)...............
73
3.1 Subsistema constitucional tributário .............................................................
73
3.2 A norma de competência legislativa tributária..............................................
76
– 10 –
4.
3.2.1 Os critérios do antecedente da norma de competência legislativa
tributária .............................................................................................
76
3.2.2 Os critérios do conseqüente da norma de competência legislativa
tributária .............................................................................................
79
3.3 A norma de competência legislativa tributária do ISS ..................................
84
3.3.1 O conseqüente da norma de competência legislativa tributária do
ISS......................................................................................................
85
O CONCEITO DE SERVIÇO TRIBUTÁVEL PRESSUPOSTO CONSTITUCIONALMENTE PARA ATRIBUIR PERMISSÃO AOS MUNICÍPIOS E
AO DISTRITO FEDERAL PARA INSTITUIR O IMPOSTO SOBRE
SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS) ...............................................
87
4.1 A atribuição de permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISS) ...............................................................................
87
4.2 Prestação de serviços: núcleo semântico da outorga da permissão para
instituir ISS....................................................................................................
92
4.2.1 Irrelevância da espécie da utilidade produzida pela prestação de
serviços...............................................................................................
97
4.2.2 A inexorável necessidade de a prestação de serviços ostentar
conteúdo econômico .......................................................................... 100
4.2.3 Interlúdio necessário .......................................................................... 104
4.2.3.1
Serviços desempenhados sob vínculo funcional ou
trabalhista............................................................................ 104
4.2.3.2
Serviço público ................................................................... 107
4.3 Sentido e alcance da expressão “de qualquer natureza”................................ 116
4.3.1 A cláusula “não compreendidos no art. 155, II” ................................ 118
4.4 Conteúdo semântico e alcance da expressão “definidos em lei
complementar” .............................................................................................. 121
4.4.1 As funções da lei complementar tributária ........................................ 121
4.4.2 Conseqüência exegética. A natureza da lei complementar a que
alude o art. 156, III, da Constituição Federal..................................... 129
4.5 Nosso conceito constitucional de serviço tributável pelo ISS....................... 134
5 A NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER
NATUREZA (ISS)................................................................................................. 135
5.1 A norma padrão tributária ............................................................................. 135
5.2 A norma padrão do ISS ................................................................................. 138
5.2.1 O critério material (considerações superficiais)................................. 139
5.2.2 O critério temporal ............................................................................. 140
5.2.3 O critério espacial .................................................................................................. 144
5.2.4 O critério pessoal ............................................................................... 153
– 11 –
5.2.4.1 O sujeito ativo ..................................................................... 154
5.2.4.2 O sujeito passivo ................................................................. 155
5.2.5 O critério quantitativo (alíquota)........................................................ 160
6. CRITÉRIO MATERIAL DA NORMA PADRÃO DO ISS .....................................
6.1 Materialidade da norma padrão do ISS .........................................................
6.1.1 Efetividade, habilitação, habitualidade, lucratividade, da prestação
de serviços e a materialidade possível do ISS....................................
6.1.2 Fruição da prestação de serviços e a materialidade possível do ISS .
6.1.3 Atividade-fim e a materialidade possível do ISS...............................
6.1.4 Classificação da prestação-fim...........................................................
6.1.4.1 Prestações de serviços puros...............................................
6.1.4.2 Prestações de serviços com o emprego de máquinas,
veículos, instrumentos e equipamentos ..............................
6.1.4.3 Prestações de serviços com aplicação de materiais ............
6.1.4.4 Prestações de serviços complexas.......................................
6.2 Cautela necessária: inexistência de prestação de serviços “com”
fornecimento de mercadorias ........................................................................
6.3 A exportação de serviços e os critérios material e espacial da norma
padrão do ISS ................................................................................................
7 A BASE DE CÁLCULO DA NORMA PADRÃO DO ISS .......................................
7.1 O conseqüente da norma padrão do ISS: predeterminação da base de
cálculo............................................................................................................
7.1.1 Base de cálculo: conceito...................................................................
7.1.2 Funções da base de cálculo ................................................................
7.2 A necessária presença da base de cálculo no conseqüente da regra-matriz
tributária ........................................................................................................
7.3 A unidade de referência “preço do serviço” como base de cálculo da
norma padrão do ISS .....................................................................................
7.3.1 Identificação do preço do serviço: receita proveniente da prestação
de serviço, sem quaisquer deduções ..................................................
7.3.2 O valor dos materiais compõe o preço do serviço .............................
7.3.3 Preço do serviço com dedução...........................................................
7.3.3.1 Valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços
de construção civil ..............................................................
7.3.3.2 Valor das prestações de serviços subcontratadas................
168
168
176
180
181
186
187
187
189
194
196
199
201
201
202
204
209
215
223
230
235
235
241
CONCLUSÕES .............................................................................................................. 249
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 281
– 13 –
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por objeto a construção da norma jurídica (aqui
designada norma padrão do ISS), à qual o legislador ordinário deve necessária
observância para a criação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Em que pese a todos os critérios normativos que compõem essa norma serem
essenciais para delimitar a atuação dos Municípios e do Distrito Federal para a
instituição desse tributo, será dada maior ênfase à identificação dos critérios material e
quantitativo (base de cálculo, exceto aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio
contribuinte e às sociedades de profissionais), visto que a integração lógico-semântica
desses termos é índice seguro para identificar o verdadeiro núcleo de incidência
jurídica que poderá ser submetido à tributação.
De acordo com os objetivos perseguidos neste estudo, pretende-se, a partir
das prescrições que informam materialmente a conduta do legislador ordinário para a
criação do ISS (princípios constitucionais, imunidades, enunciados constitucionais e
complementares), construir a norma padrão do ISS, destacando qual o fato tributável e
qual a base de cálculo (salvo aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio
contribuinte e às sociedades de profissionais) passíveis de serem erigidos pelos
Municípios e pelo Distrito Federal.
Não obstante essas prescrições configurarem verdadeira baliza que norteia a
conduta normativa do legislador ordinário, seu conteúdo semântico vêm sendo
completamente ignorado pela comunidade legislativa. Não raras vezes, Municípios e
Distrito Federal, visando manter ativa sua fuga arrecadatória, elegem como fato
tributável do ISS atividade que não configura prestação de serviço, além de
escolherem, como base de cálculo desse tributo, grandeza que não se presta a mensurar
a prestação.
Nesse contexto é que se insere a relevância do presente trabalho, que visa
demarcar o âmbito de atuação legislativa, dentro do qual os legisladores municipais e
– 14 –
distritais deverão se ater para a criação do ISS, notadamente para a eleição do fato a
ser submetido à tributação e da grandeza mensuradora correspondente, sob pena de
decretação de invalidade do tributo a ser criado.
Partindo das categorias da teoria geral do direito, abordaremos, no Capítulo
1, sobre a linguagem como condição indispensável no processo de conhecimento do
plexo normativo objeto de estudo, o modelo a ser utilizado para empreender o
desenvolvimento do presente trabalho, a norma jurídica e sua estrutura lógica.
Trataremos, outrossim, do processo de interpretação do direito, consistente no
percurso do intérprete para a construção da norma jurídica, do sistema do direito
positivo como o conjunto de normas jurídicas organizado segundo uma estrutura que
lhe confere unidade, bem como da necessidade de consonância da norma jurídica para
com as normas que regulam condutas normativas.
Em seguida, discorreremos, no Capítulo 2, sobre o tributo como norma
jurídico-tributária, ressaltando seus critérios normativos, a competência tributária
como jurídica que disciplina a permissão para criação do tributo, e, bem assim, as
conseqüências da constatação da não-observância da norma de competência legislativa
tributária.
No Capítulo 3 será descrito o subsistema constitucional tributário, ocasião
em que procederemos à análise dos critérios normativos que compõem o antecedente e
o conseqüente da norma de competência legislativa tributária. Por conseguinte, será
construída a norma de competência legislativa tributária do ISS, destacando, em seu
conseqüente normativo, a permissão para criação desse tributo conforme um conjunto
de limitações prescritas pelo próprio direito positivo.
No Capítulo 4 voltaremos nosso estudo ao conceito de serviço tributável
pressuposto constitucionalmente para outorgar permissão impositiva aos Municípios e
ao Distrito Federal para a criação do ISS e, por conseguinte, para delimitar
rigidamente o campo material de atuação legislativa desses entes políticos. Para tanto,
procederemos à análise sistemática de cada um dos suportes físicos “serviços”, “de
– 15 –
qualquer natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei
complementar”, que conformam o art. 156, III, da Constituição Federal.
No Capítulo 5 passaremos à construção da norma padrão do Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISS) a partir de enunciados constitucionais, princípios,
imunidades e enunciados complementares colhidos da Lei Complementar 116/2003,
que predeterminam o conteúdo semântico da regra matriz de incidência do ISS a ser
criada. Por opção metodológica não construiremos nessa ocasião os critérios material e
quantitativo (base de cálculo), reservando capítulo próprio para esses critérios
normativos.
Identificaremos, no Capítulo 6, a partir das imunidades contempladas no
art. 150, VI, a, §§ 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, do art. 156, III, do
Texto Constitucional e, por conseguinte do conceito de serviço tributável que dele se
extrai, do art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e dos enunciados complementares
constantes da lista anexa a essa legislação complementar, o critério material da norma
padrão do ISS, e descreveremos qual o comportamento humano deverá ser previsto
pelos Municípios e pelo Distrito Federal como fato subsumível ao ISS. A partir da
materialidade possível do ISS, analisaremos as prestações de serviços que compõem o
âmbito de atuação legislativa desses entes políticos, dando ênfase para a possibilidade
de o legislador ordinário submeter à tributação do ISS prestações de serviços com
emprego de materiais e/ou de instrumentos, equipamentos, máquinas, advertindo,
ainda, para a inexistência de prestação de serviços “com” fornecimento de
mercadorias. Faremos, outrossim, breve digressão sobre a disciplina da exportação de
serviços no art. 2.º, I, da Lei Complementar 116/2003, buscando, ao final, cotejá-la
com os critérios material e espacial da norma padrão do ISS.
Finalmente, identificado o comportamento humano que pode ser erigido
como fato tributável pelo ISS, analisaremos, no Capítulo 7, a base de cálculo da norma
padrão do ISS (exceto aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio contribuinte e às
sociedades de profissionais). Esse critério normativo, que será construído a partir do
critério material da norma padrão do ISS, dos princípios da igualdade e da capacidade
– 16 –
contributiva e dos enunciados complementares consubstanciados no art. 7.º, caput, e
no art. 7.º, § 2.º, I, da Lei Complementar 116/2003, conterá formulação abstrata da
unidade de referência que deve ser erigida como base de cálculo pelo legislador
ordinário para determinação da prestação tributária. A partir dessa unidade de
referência buscaremos identificar quais ingressos de valores nos cofres do prestador
poderão integrar o preço do serviço e vislumbrar a base de cálculo que deverá ser
prevista para as hipóteses de prestação de serviço com emprego de materiais e/ou
instrumentos, equipamentos, máquinas, de prestação de serviço de construção civil e
de prestação de serviço realizada em regime de subcontratação.
Percorrendo este caminho, chegaremos às conclusões expostas ao final da
presente dissertação, com o que esperamos ter oferecido contribuição ao estudo dos
limites a que está adstrito o legislador ordinário para a eleição dos critérios material e
quantitativo (base de cálculo, exceto aquela relativa ao trabalho pessoal do próprio
contribuinte e às sociedades de profissionais) do ISS.
– 17 –
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1 Delimitação do objeto de estudo e metodologia adotada
A linguagem,1 como no processo de conhecimento de qualquer área do
saber, será condição para a investigação do objeto deste estudo. Sendo constitutiva da
própria realidade, a linguagem conformará o direito do qual nos ocuparemos.
Desde a Antiguidade Clássica, o papel desempenhado pela linguagem na
teoria do conhecimento (gnosiologia) tem sido objeto de investigações filosóficas, o
que vem repercutindo em todas as áreas do saber, inclusive, como se demonstrará, na
teoria do direito em que está calcado este trabalho.
Até meados do século XX inúmeras correntes de pensamento filosófico
assentavam-se no entendimento de que a linguagem humana limitava-se a espelhar,
reproduzir o mundo exterior ou interior. Atualmente, entende-se que a linguagem
revela mais do que isso, dando existência e sentido ao mundo exterior ou interior. De
fato, consoante sublinha o filósofo Manfredo Araújo de Oliveira, “não existe mundo
totalmente independente da linguagem [...]. A linguagem é o espaço de expressividade
do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade”.2 A linguagem, então,
passa a constituir a própria realidade.
1
2
Nicola Abbagnano define linguagem como “o uso de signos intersubjetivos, que são os que possibilitam a
comunicação. Por uso entende-se: 1.° Possibilidade de escolha (instituição, mutação, correção) dos signos;
2°. Possibilidade de combinação de tais signos de maneiras limitadas e repetíveis”. Dicionário de filosofia,
p. 615.
Roberto Vernengo afirma que a linguagem, em seu sentido mais lato, é um sistema de signos utilizados para
a comunicação humana. Curso de teoría general del derecho, p. 35.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, linguagem significa “a capacitação do ser humano para comunicar-se
por intermédio de signos, cujo conjunto sistematizado é a língua”. Filosofia do direito I [Lógica Jurídica].
Apostila do Programa de Pós-Graduação em Direito, p. 11. Completa Manfredo de Araújo Oliveira, citando
Wittgenstein, que “tal capacitação é algo historicamente adquirido”. Reviravolta lingüístico-pragmática na
filosofia contemporânea, p. 143. Esta é a acepção de linguagem a ser empregada neste trabalho.
Manfredo Araújo de Oliveira, Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 13.
– 18 –
Nesse contexto o ilustre filósofo evidencia, historicamente, a existência de
dois grandes grupos de teoria acerca da linguagem, de acordo com o papel por ela
exercido no processo cognitivo, divisando-os naquelas (i) que concebem a linguagem
segundo uma concepção instrumentalista, reduzida à função comunicativa, apenas do
resultado do conhecimento, e (ii) naquelas que atribuem à linguagem uma função de
mediação necessária na própria atividade cognitiva humana. Esse segundo grupo
surgiu com o advento do que se chama “reviravolta lingüística” da filosofia.3
Com a reviravolta lingüística ou giro lingüístico, a realidade se manifesta
lingüisticamente. A linguagem passa de mero instrumento de comunicação de um
conhecimento já realizado para condição de possibilidade da própria constituição do
conhecimento enquanto tal e, a par disso, o contexto de uso da linguagem revela-se
instância doadora de sentido às expressões lingüísticas, ou seja, é no “jogo de
linguagem” vivido na práxis comunicativa que se alcança o sentido das palavras.4
Por sua vez, sempre atento às reflexões filosóficas de vanguarda, no intuito
de aplicá-las à seara jurídico-tributária, Paulo de Barros Carvalho5 lida com a
linguagem tomando-a segundo o princípio da auto-referência do discurso, na linha das
teorias retóricas, em contraposição à linha das teorias ontológicas, adotada por João
Maurício Adeodato.6
3
4
5
6
Manfredo Araújo de Oliveira, Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 119 e ss. A
linguagem, a partir do Wittgenstein das Investigações filosóficas até o momento presente – ao contrário de
como era considerada pelos gregos no pensamento filosófico ocidental, uma terceira coisa que interpõe entre
o sujeito e o objeto, formando uma barreira que dificulta o conhecimento humano de como são as coisas em
si – passa a ser aceita como mediadora necessária em todo o processo de conhecimento humano, uma vez
que constitutiva da própria realidade, ou melhor, de tudo que é passível de apreensão cognoscitiva. Esse é o
denominado “giro lingüístico”. Importa destacar que o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein encontra-se
tanto no apogeu daquelas primeiras teorias, por obra de seu Tractatus lógico-philosophicus, quanto também
no despertar da nova perspectiva de considerações sobre a linguagem humana, com suas Investigações
filosóficas. Cf. Idem, p. 117 e ss. A propósito, o insigne filósofo cearense assevera que “a ‘virada’ filosófica
na direção da linguagem não significou, apenas, nem em primeiro lugar, a descoberta de um novo campo da
realidade a ser trabalhado filosoficamente, mas antes de tudo, uma virada na própria filosofia e na forma de
seu procedimento”. Ibidem, p. 12. E essa mudança de paradigma se deu exatamente por obra do segundo
Wittgenstein, ao partir da idéia de que não há um mundo em si independente da linguagem, que deva ser por
ela reproduzido.
Idem, ibidem, p. 141.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 5.
Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência, p. 195.
– 19 –
Conforme essa dicotomia apontada por Paulo de Barros Carvalho, as teorias
retóricas apregoam que a linguagem tem como fundamento ela mesma, não havendo
elementos externos à linguagem (fatos, objetos, coisas, relações) que possam legitimála, ao passo que as teorias ontológicas implicam ver a linguagem como instrumento de
expressar a realidade objetiva, coisas e termos equivalentes, é dizer, não tendo outro
fundamento além de si própria.
Este trabalho adotará esta última corrente, tomando a linguagem como
condição indispensável no processo de conhecimento de todas as áreas do saber, tendo
em vista que, sendo constitutiva da própria realidade, conformará todos os objetos do
conhecimento, especialmente o plexo normativo, objeto de nossa investigação
científica.
Esclareça-se, ainda, que em termos metodológicos o modelo a ser utilizado
para empreender o desenvolvimento do presente trabalho será o analíticohermenêutico,7 tendo como objetivo interpretar e compreender o plexo de normas
7
Há juristas que acreditam na existência de um sentido originário que paira sobre o texto jurídico,
apresentando-se a linguagem do intérprete não mais que um instrumento para alcançá-lo, desvendá-lo.
Conforme esclarece Lênio Luiz Streck, “graças a isto, no âmbito do imaginário dos juristas (sentido comum
teórico), há sempre ‘o sentido’ e não apenas sentidos possíveis!”. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 212.
No entanto, é de reconhecer que, a partir do advento do “giro lingüístico”, com sua desconstrução radical,
inclusive do que se entende por realidade e verdade, toda a pretensão cognoscente acerca do Direito não terá
mais caráter reprodutivo de uma realidade jurídica “em si”, mais si, ostentará índole interpretativa, atributiva
de sentido, compatível com as condicionantes culturais (lingüísticas, históricas e axiológicas) de quem o
investiga. Portanto, não há sentido por de trás do texto normativo que possa ser alcançado por meio de
processo descritivo, reprodutivo. O que existe são vários sentidos podendo ser adjudicado ao texto
normativo de acordo com os limites pessoais e culturais do intérprete, inserido que está num mundo
lingüisticamente constituído. Destarte, as mensagens normativas precisarão ser decompostas e recompostas,
num esforço analítico-hermenêutico de construção do sentido deôntico mínimo completo por parte do seu
receptor – o jurista. O rompimento definitivo com qualquer possibilidade de um saber reprodutivo acerca do
direito dá-se com Hans-Georg Gadamer. Sintetiza Paulo de Barros Carvalho que, para o filósofo alemão,
“interpretar é criar, produzir, elaborar sentido, diferentemente do que sempre proclamou a Hermenêutica
tradicional, em que os conteúdos de significação dos textos legais eram ‘procurados’, ‘buscados’ e
‘encontrados’ mediante as chamadas técnicas interpretativas”. Curso de direito tributário, p. 96. Com o
abandono do modelo de ciência do direito de cunho reprodutivo, descritivista, por meio dos aportes da
semiótica, a interpretação do direito (objeto lingüístico) é aceita com construção de sentido e não apenas
reflexo de um objeto dado de antemão. Gregório Robles Morchon elege como ponto de partida para sua
teoria a tese de que o Direito consiste num sistema de comunicação entre os humanos, que objetiva a
organização da convivência social, afirma que “o único modo de expressão do Direito é a linguagem”.
Consoante assevera o ilustre mestre, o que está à disposição do intérprete do direito é o chamado “texto
jurídico bruto”, a partir do qual se desenvolve a construção interpretativa do direito. Assim, defende que a
ciência jurídica não é mais descritivista, senão “construtiva ou interpretativa”. Teoría del derecho
[fundamentos de teoria comunicacional del derecho], p. 66. Tradução livre. Cumpre esclarecer, outrossim,
que o produto dessa atividade também se apresentará num corpo de linguagem, entretanto não mais
– 20 –
jurídicas8 inseridas no sistema jurídico, especialmente aquela norma que delimita a
atuação do legislador ordinário para a instituição do ISS, tributo de competência dos
Municípios e do Distrito Federal.
1.2 Direito positivo e ciência do direito
O direito positivo é produto da intervenção do homem junto ao mundo
circundante, que tem por função última regrar a ação humana, valorando positiva ou
negativamente a conduta intersubjetiva.
Como ensina Lourival Vilanova
o direito positivo existe como técnica de ordenação da conduta humana, numa
situação global historicamente individualizada. [...] Visa a controlar a conduta,
impondo formas normativas a essa conduta e, através delas, a alcançar fins, uns
permanentes, outros variáveis, de acordo com o ritmo histórico e a índole própria
das culturas.9
Como todo bem cultural, o direito positivo manifesta-se pela linguagem
artificialmente elaborada. A linguagem é condição de sua própria existência. Não
existe direito positivo fora do universo da linguagem. Por essa razão, como alerta
Paulo de Barros Carvalho, “não podemos cogitar da manifestação do direito sem uma
linguagem, idiomática ou não, que lhe sirva de veículo de expressão.10
No mesmo sentido, Clarice von Oertzen de Araújo salienta que “a
linguagem inclui-se entre as instituições humanas resultantes da vida em sociedade. O
direito é apenas um das formas sociais institucionais que se manifesta através da
linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência”.11
8
9
10
11
regulativo, organizativo dos comportamentos, e sim com pretensões explicativas, explanatórias da camada
de linguagem-objeto.
As normas jurídicas serão objeto de estudo mais adiante, em item específico deste capítulo.
Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 33.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 109.
Clarice von Oertzen de Araújo, Semiótica do direito, p. 19.
– 21 –
Assim, o direito positivo, como corpo de linguagem, apresenta-se como um
conjunto de signos,12 empregado em função eminentemente prescritiva de condutas
que se projetam sobre o plano da linguagem da realidade social. Por ser uma camada
de linguagem, o direito positivo pode de ser investigado sob os ângulos sintático,
semântico e pragmático.
Pela análise do plano sintático do direito positivo é possível examinar as
relações que os signos mantêm entre si. Com o exame do plano semântico do direito
positivo é permitido verificar de que modo esses signos se relacionam com os objetos
significados, com os fatos e condutas. Por essa abordagem são captadas as
significações contidas nos enunciados prescritivos,13 revelando os valores cristalizados
pela sociedade, que esta pretende sejam protegidos ou realizados na sociedade.14
A análise pragmática do direito positivo permite estudar as relações
existentes entre os sujeitos (emissores e receptores de mensagens jurídicas) e as
mensagens propriamente ditas. O fim último do direito positivo é regulamentar a ação
humana, orientando-a segundo os valores que a sociedade pretende proteger e realizar.
Admitindo, com Paulo de Barros Carvalho,15 que o direito positivo visa modificar a
realidade social por meio da linguagem utilizada em função prescritiva, e que o faz,
sem uma intervenção efetiva no ser da conduta, uma vez que é livre a vontade do
12
13
14
15
Os signos são entes que, conforme explica Paulo de Barros Carvalho, “têm o status lógico de relação como
unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana”. Língua e linguagem – Signos lingüísticos
– Funções, formas e tipos de linguagem – Hierarquia de linguagem, Apostila de Lógica Jurídica, p. 11.
Como esclarece este autor, “tendo o signo o status lógico de uma relação que se estabelece entre o suporte
físico, a significação e o significado, para utilizar a terminologia de E. Husserl, pode dizer-se que toda
linguagem, como conjunto sígnico que é, também oferece esses três ângulos de análise, isto é, compõe-se de
um substrato material, de natureza física, que lhe sirva de suporte, uma dimensão ideal na representação que
se forma na mente dos falantes (plano da significação) e o campo dos significados, vale dizer, dos objetos
referidos pelos signos e com os quais mantêm eles relação semântica”. Direito tributário: fundamentos
jurídicos da incidência, p. 17.
O suporte físico é a forma de expressão (exterior) do signo, é dizer, sua manifestação física. Na linguagem
idiomática, é a palavra falada ou escrita. Na linguagem verbal, o suporte físico é denominado “enunciado”.
O suporte físico refere-se a algo do mundo físico ou psíquico, de existência concreta ou imaginária, atual ou
não, que é o significado. Porque representa o significado, o signo produz na mente do intérprete algo que
está relacionado ao significado, mas que, do mesmo modo, dele difere. A representação do significado feita
pelo signo suscita na mente do intérprete uma noção, idéia ou conceito, que é a significação.
Enunciados são orações bem construídas de acordo com as regras do idioma. Examinaremos com mais
detalhe os enunciados prescritivos do direito positivo no subitem 1.3.1 do presente trabalho.
Eurico Marco Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 28.
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 10 e 14-15.
– 22 –
destinatário da mensagem legislada, é forçoso concluir que o que lhe compete é
estimular ao máximo as consciências, a fim de que as condutas que prescreva sejam
cumpridas e, de conseguinte, os valores que deseja sejam realizados.
Assim, para alcançar os objetivos que dele se espera, motivando os
comportamentos desejados pelo meio social, a linguagem do direito positivo conta
com o emprego de uma peculiar forma de coatividade.16
Tratando da camada de linguagem direito positivo, está a metalinguagem
consubstanciada na ciência do direito.17 A ciência do direito constitui um corpo de
linguagem descritiva do feixe de prescrições que formam o direito positivo. Com
efeito, a ciência do direito consubstancia-se numa linguagem que fala sobre o corpo de
linguagem direito positivo.
Nesse contexto, importante ter presente que a linguagem do direito positivo
(linguagem-objeto) é diferente da linguagem da ciência do direito (metalinguagem)
pela função pragmática que desempenha no processo da comunicação. O direito
positivo constitui linguagem prescritiva de condutas, dotada de coatividade, que busca
alterar comportamentos humanos, estimulando seus destinatários, ao passo que a
ciência do direito consubstancia-se numa linguagem descritiva desta primeira.
16
17
Sobre a coatividade no direito, Paulo de Barros Carvalho explica que, “de fato, o Direito, é essencialmente
coativo, porém não é esse seu aspecto individualizador, já que outros sistemas normativos são também
coativos. As regras religiosas, sempre que transgredidas, dão ensejo à incidência de sanções, seja num
âmbito extraterreno, seja no próprio campo da consciência, quando o infrator, segundo suas crenças, passa a
considerar-se culpado. As normas de civilidade prescrevem deveres que, uma vez descumpridos,
desencadeiam sanções que se traduzem na reação dos membros da sociedade contra o transgressor. Aquele
que não observa os preceitos da moral, ou que venha a infringi-los, sofrerá, como conseqüência, a pecha de
amoral ou de imoral, conforme o caso, com todas as implicações que o qualificativo acarreta. Isso demonstra
que todos os sistemas normativos são essencialmente coativos, não servindo, pois, tal aspecto, para
diferençar o sistema jurídico de outros sistemas de normas. Qual seria, então, o traço individualizador do
Direito, em cotejo com os demais sistemas normativos? O elemento caracterizador está na forma ou no
modo com que a coatividade é exercida. Só o Direito coage mediante o emprego da força, com a aplicação,
em último grau, das penas privativas da liberdade ou por meio da execução forçada. Essa maneira de coagir,
de garantir o cumprimento dos deveres estatuídos em suas regras, é que assinala o Direito, apartando-o de
outros sistemas de normas”. Teoria da norma tributária, p. 30-31.
A metalinguagem é uma linguagem de sobrenível, ou seja, uma camada de linguagem que fala de uma outra
linguagem, no caso o direito positivo, descrevendo-o. É empregada para descrever, referir outro corpo de
linguagem.
– 23 –
Sob o plano sintático também são distintas a linguagem do direito positivo e
a linguagem da ciência do direito. A linguagem do direito positivo é presidida pelos
valores validade e invalidade, próprios da lógica deôntica. Por seu turno, a ciência do
direito revela-se como uma linguagem descritiva que, por essa razão, é regida pelos
valores verdade e falsidade da lógica alética. Ressalte-se que a linguagem do direito
positivo não descreve as condutas, mas, sim, prescreve, ordena, comanda, a ação
humana. É dizer, o direito positivo não diz como são as condutas, antes, diz como deve
ser a ação humana. Assim, descumprir as prescrições do direito positivo não afeta os
valores verdade/falsidade que regem a linguagem da ciência do direito.
Ressalte-se, por fim, que no plano semântico também é possível distinguir
as referidas linguagens. Pelo ângulo semântico, a linguagem do direito positivo dirigese às condutas intersubjetivas na sociedade, no intuito de regulamentá-las. A
linguagem da ciência do direito, no entanto, está voltada para o enunciados lingüísticos
que consubstanciam o direito positivo, procurando descrevê-los.18
Outrossim, importante ter presente que a descrição do direito positivo,
efetuada pela ciência do direito, não tem o condão de produzir o direito positivo.
Conforme explicita Tárek Moysés Moussallem,19 a linguagem da ciência do
direito atribui sentido do direito positivo, porém, sem a via da recepção, uma vez que
seus enunciados (o da ciência do direito) advêm de atividade que não introduz
enunciados prescritivos no direito positivo, mas apenas textos de dogmática jurídica.
Eis o corpo de linguagem direito positivo apresentando-se como ponto de
partida para o conhecimento jurídico, o que também implicará a produção de outra
camada de linguagem, a da ciência do direito.
18
19
Ressalte-se que, para descrever rigorosamente a linguagem-objeto direito positivo, a ciência do direito
requer uma linguagem artificial, que decorra de um processo de depuração da linguagem comum, de modo
que os vocábulos imprecisos são substituídos por termos unívocos.
Revogação em matéria tributária, p. 102.
– 24 –
1.3 Conhecimento jurídico
Assentado que a linguagem exerce papel constitutivo da realidade jurídica,
é forçoso ressaltar que, sendo o direito objeto que se manifesta em linguagem, aquele
que lhe dirija com pretensões cognoscitivas, imerso que está num universo lingüístico,
será capaz apenas de interpretá-lo, compreendê-lo, não sendo possível reproduzi-lo, tal
como se houvesse o sentido “em si”, passível de apreensão. Conhecer o direito,
portanto, é atribuir-lhe sentido, significação, o que implicará, consoante visto, a
produção de outra camada de linguagem, a da ciência do direito.
É esclarecedora a lição de Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual aquele
que
tratar o direito como algo que necessariamente se manifesta em linguagem
prescritiva, inserido numa realidade recortada em textos que cumprem as mais
diversas funções, abriu horizontes largos para o trabalho científico, permitindo
oportuna e fecunda conciliação entre as concepções hermenêuticas e as iniciativas
20
de cunho analítico.
Inicialmente, cumpre advertir que a expressão “conhecimento jurídico” é
ambígua. É dizer, nos discursos científicos é empregada com mais de uma acepção.
O direito, como camada de linguagem objeto do conhecimento, é passível
de distintas análises cognoscitivas, cada uma a partir de uma perspectiva diferente,
com seus cortes metodológicos, métodos de aproximação e objetivos próprios. Dessa
forma, são legitimamente consideradas ciências jurídicas a sociologia do direito, a
política do direito, a dogmática jurídica, entre outras, uma vez que todas essas ciências
investigam algum aspecto do complexo e multifacetado objeto do conhecimento que é
o direito.
A ciência do direito em sentido estrito ou dogmática jurídica, que aqui se
pretende empreender, consiste em interpretar o conjunto de textos do direito positivo
20
Paulo de Barros Carvalho, Prefácio à obra de Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro,
p. 9.
– 25 –
para reconstruir as mensagens normativas com sentido deôntico mínimo completo,
articulando-as dentro do todo sistemático, que é o ordenamento jurídico, segundo
relações de coordenação ou de subordinação.21
Essa investigação tem por objetivo examinar o interior do direito, isto é,
como as prescrições jurídicas regulam as condutas submetidas no tempo e no espaço a
um ordenamento jurídico considerado,22 ou, ademais empreender “análise intrasistêmica, de alguém que se põe dentro do sistema e dele não sai, até que se encontre
satisfeito com os motivos de sua especulação”.23
Segundo pontifica Paulo de Barros Carvalho, “o direito não se esgota
somente no espaço normativo, sendo, como de fato é, um fenômeno complexo, de
várias faces, para a configuração do qual muitos fatores concorrem”.24 Entretanto,
sendo sua preocupação com o direito epistemológica, busca tão-somente saber como é
possível um caminho para investigá-lo, que será encontrado na linguagem dos textos
normativos.
Quando o jurista almeja decifrar a mensagem normativa comunicada pelos
textos do direito posto, fá-lo apresentando as prescrições que entende pertinentes ao
sistema normativo, entretanto essas prescrições estarão sendo “mencionadas” e não
“usadas”,25 tendo em vista não ser o intérprete-jurista autoridade credenciada pelo
ordenamento jurídico para disciplinar condutas por meio da introdução de textos
prescritivos. Sua missão é conhecer o direito, voltando-se para seus textos, e construir
propostas interpretativas que sejam passíveis de absorção pelos seus órgãos
aplicadores.
21
22
23
24
25
Conforme esclarece Paulo de Barros Carvalho, “o procedimento de quem se põe diante do direito com
pretensões cognoscentes há de ser orientado pela busca incessante da compreensão desses textos
prescritivos”. Curso de direito tributário, p. 112.
Idem, ibidem, p. 12.
Idem, p. 55.
Idem, 49.
Consoante assinala Lourival Vilanova, distinguem-se “uso” e “menção”, na medida em que o uso de uma
linguagem se faz no mesmo nível lingüístico, enquanto a “menção” é referência a uma linguagem-objeto,
isto é, trata-se de metalinguagem. Cf. Lógica jurídica, p. 52-56.
– 26 –
Consoante Paulo de Barros Carvalho, “conhecer o Direito é, em última
análise, compreendê-lo, interpretá-lo, construindo o conteúdo, sentido e alcance da
comunicação legislada”26 missão que requer o envolvimento do intérprete com todo o
sistema, sobretudo com os escalões mais altos que ditam os vetores axiológicos
positivados a serem seguidos.
1.3.1 Processo de interpretação do direito – construção normativa
Sem interpretação não é possível conhecer o direito. A interpretação é tema
fundamental no processo de conhecimento que aqui se persegue.
Tendo em vista a contextura lingüística do direito, bem como verificado
que o fenômeno jurídico apresenta, como único dado objetivo, textos, geralmente
escritos, comunicativos das mensagens normativas, é forçoso admitir a utilização de
instrumentos de perquirição a eles adequados, no processo de seu sentido.
A atividade intelectual é complexa, devendo o exegeta fazer uso de todos os
recursos disponíveis que lhe permitam investigar os textos do direito positivo, visto
que deles é que se partirá para o esforço de decodificação presente no
desenvolvimento hermenêutico.27 Aqui serão aproveitados os ensinamentos da
semiótica, bem como da chamada teoria semiótica,28 tão bem difundida por José Luiz
Fiorin.29
Deveras, o fato de o direito apresentar-se em linguagem pressupõe aceitar
que se circunscreve em um texto, dado objetivo que nos possibilita construir o
conteúdo que se busca no processo gerativo de sentido.
26
27
28
29
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 113.
Idem, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 17.
Ensina Lúcia Santaella que “a Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens
possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno
como fenômeno de produção de significação e sentido”. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, p. 13. Já
para Ricardo A. Guibourg, Alejandro M. Guigliani e Ricardo V. Guarinoni, a semiótica é a teoria geral dos
signos; a disciplina que estuda os elementos representativos no processo de comunicação. Introducción al
conocimiento científico, p. 23.
Cf. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo, 1999.
– 27 –
“Texto”, no sentido estrito, se restringe ao corpus, plano de expressão.
Entretanto, não há texto sem contexto, como adverte Paulo de Barros Carvalho,30 haja
vista a série de associações lingüísticas e extralingüísticas indispensáveis à
compreensão da mensagem enunciada como um todo de sentido por parte do
intérprete. Segundo bem evidencia José Luiz Fiorin, “o discurso não é uma grande
frase, nem um aglomerado de frases, mas um todo de significação”.31
Os textos jurídicos só podem ser analisados sob um prisma interno, é dizer,
tendo como foco temático a organização, seus procedimentos e mecanismos
estruturais, que fazem de uma totalidade de sentido.32
Cumpre enfatizar a utilidade das categorias que a semiótica oferece para o
percurso gerativo de sentido dos textos do direito positivo. Como demonstra Paulo de
Barros Carvalho, “o conhecimento de toda e qualquer manifestação de linguagem pede
a investigação de seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a
pragmática”.33 Somente dessa forma, o intérprete terá condições de explorar com
maior riqueza o conjunto de símbolos gráficos empregados na comunicação
normativa.
Sendo assim, conforme o modelo de interpretação desenvolvido por Paulo
de Barros Carvalho, o processo gerativo do sentido normativo é analiticamente
dividido em quatro planos ou fases, só alcançáveis por meio da abstração, e que se
mostrará adequado a qualquer ramo do direito positivo,34 definindo o percurso a ser
seguido em todos os casos.
30
31
32
33
34
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 18.
José Luiz Fiorin, As astúcias da enunciação: as categorias de pessoas, espaço e tempo, p. 30.
Paulo de Barros Carvalho reconhece a autonomia operacional do direito positivo e apregoa que “o único
modo de apreender-lhe as mensagens prescritivas é interpretando-o juridicamente, isto é, a partir de suas
estruturas, categorias, processos e formas. Não há como aceitar uma interpretação econômica do direito ou
uma interpretação histórica do direito, mecanismos espúrios que ainda contaminam nossa cultura jurídica”.
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 112.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 99.
Registre que, conforme Paulo de Barros Carvalho, o direito tributário se trata de ramo jurídico apenas
didaticamente autônomo, tendo em vista a inafastável necessidade de atuação de todo o sistema normativo
para sua compreensão. Cf. Curso de direito tributário, p. 16.
– 28 –
No processo de interpretação, o jurista inicialmente se põe em contato com
a literalidade textual dos enunciados prescritivos (S1) fixados nos documentos
normativos, quais sejam Constituição, emenda constitucional, lei complementar, lei
ordinária, medidas provisórias, sentenças, atos administrativos, contratos, entre
outros,35 ressalvando que os enunciados não contêm em si mesmos significações. Os
enunciados “são objetos percebidos pelos nossos órgãos sensoriais que, a partir de tais
percepções, ensejam, intra-subjetivamente, as correspondentes significações”.36 É
dizer, é a partir deles que se inicia o percurso gerativo de sentido normativo. Com
efeito, sem as unidades enunciativas do direito posto, não há interpretação.
Em um segundo momento, entra o exegeta no plano dos conteúdos
significativos dos enunciados prescritivos individualmente considerados (S2). Nesta
instância, o intérprete atribuirá significação isolada ao enunciado prescritivo. É dizer, a
partir da estrutura sintático-gramatical que é o enunciado, se constrói a proposição.37
Como se vê, enunciado e proposição representam planos distintos. Paulo
Ayres Barreto bem elucida essa distinção dizendo que
enunciados são conjuntos de palavras que cumprem, necessariamente, o requisito
de expressar uma idéia. A proposição, de outra parte, é o significado de um
enunciado declarativo ou descritivo, não se confunde com o enunciado mesmo,
composto por palavras ordenadas segundo regras gramaticais. A proposição, como
juízo significativo que é, apresenta uma forma lógica. A partir de enunciados
38
construímos proposições jurídicas.
35
36
37
38
Concebidos aqui na acepção de suporte físico e não de norma geral e concreta, como será apresentado mais
adiante.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 18.
Proposição é o conteúdo, a significação do enunciado. Consoante explica Paulo de Barros Carvalho, trata-se
da “carga semântica de conteúdo significativo que o enunciado, sentença, oração ou asserção exprimem”.
Assim, como bem exposto por este mestre, “há possibilidade de vários enunciados expressarem a mesma
proposição, como proposições diferentes corresponderem ao mesmo enunciado”. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência, p. 22.
Paulo Ayres Barreto, Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 18.
Sobre o reconhecimento da existência de proposições não só na ciência do direito, mas também no direito
positivo, Paulo de Barros Carvalho aduz que “os enunciados e suas significações (proposições) estão
presentes ali onde houver o fenômeno da comunicação, não se restringindo à linguagem empregada na
função declarativa ou teorética, como o pretenderam os neopositivistas lógicos. Kelsen, por exemplo,
utilizou restritivamente a palavra ‘proposição’, para mencionar apenas o conteúdo dos enunciados
descritivos da Ciência do Direito. Daí sua distinção entre ‘norma’ (direito positivo) e ‘proposição’ (domínio
da Ciência). Muitos filósofos do direito, porém, acompanhando os progressos das modernas teorias
– 29 –
Trata-se, pois, essa fase do processo de interpretação, do sistema de
significações proposicionais, em que as significações dos enunciados já possuem
sentido deôntico, todavia incompleto. Aqui a mensagem do dever ser está incompleta.
Paulo de Barros Carvalho assinala a ausência de sentido completo das
proposições utilizando-se do seguinte exemplo:
Imaginemos enunciado constante de lei tributária que diga, sumariamente: A
alíquota do imposto é de 3%. Para quem souber as regras de uso dos vocabulários
“alíquota” e “imposto”, não será difícil construir a significação dessa frase
prescritiva. Salta aos olhos, contudo, a insuficiência do comando, em termos de
orientação jurídica da conduta. A primeira pergunta certamente será: mas, 3% do
quê? E o interessado sairá à procura de outros enunciados do direito posto para
39
entender a comunicação dêontica em sua plenitude significativa.
Somente no plano S3 é que se encontram as mensagens que contêm o
mínimo necessário è regulação da conduta humana. Articulando as significações de
vários enunciados prescritivos (proposições), de modo a ordená-las na forma de juízos
implicacionais, ocuparão algumas o tópico de antecedente, enquanto outras o lugar de
conseqüente. O intérprete, destarte, constrói as normas jurídicas capazes de orientar
juridicamente a conduta humana (S3), “entidades mínimas e irredutíveis de
manifestação do deôntico, com sentido completo”,40 visto que “os comandos jurídicos,
para terem sentido e, portanto, serem devidamente compreendidos pelo destinatário,
devem revestir um quantum de estrutura formal”.41
Entretanto, a significação obtida isoladamente com determinada norma não
é suficiente para expressar o sentido final da orientação jurídica da conduta. Este
39
40
41
lingüísticas, abandonaram essa dualidade para referirem-se a proposições prescritivas e proposições
descritivas”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 22.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 124.
Idem, Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade, p. 144.
Idem, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 20. Como veremos mais detalhadamente a
seguir, a norma jurídica é significação de enunciados prescritivos (proposições) organizada na forma de
juízos hipotético-condicionais, com intuito de regular a conduta humana. Vislumbra-se, no juízo hipotético
(antecedente normativo), conceituação de fatos e condutas de possível ocorrência no mundo. Já no juízo
condicional (conseqüente normativo), aparece a prescrição de condutas intersubjetivas, modalizadas nos
modais deônticos “permitido”, “proibido” e “obrigatório”. A forma implicacional que, com tal, configura a
norma jurídica com sentido deôntico completo, é garantida mediante o emprego do dever-ser neutro ligando
ao antecedente o conseqüente normativo. Veremos, também, que, além dessa estrutura lógica hipotéticocondicional, a presença da sanção é necessária para a configuração da norma jurídica em sua completude
lógica.
– 30 –
somente é alcançado após o intérprete aperfeiçoar o seu processo exegético por
intermédio de um trabalho denominado por Paulo de Barros Carvalho de “esforço de
contextualização”.
Nas palavras desse mestre:
Tendo a tarefa interpretativa caminhado pelos meandros do ordenamento,
primeiramente à cata de sentidos isolados de fórmulas enunciativas, para depois
agrupá-las consoante esquema lógico específico e satisfatoriamente definido, o
objetivo presente é confrontar as unidades obtidas com o inteiro teor de certas
orações portadoras de forte cunho axiológico, que o sistema coloca no patamar de
seus mais elevados escalões, precisamente para penetrar, de modo decisivo, cada
uma das estruturas mínimas e irredutíveis (vale novamente o pleonasmo) de
significação deôntica, outorgando unidade ideológica à conjunção de regras que,
por imposição dos próprios fins regulatórios que o direito se propõe implantar,
organizam os setores mais variados da convivência social. A mencionar ser esse o
apogeu da missão hermenêutica, penso não haver incorrido em qualquer excesso,
pois é nesse clímax, momento de maior graduação do processo gerativo, que
aparece a norma jurídica em sua pujança significativa, como microssistema,
penetrada, harmonicamente, pela conjugação dos mais prestigiados valores que o
42
ordenamento consagra.
Assim, construída a norma jurídica (S3), passa-se ao plano S4, no qual é
feita a relação da norma com o todo do sistema jurídico vigente, por meio da
verificação dos vínculos de coordenação e subordinação que se estabelecem entre as
demais normas jurídicas.
Paulo de Barros Carvalho ensina que
da mesma maneira que o subdomínio S3 é formado pela articulação de sentidos de
enunciados, recolhidos no plano S2, o nível S4 de elaboração é estrato mais
elevado, que organiza as normas numa estrutura escalonada, presentes laços de
coordenação e de subordinação entre as unidades construídas. [...] Enquanto, em
S3, as significações se agrupam no esquema de juízos hipotéticos implicacionais
(normas jurídicas), em S4 teremos o arranjo final que dá status de conjunto
43
montado na ordem superior de sistema.
42
43
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 125-126. Não se pode olvidar de agregar a lição de
Tárek Moysés Moussalem, no sentido de que “o cientista não cria normas jurídicas, apenas proposições
jurídicas sobre enunciados prescritivos (dados imediatos) advindos de atos de fala dos agentes competentes.
Ao dizer que o jurista ‘cria’ normas jurídicas como produto de interpretação, deve-se afirmar que o faz
apenas para fins epistemológicos, em sentido lógico-transcendental, não em sentido normativo positivo”.
Revogação em matéria tributária, p. 104.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 77-78.
– 31 –
Desse modo, o S4 é o plano de interpretação em que será feito o cotejo
sistemático das normas jurídicas construídas no plano S3.
Em suma, o percurso de geração de sentido normativo a ser percorrido pelo
intérprete inicia-se a partir do contato com a literalidade dos enunciados prescritivos
(plano de expressão); a seguir, passa pela atribuição de significações às frases isoladas
dos textos legais (plano de conteúdo, das proposições) e, finalmente, ocupam esses
conteúdos de significação o antecedente ou o conseqüente das normas jurídicas,
compondo a estrutura lógica das unidades irredutíveis dotadas de sentido deôntico
completo (plano das normas jurídicas suficientes para orientar juridicamente a conduta
humana), que, contextualizadas, conformarão o arranjo final que dá status de conjunto
montado na ordem superior de sistema.
Com efeito, durante esse processo de interpretação do discurso prescritivo
do direito, haverão de ser examinados os planos sintáticos, semântico e pragmático da
mensagem normativa.
Registre-se que há limites a essa atividade geradora do sentido em questão.
O processo de interpretação do direito encontra barreiras tanto na evolução semânticopragmática das palavras nos textos como na estrutura lógica que as normas jurídicas
devem ostentar e, também, nas condicionantes lingüístico-culturais do intérprete.
Atento a essa circunstância, Gregório Robles Morchon assinala que
ao operar sobre o texto jurídico bruto, que constitui o ordenamento, certamente que
a dogmática se vê limitada pela existência de dito material, e nesse sentido não
poderá nunca inventar” ex nihilo as normas nem o sistema. Assim, o ordenamento é
o ponto de partida da interpretação, cuja fase final é a geração do sistema e das
44
normas que o compõem.
Como visto, com o “giro lingüístico”, sedimentou-se o entendimento de que
não há sentido “em si” a ser alcançado pelo jurista quando diante do direito positivo
44
Gregório Robles Morchon, Teoría del derecho, p. 132-133. Tradução livre. Ressalte-se que o autor faz
menção ao vocábulo “ordenamento” como sinônimo daquilo que entendemos como o plano de expressão
dos enunciados ou S1, e não de sistema de direito de direito positivo.
– 32 –
com pretensões cognoscentes. Entretanto, o produto da interpretação realizada pelo
sujeito cognoscente, uma vez que se trata de atividade construtiva de sentido
(significação), estará, necessariamente, plasmado pela sua história, sua cultura, seus
valores, condicionantes que conformam seu mundo lingüístico.
Dessa forma, aquele que pretende conhecer o direito deverá, a par de
vislumbrar cada possibilidade interpretativa, decidir entre as propostas interpretativas e
oferecer o estudo exegético que lhe pareça melhor conforme sua comparação e sua
valoração, para posterior conhecimento e crítica da comunidade científica.
Nesse contexto, busca-se, no presente trabalho, oferecer à comunidade
jurídico-científica alternativa interpretativa relacionada ao direito positivo brasileiro,
ou melhor, acerca da norma que delimita atuação do legislador ordinário para a
instituição dos enunciados prescritivos que comporão a regra matriz de incidência do
ISS.
1.4 Norma jurídica
O que se entende por norma jurídica constitui ponto fundamental para o
desenvolvimento do presente trabalho, uma vez que optamos pela análise do aspecto
normativo como via de investigação do complexo e multifacetário objeto cultural que
é o direito.
Consoante os três planos de interpretação do discurso prescritivo do direito
positivo já analisados, a acepção de “norma jurídica” adotada no presente estudo é
aquela que a vislumbra como o produto da atividade hermenêutico-analítica do
estudioso do direito, processada a partir dos textos jurídicos e organizada numa
estrutura lógico-sintática de significação que contém o mínimo necessário à regulação
da conduta humana.
Defende-se com isso que a norma jurídica não se situa nos textos do direito
positivo. Ela surge como resultado do processo de construção de sentido,
– 33 –
desencadeado a partir do corpo dos referidos textos positivados. Como anota Gregório
Robles Morchon, elas “só alcançam seu verdadeiro ser através de uma operação de
construção hermenêutica”.45
Difere-se, por conseguinte, dos símbolos lingüísticos (enunciados
prescritivos)
plasmados
nos
textos
do
direito
positivo.
É
que
as normas jurídicas encontram-se no plano das significações, ao passo que os
enunciados prescritivos no da literalidade textual.
Ensina Paulo de Barros Carvalho que
uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de
prescrever condutas; outra coisa, as normas jurídicas, como significações
construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica
dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições
46
prescritivas.
Nesse mesmo sentido ensina Eurico Marcos Diniz De Santi que
norma jurídica é a proposição prescritiva que tem a forma implicacional,
associando a um possível dado fáctico uma relação jurídica. A mera literalidade dos
textos do direito não atinge, compartidamente, a forma proposicional de norma
jurídica. A norma jurídica é norma a partir de sua imersão no todo que é o sistema
47
de linguagem do direito positivo.
Destarte, considerando que norma jurídica é o resultado da associação dos
conteúdos de significação dos enunciados prescritivos, conclui não ser cabível cogitar
de normas “implícitas”, já que tais unidades “estão necessariamente na implicitude dos
textos, não podendo haver, por conseguinte, ‘normas explícitas’”.48
45
46
47
48
Gregório Robles Morchon, Teoría del derecho, p. 134. Tradução livre.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 24.
Eurico Marcos Diniz De Santi, Lançamento tributário, p. 36.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 23. No mesmo sentido,
Paulo Ayres Barreto adverte que “todas as normas são, de rigor, construídas a partir da mesma base
empírica, a literalidade dos enunciados prescritivos. Logo, a construção levada a efeito será necessariamente
implícita, descabendo, pois, falar-se em critério distintivo ou classificatório de normas em implícitas ou
explícitas”. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 19.
– 34 –
Difere-se a norma jurídica, ainda, da mera significação isolada (proposição)
que se produz na mente do intérprete a partir da leitura de um enunciado prescritivo ou
de vários enunciados.
Entende-se que a norma jurídica é decorrência da articulação das
proposições, ou seja, fruto da significação construída na mente do intérprete, com
sentido dêontico completo formado por várias noções (proposições) que muitas vezes
um só texto não é capaz de propiciar. Reveste-se, destarte, de uma estrutura lógicoformal mínima para que a mensagem do “dever ser” seja efetivamente compreendida
pelo seu destinatário,49 sendo suficiente, pois, para regular juridicamente a conduta
humana.
O conteúdo significativo isolado (proposição) que o enunciado prescritivo
expressa não permite a formulação de significação organizada na forma de juízo
hipotético-condicional. Ademais disso, não se apresenta com a corresponde prescrição
sancionatória,50 um dos traços característicos da norma jurídica, conforme será visto
mais adiante.
Atenta para a distinção entre norma jurídica e significação de enunciado
prescritivo (proposição), Maria Rita Ferragut anota que
nem sempre as significações construídas a partir de um único artigo de lei são
suficientes para compor a norma jurídica, unidade mínima irredutível do deôntico,
devendo estar estruturadas hipotética-condicionalmente e trazer a previsão de
sanção. Para isso o intérprete deverá socorrer-se de diversos textos de lei (suportes
físicos), podendo o mesmo artigo, a seu turno, gerar tantas significações quantos
forem o número de intérpretes, pois a norma não está no texto escrito, mas no juízo
51
provocado no espírito do intérprete.
49
50
51
Cf. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 21.
Pode existir enunciado prescritivo sem sanção, mas nunca norma jurídica sem a correspondente norma
sacionatória. Como indaga Paulo de Barros Carvalho, “existe norma sem sanção? E a resposta é esta:
absolutamente, não. Aquilo que há são enunciados prescritivos sem normas sancionatórias que lhes
correspondam, porque estas somente se associam a outras normas jurídicas prescritoras de deveres. Caso
imaginássemos uma prestação estabelecida em regra sem a respectiva sanção jurídica e teríamos resvalado
para o campo de outros sistemas de normas, como o dos preceitos morais, religiosos etc.”. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência, p. 23.
Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 20.
– 35 –
E conclui dizendo:
do exposto, temos que o artigo 2.º da Constituição Federal, ao estabelecer que “são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciário”, constitui-se num enunciado prescritivo, mas o significado, a partir
dele construído não se configura com o conceito de norma jurídica aqui adotado, já
que não é possível formular, com base unicamente em seu texto, uma significação
organizada numa estrutura hipotética-condicional, nem identificar a presença da
52
sanção.
Destarte, o conteúdo significativo isolado do enunciado prescritivo
(proposição), por não se apresentar como uma significação estruturada numa forma de
juízo hipotético-condicional, e, com efeito, por não ostentar previsão sancionatória,
configura mera significação com sentido de dever ser incompleto. É, destarte, diferente
da norma jurídica no sentido estrito – significação construída pelo intérprete a partir do
texto positivado e organizada numa estrutura hipotético-condicional, formada pela
associação de duas ou mais proposições prescritivas, esta, sim, suficiente para regular
juridicamente a conduta humana.53
Adotando essa concepção, cabe ter presente, portanto, a distinção entre
norma jurídica no sentido estrito (estrutura hipotético-condicional de significação
formada a partir da reunião de várias proposições, voltada para a regulação da conduta
humana) e proposição prescritiva (mera significação isolada com conteúdo de dever
ser incompleto).54 Por precisão semântica, ao fazer referência àquelas unidades de
52
53
54
Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 20.
Paulo de Barros Carvalho faz excelente integração de enunciado (suporte de significação), proposição
(significação do enunciado) e norma jurídica em sentido estrito (unidade mínima e irredutível de
manifestação do dever ser), como se observa dos seus seguintes dizeres: “Vê-se que os enunciados
prescritivos ingressam na estrutura sintática das normas, na condição de proposição-hipótese (antecedente) e
de proposição-tese (conseqüente). E tudo isso se dá porque firmamos a norma jurídica como unidade
mínima e irredutível de significação do deôntico. Quero transmitir, dessa maneira, que reconheço força
prescritiva às frases isoladas dos textos positivados. Nada obstante, esse teor prescritivo não basta, ficando
na dependência de integrações em unidades normativas, como mínimos deônticos completos. Somente a
norma jurídica, tomada em sua integridade constitutiva, terá o condão de expressar o sentido cabal dos
mandamentos da autoridade que legisla”. destaques no original. Direito tributário: fundamentos jurídicos
da incidência, p. 21.
Maria Rita Ferragut, a propósito, após analisar os pressupostos necessários para a configuração de uma
norma jurídica, e dizer que apenas as proposições prescritivas podem apresentar-se sem a previsão
sancionatória, propõe a seguinte distinção: “encontrando-se a significação do enunciado deonticamente
incompleta, estaremos diante de uma proposição; encontrando-se completa, de uma norma jurídica stricto
sensu”. Presunções no direito tributário, p. 21. Sobre essa distinção confira, ainda, Paulo Ayres Barreto,
Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 32; Daniela Bragueta, Tributação no comércio
eletrônico, p. 45; e Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 41.
– 36 –
significação, utilizaremos os simples termos “norma jurídica”, ao passo que para
designar estas significações isoladas com sentido deôntico incompleto adotaremos as
expressões “proposição normativa” ou “significação de enunciado prescritivo”.
Ressalte-se, ademais disso, que apenas a norma jurídica concebida em sua
integridade constitutiva hipotético-condicional contém o mínimo do dever ser
necessário à regulação da conduta humana. Essa é razão pela qual adotamos o
chamado princípio da homogeneidade sintática das normas jurídicas.55 Com essa
premissa epistemológica, é possível vislumbrar uma estrutura lógico-formal mínima
comum a todas as normas componentes do ordenamento jurídico.
O princípio da homogeneidade pragmática, bem como o da heterogeneidade
semântica, figuram como outras premissas epistemológicas neste modelo de
referência.
Segundo o princípio da homogeneidade pragmática, é possível afirmar que
todas as normas jurídicas têm por função regrar condutas, sejam aquelas de criação,
modificação ou expulsão de outras normas, seja a dos cidadãos comuns que não
vislumbrem essa atividade.
Em contrapartida, segundo o princípio da heterogeneidade semântica, sendo
múltiplos os aspectos da vida humana que o direito pretende disciplinar, para que a
disciplina jurídica da vida social seja a mais completa possível, o conteúdo semântico
das normas jurídicas tem de ser o mais variado e heterogêneo.
Entretanto, cabe ter presente que essa necessidade não significa que
inexistam limites ao conteúdo semântico das normas jurídicas. Conforme
oportunamente exposto por Maria Rita Ferragut,
55
Cf. Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 95 e ss.; Paulo de Barros
Carvalho, O direito positivo como sistema homogêneo de enunciados deônticos, p. 35-36; Eurico Marcos
Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 40. Gregório Robles Morchon não compartilha do mesmo
entendimento, adotando a heterogeneidade sintática das normas jurídicas. Importa esclarecer que para esse
autor norma jurídica equivale àquilo que chamamos de significação isolada do enunciado contido no texto
com suas diversas formas gramaticais. Teoría del derecho, p. 179 e ss.
– 37 –
as normas, ao incidirem sobre suportes factualmente possíveis, não devem prever
condutas e situações jurídicas impossíveis ou necessárias, sob pena de, desde seu
nascimento, estarem condenadas aos predicados de não-vigência e das ineficácias
56
técnica, jurídica e social.
1.4.1 A estrutura lógica da norma jurídica
Consoante o modelo de referência aqui adotado, as normas jurídicas do
ordenamento
jurídico
compartilham
de
uma
mesma
estrutura
lógica,
independentemente do conteúdo semântico que possam carregar.57
A estrutura lógica das normas jurídicas, destarte, será a de um juízo
hipotético-condicional, que determina a relação de implicação deôntica entre hipótese
e conseqüência. A hipótese descreverá os critérios identificadores de um fato de
possível ocorrência ou já ocorrido e funcionará como implicante da conseqüência, que
prescreverá a disciplina de um comportamento intersubjetivo.
Para que se configure o nexo de causalidade jurídica, em que a hipótese
implicará deonticamente a conseqüência, haverá dois operadores: o functor-de-functor
e o functor implicacional, perfazendo a seguinte fórmula lógica: D (H ĺ C), em que D
é o functor-de-functor (dever-ser interproposicional), H é a hipótese, ĺ é o functor
implicacional e C é a conseqüência.
Cabe à hipótese descrever uma situação objetiva de possível ocorrência,
utilizando-se, para tanto, da indicação de propriedades de alguns de seus aspectos, cuja
coincidência com os caracteres apresentados em determinados fatos possibilitará seu
56
57
Maria Rita Ferragut, apoiada nas lições de Paulo de Barros Carvalho, explica que “ocorre a eficácia técnica
quando inexistem dificuldades de ordem material que impeçam que se configure a incidência jurídica. Já a
eficácia jurídica é a propriedade do fato jurídico provocar os efeitos que lhe são próprios. É atributo do fato
e não da norma. Eficácia social, por fim, é a produção concreta de efeitos entre os indivíduos da sociedade”.
Presunções no direito tributário, p. 22.
Esclareça-se que essa estrutura sintática somente se vislumbra por meio de processo de formalização da
linguagem dos textos de direito positivo, que despreza seu conteúdo semântico, ou seja, as significações
determinadas das palavras, haja vista as peculiaridades de cada idioma, bem como a multiplicidade de
formas gramaticais que os enunciados prescritivos podem apresentar, para, em seguida, substituí-las por
variáveis e constantes lógicas. Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 7.
– 38 –
ingresso no mundo jurídico58 ou, ainda, consignar situação que já ocorreu.59 Registrese que a referida indicação possui caráter eminentemente axiológico, porquanto é
realizada tendo em conta os valores que presidem a própria elaboração da hipótese
normativa. A hipótese é, como arremata Lourival Vilanova, “construção
valorativamente tecida, com dados-de-fato, incidente na realidade e não coincidente
com a realidade”.60
A conseqüência, por sua vez, prescreve condutas intersubjetivas. Apresentase com uma proposição relacional que enlaça dois ou mais sujeitos de direito em torno
de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória. Diante da lei formal
do quarto excluído, resta impossível qualquer outra modalização de conduta prescrita.
Na estrutura D estrutura D [H ĺ R (S’, S”)], desdobramento da estrutura
lógica da norma jurídica expressa pela fórmula D (H ĺ C), R é o relacional deôntico e
S’ e S” são os sujeitos de direitos, relacionados segundo aquelas modalidades
deônticas (dever-ser intraproposicional).
A norma jurídica de competência tributária, bem como a regra matriz de
incidência tributária, apresentam essa mesma estrutura lógica de juízo hipotéticocondicional, cujos componentes serão examinados mais adiante.
1.4.2 Norma geral e abstrata, norma individual e concreta
A doutrina costuma classificar as normas jurídicas entre gerais e abstratas e
entre individuais e concretas.
A abstração e a concretude atribuídas às normas jurídicas designam o modo
como foi descrita a situação fática que figura na hipótese normativa. A norma será
58
59
60
Segundo Lourival Vilanova, “o fato se torna jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta
aberta que é a hipótese”. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 89.
Tárek Mouses Moussallem, Fontes do direito tributário, p. 86.
Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 90.
– 39 –
abstrata quando se apresentar na forma de tipo ou categoria genérica61 e será concreta
quando especificar um fato determinado no tempo e no espaço.62
A generalidade e a individualidade da norma jurídica, por sua vez, referemse ao conjunto de seus destinatários presente no conseqüente normativo. Geral será a
norma que se dirige a conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número;
individual, aquela voltada a certo indivíduo ou grupo identificado de pessoas.63
Registre-se que no sistema do direito positivo, entidade da qual nos
ocuparemos mais adiante, todas as combinatórias são possíveis. Há normas gerais e
abstratas (v.g., regras matrizes de incidência tributária), gerais e concretas (v.g.,
veículos introdutores de normas), individuais e abstratas (v.g., contratos particulares
com obrigações futuras), e individuais e concretas (v.g., as normas introduzidas pelo
lançamento tributário). Muito embora sejam diferentes semanticamente, apresentam
aquela mesma estrutura sintática de juízos hipotéticos condicionais.
Esclareça-se, outrossim, que é por meio das normas individuais e concretas
que o direito alcança seu escopo de alteração do comportamento do homem. É dizer,
no momento em que as normas abstratas e gerais incidirem, ou seja, ganharem
concreção por meio da edição das regras que, ao registrarem em seu antecedente a
ocorrência da situação, desencadearão, por imputação deôntica, uma relação jurídica
em sentido estrito.
1.4.3 Norma de estrutura e norma de conduta
Salienta Hans Kelsen que a análise do direito expõe uma peculiaridade, já
que este “regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica
61
62
63
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, p. 127.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 35-36.
Idem, ibidem, p. 35; Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, p. 127.
– 40 –
determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo
dessa norma”.64
Compartilhando desse mesmo entendimento, Gregório Robles Morchon
assevera que “todo sistema jurídico é gerado a partir de si mesmo, no sentido de que as
próprias normas que o conformam prevêem mecanismos para gerar normas e para
transformar as já existentes”.65
Em razão dessa singularidade, as normas jurídicas são também classificadas
pela doutrina em normas de conduta e em normas de estrutura ou de competência, a
partir dos ensinamentos de Norberto Bobbio.66 Aquelas normas jurídicas voltadas
direta e imediatamente à regulação dos comportamentos das pessoas, nas relações de
intersubjetividade, são denominadas normas de conduta. As normas jurídicas dirigidas
apenas indiretamente e mediatamente às condutas humanas, voltando-se mais à
produção de estruturas dêontico-jurídicas, são chamadas de normas de estrutura.
Na lição de Paulo de Barros Carvalho, as normas de comportamento
esgotam a qualificação jurídica da conduta, orientando-a em termos decisivos e
finais. As outras, com seu timbre de mediatividade, instituem condições,
determinam limites ou estabelecem outra conduta que servirá de meio para a
construção de regras do primeiro tipo. Denominemos normas de conduta às
67
primeiras e normas de estrutura às últimas.
Essa distinção clássica, no entanto, é relativa. Conforme destaca Paulo de
Barros Carvalho,
a adoção desse esquema atende a certo padrão de operacionalidade com a
experiência do sistema de normas, mas, como toda classificação, vai perdendo seu
rigor, à proporção em que a investigação se aprofunda. O próprio Norberto Bobbio,
que a utiliza fartamente, ao formalizar as chamadas “normas de estrutura” não pôde
64
65
66
67
Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 181.
Gregório Robles Morchon, Teoría del derecho, p. 216. Tradução livre.
Teoria do ordenamento jurídico, p. 45.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 39.
– 41 –
evitar o reconhecimento ostensivo da tônica “conduta”, como destino finalístico de
68
toda regulação normativa.
Deveras, conforme será demonstrado a seguir, todas as unidades integrantes
do sistema de direito positivo disciplinam comportamentos humanos, inclusive aqueles
de determinadas pessoas credenciadas a produzir textos normativos. Com efeito, essa
premissa da homogeneidade pragmática das normas jurídicas implica reconhecer que a
dicotomia (disciplinar ou não o comportamento humano) resta enfraquecida.
Registre-se que o reconhecimento da relatividade da classificação aqui
defendida não implica negar a existência da dicotomia entre normas de estrutura e de
comportamento.
Essa distinção, conforme adverte Tácio Lacerda Gama,
foi proposta noutro contexto, proporcionando, a sua época, espaços para diversos
avanços teóricos. O que se pretende aqui é utilizar várias das noções desenvolvidas
a respeito das chamadas normas de conduta para o estudo das normas de estrutura.
Assim, espera-se organizar as proposições que prescrevem o sujeito, o
procedimento e os limites materiais para a criação de um tributo, num juízo
condicional, formando uma estrutura normativa dotada de sentido deôntico
69
completo.
1.4.3.1
Normas que regulam condutas normativas e normas que regulam
condutas não-normativas
Todas as normas jurídicas se destinam, ainda que indiretamente, à
regulação das condutas. É dizer, as normas jurídicas sempre são normas de conduta,
ainda que a conduta regulada tenha por conteúdo a regulação do comportamento de
criar normas.
Consoante explica Norberto Bobbio, “as normas de estrutura podem
também ser consideradas como as normas para a produção jurídica: quer dizer, como
68
69
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 39-40.
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 47-48.
– 42 –
as normas que regulam os procedimentos de regulamentação jurídica”.70 Nesse
sentido, pode-se dizer que as normas de estrutura são normas que regulam condutas
normativas.
Lourival Vilanova compartilha desse mesmo entendimento. De acordo com
suas palavras, “sempre a norma de direito é norma de conduta, ainda que a conduta
regulada tenha por específico conteúdo o regramento dos modos de criar regras”.71
A respeito das chamadas normas de estrutura Vanessa Nobell Garcia
explica que “são normas de comportamento por regularem [...] a conduta de produção
de outros enunciados jurídicos – atividade humana competente”.72
Atento a este raciocínio, Daniel Monteiro Peixoto também nota que as
denominadas normas de estrutura,
assim entendidas aquelas que prescrevem a autoridade competente e o
procedimento segundo o qual as normas devem ser produzidas (e.g., determinações
da Constituição Federal relativas ao processo legislativo), bem como as que regem
os limites materiais desta atividade (e.g., limitações constitucionais negativas
referentes à preservação dos direitos e garantias fundamentais), regulam tanto o
comportamento necessariamente adotado pelo sujeito credenciado para que novas
normas sejam produzidas quanto o comportamento geral de obediência à norma
73
produzida segundo aqueles parâmetros.
E, indo mais além, este autor assevera que as normas abstratas e gerais,
tradicionalmente denominadas normas de comportamento, da mesma forma que as
normas de estrutura, regulam, sob certo aspecto, a produção normativa. Para tanto,
Daniel Monteiro Peixoto74 utiliza-se da regra-matriz de incidência tributária, exemplo
de norma comumente aceita como norma de comportamento, para demonstrar que a
atividade da autoridade administrativa, por ocasião da produção da norma individual e
concreta do lançamento, está pautada pelas regras que delimitam o procedimento, bem
70
71
72
73
74
Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 45-46.
Lourival Vilanova, Teoria jurídica da revolução (Anotações à margem de Kelsen), p. 270-271.
Vanessa Nobell Garcia, A norma de imunidade tributária e seus efeitos jurídicos, p. 62.
Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 77.
Idem, ibidem, p. 78.
– 43 –
como por aquela que demarca o conteúdo da própria regra-matriz (norma concreta e
individual).
Desse modo, na esteira desse mestre, todas as normas de antecedente
abstrato não são normas de comportamento, e sim normas de estrutura, visto que, ante
a necessidade de serem aplicadas para que possam ser cumpridas, orientam a produção
de outras unidades normativas de inferior hierarquia, quais sejam as normas concretas
e individuais.
Por isso, estamos com o referido autor quando conclui que “as normas de
comportamento são, tão-somente, as normas de antecedente concreto”.75
Como ensina Eurico Marcos Diniz De Santi,76 necessário se faz ajustar
aquele critério de discrímen à conduta de produção de outras normas ou não, de modo
a evidenciar a existência de normas de conduta em sentido estrito e normas de
competência ou de produção normativa, conquanto seja sublinhado que tanto umas
como outras disciplinam comportamentos intersubjetivos.77
Nesse sentido, reformulando o critério de discrímen entre “normas de
estrutura” e “normas de comportamento”, capitaneado por Noberto Bobbio, haverá no
ordenamento jurídico normas que regulam condutas normativas e normas que regulam
condutas não-normativas.
As normas que regulam a condutas normativas são aquelas que direcionam
o exercício da competência, podendo ser denominadas normas de competência ou
normas de produção normativa. Essas normas orientam o órgão credenciado, o
75
76
77
Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 78-79.
Lançamento tributário, p. 61-62.
“Competência” é vocábulo que comporta várias acepções. No senso comum, é sinônimo de aptidão,
habilidade, capacidade. No direito, “competência” refere-se, também, a várias outras significações. Designa
a permissão para criar normas jurídicas (competência legislativa, competência administrativa e competência
jurisdicional), bem como a norma jurídica que a concede. Também pode significar o exercício da permissão
para criar normas. Cf. Tárek Moysés Moussallem, As fontes do direito tributário, p. 97.
– 44 –
procedimento, bem como os limites materiais para a produção de novas estruturas
deôntico-jurídicas. É dizer, disciplinam o comportamento de produção normativa.
Por seu turno, as normas que regulam condutas não-normativas direcionam
em termos decisivos e finais os comportamentos interpessoais, modalizando-os
deonticamente como obrigatórios, proibidos ou permitidos. Atestam “denotativamente
a ocorrência do fato jurídico e prescrevem, através de implicação deôntica, os
comportamentos a serem seguidos, sem necessidade de interposição e outro ato de
produção normativa”.78
Para empreender o presente trabalho partiremos da construção da norma
que regula a conduta de produzir normas. Nossa intenção é, num primeiro momento,
analisar a norma de competência legislativa tributária do ISS, veiculada por intermédio
do Texto Constitucional, cujo conseqüente normativo prescreve permissão para
criação dos enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz de
incidência tributária correspondente, em consonância com um certo conjunto de
limitações prescritas pelo próprio direito positivo. A partir dessa norma jurídica
construiremos, com fundamento nesse conjunto de limitações que informam a conduta
de criação normativa, a norma padrão de incidência do ISS, barreira instransponível
dirigida aos legisladores municipais e distritais para o exercício da permissão
legislativa que lhes foi atribuída.
1.5 Sistema do direito positivo
Após admitir que o fenômeno jurídico é complexo e multifacetário, bem
como eleger seu aspecto normativo como via de investigação das disciplinas das
condutas interpessoais, necessário se faz explicitar a idéia de sistema de direito
78
Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário. p. 80. Importa
lembrar, com este autor, que “as normas concretas veiculadas pelo lançamento tributário são normas que
orientam condutas não-normativas (plano LP0); as normas que informam o órgão credenciado, o
procedimento e os limites materiais para a produção do lançamento são normas que orientam condutas
normativas, ou normas de competência administrativa (plano Lp1), havendo ainda aquelas que direcionam o
órgão credenciado, o procedimento e os limites materiais para a produção das regras do plano Lp1: são as
normas de competência legislativa, situadas no plano Lp2”. Ibidem, p. 80-81.
– 45 –
positivo ou ordenamento jurídico (nosso objeto de estudo), sobrelevando sua unidade e
estrutura escalonada.
O vocábulo sistema é plurissignificativo, ou seja, apresenta-se como um
daqueles termos de vários significados. Bem por isso, necessário esclarecer, desde
logo, a concepção de sistema neste trabalho.
Elucidando o termo “sistema”, Lourival Vilanova salienta que “falamos de
sistema onde se encontrem elementos e relações e uma forma dentro de cujo âmbito,
elementos e relações se verifiquem”.79 Nesse sentido posiciona-se Paulo de Barros
Carvalho, ao afirmar que “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre
si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de
sistema”.80
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, por sua vez, entendendo tratar-se o sistema
de um conjunto que se compõe de uma estrutura e de um repertório, chama de
“repertório” o conjunto de elementos que integram um determinado sistema,
reservando o termo “estrutura” para designar o conjunto de relações que se
estabelecem entre os elementos componentes do sistema. Este autor bem elucida essa
noção de sistema com o seguinte exemplo:
uma sala de aula é um conjunto de elementos, as carteiras, a mesa do professor, o
quadro-negro, o giz, o apagador, a porta etc., mas estes elementos, todos juntos, não
formam uma sala de aula, pois pode tratar-se do depósito da escola; é a disposição
deles, uns em relação aos outros, que nos permite identificar a sala de aula; essa
disposição depende de regras de relacionamento; o conjunto dessas regras e das
relações por elas estabelecidas é a estrutura. O conjunto dos elementos é apenas o
repertório. Assim, quando dizemos que a sala de aula é um conjunto de relações
(estrutura) e de elementos (repertório), nela pensamos como um sistema. O sistema
81
é um complexo que se compõe de uma estrutura e um repertório.
A noção de “sistema”, portanto, nos remete a duas propriedades
fundamentais: repertório (elementos) e estrutura.
79
80
81
Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 173.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 43.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito. Grifos do autor.
– 46 –
Cristiano Carvalho, partindo da premissa de que haverá sistema onde
houver elementos cuja inter-relação seja estabelecida por uma estrutura, esclarece que
“a estrutura estabelece a relação entre os elementos e os elementos definem a estrutura
a ser seguida. Não se trata de paradoxo, mas sim do modo de ser próprio dos
sistemas”.82 E completa dizendo que, no caso do sistema jurídico,
a ordem determinará o modo como o sistema funciona, como os seus elementos são
criados, ao passo que são esses mesmos elementos que ditam a ordem – normas que
ditam a estrutura do sistema, ou como este se auto-regulará. Destarte, sistema é
todo conjunto de elementos que se relacionam entre si segundo sua própria
83
estrutura.
Compartilhando dessa concepção, tomamos por “estrutura” o conjunto de
regras que determinam as diferentes relações de coordenação e subordinação firmadas
entres os elementos, e, por “repertório”, o conjunto dos elementos que compõem o
sistema. Dessa forma, por sistema queremos indicar o conjunto de elementos
ordenados sob uma perspectiva unitária segundo uma determinada estrutura.84
Destarte, partindo dessas premissas, um conjunto de normas jurídicas
agrupadas sem qualquer critério, sem algo que as relacione, nada mais é que um mero
conjunto de normas. Dependendo da região material das condutas tratadas por essas
normas jurídicas, esse grupamento de entidades normativas poderá representar um
conjunto de normas penais, administrativas, tributárias, etc. Se, porém, não estiverem
relacionadas, ou seja, não possuírem uma certa estrutura, não formarão um sistema de
normas. Por outro lado, se existir uma articulação entre elas, por exemplo, se uma for
fundamento das demais, existindo hierarquia,85 revela-se aí uma estrutura entre esses
elementos. Tem-se, então, um sistema de normas jurídicas.
82
83
84
85
Cristiano Carvalho, Teoria do sistema jurídico, p. 42-43.
Idem, ibidem, p. 43.
Importante trazer o registro elucidativo de Fabiana Del Padre Tomé, no qual, após adotar a concepção de
sistema como um conjunto de elementos relacionados entre si, diz ser “possível visualizar a sociedade como
um macrossistema dentro do qual se inserem diversos subsistemas, dentre eles, o do direito positivo”. A
prova no direito tributário, p. 38.
Consoante ensina Tercio Sampaio Ferraz Junior, hierarquia é “um conjunto de relações, estabelecidas
conforme regras de subordinação e de coordenação. Estas regras não são normas jurídicas nem são
elementos não-normativos, isto é, não fazem parte do repertório, mas da estrutura do ordenamento”.
Introdução ao estudo do direito, p. 177. E arremata dizendo que “Hierarquia é uma relação entre quaisquer
– 47 –
Fazemos menção à expressão “sistema de direito positivo” para se referir ao
conjunto de normas jurídicas existentes em um país, num dado intervalo de tempo,
também denominado “sistema jurídico”.
Um sistema de direito positivo é um conjunto de normas organizado
segundo uma estrutura que lhe confere unidade. De se ter presente que são as normas
jurídicas os elementos do sistema do direito positivo. Ressalte-se, no entanto, que
eventual decomposição desses elementos para fins de estudo, não implica perda da
identidade e integridade conceitual da norma jurídica. Com efeito, fatos jurídicos,
relações jurídicas, hipóteses e conseqüências compõem o sistema do direito positivo
como elementos integrantes das normas jurídicas. Do mesmo modo, “regras”,
“comandos”, “princípios”, “imunidades” existem no direito positivo, sempre,
integrados à estrutura condicional própria de uma norma jurídica.
A estrutura do sistema do direito positivo corresponde à sua organização
hierárquica vertical (subordinação das normas) e horizontal (coordenação entre
normas). Os elementos contidos nesse sistema aparecem em vínculos de coordenação e
subordinação, tanto sob o aspecto formal como material.86
A unidade do sistema de direito positivo, em última análise, repousa na
relação hierárquica que os elementos têm com a norma fundamental, para a qual todos
os elementos do sistema convergem, dela retirando fundamento de validade.87
86
87
elementos de subordinação vertical, conforme as noções de superior e inferior, e uma relação de
coordenação horizontal, conforme o critério de não contradição e compatibilidade, culminando num
princípio único, que nos dá uma representação unitária”. A ciência do direito, p. 65.
Paulo de Barros Carvalho, a esse respeito, afirma que, “como sistema nomoempírico prescritivo, o direito
apresenta uma particularidade digna de registro: as entidades que o compõem estão dispostas numa estrutura
hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se opera tanto no aspecto material quanto no
formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e suas
transformações. Examinando o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa se encontra fundada,
material e formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o ângulo de observação, verifica-se que das
regras superiores derivam, também material e formalmente, regras de menor hierarquia”. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência, p. 51.
Segundo esclarece Norberto Bobbio, “cada ordenamento tem uma norma fundamental que dá unidade a
todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que
pode ser chamado ‘ordenamento’”. Teoria do ordenamento jurídico, p. 49.
– 48 –
1.5.1 Unidade e estrutura escalonada
Na lição de Paulo de Barros Carvalho, “as normas jurídicas formam um
sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio
unificador”,88 qual seja o da norma hipotética fundamental, regra básica para a qual
convergem todas as normas jurídicas componentes do sistema e de acordo com a qual
as várias normas da ordem devem ser criadas.
A norma hipotética fundamental, segundo explica Hans Kelsen, confere
unidade ao sistema do direito positivo, visto que, sendo “o ponto de partida de um
processo criador de normas”,89 “constitui o vínculo entre todas as diferentes normas
em que consiste uma ordem”.90 De acordo com este autor, “é a norma fundamental que
constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento
da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”.91
88
89
90
91
Importante registrar que cabe distinguir (i) o sistema do direito positivo, formado por normas jurídicas (ii)
do sistema dos enunciados prescritivos do direito positivo, denominado por Paulo de Barros Carvalho
“sistema morfológico e gramatical do direito posto”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência,
p. 65.
Consoante as lições desse jurista, o sistema do direito positivo é o de que tratamos até agora, formado por
normas jurídicas. Já o sistema dos enunciados prescritivos do direito positivo é composto pelos enunciados
que servem de suporte físico às normas jurídicas, e representa o plano de expressão do direito posto. Tratase de um sistema estruturado em documentos normativos consubstanciados na Constituição, nas emendas
constitucionais, na lei complementar, na lei ordinária, na medida provisória, na lei delegada, etc.
Ressalte-se, outrossim, que a ciência do direito também se apresenta como sistema. Conforme adverte Paulo
de Barros Carvalho, “o direito positivo é um sistema, como dissemos, nomoempírico prescritivo, em que a
racionalidade do homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem técnica. A ciência que
o descreve, todavia, mostra-se um sistema também nomoempírico, mas da subclasse dos teoréticos ou
declarativos, vertido em linguagem que se propõe ser eminentemente científica”. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência, p. 51.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 136. Como anota este jurista, “todas as normas do
sistema convergem para um único ponto – a norma fundamental –, que dá fundamento de validade à
Constituição positiva. Seu reconhecimento imprime, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a
multiplicidade de normas, como entidade da mesma índole, lhe confere o timbre de homogeneidade. Isso
autoriza dizermos que o sistema nomoempírico do direito é unitário e homogêneo, afirmação que vale para
referência ao direito nacional de um país ou para aludirmos ao direito internacional, formado pela conjunção
do pluralismo dos sistemas nacionais”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 51.
Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 163.
Para Hans Kelsen, “pode-se testar se uma norma pertence a certo sistema de normas, a certa ordem
normativa, apenas verificando se ela deriva sua validade da norma fundamental que constitui a ordem”.
Ibidem, p. 163.
Idem, Teoria pura do direito, p. 217.
– 49 –
De se ver, portanto, que o sistema jurídico regula a sua própria criação,
razão pela qual possui caráter auto-referencial ou autopoiético,92 o que lhe confere, em
termos semióticos, fechamento sintático93 e abertura semântica e pragmática.94
É a partir da idéia de sistema de direito positivo e da norma hipotética nele
pressuposta que se vislumbrará a hierarquia que domina as relações das normas
jurídicas entre si. Consoante adverte Souto Maior Borges, o sistema jurídico não é
formado por “normas de igual hierarquia, mas uma ordem escalonada de diferentes
normas jurídicas”.95
Deveras, uma norma jurídica é hierarquicamente superior à outra quando
lhe prescrever o modo de criação, ou seja, o órgão que está autorizado a editá-la, ou os
limites formais ou materiais necessários à sua produção. Desse modo, a norma
determinante da criação de outra lhe é superior, bem como seu fundamento de
validade, e, conseqüentemente, a criada de acordo com a primeira lhe é, ao contrário,
inferior.
Hans Kelsen explica que a
relação entre a norma que regula a criação de outra norma e essa outra norma pode
ser apresentada como uma relação de supra e infra-ordenação, que é uma figura
espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma
superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior.96
92
93
94
95
96
Conforme Paulo de Barros Carvalho, “um sistema autopoiético se qualifica por um perpetuum móbile autoreprodutivo, de modo que seus elementos, seus processos e suas estruturas são construídos a partir do
próprio sistema, e não pela interferência direta de outros sistemas”. Direito tributário: fundamentos jurídicos
da incidência, p. 110.
O sistema de direito positivo é alheio a qualquer influxo modificativo de outro sistema, uma vez que sua
dinâmica operacional se realiza pela combinatória dos modais permitido, proibido e obrigatório. Assim,
Paulo de Barros Carvalho leciona que “o que pode acontecer é o sistema S’ tomar conhecimento de
informações do sistema S” e processar esses dados segundo seu código de diferença, vale dizer,
submetendo-o ao seu peculiar critério operacional”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência,
p. 112.
As hipóteses normativas estão sempre prontas para receber novos fatos que o legislador entenda relevantes,
bem como os enunciados prescritivos são sempre passíveis de alteração no quadro de suas significações,
com o passar do tempo e o variar do espaço, de modo a revelar sua maleabilidade pragmática.
Souto Maior Borges, Lei complementar tributária, p. 15.
Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 181. Confira-se também José Souto Maior Borges, Lei
complementar tributária, p. 15.
– 50 –
Esse escalonamento hierárquico, interior ao ordenamento jurídico, irá ao
encontro da norma fundamental, concebida artificialmente para fazer da atividade
constituinte um fato juridicamente hábil para instaurar a ordem de direito positivo97 e
para conferir-lhe unidade e estrutura escalonada.98
Da superioridade hierárquica de uma norma jurídica (v.g., a que regula a
conduta de produzir outras normas) decorre a inexorável obrigatoriedade de sua
observância no ato de produção normativa. A não-observância ao escalonamento
hierárquico possibilita seja o produto daquela enunciação declarado inválido,99 por
ilegalidade ou inconstitucionalidade.
1.6 Validade
Ensina Marcelo Neves100 que as normas jurídicas irregularmente produzidas
por autoridade qualificada como competente ingressam no sistema jurídico e nele
permanecem até que sejam expulsas do ordenamento, por meio do mecanismo especial
de desconstituição normativa. Nesse contexto vislumbram-se duas instâncias distintas,
quais sejam o ingresso da norma jurídica no ordenamento jurídico, a sua conformidade
ou não perante todas as normas que disciplinam sua produção.
Importa esclarecer que doutrinadores de escol como Hans Kelsen,101
Lourival Vilanova,102 Paulo de Barros Carvalho,103 Heleno Taveira Tôrres,104 Eurico
Marcos Diniz De Santi105 e Tárek Moysés Moussallem106 entendem por “validade” a
relação de pertinencialidade que mantém uma norma jurídica com o sistema de direito
positivo em que ingressou.
97
98
99
100
101
102
103
104
105
106
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 49-50.
Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 49.
“Invalidade” é aqui empregada no sentido de desconformidade com as normas superiores.
Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 29.
Teoria geral do direito e do estado, p. 43.
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 25.
Curso de direito tributário, p. 81-84, e Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 54-57.
Prorrogação da CPMF pela emenda constitucional n. 21/99: efeitos da ausência de procedimento na validade
das normas jurídicas, p. 47.
Lançamento tributário, p. 65.
Fontes do direito tributário, p. 177.
– 51 –
Conforme esses juristas, todas as normas jurídicas pertencem ao sistema e,
ao mesmo tempo, presumem-se válidas, ou seja, em consonância com as regras
superiores que lhes disciplinam a produção. Validade, portanto, é empregada para
designar a relação de pertinencialidade com o sistema normativo, e, bem assim, sua
conformidade com as regras de produção normativa.107
Não obstante a inquestionável percuciência desses insignes mestres,
pensamos de forma diversa. Entendemos que “pertinencialidade” e “norma em
conformidade com a regra de competência ou de produção normativa” são realidades
distintas. Destarte, fazemos distinção entre o fenômeno do ingresso de uma norma
jurídica no sistema normativo e o da sua consonância às normas que disciplinam sua
produção.
Desde já consignamos que, desde o momento da entrada de determinada
norma jurídica no sistema normativo, presume-se que foi editada com observância às
regras hierarquicamente superiores que disciplinam sua edição. Portanto, a efetiva
confirmação ou infirmação da validade da norma só ocorrerá em posterior análise,
caso venha a ser questionada em processo judicial.
Deveras, essa circunstância é indispensável ao funcionamento do sistema
do direito positivo, pois, do contrário, o mesmo “fatalmente cairia no caos se os
indivíduos pudessem rebelar-se contra as leis cada vez que em sua opinião se
opusessem a normas constitucionais”.108 Agirá por conta e risco aquele que, antes de
declarada a invalidade de determinada norma jurídica, pretender desobedecê-la, a
pretexto de entendê-la incompatível com as regras de competência.109
107
108
109
Conforme visto no item 1.4.4.1, as regras de produção normativa são aquelas que prescrevem o modo de
criação de outras regras, seja indicando o órgão que está autorizado a editá-las, sejam os limites formais ou
materiais a delimitarem-lhes o ato de enunciação (produção da norma), e que, por isso, são hierarquicamente
superiores. Essas espécies de normas serão estudas com mais detalhe no próximo capítulo.
Alejandro Ghigliani, Del “control” jurisdicional de constitucionalidad, p. 90, apud Marcelo Neves, Teoria
da inconstitucionalidade das leis, p. 146.
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A teoria das constituições rígidas, p. 140.
– 52 –
Dessa forma, designaremos “pertinência” a relação que se estabelece entre a
unidade normativa e o respectivo sistema de normas em que ingressou por decisão de
agente qualificado competente. Por “validade” chamaremos a expressão que denota a
perfeita consonância de uma norma jurídica para com as regras de produção normativa
(introdutora de limites formais e materiais).110
Nesse cenário, a presunção de validade que corre a favor da norma jurídica
poderá ser desconfirmada por ato de agente competente, isto é, credenciado pelo
próprio sistema de direito positivo. Reservado fica ao estudioso do direito tão-somente
a constatação ou não da presunção de validade da norma jurídica posta.
Na lição de Marcelo Neves, o ordenamento jurídico
tolera a incorporação irregular de normas jurídicas, que permanecerão no sistema
enquanto não houver produção de ato jurídico ou norma jurídica destinada a
expulsá-las, isto é, até que se manifeste o órgão competente desconstituindo-as.
Portanto [...] os sistemas jurídicos, construídos e desenvolvidos através dos
processos políticos e técnicos de produção-aplicação normativa, caracterizam-se
111
por nítida distinção entre pertinência e validade das normas.
A distinção entre “pertinência” e “validade” aqui empreendida,
desembocará nas mesmas conseqüências verificadas por aqueles autores, dado que, de
qualquer forma, as normas que adentram no ordenamento jurídico ostentarão
presunção de validade, até que sejam revogadas112 ou que o Estado-juiz, qualificado
como competente, edite outras normas que declarem sua invalidade e as tornem
110
111
112
Como preleciona Paolo Biscaretti Di Ruffia, “A validez de um ato normativo se obtém [...] quando existem
seus elementos constitutivos, e, ademais, são regulares (ou seja, o ato deve adequar-se integralmente ao
respectivo esquema abstrato previsto pelas normas de produção normativa)”. Derecho constitucional, p.
176, apud Marcelo Neves. Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 45. Nos termos em que apregoa este
último, “há pertinência com validade quando são regularmente preenchidas todas as condições formais e
substanciais estabelecidas nas ‘regras de admissão’ do sistema, e enquanto não há revogação”. Ibidem, p. 45.
Para Riccardo Guastine, “se dice materialmente valida quando non sai incompatible com lê norme – ad essa
materialmente sovraordinate – che ne limitano o predeterminano il possible contenuto”. Teoria e dogmática
delle fonti, p. 130, apud Tárek Moysés Moussallem, Fontes do direito tributário, p. 181. Confira-se ainda
José Souto Maior Borges, Lei complementar tributária, p. 38-39.
Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 41.
Revogação significa a expulsão de normas jurídicas por quem as produziu. Na revogação ocorre a supressão
dos textos normativos ou dos enunciados prescritivos, ensejando, por processo interpretativo, a expulsão da
norma do sistema.
– 53 –
inaplicáveis ou expulsas, conforme atue em controle difuso ou concentrado,
respectivamente.113
Como ensina Paulo de Barros Carvalho, “uma norma só tem sua validade
retirada através de outra norma que o determine”.114 Destarte, o jurista enquanto
cientista do direito, não tem permissão para decretar a invalidade de um documento
normativo posto por autoridade qualificada como competente.
Por essa razão, cabe ao jurista reconhecer ou não a presunção de validade
da norma jurídica, quando tenha sido produzida por órgão competente para produzi-la.
Segundo a oportuna lição de Eurico Marcos Diniz De Santi,
a funcionalidade do direito não pode esperar que o Judiciário se manifeste sobre
todas as leis produzidas, nem o primado da tripartição de Poderes admite tal
interferência. A lei é (presume-se) válida até que se prove o contrário. Por isso, há
no direito garantias para corrigir eventuais desvios, como o mandado de segurança,
a declaração incidental em ação ordinária, a ação direta de inconstitucionalidade e
115
ação direta de inconstitucionalidade etc.
Sendo assim, é imperioso reconhecer que o sistema do direito positivo
apresenta-se como o conjunto de normas postas por autoridades nele mesmo indicadas,
de modo que ostentarão presunção de conformidade a todas as normas que disciplinam
sua criação, permanecendo assim até que sejam expulsas do sistema.
113
114
115
Hans Kelsen assinala que as normas “permanecem válidas na medida em que não tenham sido invalidadas
da maneira que a própria ordem jurídica determina. Este é o princípio da legitimidade”. Teoria geral do
direito e do estado, p. 171.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 82.
Eurico Marcos Diniz De Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 77.
– 54 –
2
NORMA JURÍDICO-TRIBUTÁRIA
2.1 Tributo como norma jurídica
Há, no direito positivo brasileiro, um plexo de normas jurídicas que
dispõem sobre instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Tais normas são
designadas normas jurídico-tributárias. Na ciência do direito, figura o conjunto de
proposições descritivas da camada de linguagem-objeto, qual seja desse plexo de
normas.
Para o estudo dessas normas jurídicas faz-se necessário proceder à fixação
do conceito de tributo, visto que este é um conceito básico e nuclear do direito
tributário.116
Hodiernamente, o vocábulo “tributo” vem sendo mencionado para designar
fenômeno consistente no comportamento de pagar quantia em dinheiro. Essa é a
postura dos enunciados prescritivos que conformam o subsistema constitucional
tributário, como adverte Geraldo Ataliba.117
Esse insigne mestre, a partir da noção geral de tributo oferecida pela
Constituição Federal de 1988, define tributo como
obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito,
cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito
passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios
constitucionais (explícitos ou implícitos).118
Luís César Souza de Queiroz, por sua vez, afirma ser tributo
116
117
118
Cf. Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 35-36.
Idem, ibidem, p. 41.
Idem, p. 34.
– 55 –
a conduta obrigatória de entregar (Op) certa quantia em dinheiro a alguém, sem
119
apresentar caráter sancionatório ou punitivo”,
alertando, ao final, “que o tributo
não pode ser confundido com o objeto da conduta obrigatória de entregar ou objeto
120
do tributo, que é o dinheiro.
Por seu turno, Paulo de Barros Carvalho121 identifica seis acepções distintas
para o uso da palavra tributo, na legislação, na doutrina e na jurisprudência brasileira:
(i) quantia em dinheiro, ou seja, o objeto da prestação ou conteúdo do dever jurídico
atribuído ao sujeito passivo da obrigação tributária; (ii) prestação correspondente ao
dever jurídico do sujeito passivo, isto é, o comportamento do sujeito passivo, ao
satisfazer o dever jurídico que lhe fora designado; (iii) direito subjetivo de que é titular
o sujeito ativo, como o direito subjetivo de que é titular o credor tributário para exigir
o objeto da prestação, ou seja, a quantia em dinheiro; (iv) relação jurídico-tributária,
isto é, a obrigação tributária que se estabelece em razão da ocorrência do fato descrito
no antecedente da norma, ou seja, o vínculo obrigacional como um todo; (v) norma,
fato e relação jurídica, exprimindo toda a fenomenologia da incidência; e, finalmente,
(vi) norma jurídico-tributária, o que significa dizer preceito normativo que condiciona
ao acontecimento de um fato lícito o nascimento de uma relação jurídica patrimonial,
em que o devedor é titular da obrigação de pagar certa quantia em dinheiro ao ente
público ou a ele equiparado por lei.
Tendo em vista a importância do termo tributo e as várias acepções que esse
vocábulo comporta, faz-se imprescindível deixar consignado o sentido em que será
mencionado, de modo a não se incorrer em ambigüidades durante o discurso científico.
Assim, tendo em vista que nosso propósito é descrever o direito positivo tributário, a
partir dos enunciados constitucionais relativos à instituição de tributos, registramos
que a expressão “tributo” aqui utilizada será na acepção de norma tributária em sentido
estrito,122 já que, conforme anota Fabiana Del Padre Tomé, “esta é a significação
119
120
121
122
Luís César Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 57.
Idem, ibidem, p. 58.
Curso de direito tributário, p. 19-27.
Segundo Fabiana Del Padre Tomé, norma jurídico-tributária em sentido estrito é aquela “cuja hipótese
conota um fato lícito de possível ocorrência, prescrevendo, em sua conseqüência, uma relação jurídica que
obriga um sujeito de direito a entregar certa quantia em dinheiro a outro sujeito de direito. É a chamada
– 56 –
utilizada pelo texto constitucional para outorgar competência impositiva tributária às
pessoas políticas de direito público interno”.123
Com efeito, na esteira desta autora, tributo é norma jurídica que orienta o
comportamento de o particular entregar determinada quantia em dinheiro ao erário,
quando se realizar o fato lícito descrito em sua hipótese normativa.124
Toda vez que alguém for obrigado a pagar determinada quantia em dinheiro
ao Estado (ou entidade dele delegada por lei) deverá verificar se se trata de (i)
obrigação convencional, (ii) multa, (iii) indenização por dano ou (iv) uma exigência
tributária, haja vista a diversidade de regimes jurídicos que decorrem de cada instituto.
O comportamento de entregar exigência tributária ao erário não advém da vontade das
partes, nem é sanção por violação de dispositivo legal, tampouco reparação
patrimonial.
Assim, consoante será visto mais adiante, para que se trate de tributo, é
mister que a conseqüência “pague dinheiro ao Erário” seja condicionada à hipótese “se
acontecer um fato X”, que não seja ilícito, bem como não seja fruto de acordo de
vontades ou indenização por dano.
2.2 Regra-matriz de incidência tributária
A regra-matriz de incidência tributária, como qualquer norma jurídica,
apresenta a estrutura lógica própria dos juízos hipotético-condicionais. Como tal, sua
construção é efetuada pelo intérprete, a partir do texto da lei, em que, contando-se com
esse suporte físico, constrói a significação de cada enunciado prescritivo isoladamente,
123
124
‘norma padrão de incidência’ ou ‘regra-matriz de incidência’”. Contribuições para a seguridade social, à
luz da Constituição Federal, p. 54.
Fabiana Del Padre Tomé, ibidem, p. 52.
Idem, ibidem. Conforme bem reconhece a autora, este conceito “coaduna-se com aquele firmado pelo
Código Tributário Nacional, em seu art. 3.º, apesar de ter adotado acepção mais ampla, considerando
‘tributo’ como fato, norma e relação jurídica: [...] Embora o referido diploma legal não seja o instrumento
adequado para veicular conceitos próprios da Ciência do Direito, traz importantes notas para a definição de
tributo, quais sejam caráter pecuniário, compulsoriedade, não constituição de sanção de ato ilícito,
imprescindibilidade de lei”. Ibidem, p. 52.
– 57 –
no plano dos significados, para, então, agrupar essas significações, estruturando-as em
juízos hipotético-condicionais, de modo a restar configurada a norma jurídica.
A regra-matriz de incidência – também denominada norma tributária em
sentido estrito,125 dado que estipula a incidência tributária – contém em sua hipótese a
descrição de um fato de possível ocorrência, com conteúdo econômico. Essa hipótese
conjuga-se, por imputação deôntica, a uma conseqüência, prescritiva de uma relação
jurídica de cunho patrimonial (obrigação tributária), que se vai estabelecer quando da
sua positivação.
As demais normas que versam sobre matéria tributária, como as que
veiculam deveres instrumentais, podem ser chamadas de normas tributárias em sentido
amplo.126
No descritor ou antecedente normativo da regra-matriz de incidência
tributária, identifica-se a descrição de um comportamento humano, condicionado no
tempo e no espaço. Já no prescritor ou conseqüente vislumbra-se a descrição dos dados
imprescindíveis à instauração da relação jurídico-tributária: a indicação dos possíveis
sujeitos dessa relação e da base de cálculo e alíquota, elementos que darão compostura
numérica à dívida tributária.127
Com efeito, sendo a regra-matriz128 uma norma jurídica que define a
incidência tributária, situa-se entre as normas gerais e abstratas. Não se identifica na
125
126
127
128
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 87-88.
Idem, Curso de direito tributário, p. 241.
Ibidem, p. 242-243.
Paulo de Barros Carvalho chama atenção para a utilidade que o esforço exegético consistente na composição
da regra-matriz de incidência tributária tem revelado. Consoante este mestre, “a esquematização formal da
regra-matriz tem se mostrado em utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza
para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica
da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase
que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e
analisando-a de maneira minuciosa. Em seguida, experimentando o binômio base de cálculo/hipótese de
incidência, colhido no texto constitucional para marcar a tipologia dos tributos saberemos dizer, com rigor e
presteza, da espécie e subespécie da figura tributária que investigamos”. Ibidem, p. 350. Destarte,
entendemos, com Paulo Ayres Barreto, que, “vezes sem conta, ao buscar compor a unidade mínima de
manifestação do deôntico, impositiva de ônus tributário, identificamos a real compostura jurídica da exação
– 58 –
sua hipótese a descrição de um evento já ocorrido, especificado em determinado
espaço e unidade de tempo, a despeito do que acontece com as normas individuais e
concretas.
A hipótese da regra-matriz traz
uma classe de eventos, na qual se encaixarão infinitos acontecimentos concretos. E
a operação lógica de inclusão de um elemento numa classe é chamada de
“subsunção”. Satisfazendo aos requisitos de pertinencialidade a certa classe “C”,
um objeto determinado (“o”) nela se subsume. Essa nota revela, imediatamente,
que a incidência da regra não ocorrerá enquanto norma individual e concreta, dando
conta da subsunção do fato à classe de acontecimento descrito no suposto, não for
expedida pelo órgão competente. É que as normas gerais e abstratas não ferem
diretamente as condutas intersubjetivas, para regulá-las. Exige o processo de
positivação, vale dizer, reclamam a presença de norma individual e concreta a fim
de que a disciplina prevista para a generalidade dos casos possa chegar ao sucesso
129
efetivamente ocorrido, modalizando deonticamente as condutas.
Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho,
as normas gerais e abstratas reivindicam, para a regulação efetiva dos
comportamentos interpessoais, a expedição de normas individuais e concretas. E no
campo do direito tributário não poderia ser diferente. Sendo a regra-matriz de u’a
norma geral e abstrata, obviamente está por requerer norma individual e concreta
130
para chegar às condutas e discipliná-las positivamente.
Sendo assim, se adotada a premissa de que as normas gerais reclamam a
expedição de normas individuais e concretas para que possam regular, efetivamente, as
condutas intersubjetivas, pensamos ser possível identificar a regra-matriz de incidência
tributária como uma norma jurídica que orienta a produção da norma individual e
concreta, eis que, com seus critérios, delimita o conteúdo dessa última norma a ser
produzida.131
Como bem observa Daniel Monteiro Peixoto,
129
130
131
sob análise, surpreendendo invasões de competência, e outros vícios que maculam a própria exigência”.
Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 49.
Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 82-83. Discorremos
sobre a norma individual e concreta no item 1.4.3 do capítulo 1 do presente trabalho.
Idem, ibidem, p. 83.
Sobre a norma de conduta que orienta produção normativa veja o item 1.4.3.1 do capítulo 1.
– 59 –
no campo tributário, o exemplo trivial e comumente aceito de norma de
comportamento é a regra-matriz de incidência tributária. Se tomarmos como
referencial a autoridade encarregada do dever de efetuar o lançamento, constata-se
que a sua atividade de produção de normas infralegais estará pautada não só pelas
regras que delimitam o procedimento, mas também por aquela que delimita o
conteúdo de produção da norma concreta e individual a ser posta no sistema – a
132
própria regra-matriz.
E continua o autor em sua investigação afirmando que,
se refletirmos também que, a partir do momento em que se assume o pressuposto de
que as normas abstratas e gerais de conduta devem ser aplicadas, criando uma
norma concreta e individual para que possa ser cumprida (só há dever jurídico no
conseqüente de norma concretizada), é imperioso reconhecer o seu papel acentuado
133
de norma condicionadora da atividade de produção de outras normas.
Dessa forma, na presente dissertação, a regra-matriz de incidência tributária
é concebida como uma norma jurídica que orienta e condiciona a atividade de
produção da norma individual e concreta, essa, sim, capaz de instaurar a relação
jurídico-tributária, modalizando deôntica e definitivamente as condutas humanas.
Cumpre-nos, pois, investigar mais detalhadamente os critérios que
compõem a estrutura da referida norma jurídica.
2.2.1 Os critérios da regra-matriz de incidência tributária
O antecedente da regra-matriz de incidência contém a descrição de um
comportamento social lícito que, se realizado, dará espaço ao nascimento da relação
jurídico-tributária, assim que for relatado em linguagem competente, seja por meio do
lançamento, seja mediante a norma individual e concreta expedida pelo próprio sujeito
passivo. O legislador ordinário, ao descrever qual é este comportamento, que, pela
imputação deôntica, dará espaço à formação da relação jurídico-tributária, também
informa as circunstâncias que julgou importantes para caracterizá-lo. Com efeito,
podemos extrair três critérios de identificação do fato: (i) critério material; (ii) critério
espacial; e (iii) critério temporal. No seu conseqüente teremos os critérios (iv) pessoal
e (v) quantitativo, que se destinam a compor a relação jurídico-tributária.
132
133
Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 78.
Idem, ibidem, p. 79.
– 60 –
No critério material da regra-matriz de incidência vislumbra-se a descrição
de um comportamento de pessoas, que se encontra ligado a circunstâncias de espaço e
tempo. Registre-se que a descrição deste comportamento haverá de estar conectada a
coordenadas de tempo e espaço, de modo que sem essa precisa delimitação não haverá
que falar em descrição normativa de um fato.134
No critério espacial temos a delimitação do local onde o comportamento
descrito deve ocorrer para dar nascimento à relação jurídico-tributária.135
Por fim, o critério temporal consiste na indicação do instante em que se
considera ocorrido o fato descrito, passando a existir a relação jurídica que liga
devedor e credor. Com a indicação desse preciso instante identifica-se o nascimento do
direito do Estado de exigir uma prestação do sujeito passivo. Saliente-se que, não raras
vezes, é apontado pelo legislador como o fato que enseja a incidência tributária o
critério temporal. Este desalinho não merece prevalecer porquanto o momento eleito
no antecedente da norma tem apenas o objetivo de situá-lo no tempo, identificando o
exato instante em que se considera ocorrido o fato descrito.
Por seu turno, o conseqüente é aquela parte do juízo hipotético-condicional
que prescreve direitos e obrigações das pessoas que estarão envolvidas na relação
jurídico-tributária. Ele informa todos os elementos do vínculo obrigacional a ser
instaurado, com a identificação dos sujeitos envolvidos e a indicação do montante da
prestação. Contém dados que permitem a identificação da relação jurídica, sendo eles
os critérios pessoal e quantitativo.
134
135
Valemo-nos, portanto, da preciosa advertência de Paulo de Barros Carvalho segundo a qual “seria absurdo
imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realizasse independentemente
de um lugar e alheio a determinado trato de tempo. Sobre isso, aliás, já discorremos. Faz bem recordar,
entretanto, que ao conjunto de elementos indicativos, constantes dos antecedentes das normas tributárias e
que nos oferecem a ocasião de reconhecer as circunstâncias de lugar e de tempo que tolhem o conteúdo do
critério material, dentro de parâmetros precisos e específicos, nominamos, respectivamente, de critério
espacial e critério temporal da hipótese tributária”. Curso de direito tributário, p. 205-206.
Nesse particular, os tributos podem ser divididos em três categorias: (i) hipótese em que o critério espacial
faz menção a determinado local para ocorrência do fato (imposto de importação, por exemplo); (ii) hipótese
em que o critério espacial menciona áreas específicas, em que o fato típico somente ocorrerá se se verificar
dentro daquelas áreas (IPTU, por exemplo); e (iii) hipótese em que o critério espacial coincide com os
limites territoriais de vigência da lei (ICMS, por exemplo). Cf. idem, ibidem, p. 262.
– 61 –
O critério pessoal aponta os sujeitos ativo e passivo da relação jurídicotributária. O critério quantitativo, por sua vez, é formado pela descrição da base de
cálculo136 e da alíquota, permitindo, portanto, mensurar a grandeza do fato tributário
descrito e calcular a quantia a ser transferida ao sujeito ativo. Sobreleva dizer, ainda,
que a descrição da base de cálculo é de extrema importância para revelar o verdadeiro
fato submetido à tributação.
Conforme pontua José Eduardo Soares de Melo,
a base de cálculo constitui aspecto fundamental da estrutura de qualquer tipo
tributário por conter a dimensão da obrigação pecuniária, tendo a virtude de
quantificar o objeto da imposição fiscal, como seu elemento nuclear, o verdadeiro
137
cerne da hipótese de incidência normativa.
De toda sorte, tratando-se a regra-matriz de norma tributária, é imperioso
que sua edição tenha obedecido ao regime jurídico que disciplina a sua produção,
identificado pela norma de competência legislativa tributária.
2.3 Norma de competência legislativa tributária
Dada a homogeneidade pragmática das normas jurídicas, segundo a qual
todas as unidades que integram o ordenamento têm por função regrar condutas, seja
aquela de criação, modificação ou expulsão de outras normas, seja a que não
vislumbre essa atividade normativa, cumpre esclarecer que as normas jurídicas que em
seu conjunto formam a Constituição do Brasil disciplinam, em sua maioria, o próprio
exercício do poder normativo, ou melhor, delimitam o comportamento de criar,
modificar ou expulsar normas do ordenamento jurídico.
Entre essas normas que disciplinam o exercício do poder normativo estão as
normas de competência legislativa tributária.
136
137
Na lição de Aires Fernandino Barreto, “a base de cálculo é a definição legal da unidade de medida,
constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários.
Consiste em critério abstrato para medir os fatos tributários que, conjugados à alíquota, permite obter a
dívida tributária”. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 53.
José Eduardo Soares de Melo, ICMS. Teoria e prática, p. 173.
– 62 –
Para delimitar a norma de competência legislativa tributária, faz-se
imperioso, antes de tudo, tecer considerações sobre a competência legislativa no texto
da Constituição Federal, dado ser esse o “patamar a partir do qual os processos
interpretativos hão de desenvolver-se, para chegar ao sentido que o exegeta tem por
bem atribuir ao material lingüístico bruto do direito positivo”.138
2.3.1 Competência legislativa na Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988 – plano de expressão em que se situam os
enunciados prescritivos editados pelo legislador constituinte – confere à União aos
Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal competência legislativa. Considerando
que só a essas pessoas jurídicas de direito público se atribui órgão legislativo, somente
elas têm permissão para criar normas gerais e abstratas.
Para a criação de normas jurídicas a Constituição Federal de 1988 exige, em
seu art. 59 e seguintes, que esses entes políticos observem o cumprimento de
determinados requisitos de ordem formal, pois prescreve minuciosamente o processo
legislativo referente a cada espécie legislativa que se pretenda criar: emenda
constitucional, lei complementar, lei ordinária, decreto, resolução.139
Além disso, a Constituição Federal de 1988 representa verdadeira baliza de
ordem material ao exercício da competência legislativa. Ao introduzir os chamados
direitos, garantias e deveres fundamentais, bem como os denominados princípios
constitucionais, acaba por vincular o legislador infraconstitucional à necessária
observância das exigências dessas diretrizes, sob pena de inconstitucionalidade.
É o que, na lição de Hans Kelsen, configura a constituição material. Nas
suas palavras,
138
139
Paulo de Barros, Prefácio à obra de Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro, p. 11.
Segundo Hans Kelsen, “um estágio importante no processo criador de Direito é o procedimento pelo qual
normas gerais são criadas, ou seja, o procedimento legislativo”. Teoria geral do direito e do Estado, p. 179.
– 63 –
a constituição material determina não apenas os órgãos e o processo de legislação,
mas também, em certo grau, o conteúdo de leis futuras. A constituição pode
determinar negativamente que as leis não devem ter certo conteúdo [...]. A
constituição, porém, também tem a atribuição de prescrever positivamente certo
140
conteúdo dos futuros estatutos.
Importa mencionar, ainda, que a Constituição de 1988 discrimina os
assuntos sobre os quais pode legislar cada um dos entes políticos, promovendo, assim,
como manifestação do federalismo brasileiro, a repartição da competência legislativa.
Conforme sublinha Clélio Chiesa,
o Estado brasileiro optou por adotar a forma federativa de Estado, atribuindo à
União, aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios competência
legislativa. O constituinte originário repartiu, então, entre essas unidades jurídicas,
a capacidade política. Isto é, outorgou-lhes a possibilidade de editar comandos
141
normativos sobre assuntos de sua competência.
A importância da repartição de competências reside no fato de que ela é a
“coluna de sustentação de todo o edifício constitucional do Estado Federal”.142 Na
preciosa lição de José Afonso da Silva, “a Constituição de 1988 buscou resgatar o
princípio federalista e estruturou um sistema de repartição de competências que tenta
refazer o equilíbrio das relações entre o poder central e os poderes estaduais e
municipais”.143
Ressaltada a competência legislativa na Constituição Federal de 1988 e,
bem assim, a sua relevância no contexto normativo, passamo-nos a empreender análise
que consiste em identificar a competência tributária como norma de competência
legislativa tributária.
2.3.2 Competência tributária como norma de competência legislativa tributária
No direito, o termo “competência” designa várias acepções, entre as quais a
outorga de poderes às pessoas políticas de direito público interno para expedir normas
140
141
142
143
Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do Estado, p. 183.
Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro, p. 26.
Raul Machado Horta, Direito constitucional, p. 309.
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 103.
– 64 –
jurídicas, ou seja, a permissão para criar novas unidades normativas, e a própria norma
jurídica que a concede.144
Para Paulo de Barros Carvalho a competência legislativa é a “aptidão de
que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando
ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto
caracteriza o procedimento legislativo”.145
Já Eurico Marcos Diniz De Santi sublinha que “competência legislativa é a
regra que outorga, ao ente legislativo federal, estadual, distrital e municipal, a
possibilidade de editar veículos introdutores de enunciados prescritivos”,146
concluindo, ao final, que essa locução está ligada à noção de criar normas jurídicas.147
Esses diferentes pontos de vistas são identificados no campo do direito
tributário.
Paulo de Barros Carvalho enuncia ser a competência tributária “uma das
parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas,
consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre
tributos”.148
Por seu turno, Roque Antônio Carrazza define-a como
a possibilidade para criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente, suas
hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de
cálculo e suas alíquotas. Como corolário disso, exercitar a competência é dar
149
nascimento, no plano abstrato, a tributos.
Fabiana Del Padre Tomé esposa o mesmo entendimento ao dizer que a
competência tributária “consiste na outorga de poderes às pessoas políticas de direito
144
145
146
147
148
149
Tárek Moysés Moussallem, As fontes do direito tributário, p. 97-98.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 217.
Eurico Marcos Diniz De Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 81.
Idem, ibidem, p. 82.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 218.
Roque Antônio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 415-416.
– 65 –
público interno para expedir normas jurídicas tributárias, inovando o ordenamento
positivo e criando tributos”,150 isto é, para criar a “norma jurídica tributária em sentido
estrito (regra-matriz de incidência tributária)”.151
Destarte, na esteira desses autores, a expressão “competência tributária”
indica a permissão para o Poder Legislativo editar normas jurídicas que condicionem
ao acontecimento de fato lícito o pagamento de determinada quantia em dinheiro ao
Poder Público, ou entidade sua delegada.
Em que pese a reconhecida e inegável percuciência do argumento desses
ilustres juristas, preferimos, para os propósitos do presente trabalho, designar os
vocábulos “competência tributária” em outro sentido, qual seja como a própria norma
constitucional que orienta e delimita a permissão para criação de novas estruturas
normativas tributárias em sentido estrito,152 também conhecida pela doutrina como
norma de competência legislativa tributária,153 norma de competência em sentido
estrito,154 norma constitucional de produção normativa.155
Na medida em que adotamos como objeto da ciência do direito apenas a sua
face normativa, os termos “competência tributária” haverão de ser reduzidos à
estrutura lógico-condicional de norma jurídica, mais especificadamente aquela que
orienta e delimita a conduta de produção de enunciados prescritivos que comporão os
critérios da regra-matriz de incidência tributária.
Dessa forma, importa invocar, por oportuna, a lição de Tácio Lacerda
Gama, perfeitamente aplicável em matéria tributária, que, partindo da noção de que o
vocábulo competência aponta para o campo dos limites jurídicos prescritos à edição de
normas pelos agentes públicos, conceitua o termo como “norma que delimita a pessoa
150
151
152
153
154
155
Fabiana Del Padre Tomé, Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal, p. 57.
Idem, ibidem, p. 57.
Conforme visto no item 2.2 do presente capítulo, as normas tributárias em sentido estrito são aquelas que
definem a incidência tributária, ou seja, as regras-matrizes de incidência.
Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 81-82.
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico , p. 48-49.
Luís César Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 97-102.
– 66 –
ou o órgão de direito público, bem como o procedimento e os limites materiais, que
deverão ser observados na criação de outras normas jurídicas”.156
Assim, tratando-se de norma jurídica que orienta e delimita a permissão do
Poder Legislativo para criar outras entidades normativas, situa-se entre aquela que
orienta condutas normativas.157
O que a norma de competência prescreve são diretivas para a conduta de
criar normas. O objeto de toda norma de competência é, assim, orientar a conduta de
produzir outra norma ou, nas palavras de Julio Maria de Oliveira, estabelecer
“comportamentos tendentes à produção de novas normas jurídicas”.158
Desse modo, seguiremos, neste ponto, a orientação de Daniel Monteiro
Peixoto, reservando expressão “norma de competência legislativa tributária” para
“aquelas que regulam prerrogativas de criar, por meio de lei, normas jurídicas abstratas
e gerais que estabelecem os critérios relativos à regra-matriz de incidência
tributária”.159
Portanto, trata-se a norma de competência legislativa tributária também de
norma jurídica geral e abstrata, que delimita o campo de atuação dos entes políticos
com aptidão para editar os enunciados prescritivos que comporão os critérios da regramatriz de incidência tributária.
2.3.2.1
Estrutura da norma de competência legislativa tributária
Assentado tratar-se a competência tributária de uma norma de competência
legislativa tributária que orienta a atividade de produção de normas tributárias em
sentido estrito (regras-matrizes de incidência tributária),160 é chegado o momento de
156
157
158
159
160
Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 65.
Sobre as normas jurídicas que orientam condutas normativas vide capítulo 1, subitem 1.4.3.1.
Julio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 21.
Daniel Monteiro Peixoto, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 82.
Registre-se que a menção à proposição “produção de normas tributárias em sentido estrito (regras-matrizes
de incidência tributária)” está sendo empregada no sentido de criação dos enunciados que, organizados em
– 67 –
organizar em uma estrutura lógico-condicional seus enunciados que apontam o sujeito
competente, o procedimento devido, as coordenadas de tempo e de espaço, bem como
a correspondente relação jurídica de competência.
Consoante explica Tácio Larcerda Gama, a norma de competência tributária
em sentido estrito (para nós a norma de competência legislativa) “requer a reunião das
proposições construídas a partir da leitura do direito positivo numa estrutura lógicocondicional”.161 Segundo o autor, a norma de competência legislativa tributária, como
todas as demais normas do sistema jurídico, analisada sob o ponto de vista sintático, é
composta por um antecedente e um conseqüente.162
No antecedente dessa norma identifica-se a descrição de um fato, ou seja,
do processo de enunciação (sujeito competente, procedimento, tempo e espaço)
necessário à criação do tributo (da regra-matriz de tributária). Por seu turno, no
conseqüente normativo, vislumbra-se a descrição de uma relação jurídica, cujo objeto
é a faculdade de criar o tributo, dentro de certos limites.
Essa organização em estrutura normativa consiste, para utilizar a expressão
de Luís Cesar Souza de Queiroz, em “instrumental seguro”163 que permite avaliar se
houve produção de norma jurídica (válida).
A pormenorizada análise da norma de competência legislativa tributária,
explica este autor,
161
162
163
uma estrutura lógico-condicional, comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária. Na verdade,
o que o legislador ordinário cria por meio de leis são enunciados prescritivos, de modo que são esses é que,
ao serem organizados pelo intérprete em uma estrutura normativa com sentido deôntico completo, compõem
a norma tributária em sentido estrito ou regra-matriz de incidência tributária. Não obstante essa diferença, o
certo é que a regra-matriz de incidência tributária é construída pelo intérprete sempre a partir dos textos de
lei introduzidos pelo legislador no sistema jurídico. Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, “o
legislador, cumprida a marcha do processo legislativo, introduz textos de lei tributária no sistema jurídico
brasileiro. Lendo-os, elabora o estudioso as significações da mensagem escrita, exibindo os juízos
hipotéticos nela contidos. Foram editadas as normas jurídicas tributária”. Curso de direito tributário, p. 240.
Tácio Larcerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 73.
Idem, ibidem, p. 77.
Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 98.
– 68 –
permite vislumbrar os detalhes que envolvem o processo de produção da norma
impositiva tributária. Tal análise possibilita identificar com maior precisão se, no
mundo dos fatos, foram atendidos todos os requisitos necessários e suficientes para
a produção da norma impositiva tributária. [...] Ou seja, se houve ou não produção
164
de norma jurídica (válida), no caso, da norma jurídica impositiva tributária.
Tributo (regra-matriz de incidência tributária) criado em desconformidade
com a faculdade para a sua criação implica violação à norma de competência
legislativa tributária.
O detalhamento da estrutura lógica da norma de competência legislativa
tributária foi desenvolvido por Tácio Lacerda Gama165 e será aqui adotado, para, a
partir dele, fixarmos a disciplina normativa da produção dos enunciados que comporão
os critérios da regra-matriz de incidência do ISS, notadamente os seus critérios
material e quantitativo (base de cálculo).166
Por escolha didática, deixaremos para identificar os critérios que compõem
a estrutura lógica da norma de competência legislativa tributária no capítulo seguinte,
ocasião em que cuidaremos da norma de competência legislativa do ISS.
2.4 O exercício da competência tributária e o descumprimento da norma de
competência legislativa tributária
Segundo pontua Paulo de Barros Carvalho, o direito brasileiro disciplina as
competências no plano constitucional, explicitando claramente o poder jurídico que é
conferido às pessoas, aos órgãos e às instituições, e no que tange ao direito tributário,
sublinha o autor, “é procedimento iterativo, traço inconfundível do nosso do nosso
164
165
166
Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 101.
Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 73-86.
Não nos ocuparemos com a disciplina normativa da base de cálculo relativa às prestações de serviços
realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e pelas sociedades de profissionais, visto
que, conforme já mencionado no início do presente trabalho, não constituem objeto de nosso estudo.
– 69 –
sistema, principalmente pela abundância principiológica e pela maneira exaustiva com
que os constituintes foram moldando as Leis Fundamentais, no correr da História”.167
A Constituição Federal de 1988 veicula diversas normas disciplinadoras do
exercício da competência tributária dirigidas aos planos federal, estadual, municipal e
distrital. São as normas de competências legislativas tributárias que, a par de (i)
qualificarem as entidades tributantes, ou seja, aquelas autorizadas a, editando leis, criar
normas tributárias em sentido estrito, (ii) restringem seu exercício formal (prescrevem
o procedimento, bem como as coordenadas de espaço e tempo) e materialmente
(demarcam o campo de significação dentro do qual os entes políticos poderão
trabalhar, quando forem editar o tributo, ou seja, a regra-matriz de incidência).
A Constituição Federal (lei tributária fundamental), portanto, contém as
diretrizes essenciais aplicáveis à criação de todos os tributos, especifica quem pode
instituí-los e dentro de que limites.168 Disso resulta um conjunto de direitos e garantias
conferidos aos contribuintes contra uma tributação em dissonância com a norma de
competência legislativa tributária.
Nesse contexto sobreleva registrar a observação de Roque Carrazza
segundo a qual
toda atribuição de competência tem como contrapartida a atribuição do direito de
não ser tributado fora dos limites da competência. Assim, enquanto o sujeito ativo
da competência possui o direito subjetivo público de criar o tributo, os destinatários
possuem o direito de não serem tributados para além dos limites da outorga de
competência.169
167
168
169
Paulo de Barros Carvalho, Prefácio à obra de Clélio Chiesa, A competência tributária do Estado brasileiro,
p. 11.
Cf. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 330. Este autor assinala ainda
que, “para as pessoas políticas, a Constituição é a Carta das Competências. Ela indica o que podem, o que
não podem e o que devem fazer, inclusive e principalmente em matéria tributária”. Ibidem, p. 336.
Idem, ibidem, p. 55.
– 70 –
A competência tributária já surge, portanto, limitada. É dizer, já nasce
constitucionalmente delimitada, pois seus contornos são gizados pela própria
Constituição.170 É o que ensina José Souto Maior Borges ao afirmar que
ela é, por excelência, ontologicamente, no seu nascedouro, limitada. É como que
um perfil resultante de um desenho constitucional, não só com as normas
autorizativas que definem positivamente o exercício do poder fiscal, mas também
como normas limitativas, quer dizer, as normas que determinam os limites em que
esse poder poderá ser exercido, ou deverá ser exercido.171
Com efeito, não existem “limitações” à competência tributária, pois esta já
surge com campo demarcado pelos contornos resultantes das ações e reações de outras
normas jurídicas constitucionais.172 Deveras, conforme anota Geraldo Ataliba,
atenta contra a lógica jurídica a pressuposição de que há uma competência (lata)
que, depois, se reduz por limitações que a alcançam. Não há, nem lógica, nem
cronologia, um primeiro momento em que surge a competência e em segundo em
173
que se lhe opõe “limitações”.
Assim é que, na lição de José Artur Lima Gonçalves,
como a competência é conferida e delimitada pela própria Constituição Federal, a
mesma norma de estrutura que confere o poder de legislar descrevendo a regramatriz de incidência tributária, cuida de fornecer os limites, a perfeita identificação
dos confins do poder assim conferido; e a precisa identificação dos confins do
poder é necessária para que a pessoa política que recebe esta competência possa
exercê-la adequadamente.174
Sempre que um ente político criar o tributo (a regra-matriz de incidência),
estará exercendo a competência tributária,175 devendo o intérprete, no entanto,
averiguar se o legislador atua conforme os ditames jurídicos que o cerceiam.
170
171
172
173
174
175
Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 42.
José Souto Maior Borges, Limitações constitucionais à tributação, p. 378.
Cf. Geraldo Ataliba, Imposto sobre serviços. Tributação de anúncios e destaques em listas ou guias
telefônicos. Inadmissibilidade, em face de vedação constitucional, p. 106.
Idem, ibidem, p. 107.
José Artur Lima Gonçalves, A imunidade tributária do livro, p. 139.
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “Manifesta-se, de fato, a competência tributária, ao
desencadearem-se os mecanismos jurídicos do processo legislativo, acionado, respectivamente, nos planos
federal, estadual e municipal. Por esse iter, rigidamente seguido em obediência às proposições prescritivas
existente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios elaboram as leis (acepção larga), que são
promulgadas e, logo depois, expostas ao conhecimento geral pelo ato da publicação. Vencidas as
dificuldades desse curso formativo, ingressam os textos legislativos no ordenamento em vigor, surgindo a
– 71 –
A possibilidade de editar o tributo, instituindo os enunciados prescritivos
que comporão os critérios da regra-matriz de incidência, sofre rígidas restrições. O
exercício da competência tributária pelo Poder Legislativo deverá conformar-se ao que
está prescrito no antecedente e no conseqüente das normas de competência legislativa
tributária. Todas as normas jurídicas hierarquicamente inferiores devem inexorável e
integral obediência às normas de competência legislativa tributária.
Referidas normas de competência, enuncia Júlio Maria de Oliveira,
estão no ápice da pirâmide na construção das normas tributárias. Necessariamente,
as demais normas tributárias (regra-matriz de incidência, normas que instituem
deveres instrumentais etc) devem estar em harmonia com as normas de
competência. Pode-se afirmar que as normas de competência tributária são a fonte
essencial das outras normas do sistema jurídico-tributário. [...] são marcos
delimitadores tanto das normas tributárias, em sentido estrito, quanto das demais
176
normas tributárias.
Portanto, a análise pormenorizada dos critérios que formam o antecedente e
o conseqüente da norma de competência legislativa tributária é útil para descobrir se o
tributo (ou regra-matriz de incidência) foi regularmente criado, isto é, produzido em
conformidade com a norma de competência legislativa tributária. Tarefa essa que será
desenvolvida no próximo capítulo.
Nesse contexto, faz-se imperioso frisar que no sistema de referência sobre a
validade, aqui adotado, admite-se ao menos que a prescrição do sujeito competente –
situada no antecedente da norma de competência legislativa tributária – tenha sido
obedecida. Disso decorre uma primeira conseqüência, qual seja a da pertinência ao
sistema do direito positivo de todo documento normativo, bem como do conteúdo nele
veiculado, quando postos por autoridade qualificada como competente.
Mesmo em desconformidade com a norma de competência legislativa
tributária, toda produção de regra-matriz que se dê por autoridade qualificada como
176
disciplina jurídica de novas situações tributárias, no quadro do relacionamento da comunidade social. Foi
exercida, enriquecendo-se o direito positivo com o acréscimo de outras unidades normativas sobre tributos”.
Curso de direito tributário, p. 239.
Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 23.
– 72 –
competente fará ingressar regras no sistema jurídico, que serão consideradas válidas
por presunção juris tantum, mas em contrapartida serão passíveis de invalidação,
seguida de não-aplicação ou expulsão do sistema pelos órgãos para tanto competentes.
Por conseguinte, ainda que a regra-matriz de incidência tenha sido
produzida sem observância ao procedimento previsto pelo ordenamento ou às
exigências materiais, porém editada por agente qualificado como competente pelo
sistema, ingressará no ordenamento, ostentando presunção de validade, e nele
permanecerá até que seja expulsa.
A constatação da não-observância dos critérios que compõem o antecedente
ou o conseqüente da norma de competência legislativa tributária enseja a possibilidade
de o intérprete averiguar que a regra-matriz de incidência não é válida e buscar, junto
ao Estado-Juiz, dentro da atribuição que o direito processual lhe outorgar, a edição de
outra norma que declare a sua invalidade e a torne inaplicável ou expulsa, conforme
atue em controle difuso ou concentrado, respectivamente.177
177
O controle de constitucionalidade é instrumento “para a que a superioridade constitucional não se transforme
em preceito meramente platônico e a Constituição em simples programa político, moralmente obrigatório,
um repositório de bons conselhos, para uso esporádico ou intermitente do legislador, que lhe pode vibrar,
impunementemente, golpes que a retalham e desfiguram”. Raul Machado Horta. Direito constitucional, p.
130.
Assim, como bem obtempera Carlos Ari Sundfeld, “para garantir que leis inconstitucionais não sejam
aplicadas, com isto violando os direitos individuais, a própria Constituição concebe um sistema para sua
eliminação do mundo jurídico. É o chamado controle de constitucionalidade das leis, realizado no Brasil
pelo Poder Judiciário, através de ações adequadas”. Fundamentos de direito público, p. 41.
– 73 –
3
A NORMA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA TRIBUTÁRIA DO
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS)
3.1 Subsistema constitucional tributário
Partindo da noção de sistema, exposta no capítulo 1 do presente trabalho,
vislumbra-se o subsistema constitucional tributário inserido no sistema constitucional
brasileiro,178 relacionando-se com ele e dele retirando seu fundamento.
Trata-se, referido subsistema, de um subconjunto formado por normas
jurídicas que, em nível constitucional, dispõem direta ou indiretamente sobre a
atividade estatal de criação e arrecadação de tributos, por parte dos entes políticos.
Este subconjunto ocupa-se, quase que exclusivamente, com a disciplina da produção
normativa tributária em nosso país, atribuindo tanto a permissão para instituir o tributo
como o dever de obediência, por parte do legislador infraconstitucional, das
prescrições que informam tal faculdade.
A homogeneidade desse subconjunto, explica Paulo de Barros Carvalho,
está determinada, assim pela natureza lógica das entidades normativas, que pelo
assunto sobre que dispõem. Atribuem-lhe unidade duas circunstâncias: estarem
todas elas legitimadas pela mesma fonte – a norma hipotética fundamental – e
consubstanciarem o ponto de confluência do direito positivo, no que concerne à
matéria que lhes dá conteúdo. Mantêm, entre si, relações de coordenação
horizontal, situadas que estão no mesmo plano da escala hierárquica, tecendo, com
idêntico status de juridicidade, a rede do subsistema.179
Assim, como sintetiza este jurista,
o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os
poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que
178
179
O conjunto de normas jurídicas construídas a partir dos enunciados contidos na Constituição Federal de
1988 constitui o sistema constitucional de direito positivo que, segundo Paulo de Barros Carvalho, configura
“fundamento último de validade semântica” do referido sistema. Curso de direito tributário, p. 142.
Idem, ibidem, p. 143.
– 74 –
asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles
180
poderes.
Importante ter presente que o subsistema constitucional tributário configura
particularidade do sistema constitucional brasileiro, pois, consoante concluiu Geraldo
Ataliba,181 ao compará-lo com as Constituições de outros países (v.g., dos Estados
Unidos da América, da Espanha, da Itália), o mesmo, é complexo e extenso, o que lhe
garante acentuada rigidez.
Nas palavras deste mestre,
em matéria tributária – ou, melhor dizendo, em matéria de fixação de competências
tributárias e formas de seu exercício – a nossa Constituição não foi genérica e
sintética. Ao contrário, foi particularizada e abundante, não deixando margem –
jurídica – para grandes desenvolvimentos e integração pela legislação ordinária e,
menos ainda, pelos costumes, pela construção ou outras formas. Não ficou o
legislador constituinte brasileiro só nas matérias mais essenciais, nem foi
182
indeterminado em nenhuma disposição.
O legislador constituinte brasileiro delineou minuciosa e inteiramente a
atividade tributária – que se inicia com a instituição do tributo, passando pela
cobrança, fiscalização, e colimando com a sua entrada da receita aos cofres públicos –
vinculando os entes políticos a inúmeros preceitos jurídicos, delimitadores do
exercício do poder de tributar.183 Disso decorre que a produção normativa tributária no
Brasil encontra-se disciplinada nesse subsistema constitucional tributário.
180
181
182
183
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 143.
Sistema constitucional tributário, p. 15 e 22-39. Em que pese o estudo comparativo de Geraldo Ataliba ter
sido feito com base na Constituição de 1946, suas conclusões são plenamente aplicáveis ao subsistema
constitucional tributário da ordem jurídica de 1988.
Geraldo Ataliba, Sistema constitucional tributário, p. 15. O reconhecimento desse tratamento amplo e
minucioso dado pela Constituição Federal à matéria tributária também não passou desapercebido por Paulo
de Barros Carvalho, segundo o qual, “enquanto os sistemas de outros países de cultura ocidental pouco se
demoram nesse campo, cingindo-se a um número reduzido de disposições, que ferem tão-somente pontos
essenciais, deixando à atividade legislativa infraconstitucional a grande tarefa de modelar o conjunto, o
nosso, pelo contrário, foi abundante, dispensando à matéria tributária farta messe de preceitos, que dão
pouca mobilidade ao legislador ordinário, em termos de exercitar seu gênio criativo. Esse tratamento amplo
e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como conseqüência inevitável um sistema
tributário de acentuada rigidez, como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema constitucional
tributário brasileiro”. Curso de direito tributário, p. 144.
Consoante Sacha Calmon Navarro Coêlho, “o legislador constituinte brasileiro foi bastante minucioso,
vinculando o legislador infraconstitucional a inúmeros preceitos jurídicos delimitadores de sua
competência”. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário, p. 1.
– 75 –
Diferentemente do que se dá nos países alienígenas, cuja missão de delinear
a atividade tributária foi relegada ao legislador infraconstitucional, no subsistema
constitucional brasileiro nada restou a esse título para ser disciplinado pelo legislador
ordinário.
Bem por isso que José Artur Lima Gonçalves conclui, candentemente, que
“a exaustividade do sistema constitucional tributário não encontra paralelo no direito
comparado geral”.184
Essa singularidade do nosso sistema constitucional tributário é perceptível
na medida em que: (i) atribui e reparte entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios a permissão para instituir tributos, ditando as materialidades passíveis
de tributação por cada um desses entes políticos; (ii) classifica os tributos em espécies
e a elas atribui regimes jurídicos distintos a serem observados na sua criação; (iii)
estatui limites formais e materiais, ao exercício da permissão para tributar; (iv) atribui
ao legislador complementar da União a tarefa de edição de normas gerais em matéria
tributária, a serem obedecidas no momento da instituição de tributos por todos os entes
políticos, e (v) estabelece a partilha do produto da arrecadação dos tributos entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Por seu turno, diante dessa singularidade resulta que a atividade tributária,
notadamente a que se inicia com a instituição do tributo, está subordinada e
condicionada à observância dos comandos jurídicos que compõem o subsistema
constitucional tributário.
Entre esses comandos jurídicos destaca-se a norma de competência
legislativa tributária, que regula a permissão para criação do tributo, por parte do
legislador ordinário.185 Consoante será visto, a norma de competência legislativa
184
185
José Artur Lima Gonçalves, Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais, p. 213.
Consoante vimos no Capítulo 2, subitem 2.3.3.1, tributo (regra-matriz de incidência tributária) em
dissonância com a faculdade para a sua criação, conforme estabelecida constitucionalmente, implica
violação à norma de competência legislativa tributária.
– 76 –
tributária estabelece as balizas pelas quais as pessoas políticas são guiadas na
instituição de tributos.
3.2 A norma de competência legislativa tributária
Como visto no capítulo 2, a competência tributária apresenta-se como uma
norma jurídica, construída a partir dos enunciados prescritivos do texto constitucional,
estruturada formalmente em antecedente e conseqüente.
Essa norma jurídica, denominada na presente dissertação de “norma de
competência legislativa tributária”, orienta e delimita a conduta de produção de
normas tributárias em sentido estrito (regras-matrizes de incidência tributária).
Tais normas, destaca Júlio Maria de Oliveira, representam “marcos
delimitadores tanto das normas tributárias, em sentido estrito, quanto das demais
normas tributárias”.186 Conforme aponta o autor, elas “objetivam limitar o exercício do
poder, atribuindo os exatos limites de seu exercício e estabelecendo balizas precisas
que sustentem e propiciam a segurança, no caso dos sujeitos da relação jurídicotributária”.187
Nesse cenário, cumpre-nos identificar os critérios que compõem a estrutura
da norma de competência legislativa tributária.
3.2.1 Os critérios do antecedente da norma de competência legislativa tributária
No antecedente da norma de competência legislativa tributária consta a
descrição de um fato, identificado pelo (i) sujeito competente, (ii) procedimento
legislativo adequado, (iii) local em que deve ser realizado o procedimento e (iv)
coordenadas de tempo.
186
187
Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 23.
Idem, ibidem, p. 59.
– 77 –
Trata-se estas categorias, conforme aponta e descreve, detalhadamente,
Tácio Lacerda Gama, dos critérios subjetivo, procedimental, espacial e temporal,
respectivamente.188
O critério subjetivo do antecedente da norma de competência legislativa
tributária contém a descrição do sujeito autorizado a editar os enunciados que
comporão a norma tributária em sentido estrito (a regra-matriz de incidência).
Esse critério é extraído do próprio Texto Constitucional, consoante a
interpretação que se faz dos arts. 153, 154, 155, 156 e 195, de modo que, estando
devidamente
delimitado,
não
comporta
qualquer
reabertura
por
normas
infraconstitucionais.
No critério procedimental há a indicação de qual o procedimento necessário
para a criação dos enunciados que comporão a regra-matriz de incidência, conforme a
espécie ou subespécie tributária, ou seja, se por meio de lei ordinária ou complementar
(no caso do art. 154 da Constituição Federal).
Registre-se que há casos em que a alíquota – fator numérico que ao ser
combinando à base de cálculo possibilita seja determinado o valor que o sujeito
passivo da norma tributária deve pagar – poderá ser alterada mediante ato do Poder
Executivo, razão pela qual podemos entender que “é o antecedente da norma de
competência que determina qual o procedimento necessário, tanto para a edição do
tributo como um todo quanto para alteração da sua alíquota”.189
Por seu turno, o critério espacial do antecedente da norma de competência
contém a descrição do local em que o sujeito competente deve realizar a atividade (o
procedimento) para a criação dos enunciados prescritivos que comporão a regra-matriz
de incidência tributária.
188
189
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 74.
Idem, ibidem, p. 77.
– 78 –
Importa esclarecer que o critério espacial da norma de competência
legislativa tributária é distinto do âmbito de sua validade, uma vez que este
refere-se à porção de território que esta norma atinge, regulando condutas. Assim,
uma norma de competência que regula a criação de um tributo federal deve ser
respeitada em todo o território nacional, embora o seu critério espacial – local de
190
aplicação – seja só a Capital da República.
Há situações em que o critério espacial da norma de competência coincide
com o âmbito de sua validade. No caso de uma norma de competência que orienta e
delimita a criação de um tributo municipal, o ISS, por exemplo, o local em que ela
deve ser respeitada e o critério espacial da norma de competência legislativa – local
em que se dá a atividade de criação dos textos normativos – são identificados no
mesmo Município.
Por fim, o critério temporal descreve o instante em que a regra-matriz de
incidência (norma produzida) ingressará no ordenamento jurídico. Conforme ensina
Tácio Lacerda Gama,
o fim da atividade de enunciação dos textos normativos coincide com o início da
existência da norma produzida no sistema de direito positivo. O início desta
existência, por sua vez, é definido pelo critério temporal que integra o antecedente
191
da norma de competência tributária.
Os critérios subjetivo, procedimental, espacial e temporal formam os
elementos necessários à identificação da atividade de produção normativa (criação do
tributo).
190
191
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 77-78.
Idem, ibidem, p. 78. Esse autor adverte, ainda, que não se confunde o critério temporal do antecedente com a
validade da norma de competência no tempo: “Esta se inicia com a edição da Constituição Federal, sofrendo
posteriores alterações nos casos de Emenda à Constituição ou da edição de lei complementar que regule a
norma de competência. Já o critério temporal da norma de competência permite saber o momento de
aplicação, que se confunde com o início da existência da norma produzida no sistema de direito positivo”.
Ibidem, p. 78.
– 79 –
Sendo assim, esses critérios configuram instrumental de que dispõe o
estudioso do direito para “reconstruir o fato que deu origem à produção do texto de
direito positivo que veicula uma norma jurídica instituidora de um tributo”.192
3.2.2 Os critérios do conseqüente da norma de competência legislativa tributária
Em decorrência da descrição do fato, em certa coordenada de espaço e de
tempo, necessários à criação do tributo deve ser a imputação de uma relação jurídica
de competência legislativa tributária, cujo objeto é a permissão para criar o tributo,
editando os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz de incidência
tributária, em consonância com um conjunto de limitações prescritas pelo próprio
direito positivo.
Para investigar essa relação jurídica é imprescindível estudar os elementos
que conformam o conseqüente da norma de competência legislativa tributária, a saber:
sujeito ativo, sujeito passivo e objeto.
O conseqüente da norma de competência legislativa tributária se
consubstancia na descrição de um vínculo abstrato, denominado pela doutrina de
relação jurídica de competência tributária.193
Nessa relação jurídica, como em qualquer outra, há a indicação de dois ou
mais sujeitos em torno de um objeto, qual seja a permissão194 de criar os enunciados
prescritivos que integrarão os critérios da regra-matriz tributária.
192
193
194
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 74.
Idem, ibidem, p. 80.
Registre-se que nem sempre o modal deôntico “permitido” está presente em todos os casos para a criação do
tributo. Segundo aponta Paulo de Barros Carvalho, “a união tem a faculdade ou permissão bilateral de criar
o imposto sobre grandes fortunas, na forma do que estatui o inciso VII do art. 153 da CF. Até agora não o
fez, exatamente porque tem a faculdade de instituir ou não o gravame. E o mesmo se dá com os municípios,
que, em sua maioria, não produziram a legislação do imposto sobre serviços de qualquer natureza,
conquanto não lhes falte, para isso, aptidão legislativa. Todavia, a exceção vem aí para solapar o caráter de
universalidade da proposição: refiro-me ao ICMS. Por sua índole eminentemente nacional, não é dado a
qualquer Estado-membro ou ao Distrito Federal operar por omissão, deixando de legislar sobre esse
gravame. Caso houvesse uma só unidade da federação que empreendesse tal procedimento e o sistema do
ICMS perderia consistência, abrindo-se ao acaso das manipulações episódicas, tentadas com tanta
– 80 –
O sujeito ativo da referida relação jurídica é o sujeito competente195 para
criar do tributo, exercitando a atividade de produção da regra-matriz de tributária.196
Tratando-se de matéria de ordem constitucional, não pode se alterada pelo legislador
ordinário.
O sujeito passivo, por sua vez, são todas as pessoas que deverão cumprir a
regra-matriz de incidência tributária a ser criada.
No conseqüente da norma de competência legislativa tributária, se
vislumbra, ainda, a descrição do objeto da relação jurídica de competência, qual seja
da faculdade (permissão) para criar o tributo, subordinada à observância de um
conjunto de limitações materiais, prescritas pelo próprio ordenamento jurídico, que
informam o conteúdo semântico dos enunciados que comporão os critérios da norma a
ser produzida (a regra-matriz tributária).
Deveras, essa permissão para produção normativa não é uma carta em
branco.
195
196
freqüência naquele clima que conhecemos por ‘guerra fiscal’”. Curso de direito tributário, p. 223-224.
Nesse mesmo sentido confira, também, Roque Antonio Carrazza, ICMS, p. 343-344.
Dizer que determinado sujeito é competente para certa ação significa, segundo assegura Hans Kelsen, “que à
ação é conferida a qualidade de condição jurídica ou conseqüência jurídica apenas se ela for executada por
esse indivíduo”. Teoria geral do Estado e do direito, p. 130.
É certo que, não raras vezes, situa-se no pólo ativo da relação jurídico-tributária descrita no conseqüente da
regra-matriz de incidência, na posição de sujeito pretensor da obrigação tributária, pessoa diversa daquela
que criou a referida norma jurídica, que exercitou a atividade de produção normativa. Tal circunstância é
denominada de capacidade tributária ativa, e em nada se assemelha à posição ocupada pelo sujeito da
relação jurídica de competência tributária.
Conforme adverte Paulo de Barros Carvalho, uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um
gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para
integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento
anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa,
que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho
das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no
instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa”. Curso de direito
tributário, p. 219.
– 81 –
Como bem ensina Norberto Bobbio, “quando um órgão superior atribui a
um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Ao atribuir
este poder, estabelece também os limites entre os quais pode ser exercido”.197
É a permissão para criar o tributo, descrevendo, legislativamente, os
critérios que comporão a regra-matriz tributária identificada por um conjunto de
limites prescritos pelo próprio direito positivo.
Conforme ensina Tácio Lacerda Gama,198 compondo esse conjunto de
limitações estão, além dos enunciados constitucionais, os princípios jurídicotributários, as imunidades e os enunciados veiculados por leis complementares,
disciplinadores da conduta de criação do tributo, delimitadores dos critérios que
conformam a regra-matriz tributária.
Em respeito às premissas adotadas neste trabalho, os princípios jurídicotributários são significações de enunciados prescritivos, dotadas de forte conotação
axiológica ou fixadoras de limites objetivos orientados à realização de um dado valor,
que integram a estrutura da norma jurídica, no caso a norma de competência legislativa
tributária, informando e delimitando a faculdade de criar os tributos.199
197
198
199
Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 53.
Cf. Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 83.
Tendo em vista a homogeneidade sintática do sistema de direito positivo, nele não encontraremos nada além
de normas jurídicas (para efeitos dogmáticos). Essa concepção afasta a possibilidade de existir algo além das
normas jurídicas no interior sistema. Com efeito, para o sistema de direito positivo, os princípios não
existem senão como normas jurídicas ou como elementos integrantes das normas jurídicas.
Paulo de Barros Carvalho, a esse respeito, pontifica que, no direito positivo, o vocábulo princípio é utilizado
para denotar tanto as normas dotadas de forte carga axiológica como “as normas que fixam importantes
critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da
estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma”. Dessa
forma, referido jurista, após proceder a essa reflexão semântica, aponta os seguintes usos para o termo
princípio: “a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma
jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras
jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como
o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém sem levar em conta a estrutura da
norma”. Curso de direito tributário, p. 145.
Entre esses usos possíveis, verifica-se que o termo princípio pode ser concebido como valor objetivado na
norma jurídica ou como limite positivado na norma jurídica. Em ambas as concepções aparecerão como
vetores axiológicos ou critérios objetivos contidos na norma, isto é, como elementos da norma jurídica, mas
não normas jurídicas (estrutura lógico sintática, empregada na forma implicacional hipótese-conseqüente).
– 82 –
Do mesmo modo, também por coerência às nossas premissas, por
imunidades entendemos aquelas significações de enunciados prescritivos veiculadoras
de limites objetivos, que integram o conseqüente da norma de competência legislativa
tributária, impedindo a edição de regras-matrizes que onerem certas situações, fatos ou
pessoas.200
Outrossim, para nós, enunciados veiculados por leis complementares são
aqueles enunciados prescritivos, cuja significação, sem afrontar os dispositivos
constitucionais, compõe a norma de competência legislativa tributária, promovendo a
delimitação de um ou mais de seus critérios.201
200
201
Com efeito, dentro dessa concepção, e considerando a homogeneidade sintática do sistema do direito
positivo, preferimos, para os fins aqui propostos, conceber princípios como essas duas formas de uso.
Eurico Marco Diniz de Santi, a propósito, oferece a seguinte lição, ao afirmar que princípios “são
fragmentos normativos, unidades de significação de enunciados prescritivos, que integram o arcabouço de
normas jurídicas, alterando, constituindo (positiva e negativamente) e delineando a estrutura dual da regra,
seja pelo seu antecedente, seja pelo seu conseqüente normativo”. Lançamento tributário, p. 94.
Paulo Ayres Barreto também evidencia essa posição apontando “[...] os princípios são enunciados
prescritivos, dotados de elevada carga axiológica, que informam a produção legislativa (norma de estrutura)
e a compostura das normas jurídicas reguladoras de condutas intersubjetivas. Não há identidade, no modelo
proposto, entre os signos princípios e norma. Há relação de inclusão. É dizer as significações dos enunciados
prescritivos dotados de forte carga axiológica compõem, conformam a norma jurídica em sentido estrito. De
outra parte, dado o cunho axiológico inerente aos princípios, é inafastável reconhecer um certo subjetivismo
no processo de sua identificação e na declaração da sua hierarquia”. Imposto sobre a renda e preços de
transferência, p. 34.
Tácio Lacerda Gama trata desse assunto, também preferindo conceber “princípio” situando-o na estrutura da
norma jurídica. Nas suas palavras, princípio configura “enunciado normativo que integra a estrutura de uma
norma de competência, compondo-lhe o sentido, seja no antecedente, seja no conseqüente, veiculando
valores ou limites objetivos, ampliando ou restringindo os seus âmbitos de validade. [...] Princípios
tributários são enunciados prescritivos que compõem a norma de competência, ampliando ou restringindo as
possibilidades de criar normas jurídico-tributárias – relacionadas, direta ou indiretamente, à instituição,
arrecadação ou fiscalização de tributos”. Contribuições de intervenção no domínio econômico, p. 142 e 144.
Cf. Tácio Lacerda Gama, ibidem, p. 177. Para este autor, as imunidades são enunciados que veiculam
significações, delimitadoras dos contornos da conduta de criar normas tributárias. Como bem adverte, “a
formação da norma de competência pressupõe a reunião simultânea de todos os enunciados necessários à
regulação da conduta de criar tributos. Entre este, há aqueles que indicam o procedimento, o local, as
coordenadas de tempo, os princípios que devam ser respeitados e as materialidades que não podem atingir.
Sem essa conjugação de enunciados, não há regulação da conduta de criar tributos. Por isso, pode-se afirmar
que a norma de competência tributária é a própria autorização limitada para editar tributos. Entre os
elementos que compõem esta autorização limitada, encontram-se as imunidades”. Ibidem, p. 169-170.
Essas lições se ajustam como uma luva aos propósitos deste capítulo. Conceber as imunidades como
significação de enunciados prescritivos justifica-se, tendo em vista a nossa intenção de construir a norma de
competência legislativa tributária do ISS, imposto de competência dos Municípios e Distrito Federal.
Cf. Tácio Lacerda Gama, ibidem, p. 192.
Quanto ao papel da lei complementar no direito tributário brasileiro, cumpre-nos ressaltar que existem duas
correntes interpretativas acerca da construção de sentido e alcance do art. 146 do Texto Constitucional, cada
qual entendendo de modo diferente sobre o assunto. Uma linha de pensamento, ressaltando a interpretação
sistemática, invocou a primazia da Federação e a autonomia dos Municípios para compreender, ao final, que
– 83 –
Esse conjunto de limitações identifica e delimita
o espaço aberto à criação de tributos pelos entes competentes. [...] No objeto da
relação jurídica de competência não se indaga sobre “como” a norma vai ser
editada. O aspecto relevante aqui é “o quê” essa norma vai prescrever. Em se
tratando de aptidão para criar, o conjunto de limitações materiais será informado
pelos princípios, imunidades, enunciados complementares que disciplinam a
202
instituição de cada um dos critérios que compõem a norma tributária.
Tal conjunto encerra verdadeira limitação material, uma vez que identifica e
delineia a faculdade para criação do tributo, disciplinando e predeterminando o
conteúdo da norma jurídica que poderá ser criada.203
202
203
cabe à lei complementar apenas uma finalidade, qual seja veicular normas gerais de direito tributário, as
quais, por sua vez, exercem as funções de (i) dispor sobre conflitos de competência entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e de (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de
tributar. Entre os adeptos dessa linha de pensamento estão Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito
tributário, p. 213-315; Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 752-762;
Clélio Chiesa, O imposto sobre serviços de qualquer natureza e aspectos relevantes da Lei Complementar n.
116/2003, p. 54; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na Lei, p. 103-110.
A outra corrente doutrinária, por seu turno, optando por dar maior ênfase à função-certeza que visa atingir o
princípio da segurança jurídica, entende que a lei complementar exerce três funções, a saber: (i) dispor sobre
conflitos de competência entre os entes tributantes; (ii) regular as limitações ao poder de tributar; e (iii)
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (iii.a) definição de
tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, dos respectivos
fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (iii.b) prescrição, decadência, obrigação, lançamento e
crédito tributários; (iii.c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas; e (iii.d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as
empresas de pequeno porte.
Consoante essa corrente, admitir as três funções da lei complementar, tendo em vista o art. 146 da
Constituição Federal, não significa desprezar a Federação ou a autonomia dos Municípios, mas sim
reconhecer a existência de valores “segurança jurídica” e “certeza do direito”, que conformam a autonomia
de cada ente político.
Entre os autores que comungam esse pensamento destacam-se: Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Segurança
jurídica e normas gerais tributárias, p. 56; Eurico Marco Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito
tributário, p. 88-89; Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, p. 136; Júlio Maria de Oliveira,
Internet e competência tributária, p. 96.
No presente trabalho compartilhamos dessa última corrente doutrinária, por optarmos pela função-certeza do
princípio da segurança jurídica. Sendo assim, admitimos que os enunciados introduzidos por lei
complementar podem dispor sobre normas gerais em matéria tributária, consoante previsto no art. 146 da
Constituição Federal, garantindo, destarte, uniformidade para o exercício da conduta de produzir normas
tributárias.
As normas gerais, pois, ao tratarem da definição de “fatos geradores”, bases de cálculo e contribuintes,
prazos de prescrição, decadência, obrigação, crédito tributário, podem disciplinar a matéria, desde que não
contenham distinções entre as diferentes pessoas políticas, aplicando-se, indiscriminadamente, à União,
Estados, Distrito Federal, de modo absolutamente isonômico, ou entre Estados e Distrito Federal, entre si, ou
Municípios e Distrito Federal entre si.
Cf. Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 82-83.
Tácio Lacerda Gama adverte ser necessário acrescentar a esse conjunto de limitações aquelas previstas na
Constituição Federal como condições ao exercício da competência tributária. Nas suas palavras, “as
condições referidas pelo artigo 148 desse diploma normativo integram o conjunto de limitações que regula a
criação de empréstimos compulsórios. Da mesma forma, as contribuições previstas o artigo 149 devem
– 84 –
Desse modo, objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária
é a permissão para criação do tributo, subordinada à observância do conjunto de
limitações que disciplinam materialmente a criação de cada um dos enunciados que
comporão os critérios da regra-matriz.
Com fundamento nesse conjunto de limitações é construída a norma padrão
de incidência tributária, à qual deve necessária observância os legisladores ordinários
para o exercício da faculdade de criar o tributo, ou seja, para descrever,
legislativamente, os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz tributária.204
No caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza o objeto da
relação jurídica de competência legislativa tributária não é diferente. Vejamos.
3.3 A norma de competência legislativa tributária do ISS
No antecedente da norma de competência legislativa tributária do ISS
identifica-se a descrição do processo de produção normativa, representado pela
indicação: (i) do sujeito autorizado a criar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza, no caso os Municípios e o Distrito Federal; (ii) do procedimento necessário
à criação desse tributo, representado pelo conjunto de atos que integram o
procedimento legislativo na modalidade de lei ordinária; (iii) de qual o Município, em
que o sujeito competente deve realizar o procedimento para a criação da
correspondente regra-matriz de tributária; e (iv) o instante em que o tributo a ser
produzido ingressará no ordenamento jurídico, que será quando a atividade de
produção normativa se esgotar.
204
atender a uma finalidade específica. Sem essa finalidade, não se configuram tributos com tal natureza,
devendo ter a sua validade aferida como se impostos fosse. Em qualquer caso, os limites de ordem material
são identificados pela reunião de princípios, imunidades e demais enunciados que disciplinam a instituição
do tributo”. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 83-84.
Não obstante, neste trabalho, as condições prescritas pelos arts. 148 e 149, ambos do texto constitucional,
serão deixadas de lado, haja vista que o nosso estudo está voltado para a construção da norma padrão de
incidência do ISS, imposto referido no art. 156 do Texto Constitucional.
Tácio Lacerda Gama designa o que chamamos de norma padrão de incidência tributária de “regra-matriz de
incidência tributária possível”. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 84.
– 85 –
3.3.1 O conseqüente da norma de competência legislativa tributária do ISS
Diante da ocorrência do processo de produção normativa descrito no
antecedente da norma de competência legislativa tributária do ISS, deve ser a
imputação, no conseqüente normativo, de uma relação jurídica de competência
legislativa, cujo objeto é a permissão para criar os enunciados que comporão os
critérios da regra-matriz tributária do ISS, dentro de certos limites.
Nessa relação jurídica de competência legislativa o sujeito ativo são os
Municípios e o Distrito Federal, detentores da permissão para criar o ISS (a regramatriz tributária), e o sujeito passivo são todos os sujeitos que, realizando o fato
hipoteticamente descrito na regra-matriz, poderão ser coagidos ao cumprimento da
norma produzida.
O objeto da relação jurídica de competência em questão é a permissão para
criar o ISS em consonância com certos limites, prescritos pelo próprio direito positivo.
Como bem adverte Tácio Lacerda Gama, relacionar a norma de
competência à conduta normativa de instituir o tributo “pressupõe, entre outras
providências, identificar os limites prescritos pelo direito positivo para instituição de
cada um dos critérios que compõem a sua regra matriz”.205
Esses limites são identificados por certos princípios constitucionais,
imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares, que
orientam materialmente a conduta dos legisladores municipais e distritais para a
criação do ISS.
Desse modo, tais limitações informam a permissão para instituir o ISS,
prescrita no conseqüente da norma de competência legislativa tributária.
205
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 203.
– 86 –
Os princípios, imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados
complementares que pautam materialmente a conduta dos legisladores municipais e
distritais para a criação do ISS regularão e predeterminarão o conteúdo semântico de
cada um dos critérios da regra-matriz de incidência a ser editada.
O conjunto formado por tais diretrizes essenciais confere homogeneidade
ao regime jurídico que orienta a permissão para a criação do Imposto Sobre Serviços,
descrita no conseqüente na norma de competência legislativa do ISS.
Com fundamento nesse conjunto de delimitações, é construída a norma
padrão de incidência tributária do ISS, dentro da qual deverá ater-se o legislador
ordinário por ocasião do exercício da permissão que lhe foi outorgada, editando os
enunciados prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz tributária.
Feitas essas considerações, já podemos investigar o conceito de serviço
pressuposto constitucionalmente para atribuir a permissão para instituir o Imposto
Sobre Serviços (ISS), em função também do qual será construída a norma padrão de
incidência tributária respectiva.
– 87 –
4
O CONCEITO DE SERVIÇO TRIBUTÁVEL PRESSUPOSTO
CONSTITUCIONALMENTE PARA ATRIBUIR PERMISSÃO AOS
MUNICÍPIOS E AO DISTRITO FEDERAL PARA INSTITUIR O
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS)
4.1 A atribuição de permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISS)
A Constituição Federal reservou aos Municípios a permissão para instituir o
Imposto Sobre Serviços (ISS), consoante se extrai do seguinte enunciado
constitucional:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...]
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em
lei complementar.
Por força do enunciado do art. 147 da Constituição Federal,206 que prevê
caber ao Distrito Federal os impostos municipais, também foi reservada a esse ente
político a permissão para instituir o Imposto Sobre Serviços.
Tal reserva de permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal
configura nítida manifestação do princípio federativo, já que, consoante explica Clélio
Chiesa, visa assegurar a esses entes políticos “autonomia financeira, a fim de
cumprirem as atribuições que lhes forem conferidas pela Carta Magna”.207
206
207
“Art. 147. Compete à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o território não for dividido
em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos
municipais.”
Clélio Chiesa, A competência tributária no Estado brasileiro, p. 309.
– 88 –
Aos Municípios e ao Distrito Federal foi reservada, portanto, permissão
para instituir imposto gravando serviços de qualquer natureza, não compreendidos no
art. 155, II, definidos em lei complementar.
O texto constitucional, ao mesmo tempo em que reservou esse específico
campo tributável (serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar), atribuindo-o, privativamente, aos Municípios e ao
Distrito Federal, pré-excluiu, implicitamente, o poder de outro ente político tributar
esse mesmo campo.208
Para tanto, indicou o legislador constituinte o fato que pode ser submetido à
tributação pelo ISS, pressupondo um conceito de serviço tributável, que deve ser
observado para a criação do ISS.
Consoante bem exposto por Humberto Ávila, “a Constituição Federal
pressupõe conceitos que não podem ser desprezados pelo legislador ordinário”,209 o
que veda que este atribua significado à expressão “serviço” diferente daquele que é
pressuposto pelo legislador constituinte.
Outrossim, segundo José Artur Lima Gonçalves, tendo em vista que o
legislador constituinte
serviu-se da técnica de referir-se ao critério material da regra-matriz de incidência
tributária para o fim de proceder à repartição de competência tributária impositiva,
o conceito “serviços” foi utilizado para esse fim, sendo intuitivo que o respectivo
208
209
Privativamente implica exclusivamente. O que foi conferido a certo ente político é negado aos demais.
Roque Antonio Carrazza assinala que “a Constituição, por assim dizer, delimitou o campo tributável e deu,
em caráter privativo, uma parte dele à União; outra, a cada um dos Estados; ainda outra, a cada um dos
Municípios; e, a última, ao Distrito Federal. Por outro giro verbal, a União, cada um dos Estados, cada um
dos Municípios e o Distrito Federal receberam, da Constituição, um campo tributável próprio”. Curso de
direito constitucional tributário, p. 422.
Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 167.
Nas palavras deste autor: “não é ocioso relembrar que a Constituição Federal de 1988 optou por atribuir
poder aos entes políticos por meio de regras jurídicas e, não, de princípios. As regras estabelecem, por sua
própria estrutura, razões que afastam a livre ponderação de valores por parte do Estado no exercício das suas
competências, tornando determinável o âmbito material do poder. Além disso, a instituição de um sistema
rígido numa República Federativa conduz a uma repartição de competências marcada exatamente por
conceitos mínimos, na medida em que os mesmos fatos não poderão ser tributados por mais de uma pessoa
política de direito interno”. Ibidem, p. 167.
– 89 –
âmbito semântico não pode ficar à disposição do legislador ordinário. [...] A própria
Constituição fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua
210
compreensão sistemática, o conteúdo do conceito de serviço por ela pressuposto.
Assim, diante da rígida e exaustiva discriminação de competências
tributárias do nosso subsistema constitucional, os Municípios e o Distrito Federal “só
podem criar imposto sobre fatos abrangidos pelo conceito de serviço, predefinido na
constituição para outorgar-lhes e demarcar-lhes a competência tributária (art. 156,
III)”.211
Somente atividade que corresponda ao conceito de serviço tributável
pressuposto constitucionalmente para discriminar e demarcar a permissão para a
instituição do ISS pode ser descrita como fato tributável pelos Municípios e pelo
Distrito Federal.
A atribuição de permissão para instituir o ISS, levada a cabo pela
Constituição Federal de 1988, foi perpetrada, ainda, segundo o critério territorial. Por
força desse critério, a lei do Município apenas pode colher fatos (serviços) ocorridos
dentro do seu próprio âmbito territorial.
O critério territorial implicitamente utilizado pelo constituinte de 1988 para
repartir a competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal é corolário do
princípio da Federação, que atribui autonomia legislativa aos seus membros dentro de
seus territórios, observado apenas o que preceituar o texto constitucional. Desse modo,
a lei que institui o ISS incide apenas sobre fato tributável verificado no território da
210
211
José Artur Lima Gonçalves, O ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 282.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 26.
Conseqüentemente, não é permitido à União, por exemplo, pretender tributar fatos abrangidos pelo conceito
de serviço tributável pressuposto constitucionalmente.
Consoante Geraldo Ataliba, a faixa tributária privativa, outorgada a um ente político “implica proibição
peremptória, erga ommes, para exploração desse campo”. Sistema constitucional tributário, p. 106. Nesse
mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza sustenta que a discriminação das faixas impositivas “encerram
duplo comando: 1) habilitam a pessoa política contemplada – e somente ela – a criar, querendo, um dado
tributo; e 2) proíbem as demais de virem a instituí-lo. Efetivamente, a outorga de competência tributária
importa, a contrario sensu, interdição, que resguarda a eficácia de sua singularidade. Ao mesmo tempo em
que afirma a competência de uma pessoa política, nega a das demais. É clausula vedatória implícita, de
endereço erga ommes, salvo, é claro, o próprio destinatário da prerrogativa”. Curso de direito constitucional
tributário, p. 431.
– 90 –
ordem jurídica que a editou.212 Submeter à tributação serviço ocorrido em território de
outro Município será inconstitucional por ferir o princípio federativo.
Essa rígida atribuição da permissão para criar o tributo evidencia uma forte
preocupação do legislador constituinte em evitar a bitributação, o bis in idem,213 bem
como os conflitos de competência.
Com razão explica Mizabel de Abreu Machado Derzi que,
no Brasil, a questão da discriminação da competência tributária é manifestação do
próprio federalismo, por configurar partilha, descentralização do poder de instituir e
regular tributos. [...] Essa rigidez [constitucional de discriminação da competência
tributária] tem como pedra básica a competência privativa, mola mestra do sistema,
214
o qual repele a bitributação e evita a promiscuidade entre tributos diferentes.
Qualquer tentativa legislativa de usurpar a permissão para instituir o ISS,
seja gravando fato reservado à faixa de competência de outrem, e que, portanto, não se
subsume ao conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente, seja
tributando fato que, embora se enquadre dentro do conceito pressuposto de serviço
tributável, é verificado fora do âmbito territorial do Município e do Distrito Federal
que editou a lei instituidora do ISS, representará violação à rígida discriminação
constitucional de competências.
212
213
214
Conforme ensina Antônio Roberto Sampaio Dória, “a competência tributária do Estado, um dos atributos da
soberania, se exerce, como esta, nos limites de seu território privativo”. Princípios constitucionais
tributários e a cláusula due process fo law, p. 113.
Alerta Roque Antonio Carrazza que, “em matéria tributária, dá-se o bis in idem quando o mesmo fato
jurídico é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política. Já a bitributação é o fenômeno pelo
qual o mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas políticas”. Curso de direito
constitucional tributário, p. 500.
Amílcar de Araújo Falcão, por sua vez, enfatiza o bis in idem dizendo que tal ocorre quando “uma unidade
federada decreta um imposto de sua competência e, posteriormente, cria um adicional desse mesmo imposto,
ou então institui um imposto com nomen juris diverso, incidindo sobre o mesmo fato gerador: haverá, então,
reincidência duplicada do mesmo imposto”. Sistema tributário brasileiro, p. 50.
Mizabel de Abreu Machado Derzi, Direito tributário, direito penal e tipo, p. 103.
Roque Antonio Carrazza, após ressaltar que, em face da rigidez da distribuição de competências tributárias,
estas se encontram expostas e garantidas no “Estatuto Máximo”, conclui dizendo que “as regras que
compartem competências têm por destinatário imediato – para usarmos uma expressão muito do agrado de
Santi Romano – o legislador, que se acha, assim, impedido de expedir leis (lato sensu) desbordantes destes
valores constitucionais”. Curso de direito constitucional tributário, p. 413.
– 91 –
Nesse patamar afigura-se essencial proceder à investigação do conceito de
serviço tributável pressuposto pela Constituição Federal para outorgar e delimitar a
permissão impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal.215
Apontar esse conceito exige, inicialmente, a interpretação da expressão
“serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei
complementar”, inserta no enunciado do art. 156, III, do Texto Constitucional. Para
fins
didáticos
faremos
um
corte
metodológico,
analisando
individual
e
sistematicamente cada um dos suportes físicos que conformam esse enunciado, a
saber: “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no artigo 155, II”,
“definidos em lei complementar”.
Importa esclarecer, por oportuno, que a referida análise – fixando a
significação de cada um desses suportes – tem como objetivo apontar, ao final, o
conceito de serviço tributável, à luz do sistema constitucional tributário. Essa, aliás, é a
“única forma de proceder à interpretação adequada dos conceitos constitucionais.
Buscando no conjunto, no sistema constitucional como um todo, o sentido que o
constituinte pretendeu dar a cada conceito quando o utilizou”.216
Dessa forma, mediante a adequada adjudicação de sentido aos suportes
físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, não compreendidos no artigo 155, II”,
215
216
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “os conceitos jurídicos são de duas espécies: lógico-jurídicos ou
jurídico-positivos. Os primeiros têm por função servir como instrumentos necessários à lógica do direito,
para a apreensão do objeto desta ciência. Tais ‘verbi gratia’ os de pessoa, competência, relação, capacidade,
presunção, etc. São dados necessários ao raciocínio jurídico, intermediários obrigatórios ente o sujeito (o
jurista) e o objeto (a ciência jurídica). Representam, para os cultores do Direito, a forma de apreensão do
jurídico. Por esta razão, estão imanentes em qualquer sistema normativo, como ‘condicionantes de todo o
pensamento jurídico’, no dizer de Siches. Constituem-se em noção ‘a priori’, ainda que temporalmente
hajam sido formulados após a existência dos conceitos jurídicos positivos. Já os conceitos jurídico-positivos,
a posteriori’, consistem em qualificações de uma realidade para efeitos de direito. Referem-se à atribuição
de um ‘sentido especial’ àquelas realidades: justamente o de produzir determinados efeitos, em decorrência
da situação normativa que os colhe. Em conclusão fica firmado que os conceitos lógico-jurídicos ou
conceitos puros, ditos ainda essenciais (pessoa, objeto, relação etc.), são noções estruturais a toda norma, a
toda figura e a toda situação jurídica que existe, que existiu e que existirá, ao passo que os conceitos
jurídicos são o resultado de uma criação humana, produzida em tempo e lugar determinados, tendo em vista
a produção de certos efeitos”. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: RT, 1968. p. 77, apud
Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços, na Constituição, p. 18-19.
Cf. José Artur Lima Gonçalves, O ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 280281.
– 92 –
“definidos em lei complementar” – que conformam o art. 156, III, do Texto
Constitucional –, sempre levando em conta o subsistema constitucional, será, ao cabo,
apontado o conceito de serviço tributável pressuposto pela Constituição Federal para
discriminar e delimitar a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal
para criar o ISS.
4.2 Prestação de serviços: núcleo semântico da outorga da permissão para
instituir ISS
Como visto, o legislador constituinte conferiu aos Municípios e ao Distrito
Federal permissão para instituir impostos sobre serviços. À primeira vista, uma
interpretação literal do art. 156, III, da Constituição Federal pode indicar que o serviço
seja o núcleo semântico da atribuição da permissão para instituir ISS. No entanto, uma
análise mais detida e acurada, baseada na interpretação sistemática desse enunciado,217
evidenciará ser a prestação de serviços o verdadeiro núcleo semântico da presente
outorga da permissão impositiva em questão.
O legislador constituinte, ao empregar o termo “serviços” no art. 156, III,
teve em mente um conceito jurídico-positivo prévio desse vocábulo,218 que só pode ser
extraído do próprio sistema constitucional, consoante o seu emprego no direito
privado.
217
218
Pondera Luís Roberto Barroso que “uma norma constitucional vista isoladamente pode fazer pouco sentido
ou mesmo estar em contradição com outras. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema é vital e
conduz ao que se denomina interpretação sistemática do direito”. Interpretação e aplicação da Constituição,
p. 127. Esclareça-se que este autor utiliza os termos “norma jurídica” diferentemente daquele em que
mencionado na presente dissertação (aquela significação construída a partir dos textos de direito positivo,
estrutura logicamente em antecedente e conseqüente, em que nessa parte normativa situa-se um dever-ser
modalizado em “obrigatório”, “permitido” e “proibido”). No entanto, essa diferença não prejudica a
mensagem consignada pelo autor acerca da necessária observância da interpretação sistemática da Carta
Magna.
Ensina Tercio Sampaio Ferraz Júnior que “Partimos do princípio hermenêutico da unidade da Constituição.
Este princípio nos obriga a vê-la como um articulado de sentido. Tal articulado na sua dimensão analítica é
dominado por uma lógica interna que se projeta na forma de uma organização hierárquica. [...] Perdendo-se
a unidade perde-se a dimensão da segurança e da certeza o que faria da Constituição um instrumento de
arbítrio”. Interpretação e estudos da Constituição de 1988, p. 59.
Esclareça-se que a consideração que aqui se faz acerca do conceito de serviço é para fins de identificá-lo
como prestação de serviço com conteúdo econômico, distinta, portanto, daquela que é feita no item 4.5, em
que, após interpretar todos os suportes físicos que compõem o enunciado do art. 156, III, identificaremos o
conceito de serviço tributável.
– 93 –
Com bem adverte Aires Fernandino Barreto,
de nada vale, juridicamente, defini-lo consoante sua acepção vulgar; o que importa,
do ponto de vista jurídico, é buscar seu enquadramento dentro dos parâmetros
constitucionais. Isto porque, examinando-se o contexto sistemático da Constituição
chegar-se-á a um conceito de serviço que não é rigorosamente igual ao conceito
vulgar. Em outras palavras: o conceito constitucional de serviço não coincide com o
219
emergente da acepção comum, ordinária, desse vocábulo.
Esse conceito de serviço empregado implicitamente pela Constituição
Federal é um conceito de direito privado, sendo distinto daquele adotado pela ciência
econômica.220 É dizer, o legislador constituinte, ao ter em mente um conceito de
serviços, o fez aceitando o mesmo significado jurídico que a expressão “serviços”
possui no direito privado, em que originalmente entrou para o mundo jurídico.221
Assim, a partir da identificação do que seja serviço à luz do direito privado
são obtidos o conteúdo e o alcance da permissão para criar o ISS. Como obtempera
Aires Fernandino Barreto,
é no interior dos lindes desse conceito no Direito Privado que se enclausura a esfera
da competência dos Municípios para a tributação dos serviços de qualquer natureza,
dado que foi por ele que a CF, de modo expresso, a discriminou, identificou e
222
demarcou.
Segundo o direito privado, o vocábulo “serviço” significa o esforço humano
para terceiros.223
Consoante a clássica doutrina de Pontes de Miranda, serviço é
qualquer prestação de fazer; é prestar qualquer atividade que se possa considerar
“locação de serviços”, envolvendo seu conceito apenas a locatio operarum e
219
220
221
222
223
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 291.
Cf. idem, ibidem, p. 291.
Bem por isso que, no dizer de Clélio Chiesa, “a impossibilidade de o legislador ordinário redefenir os
contornos utilizados constitucionalmente está didaticamente contemplada no artigo 110 do CTN, o qual
estabelece que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e
formas de direito privado, utilizados, expressa e implicitamente, pela Constituição Federal, pelas
Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou
limitar competências tributárias”. Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 336.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 33.
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed., p. 470; J.M. de Carvalhos Santos, Código Civil
brasileiro interpretado, p. 216; Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, p.
399; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 253.
– 94 –
locatio operis. Trata-se de dívida de fazer, que o locador assume. O serviço é sua
224
prestação.
Esse esforço humano pressupõe, necessariamente, alguém desempenhando
uma ação e, pois, outrem sendo seu tomador. Não é possível supor este fato (esforço
humano em benefício de alguém) sem a abstração de um agente desencadeando-o e de
outrem sendo o seu tomador. É, pois, inquestionável, a existência de uma relação
jurídica. É dizer, quando se fala em serviço, se está, inexoravelmente, reconhecendo,
embora de modo implícito, determinada pessoa promovendo o esforço humano,
desencadeando, prestando o serviço e outra na condição de tomadora.
O prestador desempenha uma atividade produtiva de utilidade colocando- à
disposição de outra parte (terceiro). Conforme assegura Pontes de Miranda, quem
promete serviço “deve a atividade mesma”.225 Destarte, o objeto da relação jurídica em
questão é um esforço humano, ou, de outro giros, uma obrigação de fazer,
consubstanciada num ato ou conjunto de atos. Não há, portanto, obrigação de dar, em
que a prestação consiste na entrega de alguma coisa.
Esse esforço humano, registre-se, configura prestação de fazer, mas não
para si mesmo, já que o direito não concebe a possibilidade de relação jurídica
reflexiva.226
Portanto, juridicamente, serviço só pode ser entendido como prestação de
um esforço humano a outrem. É esse o conceito de serviço que, vindo do direito
privado, foi implicitamente empregado para demarcar o núcleo semântico da outorga
de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal.227
224
225
226
227
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 2. ed., p. 3-4.
Idem, ibidem, p. 10.
Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva Campos Júnior, A base de cálculo do ISS: o preço do
serviço, p. 237. Conforme explica Paulo de Barros Carvalho, “pelo prisma lógico, a relação que une os
sujeitos (S’e S’’) é uma relação irreflexiva, pois representaria um sem-sentido deôntico conceber que S’ está
facultado, obrigado ou proibido perante si mesmo”. Curso de direito tributário, p. 288.
Sobre a utilização, pelo direito tributário, de conceito de outro ramo do direito, confira a lição de Alfredo
Augusto Becker, segundo a qual “as regras jurídicas que geram as relações jurídicas tributárias são regras
jurídicas organicamente enquadradas num único sistema que constitui o ordenamento jurídico emanado de
– 95 –
Com efeito, é a “prestação de serviços” o núcleo semântico da permissão
impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, em vista do qual deverão os
legisladores ordinários dispensar irrestrita observância para eleger fato tributável pelo
ISS.
A doutrina, em sua grande maioria, atesta ser a prestação de serviço o
núcleo da permissão impositiva dentro do qual deverão os Municípios e ao Distrito
Federal se ater para institui o ISS. Conforme a magistral lição de Paulo de Barros
Carvalho, o serviço, “assim entendido a prestação de utilidades a terceiro”, configura
objeto da incidência do ISS.228
No entender de Geraldo Ataliba, “o ISS é imposto sobre a prestação de
serviços. Recai sobre a atividade de prestar serviços”.229.
É, pois, o fazer, materializado na execução onerosa de uma prestação de
serviços,230 que configura o campo de atuação dos Municípios e do Distrito Federal.
Embora a Constituição, em seu art. 156, III, faça, segundo lembra Roque
Antonio Carrazza,
menção a serviços, ela, elipticamente está aludindo a serviços prestados a terceiros,
ou seja, a prestações de serviços. Isso fica mais claro se cotejarmos esse dispositivo
com o artigo 155, II, do mesmo Diploma Magno (referido no art. 156, III), que
228
229
230
um Estado. Desta homogeneidade sistemática (homogeneidade essencial para o funcionamento de qualquer
organismo e, portanto, essencial para a certeza do direito que deve derivar do organismo jurídico), decorre a
conseqüência de que a regra do Direito Tributário ao fazer referência a conceito ou instituto de outro ramo
do direito, assim o faz, aceitando o mesmo significado jurídico que emergiu daquela expressão (fórmula ou
linguagem literal legislativa), quando ela entrou para o mundo jurídico naquele outro ramo do direito.
Somente há deformação ou transfiguração pelo Direito Tributário, quando este, mediante regra jurídica,
deforma ou transfigura aquele conceito ou instituto, ou melhor, quando o direito tributário cria uma nova
regra jurídica, tomando como ‘dado’ (matéria-prima para elaboração da nova regra jurídica) o ‘construído’
(o conceito ou instituto jurídico de outro ramo do direito)”. Grifos do autor. Teoria geral do direito
tributário, p. 125-126.
Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 200.
Geraldo Ataliba, Estudos e pareceres, p. 99.
Essa execução da prestação de serviços, segundo Marçal Justen Filho, “é aquela que envolve uma prestação
onde o fundamental é uma atividade do devedor não consistente na entrega de um bem (nem em uma
omissão, é claro”). O imposto sobre serviços na Constituição, p. 91.
– 96 –
confere, aos Estados, competência para tributar, via ICMS, “prestações de serviços
231
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”.
Deveras, o serviço, em si mesmo considerado, indica tão-somente o
resultado de um esforço humano, não contendo os requisitos imprescindíveis à
configuração dos regulares efeitos tributários.
Como bem apontado por José Eduardo Soares de Melo,
não se pode considerar a incidência tributária restrita à figura de “serviço”, como
uma atividade realizada; mas, certamente, sobre a “prestação” do serviço, porque
esta é que tem a virtude de abranger os elementos imprescindíveis à sua
configuração, ou seja, o prestador e o tomador, mediante a instauração de relação
232
jurídica de direito privado, que irradia os naturais efeitos tributários.
Não se supõe, portanto, que, pelo fato de o texto constitucional ter omitido
o vocábulo “prestação” do art. 156, III, autoriza conclusão no sentido de que a
prestação estaria descartada, de que não se estaria pressupondo a necessidade de
efetiva prestação.233
Na lição de Marçal Justen Filho,
serviço, por si só, não designa nem indica uma conduta humana – mas o resultado
de uma atividade. Tanto é verdade que se trata de um substantivo e, não, de um
verbo. Não se tributa o serviço em si mesmo, mas a atividade humana da qual ele
decorre. O tributo incide, materialmente, sobre a atividade que consubstancia
234
serviço. Ou seja, a incidência se dá sobre a prestação de serviço.
231
232
233
234
Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 2 21.1, da lista de serviços anexa à LC n.
116/2003, p. 354.
José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 37.
A tributação não é “unicamente sobre utilidade, comodidade, coisa, bem imaterial etc. A circunstância de no
âmbito estadual a CF haver estipulado ‘prestações e serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e
de comunicação’ (art. 155, II – ICMS); e no âmbito municipal haver omitido o referido vocábulo
(‘prestações’) – só mencionando ‘serviços de qualquer natureza’ (art. 156, III – ISS) – não significa que
também não se estaria cogitando da necessidade de efetiva prestação”. José Eduardo Soares de Melo, ISS:
aspectos teóricos e práticos, p. 37.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 77-78. Grifos do autor.
– 97 –
Daí que, conforme assevera Susy Gomes Hoffmann, “a interpretação do
texto constitucional, ao tratar do ISS, indica a incidência tributária sobre a prestação de
serviços e não sobre o serviço, isoladamente”.235
Destarte, o esforço humano consistente na prestação de serviços em
benefício de terceiros (e não o serviço como o produto de uma atividade humana)
configura o núcleo semântico da atribuição da permissão impositiva dos Municípios e
Distrito Federal para instituição do ISS. Apenas tendo em conta esse campo material
de atuação específica poderão esses entes políticos legislar.
4.2.1 Irrelevância da espécie da utilidade produzida pela prestação de serviços
É irrelevante, para efeito de conformação desse campo de atuação material
dentro do qual deverão se ater os Municípios e o Distrito Federal para criar o ISS, a
espécie da utilidade produzida pelo esforço humano. Qualquer atividade humana
produtiva de utilidade a terceiros, seja material ou imaterial (com exclusão daquelas
que são de competência dos Estados e Distrito Federal e daquelas que configuram
serviço público, conforme será visto mais adiante), pode ser submetida à tributação
pelo ISS.
Essa advertência sobre a irrelevância da utilidade material ou imaterial,
observa Elisabeth Nazar Carrazza,236 faz-se necessária para deixar afastado o emprego
do conceito econômico de serviço, trazido para o direito, por alguns tributaristas. Entre
esses tributaristas destaca-se Bernardo Ribeiro de Moraes, que, concebendo o serviço
como resultado de uma atividade – fruto de conceituação econômica –, entende ser o
ISS um imposto sobre a circulação, que
recai sobre a circulação (venda) de serviços, sobre a circulação de bens imateriais.
[...] O ISS é um complemento do ICM, uma vez que ambos os tributos possuem a
235
236
Susy Gomes Hoffmann, A base de cálculo do ISS, p. 213.
O imposto sobre serviços na Constituição, p. 16, nota de rodapé n. 14.
– 98 –
mesma área de ação, o primeiro (ISS) abrangendo a circulação de bens imateriais, e
237
o segundo (ICM) a circulação de bens materiais.
Ousamos discordar deste autor. A Constituição Federal, adotando um
conceito jurídico de serviço, advindo do direito privado, outorgou e demarcou a
permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal para onerar não a venda de
serviços, e sim a prestação de serviços. Portanto, não tem importância jurídica
qualquer afirmação no sentido “de que o ISS incide sobre ‘a venda’ de serviços,
porque este é um conceito econômico. Serviço não se vende; serviço presta-se, fazse”.238
Assim, o fato de a utilidade produzida com a prestação do esforço humano
ser material ou imaterial não tem nenhuma relevância jurídica.
Consoante ensina Paulo de Barros Carvalho, serviço consubstancia-se “na
prestação a terceiro, de utilidade, material ou imaterial”.239
No mesmo sentido Aires Fernandino Barreto adverte que
o que importa é ter sido obtido como fruto do esforço humano de alguém. [...] O
resultado pode ser um bem material, como é o caso de uma obra de construção
civil, ou a voz do cantor, que é um bem imaterial. Em ambas as hipóteses cabe
240
ISS.
Eduardo Domingos Botallo também defende a irrelevância da espécie da
utilidade produzida, ao sublinhar que o ISS alberga “toda e qualquer prestação de
utilidade, tanto material (v.g., uma obra de engenharia) quanto imaterial (p. ex., os
serviços prestados por profissionais liberais stricto sensu), que consista na execução de
uma obrigação de fazer”.241
237
238
239
240
241
Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 80. Grifo do autor. Em outro trabalho este autor
esposa o mesmo entendimento. Imposto municipal sobre serviços, p. 119.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 291.
Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 190.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 36.
Eduardo Domingos Botallo, Notas sobre o ISS e a Lei Complementar n. 116/2003, p. 79.
– 99 –
Essa irrelevância foi, inclusive, confirmada pelo atual Código Civil que, em
seu art. 594 (art. 1.212 do antigo Código Civil), estabelece que “toda espécie de
serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante
retribuição”.
Sobre o critério a que alude Bernardo Ribeiro de Moraes na citação
transcrita anteriormente, consistente na circulação de bens materiais versus circulação
de bens imateriais, tem-se que não se presta para estremar o ICMS do ISS. A
permissão impositiva reservada aos Estados e ao Distrito Federal é para instituir
imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias,242 de modo que o
critério jurídico para distinguir esses dois impostos é aquele consistente nas obrigações
de dar e de fazer. Diante desse critério distintivo, o ICMS incide sobre aquelas
obrigações (de dar) e o ISS sobre estas (de fazer), conforme proposto magistralmente
por Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto243 e acolhido, posteriormente, por
Marçal Justen Filho.244
Em resumo, a expressão “serviço”, empregada no enunciado prescritivo do
art. 156, III, do Texto Constitucional, só pode ser considerada prestação de serviços,
situada entre as obrigações de fazer em oposição às de dar,245 sendo este o núcleo
semântico da permissão impositiva dos Municípios e Distrito Federal para instituir o
ISS.
242
243
244
245
Segundo Aires Fernandino Barreto, não é possível concluir “se o resultado for uma ‘obra’, que se tem
operação mercantil e incidência do ICMS, ou que não se tem serviço porque o resultado é um bem corpóreo,
um bem material. Só isto já é o bastante para demonstrar o equívoco dessa dicotomia. Não se pode estremar
o ISS do ICMS sob o fundamento de que o ICM incide sobre a ‘circulação de bens materiais’, e o ISS incide
sobre a ‘circulação de bens imateriais’, porque isso não é verdadeiro nem à luz da Constituição, nem à luz
dos fatos. Não foi por outra razão, de há muito, que o STF editou a Súmula 570 negando a incidência do
ICM na importação de bens de capital destinados à constituição do ativo fixo das empresas. O que se extrai
dessa Súmula? É que essas importações que se incorporam ao ativo fixo, não obstante sejam bens materiais,
não são mercadorias. A competência estadual não é para instituir imposto sobre operações relativas à
circulação de bens materiais, mas imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, que é
espécie daquele gênero. Ressalva-se, tão-só, as especiais hipóteses da letra a do inciso IX do § 2.° do art.
155, da Constituição”. ISS na Constituição e na lei, p. 64.
ISS e ICM – Conflitos, p. 169-173, e ISS e ICM – Competência municipal e estadual – limites, p. 197-216.
O imposto sobre serviços na Constituição, p. 89-93.
Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 167.
– 100 –
4.2.2 A inexorável necessidade de a prestação de serviços ostentar conteúdo
econômico
Diante do nosso contexto constitucional, a prestação de serviço deve ter
conteúdo econômico para que possa ser submetida à tributação pelo ISS. Por injunção
do princípio da capacidade contributiva – desdobramento do princípio da igualdade –
somente aquelas prestações de serviços que exteriorizem riqueza podem ser descritas
como objeto de tributação pelo ISS. É a dimensão econômica do fato “que irá permitir
que a sua ocorrência concreta dimensione, de alguma maneira, o tributo, e, portanto,
possa ser reconhecida como indício de capacidade contributiva”.246
Bem por isso que Marçal Justen Filho destaca que o serviço que a pessoa
presta para si própria refoge da reserva de competência impositiva dos Municípios do
Distrito Federal. Consoante esse autor,
a prestação de atividade em benefício próprio não exterioriza riqueza, nem
capacidade contributiva. É um evento não-quantificável nem dimensionável sob
esse ângulo. [...] Assim, a primeira colocação que temos de fazer é a de que os
serviços de qualquer natureza indicados na norma constitucional não abrangem a
prestação de esforço físico ou intelectual em proveito próprio. Isso, juridicamente,
247
não é serviço, mas uma irrelevância.
Apenas a prestação que tenha conteúdo economicamente mensurável –
circunstância que só se dá quando o esforço seja produzido para outrem – configura
tributável pelo ISS.
No dizer sempre preciso de Aires Fernandino Barreto, “só a prestação do
serviço é tributável, porque o conteúdo econômico indica o prestador como o
246
247
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 30. Ressalte-se que este autor utiliza o termo
tributo no sentido de obrigação tributária, diferentemente, portanto, daquele que é empregado nesta
dissertação, qual seja tributo como norma jurídica. A respeito desse assunto remetemos o leitor ao capítulo 2
do presente trabalho.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 78-79.
– 101 –
verdadeiro beneficiário da retribuição que, de alguma maneira, é o modo objetivo de
mensuração desse mesmo conteúdo econômico”.248
Portanto, é forçoso concluir que somente a prestação de serviços com
conteúdo econômico está compreendida na reserva de permissão impositiva dos
Municípios e do Distrito Federal.
Essa inexorável exigência revela o conteúdo negocial do regime de direito
privado a que deve estar submetida a prestação de serviços.
Deveras, como bem salientado por Geraldo Ataliba e Aires Fernandino
Barreto, o que está compreendido no campo de atuação impositiva dos Municípios e
do Distrito Federal é “o esforço humano prestado a outrem em caráter negocial, sob
regime de direito privado”.249 O que se tributa, elucida Marçal Justen Filho, “é a
prestação de um serviço como adimplemento de uma obrigação”.250
Por isso, o serviço a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal deve
ser entendido como a prestação de esforço humano, efetuada em caráter negocial sob a
égide de um contrato celebrado sob o regime de direito privado.
De fato, o regime de direito privado pressupõe a liberdade de contratar, o
que implica admitir, portanto, a existência de um contrato de direito privado, ao qual a
prestação de serviço se submete para sua efetiva realização.
Essa circunstância não passou desapercebida por Roque Antonio Carrazza,
para quem “o serviço tributável por meio do ISS deve advir de um contrato de Direito
248
249
250
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 30-31.
ISS – Locação e leasing, p. 55. No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que serviço
consiste “na prestação a terceiro, de uma utilidade, material ou imaterial, com habitualidade e de conteúdo
econômico, sob regime de Direito Privado”. A natureza jurídica do ISS. Aplicação prática – Incidência nos
casos de promoções de bailes por agremiações esportivas, p. 152.
O imposto sobre serviços na Constituição, p. 86. Assim, conforme sublinha José Eduardo de Mello, “o cerne
da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a ‘serviço’, mas a
uma ‘prestação de serviço’, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de ‘fazer’, de
conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 37.
– 102 –
Privado, livremente pactuado entre o prestador e o fruidor”,251 denotando, dessa forma,
aquela relação jurídica de direito privado que, consubstanciada numa obrigação de
fazer, “se caracteriza pela autonomia das vontades e pela igualdade das partes
contratantes”.252
Como bem explica Aires Fernandino Barreto,
o serviço deve ser objeto de um contrato a que livremente aderiram prestador e
tomador. A isonomia entre ambos, na relação contratual, é essencial à denotação do
serviço tributável. O contrato engendra obrigação de fazer, em oposição à
obrigação de dar. O prestador do serviço ao assumir obrigação de fazer torna-se
devedor, pelo contrato de prestação de serviço, de um determinado comportamento,
consistente em praticar um ato ou uma série de atos (atividade), ou realizar uma
253
tarefa da qual pode resultar uma vantagem para o tomador do serviço.
Daí que, conforme atesta José Eduardo Soares de Melo, o ISS alcança “as
relações de natureza privada, compreendendo os negócios jurídicos (prestações),
vinculando prestador e tomador, mediante uma remuneração (preço), de conformidade
com o princípio da autonomia da vontade”.254
É o que também pensa Elisabeth Nazar Carraza255 ao pontuar ser necessário
ter presente que os serviços alcançados pelo ISS são os prestados em regime de direito
privado.
Por conseguinte, a prestação de serviço que se contém dentro do campo de
atuação impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal é aquela resultante
de um contrato oneroso firmado sob regime de direito privado entre o prestador e o
tomador.
251
252
253
254
255
Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n.
116/2003, p. 355.
Cf. Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 17.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 36.
José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidade da LC n. 116/2003, p. 306.
Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 14.
De igual pensamento Paulo de Barros Carvalho é categórico: “quem quer que preste serviços, assim
entendida a prestação de utilidade a terceiro, materiais ou imateriais, com substância econômica, em caráter
habitual e debaixo de regime de Direito Privado, estará realizando o fato imponível do imposto sobre
serviços de qualquer natureza”. A natureza jurídica do ISS. Aplicação prática – Incidência nos casos de
promoções de bailes por agremiações esportivas, p. 162.
– 103 –
Não se suponha, no entanto, que a Constituição Federal tenha reservado aos
Municípios e ao Distrito Federal permissão para tributar por meio do ISS o contrato de
prestação de serviços a que livremente aderiram prestador e tomador.
Deveras, objeto da tributação pelo ISS não é o contrato, a mera contratação
ou a prestação potencial de serviços, e sim a prestação efetivamente verificada, sob a
égide de um contrato.
Como apregoa Marçal Justen Filho,
um enfoque vernacular ressalta que a vontade da Constituição é a de atribuir ao
Município competência para tributar o serviço (a prestação do serviço) e, não, o
negócio jurídico pelo qual alguém se obriga à prestação de serviço. [...] Se a
Constituição pretendesse atribuir competência para tributar negócio jurídico, ter-seia valido, possivelmente, de fórmula semelhante (tal como “operações relativas à
256
prestação de serviços”).
Não é diferente a lição de Cleber Giardino ao dizer que
não há, no caso, imposto do tipo “documental” ou seja (na classificação exposta por
Amílcar Falcão) incidente sobre o título expressivo da relação (jurídica) “de
serviços” estabelecida. Tampouco imposto sobre o ato negocial: o fato da
realização ou consumação do contrato de serviços. Na verdade, quando a
Constituição alude a serviços de qualquer natureza, refere-se ao próprio ato
material ou prestação concreta, especificamente o evento representativo da
execução do contrato de serviços que, embora só se verifique sob o pressuposto da
257
antecedente contratação, com ela em rigor não se confunde.
Nesse mesmo sentido é a posição adotada por José Artur Lima Gonçalves,
segundo a qual
não basta, pois, a simples promessa de uma atividade ou a mera referência ao
fornecimento de uma utilidade material ou imaterial para ensejar a tributação por
meio do ISS. É necessário desempenho efetivo de uma atividade, o esforço humano
para a execução concreta de um serviço, conforme entendimento pacífico da
258
doutrina.
256
257
258
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 84.
Cleber Giardino, Conflitos entre ICMS, ISS e IP, p. 121. No mesmo sentido, Marçal Justen Filho, O imposto
sobre serviços na Constituição, p. 85. Aires Fernandino Barreto, ISS e ICM – conflitos, p. 204, e ISS na
Constituição e na lei, p. 296.
José Artur Lima Gonçalves, O ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 285.
– 104 –
Destarte, para nós, apenas a efetiva prestação de serviço pode ser submetida
à tributação pelo ISS.
4.2.3 Interlúdio necessário
Dizer que a prestação de serviços que se contém no núcleo semântico da
permissão impositiva reservada aos Municípios e Distrito Federal é aquela realizada
em caráter negocial, sob regime de direito privado, implica, desde logo, afastar (i) os
serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista e (ii) os serviços
públicos.
4.2.3.1
Serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista
Os serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista (vínculo
empregatício) consistem na execução de um esforço humano em benefício de outrem,
realizado sob subordinação, dependência à pessoa para a qual se presta. Trata-se,
destarte, de prestação de esforço humano submetido ao regime laboral, regulado que
pelas normas trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho.
Como bem obtempera Aires Fernandino Barreto, a presença desse vínculo
de subordinação caracteriza a atividade como “prestação de trabalho, e não de
serviço”,259 eis que não é enfeixada com autonomia de vontade, timbre marcante da
prestação de serviço, atividade realizada sob regime negocial.
Com efeito, carecendo a prestação de trabalho de autonomia de vontade em
sua execução, não pode ser objeto de incidência do ISS.
Para a tributação pelo ISS, o esforço humano em benefício de outrem deve
ser prestado sem subordinação, isto é, com autonomia em sua execução, característica
própria, segundo observa Bernardo Ribeiro de Moraes, das prestações de serviços “da
259
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 59.
– 105 –
empresa e do profissional autônomo”.260 É preciso, conforme destaca o autor em
relação ao profissional autônomo, que este exerça
sua atividade econômica com inteira liberdade de ação em face daquele para quem
presta a atividade, falecendo ao interessado no serviço o poder de comandar ou de
dar ordens ao prestador do serviço. O horário para prestar o serviço, o modo desta
261
prestação, etc., é decidido pelo próprio profissional autônomo.
No mesmo sentido, José Eduardo Soares de Melo sublinha que
o ISS somente pode incidir sobre as relações de natureza privada, compreendendo
os negócios jurídicos (prestações), vinculando prestador e tomador, mediante uma
remuneração (preço), de conformidade com o princípio da autonomia da
262
vontade.
A par da ausência da autonomia da vontade, outra razão jurídica há que
impossibilita sejam as prestações de trabalho submetidas à tributação do ISS: a
natureza alimentar da remuneração dessas atividades.
Sendo a prestação de trabalho realizada sob subordinação e, pois, submetida
ao regime laboral, a sua remuneração tem indubitável cunho alimentar.
Nesse aspecto, Aires Fernandino Barreto, após destacar que a diferença
entre prestação de trabalho e prestação de serviço encontra raiz também no regime
jurídico que a Carta Magna atribuiu a ambas (regime laboral na prestação de trabalho e
regime negocial na prestação de serviço), ensina que a remuneração da prestação de
trabalho “tem claro e insuperável cunho alimentar”.263
Essa natureza alimentar implica reconhecer que a remuneração devida pela
prestação de trabalho – nítida atividade realizada sob regime laboral, e não sob regime
negocial – é despida de conteúdo econômico.
260
261
262
263
Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 94.
Idem, ibidem, p. 94.
José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidade da LC n. 116/2003, p. 306.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 59.
– 106 –
É o que novamente se extrai da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo
a qual “o trabalho puro e simples (por definição, subordinado) – como remuneração de
sentido puramente alimentar – é, ex vi da Constituição, destituído de conteúdo
econômico. É inestimável”.264
Com efeito, o cunho alimentar da remuneração da prestação de trabalho
contrapõe-se ao conteúdo econômico da remuneração da prestação de serviços, eis que
não é atividade realizada sob regime negocial.
Estando, pois, diante de remuneração no sentido puramente alimentar, e não
de remuneração com conteúdo econômico, o trabalho subordinado está excluído da
tributação pelo ISS.
Nessa mesma linha Marçal Justen Filho observa que
a generalidade da doutrina exclui da incidência do ISS as atividades regidas pelo
Direito do Trabalho. Não discordamos da predominância. [...] Pelos mesmos
motivos acima indicados para excluir da abrangência constitucional os serviços em
proveito próprio, também afastamos aqueles prestados em regime de emprego. Ou
265
seja, juridicamente a alusão a serviço não abrange emprego.
Bem por isso que Roque Antonio Carrazza é enfático ao afirmar que o ISS
não alcança o trabalho que o empregado presta ao seu empregador, porque
esse serviço desenvolve-se debaixo de um vínculo de subordinação: o empregado
está subordinado a seu empregador, nos termos do contrato de trabalho e da própria
lei (a Consolidação das Leis do Trabalho). Como se isso não bastasse, o salário que
o empregado percebe corresponde a alimentos (não à contraprestação dos serviços
266
prestados).
Parece-nos, assim, que a inexistência de cunho econômico da remuneração
do trabalho subordinado implica reconhecer que se trata de atividade que está fora do
comércio, não podendo, dessa forma, integrar o conceito de prestação de serviço –
atividade cujo timbre característico é marcado pelo seu conteúdo negocial – para fins
264
265
266
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 60.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 82.
Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n.
116/2003, p. 357.
– 107 –
de identificação e demarcação da permissão impositiva dos Municípios e Distrito
Federal em termos de ISS.
O conceito de serviço somente abrange as prestações sem relação de
emprego e com conteúdo econômico, ficando excluído, conforme sublinha José
Eduardo Soares de Melo, “o trabalho efetuado em regime de subordinação (funcional
ou empregatício), por não estar in commercium”.267
Sob esse mesmo ponto de vista, Tárek Moysés Moussallem aponta que se
exclui do núcleo semântico do conceito de serviço “o esforço humano exercido sob
vínculo empregatício”.268
4.2.3.2
Serviço público
Cabe, ressaltar, outrossim, que o serviço público269 também não equivale à
noção de prestação de esforço humano em benefício de outrem, realizado sob regime
de direito privado.
Deveras, o serviço público resta afastado dessa noção pressuposta no
enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal, visto que configura
atividade desenvolvida pelo Estado ou quem lhe faça as vezes sob o regime de direito
público, tributável por meio de taxas.
Como bem sabido, a Constituição Federal outorgou, em seu art. 145, inciso
II, permissão à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para
tributarem, por meio de taxas (além daquelas exigíveis em razão do exercício do poder
267
268
269
José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 42.
Tárek Moysés Moussallem, A base de cálculo do ISS: o preço do serviço, p. 238.
Costuma-se definir serviço público como “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade,
fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime
de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –
instituídos pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios do sistema normativo”.
Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Prestação de serviços públicos e administração indireta, p. 1.
– 108 –
de polícia), a utilização, efetiva ou potencial, dos serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.270
Diante da rígida e exaustiva discriminação de permissão para criar tributos
e bem assim desse enunciado constitucional, deflui ser impostergável que os serviços
públicos, específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição do sujeito passivo
sejam remunerados apenas por taxas.
Como preleciona Aires Fernandino Barreto, o Texto Constitucional,
ao associar a “remuneração” dos serviços públicos à taxa, não está se limitando a
fazer recomendações ou sugestões ao legislador ordinário. Pelo contrário, está
determinando que, se o legislador decidir remunerar a prestação de um serviço
público (desde que esse serviço seja específico e divisível), necessariamente
adotará, como instrumento para tanto, a espécie tributária taxa. Em outras palavras,
a Constituição – até para impedir invasão de competências – não tolera qualquer
outro tributo nessa matéria. Aí há imperativo constitucional categórico. Se se quiser
remunerar serviço público, só caberá taxa, e nenhum outro tributo. Excluída está a
liberdade do legislador para a eleição de qualquer outra figura tributária (como a do
271
imposto) nessas hipóteses.
No mesmo sentido, Geraldo Ataliba pontua que
a única liberdade que a Constituição dá ao legislador é para decidir se a prestação
de dado serviço público divisível e específico (isto é: que possa ter prestação
individual e, pois, fruição singular pelos utentes) será remunerada ou não. Com
270
271
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[...]
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.”
As taxas são tributos vinculados cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal direta e
imediatamente referida ao sujeito passivo. Segundo explica Geraldo Ataliba, “a referibilidade entre a
atuação – posta como aspecto material da h.i. da taxa – e o obrigado é essencial à configuração da taxa. Não
pode a lei exigir taxa de conservação de rua de um proprietário não lindeiro à via pública que recebeu o
serviço. Ou taxa por serviço de correio que ele não utilizou, nem taxa por fiscalização que não houve. É
essencial à definição da taxa a referibilidade (direta) da atuação ao obrigado”. Hipótese de incidência
tributária, p. 156.
Há que observar, ainda, como bem explica esse autor, que a exigência de taxa só é possível diante de serviço
público específico e divisível: “A Constituição (art. 145, II) só admite taxa nos casos de serviços específicos:
quer dizer, que não seja geral. Isto é: serviço público propriamente dito (stricto sensu) definido por Celso
Antônio como ‘prestação de utilidade material, fruível individualmente pelos administrados, sob regime de
direito público’. Serviços públicos (lato sensu) gerais (como segurança interna e externa, relações exteriores,
legislação etc), insuscetíveis de gozo individual, ou de medição, não comporta taxa. Fica claro que o
requisito constitucional é que seja possível destacar-se unidade de utilização (o que supõe que o serviço seja
divisível, como estabelece a Constituição, como condição de remunerabilidade por taxa), para fruição
individual pelos administrados. Cada utente deverá pagar na media de utilização”. Ibidem, p. 152.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 62.
– 109 –
efeito, pode o legislador decidir que os serviços (vacinação, identificação ou
profilaxia etc) sejam prestados sem remuneração. Se, entretanto, resolver que
haverá remuneração, não pode senão optar pela taxa. A sua prestação só pode ser
272
retribuída mediante taxa.
Portanto, os serviços públicos, específicos e divisíveis, somente podem
render espaço à tributação por meio de taxas. É dizer, diante de serviços públicos,
específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição do contribuinte, a única
opção para a sua remuneração é a criação de taxas.
Tamanha seria a ilogicidade se o Texto Constitucional, ao discriminar
rígida e exaustivamente a permissão impositiva dos entes políticos, baseado,
notadamente, na distinção das espécies tributárias, fizesse abarcar como objeto de
incidência de determinado imposto acontecimento reservado constitucionalmente à
tributação via taxa.
Ou melhor, segundo aponta Marçal Justen Filho,273 o legislador
constituinte, ao reservar a prestação de serviço público à incidência de taxa, já a
excluiu do âmbito de permissão impositiva atinente aos impostos.
Com efeito, sublinha esse autor,
à medida que o serviço público envolve uma atuação estatal diretamente referida ao
contribuinte, sua tributação caracteriza tributo vinculado. Já os impostos, enquanto
tais, só podem ter na materialidade de sua hipótese uma situação qualquer, não
qualificável como atuação estatal referida ao contribuinte.274
Por conseguinte, a prestação de um serviço público é intributável por meio
de imposto, inclusive, por certo, pelo ISS, tributo cuja materialidade consiste em um
fato ou acontecimento qualquer, diferentemente de uma atuação estatal.
272
273
274
Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 160.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 79.
Cf. Idem, ibidem, p. 79. Como lembra José Eduardo Soares de Melo, “a qualificação do serviço como
‘público’ tem sido examinada para fins de permitir a cobrança de taxa, em oposição ao denominado preço
público, que significa contraprestação de atividade desenvolvida pelo Estado em regime de direito privado
(em plena concorrência com os particulares)”. Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 307.
– 110 –
A disposição do art. 145, II, do Texto Constitucional, pontua Aires
Fernandino Barreto,
deixa manifesto não só a plena aplicabilidade do regime da taxa aos serviços
públicos, mas a impossibilidade destes serem objeto de tributação por via de ISS
(ou ICMS, se fosse o caso), em face da compartimentalização que caracteriza o
nosso sistema. Rígido e exaustivo que é, o nosso sistema não oferece, nesse campo,
qualquer margem de opção. Nenhuma possibilidade de escolha entre alternativas
simplesmente porque estas não existem. Deveras, ou se está diante de serviço
público, e só se pode criar taxa para remunerá-lo – afastadas, automaticamente,
quaisquer espécies tributárias – ou se está diante de outra situação em que serviço
público não há, caso em que não cabe qualquer cogitação da aplicabilidade de taxa
(tributo vinculado). No Brasil, é lícito afirmar tranqüilamente, que, hoje, onde
houver serviço público, de nenhum modo se poderá considerar aplicável o regime
275
dos impostos.
Afigura-se, portanto, inconcebível submeter à tributação do ISS
acontecimento que denote atividade estatal dirigida ao contribuinte.
Nesse aspecto, Cléber Giardino acentua que “no sistema brasileiro, todo
tributo cuja hipótese de incidência expresse fato consistente em atividade estatal
jamais poderá assumir a natureza de imposto; ou seja, nenhum imposto poderá incidir
sobre situação ‘dependente’ de atividade estatal”.276 Para, então, concluir que “disso
resulta evidente e manifesto que a prestação de serviços públicos – típica e ontológica
atividade estatal que é – não pode consistir em hipótese de incidência de imposto; de
nenhum imposto; inclusive, obviamente, do imposto sobre serviços”.277
Compartilhando desse mesmo entendimento, Elisabeth Nazar Carrazza,
após enfatizar que os serviços alcançáveis pelo ISS são os prestados em regime de
direito privado, sublinha que “os serviços tributáveis pelo ISS não se confundem com
os serviços públicos, que estão submetidos a regime jurídico diverso, em sua
prestação”.278
275
276
277
278
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 54.
Cléber Giardino, Serviço público: intributabilidade por meio de imposto – Serviços de Transportes Urbanos
e ISS, p. 103.
Idem, ibidem, p. 103.
Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços, na Constituição, p. 14.
– 111 –
Importa registrar, por oportuno, que, quando o serviço público é executado
pela Administração de forma direta ou indireta, o regime jurídico tributário aplicável
deve, inexoravelmente, continuar sendo observado.
Tal regime, lembra Geraldo Ataliba,
traçado amplamente nos arts. 145 a 156 – essencialmente informado pela
legalidade, igualdade, vedação de delegações, irretroatividade e segurança jurídica
– é obrigatório para o legislador e erige direitos públicos subjetivos para todos os
contribuintes. Não pode, por isso, o legislador deixá-lo de lado, para estabelecer
regime de preços, típico do direito privado, informado pela autonomia da vontade,
de que decorrem a liberdade de contratar e a liberdade contratual, inconvenientes
com o regime administrativo estritamente informador de toda atividade pública,
279
seja de polícia, seja de prestação de serviços públicos.
Com efeito, entendemos que o serviço público, mesmo quando executado
indiretamente pelo Estado – como nos casos de delegação e concessão –, não significa
que tenha deixado de ser público.
Se uma atividade é necessária para o público, o Estado deve exercê-la direta
(por meio de entes federados) ou indiretamente (por meio de concessão, delegação ou
permissão ou por meio de entidades públicas).280 Nesse último caso, a execução dos
serviços públicos é, por motivos operacionais, transferida para determinadas entidades.
A execução do serviço público em casos que tais “não deve produzir modificação do
regime jurídico que preside essa atividade (pública), não acarretando a transformação
do serviço em privado”.281
Em que pese a forma operacional adotada pelas entidades que
desempenham o serviço público ser submetida às disposições do direito privado, o
serviço prossegue sendo público, devendo, destarte, estar sujeito à tributação por meio
de taxa.
279
280
281
Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 160.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, p. 102 e ss.
Cf. José Eduardo Soares de Melo, O ISS e a Lei Complementar 116 – Conflitos de competência, p. 302.
Conforme adverte este autor, “embora se positive um regime complexo – o particular atua em nome próprio
na sua relação com terceiros (usuários dos serviços), mas presta os serviços no interesse público – revela-se
o superior interesse (e participação indireta) da Administração Pública”. Ibidem, p. 302.
– 112 –
Sobre o assunto, Aires Fernandino Barreto observa que
a proteção jurídico-normativa ao interesse público – que está no cerne do serviço
púbico – continua sempre a existir. O que a Constituição consente, nesta matéria, é
apenas que as formas de exercício, de desempenho dos atos concretos tendentes à
produção e à prestação do serviço público sejam submetidas a formas de direito
privado. Tem-se em vista, o acelerar o desenvolvimento do serviço público, tornar
expedita a concretização dessas atividades; fazer versátil o funcionamento das
entidades que os desempenham. Tudo isso, entretanto, não significa que o serviço
tenha deixado de ser público. Jamais será qualificável como res in commercium só
pela circunstância de as formas, mediante as quais os desempenha, serem
282
privadas.
E ao final arremata dizendo:
portanto, em rigor, só taxa pode remunerar os serviços públicos, seja qual for a
forma operacional adotada pelas entidades que os desempenham. O que se concede
não é o serviço, mas sim a sua execução. O serviço é sempre público; o titular é
sempre a pessoa pública. Se o serviço é prestado pelo próprio Estado, cometido a
concessionário seu, ou conferido a particulares, é o que menos importa. O serviço,
em qualquer caso, seguirá sendo público. [...] Via de conseqüência, estamos
absolutamente convencidos de que é inconstitucional o § 3.º, do art. 1.º, da Lei
Complementar 116/2003, assim como é inconstitucional item 21 e seu subitem
21.01, da lista anexa a essa Lei Complementar, por força dos quais se pretende
283
tributar os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais”.
Insta consignar, ainda, que a prestação de serviço público é afastada do
conceito de serviço para fins de ISS, não só por ser tributável apenas por taxa, mas,
também, por ser imune à tributação por impostos.
282
283
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 56.
Idem, ibidem, p. 56. Segundo explica o autor: “como advertia, reiteradamente, o mestre Ataliba, na prática
do direito brasileiro tem-se, com freqüência, adotado um chamado ‘regime tarifário’ para a remuneração de
serviços públicos. Quando se fala, no Brasil, presentemente, em tarifa, quer-se fazer referência a uma
entidade jurídica que se reconhece como ‘preço’. Ora, preço é a contrapartida de uma obrigação ex
voluntate. É, portanto, a remuneração de uma obrigação contratual. O preço se insere, sempre, dentro de um
contexto contratual. Ora bem, se o serviço público, por definição, é res extra commercium, há uma
contradictio in terminis quando se fala em serviço público, de um lado, e a sua remuneração por preço, de
outro. [...] Juridicamente, ou há ‘preço’, e o adjetivo ‘público’ é incabível, ou se algo é ‘público’, não pode
vir vinculado a ‘preço’. Não há a figura híbrida do ‘público’ e ‘não público’ (regido pelo direito privado),
assim como não há entidade ‘privada’ regida pelo direito público. Portanto, confirma-se que, se há serviço
público – no Brasil, hoje, diante do art. 145, II, da Constituição Federal – somente pode haver taxa. E, se
(impropriamente) por vezes se o submete ao regime de tarifas, é absolutamente certo que nunca poderá
permitir a incidência de impostos”. Ibidem, p. 55. Nesse mesmo sentido confira Marçal Justen Filho,
Concessão de serviços públicos: comentários às Leis ns. 8.987 e 9074, de 1995, p. 66; Elisabeth Nazar
Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 15; Estevão Hovarth, Tarifa de transporte coletivo
urbano, p. 150-160; José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 309, e
Clélio Chiesa, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 346.
– 113 –
A Constituição Federal, ao atribuir as permissões para criar tributos, o faz
com a simultânea exclusão de certas áreas, fatos ou circunstâncias, que indica entender
estar fora dessa faculdade.
Consoante se extrai do art. 150, VI, a, § 2.º, do Texto Constitucional – que
preceitua ser proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, e às
autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, instituir impostos sobre
patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros –, foi excluída a permissão para tributar
serviços públicos por meio de impostos.
Esse dispositivo consagra a denominada imunidade recíproca que,
reiterando expressamente o regime federativo e a isonomia das pessoas que compõem
a Federação (máximas estabelecidas, também, pela própria Constituição Federal), evita
que estas, aos prestarem serviço público, tenham suas atividades limitadas pela
tributação de impostos.
Como novamente explica Aires Fernandino Barreto,
no nosso sistema constitucional, como as pessoas públicas são iguais, realmente
nenhuma recebe do Texto Constitucional – que as cria em igualdade de condições
(ou parificadas) – poder para tributar outra, mediante impostos. Deveras, basta
lembrar que, ontologicamente, serviço público supõe a presença de um interesse
público, a ser por ele (serviço) satisfeito. Esse interesse público é considerado igual
ou superior ao próprio interesse que o Estado tem em realizar a tributação. Tanto é
assim que a própria Constituição estabelece o princípio constitucional da imunidade
284
tributária recíproca (art. 150, VI, a).
Assim, pretender tributar por meio de imposto determinado serviço público
prestado por outro ente político implica, na verdade, exigir tributo do próprio Poder
Público, em flagrante ofensa à imunidade recíproca, ex vi do art. 150, VI, a, do Texto
Constitucional.
Destarte, é impossível, senão com ofensa à Constituição Federal, a
exigência recíproca pelos entes políticos de ISS sobre serviços públicos.
284
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 52.
– 114 –
Humberto Ávila é enfático ao consignar que
os Municípios não possuem competência para tributar serviços públicos prestados
pela União e pelos Estados, mesmo que por meio de instrumentalidade suas, nem
serviços prestados por instituições de educação e de assistência social, por estarem
ambos os serviços, por expressa disposição constitucional, fora do poder de
285
tributar.
O serviço público, como explica Roque Antonio Carrazza, “escapa ao ISS,
nos expressos termos do artigo 150, VI, a, da Constituição Federal”.286 Esse
dispositivo, acrescenta esse autor, “veda que os serviços da alçada do Poder Público
(serviços públicos) abram espaço à tributação por meio de impostos. Tais serviços,
desde que específicos e divisíveis, somente podem ensejar taxas (de serviço)”.287
José Eduardo Soares de Melo compartilha desse mesmo entendimento
consignando que “a desoneração tributária (imunidade a impostos) colima liberar a
carga do ISS, para que não sejam onerados os serviços públicos (como é o caso de
transporte coletivo), face à sua natureza a ao caráter de sua essencialidade”.288
Outra não é a posição de Aires Fernandino Barreto, para quem o serviço
público não integra o campo de serviços tributáveis porque “o Texto Constitucional é
bastante claro e expresso ao estabelecer, no item 150, VI, a, a imunidade tributária
recíproca, deixando inteiramente fora das competências tributária os serviços
públicos”.289
Não se pode olvidar que, se estivermos diante de serviço público (atividade
vinculada), mesmo que exercido indiretamente pelo Estado, o serviço permanece
285
286
287
288
289
Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 168.
Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços, p. 357.
Idem, ibidem, p. 357.
José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidades da LC n. 116/2003, p. 310.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 52.
– 115 –
sendo público, de modo que a imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição Federal se
impõe.290
A esse respeito, Humberto Ávila, após considerar que a Constituição
Federal atribuiu o caráter público a alguns serviços, exigindo que eles sejam prestados
pelo Poder Público e que, em função de razões operacionais, apenas a realização
desses serviços é transferida para certas entidades, explica que, sendo certo que
as entidades públicas são apenas instrumentos do Estado, não resta dúvida de que a
imunidade recíproca também abrange essas entidades que prestam serviços em
nome do Estado. Caso contrário, o Estado seria prejudicado, já que ele mesmo é
que presta, ainda que indiretamente, o serviço. Apesar de a Constituição ter
utilizado a expressão “é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público”, essa locução não pode ser literalmente examinada,
até mesmo porque o Supremo Tribunal Federal tem interpretado teleologicamente
291
as imunidades constitucionais.
Assim, a imunidade recíproca, conclui esse autor, “alcança os serviços
públicos, independente da forma jurídica utilizada pela entidade que a presta”.292
Em súmula, a prestação de serviço público não é albergada pelo núcleo
semântico da outorga de permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal
para criar o ISS (prestação de serviço, assim entendida a execução de esforço humano
a outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado), seja porque (i) é
regida por regime de direito público, e, portanto, somente submetida à tributação por
meio de taxa, seja porque (ii) é imune.
Fixadas essas noções, cumpre-nos apontar o sentido e alcance da expressão
“de qualquer natureza”, constante do art. 156, III, da Constituição Federal.
290
291
292
Conforme adverte Aires Fernandino Barreto, “é de bom alvitre lembrar, ainda, que toda vez que uma
empresa pública ou sociedade mista desempenha serviço público, ou o faz na condição de concessionária
(quando a competência para prestação do serviço é de pessoa política diversa daquela que criou a executora
do serviço), ou o faz na condição de delegada (quando o serviço é próprio de entidade política que criou a
empresa executora). Em ambos os casos, porém, o serviço segue sendo público e, portanto, há imunidade”.
ISS na Constituição e na lei, p. 53.
Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 173.
Idem, ibidem, p. 173.
– 116 –
4.3 Sentido e alcance da expressão “de qualquer natureza”
Consoante o art. 156, III, da Constituição Federal, cabe aos Municípios e ao
Distrito Federal permissão para instituir imposto sobre prestação de serviços “de
qualquer natureza”, não compreendidos no art. 155, II.293
Com se vê, para demarcar a prestação de serviço, núcleo semântico da
outorga de permissão reservada aos Municípios e ao Distrito Federal em matéria de
ISS, o legislador constituinte empregou a expressão “de qualquer natureza”.
Portanto, em uma formulação simplista podemos asseverar que “de
qualquer natureza” é denotativo de que todas as espécies de prestações de serviços,
assim entendidas, execução de esforço humano a outrem, com conteúdo econômico,
sob regime de direito privado, estão contidas dentro do campo material de atuação
específica, dentro do qual os Municípios e o Distrito Federal devem se ater para a
instituição do ISS.
Ocorre que, como visto anteriormente, o legislador constituinte atrelou o
alcance dos termos “de qualquer natureza” à cláusula “não compreendidos no art. 155,
inc. II”.
Prevê o aludido art. 155, II, a que se refere o art. 156, III, caber aos Estados
e ao Distrito Federal a instituição de impostos sobre “operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior”.294
293
294
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...]
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem do
exterior.”
Registre-se por oportuno que entendemos que a parte final do art. 155, II, do Texto Constitucional, “ainda
que as operações e as prestações se iniciem no exterior”, é aplicável tão-somente aos serviços de
comunicação, já que não é possível cogitar de serviços de transporte “interestadual” (aquele que tem início
em um Estado e término em outro) ou “intermunicipal” (aquele que se inicia em certo Município e termina
em outro), cujo início dê no exterior.
Como bem explica Aires Fernandino Barreto, “Essa cláusula final, destarte – e como está claro do Texto
Constitucional – não se refere, nem se aplica aos serviços de transporte, mas, sim, aos serviços de
– 117 –
Diante desse cenário, tem-se, de um lado, a outorga de permissão aos
Municípios e ao Distrito Federal para instituir impostos sobre serviço de qualquer
natureza e, de outro, a exclusão das prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação dessa permissão impositiva, reservadas que foram à
tributação pelos Estados e pelo Distrito Federal, ex vi do art. 155, II, da Constituição
Federal.
É inegável, portanto, que a identificação do alcance da expressão “de
qualquer natureza” requer, inicialmente, se tenham em mente dois limites que, como
reconhecidos pelo próprio Texto Constitucional, demarcam, negativamente, a
permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, quais sejam as prestações
de serviços (i) de transporte de natureza interestadual e intermunicipal e (ii) de
comunicação.
A propósito, Aires Fernandino Barreto esclarece que,
sem, primeiramente, afastar os serviços que, por sua natureza (tal como tratados na
Constituição), não integram a competência Municipal, por expressa exclusão do
próprio Texto Magno, não é possível conhecer o campo material de competência do
Município para tributação de serviços. Efetivamente, a determinação objetiva e
rigorosa do campo material de competência dos Municípios supõe o prévio
conhecimento e precisa determinação da área material de competência que lhe é
295
vedada, porque entregue ao Distrito Federal e aos Estados.
295
comunicação, e apenas a estes. Com efeito, relativamente aos serviços de comunicação, a Constituição
Federal não estabeleceu nenhuma restrição espacial, diferentemente do que fez com relação aos serviços de
transporte. A comunicação pode ser municipal, intermunicipal, estadual, interestadual ou internacional, e
sempre estará contida na descrição de outorga constitucional. Daí que, relativamente a esses serviços, podem
ser tributáveis suas prestações iniciadas no exterior. No caso de serviços de transporte, isso não se faz
possível, uma vez que não há (não pode haver) nenhuma prestação de serviços de transporte interestadual,
cujo início se dê no exterior! Tem-se impossibilidade, assim lógica, como física. De fato, a) ou o serviço de
transporte é interestadual (vale dizer, tem início em um Estado e término em outro, pois só assim poder-se-á
dizer que é interestadual); b) ou o serviço de transporte é intermunicipal e, nesse caso, obviamente, só pode
ser aquele que tem início em um Município e término em outro (só assim poderá ser intermunicipal).
Admitir que a outorga de competência, tal como posta, abrange as prestações que tenham início no exterior
implica o absurdo de supor que no exterior pode ter início prestação de serviço de transporte intermunicipal
ou interestadual. Se os serviços de transporte se iniciam no exterior, é inegável que serão de transporte
internacional, e não intermunicipal, nem interestadual”. ISS na Constituição e na lei, p. 66.
Aires Fernandino Barreto, ibidem, p. 51.
– 118 –
Com efeito, a exata compreensão e alcance da expressão “de qualquer
natureza” está irremediavelmente condicionada à análise prévia e conjunta da cláusula
que lhe é umbilicalmente atrelada, “não compreendidos no art. 155, II”.
4.3.1 A cláusula “não compreendidos no art. 155, II”
A cláusula “não compreendidos no art. 155, II”, vazada em termos
negativos, vem limitar o alcance dos termos “de qualquer natureza” constantes do art.
156, III, da Constituição Federal.
Conforme explica Bernardo Ribeiro Moraes,
tal expressão representa um limite constitucional quanto a área dos serviços
alcançados pelo ISS. Assim, na previsão legal das atividades (serviços) alcançadas
pelo ISS, algumas ficaram à margem. Não podem ser incluídas no rol das
296
atividades gravadas pelo imposto municipal certos serviços.
Configura, assim, verdadeira demarcação da indicação genérica prestação
de serviços “de qualquer natureza”, denotando que o campo de atuação dos
Municípios e do Distrito Federal se cinge a todas as prestações de esforços humanos a
outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, tirante, apenas,
aquelas compreendidas no art. 155, II, que são tão-somente as de transporte
intermunicipal e interestadual e as de comunicação.297
Consoante a rígida discriminação de permissões impositivas, a regra geral é
a tributabilidade dos serviços pelos Municípios e pelo Distrito Federal. A exceção é a
tributabilidade pelos Estados e pelo Distrito Federal das prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Elisabeth Nazar Carrazza, a propósito, já mesmo antes da Constituição
Federal de 1988, averbara que,
296
297
Bernardo Ribeiro Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 100.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 39.
– 119 –
quando o texto constitucional atribuiu à União a possibilidade de tributação de
alguns serviços, excepcionou a regra geral, que é a da competência do Município
nessa matéria. Na verdade, está claro e nítido na Magna Carta que a regra geral é a
298
tributabilidade dos serviços, pelos Municípios.
Como cuida de demonstrar Bernardo Ribeiro de Moraes (anteriormente à
Constituição Federal de 1988), os Municípios e o Distrito Federal têm competência
para tributar
a prestação de serviços de qualquer natureza, exceto aquela cuja tributação foi
reservada à competência da União ou dos Estados-membros. Assim, podemos dizer
que não são todos os serviços tributados pelo Imposto Municipal Sobre Serviços.
Certa área foi extraída para a competência da União e dos Estados-membros. Há,
299
aqui, um processo de exclusão.
Desse modo, nos termos em que consignadas constitucionalmente, apenas
as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação não integram o campo material de atuação específica dos Municípios e
do Distrito Federal para criação do ISS, pois foram expressamente conferidas à
permissão impositiva dos Estados e do Distrito Federal.
Nesse contexto, todas as prestações de serviços, que não as de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, estão contidas no campo material
dentro do qual se resume a permissão impositiva dos Municípios e do Distrito Federal
em termos de ISS. É dizer, toda e qualquer prestação de serviço, com exceção das
conferidas à tributação pelos Estados e pelo Distrito Federal, é tributável pelos
Municípios e pelo Distrito Federal.
Em outras palavras, salvo as prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, cabe aos Municípios e ao Distrito
Federal um campo material de atuação legislativa composto de todo e qualquer esforço
298
299
Elisabeth Nazar Carrazza, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 24.
Bernardo Ribeiro de Moraes, Imposto municipal sobre serviços, p. 182.
– 120 –
humano para outrem, com conteúdo econômico, executado sob regime de direito
privado.300
Aires Fernandino Barreto é categórico ao dizer que,
em função dos preceitos que conferem ao Distrito Federal e Estados competência
para tributar os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os de
comunicação, pode-se afirmar serem tributáveis – em princípio, porque outros
pressupostos negativos há, como adiante se vai expor – pelo Município todos os
301
demais possíveis e imagináveis serviços.
Nesse sentido também é o entendimento de José Artur Lima Gonçalves,
para quem,
nos termos do referido dispositivo constitucional, o imposto municipal incide sobre
a prestação de serviços de qualquer natureza (excluídos, por expressa disposição
constitucional, aqueles concernentes ao transporte interestadual e intermunicipal, e
302
os de comunicação).
O âmbito material reservado aos Municípios e ao Distrito Federal para a
instituição do ISS compreende todas as prestações de serviços a outrem, com conteúdo
econômico, sob regime de direito privado, exceto as de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação.
Por conseguinte, resta evidente que é prestação de serviço “de qualquer
natureza” toda execução de esforço humano a outrem, com conteúdo econômico, sob
regime de direito privado, exceto as de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação.303
300
301
302
303
Elisabeth Nazar Carrazza, após considerar que a regra geral é a tributabilidade dos serviços, pelos
Municípios, conclui que “todo e qualquer serviço, de qualquer natureza, de qualquer gênero ou espécie,
desde que submetido, em sua prestação, a regime de direito privado, está no campo de competência material
dos Municípios”. O imposto sobre serviços na Constituição, p. 24.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 52.
José Artur Lima Gonçalves, ISS, a Lei Complementar n. 116/03 e os contratos de franquia, p. 286.
Idem, ibidem, p. 52.
– 121 –
4.4 Conteúdo
semântico
e
alcance
da
expressão
“definidos
em
lei
complementar”
Para dar cabo à outorga de permissão impositiva dos Municípios e do
Distrito Federal, o legislador constituinte houve por bem atrelar as cláusulas “serviços”
“de qualquer natureza” “não compreendidos no art. 155, II” à expressão “definidos em
lei complementar”, conforme expressa dicção do art. 156, III, do Texto Constitucional.
A compreensão integral do enunciado prescritivo “serviços de qualquer
natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” depende,
ao fim, da adequada atribuição de sentido e alcance à expressão “definidos em lei
complementar”.
A doutrina não é uníssona quanto ao conteúdo semântico da mencionada
expressão. Deveras, ao partirem de premissas divergentes quanto às funções
reservadas à lei complementar tributária versadas no art. 146 do Texto Constitucional,
acabam por atribuir sentidos distintos à cláusula “definidos em lei complementar” a
que alude o mencionado art. 156, III, da Constituição Federal.
Por essa razão, a atribuição de adequado sentido e alcance à expressão
“definidos em lei complementar” depende de prévia identificação do regime jurídico
da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal, consoante as
funções desse veículo normativo previstas no art. 146 da Constituição Federal.
4.4.1 As funções da lei complementar tributária
A doutrina assume, basicamente, duas posições diferentes acerca das
funções da lei complementar tributária versadas no art. 146 do Texto Constitucional.304
304
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios;
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
– 122 –
A primeira delas, entendendo serem duas as funções da lei complementar,
quais sejam dispor sobre conflitos de competência entres as pessoas políticas e
regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (incisos I e II), considera
que o inciso III – que prevê caber à lei complementar estabelecer normas gerais em
matéria de legislação tributária – só é aplicável para realizar aquelas hipóteses
consagradas nos incisos I e II, pretendendo, com isso, prestigiar os princípios
federativo305 e da autonomia municipal306 e, por conseguinte, a isonomia das
305
306
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) dequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno
porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das
contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único
de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
observado que:
I – será opcional para o contribuinte;
II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos
respectivos e entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado
cadastro nacional único de contribuintes.”
Integrando esse dispositivo constitucional está o art. 146-A que prevê que a “Lei complementar poderá
estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem
prejuízo da competência e a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
O princípio federativo é extraído basicamente do art. 1.º da Constituição Federal que prevê ser o Brasil uma
República Federativa “[...] formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal
[...]”. Não existe hierarquia entre as pessoas políticas que compõem o Estado Federal. Os Estados-membros
e o Estado Federal são dotados de capacidade política, enquanto atuam dentro de seus campos de ação
autônomos e exclusivos constitucionalmente traçados, a evidenciar, destarte, que têm igualdade jurídica.
Segundo Roque Antonio Carrazza, “[...] a União e os Estados-membros ocupam, juridicamente, o mesmo
plano hierárquico. Daí por que devem receber tratamento jurídico-formal isonômico.
[...]) Laboram em erro os que vêem uma relação hierárquica entre o governo central e os governos locais. O
que há, na verdade, são, para cada uma destas entidades políticas, campos de ação autônomos e exclusivos,
estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode alterar. Em nome desta autonomia, tanto a
União como os Estados-membros podem, nos assuntos de suas competências, estabelecer prioridades.
Melhor dizendo, cada pessoa política, no Brasil, tem o direito de decidir quais os problemas que deverão ser
solvidos preferencialmente e que destino dar a seus recursos financeiros. É-lhes também permitido exercitar
suas competências tributárias, com ampla liberdade. Assim, dependendo da decisão política que vierem a
tomar, podem, ou não, criar os tributos que lhes são afetos. Se entenderem de criá-los, poderão fazê-lo de
modo mais ou menos intenso, bastando apenas que respeitem os direitos constitucionais dos contribuintes e
a regra que veda o confisco (art. 150, IV, da CF)”. Curso de direito constitucional tributário, p. 121.
O princípio da autonomia municipal deflui dos enunciados constitucionais consubstanciados nos arts. 18, 29
e 30 da Constituição Federal. Embora, lembra Roque Antonio Carrazza, os Municípios não integrem a
Federação, formada pelos Estados e pela União, eis que não participam do Congresso, já que não possuem
representantes no Senado e na Câmara, ocupam posição sobranceira e privilegiada em nosso cenário
jurídico, configurando pessoas políticas dotadas de inegável autonomia, que haurem suas competências da
própria Constituição. Curso de direito constitucional tributário, p. 143. Nas palavras desse autor, “a
autonomia, debaixo de um ângulo técnico-jurídico, encerra, em sua maior expressão, sempre, uma faculdade
– 123 –
pessoas políticas.307 As normas gerais, então, quando muito, caberiam apenas para
dispor sobre conflitos de competência e regular as limitações ao poder de tributar.308
A segunda corrente doutrinária sustenta serem três as funções da lei
complementar: (i) dispor sobre conflitos de competência tributária (inciso I do art. 146
da Constituição Federal); (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar
(inciso II do art. 146 da Constituição Federal); e (iii) estabelecer normas gerais de
direito tributário (inciso III do art. 146 da Constituição Federal). Para essa corrente
denominada “tricotômica”, a edição de normas gerais em matéria tributária não
restringe os princípios federativos, da autonomia municipal e da isonomia entre as
pessoas de direito público interno, dado que tanto essas diretrizes quanto a norma que
autoriza a instituição de leis complementares estão, simultaneamente, previstas na
Constituição Federal e que, ademais, as leis complementares são editadas pelo
Congresso Nacional na qualidade de ente nacional, não tendo a União (ente Federado),
307
308
legislativa, que supõe a aptidão de estabelecer, por direito próprio (e não por delegação), regras obrigatórias.
Esta faculdade não é, evidentemente, soberana, porque deve manter-se nos limites (extensos, no caso) que a
Constituição impôs a seu regular exercício. Neste momento, nota-se que a autonomia dos Municípios é
insofismável, já que elegem livremente seus Prefeitos e têm um Poder Legislativo capaz de prescrever, por
direito próprio, normas jurídicas obrigatórias, obedecidos, apenas, os princípios da Constituição, aos quais,
de resto, todas as pessoas devem submeter-se. O conceito de autonomia fixou-se, assim, em duas
características essenciais: a) provimento privativo dos cargos governamentais; e b) competência exclusiva
no trato de assuntos de seu peculiar interesse (Hans Kelsen).
[...] Logo, exemplificando, toda lei tributária municipal válida é suprema sobre qualquer outra da União, do
Estado ou de outro Município com a qual conflite. Quando, por hipótese, uma lei municipal a uma lei
estadual regulam a mesma matéria, e esta se acha compreendida na competência da Câmara Municipal, a lei
estadual deve ceder, pois não é senão um simulacro de lei, isto é, uma tentativa malograda de exercer uma
aptidão estranha à legislatura dos Estados”. Curso de direito constitucional tributário, p. 145.
Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “A isonomia das pessoas constitucionais – União, Estados e
Municípios – é uma realidade viva da conjuntura normativa brasileira, muito embora aflore de maneira
implícita. Mas a implicitude que lhe é congênita se demonstra com facilidade, uma vez que deflui
naturalmente de duas máximas constitucionais da maior gravidade: a Federação e a autonomia dos
Municípios. [...] Juridicamente, nenhuma se sobrepõe às demais, ainda que em termos políticos ou
econômicos possamos reconhecer que a União foi beneficiada com um plexo de competências maior do que
o dos Estados-Membros e do que o dos Municípios. Assim, nutrido pela conjugação do princípio federativo
e do que consagra a autonomia municipal, deriva o reconhecimento da isonomia das pessoas constitucionais
como corolário inevitável que se afirma com indestrutível certeza no contexto jurídico brasileiro”. Curso de
direito tributário, p. 155-156.
Entre os juristas dessa corrente doutrinária, destaca-se Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito
tributário, p. 213-215; Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 755; José
Eduardo Soares de Melo, Curso de direito tributário, p. 105; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição
e na lei, p. 106; Maria do Rosário Esteves, Normas gerais de direito tributário, p. 84. Próximo à tese
defendida por esses autores está o pensamento de José Souto Maior Borges, para quem “as três funções do
artigo 146 podem ser reduzidas a uma só: incumbe à lei complementar de normas gerais regular as
limitações constitucionais do poder de tributar e dentre ela a mais eminente: a legalidade isonômica”.
Aspectos fundamentais da competência municipal para instituir o ISS, p. 24.
– 124 –
portanto, influência na edição de leis complementares. Apregoam, ademais disso, que
as hipóteses tributárias, as bases de cálculo e os contribuintes, assim como a obrigação,
o lançamento, o crédito, a prescrição e a decadência, devem ser unitária e
harmoniosamente definidos para todos os entes que comportam a federação. A
exigência de unidade de normas gerais decorre do modelo federativo normativamente
centralizador adotado pelo Texto Constitucional de 1988.309
Entre os doutrinadores da corrente dicotômica, destaca-se Aires Fernandino
Barreto310 que, partindo do pressuposto de que cabe à lei complementar somente
dispor sobre conflitos de competência e regular as limitações constitucionais ao poder
de tributar, conclui que a lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição
Federal é aquela que veicula normas gerais para dispor sobre conflitos de competência,
definindo um dos termos possivelmente conflitantes, quais sejam aqueles serviços
reservados aos Estados e ao Distrito Federal, bem como aquelas atividades que se
desenvolvem no bojo de operações mercantis.
Como observa esse autor,
a eventual “definição” dos serviços tributáveis pelos Estados, embora não possa
diminuir a esfera de autonomia dos Municípios, não encerra maiores problemas ou
complexidades. Todavia, já a “definição”, por lei complementar, de serviços
tributáveis pelos Municípios agride frontalmente a autonomia municipal porque, se
a lei complementar pudesse definir os serviços tributáveis, ela seria necessária e,
pois, intermediária entre a outorga constitucional e o exercício atual da
competência, por parte do legislador ordinário municipal. Se assim fosse, a sua
ausência importaria inibição do Município, o que seria um absurdo no nosso
sistema, porquanto a Constituição, no art. 30, atribui foros de princípio fundamental
ao sistema à autonomia municipal, fazendo-a exprimir-se especialmente em matéria
de “instituir e arrecadar os tributos de sua competência”. Essa singela consideração
já demonstra impor-se repulsa categórica ao raciocínio de que definidos devem ser
311
os inúmeros serviços de competência dos Municípios.
309
310
311
Gilberto Ulhôa Canto, Lei complementar tributária, p. 1-8; Hamilton Dias de Souza, Normas gerais de
direito tributário, p. 33. Eurico Marcos Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 8292; Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, p. 134-137; Sacha Calmon Navarro Coêlho, Curso
de direito tributário brasileiro, p. 109; Luciano Amaro, Direito tributário brasileiro, p. 159-162; Júlio
Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 95-97.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 40.
Idem, ibidem, p. 41. Como bem adverte esse autor, “o Distrito Federal pode tributar todos os serviços, sem
exceção, porque são de sua competência tanto os impostos estaduais como os Municipais”. Idem, p. 41.
– 125 –
José Eduardo Soares de Melo,312 também partindo da corrente dicotômica,
apregoa que a “definição”, sem prejudicar a competência municipal, objetiva explicitar
os serviços a fim de evitar eventuais conflitos de competência decorrentes de
materialidades similares, afetas, à União, aos Estados e ao Distrito Federal.
Souto Maior Borges, por sua vez, após admitir que, em decorrência da
teoria unificadora das normas gerais de direito tributário – dispor sobre a legalidade
tributária das pessoas constitucionais –, não se verifica nenhuma redução do âmbito de
validade do art. 146, III, da Constituição Federal, sublinha ser
possível que a lei complementar defina esses serviços, pondo em atuação um limite
virtualmente estabelecido pelo artigo 156, III, em caráter juridicamente exaustivo.
Na área de conflitos, entenda-se. [...] Com efeito, se possível fora consideramos a
definição na lei complementar não apenas como eventualmente exaustiva da zona
cinzenta – área de conflitos – mas como dispondo com “taxatividade” sobre a
própria competência tributária municipal, estaria subvertida a sistemática
consagrada na Constituição. Ter-se-ia aberto uma brecha pela qual se introduziria a
possibilidade de conversão do artigo 156, III, 1.ª parte, numa regra constitucional
inócua (!). [...] De todo o exposto, cabe extrair uma conclusão: a lista é exaustiva,
hoje como antes, só na área dos conflitos entre o ISS e o ICMS. Não é porém
exaustiva senão exemplificativa, se correlacionada com a competência tributária
313
municipal como um todo.
Todavia, em que pese a inquestionável percuciência desses ilustres juristas,
partimos de outro ponto de vista, a ensejar, destarte, conclusão diversa a respeito das
funções da lei complementar tributária e, por conseguinte, da lei complementar a que
alude o art. 156, III, da Constituição Federal.
De fato, a partir da Constituição Federal de 1988, restou bastante claro que
a lei complementar tributária não se limita apenas a (i) dispor sobre conflitos de
312
313
ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 55. Para este autor, “na medida em que os Municípios estejam
subordinados ao Congresso Nacional – no tocante à edição de lei complementar definindo (estipulando) os
serviços que poderão prever em suas legislações, e promover à respectiva exigibilidade – é evidente que a
referida autonomia fica totalmente prejudicada. [...] Todavia, como não se pode ignorar que a norma
prevendo lei complementar para ‘definir os serviços de qualquer natureza’, tributáveis pelo ISS, deve
possuir um mínimo de eficácia; pode ser entendido que – sem prejudicar a competência municipal – a
‘definição’ teria por escopo explicitar os serviços a fim de evitar eventuais conflitos de competência em
razão de materialidades assemelhadas, afetas à União, Estados e Distrito Federal. [...] Os fundamentos,
argumentos e metas de natureza constitucional opõem-se ao pensamento de que ‘sem a lei complementar, o
Município não tem condições para instituir o ISS dentro do seu território, por falta de competência tributária
em relação ao serviço prestado’”. Ibidem, p. 54-55.
Souto Maior Borges, Aspectos fundamentais da competência municipal para instituir o ISS, p. 30, 31 e 47.
– 126 –
competência, (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, mas
também, e sobretudo, (iii) estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária.
As normas gerais em matéria de legislação tributária, na medida em que são
normas dirigidas à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal,
configuram expedientes que conferem uniformidade ao Sistema Tributário Nacional e
garantem a igualdade e certeza da aplicação uniforme das normas jurídicas entre os
entes políticos que compõem a federação.314
Eurico Marcos Diniz De Santi, analisando o contexto em que se começou a
cogitar de normas gerais em matéria de legislação tributária, esclarece que,
numa época em que, como se destaca no Parecer do Projeto do CTN, no mesmo
local do território pátrio, o contribuinte era disputado por três competências fiscais
diferentes, Aliomar Baleeiro falou em regras gerais para tratar de normas
aplicáveis para a União, Estados, Municípios e Distrito Federal (os destinatários
possíveis para regras sobre atos legislativos), de tal forma que normas gerais de
direito financeiro significava o conjunto de preceitos que regiam a atividade
impositiva da União, Estados, Municípios e Distrito Federal em matéria
315
tributária.
Com esse sentido, conclui esse jurista,
a expressão cunhada por Aliomar Baleeiro, de que derivou a expressão normas
gerais em matéria de legislação tributária, não arranha o pacto federativo, como
querem aqueles que levam em consideração apenas os incisos I e II do art. 146.
Pelo contrário, funciona como expediente demarcador desse pacto, posto que, com
sua generalidade, além de uniformizar a legislação, evitando eventuais conflitos
interpretativos entre as pessoas políticas, garante o postulado da isonomia entre
316
União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
314
315
316
Segundo explica Lúcia Valle Figueiredo, a “norma geral, se corretamente dentro de seu campo de
abrangência, ao contrário do que de pode dizer em matéria de invasão federativas, é, sobretudo, fator de
segurança e certeza jurídicas, portanto, tendem a igualdade e certeza da aplicação uniforme de dados
princípios”. Competência administrativas de Estados e Municípios, p. 7, apud Eurico Marcos Diniz de Santi,
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 89.
Eurico Marcos Diniz de Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 88-89.
Idem, ibidem, p. 88-89.
– 127 –
É preciso, pois, interpretar o pacto federativo em consonância com o art.
146, III, enunciado também situado no Texto Constitucional, que autoriza lei
complementar editar normas gerais em matéria de legislação tributária.
Deveras, o conteúdo do princípio federativo surge depois da conjugação e
interpretação de enunciados que, com ele se relacionando, dispõem sobre a faculdade
de editar normas gerais em matéria de legislação tributária. É dizer, o conteúdo desse
pacto se verifica quando o art. 146, III, da Constituição Federal, enunciado
constitucional que autoriza a edição de normas gerais em matéria de legislação
tributária, já tiver sido interpretado.
É o que se extrai da lição de Humberto Ávila, segundo o qual
o significado do princípio federativo surge, primeiramente, quando as outras
normas que com ele mantêm conexão semântica já tiverem sido analisadas. As
regras de competência que prevêem a edição de normas gerais concretizam
exatamente o princípio federativo. Não, há, pois, um princípio federativo, de um
lado, e regras de competência, de outro, como se fossem entidades separadas e
pudessem ser interpretadas em momentos distintos. O que há é um princípio
federativo resultante da conexão com as regras de competência, e regras de
competência devidamente interpretadas de acordo com o princípio federativo. A
partir dessas considerações, pode-se afirmar que o modelo federativo adotado pela
317
Constituição de 1988 é normativamente centralizado.
Assim como ocorre com o princípio federativo, o princípio da autonomia
municipal também surge como tal após os influxos semânticos decorrentes da análise e
compreensão do referido enunciado constitucional (art. 146, III) que dispõe sobre a
faculdade de edição de normas gerais em matéria de legislação tributária.
Com isso, entendemos que a existência de normas gerais em matéria de
legislação tributária não implica violação ao princípio federativo e ao princípio da
autonomia municipal, mas, antes, expediente demarcador dessas diretrizes, visto que,
por meio de sua generalidade, uniformiza a legislação e prestigia a realização do
postulado da isonomia entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de
garantir a padronização e segurança jurídica do sistema tributário nacional.
317
Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, p. 136.
– 128 –
Cabe ressaltar, outrossim, que, tendo a Constituição Federal adotado um
modelo federativo centralizado que pressupõe “normas gerais” com eficácia
especificadora das demais normas jurídicas, é imperioso não deixar de se outorgar um
mínimo de sentido ao enunciado constitucional que autoriza a edição das normas
gerais em matéria de legislação tributária (inciso III, art. 146, da Constituição
Federal).318
Bem por isso que, fortes nessa convicção e atentos à dicção do art. 146, III,
e, ao que preceituam o princípio federativo e o princípio da autonomia municipal,
tanto o Supremo Tribunal Federal – último e legítimo guardião da nossa Constituição
Federal – quanto o Superior Tribunal reconhecem a necessidade e a legitimidade da
função tríplice da lei complementar em nosso subsistema constitucional tributário.319
Cabe ressaltar, ademais, o dever de o legislador complementar que edita
normas gerais para tratar, por exemplo, da definição do “fato gerador”, dirigir essas
normas igualmente às pessoas de direito público interno, dado que, como assinala
Eurico Marco Diniz De Santi, “a garantia do princípio federativo e da autonomia dos
318
319
Conforme Humberto Ávila, com apoio nas lições de Friedrich Muller e Robert Alexy, “não há dúvida de que
as regras devem ser interpretadas de acordo com os princípios. Dúvida surge quando a interpretação,
pretensamente principiológica, deixa de atribuir qualquer significado às regras. [...] Como já mencionado, a
Constituição brasileira instituiu um modelo federativo centralizado que pressupõe normas gerais com
eficácia limitadora e especificadora. Nessa perspectiva, a regra constitucional que prevê a edição de normas
gerais em matéria tributária não pode ser deixada de lado. Sistema constitucional tributário, p. 136-137.
Segundo Humberto Ávila, “há muito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a validade do Código
Tributário Nacional com documento de normas gerais de Direito Tributário. O Tribunal aceitou as funções
de evitar conflitos de competência e de estabelecer normas gerais de Direito Tributário. O Superior Tribunal
de Justiça, cuja competência consiste em resolver conflitos relativos à legislação federal, especialmente na
hipótese de a decisão recorrida negar vigência à lei federal, também reconheceu validade às normas gerais
de Direito Tributário estabelecidas pelo Código Tributário Nacional. Essas decisões consubstanciam um
fundamento suficiente para o reconhecimento das normas gerais em matéria de legislação tributária. Sistema
constitucional tributário, p. 137. Os julgados a que de refere o autor são os seguintes: Recurso
Extraordinário 106.217, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.09.1986, p. 16425; Recurso
Extraordinário 136.215, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 16.04.1993, p. 6438; Recurso
Extraordinário 194.987 2 194.115, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, sem data; Recurso Especial
36.311, Segunda Turma, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, DJ 25.11.1996, p. 46172; Recurso Especial
140.172, Primeira Turma, Rel. Demócrito Reinaldo, DJ 19.08.1996, p. 28441. Recurso Especial 111.611,
Primeira Turma, Rel. Demócrito Reinaldo, DJ 26.09.1998, p. 29; Recurso Especial 104.419, Segunda
Turma, Rel. Peçanha Martins, DJ 24.11.1997, p. 61166; Recurso Especial 93.255, Segunda Turma, Rel. Ari
Pargendler, DJ 23.06.1997, p. 29080; Recurso Especial 131.458, Segunda Turma, Rel. Ari Pargendler, DJ
09.06.1997, p. 25526.
– 129 –
Municípios esta jungida à generalidade dos destinatários, realizando também o
primado da isonomia das pessoas políticas”.320
4.4.2 Conseqüência exegética. A natureza da lei complementar a que alude o art.
156, III, da Constituição Federal
Fundamentados nesses ensinamentos, é forçoso concluir que, quando o art.
156, III, da Constituição Federal faz menção à cláusula “definidos em lei
complementar”, está se referindo àquela lei complementar que insere no ordenamento
jurídico normas gerais dirigidas igualmente aos Municípios e ao Distrito Federal, sobre
definição de quais são os serviços que esses entes políticos poderão descrever,
legislativamente, como passíveis de serem tributados pelo ISS.
O Poder Constituinte, ao atribuir permissão aos Municípios e ao Distrito
Federal para instituírem o ISS, o fez garantindo o exercício dessa faculdade à
vinculação de uma lei complementar veiculadora de normas gerais de cunho nacional,
a evidenciar, portanto, uma forte preocupação na uniformidade da descrição legislativa
do fato tributável desse imposto por parte dos legisladores ordinários.
Não há falar em violação ao princípio da autonomia dos Municípios, e, por
conseguinte, ao princípio da isonomia das pessoas constitucionais, uma vez que a
faculdade de instituir o ISS, descrevendo, legislativamente, os enunciados que
comporão os critérios da regra-matriz de incidência tributária a ser criada não é
soberana, devendo manter-se nos limites que a Constituição Federal impôs ao
exercício dessa faculdade.
É dizer, o princípio da autonomia municipal surge como tal após os influxos
semânticos que sofre com a análise dos enunciados constitucionais que reservam à lei
complementar veiculadora de normas gerais, em matéria de legislação tributária, a
definição dos serviços tributáveis pelos Municípios e pelo Distrito Federal (art. 146,
320
Eurico Marco Diniz De Santi, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 90.
– 130 –
III, c/c o art. 156, III). O conteúdo de tal princípio resulta do delineamento do próprio
Texto Constitucional, que, ao mesmo tempo em que preconiza a competência
exclusiva dos Municípios no trato de assuntos de seu peculiar interesse, alçou a
necessidade de uniformização das prestações de serviços passíveis de serem tributadas
pelos Municípios e pelo Distrito Federal, por intermédio de norma geral definidora de
quais prestações são essas.
A autonomia dos Municípios e do Distrito Federal é, assim, considerada
como
tal,
na
medida
da
reserva
impositiva
que
lhes
foi
reconhecida
constitucionalmente.
Tendo o legislador constituinte previsto que cabe aos Municípios e ao
Distrito Federal instituir imposto sobre serviços definidos em lei complementar, estas
pessoas de direito público interno poderão exercitar a permissão impositiva que lhes
foi reservada somente em relação àqueles serviços que foram objeto da definição
exigida. O direito de esses entes políticos exercerem livremente a autonomia que lhes
foi conferida, instituindo o ISS, completa-se, pois, com a edição de lei complementar
definindo as prestações de serviços tributáveis.
Júlio Maria de Oliveira bem evidencia a necessidade da lei complementar a
que alude o art. 156, III, da Constituição Federal, ressaltando que
a exigência da definição das prestações de serviços potenciais que poderão
constituir o fato jurídico tributário não obriga os Municípios e o Distrito Federal a
tributar referidas prestações de serviço. Todavia, impede que tais entes tributantes
desbordem dos limites estabelecidos na lei complementar. Segundo se vê, a
composição da norma estruturante de competência completa-se com a edição da
321
referida lei complementar.
Convém advertir, por oportuno, que a definição em questão só pode ser
entendida como “especificadora” das prestações de serviços que podem ser
consideradas como passíveis de tributação pela lei municipal e distrital, e não como
321
Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 96.
– 131 –
descritiva do próprio fato tributável, matéria reservada à lei ordinária instituidora do
ISS.
Conforme adverte Geraldo Ataliba,
a lei complementar, portanto, não vai “descrever os fatos capazes de gerarem
obrigações tributárias” – que isto é próprio da lei (municipal, in casu) – mas
simplesmente estabelecer quais os serviços que podem ser tomados pela lei
322
municipal como hipótese de incidência (fato gerador) deste imposto.
A lei municipal é que, reafirma esse jurista ao tempo do Decreto-lei
406/1968,
nos limites da Lei Complementar (e o Decreto-lei 406 o é) – posta como
intermediário necessário entre a norma permissiva constitucional e ela própria – irá
instituir ou criar (ou mudar) o tributo, descrevendo as hipóteses de incidência,
323
condição sine qua non do nascimento das obrigações tributárias concretas.
De fato, considerando que a Constituição Federal já pressupôs um
significado à prestação de serviço, núcleo semântico da outorga da permissão
impositiva dos Municípios e do Distrito Federal, o que cabe à lei complementar em
questão é definir as prestações de serviços tributáveis, especificando quais são elas.
Daí por que, para ser atendido o disposto na expressão “definidos em lei
complementar”, as prestações de serviços devem ser fixadas, seja por meio de uma
listagem, seja por outro método.
Estamos, portanto, com Bernardo Ribeiro de Moraes, quando ele,
anteriormente à Lei Complementar 116/2003, já sustentava que,
“definidos em lei complementar” quer dizer estabelecidos em lei complementar,
isto é, fixados, indicados, arrolados, em lei complementar. Compete à lei
complementar estabelecer quais as atividades que devem ser tidas como serviços,
para efeito de incidência do ISS. [...] Aliomar Baleeiro, utilizando expressão mais
feliz e menos discutida, ao conceituar a hipótese de incidência do ISS, diz que os
serviços de qualquer natureza devem estar previstos “em lei complementar”. [...]
Não podemos deixar de conceber a lista de serviços baixada por lei complementar
322
323
Geraldo Ataliba, Lei complementar na Constituição, p. 83-84.
Idem, Normas gerais de direito financeiro e tributário e autonomia dos Estados e Municípios, p. 58.
– 132 –
como taxativa, por imperativo de ordem constitucional (Emenda Constitucional n.
324
1, de 1969, art. 24, n. II; Decreto-lei n. 406, de 1968, art. 8.º).
Importa gizar, nesse contexto, que a Lei Complementar 116/2003, quando,
a pretexto de definir as prestações de serviços tributáveis pelo ISS, faz menção ao
vocábulo “congêneres” ou a expressões vagas (como “serviços de pesquisas de
desenvolvimento”), acaba, a rigor, não especificando prestação nenhuma e, por
conseguinte, não definindo as prestações de serviços tributáveis, o que implica
flagrante ofensa aos arts. 156, III, e 146, III.325 Somente especificação clara, precisa e
minudente das prestações de serviços que poderão ser erigidas como fato jurídico
tributário do ISS atende ao disposto nos mencionados enunciados prescritivos.
Isso não significa, no entanto, que possa o legislador complementar definir
como serviço algo que serviço não é. A lei complementar deve se cingir a especificar
atividades que configurem prestações de serviços, não podendo nunca desbordar esse
núcleo semântico da outorga de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito
Federal, sob pena de tornar a Constituição Federal flexível.
Como destaca Aires Fernandino Barreto,
a lei complementar tem que se cingir a definir ou listar atividades que,
indubitavelmente, configurem serviço. Será inconstitucional toda e qualquer
legislação que pretenda ampliar o conceito de serviço constitucionalmente posto,
para atingir outros fatos (iluminados pelos contratos respectivos). À guisa de
exemplo, entre os fatos que não pode ser atingidos está a cessão de espaço em bem
imóvel. Não pode a lei, complementar ou ordinária, prever a tributação, por via de
ISS, de qualquer cessão de espaço em bem imóvel, uma vez que a CF outorgou aos
Municípios apenas a tributação de serviços, de modo explícito e inalargável,
atribuindo a competência residual à União. Não pode a lei complementar definir
como serviço o que serviço não é, nem a pretexto de atender à cláusula final do art.
156, III. É que, se a CF é rígida, não pode ser modificada pela lei complementar.
324
325
Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 107-108. Segundo esse autor, a “maioria
esmagadora os autores agasalham o mesmo ponto-de-vista, de forma categórica, pronunciando-se pela
taxatividade da lista de serviços, v.g., Ruy Barbosa Nogueira, Rubens Gomes de Sousa, Arnoldo Wald,
Manoel Lourenço dos Santos, José Afonso da Silva, Fábio Fanucchi e muitos outros”. Ibidem, p. 109-110.
Consoante destaca Humberto Ávila, “a falta de atribuição de uma definição minimamente compreensível a
determinados serviços pela Lei Complementar viola o disposto nos artigos 146, III, e 156, III, da
Constituição Federal”. O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 170.
– 133 –
Esta não pode definir como serviço o que serviço não é. A lei complementar
326
completa a Constituição; não a modifica.
No mesmo sentido, Bernardo Ribeiro de Moraes apregoa que,
ao estabelecer o rol dos serviços, a lei complementar não pode violar o Estatuto
Supremo que lhe é superior. Ao estabelecer, de forma precisa, não genérica, os
serviços oneráveis pelo ISS, a lei complementar deve obedecer fielmente a
327
discriminação constitucional de rendas tributárias.
Outro também não é o entendimento de Humberto Ávila, segundo o qual
o legislador infraconstitucional – pouco importa se atuando por meio de lei
complementar ou de lei ordinária – não pode contrariar o significado mínimo
atribuído ao aspecto material da hipótese de incidência do imposto sobre serviços
pela Constituição Federal. Dito de outro modo, o legislador infraconstitucional não
poderá atribuir qualquer significado à expressão “prestação de serviços”, mas,
apenas, o significado posto e pressuposto pela Constituição Federal. Nesse sentido,
a Lei Complementar, a pretexto de estabelecer as normas gerais aplicáveis ao
imposto sobre serviços, não poderá tributar serviços abrangidos por regras de
imunidade, definir como serviço atividades que não se enquadram como tal ou em
328
campos materiais reservados à competência de outro ente federado.
Em súmula, a lei complementar a que se refere o art. 156, III, da
Constituição Federal é aquela que veicula normas gerais em matéria de legislação de
ISS, definindo, mediante listagem clara e não genérica ou qualquer outro método de
similar qualidade, quais as prestações de serviços que poderão ser erigidas como fato
jurídico tributário do ISS por parte do legislador ordinário.
Sendo assim, os Municípios e o Distrito Federal, nos termos em que
reconhecidos no próprio Texto Constitucional, só podem descrever, legislativamente,
como passíveis de tributação aquelas prestações de serviços previamente definidas em
lei complementar.
326
327
328
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 109.
Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 107.
Humberto Ávila, O imposto sobre serviços e a Lei Complementar n. 116/03, p. 168.
– 134 –
4.5 Nosso conceito constitucional de serviço tributável pelo ISS
Após essa longa digressão, consubstanciada na análise individual e
sistemática de cada um dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, “não
compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, que conformam o
enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal, é possível, ao cabo,
identificar o conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente para
discriminar a permissão impositiva reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, e,
por conseguinte, para delimitar rigidamente o campo material de atuação legislativa
desses entes políticos.
Conforme elucida Aires Fernandino Barreto, ficando a Constituição Federal
no plano da definição de competências e no da demarcação de campos materiais
para delimitar a esfera de ação legislativa da União, Estados e Municípios, é visível
que ela só pode cuidar de serviço “tributável”. [...] a Constituição, primeiramente,
demarca o campo de ação da lei ordinária. Fixa um contorno genérico, que pode ser
total ou parcialmente utilizado pelo legislador (ou até mesmo não exercido). Daí
que o conceito constitucional seja o de serviço tributável. Observado o círculo
definido pela Constituição, a lei poderá promover outros traçados, abrangendo todo
o círculo ou ficar aquém, estabelecendo círculo menor. Obedecidos esses
lineamentos, a administração encarregar-se-á de transformar o tributável em
329
tributado.
Assim sendo, por serviço tributável entendemos a prestação de esforço
humano economicamente apreciável, sem subordinação, tendente a produzir utilidade
material ou imaterial a um terceiro, sob regime de direito privado, não compreendida
na competência dos Estados e do Distrito Federal, definida em lei complementar.
É a partir também desse conceito de serviço tributável, pressuposto
constitucionalmente para atribuir e delimitar a permissão impositiva dos Municípios e
do Distrito Federal, que se empreenderá a construção da norma padrão do ISS,
obstáculo intransponível dirigido a tais entes políticos para instituir esse tributo.
329
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 33.
– 135 –
5
A NORMA PADRÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE
QUALQUER NATUREZA (ISS)
5.1 A norma padrão tributária
Vimos que o objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária
é a permissão para editar norma jurídica, descrevendo, legislativamente, os enunciados
que comporão os critérios de certa regra-matriz de incidência tributária, conforme um
conjunto de limitações prescritas pelo próprio sistema jurídico.
Tal conjunto é formado pelos princípios jurídico-tributários, imunidades,
enunciados constitucionais e complementares que disciplinam materialmente o
conteúdo dos enunciados prescritivos que comporão os critérios da norma jurídica a
ser criada.330
Com fundamento nesse conjunto de limitações é construída a norma padrão
tributária, norma jurídica à qual devem necessária observância os legisladores
ordinários para o exercício da faculdade de criar certo tributo.331 Trata-se referida
norma padrão tributária de norma jurídica que predetermina a hipótese de incidência
330
331
Conforme registrado no capítulo 3, subitem 3.2.2, princípios são significações de enunciados prescritivos,
dotadas de forte conotação axiológica ou fixadoras de limites objetivos orientados à realização de um dado
valor, que integram a estrutura da norma jurídica, no caso a norma de competência legislativa tributária,
informando e delimitando a faculdade de criar os tributos. Imunidades são aquelas significações de
enunciados prescritivos veiculadoras de limites objetivos, que integram o conseqüente da norma de
competência legislativa tributária, impedindo a edição de regras-matrizes que onerem certas situações, fatos
ou pessoas. Enunciados complementares são aqueles enunciados prescritivos veiculados por leis
complementares, cuja significação, sem afrontar os dispositivos constitucionais, compõe a norma de
competência legislativa tributária, promovendo a delimitação de um ou mais de seus critérios.
Tácio Lacerda Gama designa o que chamamos de norma padrão de incidência tributária de “regra-matriz de
incidência tributária possível”. Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 84.
Preferimos, no entanto, empregar a expressão “norma padrão tributária”, em vez de “regra-matriz de
incidência tributária possível”, por considerarmos que a menção ao termo “regra-matriz” constante da
referida locução pode dar a entender que tal norma seria uma norma igual à regra-matriz tributária,
ocasionando, dessarte, confusão de planos.
– 136 –
que poderá ser prescrita pelo legislador ordinário, a base de cálculo e alíquota
possíveis, bem como os sujeitos que integrarão a relação jurídico-tributária.332
Importa esclarecer que não se confunde a “norma padrão tributária” com a
“regra-matriz tributária”. Ambas são normas jurídicas; no entanto, a norma padrão
tributária é construída a partir de enunciados constitucionais e complementares. Já a
regra-matriz tributária é formada a partir de enunciados prescritivos veiculados pelas
leis ordinárias editadas pelos entes políticos, após a permissão para a criação do tributo
ter sido exercitada. O conteúdo dos enunciados prescritivos que comporão os critérios
da regra-matriz tributária haverá de se conformar às predeterminações trazidas pela
norma padrão tributária.
Dessarte, entendemos que a permissão para instituição de tributos, objeto da
relação jurídica de competência legislativa, resta integralmente moldada e
condicionada pela norma padrão, norma jurídica construída com fundamento na
interpretação do conjunto de enunciados que disciplinam materialmente tal faculdade.
Tácio Lacerda Gama a propósito atesta que
o objeto da relação jurídica de competência é a permissão para criar um
determinado tributo, formado pela reunião de enunciados que autorizam a criação
de tributos e restringem sua instituição sobre certos e determinados fatos. Mais
especificamente, é possível identificar uma regra-matriz de incidência tributária
possível, vista como o campo de possibilidade para edição de um tributo, formada a
partir da reunião de princípios, imunidades e enunciados complementares.333
Oportuno salientarmos que, adotada a uniformidade sintática das normas
jurídicas, configura inexorável reconhecermos que a norma padrão tributária é
estruturada logicamente em antecedente e conseqüente.
No antecedente normativo da norma padrão tributária identifica-se a
descrição do fato que poderá ser onerado (critério material), do momento de possível
332
333
Tácio Lacerda Gama, Contribuição de intervenção no domínio econômico, p. 84.
Idem, ibidem, p. 276.
– 137 –
ocorrência desse fato (critério temporal) e da porção do território em que é possível a
ocorrência do fato (critério espacial).
Já no conseqüente vislumbra-se a imputação de uma conseqüência,
representada pela descrição de uma relação jurídico-tributária. Assim, o conseqüente
normativo aponta para o critério pessoal e para o critério quantitativo, prescrevendo os
sujeitos da relação tributária (o sujeito ativo e o sujeito passivo) a ser instaurada, bem
como a prestação pecuniária que poderá ser objeto da relação.
Os enunciados que compõem esses critérios normativos são, repita-se,
vislumbrados por intermédio da interpretação de um conjunto de limitações,
identificado por princípios, imunidades, enunciados constitucionais e enunciados
complementares, que disciplinam a criação de tributos reservados aos entes políticos.
A norma padrão tributária corresponde, assim, à prefiguração da regra
matriz de incidência tributaria. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital),
ao exercitar a competência tributária, editando os enunciados prescritivos que
comporão a regra-matriz tributária, deverá ser fiel à norma padrão tributária, não
podendo, pois, fugir desse arquétipo.334
Em outras palavras, o tributo só pode ser criado por quem pode, de acordo
com a norma padrão tributária da exação respectiva. Cabe ao legislador ordinário, a
partir das predeterminações da norma padrão tributária, tão-só explicitar e detalhar o
seu campo tributável próprio, não podendo lhe agregar ou subtrair nada de
substancialmente novo.
334
Cf. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 426-427. Registre-se que este
autor toma o termo “competência” como permissão para criação dos tributos, sendo diferentemente,
portanto, do adotado neste trabalho. Conforme visto no capítulo 2, tratamos competência como uma norma
de competência legislativa tributária que, em seu antecedente, contém a descrição do sujeito, do
procedimento, do espaço e do tempo, necessários à edição do tributo, entendido como norma jurídica em
sentido estrito (regra-matriz tributária) e, em seu conseqüente, a previsão de uma relação jurídica que tem
por objeto a permissão para criar o tributo, dentro de certos limites, identificados pelo conjunto de
princípios, imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares.
– 138 –
5.2 A norma padrão do ISS
Tratando-se de permissão para instituir ISS, tal faculdade deve ser exercida
consoante a norma padrão tributária do ISS, doravante denominada simplesmente
norma padrão do ISS. Eis o objeto da relação jurídica de competência legislativa
tributária do ISS, a que nos referimos no item 3.3.1 do capítulo 3.
Trata-se a norma padrão do ISS de uma norma jurídica construída com
fundamento no conjunto de enunciados que regulam materialmente a instituição desse
tributo. Integram esse conjunto o enunciado constitucional que autoriza criação do
ISS, os princípios e imunidades relacionados a esse tributo e os enunciados
introduzidos por meio de lei complementar que dispõem sobre conflitos de
competência entre os entes políticos, regulam as limitações ao poder de tributar e
estabelecem normas gerais em matéria de legislação tributária. Configura, dessarte,
verdadeira baliza posta pelo próprio direito positivo que norteia a atuação dos
legisladores municipal e distrital, com intuito de exercer a permissão impositiva que
lhes foi reservada para a instituição do ISS, sob pena de decretação de invalidade do
tributo criado.335
Referida permissão normativa conforma o âmbito de atuação dentro do qual
os legisladores municipais e distritais deverão observar quando forem criar os
enunciados que, organizados em uma estrutura lógico-condicional, integrarão a
estrutura da regra-matriz tributária.
Assim, devem os legisladores – ao exercitarem a permissão para instituição
do ISS conforme certo conjunto de limitações, prevista na norma de competência
legislativa tributária correspondente – inexorável observância à norma padrão do ISS.
Se assim não o fizerem, estarão incidindo em dupla inconstitucionalidade: (i) uma, por
não respeitarem a norma padrão do ISS, e (ii) outra, via oblíqua, por contrariarem a
335
Cronologicamente, a norma padrão tributária é construída antes do exercício da permissão para criação do
ISS. Já a regra-matriz tributária é construída somente após o exercício da permissão para criar esse tributo,
encontrando-se no plano infraconstitucional.
– 139 –
norma de competência legislativa do ISS ao empreender criação normativa em
dissonância com a previsão da permissão para criar o ISS.
5.2.1 O critério material (considerações superficiais)
O critério material da norma padrão tributária do ISS prescreve a
materialidade que pode ser erigida pelos legisladores ordinários, indicando os fatos
passíveis de tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Esse critério
normativo é construído com fundamento (i) nas imunidades contempladas no art. 150,
VI, a, §§ 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, (ii) no enunciado
constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, no conceito de serviço tributável
nele pressuposto, (iii) bem como nos enunciados prescritivos veiculados pela Lei
Complementar 116/2003.336
Tendo em vista que a integração lógico-semântica do critério material e do
critério quantitativo (base de cálculo) da norma padrão do ISS configura índice seguro
para identificar o verdadeiro núcleo de incidência jurídica, que poderá ser submetido à
tributação, preferimos, por opção metodológica, proceder minudente construção desse
normativo no próximo capítulo, ocasião em que será demonstrada que a materialidade
do ISS só poderá ser prestar serviços arrolados na lista anexa à Lei Complementar
116/2003.
336
Sustentamos no subitem 4.4.1 do capítulo 4 que os enunciados introduzidos por lei complementar
constituem também suporte lingüístico para a construção de “normas gerais em matéria tributária”,
consoante previsto no art. 146 da Constituição Federal, garantindo, destarte, uniformidade para o exercício
da conduta de produzir normas tributárias.
Consoante será visto no decorrer deste capítulo, a Lei Complementar 116/2003 tem três funções, tendo em
vista o disposto no referido art. 146 da Constituição Federal veiculando no sistema normas que cuidam de (i)
dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes, (ii) regular as limitações ao poder de
tributar, e (iii) estabelecer diretrizes gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre, (iii.a)
definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição,
dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, (iii.b) prescrição, decadência, obrigação,
lançamento e crédito tributários, (iii.c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas, e (iii.d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e
para as empresas de pequeno porte.
– 140 –
5.2.2 O critério temporal
Não cabe cogitar dos fatos passíveis de tributação pelos Municípios e pelo
Distrito Federal, sem a sua referência a certas conjunturas de espaço e de tempo.337
O critério espacial da norma padrão do ISS possível indica a porção do
território nacional em que poderá ocorrer o fato jurídico tributário descrito na norma.
Deveras, a identificação do território onde ocorre a prestação de serviços de
construção civil, por exemplo, depende de prévia noção de quando se dá por concluída
referida atividade.
Assim, somente após saber o momento de possível ocorrência da
materialidade do ISS é que se pode identificar, com firmeza, onde ocorrerá a prestação
de serviço. Demarcar esse momento de ocorrência do fato jurídico tributário descrito
na norma significar investigar o critério temporal338 da norma padrão do ISS.
O critério temporal da norma padrão do ISS é identificado tendo em conta a
interpretação empreendida do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por
conseguinte, a noção do conceito de serviço tributável nele pressuposto. Sendo certo
que, por força desse enunciado constitucional, o critério material da norma padrão do
ISS é prestar serviços, por exemplo, de construção civil; o critério temporal da norma
padrão do ISS (momento em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário)
somente pode ser a conclusão, a consumação, da mencionada prestação de serviços.
337
338
Paulo de Barros Carvalho pondera que “o comportamento de uma pessoa, consistência material
lingüisticamente representada por um verbo e seu complemento, há de estar delimitado por condições
espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito e acabado, como descrição normativa de um
fato. Seria absurdo imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realizasse
independentemente de um lugar e alheio a determinado trato de tempo”. Curso de direito tributário, p. 259260.
Consoante Paulo de Barros Carvalho, o critério temporal compreende “o grupo de indicações, contidas no
suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece
o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o
pagamento de certa prestação pecuniária”. Ibidem, p. 264-265.
– 141 –
Como destaca Marcelo Caron Baptista,339 ao indicar o critério material que
poderá ser erigido como hipótese de incidência do ISS como a prestação-fim de fazer
de natureza sinalagmática, o Texto Constitucional, implicitamente, impôs ao
Município e ao Distrito Federal o dever de, ao exercerem a permissão impositiva que
lhes foi outorgada, instituir como critério temporal o momento da realização dessa
prestação.
Apenas a concretização integral do fato jurídico tributário descrito como
critério material da norma padrão do ISS representa marco indicativo do critério
temporal correspondente. Enquanto aquela prestação-fim à que se obrigou o prestador
não for ultimada, “todo e qualquer esforço voltado ao tomador não passará de uma
prestação-meio, incapaz de realizar o comportamento tributável”.340
Dessarte, adotando-se as palavras de Paulo de Barros Carvalho,341 a
prestação de serviço pronta e acabada representa o critério temporal da norma padrão
do ISS.
Não obstante, a identificação de quando certa prestação de serviços resta
pronta e acaba pressupõe que se tenha presente se se trata de atividade fracionável ou
não-fracionável.
Essa bipartição, consoante Aires Fernandino Barreto, “é crucial porque, se o
fato for fracionável, o aspecto temporal pode ser tido por completado quando da
ultimação da cada fração. Se, inversamente, não puder ser secionado esse imposto só
se tornará exigível quando da integral conclusão do fato”.342
Com efeito, segundo o autor, eventual fracionamento da prestação de
serviços
339
340
341
342
ISS: do texto à norma, p. 502.
Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 495.
ISS – diversões públicas, p. 191.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 301.
– 142 –
permitirá se constate a existência de vários fatos parciais, cada qual encerrando as
circunstâncias necessárias e ao mesmo tempo suficientes para o surgimento da
obrigação tributária. Sempre que a segmentação dos fatos se revelar viável sem
perda de sua inteireza (e configurar uma prestação de serviço) ocorrerão tantos
fatos tributários quantas forem as decomposições que se fizerem possíveis.343
De toda sorte, comportando a prestação de serviços fracionamento ou não, é
vedado ao legislador ordinário, por imposição lógica do nosso subsistema
constitucional tributário, considerar como critério temporal do ISS qualquer momento
que anteceda a ultimação da prestação de serviços.
Antes de consumada certa prestação de serviço. não há cogitar sobre
momento de ocorrência da materialidade do ISS.344
No tocante à impossibilidade de o legislador municipal ou distrital eleger
como critério temporal um momento qualquer que anteceda a consumação da
prestação de serviços, Marçal Justen Filho pondera que,
em essência, se o aspecto material é a prestação de serviço, o aspecto temporal só
pode ser um único: o momento em que há prestação de serviço. Se é eleito, como
critério temporal, um momento temporal diverso, o único resultado seria o de que a
tributação não mais teria por hipótese, no aspecto material, a prestação de serviço,
mas aquela situação que se verifica no momento localizado a partir do critério
temporal. Assim, se se decide eleger como critério temporal a inscrição do
343
344
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 301. O fracionamento pode ser de duas espécies:
etapas, fases, trechos ou períodos de tempo. Consoante explica esse tributarista, “tem-se fracionamento em
etapas, por exemplo: quando contratado um serviço de construção civil para a pavimentação de 10
quilômetros de estrada, ocorre a ultimação de 1quilômetro. A conclusão desse trecho permitirá a incidência
do ISS sobre essa extensão, mesmo que incompletas (ou até mesmo não iniciadas) as demais. Não se
conclua, todavia, que todo serviço de construção civil seja fracionável. Se o serviço contratado fosse a
execução de um prédio escolar, rigorosamente não seria possível o fracionamento, porque se tem aí
obrigação de resultado. Sem a escola pronta não se há falar em prestação de serviços. Essa postura não é
pacífica. É possível defender que, se há um cronograma de execução, e o tomador aceita (reconhece
realizadas) as várias medições efetuadas, se tem, a cada uma delas, um fato suscetível de tributação, por via
de ISS. De toda a sorte, é preciso verificar se o serviço, por suas características ou especificidades, admite
uma execução parcelada. Se for possível essa partição, o ISS será devido quando concluída certa etapa ou
fração. Não basta a simples medição. É necessário que o tomador a reconheça como correta, aceitando-a.
Nesse átimo, surge a obrigação tributária.
O fracionamento no tempo ocorre quando, a despeito de envolver um longo período de tempo, for possível
decompô-lo, em lapsos temporais menores. Exemplo típico se dá com o serviço de ensino que, nada obstante
contratado para o ano letivo, pode ser desdobrável a cada mês”. Ibidem, p. 301.
O Superior Tribunal de Justiça já assentou ser incabível a exigência tributária antes da verificação da
prestação de serviços. Vejam-se, nesse sentido, os seguintes julgados nos quais restaram consignado ser
ilegítimo deslocar o momento da ocorrência da prestação de serviços de diversões públicas para a chancela
prévia de ingressos pelo Município: Recurso Especial 159.861/SP, Rel. Min. Humberto de Barros, DJU
14.12.1998, p. 109; Recurso Especial 198.182/SP, Rel. Min. Falcão, DJU 31.03.2000; Recurso Especial
302.534/SP, Rel. Min. Paulo Medina, DJU 17.02.2003, p. 125.
– 143 –
profissional liberal nos cadastros municipais, o tributo, materialmente, passa a
incidir sobre a inscrição profissional, sobre o cadastramento – não é tributo sobre
prestação de serviço.345
Aires Fernandino Barreto também destaca a impossibilidade de eleger como
critério temporal do ISS qualquer momento anterior à ocorrência de certa prestação de
serviço. Nas palavras desse autor,
o aspecto temporal é condicionado ao perfazimento do critério material. Inexistente
ou não exaurido o fato prestar serviço não é válida a eleição de qualquer átimo
antecedente, como demarcador do aspecto temporal da hipótese de incidência.346
A respeito do assunto também vale transcrever a lição de José Eduardo
Soares de Melo, segundo a qual,
em se tratando de ISS, impõe-se a irrestrita obediência ao seu aspecto material –
prestação de serviços – nada interessando os aspectos meramente negociais ou
documentais. Somente com a efetiva realização (conclusão, ou medição por etapas)
dos serviços é que ocorre o respectivo fato gerador tributário com a verificação do
seu aspecto temporal.347
A nosso ver, portanto, a realização de atividades necessárias à efetivação da
prestação-fim contratada, por exemplo, a mera contratação e capacitação técnica e
profissional para a execução dos serviços, não guarda correspondência com o
perfazimento da prestação de serviços.
Em súmula, critério temporal da norma padrão do ISS é a conclusão de
certa prestação de serviço. Somente esse preciso instante pode ser erigido pelo
legislador ordinário como o momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico
tributário.
Reconhecido o momento em que se considera ocorrida a prestação de
serviços (critério temporal da norma padrão do ISS), já é possível identificar, com
segurança, o local em que se reputa ocorrido esse fato.
345
346
347
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 138.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 306.
José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 160.
– 144 –
5.2.3 O critério espacial
O critério espacial da norma padrão do ISS contém a indicação do lugar que
os Municípios e o Distrito Federal poderão erigir como aquele em que se considera
ocorrida a prestação de serviços.348
Esse critério normativo é identificado tendo em consideração a
materialidade da norma padrão do ISS – extraída da interpretação do enunciado
constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, do conceito de serviço tributável
nele pressuposto –, o discrímen da territorialidade das leis, também denominado
princípio da territorialidade, por alguns doutrinadores,349 bem como a adequada
interpretação do art. 3.º da Lei Complementar 116/2003, veiculado para dispor sobre
conflitos de competência entre os Municípios e Distrito Federal.
Consoante adverte Suzy Gomes Hoffmann,350 não há como especificar o
local em que ocorrerá o fato descrito no critério material sem conhecer, previamente, o
fato tributável.
Considerando que a materialidade inserta na norma padrão do ISS se
resume em prestar serviços, por exemplo, de construção civil, o local de ocorrência
desse fato somente pode ser o da prestação, isto é, aquela porção do território na qual a
obrigação de fazer se configura.
348
349
350
Como bem assevera Paulo de Barros Carvalho, o critério espacial contém “os elementos necessários e
suficientes para identificarmos a circunstância de lugar que condiciona o acontecimento do fato jurídico”.
Teoria da norma tributária, p. 119. Consoante Geraldo Ataliba, é vital a identificação das circunstâncias de
lugar, consideradas juridicamente importantes, para efeitos de regular o surgimento das obrigações
tributárias. Hipótese de incidência tributária, p. 104.
Entre alguns doutrinadores, confiram-se: José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p.
165; Heleno Taveira Tôrres, Prestações de serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha
iniciado no exterior, p. 286; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 318; Roque Antonio
Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 533; Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma,
p. 518.
As contribuições no sistema constitucional tributário, p. 138.
– 145 –
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto bem evidenciam essa máxima
ao dizerem que, “se o arquétipo é a prestação de serviços, o aspecto espacial só pode
se reduzido ao local onde se efetua a prestação”.351
Betina Treiger Grupenmacher abona esse entendimento ao sustentar que “o
aspecto espacial da hipótese de incidência, assim como o material, também está
implicitamente indicado no Texto Constitucional, é o local onde se dá a execução da
respectiva prestação”.352
Marçal Justen Filho também é categórico nesse sentido ao asseverar que,
assim como o simples esforço humano físico e intelectual não materializa fato
imponível do tributo enfocado, mas se faz necessário configurar-se a execução da
obrigação de fazer, há de reputar-se o fato imponível ocorrido no território do
Município onde se configuram realizados os aspectos material e temporal da
hipótese de incidência. Antes de tudo, há de sublinhar-se a irrelevância do local
onde o contrato se aperfeiçoa. O fundamental é o espaço geográfico onde há
execução do contrato. Como é logicamente inferível, ambos os locais não
353
coincidem necessariamente.
O local da prestação é o do Município em que é produzida, executada,
consumada, a prestação de serviço contratada.354
Reforça essa noção elementar a circunstância de que os Municípios e o
Distrito Federal somente podem exigir ISS sobre fatos ocorridos no território onde
irradia efeitos a lei que o instituiu. É dizer, cabe a esses entes políticos colher apenas
prestações de serviços concretizadas dentro de seu próprio âmbito territorial.
351
352
353
354
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS – construção civil – pseudo-serviço e prestação de serviço
– estabelecimento prestador – local da prestação, p. 93.
Betina Treiger Grupenmacher, Imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade da lei, p. 212.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 139.
Aires Fernandino Barreto, a propósito, adverte para a necessidade de absorção “do único critério que parece
prestigiado pela Constituição, qual seja, o de que o local da prestação é o do Município onde se conclui,
onde se consuma o fato tributário, é dizer, onde se produzirem os resultados da prestação do serviço. Se o
fato tributável só ocorre no momento da consumação do serviço, ou seja, no átimo da produção dos efeitos
que lhe são próprios, parece ser necessário concluir que o Município competente seja o do lugar onde forem
eles produzidos, executados, consumados. É fazer prevalecer só a única regra, sem contemplar exceção:
deve-se o ISS no lugar onde se efetuar a prestação”. ISS na Constituição e na lei, p. 314.
– 146 –
De fato, o legislador constituinte utilizou-se do discrímen da territorialidade
da lei municipal e distrital ou princípio da territorialidade – a par do campo material de
atuação possível – para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito
Federal para instituírem ISS.
O discrímen da territorialidade das leis tributárias dos Municípios e do
Distrito Federal – decorrência imediata da autonomia dos Municípios e do Distrito
Federal355 – consiste em restringir a irradiação da eficácia das normas desses entes
políticos sobre fatos ocorridos dentro dos limites dos territórios respectivos.
Aires Fernandino Barreto atesta essa exigência constitucional ao afirmar
que,
como a matéria é praticamente idêntica, a descrição destinada a juridicizar os fatos,
a ser efetuada pelas várias leis municiais, além da do Distrito Federal, contemplará,
salvo umas poucas especificidades, as diversas prestações de serviços.
Conseqüentemente, só não ocorrerá pluralidade de incidência mercê da limitação
imposta pela Constituição decorrente da atuação, também, do critério territorial, por
força do qual o âmbito de eficácia da lei de certo Município (vale o mesmo para o
Distrito Federal), embora aparentemente igual, é o contido nos limites do território
356
respectivo.
Desse modo, pelo prestígio constitucional do critério da territorialidade das
leis municipais e distritais, é evitada a pluralidade de incidências de ISS, sendo devido
esse tributo apenas ao ente político onde a prestação de serviço é realizada, concluída,
ultimada.
Sendo o ISS um tributo que cabe a cada um dos mais de 5.500 Municípios
(isso sem mencionar o Distrito Federal), há, como menciona Cléber Giardino, no
subsistema constitucional tributário
355
356
Como reconhece Aires Fernandino Barreto “Esse é um ponto fulcral da autonomia de Estados-membros e de
Municípios. Significa que, dentro do respectivo território e no tocante à esfera de competências que detêm,
Estados-membros e Municípios só se vinculam às normas por eles próprios editadas – por conseguinte,
também as pessoas ali encontradas sujeitam-se exclusivamente às ditas normas”. ISS na Constituição e na
lei, p. 142.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 307.
– 147 –
tantos impostos sobre serviços quantas forem as distintas leis ordinárias municipais
que concretamente tenham exercido idêntica (em conteúdo) competência recebida
do Texto Constitucional. Isso significa que, se de fato há um só imposto de renda,
ou um só imposto de importação, por exemplo (porque uma única legislação,
federal, deles cuida), seguramente de 3.000 ou 4.000 impostos sobre serviços se
deve cogitar, porque 3.000 ou 4.000 leis (ordinárias municipais), autônomas e
distintas, abordam o mesmo objeto normativo. Essas leis – todas elas – incidem
sobre a mesma matéria. Isto é, respeitadas suas peculiaridades específicas, no geral
qualificam juridicamente os mesmos fatos (prestação de serviços), tornando-os
jurígenos para o efeito de produzirem as conseqüências tributárias próprias. Disso
resulta que – inexistisse critério (constitucional) de seleção, em cada situação
concreta, da lei especificamente aplicável – ter-se-ia presente, no sistema, a absurda
e impensável situação de, pela ocorrência de uma só e mesma prestação de
serviços, validamente propiciar-se incidência a milhares de leis municipais
naturalmente desencadeando milhares de obrigações tributárias distintas, mas de
idêntica natureza. [...] Por isso, resolve-a o Texto Constitucional brasileiro.
Inocorre pluralidade de incidências, nos casos citados, porque a Constituição limita
e restringe, segundo critério territorial, o âmbito de eficácia de cada uma dessas
legislações “idênticas”. Ou seja, sobre cada um dos fatores (serviços) ocorridos,
uma só única lei (das inúmeras existentes) incide e irradia efeitos; o critério de
seleção (e recíproca exclusão) constitucionalmente consagrado para tal fim é de
consistência territorial – critério do situs, segundo Pontes de Miranda – implicando
aplicação da lei vigentes sobre a base física (território do Município) dentro da qual
357
o fato jurígeno se dá.
Ao acolher essa lição, Roque Antonio Carrazza averba que
poucos, como o inesquecível Cléber Giardino, jurista dos mais sérios e capazes,
cuja força criadora foi tão limitada no tempo, como profunda no traço, tiveram a
argúcia de perceber que há, no Brasil, tantos impostos estaduais, municipais e
distritais quantas são as pessoas políticas autorizadas pela Constituição Federal a
instituí-los. É que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal têm competências
impositivas materialmente concorrentes. Em razão disto, para evitar conflitos entre
eles, nosso Estatuto Magno adotou, também, um critério territorial de repartição
das competências impositivas. [...] Este critério exige que a única lei tributária
358
aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu.
Por força do discrímen da territorialidade da lei, haverá invasão de
permissão impositiva se certo Município, ao instituir o ISS, pretender alcançar
prestações de serviços realizadas fora de seu âmbito territorial.359
357
358
359
Cléber Giardino, ISS – Competência municipal – o artigo 12 do Decreto-lei n. 406, p. 723. Ênfase do autor.
Curso de direito constitucional tributário, p. 531 e 533. Ênfase do autor.
Por essa razão entendemos ser inconstitucional o regramento procedido pela Lei Complementar 116/2003
que, no § 1.º de seu art. 1.º c/c o art. 3.º, I, desse mesmo diploma normativo, olvida a partilha de permissão
impositiva dos Municípios e do Distrito Federal – fixada constitucionalmente segundo o critério material e o
discrímen da territorialidade das leis tributárias desses entes políticos – para pretender sejam alcançáveis
pelo ISS prestações de serviços ocorridas fora do País e, por conseguinte, para considerar que o local da
prestação de serviços seja onde estiver estabelecido ou domiciliado o tomador ou intermediário. Por esse
motivo não levamos em consideração esses enunciados complementares para identificar o critério espacial
da norma padrão do ISS.
– 148 –
Disso decorre que apenas o território do Município onde a atividade é
realizada, concluída, ultimada, pode ser considerado o local da prestação.
Com efeito, lei complementar, ao versar sobre o local em que se considera
ocorrida a prestação de serviço e, por conseguinte, devido o ISS – a pretexto de dispor
sobre virtuais conflitos de competência entre os Municípios e Distrito Federal –,
apenas pode indicar como tal o local da prestação, assim entendido o do Município
onde é realizada a atividade-fim contratada. Não pode nunca estabelecer como local da
prestação o local do estabelecimento ou do domicílio do prestador.
Segundo Roque Antonio Carrazza,
se o serviço é prestado no Município “A”, nele é que deverá ser tributado pelo ISS,
ainda que o estabelecimento prestador esteja sediado no Município “B”. Do
contrário estaríamos admitindo que a lei do Município “B” pode ser dotada de
extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre o fato ocorrido no território do
município onde ela não pode ter voga.360
Sobre a impossibilidade de considerar o domicílio do prestador como local
da prestação e, por conseguinte, o local onde é devido o ISS, Heron Arzua enfatiza
que,
360
Encontramos apoio para essa conclusão nas lições de José Eduardo Soares de Melo que, após analisar tal
dispositivo, aduziu que a disciplina nele contemplada “não retira efetivo fundamento de validade do
ordenamento constitucional, uma vez que objetiva alcançar fatos ocorridos fora do território nacional, além
de criar esdrúxula obrigação tributária (inexistência de contribuinte-prestador do serviço na legislação, e
exclusiva estipulação do responsável pelo imposto, na pessoa do respectivo tomador)”. ISS: aspectos
teóricos e práticos, p. 180.
No mesmo sentido Aires Fernandino Barreto concluiu estar convencido de que, “relativamente à primeira
parte, tem-se previsão inconstitucional. Serviços prestados no exterior do País não podem ser aqui devidos.
Esse imposto incide no local da prestação e, no caso, essa concretização ocorre fora dos lindes nacionais”.
ISS na Constituição e na lei, p. 322.
Também Clélio Chiesa ao dizer que, “com a referida inovação, o legislador autorizou, por meio de lei
complementar, indevidamente, a criação de um imposto municipal sobre a importação de serviços,
extrapolando os limites autorizados constitucionalmente. Primeiro porque autorizou a tributar evento que
não se perfaz integralmente no território nacional. Segundo, porque a materialidade possível do ISS é prestar
serviços e não importar serviços, incorrendo em violação ao princípio da tipicidade”. Inconstitucionalidades
da LC 116/2003, p. 334.
Em sentido contrário ao entendimento aqui acolhido estão as lições de Heleno Taveira Tôrres, Prestações de
serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior, p. 281-298; Luís Eduardo
Schoueri, ISS sobre a importação de serviços do exterior, p. 39-51; Mariana Oiticica Ramalho, ISS –
serviços de impostação e exportação. Imposto sobre serviços, p. 93-123.
Roque Antonio Carrazza, O imposto sobre serviços, p. 210.
– 149 –
quando a lei põe o domicílio do prestador apto a indicar o Município legitimado
para imposição do imposto sobre serviços, em realidade está mudando a norma
constitucional do imposto. No lugar da prestação de serviços tem-se a conduta de
alguém manter domicílio.361
No mesmo sentido, Marçal Justen Filho:
a questão do domicílio ou da sede do estabelecimento do prestador é irrelevante
para a determinação do local em que o fato imponível ocorre. A Constituição, ao
adotar a materialidade da hipótese de incidência o ISS, impôs a escolha de um
critério espacial que em nada se relaciona com o tema do domicílio ou da sede do
estabelecimento do prestador do serviço. O critério espacial do ISS está vinculado
não ao critério pessoal, mas ao critério material da hipótese de incidência do
mesmo tributo. O local da prestação não é aquele em que tem domicílio o prestador
do serviço, eis que inexiste qualquer vínculo entre o local da prestação e o
domicílio do prestador. Pelo menos, nenhum vínculo jurídico. A vinculação dá-se
entre o local e a prestação (ou seja, é o local da prestação).362
Não se pode reputar, também, lugar da prestação: (i) o local em que
celebrado o contrato entre prestador e tomador; (ii) o lugar onde são emitidos,
escriturados ou contabilizados os documentos; (iii) o local do tomador ou
intermediário dos serviços; bem como (iv) o lugar onde são desenvolvidas tarefasmeio, necessárias ao perfazimento da prestação de serviços contratada. Uma vez que
tais “ações” não representam o comportamento de que trata o critério material da
norma padrão do ISS, não podem ser consideradas para efeito de identificação do local
da prestação.
Em súmula, não pode o legislador complementar reputar local da prestação
qualquer outro lugar que não aquele onde a atividade é realizada. Passar ao largo dessa
noção elementar implica desconsiderar totalmente a partilha de permissão impositiva
reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, segundo o critério material e o
discrímen da territorialidade das leis tributárias. As conseqüências desastrosas que
podem advir dessa postura são inevitáveis.
Como bem adverte Marcelo Caron Baptista a esse respeito,
361
362
Heron Arzua, O imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade, p. 147.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 148.
– 150 –
quando o legislador “complementar” considera, para efeitos de incidência da norma
do ISS, como local da prestação o local do estabelecimento ou do domicílio do
prestador ou do tomador, ele não está exercendo o seu papel de evitar virtuais
“conflitos de competência”. Ao contrário, ele mesmo institui conflitos inexistentes.
[...] Nesse caso, o Município não estaria a tratar de assunto do seu exclusivo
interesse, mas, ao contrário, estaria legislando sobre matéria reservada ao crivo de
outros Municípios, mediante clara invasão de competência municipal.363
Nesse contexto, é manifesta a inconstitucionalidade perpetrada pela Lei
Complementar 116/2003 que, em seu art. 3.º,364 veiculado a pretexto de dispor sobre
conflitos de competência, prescreve que o serviço considera-se prestado e o imposto
devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local
363
364
ISS: do texto à norma, p. 526-527.
Art. 3.º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na
falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a
XXII, quando o imposto será devido no local: I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do
serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do § 1.º do art. 1.º desta
Lei Complementar; II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, no caso dos
serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa; III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos
no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa; IV – da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da
lista anexa; V – das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, no caso dos serviços
descritos no subitem 7.05 da lista anexa; VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração,
tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer, no caso
dos serviços descritos no subitem 7.09 da lista anexa; VII – da execução da limpeza, manutenção e
conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres, no
caso dos serviços descritos no subitem 7.10 da lista anexa; VIII – da execução da decoração e jardinagem,
do corte e poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa; IX – do controle e
tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos, no caso dos serviços
descritos no subitem 7.12 da lista anexa; X – (Vetado.); XI – (Vetado.); XII – do florestamento,
reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.16 da lista
anexa; XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas e congêneres, no caso dos
serviços descritos no subitem 7.17 da lista anexa; XIV – da limpeza e dragagem, no caso dos serviços
descritos no subitem 7.18 da lista anexa; XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso dos
serviços descritos no subitem 11.01 da lista anexa; XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados,
segurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02 da lista anexa; XVII – do
armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda do bem, no caso dos serviços descritos no
subitem 11.04 da lista anexa; XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e
congêneres, no caso dos serviços descritos nos subitens do item 12, exceto o 12.13, da lista anexa; XIX – do
Município onde está sendo executado o transporte, no caso dos serviços descritos pelo subitem 16.01 da lista
anexa; XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de estabelecimento, onde ele
estiver domiciliado, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa; XXI – da feira,
exposição, congresso ou congênere a que se referir o planejamento, organização e administração, no caso
dos serviços descritos pelo subitem 17.10 da lista anexa; XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal
rodoviário, ferroviário ou metroviário, no caso dos serviços descritos pelo item 20 da lista anexa. § 1.º No
caso dos serviços a que se refere o subitem 3.04 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido
o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e
condutos de qualquer natureza, objetos de locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou
permissão de uso, compartilhado ou não. § 2.º No caso dos serviços a que se refere o subitem 22.01 da lista
anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja
extensão de rodovia explorada. § 3o Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do
estabelecimento prestador nos serviços executados em águas marítimas, excetuados os serviços descritos no
subitem 20.01.
– 151 –
do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando
o imposto será devido no local da prestação dos serviços.
Como se vê, quanto às hipóteses excepcionadas houve observância ao norte
constitucional, prestigiando-se o local da prestação dos serviços. O problema está na
regra geral que se extrai da primeira parte do art. 3.º em questão.
Nesse tocante, não se supõe que referida lei complementar tenha prestigiado
integralmente a noção inarredável de que o ISS é devido no local da prestação. Tal
legislação, longe de considerar os critérios constitucionalmente pressupostos para a
repartição da permissão impositiva entre os Municípios, acabou reputando o local da
prestação ora como aquele Município em que situado o estabelecimento prestador
(regra geral: art. 3.º, primeira parte), ora como aquele Município em que ultimados os
serviços ali excepcionados (regra específica: art. 3.º, segunda parte). Aquele
regramento geral é incompatível com a Constituição, eis que não reflete o discrímen da
territorialidade das leis empregado pelo legislador constituinte – a par do campo
material de atuação possível – para outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao
Distrito Federal para instituírem ISS.
Como atesta Paulo de Barros Carvalho, ao analisar essa questão sob a égide
do Decreto-lei 406/68 (veículo normativo que anteriormente regulava a matéria),
referida regra geral é de “rara infelicidade. [...] abriga um descompasso lógico-jurídico
[...]: consagra o desvirtuamento da regra-matriz de incidência do ISS, por não adotar o
critério espacial adequado”.365 Tal regramento, segundo esse jurista, “parece uma
solução esdrúxula e profundamente infeliz do Decreto-lei n.º 406, porque fere,
justamente, o princípio da territorialidade da tributação”.366
365
366
Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 191. Ressalte-se que esse entendimento, apesar de ter
sido exarado à luz do Decreto-lei 406/68, é, atualmente, de grande valia, já que a Lei Complementar
116/2003 impôs o mesmo tratamento jurídico ao local da prestação de serviços.
Cf. Paulo de Barros Carvalho, A competência tributária municipal, p. 332.
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto também compartilham desse mesmo entendimento: “A pretexto
de regular conflitos de competência, o Decreto-lei em questão criou regra esdrúxula, sem apoio
– 152 –
A constatação de tal absurdo também não passou desapercebida por Marçal
Justen Filho que, também já à época do Decreto-lei 406/68, aduziu que a alínea a do
art. 12, ao tencionar fixar critérios para solução de dúvidas sobre competência
tributária, acabou por produzir
tentativa de alterar a própria materialidade do ISS, ao pretender vincular a
competência tributária a evento alheio e incompatível, sob todos os ângulos, com o
esquema instituído constitucionalmente para a materialidade da hipótese de
incidência do ISS. Sua inconstitucionalidade, nesse passo, deriva da evidenciação
de que o conteúdo de suas disposições não é mera revelação da vontade
constitucional – mas traduz inovação antinômica da estrutura do ordenamento
jurídico, estrutura essa já definida constitucionalmente de modo rígido.367
Não obstante a flagrante inconstitucionalidade incorrida pelo art. 3.º da Lei
Complementar 116/2003, ao prescrever regramento geral no sentido de que o local da
prestação é o do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, o do domicílio do
prestador, faz-se necessário extrair a possível eficácia de parte desse enunciado
complementar diante da Carta Magna.
Como vimos anteriormente, o local de ocorrência da prestação de serviço
somente pode ser o da prestação, assim entendido o território do ente político onde a
prestação de serviço contratada é ultimada. Os Municípios e o Distrito Federal só
podem exigir ISS relativamente a prestações de serviços realizadas em seus
respectivos territórios. É proibido exigi-lo sobre prestações de serviços ocorridas fora
de suas porções territoriais.
Levando em conta que estabelecimento prestador só pode ser reputado
aquele em que a prestação de serviço tem condições de ser realizada, sendo irrelevante
o fato de configurar matriz, filial, sucursal ou agência,368 tem-se que é legítimo
367
368
constitucional. Com isso, ao invés de dispor sobre conflitos, instaurou o caos”. ISS – construção civil –
pseudo-serviços e prestação de serviços – estabelecimento prestador – local da prestação, p. 93.
Marçal Justen Filho, O imposto sobre serviços na Constituição, p. 150.
Cf. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, p. 15; Heron Arzua, Noção de
estabelecimento, p. 12; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 316 e 320; José Eduardo
Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 167.
Segundo o art. 4.º da Lei Complementar 116/2003, “considera-se estabelecimento prestador o local onde o
contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário e que configure
unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações da sede, filial,
– 153 –
considerar o local em que situado o estabelecimento prestador como o local da
prestação apenas se ele for o lugar escolhido pela empresa (entre outros tantos que
eventualmente possua) para “realizar, desenvolver e ultimar os atos materiais,
providências e medidas necessárias à prestação dos serviços. Ter-se-á caracterizado,
nesse local, o ‘estabelecimento prestador’ dos serviços”.369
Dessa forma, entendemos que o regramento geral previsto pelo art. 3.º,
primeira parte, da Lei Complementar 116/2003, tem aplicação apenas para aquelas
situações em que o local onde é realizada prestação de serviços coincidir com o do
estabelecimento prestador. Tirante essas hipóteses, local da prestação é o do Município
em que é realizada, concluída, ultimada, a prestação de serviço.
Critério espacial da norma padrão do ISS é o local da prestação de serviços,
assim entendido o do Município onde é realizada, concluída, ultimada, a atividade-fim
contratada. Os Municípios e o Distrito Federal somente poderão considerar ocorrida a
prestação de serviços no local onde se dá a execução da prestação.
5.2.4 O critério pessoal
O fato prestar serviços listados em lei complementar, identificado no tempo
e no espaço, previsto no antecedente da norma padrão do ISS, implica a imputação de
uma relação jurídica de cunho patrimonial, presumida no conseqüente dessa norma.
Trata-se, referida relação jurídica, de um vínculo abstrato entre duas
pessoas em torno de um objeto.
Demarcar esse vínculo abstrato requer que indaguemos sobre os itens (a)
sujeitos dessa relação e (b) a prestação pecuniária que poderá ser exigida,
369
agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que
venham a ser utilizadas”.
Não é, contudo, de grande auxílio o conceito de estabelecimento prestador de autoria do legislador
complementar. Ele apenas nos diz o que é óbvio, ou seja, que estabelecimento prestador é o local onde o
serviço é efetivamente prestado.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na constituição e na lei, p. 320.
– 154 –
denominados por Paulo de Barros Carvalho370 de critério pessoal e critério
quantitativo, respectivamente.
5.2.4.1
O sujeito ativo
O critério pessoal contém a indicação do sujeito ativo, isto é, da pessoa que
poderá ser erigida pelos legisladores como titular do direito subjetivo de exigir o
cumprimento da prestação pecuniária. Esse critério normativo contém, ainda, a
previsão do sujeito passivo, isto é, quem tem o dever jurídico de cumprir a referida
prestação, podendo ser colocada nessa condição pelos Municípios e pelo Distrito
Federal, quando do exercício da permissão impositiva que lhes foi outorgada.
A identificação do sujeito ativo da norma padrão do ISS é feita tendo em
consideração a significação do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por
conseguinte, os critérios material e espacial da norma padrão do ISS.
Se do conceito de serviço pressuposto no art. 156, III, do Texto
Constitucional extrai-se que a materialidade possível do ISS é, em linhas gerais,
prestar serviço listado em lei complementar, e se o critério espacial possível da norma
padrão do ISS é o local da prestação, assim entendido aquele onde o referido
comportamento humano é realizado, tem-se que o titular do direito subjetivo de exigir
o cumprimento da prestação pecuniária só pode ser o Município ou o Distrito Federal,
em cujo território se concretiza a prestação de serviço.
Vimos que, no caso do ISS, a indicação da materialidade pelo legislador
constituinte não foi suficiente para estabelecer a outorga de permissão impositiva aos
Municípios e ao Distrito Federal, tendo sido necessário o emprego do discrímen da
territorialidade, a evidenciar, portanto, que sujeito ativo só pode ser aquele Município
em cujo território ocorre a prestação de serviço, apregoa Aires Fernandino Barreto.371
370
371
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 89.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 345.
– 155 –
A pessoa titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária é a mesma que
detém permissão para criar o ISS.
Com efeito, se são as mesmas a figura a ser erigida pelo legislador ordinário
como titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação pecuniária e a
pessoa que detém permissão para criar o ISS, o legislador não precisa prever
expressamente o sujeito ativo.
Apenas nos casos em que se faz necessário prever parafiscalidade372 é que
os Municípios e o Distrito Federal deverão apontar o sujeito ativo, indicando, como
tal, pessoa diferente daquela que detém permissão para instituir o ISS.
5.2.4.2
O sujeito passivo
O sujeito passivo possível a integrar a relação jurídico-tributária do ISS
vem implícito no Texto Constitucional. A Constituição Federal contém diretrizes que
possibilitam a identificação daquele quem tem o dever jurídico de cumprir a prestação
tributária, ao contemplar destinatário constitucional tributário.
É por meio do destinatário constitucional tributário, sujeito implicitamente
referido pela Constituição Federal como sujeito passivo da obrigação tributária – nas
372
José Eduardo Soares de Melo se posiciona no mesmo sentido: “a instituição de qualquer espécie tributária –
inclusive os impostos – só pode ser exercida pela pessoa política eleita pela Constituição que fixa os
respectivos estados, situações e atividades, de modo a assegurar-lhe a decorrente receita financeira”, de
modo que a sujeição ativa “trata-se de matéria de ordem pública, sendo questionável a instituição desse
imposto por Município localizado em âmbito territorial desvinculado daquele em que ocorre a efetiva
prestação dos serviços”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 9.
Também Betina Treiger Grupenmacher, quando, após reconhecer que a Constituição delineia os aspectos
fundamentais da norma padrão do ISS, afirma que “o sujeito ativo é o Município onde efetivamente tenha
ocorrido a prestação de serviços”. A base de cálculo do ISS, p. 193-194.
Dá-se a parafiscalidade quando figurar na relação jurídico-tributária alguém que não o próprio ente político
competente para a criação do tributo, a fim de que esse alguém cobre e aplique a sua receita no desempenho
de suas finalidades. Não se tem aqui delegação de competência, mas, tão-somente, delegação de capacidade
tributária ativa, isto é, para figurar no pólo ativo da relação tributária. Paulo de Barros Carvalho define a
parafiscalidade como “o fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito
ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, para o
implemento de seus objetivos peculiares”. Curso de direito tributário, p. 237.
– 156 –
palavras de Hector Villegas,373 destinatário legal tributário –, que se extrai o sujeito
passivo da norma padrão do ISS.
Ao se debruçar sobre esse tema, Aires Fernandino Barreto, com apoio nas
lições de Hector Villegas e de Cléber Giardino, ensina que,
toda vez que o legislador constituinte faz referência a um fato – ao distribuir
competências tributárias – está fazendo referência à pessoa produtora do fato, ou de
alguma maneira a ele ligada, por um tipo de conexão constitucionalmente
qualificada para produzir não só o efeito de fazer nascer a obrigação tributária,
como ainda o especial efeito de fazê-la nascer, tendo por sujeito passivo uma
determinada categoria de pessoas (o destinatário constitucional tributário, a que se
refere Cléber Giardino, aplicando magnífica e fecunda lição de Hector Villegas).374
A figura do destinatário constitucional tributário é extraída da materialidade
descrita da norma padrão do ISS. É o que doutrina Geraldo Ataliba, quando assevera
que a figura do destinatário constitucional tributário “deve ser deduzida, pelo
intérprete, do sistema constitucional, sempre tendo em vista o fato imponível”.375
Tratando-se de ISS, tal identificação é feita levando-se em consideração o
enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, a materialidade possível
do ISS, bem como o princípio da capacidade contributiva.376
A interpretação dessas diretrizes nos permite inferir que, no caso do ISS, a
pessoa implicitamente referida pelo Texto Constitucional como sujeito passivo a
373
374
375
376
Destinatário legal tributário – contribuinte e sujeitos passivos na obrigação tributária, p. 242.
Geraldo Ataliba chama esse sujeito de “destinatário constitucional tributário”, já que vem designado na
própria Constituição Federal pela indicação sistemática, no caso de impostos, do princípio da capacidade
contributiva. Hipótese de incidência tributária, p. 81.
Aires Fernandino Barreto, ISS: Serviços de despachos aduaneiros – Momento de ocorrência do fato
imponível – Local da prestação – Base de cálculo – Arbitramento, p. 116.
Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 87.
O princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade tributária, é construído a partir
do enunciado expresso no § 1.º do art. 145 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Sempre que
possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte”.
Esse princípio constitui, como mostra José Eduardo Soares de Melo, “mandamento que obriga que só deve
ocorrer imposição tributária quando se está diante de fatos, operações, situações e estados que denotem
fundamento econômico (riqueza), jamais tendo cabimento incidir tributo sobre qualidades pessoais, físicas
ou intelectuais”. Curso de direito tributário, p. 30.
– 157 –
compor a relação jurídico-tributária só pode ser aquele que realiza a prestação de
serviço.
Conforme sustenta Aires Fernandino Barreto,
a dicção constitucional considerada (art. 156, III) não só requer o fato serviço como
necessário, mas igualmente – embora implicitamente – seu produtor: não supõe o
fato com abstração de quem lhe dá origem. Pelo contrário, visa a indicar,
claramente, ao legislador ordinário o sujeito passivo do tributo (que só pode ser
quem produz o serviço, quem desempenha o esforço em que ele consiste).377
Portanto, considerando que do conceito de serviço pressuposto no art. 156,
III, do Texto Constitucional extrai-se que a materialidade possível do ISS é prestar
serviço listado em lei complementar e que quem denota fato signo presuntivo de
riqueza é aquele que realiza tal comportamento, tem-se que o sujeito passivo a integrar
a relação jurídico-tributária do ISS só pode ser aquele que desempenha a prestação de
serviço, isto é, o prestador de serviço.
Reconhecendo essa dicção constitucional, a Lei Complementar 116/2003,
em seu art. 5.º, estabeleceu que contribuinte do ISS deverá ser o prestador de
serviços.378
Sujeito passivo possível, ou melhor, o contribuinte, a integrar a relação
jurídico-tributária do ISS é, portanto, tão-só o prestador de serviços. Nos termos em
que reconhecido constitucionalmente, o prestador de serviços é a única pessoa
legitimada a integrar a relação jurídico-tributária na qualidade de sujeito passivo.379
377
378
379
Aires Fernandino Barreto, ISS: Serviços de despachos aduaneiros – Momento de ocorrência do fato
imponível – Local da prestação – Base de cálculo – Arbitramento, p. 116.
No mesmo sentido José Eduardo Soares de Melo ensina que “a íntima conexão da pessoa com a
materialidade é que tem a virtude de revelar o contribuinte, porque, ao realizar o fato gerador, terá que
recolher aos cofres públicos uma parte da respectiva grandeza econômica, qualificada como tributo. É fácil
inferir tal assertiva no ISS, uma vez que o contribuinte só poderá ser a pessoa (jurídica ou natural) que presta
serviços de qualquer natureza (exceto os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de
comunicação – de competência estadual e distrital, art. 155, II, CF)”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 11.
Art. 5.º Contribuinte do imposto é o prestador do serviço.
Adotamos a advertência de Paulo de Barros Carvalho no sentido de que não existe a dicotomia “sujeito
passivo direto” e “sujeito passivo indireto”, interessando, “do ângulo jurídico-tributário, apenas quem
integra o vínculo obrigacional”. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 159.
– 158 –
O legislador ordinário, ao prever o sujeito passivo a compor a relação
jurídico-tributária, só pode indicar como tal aquela pessoa que revela capacidade
contributiva pela produção do fato “prestar serviço”: o prestador de serviços. O
tomador de serviços não pode, portanto, ser eleito como sujeito passivo, sob pena de
violação da norma padrão do ISS e de conceber inútil a rígida repartição da permissão
para tributar o fato prestar serviços.
Sobreleva considerar que a técnica da substituição tributária,380 operada
pela retenção na fonte, não configura sujeição passiva tributária, eis que não decorre
de uma relação jurídico-tributária, mas sim de uma relação jurídica administrativofiscal entre o Estado e o substituto. Por meio dessa relação jurídica, o substituto é
obrigado a repassar ao Estado determinada quantia pertencente ao substituído (sujeito
passivo da relação jurídico-tributária).
A atual Lei Complementar 116/2003, nos termos do art. 146, III, da
Constituição Federal,381 prevê, em seu art. 6.º,382 a possibilidade de os Municípios e o
380
381
Como preleciona Paulo Ayres Barreto, “no âmbito de uma relação jurídica de cunho eminentemente
tributário, o contribuinte é o único sujeito de direito a figurar no pólo passivo dessa relação. E assim é
porque ele é o titular da riqueza pessoal descrita no antecedente da norma geral e abstrata de índole
tributária”. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 86.
Ainda segundo Luís César Souza de Queiroz, “o contribuinte é o único sujeito de direito (sujeito passivo)
que pode figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária e cuja identificação é informada pelo critério
pessoal passivo do conseqüente da norma impositiva de imposto; se o sujeito passivo for outro (responsável
ou substituto, p. ex.), a norma terá necessariamente natureza diversa da tributária”. Sujeição passiva
tributária, p. 185.
Sobre a possibilidade de terceiro (responsável) poder integrar a relação jurídica tributária, confira Maria Rita
Ferragut, Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, fruto de brilhante tese de doutorado
defendida na PUC/SP.
A substituição tributária é uma técnica instituída pelos legisladores ordinários, tendo por fundamento a
eficiência na arrecadação e a fiscalização dos tributos. Consoante explica Luís César Souza de Queiroz, a
substituição tributária envolve “duas relações jurídico-formais de naturezas diversas e inconfundíveis: – uma
– a que corresponde à relação jurídica tributária que surgirá entre o contribuinte e o Estado (representado
pelo seu agente arrecadador, o substituto) – relação jurídico-formal de natureza tributária; e – outra – a que
corresponde à relação jurídica administrativo-fiscal que nascerá entre o substituto e o Estado, onde o
substituto (órgão meramente arrecadador) é obrigado a entregar (repassar) ao Estado o dinheiro recebido ou
retido do contribuinte – relação jurídico-formal de natureza administrativo-fiscal”. Sujeição passiva
tributária, p. 201. Grifos do autor.
Conforme adverte Simone Rodrigues Duarte Costa, o art. 146, III, da Constituição Federal prevê “que
compete à lei complementar dispor sobre normais gerais em matéria tributária, especialmente sobre
contribuintes. O vocábulo ‘especialmente’ utilizado pelo constituinte evidencia que o rol do inciso III do art.
146 é meramente sugestivo, sendo permitido ao legislador complementar estabelecer normas gerais sobre
responsabilidade e substituição tributárias”. ISS, a Lei Complementar 116/03 e a incidência na importação,
p. 85.
– 159 –
Distrito Federal instituírem a substituição tributária na modalidade de retenção na
fonte do ISS, muito embora tenha empregado o termo “responsáveis”.
No que concerne a essa disposição entendemos que a retenção na fonte do
ISS ali autorizada parece não ter respeitado os limites para tanto. O legislador
complementar desrespeitou a norma padrão do ISS ao desconsiderar a máxima de que
o ISS só pode ser devido no local da prestação e prever como passíveis de serem
eleitos como substitutos tributários tomadores, cujos serviços não são prestados no
Município onde estão localizados.383
382
383
“Art. 6.º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a
responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,
excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento
total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1.º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido,
multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
§ 2.º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1.º deste artigo, são responsáveis:
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado
no exterior do País;
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos
subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista
anexa.”
Tendo em vista que, para fins de incidência do ISS, importa apenas o local da prestação (considerado o local
em que ultimado o serviço), o que é relevante para fins de responsabilidade por retenção do ISS na fonte é
verificar se no Município onde se pretende criar referida responsabilidade o serviço foi prestado e se seu
tomador também nele está estabelecido. Diante do princípio da territorialidade e da Lei Complementar
116/2003, cabe reter o ISS desde que a prestação de serviço tenha se verificado no Município “A” e, se
nesse mesmo Município, também esteja o tomador.
Sobre o assunto ver estudo específico de Aires Fernandino Barreto, intitulado ISS e responsabilidade
tributária, p. 07-24.
Consoante mostra o autor, “a segunda hipótese de responsabilidade por substituição, contemplada pelo § 2.º
do art. 6.º da LC 116/2003, instituiu modalidade de ‘substituição compulsória’, em contrapartida àquela
criada pelo caput do mesmo artigo, uma vez que a criação de substituição nesta última hipótese é apenas
uma faculdade atribuída aos Municípios. Num e noutro caso, contudo, há requisitos a serem observados,
como assentou Simone Costa, segundo a qual: ‘Há [...] uma condição a ser observada pelo legislador
ordinário, ao instituir a denominada ‘substituição compulsória’, o tomador do serviço deverá estar localizado
no mesmo Município em que o serviço for prestado. Do contrário, óbices jurídicos e operacionais impedirão
a exigência do ISS pelo Município competente’.
Em complemento ao seu raciocínio, averba ainda a referida autora, desta sorte, em relação à substituição
facultativa: ‘Nos demais serviços, entretanto, em que a substituição tributária é uma faculdade dos
Municípios, advertimos que o legislador municipal deverá observar barreira intransponível: prestador e
tomador deverão estar localizados no Município onde se der a prestação do serviço’.
Desta feita, os Municípios não são inteiramente livres para instituírem qualquer hipótese de substituição,
quer sob a modalidade facultativa, quer compulsória. Ainda mais, em relação a esta última, mais
precisamente à hipótese do inciso II, que ora nos interessa, infere-se que os Municípios, em querendo criar a
responsabilidade por retenção, somente podem eleger como responsáveis os tomadores dos serviços
descritos naqueles subitens.
Saliente-se ainda que, de acordo com a LC 116/2003, as hipóteses de ‘substituição compulsória’ são uma
exceção à regra do art. 3.º, segundo a qual, mesmo contrariando o arquétipo constitucional do ISS, considera
– 160 –
5.2.5 O critério quantitativo (alíquota)
O critério quantitativo do conseqüente da norma padrão do ISS é formado
pelos elementos “base de cálculo” e “alíquota”. É nesse critério que encontramos
referências
às
grandezas
que
o
legislador
ordinário
deverá
prescrever,
conceitualmente, quando da instituição dos enunciados que comporão o critério
quantitativo da regra-matriz de incidência, para possibilitar o dimensionamento da
prestação de serviço e, pois, a obtenção do valor da prestação objeto da relação
jurídico-tributária a ser instaurada.
A base de cálculo contém descrição da unidade de referência que deverá ser
prevista pelo legislador ordinário para medir a intensidade do comportamento “prestar
serviços”. Esse elemento do critério quantitativo da norma padrão do ISS é obtido por
intermédio da interpretação do art. 156, III, dos princípios da tipologia tributária, da
igualdade, da capacidade contributiva e do enunciado complementar consubstanciado
o serviço prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, uma vez que, naquela hipótese,
o imposto será devido no local da prestação do serviço.
Relativamente às atividades excepcionadas pela lei, é visível que a Lei Complementar referiu serviços cuja
prestação se dá em local devidamente identificado, dado que se vinculam fisicamente a certo Município.
Nesse particular, a Lei Complementar estaria correta, na medida em que só considerou como passíveis de
serem eleitos pela lei municipal como responsáveis, os tomadores de serviços, cujos serviços são
necessariamente prestados no Município onde se localizam.
Quanto à regra geral segundo a qual o imposto será devido no local do estabelecimento prestador, há
flagrante inconstitucionalidade, pela singela razão de que o ISS só pode ser devido no local da prestação.
Deveras, esse dispositivo possibilita a criação de onerosas e vexatórias exigências. Deturpa, pela fraude da
hipótese de incidência do ISS, por via do seu aspecto espacial, o mecanismo da responsabilidade por
retenção (substituição tributária). O Município em que estiver situado o estabelecimento prestador – até
mesmo nos casos em que, em face da LC 116/2003, o ISS é considerado devido no local da prestação (cf.
incisos do art. 3.º) – seguramente, pretenderia imposto, invocando aquele fato; o Município no qual o
serviço for prestado elegerá o tomador como substituto. Com efeito, para receber o preço (fruto da prestação
de serviços) o prestador terá que sujeitar-se à retenção, caso prevista na lei municipal. Concomitantemente,
ver-se-á obrigado a pagar ISS no Município em que estiver seu estabelecimento prestador. Pagará cá e lá.
Não é pessimista a afirmação de que estará instalado um verdadeiro caos nessa matéria. Essa sistemática
amplia a já precária segurança dos contribuintes, que estarão sujeitos à dupla oneração. Serão compelidos a
recolher o tributo, duas vezes: (a) uma, no Município da prestação, inclusive, com retenção na fonte, do
valor do imposto, pelos tomadores ou intermediários nele localizados e, (b) outra, no Município em que
localizados seus estabelecimentos prestadores.
Vê-se, pois, desde logo, a respeito dos demais serviços tributáveis pelo ISS não incluídos na exceção do
inciso II, § 2.º, do art. 6.º, que a lei municipal só pode eleger como responsáveis tributários tomadores cujos
serviços forem prestados no Município onde se localizam, ainda que o estabelecimento prestador esteja em
local diverso.
A lei do Município ‘A’ não vale no Município ‘B’. O Município não pode criar retenção do ISS na fonte,
excluindo responsabilidade de pessoa que não prestou serviço em seu território, ou seja, que não praticou o
fato jurídico tributário ali, que está fora do âmbito eficacial da lei. Do mesmo modo, a lei não pode eleger
como responsável tributário pessoa que não está submetida ao próprio Município”.
– 161 –
no art. 7.º da Lei Complementar 116/2003. Esse critério normativo, por constituir, ao
lado da materialidade possível do ISS, tema central de nosso estudo, será objeto de
exploração minudente em capítulo próprio.
A alíquota da norma padrão do ISS contém, por sua vez, a descrição do
indicador da proporção a ser levada em conta da base de cálculo. Configura mero
indicador da proporção a ser reputada da base de cálculo.384 Apenas após a edição de
lei e sua aplicação ao caso concreto é que caberá cogitar de alíquota como fator
numérico (percentual ou cifra) concretamente considerado para, conjugado à base
calculada (concreta mensuração de um fato tributário), obter o valor que deverá ser
pago pelo sujeito passivo.
Esse critério normativo é construído com fundamento (i) nos enunciados
constitucionais consubstanciados no art. 156, § 3.º, I, da Constituição Federal e no art.
88 do ADCT, (ii) no enunciado complementar do art. 8.º da Lei Complementar
116/2003, (iii) bem como nos princípios da vedação de exigência tributária com efeito
de confisco e da igualdade tributária.
Consoante o art. 156, § 3.º, I, do Texto Constitucional, na redação dada pela
Emenda Constitucional 37, de 12.06.2002, cabe à lei complementar fixar as alíquotas
máximas e mínimas do ISS. A referida emenda constitucional deu nova redação ao
inciso I, § 3.º, do art. 156 da Constituição Federal, para o fim de conferir ao legislador
384
Como mostra Aires Fernandino Barreto, o conceito de alíquota “haverá de ser distinto, conforme se a
focalize no plano normativo ou no plano da relação jurídica. No plano normativo, alíquota é o indicador da
proporção a ser tomada da base de cálculo. Nesse patamar, a alíquota esgota-se ‘no ser mero indicador’
porque só passível de conjugação com um dado abstrato (no sentido de não numérico): a base de cálculo.
Enquanto não se der a ocorrência do fato a ser medido, não se presta a alíquota à obtenção do quantum
devido a título de tributo. Antes da ocorrência do fato tributário, um dos termos da equação matemática é
numericamente indeterminável; configura incógnita matemática. Não se pode ir além da seguinte
constatação: sobre a base de cálculo x (cuja expressão numérica é ainda desconhecida), aplique-se a alíquota
de, por exemplo, 5%. Inviável ter-se, de conseqüência, nesse átimo, o quantum debeatur. Saber-se-á, no
máximo, que este será o resultado da aplicação da alíquota (já numericamente identificável) sobre um dado
numericamente não identificável, qual seja a base de cálculo do ISS. [...] A alíquota do ISS no plano da
aplicação da lei é o fator que deve ser conjugado à base calculada (preço do serviço convertido em cifra)
para a obtenção do objeto da prestação tributária. Neste estádio, a alíquota já atua como um dos termos da
multiplicação cujo produto é, concretamente, o quantum debeatur”. ISS na Constituição e na lei, p. 401-402.
– 162 –
complementar a faculdade para fixar as alíquotas mínimas do ISS, ao lado daquela
capacidade originalmente prevista para estipular as alíquotas máximas desse tributo.385
Trata-se de faculdade que está em harmonia com disposto no art. 146, II, da
Constituição Federal, que preceitua caber à lei complementar regular limitações ao
poder de tributar postas pelo próprio Texto Constitucional.
Conforme já ensinara José Souto Maior Borges386 – antes mesmo da edição
da Emenda Constitucional 37/2002 –, a lei complementar estará nesses casos apenas
regulando uma limitação constitucional ao poder de tributar, jamais estabelecendo-a.
Aires Fernandino Barreto,387 outrossim, atesta – também à época em que a
faculdade conferida ao legislador complementar restringia-se à fixação das alíquotas
máximas – que a atribuição do estabelecimento desses limites à legislação
constitucional não significa que sejam essas normas limitadoras da competência dos
Municípios, posto que se trata de uma restrição posta pela própria Constituição.
Registre-se que, com o advento da Emenda Constitucional 37/2002 – que
atribuiu ao legislador complementar faculdade para estabelecer as alíquotas mínimas
do ISS (ao lado da permissão já existente para estipular as alíquotas máximas) –, não
mudou o contexto que levou o legislador constituinte a cogitar de alíquotas máximas.
O interesse nacional consubstanciado na necessidade de preservar o princípio do não-
385
386
387
Registre-se, desde logo, que o subsistema constitucional tributário não impôs a uniformização de alíquotas,
mas sim a necessidade de fixação das alíquotas máximas (alíquotas de mais alto grau) e mínimas (alíquotas
piso) do ISS.
É o que sublinha Roque Antonio Carrazza, para quem, em relação ao ISS, “não vigora o princípio da
uniformidade das alíquotas em todo o território nacional”. Curso de direito constitucional tributário, p. 914.
Deveras, a referida uniformização é, consoante adverte Aires Fernandino Barreto, “imperativo constitucional
que, por ora, só se compadece com o ICMS”, e, ademais, “enquanto uniforme significam igual, invariável,
que não muda, que é sempre o mesmo, o adjetivo ‘máxima’ quer dizer que é a alíquota de mais alto grau e a
‘mínima’, a identificadora de piso”. ISS na Constituição e na lei, p. 407.
Este autor manifesta-se, outrossim, no sentido, com o qual estamos de pleno acordo, de que, “como a
Constituição fala em alíquotas máximas, podem ser estabelecidas várias alíquotas máximas, tomando em
conta a natureza dos serviços, em homenagem não só a valores prestigiados pela Constituição (como, v.g., a
educação e a saúde) e sua essencialidade. Nem se diga que esta última classificação não é posta como
critério constitucional; não há confundir cláusula expressa, com obrigatoriedade implícita, decorrente do
sistema”. Ibidem, p. 404.
Lei complementar tributária, p. 209.
Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 72.
– 163 –
confisco388 e em evitar eventuais e abusos por parte dos Municípios e do Distrito
Federal na tributação das prestações de serviços segue-se imperioso. Apenas a forma
de disciplinar essa necessidade é que sofreu alteração. O que antes podia ser regulado
pela fixação da alíquota máxima passou, com o advento da Emenda Constitucional
37/2002, a ser disciplinado por uma faixa indicadora dos tetos máximos (alíquotas
máximas) e pisos mínimos (alíquotas mínimas), dentro da qual deverá o legislador
ordinário se ater para prescrever os enunciados que comporão o critério quantitativo
(alíquota) da regra-matriz do ISS.
Nesse contexto, o que é facultado ao legislador complementar não é
estabelecer, prescrever, as alíquotas do ISS, mas apenas fixar suas alíquotas máximas
e mínimas, em função das quais deverá o legislador ordinário se ater quando da edição
dos enunciados que comporão o critério quantitativo (alíquota).
Como anota Roque Antonio Carrazza, tal lei complementar
irá estabelecer tetos máximos e pisos mínimos, que o legislador municipal não
poderá ultrapassar. Este é um nítido caso de lei complementar reguladora de
“limitações constitucionais ao poder de tributar”. Melhor explicitando, a
Constituição, no dispositivo sob exame, contém uma limitação à competência
municipal para tributar por meio de ISS, que a lei complementar poderá regular. É
evidente que as alíquotas do ISS são estabelecidas pelo legislador ordinário de cada
Município. Apenas a Constituição deu à União a possibilidade de, para evitar
eventuais abusos, estabelecer parâmetros máximos e mínimos que a legislação
municipal deverá observar.389
Dessarte, terão os Municípios e o Distrito Federal ampla liberdade para, no
plano ordinário, trabalhar dentro da faixa demarcada pelo legislador complementar,
reveladora dos limites máximos e mínimos das alíquotas do ISS.
388
389
Segundo Estevão Horvarth, o princípio do não-confisco, positivado no art. 150, inciso IV, da Constituição
Federal, busca “manifestar que a tributação tem de ser razoável. Pode aparentar simplista esta conclusão,
porém não só de argumentos complexos e esotéricos vive o Direito. O que se quer significar é que, neste
ponto, coincidem o desejo o cidadão e o Direito positivo; é dizer: o legislador, ao desempenhar sua atividade
legiferante em matéria tributária, deverá pautar-se pelos caminhos da proporcionalidade e da razoabilidade
(como aliás, deveria proceder no desenvolver de todo o seu mister constitucional). Aí inclui-se não somente
a razoabilidade no sentido de bom senso, como também a razoabilidade quantitativa, ou seja, o montante de
um tributo, bem como o da soma de todos eles, deve ser razoável”. O princípio do não-confisco no direito
tributário, p. 67 e 14. Grifos do autor.
Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 913.
– 164 –
Portanto, entendemos que não há falar, aqui, que a fixação das alíquotas
máximas e mínimas do ISS por lei complementar implica violação à autonomia
financeira dos Municípios e do Distrito Federal. Não há tentativa de abolir, diminuir,
restringir ou suprimir a autonomia financeira desses entes políticos.390 Deveras, o que
existe é uma é limitação à competência municipal para tributar por meio de ISS, posta
pela própria Constituição Federal, e que a lei complementar poderá regular.
A própria circunstância de os Municípios e o Distrito Federal terem o dever
de observar uma faixa fixada por lei complementar contendo os limites máximos e
mínimos das alíquotas do ISS acaba por conformar a autonomia desses entes
políticos391 e do próprio poder de tributar. É dizer, o enunciado consubstanciado no
inciso I, § 3.º, art. 156 da Constituição Federal – que autoriza o legislador
complementar a fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS –, ao lado de outros
enunciados constitucionais, dá contornos e conteúdo à autonomia dos Municípios e do
Distrito Federal, contribuindo, então, para a delimitação da própria aptidão de tributar.
Posta assim a questão, tem-se a Lei Complementar 116/2003 exercendo,
embora parcialmente, a faculdade prevista no mencionado enunciado constitucional.
Referida legislação, com fundamento no inciso I, § 3.º, do art. 156, previu
em seu art. 8.º, II, a alíquota máxima do ISS como 5%, in verbis:
Art. 8.º As alíquotas máximas do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza são
as seguintes:
I – (Vetado.);
392
II – demais serviços, 5% (cinco por cento).
390
391
392
Contrariamente ao que pensamos, confira Aires Fernandino Barreto, A Emenda Constitucional n. 37/2002 e
a alíquota mínima do ISS, p. 19.
A análise e construção de sentido da diretriz que prestigia a autonomia dos Municípios e do Distrito Federal
foram empreendidas no item 4.4.2 do Capítulo 4.
Registre-se que a redação dada a esse dispositivo é estranha, uma vez que de um lado consigna “demais
serviços” e de outro, nada diz a respeito da regra geral, qual seja a classe de serviços cuja alíquota máxima é
outra, que não a de 5%. Consoante afirma Roque Antonio Carrazza, a explicação para tal redação “é
simples: o Presidente da República houve por bem vetar o art. 8.º, I, da mesma lei complementar, que
estipulava uma alíquota máxima de 10% para algumas prestações de serviços de diversão pública. Como o
veto não foi derrubado, somente interpretação sistemática do inciso II consegue revelar que ‘demais
– 165 –
A legislação em comento nada fixou acerca da alíquota mínima do ISS.
Entretanto, isso não significa a inexistência de alíquota piso desse tributo, a teor do
que dispõe o art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A Emenda Constitucional 37/2002, além de atribuir permissão ao legislador
complementar para estabelecer as alíquotas mínimas do ISS (ao lado da faculdade para
estipular as alíquotas máximas), acresceu ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias o art. 88. Tal enunciado constitucional prevê, entre outras coisas, que, enquanto
não editada a lei complementar de que trata o inciso I, § 3.º, do art. 156 da Constituição
Federal, a alíquota mínima do ISS será de 2%, exceto para os serviços a que se referem os
itens 32, 33 e 34 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei 56/87 (que atualmente
correspondem aos subitens 7.02, 7.04 2 7.05 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003).
Assim, tendo a Lei Complementar 116/2203 sido silente quanto à alíquota mínima do ISS,
forçoso concluir que, atualmente, a alíquota em questão é de 2%.
A disposição do art. 88 não tolhe o poder de os Municípios e o Distrito
Federal instituírem isenção de ISS. De fato, a alíquota mínima de 2% impede,
logicamente, a sua fixação no equivalente a “zero” (nítida isenção, consoante adverte
Paulo de Barros Carvalho).393 No entanto, isso não implica reconhecer que os entes
políticos, ante a impossibilidade de erigirem alíquota menor que 2%, estarão
impedidos de isentar, porquanto poderão legislar criando isenção por meio da
mutilação parcial de qualquer outro critério normativo.394
393
394
serviços’ têm, no contexto, a acepção de ‘todos os serviços’”. Curso de direito constitucional tributário, p.
914.
Na lição de Paulo de Barros Carvalho, “o legislador muitas vezes dá ensejo ao mesmo fenômeno jurídico de
recontro normativo, mas não chama a norma mutiladora de isenção. Não há relevância, pois aprendemos a
tolerar as falhas do produto legislado e sabemos que somente a análise sistemática, iluminada pela
compreensão dos princípios gerais do direito, é que poderá apontar os verdadeiros rumos da inteligência de
qualquer dispositivo de lei. É o caso da alíquota zero. Que expediência legislativa será essa que, reduzindo a
alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI? A conjuntura se
repete: um preceito é dirigido à norma-padrão, investindo contra o critério quantitativo do conseqüente.
Qualquer que seja a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação”. Curso de
direito tributário, p. 491.
Registre-se o entendimento contrário de Roque Antonio Carrazza, no sentido de que a alíquota mínima de
2% amesquinha o princípio da autonomia municipal, por impedir o pleno exercício da competência
– 166 –
De outra parte, entendemos que esse enunciado viola o princípio da
igualdade tributária,395 ao ressalvar da aplicação da alíquota mínima de 2% as
prestações de serviços indicadas nos itens 32, 33 e 34 da lista de serviços anexa ao
Decreto-lei 56/87 (que atualmente correspondem aos subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista
anexa à Lei Complementar 116/2003).
Isso porque, como bem adverte Marcelo Caron Baptista,
enquanto os demais prestadores de serviços sujeitar-se-ão ao ISS por alíquota igual
ou superior a dois por cento, ficariam autorizados os Municípios e o Distrito
Federal a fixar alíquota menor, ou mesmo igual a zero, para o setor da construção
civil, sem qualquer amparo constitucional a legitimar tal discriminação.396
395
396
tributária dos Municípios, em função da impossibilidade de estes entes políticos concederem isenção que
resulte na redução do referido percentual. Vide seu livro Curso de direito constitucional tributário, p. 915.
A Constituição Federal traz, em seu art. 5.º, caput, formulação expressa que veicula valor de absoluta
preponderância: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [...]”.
Ao tratar do assunto, Geraldo Ataliba já esclarecia que a igualdade é “a primeira base de todos os princípios
constitucionais e condicionam a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas
funções o povo, republicamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as
manifestações do Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei,
ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar-se ou subtrair-se às
exigências da igualdade”. República e Constituição, p. 160.
Corolário do princípio republicano, a diretriz da igualdade das pessoas em face da lei é valor que impede a instituição
de disciplina normativa que desiguala indivíduos que estão em situação idêntica. A idéia de um tratamento igualitário
das pessoas e situação equivalente perante a lei é tratada sob o rótulo de igualdade formal.
No que se refere à tributação, além de um enunciado geral sobre a isonomia, voltado a todos os cantos do sistema de
direito positivo brasileiro, existe um enunciado específico para a disciplina isonômica das questões tributárias,
aplicável a esse subsistema (CF, art. 150, II): é vedado aos entes tributantes “instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos”. Esse enunciado estabelece que, em matéria tributária, é proibida a criação de tratamento desigual entre
contribuintes que estejam em situação equivalente, o que inclui a criação de distinções em razão de ocupação
profissional ou função. Dessa forma, o princípio da igualdade tributária veicula limite objetivo consubstanciado
numa restrição aos fatores de discriminação que o legislador pode utilizar com o propósito de criar tratamento
diferenciado entre contribuintes.
Assim, consoante pondera Roque Antonio Carrazza, a “lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve
ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo
tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei
tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes
de idênticas posições jurídicas” (Curso de direito constitucional tributário, p. 77-78).
Destarte, com apoio nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra clássica, O conteúdo jurídico
do princípio da igualdade, p. 21, tem-se que as diferenças contidas na norma tributária devem ser
consoantes os interesses absorvidos pelo sistema constitucional e devem decorrer de critérios de seleção
(fatores de discriminação), que guardem uma relação lógica de implicação com a distinção entre o
tratamento criado pelas normas jurídico-tributárias. Ausente fator de discriminação ou presente fator de
discriminação inadequado, a desigualação procedida não encontra amparo no Texto Constitucional.
Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 630.
– 167 –
O caos estaria instalado, adverte Aires Fernandino Barreto,397 visto que a
alíquota de serviços essenciais, como a prestação de serviço de educação, poderia ser
de 2%, no mínimo, enquanto a da prestação de serviços de construção civil poderia ser
de qualquer percentual, por certo menor do que 2%.
Por conseguinte, a melhor interpretação que coaduna com o nosso
subsistema constitucional tributário parece-nos ser aquela no sentido de que também
para as prestações de serviços descritas nos subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista anexa à
Lei Complementar 116/2003 a alíquota mínima do ISS seja de 2%.
Dessarte, forçoso concluir, com fundamento (i) nos enunciados
consubstanciados no art. 156, § 3.º, I, da Constituição Federal e no art. 88 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, (ii) no enunciado complementar do art. 8.º
da Lei Complementar 116/2003, bem como (iii) nos princípios da vedação de
exigência tributária com efeito de confisco e da igualdade tributária, que a alíquota da
norma padrão do ISS é qualquer percentual situado entre 5% e 2%. Os Municípios e o
Distrito Federal devem inexorável obediência ao conteúdo desse critério normativo,
somente podendo erigir como alíquotas do ISS percentuais situados entre 5% e 2%.
Feitas essas considerações partiremos para a minudente construção dos
critérios material e quantitativo (base de cálculo, menos aquela identificável no caso
das sociedades de profissionais e do trabalho pessoal do próprio contribuinte) da
norma padrão do ISS, tema central do presente estudo.
397
No mesmo sentido, Aires Fernandino Barreto aduz o seguinte: “a Emenda ao dizer que a alíquota será de
2%, exceto para os serviços referidos nos itens 32 a 34 da lista (na redação da Lei Complementar 56/87),
não deixa claro se com relação a esses itens a alíquota mínima deverá ser menor ou maior. Essa observação
pode, à primeira vista, parecer acaciana, mas o certo é que a redação não confere a certeza de que a alíquota
mínima para esses serviços a) não existirá; b) deverá existir, mas será b1) inferior a 2%; ou b2) será superior
a 2%. [...] Se a conclusão for a de que, em relação a esses itens, as alíquotas podem ser inferiores a 2%,
segue-se, inexoravelmente, que estará sendo posto às avessas o princípio da igualdade, porque serviços
essenciais (v.g., saúde e educação) serão tributados a 2%, no mínimo; e os de construção civil em qualquer
percentual, inclusive, por óbvio, a 0,01 %. Flagrante ofensa à isonomia, portanto”. A Emenda Constitucional
n. 37/2002 e a alíquota mínima do ISS, p. 22.
– 168 –
6
CRITÉRIO MATERIAL DA NORMA PADRÃO DO ISS
6.1 Materialidade da norma padrão do ISS
O critério material da norma padrão do ISS contém a descrição do
comportamento humano que poderá ser previsto como fato jurídico tributário pelos
Municípios e pelo Distrito Federal. Essa descrição é aqui designada de materialidade
da norma padrão do ISS ou materialidade possível do ISS.
Tal critério normativo é construído tendo em conta um conjunto de
prescrições que regulam o conteúdo semântico do critério material da regra-matriz
tributária a ser criada, quais sejam as imunidades contempladas no art. 150, VI, a, § §
2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, o art. 156, inciso III, do Texto
Constitucional e, por conseguinte, o conceito de serviço tributável que dele se extrai, o
art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e os enunciados complementares constantes da
lista de serviços anexa a essa legislação complementar.
Para proceder a construção do critério material da norma padrão do ISS
partiremos, inicialmente, da noção inafastável de que os (i) serviços prestados por
outras esferas de governo, autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, (ii) os
serviços relacionados aos templos de qualquer culto, (iii) os serviços prestados por
partidos políticos, inclusive suas Fundações, Entidades Sindicais de Trabalhadores,
Instituições de Educação e de Assistência Social, e (iv) aqueles serviços relativos aos
livros, jornais, periódicos, tendo sido, por força do art. 150, VI, a, § § 2.º e 3.º, b, § 4.º,
c e d, da Constituição Federal, contemplados por imunidade398, não podem sofrer
tributação, é dizer, não podem ser objeto do exercício de permissão impositiva.
398
Conforme vimos no capítulo 3, imunidades são unidades de significação de enunciados prescritivos que
impedem o exercício da permissão impositiva em relação a certas situações, fatos ou pessoas. Contribuem,
– 169 –
Isso implica reconhecer que as prestações de serviços albergadas pela
imunidade ficam fora do campo de permissão impositiva dos Municípios e do Distrito
Federal. É dizer, não são tributáveis pelo ISS.
Aires Fernandino Barreto, a propósito, esclarece que
só há serviço tributável, juridicamente, quando a Constituição prevê competência
para sua tributação. Ora, as exclusões constitucionais são verdadeiras balizas
intransponíveis a serem rigorosamente respeitadas pelos titulares das competências,
porque ficam além dos campos demarcatórios das próprias competências. Em rigor,
não há ‘limitações constitucionais ao poder de tributar’. Há, isto sim, balizas que
conformam as competências. [...] Serviços há que não são tributáveis porque não
foram cometidos a nenhuma pessoa política. Dessa espécie são as imunidades.399
Compondo o conjunto de atividades albergadas pelas imunidades estão (i)
os serviços prestados por outras esferas de governo, autarquias e fundações instituídas
pelo Poder Público (art. 150, VI, a, §§ 2.º e 3.º, da Constituição Federal), (ii) os
serviços relacionados aos templos de qualquer culto (art. 150, VI, b, § 4.º, da
Constituição Federal), (iii) os serviços prestados por partidos políticos, inclusive suas
Fundações, Entidades Sindicais de Trabalhadores, Instituições de Educação e de
Assistência Social (art. 150, VI, c, da Constituição Federal), e (iv) os serviços próprios
dos livros, jornais, periódicos (art. 150, VI, d, da Constituição Federal).
Tais prestações de serviços, sendo intributáveis, visto que ficaram fora do
campo de atuação legislativa dos Municípios e do Distrito Federal, não podem ser
levadas em consideração para identificar o critério material da norma padrão do ISS,
responsável pela predefinição do comportamento humano que poderá ser erigido como
fato jurídico tributário do ISS.
De outro lado, conforme vimos no Capítulo 4, a Constituição Federal, em
seu art. 156, III, pressupôs um conceito de serviço tributável para outorgar e delimitar
rigidamente a permissão dos Municípios e do Distrito Federal para criarem o ISS.
Interpretando sistematicamente cada um dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer
399
pois, na identificação da permissão impositiva dos entes políticos, ao colocar certas situações, fatos e
pessoas de particular significado político, social ou econômico, fora do âmbito de atuação legislativa.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 60.
– 170 –
natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”, “definidos em lei complementar”, que
conformam o enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição Federal,
identificamos que serviço tributável é toda prestação de esforço humano
economicamente apreciável, sem subordinação, tendente a produzir utilidade material
ou imaterial a um terceiro, sob regime de direito privado, não compreendida na
competência dos Estados e do Distrito Federal, definida em lei complementar.
Desse conceito de serviço tributável extrai-se que o critério material da
norma padrão do ISS é prestar serviços (“verbo” + “complemento verbal”) previstos
em lei complementar, definidora das atividades que poderão ser erigidas como
hipótese tributária.
É o que atesta Susy Gomes Hofmann quando pondera que
o artigo 156, III, da Constituição Federal dispõe que compete aos Municípios
instituir Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza não compreendidos no
artigo 155, II (isto é, os serviços de transporte intermunicipal e interestadual e os
serviços de comunicação), definidos em lei complementar. O texto constitucional
indica o critério material do imposto, de tal forma que somente poderá ser “prestar
serviços de [...]”.400
Deveras, conforme observamos no Capítulo 4, o Texto Constitucional
reconheceu a necessidade de lei complementar definindo as prestações de serviços –
tirante aquelas reservadas à tributação pelos Estados e pelo Distrito Federal – passíveis
de tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Somente prestação de serviços
definida em lei complementar poderá ser erigida como hipótese tributária do ISS.
Essa legislação complementar é aquela que veicula normas gerais sobre
matéria de legislação tributária, definindo os serviços que os Municípios e o Distrito
Federal poderão descrever, legislativamente, como passíveis de serem tributados pelo
ISS. Com efeito, ela atua como instrumento introdutor de enunciados prescritivos que
conformam a permissão – descrita no conseqüente da norma de competência
legislativa – para criação do ISS; ajuda na construção do critério material da norma
400
Susy Gomes Hofmann, A base de cálculo do ISS, p. 213.
– 171 –
padrão do ISS, explicitando quais as prestações de serviços poderão ser erigidas como
fatos tributáveis.
A Lei Complementar 116/2003, editada a título de dispor sobre o ISS e dar
outras providências, cumpre exatamente essa função em seu art. 1.º e na lista de
serviços que veicula.
Como consta de seu art. 1.º,
O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e
do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da
lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do
prestador.
Ressalte-se que a expressão “atividade preponderante” mencionada nesse
enunciado complementar foi empregada para deixar bem claro que o ISS incide
mesmo se certa prestação de serviço não configurar atividade preponderante do
contribuinte. De fato, uma mesma pessoa, física ou jurídica, pode, além de praticar
operação de circulação de mercadorias, dedicar-se a prestação de serviços. Assim
sendo, o art. 1.º em questão preceitua ser irrelevante a circunstância de a prestação de
serviço corresponder a 1%, 2%, 3%, 4%, etc.; incidirá ISS do mesmo modo, pouco
importando a intensidade do percentual da prestação de serviço em relação às demais
atividades a que se dedica o contribuinte.
É o que se extrai da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo a qual o
que o art. 1.º da Lei Complementar 116/2003
pressupõe é que a incidência de ISS independa da circunstância de a atividade de
prestação de serviços desenvolvida pelo prestador constituir ou não a de maior
importância, a de predomínio ou a de maior peso. Em outras palavras, a incidência
do ISS não pode ser afastada e nem sofrer arranhões pelo fato de que, em certos
casos, ela representa parcela ínfima das múltiplas atuações a que se dedica o
prestador. É dizer, se determinada pessoa física ou jurídica dedica-se 50% à
atividade industrial, 48% à atividade comercial e só 2% à atividade de prestação de
serviços, nem por isso deixará de haver a incidência de ISS relativamente aos
2%.401
401
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 297.
– 172 –
Por força do referido art. 1.º e dos enunciados complementares constantes
da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, os Municípios e o Distrito
Federal só poderão submeter à tributação do ISS as prestações de serviços previamente
definidas na mencionada legislação complementar.402
É inarredável, pois, que o critério material da norma padrão do ISS não seja
identificável apenas por enunciados constitucionais. A construção desse critério
normativo requer que tomemos em consideração a existência dos enunciados
prescritivos veiculados pela lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
Segundo ressalta Júlio Maria de Oliveira, “a construção normativa é
sistêmica e necessita de enunciados prescritivos advindos de diversos veículos
normativos”, de modo que o legislador constituinte condicionou o exercício da
permissão para instituição do ISS à observância da lei complementar, e o fez, segundo
explica o autor,
para garantir uma uniformidade mínima: qual seja restringir a construção do fato
jurídico tributário a eventos previamente determinados na hipótese tributária, por
complementos verbais numerus clausus, expressamente previstos na Lei
Complementar requerida pela Constituição.403
Sendo assim, após a edição da lei instituidora do ISS será possível
identificar diferentes fatos tributáveis e, portanto, construir várias regras-matrizes em
função dos complementos verbais que foram colhidos pelos legisladores ordinários da
Lei Complementar 116/2003. No plano da lei ordinária serão vislumbrados, ao lado do
núcleo permanente prestar serviços, vários complementos adicionais – representativo
402
403
Conforme mencionado no Capítulo 4 e evidenciado no decorrer deste trabalho, a Lei Complementar
116/2003 não se limita a definir os serviços que poderão ser tributados pelos Municípios e pelo Distrito
Federal, exercendo, também, as funções de dispor sobre conflitos de competência entre entes tributantes e
regular as limitações ao poder de tributar.
A propósito, sobre a força normativa apenas dos “subitens” constantes da lista de serviços anexa à LC
116/2003 para prever os serviços que poderão ser descritos pelo legislador ordinário como passíveis de
incidência do ISS, confira nosso A função meramente aglutinadora dos itens descritos na lista de serviços
anexa à Lei Complementar n. 116/2003 e a força normativa dos subitens para estabelecer a incidência do
ISS, n. 3, v. 1.
Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 96.
– 173 –
da espécie da atividade tributável – prescritos em consonância com a lista de serviços
anexa à Lei Complementar 116/2003.
É o que novamente se extrai da lição de Júlio Maria de Oliveira, segundo a
qual há
um núcleo comum no critério material do antecedente que é manifesto na expressão
prestar serviços [verbo (prestar) + serviços (primeiro complemento)], e uma
diversidade de complementos adicionais prescritos na Lista anexa ao Decreto-lei n.º
406/68. [...] O critério material da hipótese tributária deverá ser composto pela
expressão verbal advindo de enunciados prescritivos veiculados em leis municipais
ou distritais que poderão colher complementos verbais que estiverem contidos na
Lista anexa ao Decreto-lei n.º 406/68 (veículo normativo recebido como Lei
Complementar, esta exigida pelo enunciado do inciso III, art. 156, da Constituição
Federal, para compor a construção do fato jurídico tributário do ISSQN.404
Importante ter presente que a lei complementar não pode arrolar como
prestação de serviço o que prestação de serviço não é. Como já demonstrado no item
4.2.1 do Capítulo 4, o ISS recai sobre a prestação de serviço, assim entendida aquela
atividade “consistente em desenvolver um esforço visando adimplir uma obrigação de
fazer”.405 As obrigações de dar estão, por óbvio, fora do campo tributável dos
Municípios e do Distrito Federal em matéria de ISS. Indicá-las como prestação de
serviços implica violação ao Texto Constitucional.406
Roque Antonio Carrazza é incisivo ao assinalar que fatos
que estejam no campo material de imposto federais ou estaduais, não podem ser
tributados por meio de ISS, ainda que uma lei complementar assim o permita.
Aliás, lei complementar desse jaez seria inconstitucional, porque estaria ampliando
o âmbito de abrangência do ISS e, o que é muito pior, atropelando o direito
subjetivo que todos os contribuintes têm, de só serem tributados pela pessoa
política competente, observadas as regras-matrizes exacionais, postas no Diploma
Magno. Serviços novos só podem ser inseridos na lista se forem, em tese,
tributáveis por meio de ISS. Ou, se preferirmos, a lei complementar não pode
“definir” ou “arrolar” fatos intributáveis pelo ISS (que poderíamos chamar de nãoserviços). Também a lista não pode criar serviços tributáveis por analogia,
404
405
406
Júlio Maria de Oliveira, Internet e competência tributária, p. 91 e 96.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 295.
Segundo Aires Fernandino Barreto, “essa impossibilidade conduz, inexoravelmente, à inconstitucionalidade
da instituição e de exigência desse tributo em casos de atividades que se traduzem em obrigações de dar, que
são com ele incompatíveis. Já consignamos que o ISS só pode abranger obrigações de fazer, contidas em
contrato em que uma pessoa (física ou jurídica) presta e outra recebe serviços; só há ISS debaixo de uma
relação jurídica instaurada entre prestador e tomador do serviço”. Ibidem, p. 295-296.
– 174 –
equiparação, ficção ou presunção. Tampouco considerar serviços, para fins de ISS,
fatos regidos pelo Direito Público (v.g., os serviços públicos).407
Outro não é o entendimento de Aires Fernandino Barreto, de acordo com o
qual a lei complementar tem que se limitar em definir ou em listar atividades que
configurem serviço. Nas palavras deste jurista,
muitos são os casos em que se pretende exigir imposto sobre serviços sobre
atividades que não o são, a pretexto de que tais atividades forma listadas por lei
complementar. [...] A expressão definidos em lei complementar não autoriza
conceituar como serviço o que serviço não é. Admitir que o possa equivale a supor
que, a qualquer momento a lei complementar possa dizer que é serviço a operação
mercantil, a industrialização, a operação financeira, a venda mercantil, a
industrialização, a operação financeira, a venda civil, a cessão de direitos. Em
outras palavras, que a lei complementar possa, a seu talante, modificar a CF.408
Por essa razão, o referido tributarista, após evidenciar que as cessões de
direitos não envolvem nenhuma obrigação de fazer (prestação de esforço pessoal para
outrem), e sim uma obrigação de dar, acaba apoiando o veto do Poder Executivo ao
subitem 3.01 da Lei Complementar 116/2003, que versava locação de bens móveis
(obrigação de dar) e rechaçando o erro desse mesmo Poder, ao permitir que outras
modalidades de locação de bens prosseguissem figurando na lista, ao lado de cessões
de direito.409
407
408
409
Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n.
116/2003, p. 36.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 108.
Idem, ibidem, p. 161. Segundo esse autor, a lista de serviços anexa à Lei Complementar contempla “várias
hipóteses de cessão de direitos como se pode observar especialmente dos subitens 1.05 ‘Licenciamento ou
cessão de direito de uso de programas de computação’; 3.02 ‘Cessão de direito de uso de marcas e de sinais
de propaganda’; 3.05 ‘Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário’; 15.08
‘Emissão, reemissão, alteração, cessão, substituição, cancelamento e registro de contrato de crédito; estudo,
análise e avaliação de operações de crédito; emissão, concessão, alteração ou contratação de aval, fiança,
anuência e congêneres; serviços relativos a aberturas de crédito, para quaisquer fins’; e 15.09 ‘Arrendamento
mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia,
alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil
(leasing)’”. Ibidem, p. 161.
Mais adiante o autor repugna a tentativa de a Lei Complementar 116 arrolar servidões administrativas
(subitem 3.04) para efeito de tributação pelo ISS, ao dizer que “a nova lista contempla, outrossim, em seu
subitem 3.04, a ‘Locação, sublocação, arrendamento’ ao lado do ‘direito de passagem ou permissão de uso,
compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza’. Deveras,
prevê a tributação de verdadeiras servidões administrativas. A servidão administrativa é o direito real por
força do qual o proprietário (ou titular do domínio útil, do direito de superfície ou o possuidor), por razões
de interesse público, tem que se sujeitar a restrições ou limitações aos poderes de que é titular. O Mestre
Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua a servidão administrativa como ‘[...]’ . E arrola como exemplos
de servidão administrativa, entre outros, a passagem de aquedutos e a passagem de fios elétricos sobre
– 175 –
A Lei Complementar 116/2003 incorreu em flagrante inconstitucionalidade
ao listar como prestação de serviço a franquia (subitem 17.08) e o licenciamento de
uso de software (subitem 1.05), negócios jurídicos que, diante de nossa ordem jurídica,
configuram cessão de direitos e, portanto, nítida obrigação de dar, compreendida no
campo de atuação da competência residual da União, ex vi do art. 154, I, da
Constituição Federal. A inconstitucionalidade prossegue, outrossim, no art. 1.º, § 3.º,
da referida legislação, bem como nos subitens 21.01 e 22.01 da lista a ela anexa, ao se
pretender que os serviços públicos possam ser tributados pelo ISS.410
Ressalte-se, por derradeiro, que também andou mal a Lei Complementar
116/2003 no que tange à indicação dos serviços que constituem fatos tributáveis do
ISS, eis que não procedeu à listagem dessas atividades segundo um critério único.
Basta, adverte Aires Fernandino Barreto, passar os olhos na lista de serviços para
perceber que se trata
de um rol acriterioso, que ora menciona profissões, ora profissionais, ora
atividades, ora objetos de atividades, ora ações, ora resultados, ora agentes, tudo
isso de modo caótico e sem nenhum nexo, a ponto de compreender situações que de
modo algum podem ser consideradas serviços.411
Além disso, como já registrado no subitem 4.4.2 do Capítulo 4, quando
mencionada legislação complementar faz menção aos vocábulos “congêneres”,
“quaisquer”
410
411
ou
a
expressões
vagas
(como
“serviços
de
pesquisas
de
imóveis particulares. Já se vê, pois, que sobre essas modalidades de permissões ou de concessões não pode
incidir nenhum ISS. Quem concede ou permite não opera nenhum fazer. Pelo contrário, vê-se obrigado, tãosó, a suportar restrições ao seu direito de propriedade. Se imposto algum pudesse incidir estaria ele contido
na competência residual da União (art. 154, I, da Constituição)”. Ibidem, p. 162.
O § 3.º do art. 1.º em questão prevê o seguinte: “O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda
sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente
mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário”.
A Lei Complementar 116 lista como tributáveis pelo ISS (i) no subitem 21.01 os “serviços de registros
públicos, cartorários e notariais”, (ii) no subitem 22.01 “serviços se exploração de rodovia mediante
cobrança de preço ou pedágio dos usuários, envolvendo execução de serviços de conservação, manutenção,
melhoramentos para adequação de capacidade e segurança de trânsito, operação, monitoração, assistência
aos usuários e outros serviços definidos em contratos, atos de concessão ou de permissão ou em normas
oficiais”, e (iii) no subitem 26.01 “serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos,
objetos, bens ou valores, inclusive pelos correios e suas agências franqueadas; courrier e congêneres”.
Sobre a inconstitucionalidade em questão confiram-se: Roque Antonio Carrazza, Inconstitucionalidade dos
itens 21 e 21.1, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, p. 353-368; Clélio Chiesa,
Inconstitucionalidades da LC 116/2003, p. 330-331; José Eduardo Soares de Melo, Inconstitucionalidades
da LC n. 116/2003, p. 303-325; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 57.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 237.
– 176 –
desenvolvimento”), acaba, a rigor, não definindo prestação de serviços alguma,
implicando, destarte, flagrante ofensa aos arts. 156, III, 146, III, a, ambos da
Constituição Federal.
Em súmula, critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços
arrolados na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Apenas essa
materialidade poderá ser prevista pelos Municípios e pelo Distrito Federal como
hipótese tributária da regra-matriz do ISS a ser criada.
6.1.1 Efetividade, habilitação, habitualidade, lucratividade, da prestação de serviços
e a materialidade possível do ISS
Por força da materialidade, prestar serviços definidos na lista de serviços
anexa à Lei Complementar 116/2003 infere-se que o ISS só pode alcançar as
prestações de serviços concretamente ocorridas. As prestações potenciais de serviços
não compõem o âmbito material de atuação legislativa dos Municípios e do Distrito
Federal.
Com sua linguagem rigorosa, Souto Maior Borges ensina que o imposto
sobre serviços,
não pode incidir sobre o que ainda não é serviço, a mera potencialidade dessa
prestação. [...] Como a CF só autoriza sejam gravadas as prestações de serviços
concretamente ocorridas, ou – o que é mesmo – os serviços efetivamente prestados
– as prestados – as prestações potenciais de serviços não compõem o âmbito
material de validade da lei municipal instituidora do ISS.412
A contratação de determinada prestação de serviço não se confunde com a
materialidade do ISS, que poderá ser prescrita pelos Municípios e pelo Distrito
Federal;413 denota apenas previsão de obrigação de fazer, prestação potencial de
serviço, não uma prestação de serviço concretamente ocorrida.
412
413
Souto Maior Borges, Inconstitucionalidade e ilegalidade da cobrança do ISS sobre contratos de assistência
médico-hospitalar, p. 169-170.
Cf. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 574.
– 177 –
Embora prestações de serviço sejam iluminadas por contratos, destaca Aires
Fernandino Barreto, o ISS não incide sobre esses pactos, mas sobre prestações de
serviços concretamente ocorridas. Segundo esse jurista,
apesar de o ISS não incidir sobre contratos, mas sobre o fato prestar serviço, não se
pode descartar o exame dos contratos em que essa realidade se assenta, pena de
cometer equívocos e fraudar a real compostura da avença havida entre as partes.
Não podem ser olvidadas as lições do mestre Geraldo Ataliba, segundo a qual são
os contratos que iluminam os fatos. Não pode o exegeta desconsiderar o contrato,
que descreve o fato (atividade-fim) com precisão, para atribuir relevância a outras
expressões (que não espelham o conceito e os caracteres do contrato), com vistas a
subsumir certos fatos, segundo a sua conveniência.414
Apenas aquelas prestações de serviços concretamente ocorridas podem ser
levadas em conta pelos Municípios e pelo Distrito Federal como passíveis de
tributação pelo ISS; somente elas é que podem ser submetidas à tributação.
Tomar em consideração a prestação potencial de serviço para submetê-la à
tributação é o mesmo que reconhecer que o ISS possa recair sobre a mera contratação
da prestação de serviço, em flagrante violação à rígida outorga de permissão
impositiva e à norma padrão desse tributo.
Cabe ressaltar, outrossim, que pouco importa se a prestação de serviço se dá
por pessoa (física ou jurídica) que possui habilitação ou não.
Aires Fernandino Barreto, a propósito, explica que,
se, por hipótese, o prestador elabora um projeto de engenharia apesar de não estar
habilitado para esse mister, o imposto incide normalmente. Aquele que prestar
serviços médicos, mesmo sem habilitação, sujeita-se ao ISS. É que esse imposto
não incide sobre a habilitação, mas sobre a prestação de serviços. Se os serviços
médicos só pudessem ser tributados quando prestados por profissionais habilitados,
o imposto deixaria de ter por materialidade a prestação de serviços, para incidir
sobre a habilitação profissional. Ter-se-ia imposto absolutamente distinto do ISS,
em relação ao qual a habilitação é irrelevante.415
Pouco importa, também, se da prestação de serviço decorre lucro ou se seu
prestador visa lucro. Basta a ocorrência de certa prestação de serviço economicamente
414
415
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 130.
Idem, ibidem, p. 297.
– 178 –
apreciável (remunerável) para que esse fato possa ser tributado pelos Municípios e
pelo Distrito Federal.
Não é demais relembrar que, segundo Aires Fernandino Barreto,
o que importa é ter havido prestação de serviços. Se dela decorre, ou não, lucro
para o prestador é circunstância de nenhum relevo para a incidência do imposto.
[...] o imposto é devido mesmo que a pessoa física ou jurídica prestadora dos
serviços não tenha finalidade lucrativa. É dizer, o ter lucro ou não é irrelevante;
também não tem relevo o fato de o prestador visar lucro. Basta, tão-só, que se trate
de prestação de serviço com conteúdo econômico. [...] É certo que o prestador de
serviço tributável – qualquer que seja – objetiva uma remuneração; mas obter paga
não é o mesmo que visar lucro. O que parece correto afirmar é que a incidência do
ISS pressupõe, inafastavelmente, remuneração e, em alguns casos, a perseguição ao
fim lucrativo. Inversamente, não se pode haver exigência do imposto quando não
houver preço, por se tratar de “serviço” gracioso, altruístico, desinteressado.416
Não é demais lembrar, outrossim, que, para que a prestação de serviço seja
submetida à tributação pelo ISS, se faz necessário que se dê com habitualidade.
A habitualidade, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, representa
a reiteração de certo comportamento, a celebração iterativa de atos, de tal forma
que mesmo considerados isoladamente pressupõe outros que o antecedem ou que
lhe sejam posteriores. É óbvio que um único ato ou dois ou três, soltos num período
tomado por referência, podem não expressar “habitualidade”. Contudo, não há
negar-se que um ato singelo, pode, perfeitamente, caracterizar uma cadeia, da qual
aparece como o primeiro.417
Assim, esse mestre, após enfatizar que a venda efetuada por comerciante
que acaba de inaugurar suas instalações representa exemplo de ato habitual, conclui
que,
se o considerarmos, mesmo isoladamente, haveremos de sentir que se trata de ato
habitual, que se repetirá com freqüência, ainda que não tenhamos notícia do
segundo nem do terceiro ou do quarto. Tem vocação iterativa, tende a repetir-se,
416
417
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 298. Ainda segundo o autor, não há que confundir
serviço gratuito com outra situação “na qual o prestador deixa de cobrar o preço a um certo tomador visando
a conquistá-lo como cliente. É que, nessa hipótese, não houve serviço gracioso (senão aparente), mas serviço
com conteúdo econômico em que se escamoteou o preço. [...] A indagação será sempre e só se houve, ou
não, efetiva prestação de serviço. Se induvidosa for a ocorrência da prestação se serviço, a incidência do
imposto é inexorável, mesmo que o prestador – quaisquer que sejam as razões – deixe de receber o preço a
ela correspondente”. Ibidem, mesma página.
Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 200.
– 179 –
indefinidamente. Assim também a habitualidade na prestação de serviços
tributáveis pelos Municípios.418
A habitualidade é da essência da atividade realizável como exercício de
uma profissão ou como objeto de uma empresa.
Como adverte Bernardo Ribeiro de Moraes, não podemos compreender a
existência de empresa ou profissional autônomo que pratique atos não habituais ou não
sucessivos. Segundo esse autor,
o advogado pode prestar serviço o ano todo para o seu cliente, ou prestá-lo uma
única vez. Será alcançado pelo ISS, pois a habitualidade na sua profissão é inerente,
desde que a exerça. É esta habitualidade no exercício profissional que trará um
status ao prestador do serviço. 419
Como se percebe, a prestação de serviço é habitual quando decorre do
exercício de uma profissão ou do objeto de uma empresa.
O ISS alcança os esforços humanos com habitualidade, isto é, o
fornecimento de um fazer que é fruto do exercício de uma profissão ou do objeto-fim
de uma empresa. Assim, uma única prestação de serviços poderá ser submetida à
tributação do ISS se o seu produtor exercê-la em caráter habitual, isto é, na qualidade
de empresa ou profissional autônomo.
Conforme assinala Bernardo Ribeiro de Moraes,
uma prestação de serviços esporádica, realizada por particular, não dá lugar a
exigência do ISS. Quem, acidentalmente, presta serviço de corretagem, uma única
vez, embora tenha obtido resultado econômico, não está sujeito ao ISS, pois não
agiu no exercício de uma profissão e nem como empresa. [...] Uma única prestação
de serviços não constituirá fato imponível do ISS se não for realizada dentro da
atividade (habitual) do profissional autônomo ou da empresa. Interessa ao imposto
420
a atividade exercida com idéia de profissionalidade.
Somente o esforço humano desenvolvido no exercício de uma profissão ou
do objeto-fim de uma empresa constitui fato tributável pelo ISS.
418
419
420
Paulo de Barros Carvalho, ISS – diversões públicas, p. 200.
Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p. 121.
Idem, ibidem, p. 121.
– 180 –
Aliomar Baleeiro, a propósito, evidencia acatar essa noção ao afirmar,
categoricamente que “o fato gerador (do ISS) pressupõe prestação de serviços a
terceiros como negócio ou profissão”.421
Atividade realizada à margem do regular exercício profissional ou do objeto
da empresa, por não ser habitual, com vocação iterativa, não pode ser submetida à
tributação pelo ISS.
6.1.2 Fruição da prestação de serviços e a materialidade possível do ISS
A fruição ou a utilização da prestação de serviços não podem ser tidas como
comportamentos tributáveis pelo ISS; não integram o campo de atuação legislativa
reservada aos Municípios e ao Distrito Federal.
É que, por força da materialidade possível do ISS, esse tributo alcança o
desempenho de esforço humano a terceiros, não a fruição ou utilização da prestação.
Esses comportamentos
não defluem do arquétipo constitucional desse imposto. Se recaísse descrição
abstrata de tais fatos como suscetíveis de exigência do ISS, estar-se-ia a contornar a
Constituição, a volteá-la para instituir imposto outro que não o ISS, em face do seu
distanciamento dos parâmetros constitucionais. Assim, se fruidor, consumidor se
beneficiário de utilidade forem chamados a contribuir, já se estará não diante do
“fenômeno prestação do serviço” (desempenho de esforço humano em favor de
terceiro), mas sim, de outros fatos quaisquer, inteiramente distintos.422
Nem mesmo a Lei Complementar 116/2003 parece ter se atentado para essa
noção elementar, eis que, em seu art. 1.º, § 1.º,423 acabou concebendo como fato
tributável pelo ISS a fruição da prestação de serviço, ao prever como passíveis de
tributação as prestações de serviços provenientes do exterior.
421
422
423
Aliomar Baleeiro, Direito tributário brasileiro, p. 282.
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na Lei, p. 31.
“Art. 1.º [...]
§ 1.º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha
iniciado no exterior do País.”
– 181 –
Estamos, pois, com Clélio Chiesa que, após partir da premissa de que não
pode o legislador complementar redefinir a materialidade possível do ISS, seja para
ampliar, seja para restringir o âmbito de atuação dos Municípios e do Distrito Federal,
analisou o § 1.º do art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 em conjunto com o inciso I
do § 2.º do art. 6.º,424 do mesmo diploma normativo, concluindo, candentemente, o
seguinte:
Examinando-se os referidos dispositivos, tem-se a impressão que o legislador
simplesmente contemplou uma hipótese de responsabilidade tributária. Com efeito,
parece-nos que não foi isso que foi feito. Em verdade, o legislador ampliou a
incidência do Imposto sobre Serviços – ISS para alcançar materialidade diversa
daquela autorizada constitucionalmente. A materialidade possível do Imposto sobre
Serviços – ISS, como registrado alhures, é “prestar serviços” e não “tomar serviço”.
Poder-se-ia argumentar que o evento submetido à tributação continua sendo a
prestação de serviços e que apenas estaria ocorrendo uma mudança de sujeito
passivo. Ocorre que, na substituição tributária, o regime jurídico que rege o dever
do substituto em relação à obrigação do substituído é o desse e não o daquele. In
casu, o regime do prestador (substituído) é ignorado, simplesmente, o tomador,
sempre que contratar serviços provenientes do exterior, terá que recolher, sobre o
montante pago ao prestador, o ISS. O evento tributado, então, não é o ato de prestar
serviços, mas o ato de tomar serviços provenientes do exterior. [...] Destarte,
partindo-se da premissa de que a lei complementar autorizou a tributação sobre o
ato de tomar serviços provenientes do exterior, incorreu em inconstitucionalidade,
pois ampliou a materialidade possível do Imposto sobre Serviços – ISS
contemplada constitucionalmente.425
6.1.3 Atividade-fim e a materialidade possível do ISS
Segundo averba José Eduardo Soares de Melo, o esforço humano para
outrem pode representar “a) um ato, fato ou obra constitutivo de um passo ou etapa
para a consecução de um fim; e b) o próprio fim ou objeto”,426 implicando, destarte, a
existência da dicotomia atividade-meio e atividade-fim.
Analisando o contrato de prestação de serviço firmado será possível
identificar a prestação-fim contratada e estremá-la dos comportamentos que lhe
antecedem (as atividades-meio).
424
425
426
Consoante o inciso I do § 2.º do art. 6.º, sem prejuízo (i) de os Municípios e o Distrito Federal poderem
atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa e (ii) do responsável estarem obrigados ao
recolhimento integral do imposto devido, independentemente de ter sido efetuada a sua retenção na fonte,
são responsáveis “o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação
se tenha iniciado no exterior do País”.
Clélio Chiesa, Inconstitucionalidades da LC 116/2003, p. 334.
José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspetos práticos e teóricos, p. 45.
– 182 –
Consoante observa Marcelo Caron Baptista,
sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que
denominamos de “prestação-fim”, saberá ele que todos os demais atos relacionados
a tal comportamento são apenas “prestações-meio” da sua realização.427
Assim, identificada a prestação-fim a ser realizada pelo prestador, à luz do
contrato que a ilumina, é possível demarcar as atividades-meio que a precede.
Tanto os comportamentos de dar como o de fazer podem representar,
conjunta ou separadamente, ações desenvolvidas como requisitos ou condições do
esforço humano a ser prestado a terceiros como fim ou objeto.
Exemplo
conspícuo
de
qualificação
de
mera
atividade-meio
consubstanciada em um fazer se dá no caso de transporte de valores dentro de um
Município, atividade-fim tipificada no subitem 16.01. Para a realização dessa
prestação de serviço faz-se essencial (imprescindível, inafastável) a execução de
atividades que a viabilizem, como a coleta e a entrega dos valores a serem
transportados. Essas atividades são meios necessários à efetivação da prestação de
serviços de transporte de valores. Não configuram o fim perseguido, não se
constituindo, portanto, no objeto do contrato de transporte.
Deveras, como explica Aires Fernandino Barreto,
o tomador não quer um “fazer” consistente na simples coleta. Não. O utente ou
destinatário dos serviços quer apenas e tão-somente que os valores sejam recebidos,
transportados e entregues ao destinatário eleito pelo encomendante do transporte.
Tais atividades ancilares, tarefas-meio, nada obstante necessárias, não são
autônomas, não são um fim em si mesmas; pelo contrário, incluem-se nos serviços
de transporte, constituindo-se em atividades-meio para a realização dos mesmos.
[...] Repare-se que o objetivo é o transporte de valores. Coleta e entrega não são
atividades autônomas, serviços em si mesmo considerados. Ao coletar os valores, o
transportador realiza serviços de transporte de bens (da espécie valores). A entrega
é simplesmente o corolário, etapa final do serviço de transporte. O transportador
não realiza essas tarefas (coleta e entrega) como finalidade, como objetivo final.
Contrata serviços de transporte, da espécie transporte de valores, o que implica,
inafastavelmente, coletar, zelar por esses bens (valores) até a sua entrega no
destino. Só exercitando essas tarefas-meio é que pode desenvolver as atividadesfim (serviços) a cuja exploração econômica se dedica. Mais cristalina é essa
427
Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 284.
– 183 –
qualificação de mera atividade-meio, naqueles casos em que sua execução é feita
sem nenhuma cobrança adicional aos clientes (seja pela coleta, seja pela custódia
normal, seja pela entrega). Só na excepcional hipótese de acordo adicional em que
o encomendante requeira uma especial custódia (por exemplo, que os valores
“durmam” em um dos armazéns ou galpões mantidos pelo transportador) é que se
428
teria um novo e diferente serviço.
De outra parte, exemplo clássico de qualificação de atividades-meio
consubstanciadas em um dar, fazer e não fazer pode ser verificado no caso da
franquia,429 atividade relacionada no subitem 17.08 da lista de serviços anexa à Lei
Complementar 116/2003.
O fim perseguido com a franquia é o direito de uso dos produtos,
mercadorias ou serviços representados pela marca. Muitas vezes, para atingir esse fim,
franqueado e franqueador assumem deveres heterônomos que, constituindo-se em
meras atividades-meio, podem envolver obrigações de dar, de fazer e de não-fazer.
Entre as obrigações do franqueador se situam assistência técnica, instrução,
treinamento ou avaliação pessoal, transferência da tecnologia.
Segundo Aires Fernandino Barreto,
o fim da franquia é possibilitar que terceiros explorem um produto, mercadoria ou
serviço representado por uma marca. A maioria dos contratos limitam-se a esse tipo
de objeto. Outros, porém, podem abranger, também, a assistência técnica do
franqueador. Nos contratos em que se prevê assistência técnica, instrução,
treinamento ou avaliação pessoal por parte do franqueador, essas tarefas são meras
atividades-meio, e não atividades-fim. Deveras, são elementos consubstanciados
em métodos e meios de venda, viabilizadores da exploração da marca objeto da
franquia. É dizer, configuram requisitos, insumos, condições (às vezes até
sofisticações) da atividade-fim: a cessão de direitos designada franquia.430
Portanto, como visto, a identificação da prestação-fim é imprescindível para
se determinar qual será o comportamento submetido à tributação pelo ISS. É o negócio
428
429
430
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 127-128.
Ressalte-se que, no nosso entender, a franquia não configura prestação de serviço. A franquia simboliza o
contrato pelo qual uma pessoa, mediante certas condições, cede à outra o direito de comercializar produtos
ou marcas de que é titular. Trata-se, na verdade, de espécie de cessão de direitos, e, por isso, não se subsume
ao conceito de serviço tributável pelo ISS. Apenas para demonstrar o equívoco em que se tem incorrido em
tentar tributar as suas atividades-meio é que estamos nos aludindo a esse negócio jurídico.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 214.
– 184 –
jurídico objetivado pelas partes, a prestação-fim que se persegue, que interessa para a
tributação do ISS, destaca José Eduardo Soares de Melo.431
Tributável pelo ISS é a prestação de esforço humano a terceiro como fim ou
objeto,
não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim.
Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto
no núcleo da hipótese de incidência do tributo). As etapas, passos, processos,
tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio prestador e não
“para terceiros”, ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do
resultado final, beneficiam-se das condições que o tornaram possível).432
Por essa razão, não é permitido ao legislador ordinário segregar certa
prestação de serviço para considerar as atividades-meio que a antecedem como
obrigação de fazer autônoma e, por conseguinte, submetê-las à tributação pelo ISS,
inserindo-as separadamente como materialidade da hipótese tributária desse tributo.
Como bem adverte Geraldo Ataliba, a principal conseqüência da unidade
formal e substancial da hipótese de incidência tributária está em que o comportamento
humano descrito nessa norma é uno, incindível, indecomponível,433 de modo que,
por mais variados e diversos que sejam os fatos que o integram, como dados ou
elementos pré-jurídicos, o fato imponível como tal – ou seja, como ente do mundo
fenomênico – é uno e simples, irredutível em sua simplicidade, indivisível e
indecomponível.434
Sendo a prestação de serviço una e indecomponível, não pode o legislador
seccioná-la nas atividades-meio que a viabilizam, para, com isso, submetê-las à
tributação, separadamente, como se correspondessem, cada qual, a prestações de
serviços.
Alvo de incidência do ISS é a prestação de serviço integralmente
considerada; não, repita-se, as atividades-meio realizadas para a consecução do fim
431
432
433
434
José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 45.
Cf. idem, ISS – Atividade-meio de serviço-fim, p. 83.
Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 72.
Idem, ibidem, p. 73.
– 185 –
perseguido, ainda que previstas como prestações de serviços em determinado subitem
da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.435
O entendimento de Aires Fernandino Barreto, a propósito, é mais uma vez
esclarecedor. Nas suas palavras, “somente podem ser tomadas, para sujeição ao ISS (e
ao ICMS), as atividades entendidas como fim, correspondentes à prestação de um
serviço integralmente considerado”.436 Pensar o contrário, assevera esse autor, “seria
uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à hipótese desse
imposto”.437
Portanto, no caso de prestação de serviço de transporte de valores dentro de
um mesmo Município, exemplificada anteriormente, é forçoso concluir que a coleta e
a guarda de valores, sendo atividades-meio, e, desse modo, não configurando o fim
perseguido, não podem ser vistas isoladamente para fins de tributação pelo ISS.
Constitui
erronia jurídica pretender desmembrar as inúmeras atividades-meio necessárias ao
transporte, que culminam com a entrega dos bens, como se fossem “serviços”
parciais, para fins de incidência do imposto. Nenhuma dessas atividades-meio –
seja a coleta, seja a consolidação, seja a guarda dos volumes, seja a entrega – pode
ser considerada como serviço em si mesmo, com existência autônoma; não são
essas tarefas senão condições, fases, meios ou instrumentos para a efetiva
realização dos serviços de transporte contratados.438
A errônea jurídica de considerar atividades-meio também para fins de
tributação da franquia, ante as obrigações heterônomas que a envolvem, não passou
desapercebida por Aires Fernandino Barreto.
435
436
437
438
O seguinte trecho do voto vencedor proferido pelo Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal, Décio
Miranda, já antes da Lei Complementar 116/2003, deixa clara a impossibilidade de se tomar determinada
atividade descrita na lista de serviços como serviço autônomo para fins de incidência de ISS, in verbis:
“Nem se pode subsumir na alínea 14 da lista, alusiva à ‘datilografia, estenografia e expediente’, eis que, nos
estabelecimentos bancários, tais atividades apenas correspondem a meios de prestação dos serviços e não a
estes próprios. O item ‘expediente’ desperta idêntica recusa, É apenas a expressão de serviços variados,
prestados no exercício de atividades-meio do comércio bancário, que, como diz o acórdão recorrido, não
chegam a constituir serviço próprio, autônomo”. Voto proferido no Recurso Extraordinário 97.804/SP, v.u.,
DJU 31.08.1984, p. 13937.
Aires Fernandino Barreto, ISS – Atividade-meio e serviço-fim, p. 83.
Idem, ibidem, p. 83.
Cf. idem, ISS na Constituição e na lei, p. 127.
– 186 –
Conforme o autor,
a franquia é um contrato complexo (misto), o que não implica concluir que é
inviável o seccionamento dos contratos (ou prestações típicas inteiras ou, ainda,
elementos de outros contratos) que o compõem. Não é demais reiterar que
transferência de tecnologia, instrução, treinamento ou seleção de pessoal, além de
outros, configuram atividades-meio. Igualmente é atividade-meio a eventual
assistência técnica, requerida em certos contratos de franquia. Como visto, na
franquia há um plexo de obrigações de dar, de fazer e de não-fazer, impostas a
ambas as partes. Não se pode dissociar, fatiar, seccionar esses deveres – cuja
execução cabe ao franqueador e ao franqueado – para isolar as atividades-meio ou
eventuais obrigações de fazer, objetivando considerá-las de per si como uma
prestação de serviços.439
Por mais sofisticadas, complexas, significativas e caras que sejam as
atividades-meio, a prestação de serviço permanece íntegra, clara e irredutível, não se
desfaz.
Registre-se, ademais, que não se confunde a prestação-fim contratada com
o ato final exigido do prestador, consistente na entrega de bem ao tomador, quando,
então, a prestação de serviços poderá ser tida como adimplida.
No caso do alfaiate, por exemplo, o fato de a prestação de serviço ser tida
como adimplida somente com a entrega da roupa feita para quem a encomendou não
infirma a prestação-fim consistente em confeccionar a roupa (obrigação de fazer).
Marcelo Caron Baptista é enfático nesse sentido, ao dizer que, em casos
como esse, “a simples entrega do resultado da prestação do serviço, do prestador ao
tomador, não é fato capaz de alterar a natureza da prestação, que é de fazer”.440
6.1.4 Classificação da prestação-fim
As prestações de serviços podem se dar sob diversas formas. É de autoria
de Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto441 grande estudo dessa matéria, no qual
classificam as prestações de serviços, segundo as formas de sua realização, em (i)
439
440
441
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 215.
Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 284.
ISS e ICMS – conflitos, p. 170-171.
– 187 –
prestações de serviços puros, (ii) prestações de serviços com emprego de máquinas,
veículos, instrumentos e equipamentos, (iii) prestações de serviços com a aplicação de
materiais e (iv) prestações de serviços com emprego de instrumentos e a aplicação de
materiais.
Todas essas prestações de serviços se sujeitam ao ISS, podendo ser
submetidas à tributação pelo ISS.
6.1.4.1
Prestações de serviços puros
Muitos são os casos em que certas prestações de serviços prescindem de
instrumentos ou materiais para sua execução.
Por serem executadas apenas com o desempenho de esforço humano, são
denominadas de prestações de serviços puros. Exemplo clássico dessa subespécie de
forma de prestação de serviços é o do “advogado, que se pode limitar a ouvir um relato
e sugerir um comportamento ou formular uma advertência, orientação ou conselho
verbal ao cliente”.442
Nestes casos dúvidas não há quanto ao fato de que essas prestações de
serviços se sujeitam ao ISS, podendo o legislador ordinário submetê-las à tributação,
erigindo-as como materialidade da hipótese tributária desse tributo.
6.1.4.2
Prestações de serviços com o emprego de máquinas, veículos,
instrumentos e equipamentos
Inúmeras outras prestações de serviços necessitam, para a sua realização, do
emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos. Nestas hipóteses os
esforços humanos a terceiros são viabilizados pela utilização desses bens, que surgem
como requisitos imprescindíveis à realização de prestações de serviços.
442
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 47.
– 188 –
Essas prestações de serviços são designadas “prestações de serviços menos
puros”,443 visto que há a conjugação de capital e de trabalho para a sua realização.
Exemplo conspícuo dessas prestações de serviços se dá no caso do médico patologista
que necessita do emprego de microscópio para realizar o seu mister; da esteticista que
requer a utilização de aparelho de laser para a prestação de serviço para a qual foi
contratada; do transportador de valores dentro de um mesmo Município que precisa,
por exemplo, do carro para efetuar o transporte.
À míngua desses requisitos, a prestação de serviços não se aperfeiçoa. O
fato de a execução da atividade ficar na dependência do emprego de máquinas,
veículos, instrumentos e equipamentos, por mais sofisticados que sejam, não desnatura
a prestação de serviços.
É o que se extrai da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo a qual “não
deixa de configurar prestação de serviço o exercício de atividade que requeira o uso de
instrumentos ou equipamentos, por mais sofisticados que sejam. Os meios viabilizam,
aperfeiçoam, aumentam ou garantem a eficácia do esforço”.444
Também não deixa de configurar prestação de serviço se o esforço humano
a terceiro, a despeito de utilizar máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos,
traduzir-se numa coisa material entregue ao tomador (v.g. uma chapa de raio X, o
quadro feito pelo pintor, a roupa feita pelo alfaiate). Essa circunstância de a prestação
de serviços poder se traduzir numa coisa material entregue ao tomador não tem o
condão de transmudar a atividade do prestador em venda de mercadoria.
Considerando que nessas hipóteses as máquinas, os veículos, os
instrumentos e os equipamentos assumem feição meramente instrumental da
viabilização da prestação de serviço, não são objeto de negócio jurídico mercantil, não
configuram mercadoria.
443
444
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS e ICM: conflitos, p. 333-335.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 46.
– 189 –
Nas fecundas lições de Roque Antonio Carrazza, com amparo nas lições de
Paulo de Barros Carvalho, só é mercadoria o bem objeto de mercancia, ou seja, a que
se destina à prática de operações mercantis. Ensina o autor que
não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão-só aquele que se submete à
mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem imóvel, mas nem todo
bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações
mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. Estamos percebendo que nada é
mercadoria “pela própria natureza das coisas”. De fato, como aguisadamente
observa Paulo de Barros Carvalho, a natureza mercantil de um bem não deflui de
suas propriedades intrínsecas, mas de sua destinação específica.445
Na prestação de serviços com o emprego de máquinas, veículos,
instrumentos e equipamentos, alerta Aires Fernandino Barreto,
o simples cunho de instrumentalidade da coisa já será bastante para evidenciar não
ser mercadoria. Aí há serviço e só serviço. E, como tal, tributável pelo Município,
como prevê o art. 156, III, da Constituição Federal. A coisa entregue é mero
resultado, objetivação, testemunho ou registro do serviço (esforço humano)
prestado a terceiro.446
Como se vê, os esforços humanos com o emprego de máquinas, veículos,
instrumentos e equipamentos configuram, apenas e tão-somente, prestações de
serviços, podendo os Municípios e o Distrito Federal submetê-las à tributação,
erigindo-as como materialidade da hipótese tributária desse tributo.
6.1.4.3
Prestações de serviços com aplicação de materiais
Há prestações de serviços que só são concretizadas mediante a aplicação de
materiais.
Nessa espécie de prestação de serviços os materiais são “elementos
concretos envolvidos na prestação, por ela requeridos ou exigidos, sob pena de se
445
446
Roque Antonio Carrazza, ICMS, 9. ed., p. 41.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 46.
– 190 –
tornar impossível o resultado (resultado esse almejado pelo tomador do serviço e
escopo do esforço do prestador)”.447
Inexistente a aplicação de tais elementos, a prestação de serviços não pode
ser realizada. Como lembra Marcelo Caron Baptista,
efetivamente, não há como prestar um serviço de pintura sem a aplicação da tinta,
como não se pode prestar um serviço de confecção de roupa sem o tecido. A tinta,
para o pintor, como o tecido, para o alfaiate, são insumos, sem os quais não há
prestação de serviço. Sem os materiais, não há possibilidade nem de prestar o
serviço e nem de provar a sua realização. Quando a prestação se der por acaba, o
esforço do pintor será manifestado pela parede pintada, o do alfaiate pela roupa
confeccionada.448
Mas isso não implica dizer que os materiais empregados na prestação de
serviço configuram mercadorias. Ou melhor, não há falar em operações relativas à
circulação de mercadorias, fato tributável pelo ICMS.
Para que haja uma operação tributável pelo ICMS, tributo reservado à
permissão impositiva dos Estados e do Distrito Federal, ex vi do art. 155, II, da
Constituição Federal, é necessário, além de um negócio jurídico que implique
transferência de titularidade jurídica de bem, que esse bem seja qualificado como
mercadoria. Assim, cabe cogitar de incidência de ICMS apenas quando diante de uma
operação relativa à circulação de “mercadoria”.449
O que qualifica certo bem como “mercadoria” é a sua destinação. Apenas
bens destinados ao comércio podem ser considerados mercadorias.
447
448
449
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 47.
Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 293.
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino ensinam que só há mercadoria, para o Direito, “onde existam regras
jurídicas que a definam e dêem critérios para o seu reconhecimento (mercadorias são coisas qualificadas
pelo Direito, em função de sua destinação; destarte inexistem mercadorias onde inexista ato juridicamente
regrado). ‘Circulação’ e ‘mercadorias’ são – nesse sentido – adjetivos que restringem o conceito do
substantivo operações. Isto é, nem todas as operações negociais são alcançáveis pelo ICM. Apenas as que
digam respeito (sejam referentes, sejam relativas) à circulação de certas categorias de bens: as mercadorias”.
Núcleo da definição constitucional do ICM, p. 105.
Sobre a importância e a necessária presença da “mercadoria” para que se vislumbre uma operação tributável,
Paulo de Barros Carvalho postula o seguinte: “Importa sinalar que o tributo não onera a circulação de
mercadorias, mas as operações a ela relativas. A ponderação desse aspecto é de cabal relevo para explicar a
verdadeira latitude do critério material da hipótese colhida no preceito constitucional que outorga
competência aos Estados para instituir o gravame, ad litteram”. A regra matriz do ICM, p. 32.
– 191 –
Nas precisas palavras de Roque Antonio Carrazza, “mercadoria, nos
patamares do Direito, é o bem móvel, sujeito à mercancia. É, se preferirmos, o objeto
da atividade mercantil, que obedece, por isso mesmo, ao regime jurídico comercial”.450
Assim, conclui o autor que “não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só
aquele que se submete à mercancia”.451
Os materiais aplicados para a realização da prestação de serviço não se
destinam à mercancia, não são mercadorias.452 Em si mesmos considerados, não
interessam nem ao prestador nem ao tomador do serviço. Configuram simples insumos
que integram a própria prestação, com ela se confundindo, ou que a seguem como
acessório.
Como explica Aires Fernandino Barreto, os materiais aplicados na
produção da prestação de serviços
são meros ingredientes, insumos, componentes, elementos integrantes do serviço.
Sua presença, nesse contexto, é explicada exclusivamente em função do esforço
humano, em que o serviço se traduz. Não se pode cogitar de um parecer jurídico
escrito sem o emprego das folhas de papel que se o expede. Absurdo seria insinuar,
porém, que o jurista vende papel. Trata-se, pelo contrário, de mero ingrediente que
não se destina ao comércio, que não é objeto de mercancia. É insumo que
condiciona a prestação do serviço: que não se destina ao comércio e, por isso, não é
mercadoria. Nítido material integrativo do serviço, neste se insere
indissociavelmente, formando unidade que não se pode decompor. [...] Parece
importante salientar que, sempre que a prestação do serviço envolva aplicação de
materiais, estes de dissolvem na própria atividade. Com ela confundem-se, ou,
quando muito, seguem-na como acessório.453
Nesse mesmo sentido, Geraldo Ataliba, em estudo conjunto com Aires
Fernandino Barreto, apregoa que “a aplicação desses materiais é condição ou requisito
da produção do serviço – sua presença integra essencialmente o próprio serviço”.454
450
451
452
453
454
Roque Antonio Carrazza, ICMS, 9. ed., p. 41.
Idem, ibidem, p. 41.
Cf. Geraldo Ataliba e Aliomar Baleeiro, ICMS sobre importação de bens de capital para uso do importador,
p. 146.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 47.
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição: pressupostos positivos – arquétipo do ISS,
p. 41.
– 192 –
Daí por que, em casos que tais, não há falar em existência de prestação de
serviço mista, em que a obrigação de fazer se amalgama com uma “pseudo” obrigação
de “dar”,455 e sim de prestação de serviço, envolvendo aplicação de materiais.
O emprego de materiais, adverte Pontes de Miranda,456 não decorre nunca
de contrato de compra e venda, mas de uma obrigação de fazer, para a qual a aplicação
desses bens é mero meio para a realização da prestação de serviços .
O prestador, ao aplicar materiais necessários à prestação de serviços, não se
transforma em promovente de negócio jurídico mercantil.
Aires Fernandino Barreto versa essa situação com didático exemplo e
fornece brilhante elucidação a respeito:
Tomemos os seguintes exemplos: ninguém poderá asseverar, em sã consciência (à
luz do conceito cediço de mercadorias), que o dentista ao aplicar amálgama, ao
aplicar ouro ou porcelana é vendedor dessas mercadorias, porque na verdade são
meros materiais, insumos necessários à prestação de serviços. Não se pode chegar
ao absurdo de pretender que o advogado, que o parecerista, quando elabora um
estudo e tem que empregar papel, seja vendedor de papel, realize venda de
mercadoria. Vale-se ele de meio, de ingrediente, de insumo necessário à prestação
do serviço.457
Deveras, a mercadoria, após ter sido adquirida pelo prestador, perde essa
qualidade quando destinada à aplicação no esforço humano. É dizer, por transpor a
fase na qual estava posta no comércio, passa a ser material, elemento integrante da
prestação de serviço, não havendo que falar em fornecimento de “mercadoria”.
Em tais circunstâncias, “a finalidade não é mais o fornecer ou entregar uma
coisa, mas, diversamente, prestar um serviço, para o qual o emprego ou aplicação de
coisas (materiais) é mero meio”.458
455
456
457
458
Como apregoa Bernardo Ribeiro de Moraes, nenhuma prestação de serviços pode ser considerada atividade
de caráter misto, para efeitos de incidência do ICMS e do ISS. A mesma atividade não pode ser alcançada,
simultaneamente, pelo imposto estadual e municipal. Doutrina e prática do ISS, p. 214.
Tratado de direito privado, p. 385.
Aires Fernandino Barreto, Imposto sobre serviços de qualquer natureza, p. 190.
Cf. Idem, ISS na Constituição e na lei, p. 235.
– 193 –
Marcelo Baptista Caron também é eloqüente nesse sentido, ao dizer que,
“após adquirida, nessa hipótese, a mercadoria passou a ser um bem, um material, um
mero insumo, cuja circulação física não implica incidência do ICMS”.459
Portanto, nessas hipóteses em que é inafastável a aplicação de materiais
tem-se uma única atividade, prestação de serviços. Persiste-se apenas e tão-somente no
âmbito de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal em
matéria de ISS.
Bem por isso que, como adverte Eduardo Soares de Melo,460 não se pode
pretender dissociar os materiais da prestação de serviços, como se se tratasse de objeto
de negócio jurídico mercantil, para pretender alcançá-los pelo ICMS.
Essa parece ter sido parte da conclusão externada na Lei Complementar
116/2003, ao prever em seu art. 1.º, § 2.º – veiculado a pretexto de dispor sobre
conflitos de competência –, que
Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados
não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de
mercadorias.
Embora o legislador complementar tenha incorrido no equívoco de fazer
referência a “mercadorias” – expressão imprópria para designar materiais – e previsto
disposição esdrúxula,461 o certo é que, sob certa perspectiva, acabou por reconhecer
que as prestações de serviços indicadas na lista de serviços anexa à Lei Complementar
116/2003 não poderão, salvo expressas exceções, ficar sujeitas ao ICMS, mesmo que
sua execução envolva aplicação ou fornecimento de materiais. Por outro giro,
459
460
461
Marcelo Baptista Caron, ISS: do texto à norma, p. 300.
ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 46.
Trata-se de disposição esdrúxula porque, segundo pondera Aires Fernandino Barreto, “se o que está listado é
serviço, não há, nunca, fornecimento de mercadorias. Na prestação de serviços, aplicam-se materiais, como
meio para a consecução de um fim: prestação de serviços; jamais mercadorias. Se o que está listado não é
serviço, não há incidência do ISS”. ISS na Constituição e na lei, p. 237.
Ainda consoante esse autor, o referido dispositivo (art. 1.º, § 2.º) peca, também, porque, “se se tratar de
serviço, é a Constituição que diz não caber ICMS. E, se se tratar de operação mercantil, a lei estadual é que
deverá dispor sobre a matéria”. Ibidem, p. 238.
– 194 –
ressalvadas certas situações, incidirá ISS mesmo que a prestação de serviços
compreenda aplicação ou fornecimento de materiais.
De outra perspectiva, terminou discernindo onde não tem cabimento, ao
admitir incabível a incidência de ICMS, quando subitens da lista ressalvam certas
parcelas (materiais) da prestação de serviços e, por conseguinte, do campo de
incidência do ISS.
Como se extrai das ressalvas constantes, por exemplo, dos subitens 14.01,
14.03 e 17.11, todos da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003,462 o
legislador complementar, ao indicar as prestações de serviços ali descritas como
passíveis de tributação pelo ISS, incorreu no equívoco de excluir os materiais
empregados no esforço humano da sujeição do ISS, por supor que tais insumos
configuram mercadorias.
6.1.4.4
Prestações de serviços complexas
Prestações de serviços outras há que somente são realizadas mediante o
emprego de instrumentos e a aplicação de materiais.
O prestador de serviços, em virtude da complexidade da prestação de
serviço a ser efetuada, se vê obrigado a utilizar uma série de instrumentos,
equipamentos, máquinas, veículos e, ainda, a aplicar materiais, para cumprir o “fazer”
para o qual foi contratado. A doutrina denomina463 os esforços humanos a outrem
realizados pela conjugação de instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e de
materiais de prestações de serviços complexas.
462
463
14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem,
manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de
qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS); 14.03 –
Recondicionamento de motores (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS); 17.11 –
Organização de festas e recepções; bufê (exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao
ICMS).
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição: pressupostos positivos – arquétipo do ISS,
p. 41; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 48; Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à
norma, p. 294.
– 195 –
Os instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos configuram requisitos
empregados para suprir limitações intelectuais e físicas do prestador de serviços,
condicionando, destarte, a viabilização do esforço humano a outrem. Os materiais
aplicados também configuram requisitos condicionantes da prestação de serviços. Sem
esses elementos, insumos, a prestação de serviços não pode ser efetivada.
Exemplo claro dessa subespécie de prestação de serviços se dá na prestação
de serviço de impressão gráfica, na qual o prestador se vê na dependência de empregar
equipamentos e máquinas, bem como de utilizar papel, plástico ou outro material, para
que possa concretizá-la.
Ressalte-se que a sofisticação dos instrumentos, equipamentos, máquinas,
veículos e dos materiais empregados não tem o condão de descaracterizar a atividade,
que prossegue como prestação de serviços.464
No tocante ao fato de o cerne do objeto contratual prosseguir como uma
prestação de serviços, Aires Fernandino Barreto pondera que,
por mais sofisticados, complexos e significativos que sejam os materiais
empregados, a entidade não se desfigura; nem por isso deixa de caracterizar
prestação de serviço. Muitas vezes, sob perspectiva leiga, econômica ou técnica, o
observador pode impressionar-se com estes fatores, chegando a pôr em segundo
plano – ou até mesmo a negligenciar – o esforço humano catalisador e centralizador
de tudo. Pode ser o caso de um complexo e sofisticado exame médico. As
instalações hospitalares, bem como a aparelhagem – inclusive computadores
empregados – induzem o leigo a supor insignificante ou irrelevante o seu operador
(ou qualquer exemplo semelhante, propiciado pelo desenvolvimento tecnológico da
humanidade). Para o direito, o cerne de tudo persistirá igualmente nítido e
fundamental: o esforço humano produtivo de utilidade a terceiro. Onde este for o
fator decisivo, aí haverá serviço.465
Cabe ter presente, outrossim, que aqui também os instrumentos,
equipamentos, máquinas, veículos, bem como os materiais empregados para a
realização da prestação de serviço, não se destinam à mercancia, não são mercadorias.
464
465
Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à norma, p. 294.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 48.
– 196 –
Assim sendo, resta evidente que as prestações de serviços complexas se
sujeitam ao ISS, podendo os Municípios e o Distrito Federal erigi-las como
materialidade da hipótese tributária desse tributo, se tipificadas na lista de serviços
anexa à Lei Complementar 116/2003.
6.2 Cautela
necessária:
inexistência
de
prestação
de
serviços
“com”
fornecimento de mercadorias
Como se percebe, diante de esforços humanos a terceiros com emprego de
instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos e/ou materiais, não há que admitir a
existência de prestação de serviço “com” fornecimento de mercadoria.
Aires Fernandino Barreto ressalta que
é totalmente despropositado – à luz do Texto Constitucional vigente a para fins
tributários – falar-se em “serviço com mercadoria”. Não pode haver um negócio
jurídico que envolva concomitantemente prestação de serviço e fornecimento de
mercadoria. Não há, no Brasil, prestação de serviços “com” fornecimento de
mercadorias.466
Vislumbra-se, nesses casos, um único fato, qual seja prestação de serviços.
Persiste-se tão-somente no âmbito de atuação legislativa reservada aos Municípios e
ao Distrito Federal, cabendo cogitar de tributação desse único fato apenas pelo ISS.
Todavia, o que se pode vislumbrar é a ocorrência de prestação de serviços
com “concomitante” fornecimento de mercadorias, adverte Aires Fernandino Barreto,
fruto de dois distintos negócios jurídicos. Dois tipos de situações jurídicas
radicalmente diversas, dois negócios jurídicos absolutamente distintos, que se
desenvolvem concomitantemente. Jamais, porém, “serviço com mercadoria”,
quando muito, simples concomitância. Nesse caso, as duas entidades não se tocam,
não se chocam; uma não interfere na outra e o fato de acontecer esse fenômeno não
afeta a competência tributaria quer dos Estados, quer dos Municípios.467
Consoante esse autor,
466
467
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 49.
Idem, ibidem, p. 49.
– 197 –
exemplo típico dessa alternativa é o dedicar-se dado contribuinte a1) ao negócio
mercantil de vender peças para automóveis a serem aplicadas por terceiros e a2) à
prestação dos serviços de reparação ou conserto de veículos, em que é inafastável a
aplicação de materiais.468
Importa ter presente que também nessas situações as peças, por exemplo,
após transporem a fase na qual estavam no comércio, sendo aplicadas na prestação de
serviço de conserto de veículos, já não são mais mercadorias, e sim materiais
necessários à produção do esforço humano, que, como tal, segue-o como acessório. Há
aqui, já nessa fase, apenas e tão-somente, prestação de serviços com aplicação de
materiais.
De todo modo, entendemos ser necessário discernir os fatos subsumíveis ao
ICMS dos oneráveis pelo ISS, mesmo que essas obrigações de dar e de fazer estejam
previstas em um único instrumento contratual, uma vez que
[...] no Brasil, por força da repartição constitucional rígida de competências
tributárias, cada negócio requer consideração tributária isolada, em função da
necessidade de deduzir os efeitos tributários em face da legislação – conforme o
caso – federal, estadual e municipal [...].469
Em face da rígida repartição de permissão impositiva dos entes políticos, é
imperioso concluir que, nos casos de prestação de serviços com “concomitante”
fornecimento de mercadorias, a obrigação de fazer e a obrigação de dar ficam sujeitas
cada qual, separadamente, ao ISS e ao ICMS, na proporção de suas respectivas
receitas.
Bem por isso que, atento à possibilidade de eventual existência de prestação
de serviços com concomitante venda de mercadorias, o legislador complementar
houve por bem – com fundamento no art. 146, I e II, do Texto Constitucional – indicar
como serviços tributáveis aqueles descritos nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de
serviços anexa à Lei Complementar 116/2003470 e ressalvar da tributação pelo ISS o
468
469
470
Cf. Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 234.
Idem, ICMS e ISS – estremação da incidência, p. 14.
O subitem 7.02 da referida lista de serviços anexa à referida lei (Lei Complementar 116/2003) trata da
“execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou
elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e
– 198 –
fornecimento de mercadorias produzidas pelo construtor fora do local da obra,
cogitando de incidência de ICMS sobre tais bens.
Essa disciplina específica revela que o legislador complementar teve bem
presente eventuais hipóteses em que o contribuinte se dedica, concomitantemente, a
duas atividades radicalmente distintas: venda de mercadorias que foram produzidas
pelo prestador fora do local da obra e prestação de serviço de construção civil com
aplicação dos materiais fornecidos (prestação de serviço com concomitante
fornecimento de mercadoria, decorrente de dois diferentes negócios jurídicos).471
Tal foi necessário para, em homenagem à rígida discriminação de
permissão impositiva reservada aos Estados, Municípios, Distrito Federal e ao
princípio da igualdade tributária, explicitar a necessidade de o contribuinte, que se
dedica a, concomitantemente, promover operações relativas à circulação de
mercadoria e prestar serviços de construção civil, também ficar sujeito ao ICMS, do
mesmo modo aquele contribuinte que exerce apenas a atividade de venda de
mercadoria para terceiros. Por força dessa disciplina, restou evidenciada a necessidade
de o prestador de serviços de construção civil, na qualidade de vendedor de
mercadorias por ele produzidas fora do local de prestação, ficar sujeito ao ICMS, em
situação de equivalência ao terceiro fornecedor de mercadoria.
471
irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e
equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da
prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”.
Já o subitem 7.05 contempla a “reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e
congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da
prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”.
A sujeição do fornecimento de mercadorias pelo próprio construtor ao ICMS restringe-se, portanto, aos
casos em que este também é o “produtor” desses bens e sua produção se realiza fora do canteiro da obra.
Se, todavia, o construtor adquire material de terceiros para aplicação na obra e os fornece ao tomador, esse
“fornecimento”, em relação ao referido prestador, não está sujeito ao ICMS. Nesses casos a tributação pelo
ICMS fica reservada para os terceiros, fornecedores. É dizer, para os terceiros de quem o prestador de
construtor civil adquiriu os materiais para aplicação na obra. Sobre o assunto, confira Bernardo Ribeiro de
Moraes, Serviço de engenharia, ISS e não ICM, p. 12. Confira, outrossim, os julgados do Superior Tribunal
de Justiça proferidos no REsp 226.685/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 04.04,2000, DJU 1 de
02.05.2000, p. 106, e no Edcl no RMS 9.630/MG, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 10.10.2000, DJU 1
de 04.12.2000, p. 55.
– 199 –
6.3 A exportação de serviços e os critérios material e espacial da norma padrão
do ISS
Estabelece a nossa Carta Magna, no art. 153, § 3.º, que, em relação ao
imposto sobre serviços “[...] cabe à lei complementar: [...] excluir da sua incidência
exportações de serviços para o exterior”.
Configura exportação de serviço prestação de esforço humano no território
nacional e usufruído em território estrangeiro, por tomador lá situado. Não configura
exportação de serviços prestação de serviço realizada no País e cujo resultado também
aqui se verifique.
Como bem salientou Simone Rodrigues Duarte Costa,
considerando que a prestação de serviços realizada em território nacional pressupõe
a incidência do ISS, independentemente do local em que os serviços vierem a ser
utilizados, o constituinte delegou ao legislador complementar a faculdade de isentála do ISS, quando a utilização dos serviços se der no exterior. Trata-se de hipótese
excepcional de isenção heterônoma, ou seja, concedida por pessoa diversa daquela
titular da competência tributária, expressamente autorizada pela Constituição
Federal.472
Roque Antonio Carrazza, a propósito, preceitua que, “de acordo com o
supramencionado art. 156, § 3.°, II, da Carta Magna, a União, por meio de lei
complementar, pode conceder isenções de ISS sobre serviços prestados a destinatário
no exterior”.473
472
473
Simone Rodrigues Duarte Costa, ISS, a LC 116/2003 e a incidência na importação, p. 155-156.
Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 786.
Segundo pondera Clélio Chiesa, “a regra do art. 156, § 3.º, II, da Constituição Federal não se choca com o
comando do art. 151, III, também da Constituição Federal, porque são normas dirigidas a pessoas jurídicas
diferentes. A vedação contida no art. 151, III, dirige-se à União ordem jurídica parcial, e não à União Estado
brasileiro. A faculdade atribuída no art. 156, § 3.º, II, é conferida ao Congresso Nacional, na qualidade órgão
legislativo do Estado brasileiro, não havendo, portanto, nenhuma incompatibilidade entre os referidos
preceptivos. A faculdade atribuída no art. 156, § 3.º, II, da Constituição é uma competência especial
atribuída ao Estado brasileiro para conceber isenções, que objetivam proteger interesses nacionais
relevantes. Esses se sobrepujam aos interesses das ordens jurídicas parciais, e não se pode falar em violação
ao princípio federativo e da autonomia dos Municípios”. O imposto sobre serviços de qualquer natureza e
aspectos relevantes da Lei Complementar 116/2003, p. 60.
– 200 –
Por conseguinte, a Lei Complementar 116/2003, em seu art. 2.º, I, houve
por bem estabelecer isenção474 das exportações de serviços para o exterior, in verbis:
“Art. 2.º O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do
País”.
Vale dizer, o legislador complementar isentou as prestações de serviços
realizadas no País, cuja utilização se der no exterior. De outra parte, estabeleceu
acertadamente, no parágrafo único do mencionado dispositivo, que “Não se
enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado
aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”.
Isentas, portanto do ISS, são apenas as exportações de serviços. Essa
desoneração tributária, explica José Eduardo Soares de Melo,
decorre da adequada aplicação dos seguintes componentes: a) exportação de
serviços; b) efetiva destinação dos serviços ao exterior; c) resultado no exterior; e
d) pagamento a não-residente do território nacional. Assim, compreende-se que
‘dois elementos são vitais para a caracterização do ‘resultado’ (e o respectivo local
da ocorrência): i) o beneficiário efetivo do serviço (quem está consumindo) – que
deve estar fixado no exterior para que haja exportação – e, ii) a delimitação dos
efeitos imediatos diretos da prestação do serviço, descartando-se de plano quaisquer
efeitos secundários’.475
Como se vê, essa disciplina está, por conseguinte, em perfeita consonância
com o critério material da norma padrão do ISS, segundo o qual prestação de serviço
configura fato tributável pelo ISS, independentemente do local em que vier a ser
utilizada e, com o critério espacial dessa norma jurídica, por força do qual a
localização do tomador é irrelevante para definição do local em que o imposto é
devido.
474
475
Como ensina Paulo de Barros Carvalho, a dinâmica da isenção “pressupõe um encontro normativo, em que
ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou
da conseqüência da regra-matriz do tributo”. Curso de direito tributário, p. 188.
José Eduardo Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 222-223.
– 201 –
7
A BASE DE CÁLCULO DA NORMA PADRÃO DO ISS
7.1 O conseqüente da norma padrão do ISS: predeterminação da base de cálculo
O conseqüente da norma padrão do ISS contém, em seu critério
quantitativo, a predeterminação da base de cálculo a ser erigida pelo legislador
ordinário, é dizer, o conteúdo semântico do enunciado que deverá ser previsto como
base de cálculo do ISS pelos Municípios e pelo Distrito Federal, para efeito de
determinação da prestação tributária. Essa predeterminação é aqui designada “base de
cálculo” da norma padrão do ISS.
Trata-se a base de cálculo da norma padrão do ISS de critério normativo
construído, conforme se verá mais adiante, a partir (i) do critério material desse
arquétipo tributário, (ii) dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e
(iii) dos enunciados complementares consubstanciados no art. 7.º, caput, e no art. 7.º, §
2.º, I, ambos da Lei Complementar 116/2003. Esse critério normativo contém
prescrição de três unidades de referência mensuradoras a serem adotadas como base de
cálculo.
Com fundamento nesse conjunto de limitações que disciplina materialmente
a criação do ISS, é identificado três enunciados prescritivos que poderão ser prescritos
pelo legislador ordinário como base de cálculo desse tributo.
Antes de identificar qual são esses enunciados prescritivos que poderão ser
prescritos pelo legislador ordinário, faz-se necessário ter bem presente assim o
conceito de base de cálculo, como as suas funções.
– 202 –
7.1.1 Base de cálculo: conceito
A doutrina define a expressão “base de cálculo” de forma diferente, muito
embora seja uníssona quanto à noção de que (i) trata-se de critério normativo
intimamente relacionado com o critério material da hipótese de incidência e (ii)
configura elemento nuclear da regra-matriz tributária que se destina a possibilitar a
determinação do valor que o sujeito ativo da relação jurídico-tributária pode exigir, a
título de tributo, e que o sujeito passivo deve pagar.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, a base de cálculo é
a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina,
primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo
do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da
prestação pecuniária.476
Para Ruy Barbosa Nogueira, a base de cálculo “representa legalmente o
valor, grandeza ou expressão numérica do fato gerador sobre a qual se há de aplicar a
alíquota; é assim dizer um dos lados ou modo de ser do fato gerador”.477
Consoante Roque Antonio Carrazza, a base de cálculo é “a dimensão da
materialidade do tributo. É ela que dá critérios para mensurar o fato imponível
tributário”.478
No dizer de Luciano Amaro,479 a base de cálculo configura medida legal da
grandeza do fato gerador, dentro das possíveis medidas do fato gerador.
Amílcar de Araújo Falcão sustenta ser a base de cálculo “a grandeza
econômica ou numérica sobre a qual se aplica a alíquota para obter o quantum a
pagar”.480
476
477
478
479
480
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 331-332.
Ruy Barbosa Nogueira, Curso de direito tributário, p. 126.
Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 221.
Direito tributário brasileiro, p. 248.
Amílcar de Araújo Falcão, Fato gerador da obrigação tributária, p. 137.
– 203 –
Hugo de Brito Machado,481 por sua vez, entende por base de cálculo a
grandeza sobre a qual se aplica a alíquota do tributo para determinar o respectivo
valor.
Segundo Valdir de Oliveira Rocha, a base de cálculo é a “grandeza apta, à
qual se aplica a alíquota, para se quantificar o montante do tributo”.482
Por seu turno, Aires Fernandino Barreto toma a base de cálculo como
fundamento para cálculo, ao defini-la como “a descrição legal de um padrão ou
unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato
tributário. Espelha o critério abstrato uniforme e genérico de mensuração das
realidades que se pretende medir”.483
Para os fins do presente trabalho, conceberemos base de cálculo como a
descrição legal da unidade de referência mensuradora da intensidade do núcleo do fato
jurídico tributário, constante da norma instituidora do tributo. Essa descrição legal da
unidade de referência, conjugada à alíquota,484 se destina à quantificação do conteúdo
da prestação tributária.
Ressalte-se que não estamos fechando os olhos para a dicotomia doutrinária
entre base de cálculo/base calculada, ou base de cálculo normativa/base de cálculo
fáctica. Como é sabido, a base de cálculo (ou base de cálculo normativa) exprime a
definição, pela lei instituidora do tributo, de fator de medida para quantificar o núcleo
do fato tributável. Representa, pois, a definição legal adotada pelo legislador ordinário
481
482
483
484
Base de cálculo, Cadernos de Pesquisas Tributária, n. 7, p. 120, apud Valdir de Oliveira Rocha,
Determinação do montante do tributo, p. 101.
Idem, Determinação do montante do tributo, p. 103.
Aires Fernandino Barreto, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 51. Segundo este jurista,
o aspecto material da hipótese de incidência é suscetível de apreciação e dimensionamento tendente à
estipulação do objeto da prestação. Por isso a doutrina emprega a expressão “base de cálculo” para se referir
aos atributos dimensíveis do aspecto material da hipótese de incidência. Essa postura, adverte, significa
reconhecer que a base de cálculo é “aparência dimensível do abstrato”. Diante disso, prefere conceituar a
base de cálculo como o “padrão, critério ou referência para medir um fato tributário”. Ibidem, p. 50-51.
Conforme visto no Capítulo 2, a alíquota é o fator situado no conseqüente da regra-matriz tributária,
indicativo da proporção a ser considerada da base de cálculo.
– 204 –
para fins de determinação do conteúdo da prestação objeto da relação jurídicotributária. Já a base calculada (ou base de cálculo fática) representa a mensuração
concretamente considerada do fato jurídico tributário, isto é, traduzida em expressão
monetária, situando-se, pois, no plano do lançamento tributário.485
Não obstante, a relevância dessas instâncias, sobretudo para fins de
identificação de submissão ao princípio da legalidade, para os objetivos aqui
propostos, interessa-nos mais de perto a referência abstrata à unidade de mensuração
do núcleo do fato jurídico, destacado na norma instituidora do tributo como passível de
sofrer oneração.
7.1.2 Funções da base de cálculo
Importante ter presente que não é qualquer unidade de referência que pode
ser descrita como base de cálculo. Há que ser unidade de referência apta para
dimensionar o núcleo do fato jurídico prescrito no antecedente da regra-matriz
tributária, que mensure, adequadamente, a intensidade do comportamento, sob pena de
descaracterização da exigência tributária. É dizer, unidade de referência que seja
compatível, consentâneo (não conflitante), com as qualidades do fato jurídico inserto
no antecedente da norma instituidora do tributo.
Essa máxima fica mais evidente com a análise das funções “mensuradora” e
“comparativa” da base de cálculo, explicitada com maestria por Paulo de Barros
Carvalho.
Segundo este jurista, a base de cálculo, além de medir as proporções reais
do fato previsto na norma (função mensuradora), exerce a função de confirmar,
485
Sobre o assunto ver Aires Fernandino Barreto, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 5053 e 126-128. Paulo de Barros Carvalho, acolhendo a distinção proposta por Aires Fernandino Barreto
afirma que “A base de cálculo nunca vem determinada no plano normativo. Lá teremos só uma referência
abstrata – o valor da operação, o valor venal do imóvel etc. É com a norma individual do ato administrativo
do lançamento que o agente público, aplicando a lei ao caso concreto, individualiza o valor, chegando a uma
quantia líquida e certa – a base de cálculo fáctica”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 330.
– 205 –
infirmar ou afirmar a materialidade do evento posto à tributação (função
comparativa).486
Sobre a primeira função, Paulo de Barros Carvalho explica que
debuxados os contornos genéricos do acontecimento, inicia o político por fixar a
fórmula numérica de estipulação do conteúdo econômico do dever jurídico a ser
cumprido pelo sujeito passivo. É aí que escolhe, dentre os múltiplos atributos
valorativos que o fato exibe, aquele que servirá de suporte mensurador do êxito
descrito, e sobre o qual atuará outro fator, nominado de alíquota.487
Para atender a essa função, adverte o autor, qualquer indicação de suporte
mensurador pode ser útil, “desde que, naturalmente, seja idôneo para anunciar a
grandeza efetiva do evento”.488 A eleição de suporte mensurador (unidade de
referência) idôneo significa a indicação de aspectos ínsitos àquele comportamento
previsto na norma.
Como pondera Paulo de Barros Carvalho, o âmbito da atuação legislativa é
amplo, encontrando apenas “o obstáculo lógico de não extrapassar as fronteiras do
fato, indo à caça de propriedades estranhas à sua contextura. Há de cingir-se às
qualidades possíveis, buscando a medição do sucesso mediante dado compatível com
sua natureza”.489
Assim, a unidade de referência a ser erigida pelo legislador ordinário tem de
corresponder às propriedades do acontecimento descrito na hipótese tributária.490 É
486
487
488
489
490
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 332. Além dessas funções, existe a função
objetiva ou de compor a específica determinação da dívida. Essa função denota a aptidão que a descrição do
fator de mensuração do fato jurídico discriminado na norma revela, ao ser combinado à alíquota, para
especificar monetariamente o conteúdo da prestação objeto da relação jurídico-tributária. Nesta instância a
base de cálculo aparece como “fator integrante de uma operação aritmética de multiplicação. No tópico de
multiplicando, ao revestir feitio de valor pecuniário; de multiplicador, nas demais circunstâncias”. Trata-se,
portanto, de função meramente objetiva para o processo de cálculo aritmético, e que resulta na previsão do
conteúdo monetário da obrigação tributária. Cf. Paulo de Barros Carvalho, ibidem, 17. ed., p. 337-338.
Idem, ibidem, p. 332.
Idem, p. mesma página.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 333.
Conforme esclarece Geraldo Ataliba, a base de cálculo (para ele base imponível) não é inerente ao
acontecimento que o conceito legal do suposto normativo se refere. Deveras, apresenta-se como a descrição
legal da materialidade do tributo, como um conceito legal. Daí que “a base imponível pode abranger
inteiramente as perspectivas dimensíveis do fato objeto do conceito em que a h.i. se constitui ou somente
algumas”. Hipótese de incidência tributária, p. 111. Portanto, nas linhas desse mestre, o legislador, sobre
– 206 –
dizer, entre os diversos atributos dimensíveis que o núcleo do fato jurídico prescrito no
antecedente normativo revela, só pode ser eleita como base de cálculo unidade de
referência que seja compatível com aspectos ínsitos a tal comportamento.
E isso, destaca Paulo de Barros Carvalho,491 o legislador faz sempre
apanhando índices avaliativos inerentes ao núcleo da incidência, como o valor da
operação, o valor venal, o valor de mercado, o peso, a largura, a altura, a profundidade.
Destarte, se erigido como critério material da hipótese tributária “prestar
serviços”, a unidade de referência a ser descrita como base de cálculo haverá de ser a
medida da prestação de serviço, ou seja, o valor da prestação de serviço.
De outra parte, a função comparativa da base de cálculo, ainda segundo
Paulo de Barros Carvalho,492 consiste em – por intermédio da comparação do fator de
mensuração (unidade de referência) fixado no conseqüente normativo com o critério
material prescrito na hipótese de incidência – confirmar, infirmar ou afirmar a
materialidade da norma jurídico-tributária.
Nesse contexto, a base de cálculo estará confirmando o critério material
descrito na hipótese tributária sempre que houver correspondência entre o fato que se
491
492
poder eleger como base de cálculo qualidades dimensíveis somente do fato jurídico descrito na norma, pode
considerar apenas uma, ou algumas.
Curso de direito tributário, 17. ed., p. 332-333. Paulo de Barros Carvalho adverte que a base de cálculo
quase sempre é um valor em dinheiro, não sendo tal dado, contudo, um imperativo. Como explica o autor,
“em sendo a dívida tributária essencialmente expressa em pecúnia, quando a base não se exprimir em
símbolos monetários, a alíquota forçosamente o será. Ilustramos a nota com a lembrança do extinto imposto
de consumo incidente nos casos de industrialização de tecidos, em que a base de cálculo era o número de
metros lineares de comprimento, e a alíquota uma quantia em dinheiro (p. ex.: $ 1,20 por metro de
comprimento)”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 323
Aires Fernandino Barreto, após advertir que reconhecer possam as unidades quilo, testada, metro
representar, no caso dos impostos, base de cálculo, implica, por conseguinte, admitir que, por ocasião da
transformação desta em base calculada, haveria de ser levado ao Estado x quilos, x testadas, x metros,
posiciona-se no sentido de que a base de cálculo será sempre, imutavelmente, o valor (gênero), residindo as
variações possíveis na espécie de valor utilizada, v.g., no caso de o critério material ser a propriedade, o
valor de venda da propriedade, o valor (preço) de custo da propriedade, o valor (preço) de mercado. Para
este jurista, “essa afirmação aplica-se, quer em face dos tributos não vinculados, quer diante dos tributos
vinculados. Relativamente a estes últimos, será sempre o valor da atuação estatal, quando se tratar de taxa; o
valor do fato lícito, vinculado à atuação estatal, quando a espécie tributária caracterizar-se como
contribuição”. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 67 e 62.
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 335.
– 207 –
pretende seja mensurado e a unidade de referência eleita para dimensioná-lo. Estará
infirmando a materialidade descrita quando o fator de mensuração for incompatível,
conflitante, com núcleo do fato jurídico descrito na hipótese normativa. E, afirmando,
quando obscura a unidade de referência dimensionadora do conceito do fato tributário,
“prevalecendo, então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo
avaliada”.493
Aires Fernandino Barreto,494 com apoio nessas considerações de Paulo de
Barros Carvalho, assinala que, se o critério material da hipótese tributária é formado
por um verbo e seu complemento, a base de cálculo, a confirmar ou afirmar a
consistência do fato tributável, haverá de ser unidade de referência compatível com tal
formulação.
E, em seguida, ilustra essa sua idéia consignando que
A fórmula simplificada identificadora do critério material será “vender
mercadorias”, “industrializar produtos”, “ser proprietário de bem imóvel”, “auferir
rendas”, “prestar serviços”, “construir estradas”, “pavimentar ruas”. Os critérios
quantitativos passíveis de eleição pelo legislador haverão de ser os que respondam
ao aditamento de dado conjunto adnominal. Assim, “vender mercadorias”,
“industrializar produtos”, “ser proprietário de bem imóvel” de que valor? “auferir
495
rendas” de que montante?, “construir estradas’ de que custos?.
A função comparativa em questão indica, pois, a propriedade que a unidade
de referência fixada como base de cálculo tem de – ao ser cotejada com a
materialidade descrita na hipótese tributária – revelar o verdadeiro núcleo factual que é
objeto da tributação.
493
494
495
Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 335.
Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 51.
Aires Fernandino Barreto, Ibidem, p. 51.
– 208 –
Os dois elementos do binômio496 (hipótese de incidência e base de cálculo)
haverão de estar em sintonia para que se tenha o verdadeiro núcleo factual que se
pretende seja objeto da incidência tributária.
Como observa Paulo Ayres Barreto,497 é da análise do binômio hipótese de
incidência/base de cálculo que se extrai a verdadeira compostura jurídica do tributo, de
modo que, havendo descompasso entre a base de cálculo e o critério material, deverá
prevalecer a base.
Sobre a necessidade dessa sintonia – decorrência do binômio “hipótese de
incidência/base de cálculo” –, Roque Antonio Carrazza498 averba que a base de cálculo
há de ser em qualquer tributo uma medida da materialidade, de modo que esses
critérios normativos (hipótese de incidência e base de cálculo) devem guardar sempre
uma relação de inerência, de correspondência.
Geraldo Ataliba,499 a propósito, observa que é impossível um tributo, sem
se desnaturar, tenha como base imponível (aqui adotada como base de cálculo) uma
grandeza que não seja inerente àquela materialidade descrita na norma. Consoante
assinala esse autor, “tão importante, central e decisiva é a base imponível que se pode
496
497
498
499
Como pondera Paulo de Barros Carvalho, “no direito positivo brasileiro, o tipo tributário é definido pela
integração lógico-semântica de dois fatores: hipótese de incidência e base de cálculo. Ao binômio, o
legislador constituinte outorgou a propriedade de diferençar as espécies tributárias entre si, sendo também
operativo dentro das próprias subespécies. Adequadamente isolados os dois fatores, estaremos credenciados
a dizer, sem hesitações e perplexidades, se um tributo é imposto, taxa ou contribuição de melhoria, bem
como anunciar que tipo de imposto ou que modalidade de taxa”. Curso de direito tributário, 17 ed., p. 162163.
Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 90.
Curso de direito constitucional tributário, p. 427. Segundo Roque Antonio Carrazza “[...] para total garantia
do contribuinte de que está sendo tributado nos termos da Constituição, exige-se uma correlação lógica
entre a base de cálculo e a hipótese de incidência do tributo. Por quê? Porque a base de cálculo é índice
seguro para a identificação do aspecto material da hipótese de incidência, que o confirma, afirma ou infirma
(caso em que o tributo torna-se incobrável, por falta de coerência interna na norma jurídica que o instituiu).
Estamos, pois, percebendo que a materialidade de cada tributo já permite que se infira sua base de cálculo
possível. Vai daí que, inexistindo tal correlação lógica, descaracteriza-se o próprio gênero jurídico do
tributo, conforme bem demonstrou Alfredo Augusto Becker”. Curso de direito constitucional tributário, p.
251.
Hipótese de incidência tributária, p. 111.
– 209 –
dizer que – conforme o legislador escolha uma ou outra – poderemos reconhecer
configurada esta ou aquela espécie e subespécie tributária”.500
Assim, ilustra esse jurista,501 não é possível que um imposto sobre o
patrimônio tenha por base imponível a renda do seu titular. Também não é possível
que uma taxa por serviços municipais de conservação de rodovias tenha como base
imponível o valor ou idade dos veículos; o certo seria o seu peso ou outras
características que provoquem desgaste, maior ou menor, na rodovia e que, por isso
mesmo, poderia determinar, individualmente, o preço do serviço de conservação.
Desse modo, sendo erigida pelo legislador unidade de referência
distanciada das características do fato jurídico tributário, isto é, sendo incompatíveis a
materialidade e a base de cálculo, esta última haverá de prevalecer, substituindo a
descrição legal do fato tributário por aquele que efetivamente afigura-se estar sendo
medido.502
7.2 A necessária presença da base de cálculo no conseqüente da regra-matriz
tributária
Como nos dá conta Paulo de Barros Carvalho, há autores, como Geraldo
Ataliba, que não aprovam o emprego da locução “base de cálculo”, “por entenderem
que existem tributos cuja determinação quantitativa independe de cálculo e cuja base,
500
501
502
Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, 113.
Ibidem, idem, p. 111-112.
Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 336. O descompasso entre a base de
cálculo e a hipótese de incidência faz prevalecer o primeiro critério normativo, preservando o tributo
convertido segundo a sua base de cálculo, apenas se for possível preservá-lo, como quando compreendido
no campo de competência da pessoa política. Assim, como enfatiza Geraldo Ataliba, no caso de uma taxa
por serviços municipais de conservação de rodovia, “se a lei tomar por base o valor do veículo, desnatura
inteiramente a taxa configurando imposto sobre o patrimônio. Em outros sistemas isso pode ser irrelevante.
No nosso, essa lei municipal seria inconstitucional, porque imposto sobre bem patrimonial representado por
veículo pertence exclusivamente à competência dos Estados”. Hipótese de incidência tributária, p. 100.
– 210 –
portanto, não pode ser corretamente designada como ‘de cálculo’ (além dos impostos
fixos, isto se dá com a maioria das taxas)”.503
Esses tipos de tributo Valdir de Oliveira Rocha504 os denomina de “tributos
em montante fixos” ou simplesmente “tributo fixo”. Para este autor, o tributo em
montante fixo é modalidade de determinação que ocorre diretamente na lei, enquanto
na quantificação o montante é determinado conforme a lei, com o que, apoiado nas
lições de J.J. Ferreiro Lapatza505 e Héctor Villegas,506 define tributo em montante fixo
como “aquele cujo valor está determinado na lei que o estabelece”.507
Com efeito, para esses tributos não há falar em previsão de base de cálculo
(unidade de referência mensuradora do fato tributável) nem de alíquota (indicador da
proporção a ser tomada da base de cálculo),508 estipulando o legislador, na própria lei,
uma quantia definitiva e invariável como objeto da prestação tributária, seja qual for a
intensidade do fato submetido à tributação.
Em que pese o entendimento desses juristas, consignamos, desde logo, que
acatamos integralmente a posição de Paulo de Barros Carvalho,509 que julga não ter
503
504
505
506
507
508
509
Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 17. ed., p. 338.
Determinação do montante de tributo: quantificação, fixação e avaliação, p. 139-142.
“Existen, en esencia, dos formas o maneras de determinar la citada cantidad. En base a ellas los tributos
pueden ser clasificados en dos categorias: tributos fijos y tributos variables. En los tributos fijos la
En los tributos fijos la Ley determina el hecho imponible y directamentte la cantidad a pagar. [...] En los
impustos variables le Ley fija el hecho imponible pero no la cuota a pagar. Esta se determina en función de
dos elementos asimismo fijados por la Ley: la base y el tipo de gravamen”. J.J. Ferreiro Lapatza,
Cuantificacion de la deuda tributaria, Revista de Direito Tributário, n. 49, p. 7-8, jul.-set. 1989, apud Valdir
de Oliveira Rocha, Determinação do montante de tributo: quantificação, fixação e avaliação, p. 139.
“O montante tributário fixo é aquele em que a quantia do tributo está especificada, ab initio e diretamente,
no mandamento da norma”. Curso de direito tributário, Tradução de Roque Antonio Carrazza, São Paulo:
RT, 1980, p. 133, apud Valdir de Oliveira Rocha, Determinação do montante de tributo: quantificação,
fixação e avaliação, p. 139.
Valdir de Oliveira Rocha, Ibidem, p. 139.
Importante ter presente que não há que confundir tributo fixo com alíquota fixa. Alíquota fixa corresponde a
um indicador de proporção invariável, aplicado sobre a unidade de mensuração variável (base de cálculo).
Consoante Paulo de Barros Carvalho, a Constituição Federal elegeu a hipótese de incidência e a base de
cálculo como o binômio diferençador dos tributos, o que torna impossível cogitar em regra-matriz de
incidência sem base de cálculo. Essa noção surge a partir da construção que se faz dos enunciados
constitucionais contidos no § 2.º do art. 145 (“As taxas não poderão ter base de cálculo própria de
impostos”) e no inciso I do artigo 154 (“A União poderá instituir [...] mediante lei complementar, impostos
não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de
cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”). Apesar de o atual texto constitucional ser menos
preciso que o anterior ao empregar, no inciso I de seu artigo 145, o operador “ou” em vez do “e”, como
– 211 –
visos de procedência essa posição da doutrina, porque faria ruir a tipologia dos
tributos, integrada pela associação da hipótese de incidência/base de cálculo,
impedindo discernir a natureza jurídica do tributo.
Observa este jurista que
muito se fala nos tributos fixos, onde o valor da dívida viria determinado nas
expressões da lei, tornando-se dispensáveis maiores esforços de interpretação e, de
conseguinte, afastando-se a procura de uma base de cálculo ou de uma alíquota. Em
casos desse tipo, a importância a ser recolhida pelo devedor estará estipulada, em
termos definitivos e invariáveis, mostrando-se ao conhecimento dos interessados,
mesmo que o fato jurídico tributário ainda não tenha ocorrido. [...] Curvados diante
da conformação rígida do nosso sistema constitucional, pensamos que descabem
alusões aos denominados tributos fixos, sobretudo porque a Constituição Federal
brasileira elegeu a hipótese normativa e a base de cálculo como o binômio
diferenciador dos tributos, na estrita conformidade do que já estudamos no Capítulo
II deste Curso. O meio jurídico especializado não se tem mostrado sensível à tese
que adotamos, prevalecendo entre nós alguns tributos fixos, como, por exemplo, o
ISS, na faixa de incidência que atinge os profissionais liberais, e grande quantidade
de taxas. Vemos nisso uma inconstitucionalidade vitanda, embora os tribunais não
se hajam manifestado na apreciação específica desse problema.510
Em face da tipologia tributária integrada pela associação do binômio
“hipótese de incidência/base de cálculo”, a base de cálculo configura elemento
normativo imprescindível para mensurar a intensidade do fato descrito como critério
material da hipótese tributária. Não cabe cogitar de regra-matriz tributária sem esse
critério quantitativo, não há que falar em tributos fixos.
Regra-matriz de incidência sem base de cálculo implica flagrante
inconstitucionalidade. Como bem adverte José Roberto Vieira “[...] da aludida
imprescindibilidade constitucional da base de cálculo decorre, por óbvio, a
irretorquível inconstitucionalidade de sua ausência”.511
510
511
constou de texto anterior (CF de 1967, art. 18, § 5.º), nem por isso a mensagem legislada deixaria de ser
clara: para permitir a verificação da espécie tributária correspondente e, com isso, preservar a rígida
discriminação de competências tributárias, o constituinte teria inserido a base de cálculo na compostura do
tipo tributário, exigindo, pois, a presença de ambos (hipótese de incidência e base de cálculo) na regramatriz de incidência tributária. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 28.
Paulo de Barros Carvalho, ibidem, 328-329.
José Roberto Vieira, A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto, p. 115.
– 212 –
Essa noção elementar é ainda mais irretorquível quando diante de tributos
cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal, como é o caso
do ISS.
Como se vê da lição de Aires Fernandino Barreto, em face do princípio da
igualdade512 – e de seu corolário, o princípio da capacidade contributiva513 –,
512
513
A Constituição Federal traz, em seu art. 5.º, caput, formulação expressa que veicula valor de absoluta
preponderância: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [...]”.
Ao tratar do assunto, Geraldo Ataliba já esclarecia que a igualdade é “a primeira base de todos os princípios
constitucionais e condicionam a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas
funções o povo, republicamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as
manifestações do Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei,
ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar-se ou subtrair-se às
exigências da igualdade”. República e Constituição, p. 160.
Corolário do princípio republicano, a diretriz da igualdade das pessoas em face da lei é valor que impede a
instituição de disciplina normativa que desiguala indivíduos que estão em situação idêntica. A idéia de um
tratamento igualitário das pessoas e situação equivalente perante a lei é tratada sob o rótulo de igualdade
formal.
No que se refere à tributação, além de um enunciado geral sobre a isonomia, voltado a todos os cantos do
sistema de direito positivo brasileiro, existe um enunciado específico para a disciplina isonômica das
questões tributárias, aplicável a esse subsistema (CF, art. 150, II): é vedado aos entes tributantes “instituir
tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Esse enunciado estabelece que em matéria
tributária é proibida a criação de tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação
equivalente, o que inclui a criação de distinções em razão de ocupação profissional ou função. Dessa forma,
o princípio da igualdade tributária veicula limite objetivo consubstanciado numa restrição aos fatores de
discriminação que o legislador pode utilizar com o propósito de criar tratamento diferenciado entre
contribuintes.
Assim, consoante pondera Roque Antonio Carrazza, a “lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve
ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo
tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei
tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes
de idênticas posições jurídicas”. Curso de direito constitucional tributário, p. 77-78.
Destarte, com apoio nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra clássica, O conteúdo jurídico
do princípio da igualdade (p. 21), tem-se que as diferenças contidas na norma tributária devem ser
consoantes com interesses absorvidos pelo sistema constitucional e devem decorrer de critérios de seleção
(fatores de discriminação), que guardem uma relação lógica de implicação com a distinção entre o
tratamento criado pelas normas jurídico-tributárias.
O desdobramento desse princípio na graduação do tributo é bastante claro: ao legislador é exigido que
estabeleça distinções na carga tributária entre sujeitos passivos, na medida da distinção de sua capacidade
contributiva.
O princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade tributária, é construído a partir
do enunciado expresso no § 1.º do art. 145 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Sempre que
possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte”.
– 213 –
sempre que os fatos tenham distintos valores, o princípio exige que o legislador
preveja base de cálculo compatível com essa diversificação quantitativa. Repugna à
Constituição que fatos (conceitos de) nitidamente diferentes, especialmente do
ponto de vista valorativo, possam ser medidos de idêntica maneira. A realização do
Sob o rótulo “princípio da capacidade contributiva” apontamos duas diferentes concepções examinadas sob
as designações “capacidade contributiva absoluta ou objetiva” e “capacidade contributiva relativa ou
subjetiva”.
Realizar o princípio da contributiva absoluta ou objetiva, destaca Paulo de Barros Carvalho, “retrata a
eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza; por outro lado,
tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do
impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho
econômico do evento”. Assim, conclui o autor, observar o princípio da capacidade contributiva subjetiva
significa realizar o princípio da igualdade previsto no art. 5.º, caput, da Constituição Federal. Todavia, a
realização do princípio da capacidade contributiva subjetiva só se torna possível se, antes, for concretizado o
princípio da capacidade contributiva objetiva, selecionando “o legislador ocorrências que demonstrem
fecundidade econômica, pois, apenas desse modo, terá ele meios de dimensioná-las, extraindo a parcela
pecuniária que constituirá a prestação devida pelo sujeito passivo, guardadas as proporções do
acontecimento”. Curso de direito tributário, 17. ed., p. 341.
Ressalte-se que os valores prescritos pela capacidade contributiva objetiva não são aplicáveis às taxas, visto
que a hipótese normativa dessa espécie tributária só poderá ser o exercício do poder de polícia ou a
utilização, efetiva ou potencial, de um serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou
posto à sua disposição. O mesmo ocorre com a contribuição de melhorias – tributos com hipótese normativa
vinculada indiretamente à atividade estatal –, visto que a única hipótese normativa possível, em tais casos, é
valorização imobiliária decorrente da capacidade contributiva objetiva.
A respeito da aplicabilidade da capacidade contributiva absoluta apenas aos tributos, cuja hipótese
normativa está desvinculada de qualquer atividade estatal, confira Márcio Severo Marques, Classificação
constitucional dos tributos, p. 227.
Para os tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade estatal, o valor prescrito
pela capacidade contributiva absoluta objetiva limitar as opções do legislador ao estabelecer que apenas são
idôneos à tributação os eventos que ostentam signos presuntivos de riqueza passíveis de mensuração. Nesse
sentido, confira Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 88; Regina Helena
Costa, Princípio da capacidade contributiva, p. 26; Amílcar Araújo Falcão, Fato gerador da obrigação
tributária, 6. ed., p. 30.
Quanto à capacidade contributiva relativa ou subjetiva, esta se aplica aos tributos cuja hipótese normativa
não está vinculada a qualquer atividade estatal, prescrevendo que o tributo que a pessoa política criar não
poderá deixar de levar em conta a capacidade econômica do contribuinte. Uma aproximação ao valor
prescrito pela capacidade contributiva relativa ou subjetiva aponta para a necessária graduação do tributo
cuja hipótese não está vinculada a qualquer atividade estatal, consoante um critério de valor ínsito ao fato
que serve como antecedente normativo. Destarte, a adequada criação de um tributo dessa ordem não se
satisfaz com o simples fato de a pessoa política estabelecer como hipótese tributária um evento que ostenta
conteúdo econômico. A adequada criação desse tributo também depende de o objeto obrigacional do sujeito
passivo ser determinado com base em valor econômico ínsito ao evento prescrito como critério material da
hipótese normativa.
No que se refere à inaplicabilidade da capacidade contributiva subjetiva aos tributos cuja hipótese normativa
seja uma atividade estatal, tem-se que, se, com estes tributos, como observa Regina Helena Costa,
“pretende-se remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma e não à
capacidade econômica do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da
taxa” (Princípio da capacidade contributiva, p. 56). Nesse mesmo sentido Misabel Abreu Machado Derzi
pondera que a aplicabilidade do valor positivado pelo enunciado prescrito pelo § 1.º do art. 145 do Texto
Constitucional está restrito aos tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade
estatal. Segundo essa autora, “enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício
de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vinculados – relativos às taxas e
contribuições –, ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo
contribuinte”. Aliomar Baleeiro, Direito tributário brasileiro, p. 2001.
Com efeito, o princípio da capacidade contributiva, analisado sob o ângulo de suas duas concepções impõe
ao legislador ordinário escolher, como hipótese normativa dos impostos, fatos com conteúdo econômico e,
no conseqüente normativo, prescrever referências à base de cálculo, isto é, a critério de mensuração com
base em valor ínsito ao fato descrito como hipótese normativa.
– 214 –
princípio da capacidade contributiva dá-se apenas quando à intensidade de um fato
corresponda mediação equivalente. [...] No caso do ISS, a eventual tributação fixa
esbarra nesse entrave, implicando instituição e exigência de tributo
inconstitucional.514
José Eduardo Soares de Mello também compartilha do entendimento de que
a ausência de referências à base de cálculo na regra-matriz de incidência do ISS
implica exigência de tributo inconstitucional. Conforme suas palavras,
a exigência do ISS segundo um valor previamente estipulado não guarda
consonância e adequação à estrutura das normas de incidência, uma vez que a base
de cálculo do imposto está fundamentada, decorre e se condiciona ao princípio da
capacidade contributiva, atrelado aos princípios da isonomia e da vedação de
confisco.515
Podemos observar que a necessidade da presença da base de cálculo na
regra-matriz de incidência tributária é imperativo que decorre seja da tipologia
tributária, integrada pela associação do binômio “hipótese de incidência/base de
cálculo”, seja do princípio da igualdade tributária e seu corolário, o princípio da
capacidade contributiva subjetiva (no caso dos tributos cuja hipótese normativa não
está vinculada a qualquer atividade estatal).
Nosso subsistema constitucional tributário não ampara a existência de
regra-matriz de incidência que prescreva o preciso valor da prestação pecuniária
devida pelo sujeito passivo (os chamados tributos fixos). A base de cálculo, ad
valorem ou não, é critério normativo que deverá estar presente na regra-matriz de
514
515
ISS na Constituição e na lei, p. 12-13. Importante ter presente o registro de Aires Fernandino Barreto, em
obra clássica, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, no sentido de que, apesar de o princípio
da capacidade contributiva não ser aplicável aos tributos que possuem em sua hipótese normativa a
indicação de uma atuação estatal, isso não significa possam essas exações prescindir de base de cálculo.
Tratando-se de taxas, apesar de a única base de cálculo possível ser o valor da atuação estatal, ainda assim se
torna necessária a presença de referências à base de cálculo e alíquota. Como bem ressalta este autor, “aqui
não se cogita de eleição de fato sem conteúdo econômico, porque a hipótese de incidência só pode ser a
atuação estatal. De conseguinte, a única base de cálculo admissível é o valor dessa atuação. Por essa razão, a
doutrina tem entendido não se poder cogitar do cabimento do princípio da capacidade contributiva
relativamente a esta espécie tributária (taxa). Não obstante, entendemos que, se, em verdade, é incabível a
cogitação de ser o princípio ferido pela não escolha de fato com conteúdo econômico, isto não afasta o
cumprimento da diretriz constitucional que obriga a designação da alíquota. Melhor elucidando: temos por
assentado que a alíquota está intimamente ilaqueada à base de cálculo. Vale dizer, o mero registro de
alíquota pressupõe a presença obrigatória de base de cálculo” (p. 135-136).
José Eduardo Soares de Mello, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 148.
– 215 –
incidência de todos os tributos, inclusive, por óbvio na norma padrão respectiva, no
caso, da do ISS.516
Delineados o conceito de base de cálculo e suas funções, bem como
registrada a inexorável necessidade de sua presença na regra-matriz de incidência dos
tributos, especialmente na do ISS, passaremos a proceder à construção da base de
cálculo da norma padrão correspondente – exceto a relativa às prestações de serviços
realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou por sociedades
de profissionais, que não constitui objeto de nosso estudo –, cujas prescrições
constituem obstáculo intransponível para a válida instituição dessa exação.
7.3 A unidade de referência “preço do serviço” como base de cálculo da norma
padrão do ISS
Como já mencionado, a norma padrão do ISS prevê, em seu conseqüente,
formulação abstrata e genérica da unidade de referência (fator de mensuração) que
deverá ser erigida como base de cálculo pelo legislador ordinário.
Essa unidade de referência é identificada pela prescrição do critério
material inserto no antecedente da norma padrão do ISS, bem como pela interpretação
de certos princípios constitucionais e enunciados complementares, que disciplinam a
instituição desse critério normativo, a saber: os princípios da igualdade e da
capacidade contributiva, bem como os enunciados complementares consubstanciados
no art. 7.º, caput, e no art. 7.º, § 2.º, I, ambos da Lei Complementar 116/2003.
Vejamos.
O critério material da norma padrão do ISS predetermina a base de cálculo
que poderá se erigida pelo legislador ordinário.
516
Como se verá mais adiante, a norma padrão do ISS impõe ao legislador ordinário o dever de prever unidade
de referência ad valorem como base de cálculo do tributo a ser instituído.
– 216 –
Se, como visto, a Constituição Federal exige uma correlação lógica entre a
base de cálculo e a hipótese de incidência e, por conseguinte, a base de cálculo, a
confirmar, afirmar ou infirmar o critério material da hipótese de incidência, configura
índice seguro para a identificação do fato que se pretende seja onerado, resta evidente
que a materialidade possível do ISS, isto é, o critério material da norma padrão do ISS,
já permite que se infira a base de cálculo dessa norma jurídica. Por outro giro, a norma
padrão, ao prever o critério material que poderá ser prescrito, acaba por indicar qual a
unidade de referência a ser adotada, predeterminando, pois, a base de cálculo que
poderá ser prescrita pelo legislador ordinário.
Sendo o critério material previsto da norma padrão do ISS “prestar serviço
previsto em lei complementar”, no caso a de n. 116/2003, a base de cálculo em questão
somente pode ser – salvo o caso das prestações de serviços realizadas sob a forma de
trabalho pessoal do próprio contribuinte ou por sociedades de profissionais, que não
constitui objeto de nosso estudo – unidade de referência mensuradora da prestação do
serviço.
A base de cálculo da norma padrão do ISS também é construída com
fundamento no princípio da igualdade tributária.
Como já ressaltado no item anterior, o princípio da igualdade tributária
estabelece que em matéria tributária é proibida a criação de tratamento desigual entre
contribuintes que estejam em situação equivalente, o que inclui a criação de distinções
em razão de ocupação profissional ou função. Dessa forma, o princípio da igualdade
tributária encerra valor que vincula o legislador ordinário,517 impedindo que este crie
517
Essa vinculação é denominada por Clarice von Oertzen de Araújo de técnica de imunização do conteúdo da
norma a ser criada (imunização finalista). Essa autora, com amparo nas lições de Tercio Sampaio Ferraz
Junior, explica que “a imunização foi concebida por Ferraz Jr. como ‘uma relação entre o aspecto-relato de
uma norma e o aspecto-cometimento de outra’. O autor previu duas formas de imunização, definidas como
imunização finalista e imunização condicional. Na primeira, a norma superior imuniza o conteúdo da norma
inferior, delimitando-lhe o relato. Na segunda, a norma superior disciplina o procedimento de edição da
norma inferior. [...] As técnicas de imunização constituem funções metalingüísticas do sistema de direito
positivo, uma vez que, não estando voltadas diretamente à regulação das condutas intersubjetivas,
estabelecem critérios para a criação de novas normas no interior do sistema”. Assim, para essa autora, a
– 217 –
disciplina normativa desigual aos contribuintes que estão em situação equivalente.
Essa diretriz representa a igualdade formal, isto é, igualdade perante a lei.518
O tratamento tributário diferenciado entre diferentes contribuintes perante a
lei decorre da possibilidade de estes praticarem com maior ou menor intensidade o
mesmo fato jurídico tributário previsto.519 Assim, como resultado desse fator de
discriminação (maior ou menor intensidade do fato), a prestação pecuniária devida
pelo sujeito passivo será maior ou menor (tratamento diferenciado).
Diante disso, no caso da norma padrão do ISS, por exigência do princípio
da igualdade tributária, a unidade de referência que poderá ser erigida como base de
cálculo pelo legislador ordinário somente poderá ser uma grandeza apta a mensurar
proporcionalmente a prestação de serviços, é dizer, uma grandeza ad valorem.
A base de cálculo da norma padrão do ISS é, outrossim, construída com
fundamento no princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva,520 corolário
do princípio da igualdade tributária.
Esse princípio, como valor objetivado que é, evidencia a necessidade de os
tributos, cuja hipótese de incidência não esteja vinculada a uma atuação estatal, como
518
519
520
imunização finalista delimita o conteúdo semântico da norma que será introduzida no sistema, é dizer,
“elege fins (valores) que devem ser perseguidos pela positivação normativa”. Semiótica do direito, p. 25-26.
Importante ter presente que a igualdade perante a lei não significa tratar todos de forma idêntica, e sim em
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Para tanto,
observa Celso Ribeiro Bastos, como a lei sempre discrimina, é imprescindível identificar quais os fatores de
diferenciação e os tratamentos diferenciados que podem ser adotados pela legislação sem que se ofenda a
igualdade. Curso de direito constitucional, p. 189.
A respeito dos critérios de diferenciação e os tratamentos diferenciados que ofendem a isonomia, confira
Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra clássica, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade (1978).
Como bem evidencia José Artur Lima Gonçalves, “o tratamento diferenciado em tema de tributação consiste
sempre em, comparativamente, (i) dever entregar mais dinheiro ao erário, (ii) dever entregar menos, (a)
dever entregar, ao passo que os outros não, (b) não dever entregar enquanto outros devem. Os regimes
discriminatórios no que diz respeito à atividade de tributar circularão sempre em torno dessas variáveis”
Isonomia na norma tributária, p. 49.
Como já mencionado no item anterior, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou
subjetiva significa, consoante destaca Paulo de Barros Carvalho, “a repartição do impacto tributário, de tal
modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”.
Curso de direito tributário, 17. ed., p. 340-341.
– 218 –
é o caso do ISS, serem graduados consoante a capacidade econômica do
contribuinte.521
Sendo assim, essa diretriz atua no critério quantitativo da norma padrão
do ISS, prescrevendo que a unidade de referência a ser prescrita como base de
cálculo do ISS constitua-se em grandeza que mensure economicamente o fato
jurídico tributário prescrito no antecedente normativo. Destarte, tal unidade de
referência, por força do princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva,
somente pode ser o valor econômico da prestação de serviços, fato signo
presuntivo de riqueza descrito no critério material da referida norma padrão.522
Feitas essas considerações, à outra conclusão não podemos chegar senão de
que por força da prescrição do critério material da norma padrão do ISS, e dos
princípios da igualdade e da capacidade contributiva relativa, a base de cálculo da
referida norma padrão somente pode ser – salvo na hipótese das prestações de serviços
realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou por sociedades
de profissionais – o preço do serviço.
Preço, segundo F. J. Caldas Aulete é, “[...] o valor estimativo de uma
coisa/O valor pecuniário de uma coisa; o dinheiro que de dá por ela./O
equivalente de uma coisa; aquilo que se dá, se sacrifica ou se obtém em troca de
outra coisa”.523
521
522
523
Regina Helena Costa, a respeito, observa que a “capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno,
opera, inicialmente, com critério de graduação dos impostos. Como ver-se adiante, quando cuidarmos
especificamente da definição da base de cálculo e da alíquota, a apuração do quantum do imposto tem como
medida a própria capacidade contributiva do sujeito passivo. É o que Perez de Ayala e Eusébio Gonzáles
denominam de ‘graduação do imposto, segundo a valoração econômica do pressuposto de fato’”. Princípio
da capacidade contributiva, p. 29.
Nesse sentido é lapidar a lição de Susy Gomes Hoffmann, segundo a qual, se definido como fato signo
presuntivo de riqueza a prestação de serviços, “o único valor que poderá compor a correspondente base de
cálculo é o valor relativo à prestação de serviços. [...] a composição da base de cálculo com valores diversos
daqueles relativos à prestação de serviços feriria o princípio da capacidade contributiva, visto que o valor
indicativo da riqueza é somente o valor referente à prestação de serviços e não outros valores indiretamente
relacionados ao exercício da prestação dos serviços”. A base de cálculo do ISS, p. 227.
F. J. Caldas Aulete, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 4044.
– 219 –
No mesmo sentido Silveira Bueno afirma ser preço “[...] a paga
correspondente ao valor do objeto”.524 Para De Plácido e Silva, preço representa “[...]
o valor ou a avaliação pecuniária atribuída a uma coisa, isto é, o valor dela
determinado por uma soma em dinheiro”. 525
Nesse contexto, preço do serviço pode ser entendido como o valor
correspondente à remuneração a que faz jus o prestador de serviço para realizar o
esforço humano contratado. Constitui, destarte, unidade de referência que reflete o
conteúdo econômico do conceito do fato indicado como critério material da norma
padrão do ISS.526
A doutrina é uníssona no sentido de que o preço do serviço configura
unidade de referência mensuradora da prestação do serviço descrita como
materialidade do ISS.
Como ensina Paulo de Barros Carvalho
a base de cálculo do ISS está representada pelo preço do serviço, enquanto a
alíquota fica ao livre talante do legislador municipal, respeitado o limite fixado por
lei complementar [...]. A escolha não merece reparos, eleita que foi uma grandeza
apta para dimensionar o critério material da hipótese. Sendo esta “prestar serviços”,
há perfeita harmonia na base estipulada, qual seja, “o preço do serviço prestado”.527
Aires Fernandino Barreto, lastreado na fecunda lição de Paulo de Barros
Carvalho, já ensinara que a base de cálculo do ISS passível de eleição pelo legislador
será, em regra, aquela que representa o adjunto adnominal correspondente à resposta
que se dá a indagação “prestação de serviço de que valor?”. Desse modo, conclui esse
524
525
526
527
Grande dicionário etimológico prosódico da língua portuguesa, p. 3014.
Vocabulário jurídico, p. 418.
É salutar o esclarecimento de Bernardo Ribeiro de Moraes a esse respeito: “Preço do serviço, base
imponível do ISS, vem a ser a expressão monetária do valor do respectivo serviço. É o serviço medido em
unidades monetárias. É o valor do bem imaterial (serviço) expresso (traduzido) em dinheiro (moeda)”.
Doutrina e prática do ISS, p. 51.
No mesmo sentido Sérgio Pinto Martins apregoa que preço do serviço constitui-se no número de unidades
monetárias que se pagam para adquirir o fornecimento do serviço. Manual do ISS, p. 196-197.
Paulo de Barros Carvalho, A natureza jurídica do ISS, p. 156.
– 220 –
jurista, o adjunto adnominal em questão será o valor do serviço transformado em cifra,
é dizer, o “preço do serviço”.528
Conforme apregoa Marçal Justen Filho, o único meio de quantificar a
prestação de serviço é adotar sua remuneração como base de cálculo, é dizer, o preço
do serviço. Nas palavras desse autor,
por imperativo de congruência interna da norma do ISS e para manter sua
constitucionalidade, a base imponível desse tributo só pode ser, a nosso ver, a
remuneração do serviço. Entendemos esse o único critério apto a obter uma
quantificação do aspecto material da hipótese de incidência.529
No mesmo sentido, Betina Treiger Gupenmacher530 pondera que a base de
cálculo do ISS há de ser a remuneração do serviço prestado, sendo ela a única unidade
de referência apta a possibilitar a quantificação da intensidade do fato jurídico
tributário previsto na norma.
Sobre a adequação dessa unidade de referência como base de cálculo a ser
erigida pelo legislador, é eloqüente o magistério de Bernardo Ribeiro de Moraes:
[...] Constituindo a prestação de serviços o fato gerador do imposto, não podemos
censurar a escolha de uma base imponível com fulcro num sinal externo,
comprobatório do vulto econômico de serviço prestado, como é o seu preço. [...] Se
o ISS tem como pressuposto material de sua incidência a prestação de serviços, o
preço desta constitui um elemento natural, decorrente da atividade, portanto
bastante apto a servir de base de cálculo do tributo.531
Do mesmo modo, nas lições sempre precisas lições de Susy Gomes
Hoffmann,
[...] se o legislador constituinte elegeu a prestação de serviços como um dos
critérios materiais passíveis de determinar a ocorrência da incidência tributária, a
528
529
530
531
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 357.
Marçal Justen Filho, Imposto sobre serviços na Constituição, p. 161. Consoante esse autor, “adotar outra
base imponível acarretaria tributação não do evento ‘prestação de serviço’, mas de outra situação material,
pois conduz à quantificação de outro estado de fato ou conduta. E isso se conflita abertamente com a
discriminação constitucional de competência”. Ibidem, mesma página.
A base de cálculo do ISS, p. 194.
Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina a prática do ISS, p. 516.
– 221 –
indicação legal da base de cálculo do tributo deverá, necessariamente, indicar o
valor relativo a tal prestação de serviços.532
Nesse mesmo sentido é lapidar o entendimento de Roque Antonio
Carrazza,533 segundo o qual a base de cálculo que deverá ser prevista pelo legislador
ordinário é o preço do serviço.
Outro não é o entendimento de Eduardo Domingos Botallo,534 para quem a
base de cálculo que deverá ser prevista só pode ser o preço do serviço prestado.
Atento a essa máxima, o legislador complementar – exercendo a função
preconizada no art. 146, III, a, da Constituição Federal535 –, por intermédio da Lei
Complementar 116/2003, padronizou, em seu art. 7.º, caput,536 o preço do serviço
como a unidade de referência passível de ser indicada como base de cálculo do ISS
pelos Municípios e pelo Distrito Federal.
O legislador em questão, embora tenha acertado quando, em atenção à
materialidade possível do ISS, indicou o preço do serviço como unidade de referência
a ser prescrita como base de cálculo, andou mal quando previu, no § 1.º do art. 7.º,
532
533
534
535
536
Susy Gomes Hoffmann, A base de cálculo do ISS, p. 215.
Grupo de empresas – autocontrato – não incidência de ISS – questões conexas, p. 120.
Notas sobre o ISS e da Lei Complementar n. 116/2003, p. 82.
Com fundamento no art. 146, III, a da Constituição Federal, a Lei Complementar 116/2003, em seu art. 7.º,
caput, atua como instrumento introdutor de enunciado prescritivo que conforma a permissão – descrita no
conseqüente da norma de competência legislativa – de criação do ISS, ao padronizar, com observância à
prescrição do critério material e aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, o preço do serviço
como a unidade de referência que poderá ser erigida pelo legislador ordinário como base de cálculo.
Com efeito, com base no art. 7.º, caput, da Lei Complementar 116/2003, também é identificada a base de
cálculo da norma padrão do ISS.
Conforme sustentamos no subitem 4.4.1. do capítulo 4, entendemos que cabe è lei complementar, a par de
dispor sobre conflitos de competência e de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar,
veicular normas gerais em matéria de legislação tributária (art. 146, III, da CF), garantindo, destarte,
uniformidade no exercício da conduta de produzir normas tributárias. Sendo assim, deverão os legisladores
ordinários, quando da criação dos enunciados que comporão os critérios da regra-matriz tributária, estar
jungidos ao que prevêem as normas gerais em matéria de legislação tributária veiculadas pela lei
complementar.
Cumpre-nos advertir, contudo, que o legislador complementar, no exercício das três funções (dispor sobre
conflitos de competência, regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer normas
gerais e matéria de legislação tributária), não é livre, jungido que está ao disposto no Texto Constitucional,
expressa ou implicitamente. Sua atuação é adstrita às diretrizes constitucionais.
“Art. 7.º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.”
– 222 –
que, quando os serviços descritos no subitem 3.04 da lista de serviços de serviços
anexa à Lei Complementar 116/2003,537 que na verdade serviços não são,
forem prestados no território de mais de um Município, a base de cálculo será
proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de
qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes
em cada Município.
Parece que aqui, além de ter desprezado a noção de que as atividades
descritas no subitem 3.04 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 não
configuram serviço tributável – o que, desde logo, torna inócua e inválida a prescrição
dessa base de cálculo específica538 –, não se atentou para o fato de que a base de
cálculo ali versada não tem o condão de mensurar a expressão econômica da prestação
de serviço ali indicada.
Na lição de Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva Campos
Jr.,
ao atrelar a base de cálculo proporcionalmente a “extensão da ferrovia, rodovia,
dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número
de postes, existentes em cada Município”, lobriga-se em infirmação da hipótese de
incidência do ISS. É que a extensão da ferrovia, por exemplo, não mensura a
expressão econômica do serviço. Veja-se, por exemplo, uma ferrovia constituída de
um ponto A ao ponto B sem a feitura de um túnel e uma mesma ferrovia constituída
na mesma extensão de A a B, porém com a feitura de um túnel. O esforço humano
no segundo caso é bem maior do que no primeiro e, segundo a forma
equivocadamente estipulada no parágrafo em comento, a base de cálculo do
inconstitucional ISS seria incrivelmente a mesma. Trata-se de disparate que não
guarda consonância como arquétipo constitucional do tributo.539
Esse enunciado complementar (§ 1.º, art. 7.º, da Lei Complementar
116/2003), portanto, não se presta à construção da base de cálculo da norma padrão do
ISS, sendo desprezado neste trabalho. Nesse patamar, servirmo-nos apenas do
regramento geral adotado no caput do art. 7.º em questão.
537
538
539
Os serviços a que se refere o § 1.º em questão são os de “locação, sublocação, arrendamento, direito de
passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos
de qualquer natureza”. Rigorosamente, tais atividades não configuram prestação de serviço, mas prestação
de coisas, nítida obrigação de dar, o que implica estar fora do campo de incidência do ISS.
Cf. Marcelo Caron Baptista, ISS: do texto à lei, p. 623.
Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva Campos Jr., A base de cálculo do ISS: o preço do
serviço, p. 246.
– 223 –
Em súmula, com fundamento na prescrição do critério material da norma
padrão do ISS, nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e no
enunciado do art. 7.º, caput, da Lei Complementar 116/2003, a base de cálculo da
norma padrão do ISS é o preço do serviço, de modo que apenas essa unidade de
referência poderá ser erigida como base de cálculo pelo legislador ordinário.
7.3.1 Identificação do preço do serviço: receita proveniente da prestação de serviço,
sem quaisquer deduções
Conceber preço do serviço como o valor correspondente à remuneração a
que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano contratado implica
reconhecer que se trata da receita bruta auferida com a prestação de serviços, sem
quaisquer deduções.
Como explica Aires Fernandino Barreto,540
[...] preço do serviço é o valor da contraprestação que o tomador ou usuário do
serviço deve pagar diretamente ao prestador (ou, visto de outro prisma, preço do
serviço é o valor a que o prestador faz jus, pelos serviços que presta). Por preço do
serviço deve-se entender a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções.
Importante ter presente que, consoante adverte esse autor, a cláusula “sem
quaisquer deduções” está ligada à proposição que lhe antecede, qual seja “receita bruta
dele proveniente”, de modo que só pode ser tido como base de cálculo do ISS a receita
bruta, sem deduções, que decorra de prestação de serviços. Assim, não se podem
prever deduções “apenas e tão-só naquela receita bruta, que decorre, que provém
diretamente da prestação de serviços”.541
Portanto, se a receita for proveniente de prestação de serviços, não pode o
legislador ordinário impor deduções.
540
541
ISS na Constituição e na lei, p. 357-358.
Cf. Aires Fernandino Barreto, Ibidem, p. 358.
– 224 –
Outro não é o entendimento de Bernardo Ribeiro de Moraes,542 para quem
o preço do serviço abrange a receita total auferida, sem quaisquer deduções da
importância entrada para o patrimônio do contribuinte, proveniente de prestação de
serviços. Abrange, pois, a soma de tudo quanto foi auferido pelo contribuinte como
produto da atividade prestada.
Por essa razão, conforme ponderado por Geraldo Ataliba, não agride a lei
complementar a lei municipal que prevê como base de cálculo do ISS a receita bruta
proveniente da prestação de serviço.543
Não se pode perder de vista, ainda, que a expressão “receita bruta” mantém
íntima relação com o critério material “prestar serviço”, a evidenciar, portanto, que
nem tudo o que se recebe no desenvolvimento de uma atividade – ainda que envolva
eventual prestação de serviço – pode compor o preço e, pois, a base de cálculo do ISS.
Nesse contexto, importante ter presente a distinção entre receita e ingresso
tão bem demonstrada por Aliomar Baleeiro,544 Geraldo Ataliba545 e Eduardo
Domingos Boltallo.546 Consoante esses mestres, receita corresponde à entrada de
valores resultantes do exercício da atividade profissional que passam a modificar o
patrimônio do prestador, incrementando-o. Já o ingresso corresponde à entrada de
valores que não são incrementos financeiros próprios do prestador, não integrando,
destarte, o seu patrimônio. Embora transitem no caixa do prestador, não pertencem ao
seu patrimônio.
Assim, não são todos os ingressos de valores nos cofres do prestador que
podem integrar a base de cálculo do ISS a ser erigida, mas, tão-somente, as parcelas
correspondentes às receitas provenientes dos serviços que executa.547
542
543
544
545
546
547
Doutrina e prática do ISS, p. 521.
Geraldo Ataliba, ISS – Base imponível, p. 76.
Uma introdução à ciência das finanças, p. 130-135.
ISS – Base imponível, p. 85.
Empresas prestadoras de serviços de recrutamento de mão-de-obra temporária, p. 16, e Base de cálculo do
ISS e importâncias reembolsadas ao prestador de serviços, p. 525.
Eduardo Domingos Botallo, Notas sobre o ISS e a Lei Complementar n. 116/2003, p. 83.
– 225 –
Em outras palavras, apenas as receitas provenientes da prestação própria é
que podem ser tidas como preço do serviço, para efeito de ISS. Por remunerarem a
prestação de serviços, isto é, representarem o valor da prestação, constituem entradas
que integram o patrimônio do prestador, incrementando-o, como elemento novo e
positivo.
Diante disso, fica patente que os ressarcimentos feitos ao prestador de
serviços, pelos seus tomadores, de despesas havidas no exclusivo interesse destes,548
bem como as entradas de valores que devem ser repassadas a terceiros (como acontece
com as empresas de trabalho temporário e com as agências de viagens),549 por não
548
549
Essa hipótese fica bem clara diante dos serviços de despachos. Como ensina Aires Fernandino Barreto,
nesses casos, “as importâncias exigidas ou adiantadas para o pagamento – v.g., de tributos aos quais está
submetido o tomador – ingressam nos cofres do prestador para repasse desse mesmo montante aos cofres
públicos. Para o escritório de despachos, há ingresso financeiro, mas não se pode cogitar de receita”.
Destarte conclui o autor que nenhum fundamento jurídico “pode respaldar o entendimento de que a base de
cálculo de cálculo do ISS inclua valores pertencentes a terceiros, embora entregues ao prestador, para fazer
face às despesas que, a ordem e à conta daqueles, deva realizar. Bem ao revés, como demonstrado, razões
jurídicas o desabonam, desautorizam e repelem. Em resumo, integram a base de cálculo do ISS as despesas
que fazem parte da prestação do serviço (despesas do prestador do serviço); não a integram as relativas a
valores que não fazem parte da prestação do serviço (impropriamente chamadas também de despesas
reembolsáveis)”. ISS na Constituição e na lei, p. 396 e 398.
A propósito, com nos dá conta Marcelo Caron Baptista, “o Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua
Primeira Turma, bem decidiu, nos autos do Recurso Especial n. 224.813/SP, que as despesas de
combustíveis cobradas à parte, dos locatários de automóveis, pela empresa locadora, tal como os gastos com
franquias de seguros decorrentes de sinistros por aqueles ocasionados, não deveriam ser computados na base
de cálculo do ISS, a qual seria representada tão-somente pelo preço da locação. Ainda que indevida a
incidência do imposto sobre a locação de bens móveis, como antes demonstrado, correto o entendimento
adotado em relação aos gastos reembolsados”. ISS: do texto à norma, p. 610.
Quanto a essas atividades, Aires Fernandino Barreto ensina que o fornecimento de mão-de-obra temporária
é agenciamento, cuja receita é apenas a comissão dela decorrente. Consoante esse autor, as empresas de
trabalho temporário “recebem dois tipos de valores do tomador do serviço: o primeiro não correspondente
ao pagamento de seus serviços, mas meras importâncias a serem pagas aos temporários (salários) ou a outros
terceiros (contribuições previdenciárias e outros encargos); o segundo, a sua comissão, esta sim corresponde
à prestação de seus serviços, à parcela que ingressa em seu patrimônio, incrementando-o. Como em outras
atividades, o preço do serviço não pode ser integrado por valores estranhos à atividade do prestador, pena de
infringência ao princípio constitucional da capacidade contributiva e de descaracterização do fato
tributário”. Ibidem, p. 392. Confira, ainda, trabalho específico do autor sobre o assunto, intitulado Trabalho
temporário e base de cálculo do ISS. Atividades comissionadas – Distinção entre ingressos e receitas, p. 720.
Em relação às agências de viagens, esse autor registra que tais empresas “recebem de seus clientes valores
expressivos destinados à aquisição de passagens. Ora bem, desses valores apenas uma pequena parte virá a
integrar seus patrimônios. A parcela mais expressiva destina-se a remunerar as empresas de navegação
aérea, às quais os ingressos têm que ser repassados, pena de apropriação indébita. Figuremos um exemplo:
suponha-se que cliente de certa agência de turismo entregue-lhe R$ 10.000,00 para aquisição de três
passagens aéreas, para a Europa. Pois bem. À agência incumbe entregar esse valor à empresa de navegação
aérea, deduzido de uma pequena parte, representada por sua comissão, por hipótese, de 4%. No exemplo, a
agência tem que entregar à empresa de navegação aérea R$ 9.600,00, ficando com R$ 400,00, que é o total
de sua receita pela prestação de serviços. Embora tenham transitado pelo seu caixa R$ 10.000,00, apenas R$
400,00 constituem sua receita. Os R$ 9.600,00 restantes são meros ingressos, valores pertencentes a
– 226 –
constituírem remuneração dos serviços próprios do prestador, não podem integrar a
base de cálculo do ISS.
Legislar, prevendo sejam tais ingressos incluídos na base de cálculo do ISS,
significa (i) equiparar receita da prestação de serviço próprio (i.a) com entrada de
terceiros, que não incrementam seu patrimônio”. Ibidem, p. 396. Nesse mesmo sentido, confira a lição de
Bernardo Ribeiro de Moraes, em ISSQN – Fornecimento de mão-de-obra temporária – Base de cálculo, p.
26-35.
Cumpre salientar que Superior Tribunal de Justiça, partindo da distinção entre receita e ingresso, é firme no
sentido de que a base de cálculo do ISS é apenas a receita bruta do prestador do serviço, não a integrando as
importâncias referentes aos salários e encargos sociais dos empregados temporários, in verbis:
“Tributário. Recurso especial. ISS. Empresas que agenciam mão-de-obra.
1. Há de se compreender, por ser a realidade fática pausada nos autos, que a empresa agenciadora de mãode-obra temporária atua como intermediária entre a parte contratante da mão-de-obra e terceiro que irá
prestar os serviços.
2. Atuando nessa função de intermediação, é remunerada pela comissão acordada, rendimento específico
desse tipo de negócio jurídico.
3. O ISS, no caso, deve incidir, apenas, sobre a comissão recebida pela empresa, per ser esse o preço do
serviço prestado.
4. Não há de se considerar, por ausência de previsão legal, para fixação da base de cálculo do ISS, outras
parcelas, além da taxa de agenciamento, que a empresa recebe como responsável tributário e para o
pagamento dos salários dos trabalhadores. Aplicação do princípio da legalidade.
5. Impossível, em nosso regime tributário, subordinado ao princípio da legalidade, um dos sustentáculos da
democracia, ampliar a base de cálculo de qualquer tributo por interpretação jurisprudencial.
6. Recurso especial provido, a fim de que o ISS incida, apenas, sobre o valor fixado para a taxa de
agenciamento, excluídas as demais parcelas” (1.ª Turma, REsp 821.279/PR, Rel. Min. José Delgado, j.
26.09.2006, DJU 1 de 09.10.2006, p. 265).
“Tributário. Imposto sobre os serviços de qualquer natureza – ISSQN. Empresas prestadoras de serviços de
agenciamento de mão-de-obra temporária.
1. A empresa que agencia mão-de-obra temporária age como intermediária entre o contratante da mão-deobra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho.
2. A intermediação implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente
nessas ‘intermediações’.
3. O implemento do tributo em face da remuneração efetivamente percebida conspira em prol dos princípios
da legalidade, justiça tributária e capacidade contributiva.
4. O ISS incide, apenas, sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua
comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais
dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiro (os empregados) e despesas, que pressupõem
o reembolso. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários. Precedentes do E.
STJ acerca da distinção.
5. A equalização, para fins de tributação, entre o preço do serviço e a comissão induz a uma exação
excessiva, lindeira à vedação ao confisco.
3. (Sic) Recurso especial provido” (1.ª Turma, REsp 411.580/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08.10.2002, DJU 1
de 16.12.2002).
“Tributário. ISS. Base de cálculo. Incidência. Serviços prestados por empresas de recrutamento e
recolocação de mão-de-obra temporária.
1. Não há violação ao art. 9.º do Decreto-lei 406/68, quando o acórdão recorrido decidiu que a base de
cálculo do ISS tenha a sua incidência somente sobre a receita bruta, que é a taxa de agenciamento recebida
por empresa de recrutamento e recolocação de mão-de-obra, tendo sido excluídas as importâncias referentes
aos salários e encargos sociais dos recrutados, ao fundamento de que tais empresas seriam meras
depositárias desses valores.
2. Agravo de instrumento improvido (art. 254, I, do RISTJ)” (1.ª Turma, Agravo de Instrumento n.
215.659/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 29.03.1999, DJU 1 de 09.04.1999).
– 227 –
valores referentes ao reembolso de despesas de numerários que não fazem parte da
prestação do serviço e (i.b) com meros ingressos de valores que correspondem à
remuneração
por
atividade
realizada
por
terceiros,
implicando,
destarte,
desvirtuamento da base de cálculo do ISS e, conseqüentemente, flagrante ofensa à
norma padrão em questão.
Cabe registrar, também, que, não podem compor a base de cálculo do ISS
devido pelas empresas designadas “planos de saúde” – supondo fosse a atividade por
elas exercida serviço tributável pelo ISS550 – os valores correspondentes aos
dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios. Em casos que tais, o preço do
serviço é a diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios com médicos,
hospitais e laboratórios (terceiros prestadores de serviços aos segurados associados).
Supor o contrário implica aceitar possa o ISS incidir sobre serviços “por terceiros
prestados”, além de reconhecer que a materialidade desse tributo possa ser despesa
com serviços. Por essa razão, entendemos totalmente inócuo o veto ao presidencial ao
§ 3.º do art. 7.º da Lei Complementar 116/2003, que permitia a dedução da base de
cálculo do ISS dos valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços de
hospitais, laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais
profissionais do plano de saúde operado por cooperativas. Deveras, com ou sem veto,
a base de cálculo, nesses casos, por imposição da própria materialidade da norma
padrão do ISS, só pode ser a diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios
com médicos, hospitais e laboratórios.551
550
551
É certo que essa atividade está arrolada no subitem 4.23 da lista de serviços veiculada pela Lei
Complementar 116/2003. Tal, no entanto, não autoriza a exigência de ISS porque, conforme já exposto, à lei
complementar não é deferido prever a incidência de algo que serviço não é.
Sobre a intributabilidade da atividade de planos de saúde pelo ISS confiram-se: José Souto Maior Borges, ISS –
Seguro-saúde, p. 52-73; Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 219-232; e José Eduardo
Soares de Melo, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 70-74.
Nesse sentido, confira acórdão emblemático proferido no EDcl no Recurso Especial 227.293/RJ, 1.ª Turma,
Rel. Min. Francisco Falcão, j. 09.08.2005, DJU 1, de 28.11.2005.
Outrossim, relevante conferir diversas leis municipais que, tendo em conta a base de cálculo da norma
padrão do ISS, prevê como preço do serviço, nesses casos, a diferença entre o valor recebido pelas
mensalidades e os dispêndios havidos com terceiros (especialmente médicos, hospitais, laboratórios): Lei
691/1984 com as alterações dadas pela Lei 2.016/1993, do Município do Rio de Janeiro (art. 26), Lei
Complementar 07/1973, com as alterações dadas pela Lei Complementar 501/2003, do Município de Porto
Alegre (art. 21), Lei 7.186/2006, do Município de Novo Hamburgo (art. 42, § 11), Lei 1.819/2003, do
– 228 –
Ressalte-se, outrossim, que aquelas receitas decorrentes de negócios outros,
inconfundíveis com a prestação de serviço, também não podem ser tidas como preço
do serviço ou integrá-lo, devendo ser desprezadas pelo legislador e pelo aplicador da
lei.
Aires Fernandino Barreto552 traz importante lição a esse respeito, propondo
análise da questão sob prisma positivo e negativo. Nas palavras desse autor,
examinando a questão de prisma positivo, tem-se que a base de cálculo do ISS é o
preço do serviço, nele (preço) incluído tudo o que for pago pelo tomador (utente,
usuário) ao prestador, desde que provenha da prestação de serviços. Essa
proveniência determina-se pela precisa identificação do negócio jurídico
desencadeador das receitas. Vista de ângulo negativo, tem-se que a base de cálculo
do ISS não inclui – não pode incluir – valores que decorram de negócios outros,
inconfundíveis com a prestação de serviço. É ilegal (rectius, inconstitucional)
assim, a inclusão de valores correspondentes a negócios paralelos, distintos da
prestação de serviços, na base de cálculo do ISS.
Sendo assim, quando diante de duas relações jurídicas diferentes, ainda que
previstas num único instrumento contratual (v.g., concomitância de eventual prestação
de serviços com uma operação de venda ou com uma operação de crédito), é preciso
ter cautela, identificando as receitas que provenham de prestação de serviço e
estremando-as daquelas provenientes de outros negócios jurídicos distintos da
prestação de serviços.
É o que nos ensina, mais uma vez, Aires Fernandino Barreto:553
o Município só pode exigir ISS sobre a receita que provenha de serviços. [...] Nas
hipóteses em que determinada vinculação jurídica complexa, engendrada pelas
pessoas privadas, desenvolva-se e um contexto multifacetário – em que a prestação
de serviço surja envolvida ou em paralelo – esta circunstância não autoriza o
legislador ordinário, nem muito menos a administração, a ignorar a eventual
autonomia recíproca de cada um desses negócios, para ampliar a base de cálculo do
552
553
Município de Guaíba (art. 2.º, IV) e Lei Complementar 02/2001, com as alterações dadas pela Lei
Complementar 28/2004, do Município de Santa Maria (art. 27, § 14).
ISS na Constituição e na lei, p. 355. E conclui este autor que a base de cálculo do ISS “é o preço do serviço,
vale dizer, a receita auferida pelo prestador como contrapartida pela prestação do serviço tributável pelo
Município ou pelo Distrito Federal ao qual cabem os impostos municipais. Receita auferida pelo prestador
que não corresponda à remuneração pela prestação de serviços de competência dos Municípios não poderá
ser tomada como base de cálculo do ISS, pena de desfigurá-lo, no mais das vezes, com invasão de
competência tributária alheia. E, obviamente, onde não houver receita, jamais se poderá cogitar de exigência
de ISS, pela singela razão de que, nessa hipótese, preço não há”. Ibidem, p. 355.
Idem, p. 355-357.
– 229 –
ISS, nela incluindo valores provenientes de outros negócios distintos da prestação
de serviços. [...] Diante de venda ou prestação de serviços e financiamento, v.g.,
duas pessoas político-constitucionais são competentes para impor tributação, cada
qual nos limites previstos pela Constituição. Onde haja venda ou prestação de
serviços e financiamento, ainda que em único instrumento, ou envolvidas em uma
só vinculação negocial, incidem dois distintos tributos; duas competências
tributárias distintas e inconfundíveis atuam, integrando os feixes de poderes de duas
esferas de governo diferentes. Daí ser imperioso discernir, distinguir, identificar e
separar as receitas consoante suas respectivas procedências, para que se
identifiquem as específicas bases de cálculo de cada um dos tributos, com vistas a
evitar o extrapassamento dos limites constitucionalmente traçados às competências
tributárias.
É inconcebível, senão com ofensa ao Texto Constitucional, reunir os
negócios jurídicos diversos para pretender inserir a totalidade de seus valores na base
de cálculo do ISS. Em casos como esse, tomar como preço do serviço receita auferida
pelo prestador que não corresponda à remuneração pela prestação de serviços implica
adoção de base de cálculo inadequada, isto é, incompatível com a materialidade
“prestar serviços” e, por conseguinte, desvirtuamento da base de cálculo da norma
padrão do ISS.
Destarte, jamais se poderão incluir na base de cálculo do ISS as receitas
decorrentes de encargos relativos ao financiamento do preço do serviço (v.g., juros).554
Tais valores, advindo de operações de crédito (negócio jurídico, inclusive, submetido à
tributação pela União, ex vi do art. 153, VI, da CF/1988), não são receitas de prestação
554
Marcelo Caron Baptista lembra que “o pagamento pela prestação de um serviço, assim como o pagamento
por outras prestações de natureza diversa, nem sempre se dão ‘à vista’. A relação de prestação de serviços
desenvolve-se no ambiente da economia de mercado. O tomador dos serviços, a depender de sua condição
financeira ou da forma pela qual administra seus interesses, necessita ou opta pelo financiamento do preço.
O financiamento do preço da prestação do serviço envolve uma operação em que uma pessoa disponibiliza
um crédito ao tomador do serviço, ficando este obrigado a pagar-lhe a mesma quantia em determinado
prazo, acrescida de encargos do financiamento (v.g., juros). Nessa hipótese, resta saber se o valor desses
encargos integra o valor da base de cálculo para fins de incidência do ISS. A resposta é negativa. [...]
Quando presente o financiamento do preço, aparece, paralelamente à relação de prestação de serviço, uma
segunda relação jurídica, entre financiador e financiado – tomador do serviço. Trata-se de uma relação
jurídica do gênero ‘operação de crédito’. [...] Os encargos financeiros, portanto, não são originados da
relação de prestação de serviços, mas de outra relação jurídica, a operação de crédito. Não há, como se vê,
uma subsunção do conceito de encargos de financiamento ao conceito da base de cálculo do ISS – preço da
prestação do serviço. Por isso, incluir na base de do ISS tal valor acarreta um alargamento indevido do
conteúdo econômico da materialidade da hipótese de incidência. Se o fato tributável é a prestação de serviço
originada de uma relação jurídica específica, elementos econômicos alheios a essa relação não podem ser
considerados no cálculo do imposto”. ISS: do texto à norma, p. 576-577.
No mesmo sentido, José Eduardo Soares de Melo, tratando do financiamento do preço do serviço mediante a
utilização de cartão de crédito, pondera que os acréscimos financeiros não podem ser tomados como base de
cálculo do ISS, uma vez que “o pagamento do preço dilatado no tempo constitui operação financeira,
distinta da prestação de serviço”. ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 140.
– 230 –
de serviços, isto é, não representam preço do serviço, não podendo, portanto, compor a
base de cálculo do ISS.555
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino556 já advertiram sobre a impossibilidade
de os referidos encargos relativos ao financiamento integrarem o preço do serviço, por
tratar-se de valor imputável a negócio distinto da prestação de serviços.
Outrossim, as receitas provenientes de inadimplemento contratual, tais
como multa e juros moratórios, por não advirem de prestação de serviços, não podem
ser tidas como preço do serviço, devendo, pois, ser desprezadas para fins de base de
cálculo do ISS.
Conforme Aires Fernandino Barreto,557
é claro que o fato de que as receitas provenientes de multa, juros e outros encargos
exigíveis dos destinatários ou encomendantes da prestação, que não liquidam seus
débitos nas datas convencionadas, não correspondem a nenhum serviço. É, pois,
vedada a inclusão desses valores na base de cálculo do ISS. Também aqui se está
diante de receitas decorrentes de contrato autônomo, específico; também aqui de
cuida de receita que não provém de nenhuma prestação de serviço [...].
7.3.2 O valor dos materiais compõe o preço do serviço
Como visto no Capítulo 6, há prestações de serviços que requerem, como
condição de sua viabilização, a aplicação de materiais, sob pena de não poder se
concretizar. Tais prestações de serviços integram a classe que a doutrina denomina de
prestação de “serviços menos puros”.558 Nessas hipóteses, não pode o legislador
555
556
557
558
Não foi por outra razão que a Lei Complementar 116/2003, a pretexto de dispor sobre conflito de
competência entre os Municípios e a União Federal (art. 146, II, da CF), dispôs, em seu art. 2.º, caput e
inciso III – embora erroneamente, por restringir-se às operações de crédito realizadas por instituições
financeiras –, que “O imposto não incide sobre: [...] o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a
operações de crédito realizadas por instituições financeiras”.
Ressalte-se que encargos de financiamento, ainda que cobrados pelo próprio prestador do serviço, na
condição de financiador do serviço a ser prestado, possuem natureza distinta do preço do serviço. Dessa
forma, a despeito de o inciso III do art. 2.º da Lei Complementar 116/2003 apenas fazer menção aos créditos
de financiamento de “operações de crédito realizadas por instituições financeiras...”, aplica-se a mesma
regra para os financiamentos em que elas não se fizerem presentes.
ICM – base de cálculo – diferenças entre venda financiada e venda a prazo, p. 113.
ISS na Constituição e na lei, p. 363.
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ISS e ICMS – conflitos, p. 171.
– 231 –
ordinário prever deva ser deduzido da base de cálculo do ISS o valor dos materiais
empregados, aplicados, utilizados na prestação de serviço.
Esse entendimento não é uníssono na doutrina. Muitos juristas, entre eles
Betina Treiger Grupenmacher559 e Sergio Pinto Martins,560 entendem que o valor dos
materiais deva ser deduzido da base de cálculo do ISS, por representar valor
decorrente da venda de mercadorias.
Todavia, pensamos de modo diferente. Para nós, tais materiais são
elementos aplicados na prestação de serviço, como requisitos de sua viabilização ou
como ingredientes da própria prestação. O prestador aplica materiais na prestação de
serviços pela simples razão de que sem esses elementos o esforço humano contratado
não pode ser produzido.
Os materiais configuram, destarte, requisitos, insumos, cuja presença
incorpora a prestação de serviço ou a segue como acessório, dela não podendo ser
dissociados. Não representam mercadorias, pois não são bens móveis objetos de
mercancia,561 mas simples elementos que, como requisitos, ingredientes, condicionam
a prestação de serviço. Se considerados isoladamente, não interessam nem ao
prestador, porque não é vendedor de mercadorias (ao revés, o que se busca é a
produção do esforço humano contratado, ainda que seja inafastável o emprego de
materiais), nem ao tomador do serviço, porque não é comprador. Não se configura
venda de coisas, mas seu emprego é requisito necessário à prestação do serviço.
559
560
561
A base de cálculo do ISS, p. 198-206.
Manual do ISS, p. 196-197.
Nas fecundas lições de Roque Antonio Carrazza, com amparo nas lições de Paulo de Barros Carvalho, só é
mercadoria o bem objeto de mercancia, ou seja, que se destina à prática de operações mercantis. Ensina o
autor que “não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão-só aquele que se submete à mercancia.
Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem imóvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem
móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. Estamos
percebendo que nada é mercadoria ‘pela própria natureza das coisas’. De fato, como aguisadamente observa
Paulo de Barros Carvalho, a natureza mercantil de um bem não deflui de suas propriedades intrínsecas, mas
de sua destinação específica”. ICMS, 9. ed., p. 41.
– 232 –
Pontes de Miranda562 é categórico nesse sentido, quando assinala que o
emprego de material não desconstitui a prestação de serviço, que não se transforma em
compra e venda. Prestação de serviço com aplicação de material, não é, nunca,
contrato de compra e venda, porque a sua finalidade não é a aquisição dos materiais,
mas a execução da obrigação de fazer contratada.
Aires Fernandino Barreto versa essa situação com didático exemplo e
fornece brilhante elucidação a respeito:
Tomemos os seguintes exemplos: ninguém poderá asseverar, em sã consciência (à
luz do conceito cediço de mercadorias), que o dentista ao aplicar amálgama, ao
aplicar ouro ou porcelana é vendedor dessas mercadorias, porque na verdade são
meros materiais, insumos necessários à prestação de serviços. Não se pode chegar
ao absurdo de pretender que o advogado, que o parecerista, quando elabora um
estudo e tem que empregar papel, seja vendedor de papel, realize venda de
mercadoria. Vale-se ele de meio, de ingrediente, de insumo necessário à prestação
do serviço.563
Nessas hipóteses em que é inafastável a aplicação de materiais tem-se um
único negócio jurídico, prestação de serviços com aplicação de materiais,
configurando hipótese de incidência apenas do ISS.
É o que se extrai novamente da lição de Aires Fernandino Barreto, segundo
a qual
vários autores não distinguem duas situações absolutamente diferentes: a) o
exercício, pela mesma pessoa física ou jurídica, de duas ou mais atividades; b) o
exercício, pela mesma pessoa, de uma única atividade. No primeiro caso (a), o
contribuinte estrutura os seus negócios visando a, concomitantemente, promover
operações relativas à circulação de mercadoria e prestar serviços. Exemplo típico
dessa alternativa é o dedicar-se dado contribuinte a1) ao negócio mercantil de
vender peças para automóveis a serem aplicadas por terceiros e a2) à prestação dos
serviços de reparação ou conserto de veículos, em que é inafastável a aplicação de
materiais. Nesse caso, submete-se ao ICMS relativamente à primeira atividade (a1);
e ao ISS, no pertinente à segunda (a2). Na situação alvitrada em (b), em que o
contribuinte desenvolve uma só atividade, ela poderá consistir em só b1) promover
negócios mercantis ou b2) prestar serviços. Obviamente, na primeira hipótese, ele
estará sujeito ao ICMS; na segunda, apenas ao ISS.564
562
563
564
Tratado de direito privado, p. 385.
Aires Fernandino Barreto, Imposto sobre serviços de qualquer natureza, p. 190.
Idem, ibidem, p. 236. No mesmo sentido, confira Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS, p.
250.
– 233 –
Nesse mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres,565 embora se refira a
“mercadorias”, quando o certo seria materiais, esclarece que o ISS incide sobre a
prestação de serviços, ainda que acompanhada da aplicação de “mercadorias”.
Patente que os materiais empregados não são mercadorias, e sim elementos
essenciais à prestação do serviço, que se dissolvem na própria atividade ou, quando
muito, segue-a como acessório, persiste-se no campo de prestação de serviços passível
de tributação pelo ISS.
Nesse contexto, o valor de tais elementos configura numerário referente a
bens necessários à execução da prestação de serviços, devendo por isso, pondera
Bernardo Ribeiro de Moraes,566 compor a formação do preço do serviço.
É dizer, o valor dos materiais, por configurar numerário referente a insumos
necessários à execução da prestação de serviços, constitui-se parcela integrante da
receita a que o prestador faz jus pela prestação de serviços, sendo, por conseguinte,
componente inafastável do preço do serviço. Sendo componente inafastável do preço
do serviço não pode ser deduzido da base de cálculo do ISS.
Lembre-se que a base de cálculo da norma padrão do ISS é o preço do
serviço. Entende-se por preço do serviço a receita bruta dele proveniente, sem
quaisquer deduções. A cláusula “sem quaisquer deduções” deve ser interpretada em
sintonia com a expressão que lhe antecede “receita bruta dele proveniente”. Com
efeito, constituindo-se o valor dos materiais numerário integrante da receita a que o
prestador faz jus pela prestação de serviços, não se pode – pena de desvirtuamento da
base de cálculo da norma padrão do ISS e violação à referida norma padrão – deduzilo da base de cálculo. É incabível dedução do valor dos materiais da base de cálculo do
ISS, sendo vedado ao legislador prevê-la.
565
566
Tratado de direito tributário brasileiro, p. 324.
Doutrina e prática do ISS, p. 522.
– 234 –
Não foi por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula
274 prevendo que “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica,
incluindo-se nelas as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares”.
Embora não unânime na Corte, há respeitáveis julgados do Superior Tribunal de
Justiça, já antes da Lei Complementar 116/2003, no sentido de que o valor dos materiais
aplicados na prestação do serviço integra o preço, não podendo dele ser deduzido:
Tributário. Recurso especial. Base de cálculo do ISSQN. Preço final do serviço.
Insumos utilizados. Redução. Impossibilidade. Exame de matéria de fato. Óbice de
Súmula 07/STJ. Ausência de prequestionamento. Não-conhecimento da pretensão.
Recurso especial conhecido em parte, e, nessa, não-provido.
1. Em exame recurso especial ajuizado em autos de mandado de segurança por
Transeguro BH Transporte de Valores e Vigilância Ltda. Com o objetivo de
deduzir, da base de cálculo do ISSQN, o preço dos materiais utilizados na execução
do serviço.
2. A base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço prestado, conforme o disposto
no DL 406/68, art. 9.º, não sendo possível deduzir, para efeito de tributação, o
preço referente aos insumos utilizados, o que corresponderia à exclusão da própria
tributação.
3. Na hipótese, a recorrente é empresa de transporte de valores e de vigilância,
sendo que o valor que pretende deduzir da base de cálculo do imposto se refere a
combustível, peças, óleos, lubrificantes e pneus, dentre outros, materiais que são
imprescindíveis à efetivação da atividade explorada. Precedentes.
4. [...]
5. [...]
6. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa, não provido.567
Tributário. Recurso especial. ISS. Exames radiológicos. Materiais. Exclusão da
base de cálculo.
1. É inadmissível a exclusão da base de cálculo do ISS dos materiais utilizados para
a realização dos serviços, sem os quais, afinal de contas, sequer poderiam eles ser
realizados.
2. Recurso especial improvido.568
Tributário. Imposto Sobre Serviços (ISS). Hospitais. Base de cálculo. Incidência.
Precedentes.
-
As diárias hospitalares estão sujeitas à incidência do ISS, mesmo envolvendo o
valor referente aos medicamentos e a alimentação.
- Recurso conhecido pela letra “c” e provido.569
567
568
569
1.ª Turma, REsp 781.456/MG, Rel. Min. José Delgado, j. 18.04. 2006, DJU 1 de 22.05.2006, p. 166.
2.ª Turma, REsp 132430/CE, Rel. Min. Castro Meira, j. 17.03.2005, DJU 1 de 30.05.2005, p. 267. No
mesmo sentido confira REsp 254863/SP e REsp 299409/SP.
2.ª Turma, REsp 130621/CE, Rel. Francisco Peçanha Martins, j. 28.09.1999, DJU 1 de 27.03.2000, p. 48.
– 235 –
Tributário. ISS. Base de Cálculo. Hospitais.
- O valor da alimentação e dos medicamentos fornecidos pelos hospitais está
embutido nas diárias hospitalares e faz parte da base de cálculo do imposto sobre
serviços.
- Recurso especial não conhecido.570
Tributário. ISS. Alimentação e medicamentos fornecidos por hospitais. Inclusão no
preço da prestação de serviço. DL n. 406/68. Arts. 8.º e 114 do CTN.
1. Esta Corte já pacificou entendimento de que não é devido o ICM sobre o valor
das refeições e medicamentos servidos por hospitais.
2. A interpretação do art. 9.º do DL n. 406/68, combinado com o item 2 da Lista de
Serviços autoriza a cobrança do ISS sobre a prestação de serviço, com a inclusão do
preço da alimentação e dos medicamentos.
3. Recurso improvido.571
7.3.3 Preço do serviço com dedução
7.3.3.1
Valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de
construção civil
Como visto, preço do serviço é a receita bruta dele decorrente, sem
quaisquer deduções. O valor dos materiais compõe o preço do serviço, não podendo
ser deduzido da base de cálculo do ISS.
No entanto, o legislador complementar, tendo em conta que a construção
civil é um setor em que ocorre maciça aplicação de material, houve por bem, com
fundamento no art. 146, I e III, a, da Constituição Federal, prever que essa regra geral
de não-dedução não tem cabimento quando o próprio prestador de certos serviços de
construção civil572 fornece os materiais a serem aplicados, empregados, utilizados, na
prestação dessa atividade.
570
571
572
2.ª Turma, REsp 11533/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 11.10.1995, DJU 1 de 06.11.1995, p. 37560.
2.ª Turma, REsp 254.863/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.10.2001, DJU 1 de 18.02.2002, p. 300. No
mesmo sentido confira-se 2.ª Turma, REsp 130.621/CE, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 28.09.1999,
DJU 1 de 27.03.2000, p. 84.
Conforme a definição de De Plácido e Silva, construção civil é terminologia empregada “[...] para indicar o
edifício ou o prédio (em sentido estrito), já construído (obra executada), como para apontar toda espécie de
obra ou edificação que se esteja executando”. Dicionário jurídico, v. 1, p. 415.
Ensina Hely Lopes Meirelles que “[...] construção em sentido técnico nos oferece o duplo significado de
atividade e de obra. Como atividade, indica o conjunto de operações empregadas na execução de um projeto.
Como obra, significa toda realização material e intencional do homem, visando a adaptar a natureza às suas
– 236 –
Consoante o disposto no § 2.º, I, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003
– lei essa até hoje não declara inconstitucional, nem extirpada do direito positivo –,
não se inclui na base de cálculo do ISS o valor dos materiais fornecidos pelo prestador
do serviço de construção civil, previsto nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços.573 É
dizer, não deve ser incluído no preço do serviço o valor dos materiais fornecidos pelo
próprio construtor a serem empregados, aplicados ou utilizados na realização da obra
de que trata os referidos subitens.
Embora imperfeita a redação desse enunciado, a despeito de mencionar não
se “inclui”, entendemos que tal dispositivo previu – a exemplo do regramento anterior
veiculado no art. 9.º, § 2.º, do Decreto-lei 406/1968574 – nítida hipótese de dedução, do
preço do serviço, do valor dos materiais fornecidos pelo próprio construtor para
aplicação na obra.
Cabe registrar, desde logo, que entendemos que o fornecimento em questão
“abrange todos os materiais fornecidos pelo prestador do serviço, independente de sua
origem (produzidos por ele ou por outros)”.575 É dizer, refere-se tanto aos materiais
produzidos por terceiros, isto é, adquiridos de terceiros, quanto àqueles materiais
573
574
575
conveniências. Neste sentido, até mesmo a demolição se enquadra no conceito de construção, porque
objetiva, em última análise, a preparação do terreno para subseqüente e melhor aproveitamento”. Direito de
construir, 3. ed., p. 350-351.
“Art. 7.º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 2.º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de
serviços anexa a esta Lei Complementar.”
O subitem 7.02 da referida lista de serviços anexa à referida lei (Lei Complementar 116/2003) trata da
“execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou
elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e
irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e
equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da
prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”.
Já o subitem 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 contempla a “reparação,
conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de
mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito
ao ICMS)”.
“Art. 9.º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 2.º Na prestação de serviços a que se refere os itens 19 e 20 da lista anexa, o imposto será calculado sobre
o preço deduzido das parcelas correspondentes:
a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço.”
Cf. Gilberto Rodrigues Gonçalves, ISS na construção civil, p. 112.
– 237 –
produzidos pelo prestador fora do canteiro da obra, para aplicação, emprego,
utilização, na prestação de serviço.
Entendemos, portanto, que a possibilidade de dedução do valor dos
materiais fornecidos não se restringe àqueles adquiridos de terceiros para aplicação na
obra, se estendendo também aos materiais produzidos pelo prestador de construção
civil fora do local da obra.
Os materiais fornecidos pelo prestador de serviço de construção civil,
repita-se, após transporem a fase na qual estavam no comércio, vindo a serem
aplicados na obra, passam a configurar materiais. Há, nessa fase, apenas prestação de
serviços com aplicação de materiais, e, como tal, sujeita ao ISS. Não há falar, aqui, em
venda, negócio jurídico vislumbrado quando esses bens ainda configuravam
“mercadorias”.
A empreitada de material,576 modalidade mais freqüente de execução da
obra de construção civil em que há fornecimento de materiais, não se confunde com a
compra e venda. Segundo adverte Hely Lopes Meirelles, em obra clássica, já antes do
atual Código Civil,
na compra e venda o objetivo do contrato é a transferência da coisa, mediante o
pagamento de seu preço, ao passo que na empreitada de material o fim almejado é a
obra concluída, mediante o duplo pagamento do trabalho e da matéria-prima,
consubstanciado na remuneração do empreiteiro. [...] Para com os fornecedores e
empregados da obra, o empreiteiro de material é prestador de serviço e, em
princípio, o responsável único pelo pagamento do material e salários, visto ser da
natureza dêsse tipo de empreitada a função de todos os encargos pelo construtor.
[...] Na empreitada de material, como o empreiteiro concorre com o trabalho e a
matéria-prima, todos os riscos da execução do contrato correm por sua conta, até a
entrega da obra concluída, desde que quem a encomendou não esteja em mora de
receber (art. 1.238 caput).577
576
577
Como ressalta Gilberto Rodrigues Gonçalves, antes mesmo da atual Lei Complementar 116/2003, “quem
fornece pode fornecer o que produz ou o que terceiro produz”. Ibidem, p. 111.
Conforme nos dá conta Hely Lopes Meirelles, a empreitada de material é aquela em que o empreiteiro
(construtor da obra) se obriga quanto à mão-de-obra e aos materiais, correndo ambos por sua conta. É a
modalidade mais freqüente, na qual o empreiteiro assume os riscos integrais pela execução da obra,
respondendo tanto pela boa qualidade de tudo o que empregou na construção como pela perfeição de seu
trabalho. Direito de construir, 6. ed., p. 193.
Direito de construir, 2. ed., p. 228, 230 e 232.
– 238 –
J. M. Carvalho Santos também apregoava não se confundir a empreitada de
materiais com compra e venda. Conforme o autor, “a empreitada com fornecimento de
materiais não é propriamente, como entendem muitos, uma reunião do contrato de
locação de serviços com o de compra e venda de materiais; é, antes, um contrato
especial”.578
Nesse mesmo sentido, Pontes de Miranda sublinha que o
o contrato de empreitada, com fornecimento de materiais pelo empreiteiro, não é,
nunca, contrato de compra-e-venda, porque a sua finalidade não é a de aquisição
dos materiais, mas a fabricação, a atividade do empreiteiro ou de quem trabalhe
para êle, na obra. [...] Não há, na empreitada com fornecimento de materiais,
contrato misto. A alienação foi meio para o adimplemento do dever de fazer a obra.
[...] Um ponto que se tem de pôr em relevo quanto se aprofunda o estudo da
empreitada está em que, fornecendo o material, o empreiteiro não o vende
propriamente, pois o acordo de transmissão da propriedade é como prestação de
empreiteiro, e não como prestação de vendedor.579
Como bem adverte Ruy Barbosa Nogueira, “em verdade, terminada a fase
de circulação fabril e comercial dos produtos ou mercadorias que passam para as mãos
do construtor (prestador do serviço), esta nova etapa passa a ser tributada
exclusivamente pelo ISS”.580
Destarte, sendo inequívoco o fato de que na condição de prestador de
serviço o construtor se sujeita apenas ao ISS, lhe é permitido, consoante disposto no
inciso I, § 2.º, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003, para formar a base de
cálculo desse tributo municipal, deduzir o valor dos materiais fornecidos para
aplicação na obra.
Portanto, como se vê, por força desse enunciado complementar há previsão
de adoção de base de cálculo específica para prestação de serviço de construção civil.
É dizer, nos casos em que na prestação de serviço de construção civil descrita nos
subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 houver
aplicação de materiais fornecidos pelo prestador, a base de cálculo a ser prevista pelo
578
579
580
J. M. Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, p. 316.
Tratado de direito privado, 2. ed., t. XLIV, p. 385, 387 e 389.
Ruy Barbosa Nogueira, Serviço de engenharia, ISS e não ICM, p. 12.
– 239 –
legislador ordinário deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita dele
decorrente, com dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador.581
Registre-se, por oportuno, que esse regramento de dedução do valor dos
materiais fornecidos pelo prestador só vem a confirmar a noção geral de que, ao
fornecer materiais imprescindíveis à prestação de serviço, o prestador não se
transforma em vendedor de mercadorias, devendo esses insumos, por conseguinte,
integrar a base de cálculo do ISS.582
De todo modo, a previsão de possibilidade de deduções do valor dos
materiais também foi necessária para, prevenindo conflitos entre o ICMS e o ISS,
impedir que este último abrangesse, novamente, o valor dos materiais empregados.
Entretanto, andou mal o legislador complementar ao reservar a dedução do
valor dos materiais fornecidos pelo prestador apenas para o serviço de construção civil
descrito nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar
116/2003, visto que não são apenas nessas hipóteses que há aplicação de materiais
fornecidos pelo próprio prestador.
Consoante adverte Aires Fernandino Barreto,583 nos casos de construção
civil abrangendo atividades preliminares, auxiliares ou complementares, como as
atividades de sondagem do solo, de aterro, de fundação, de andaimes, descritas no
581
582
583
Ressaltamos que o Superior Tribunal de Justiça tem ignorado a previsão base de cálculo específica para os
serviços de construção civil descritos nos subitens 7.02 e 7.05, decidindo pela aplicação, ao caso, da regra
geral de não dedução do valor dos materiais. Vide: 1.ª Turma, AgRg no REsp 921804/MG, Rel. Min.
Francisco Falcão, j. 17.05.2007, DJU 1 de 31.05.2007, p. 408; 2.ª Turma, REsp 926339/SP, Rel. Min. Eliana
Calmon, j. 03.05.2007, DJU 1 de 11.05.2007, p. 393; 2.ª Turma, REsp 864619/RS, Rel. Min. Humberto
Martins, j. 24.10.2006, DJU 1 de 07.11.2006, p. 289; 1.ª Turma, REsp 828879/SP, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, j. 17.08.2006, DJU 1 de 31.08.2006; 1.ª Turma, AgRg no REsp 621484/SP, Rel. Min. Denise
Arruda, j. 20.10.2005, DJU 1 de 14.11.2005, p. 188.
Como adverte o atilado estudioso da matéria, Aires Fernandino Barreto, “ao prever a dedução dessas
parcelas, parece claro que o sistema admitiu a) que, como regra, o valor dos materiais integra a base de
cálculo do ISS, dela não podendo ser excluída para submetê-la ao ICMS. [...] Com efeito, se o valor dos
materiais não integrasse normalmente a base de cálculo do ISS, que sentido teria prever a dedução dessa
parcela? Parece inquestionável que, salvo expressa exceção, o valor dos materiais fornecidos pelo prestador
é componente inafastável da base de cálculo do ISS, reforçando, pois, as afirmações anteriores de que ao
fornecer materiais necessários à prestação dos serviços o prestador não se transforma em promovente de
operações mercantis, isto é, não é vendedor de mercadorias”. ISS na Constituição e na lei, p. 363.
Aires Fernandino Barreto, Ibidem, p. 364.
– 240 –
subitem 7.02 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, sempre se têm
serviços de construção civil, cabendo, em todos eles, o direito à dedução do valor dos
materiais fornecidos pelo prestador.
Portanto, a previsão de dedução do valor dos materiais apenas para as
hipóteses de construção civil descritas nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços
anexa à Lei Complementar 116/2003 implica visível tratamento díspar entre
contribuintes que se encontram em idêntica situação. Uma interpretação rigorosa do §
2.º, I, do art. 7.º importaria reconhecer a sua inconstitucionalidade, por flagrante
violação ao princípio da igualdade tributária.
No entanto, a redação desse dispositivo não impede que dela se extraia uma
previsão compatível com o sistema jurídico, entendendo-se que o regramento que dele
se retira pode ser aplicável a todas as hipóteses de prestação de construção civil em
que há a aplicação de materiais fornecidos pelo próprio prestador.
Cabe registrar, outrossim, que tal regramento específico (dedução do valor
dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço) não configura previsão de isenção,
antes, cuida de disciplina da base de cálculo do ISS, a teor do que dispõe o art. 146,
III, a, da Constituição Federal, além de prevenir conflitos entre o ICMS e o ISS.
Como nos ensina Paulo de Barros Carvalho,584 a regra de isenção subtrai
parcela do campo de abrangência de um ou mais critérios da hipótese ou do
conseqüente da regra-matriz de incidência, impedindo, assim, que a relação
obrigacional se instale, tendo em vista o desaparecimento do objeto prestacional.
Na dedução do valor dos materiais fornecidos pelo próprio prestador de
serviço de construção civil não estamos diante de mutilação de parcela da base de
cálculo. Vale dizer, não se tem configurada uma previsão de isenção. O que há é a
disciplina de redução da base de cálculo, sem mutilá-la, isto é, que se processa no
584
Curso de direito tributário, 17. ed., p. 490.
– 241 –
critério quantitativo, mas que não implica o desaparecimento do vínculo obrigacional.
Portanto, resta afastada qualquer interpretação no sentido de que os prestadores de
serviços de construção civil estariam impossibilitados de promover deduções, perante
a vedação constante no art. 151, III, da Constituição Federal, que estabelece ser
vedado à União conceder isenção de tributos estaduais, distritais e municipais.585
Em súmula, a prescrição geral de que a base de cálculo do ISS a ser erigida
somente poderá ser o preço do serviço, assim entendido a receita bruta dele
proveniente, sem quaisquer deduções, não é aplicável à prestação de serviço de
construção civil em que o próprio prestador fornece os materiais a serem aplicados na
obra. Há, nesse caso, previsão de prescrição de base de cálculo específica, de modo
que a unidade de referência a ser erigida pelo legislador ordinário como base de
cálculo deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita dele decorrente, com
dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviço. Eis aqui, o
segundo conteúdo semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS, a segunda
unidade de referência a ser adotada como base de cálculo.
7.3.3.2
Valor das prestações de serviços subcontratadas
Muitas prestações de serviços são viabilizadas mediante a contratação, pelo
prestador, de parte de sua execução com terceiros.
Conforme assinala José Eduardo Soares de Mello,
é natural que em determinadas prestações de serviços o prestador – que mantém
relação direta com o tomador – procede à contratação de parte desses serviços com
terceiros (impossibilidades operacionais, econômicas etc.), como é o caso do
585
A esse respeito, confiram-se as lições de José Eduardo Soares de Mello, ISS: aspectos teóricos e práticos, p.
144, e de Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 366.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar essa questão, já decidiu que a dedução do valor dos materiais
fornecidos pelo prestador é disciplina que cuida da base de calculo do ISS, ex vi do disposto no art. 146, III,
a, da Constituição Federal, não configura isenção. Nesse sentido confiram-se os Recursos Extraordinários
214.414-2/MG, 2.ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 05.11.2002, DJU 1 de 29.11.2002, p. 99-100, e
236.604/PR, Tribunal Pleno, Min. Carlos Velloso, j. 26.05.1999, DJU de 06.08.1999, p. 52.
– 242 –
fornecimento de mão-de-obra para tarefas de limpeza, zeladoria, copa, cantina,
operações de elevador e de central telefônica.586
Assim, um prestador do serviço, por opção estratégica (v.g., não dispor de
tantos recursos quanto necessários para executar a totalidade do serviço contratado,
não possuir certa especialidade para executar determinada atividade, a oferta de
terceiros é mais vantajosa do que empregar seus próprios meios etc.), contrata parte da
execução da prestação de serviço com terceiros, concorrendo junto de tais prestadores.
Em vez de executar a prestação de serviço diretamente, o prestador
principal subcontrata outros prestadores de serviço (que por sua vez podem
subcontratar outros prestadores e assim por diante) para a realização de uma
determinada parcela da obrigação de fazer, que foi contratada integralmente com o
tomador.587
A subcontratação ocorre com mais freqüência na subempreitada, contrato
por meio do qual, ensina Ponte de Miranda, o empreiteiro contrata com terceiro, ou
com terceiros, a execução da obra de construção civil.588
Mas, como adverte Aires Fernandino Barreto, essa forma de execução da
prestação do serviço não existe apenas no caso de prestação de serviço de construção
civil:
586
587
588
José Eduardo Soares de Mello, ISS: aspectos teóricos e práticos, p. 145.
Vide Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 57.
Ressalte-se que a contratação total da prestação de serviço (aquela em que prestador principal, contratado
para a realização integral do serviço, encarrega a realização de todo o serviço contratado a terceiros) não nos
interessa porque o fato jurídico tributário, à míngua de parte da execução da prestação pelo prestador
principal, não pode se concretizar, não havendo se falar, por conseguinte, em dedução do valor da
subempreitada do preço total do serviço tributável pelo ISS.
Ensina Pontes que empreitada “é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante remuneração, a fazer
determinada obra, ou mesmo obra determinável. [...] Empreiteiro é quem se vincula a fazer a obra, com
independência econômica, e não como simples trabalhador subordinado. [...] O subempreiteiro está para o
empreiteiro (subempreitante) como o empreiteiro para o empreitante. [...] Na subempreitada cria-se nova
relação jurídica distinta da relação jurídica entre o empreitante e o empreiteiro. O empreitante permanece
estranho ao que se passou entre o empreiteiro e o terceiro, ou terceiros. Tratado de direito privado, 2. ed., t.
XLIV, p. 380-381.
Segundo Natália de Nardi Dácomo, subempreitada “é a relação jurídica em que o empreiteiro delega a
terceiro a execução do serviço. Tendo em vista as especificidades de cada trabalho, o empreiteiro contrata
terceiros para realizar algumas tarefas (serviços elétricos, hidráulicos, de fundação etc.)”. Hipótese de
incidência do ISS, p. 120.
– 243 –
Vários serviços comportam fracionamento na sua execução. Dentre eles, basta
referir o serviço de transporte. Cuide-se aqui apenas dos serviços de transporte de
natureza estritamente municipal, posto que os demais não estão sujeitos ao ISS. É
comum a subcontratação dos serviços de transporte de cunho municipal, entre
outras tantas razões, em virtude da impossibilidade de circulação de certos veículos
– por exemplo, caminhões – em determinadas áreas da cidade, mercê dos
congestionamentos que assolam certas regiões em que o volume de trânsito está
saturado. Em tais casos, é comum o “fatiamento” da carga a ser transportada, de
modo que possam ser entregues em seus destinos em veículos de menor tamanho,
não sujeitos a restrições de circulação.589
Outro não é o entendimento de Allan Moraes, para quem
não só nos serviços de construção civil verifica-se a existência de uma cadeia de
prestadores de serviço atuando em conjunto mediante subcontratações. Em vista da
tendência de especialização das empresas, diversos serviços auxiliares que antes
eram executados pelo prestador principal passaram a ser subcontratados.590
É indubitável, a nosso ver, que nesses casos a prestação de serviço é a
mesma – permanece sendo aquele serviço contratado diretamente com o tomador –,
apenas a sua execução é que é fracionada entre vários prestadores, entre eles o
prestador principal. A prestação de serviço contratada não deixa de ser a mesma a
despeito de que para sua execução podem concorrer vários prestadores. Vislumbra-se
nessa hipótese a existência de uma única prestação – sob o pálio de vários outros
contratos –, sendo realizada por mais de um prestador.
Estando diante de uma única prestação de serviço, como advertiu Elisabeth
Nazar Carrazza, em congresso nacional realizado em 1981, não há falar em incidência
múltipla do ISS (ou seja, que o tributo recairia integralmente sobre cada um dos
prestadores), eis que é da própria natureza do ISS “ser não cumulativo”. Como
salientou a ilustre jurista, essa noção elementar não pretendeu estender ao ISS o
princípio da não-cumulatividade consagrado pelo Texto Constitucional ao ICM e ao
IPI. Concluiu a autora a sua tese da seguinte maneira:
Portanto, por injunção constitucional, a hipótese de incidência do ISS só pode ser a
prestação de trabalho humano do qual resulte uma utilidade material ou imaterial,
sob regime de direito privado. Para cada prestação só pode haver uma incidência do
ISS. Ou, em outros termos, esta prestação humana só pode ser tributada uma vez
589
590
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 388.
Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 58.
– 244 –
por via de ISS, sob pena de dupla incidência tributária (que o nosso ordenamento
jurídico veda). A circunstância de para uma única prestação de serviço concorrer
um terceiro não infirma tal assertiva, já que continua a existir um único fato
imponível.591
Com efeito, persistindo apenas uma prestação de serviço, mesmo que
executada por vários prestadores, impõe-se uma única incidência de ISS. Em outras
palavras, o ISS incide uma única vez, ainda que a prestação de serviço venha a ser
desenvolvida por diferentes pessoas.
Nunca é demais lembrar que tributável pelo ISS é a prestação de serviços,
não a sua contratação.
Outro não é o entendimento de Cléber Giardino que, atento para o fato de
que tributável pelo ISS é a prestação de serviço e não contratos que a iluminam,
absorveu a noção de existência de uma única prestação, ponderando em debate
favoravelmente à tese defendida por Elisabeth Nazar Carrazza, o seguinte:
Muito bem, quer-nos parecer que é a partir dessa situação que o problema aventado
na tese se põe. E o que nós devemos deliberar é se – quando a Constituição fala que
é atribuída ao Município competência para instituir imposto sobre serviços – ela se
refere a “serviço” como vínculo jurídico de natureza contratual, regido pelo direito
privado, se refere, portanto, ao contrato de serviço (e, nesses casos,
indiscutivelmente, temos dois contratos de serviço), ou se ela se refere à prestação
material de um certo trabalho, de um certo esforço pessoal, à produção de uma
certa utilidade. Para esse núcleo, para essa essência, é que converge a tese da Dra.
Elisabeth. Diríamos inclusive que, para essa finalidade, a precisão do conceito de
serviço é até irrelevante; o que nos importa estabelecer é apenas se a um contrato de
serviço é que se volta o Texto Constitucional ao aludir ao núcleo da hipótese de
incidência do ISS, ou, ao contrário, se a uma prestação material de trabalho é que se
refere. Porque, conforme a posição que assumamos, as nossas conclusões serão as
mais díspares possíveis. Temos dois contratos no exemplo dado, mas um só esforço
material; temos dois vínculos jurídicos de serviço, mas um só esforço pessoal. Se
“‘serviço”, no sentido constitucional, for expressão referida ao contrato, sem
dúvida teremos duas incidências possíveis; se, todavia, serviço, no sentido
constitucional, for expressão referida à prestação material de trabalho, teremos uma
591
Elisabeth Nazar Carrazza, Natureza “não-cumulativa” do ISS, p. 257.
Aires Fernandino Barreto também adota a posição de que, diante de uma única prestação, não cabe cogitar
de múltipla incidência do ISS, por ser tal tributo não cumulativo. Para o autor, o fato de a Constituição
Federal consignar, expressamente, que o ICMS e o IPI são não-cumulativos e não ter feito o mesmo em
relação ao ISS, não implica transformá-lo em cumulativo. É que, quanto a esses dois impostos, a regra é a
sucessão de várias operações em cadeia, de modo que a ausência de definição constitucional de critério para
a questão implicaria permitir a cumulatividade. No que tange ao ISS, como é excepcional a possibilidade de
uma prestação de serviço ser executada por vários prestadores, o legislador municipal é proibido de adotar a
cumulatividade, senão implicitamente. ISS na Constituição e na lei, p. 385-386.
– 245 –
única possibilidade de incidência. Eu me inclino – e essa a razão deste
encaminhamento a favor da tese – no sentido de acompanhar as conclusões que a
Profa. Elisabeth apresenta. Espero que o plenário assim também entenda.592
A identificação da base de cálculo que poderá ser erigida pelo legislador
ordinário nos casos de prestações de serviços executadas sob o regime de
subcontratação resolve-se no exame da própria materialidade do ISS.
Segundo explica Aires Fernandino Barreto,
o rigoroso exame da consistência material do ISS implica a conclusão inexorável de
que, incidindo esse imposto sobre a prestação de serviço e não sobre contratos de
serviços, só poderá haver a exigência de imposto diante da concreta prestação de
serviços, que manterá essa unidade, a despeito de para ela terem concorrido vários
prestadores. Note-se que se terá vários prestadores, mas um só serviço. Logo, só se
faz possível uma única incidência. Com efeito, o ISS incide sobre a prestação de
serviço e não sobre o número de pessoas que o prestou. [...].593
Assim, se, como visto, é da essência da materialidade desse tributo a
impossibilidade de múltiplas incidências diante de uma única prestação de serviço
executada por vários prestadores,594 faz-se imperiosa a dedução do valor das
prestações de serviços subcontratadas do preço total do serviço tributável, para que
não haja dupla tributação.
Deveras, sendo as prestações de serviços subcontratadas tributáveis pelo
ISS, cabe ao subcontratado cumprir a obrigação tributária, recolhendo o tributo sobre o
valor cobrado pela parcela da prestação de serviço por ele realizada. Se não houver a
dedução desse valor daquele valor total cobrado pelo empreiteiro principal do
contratante da prestação de serviço (tomador principal), haverá nova incidência do
ISS.
592
593
594
Cléber Giardino, debate ocorrido em Congresso realizado em 1981, Natureza “não-cumulativa” do ISS, p.
267.
Aires Fernandino Barreto, ISS na Constituição e na lei, p. 387.
Não cabe cogitar essa assertiva quando diante de duas distintas e inconfundíveis prestações. É que, nessas
hipóteses, sendo diferentes os serviços entre si, a cada prestação corresponderá uma incidência de ISS.
– 246 –
Como pondera Aires Fernandino Barreto,595 diante de mais de um
prestador, mas uma única prestação de serviços, impõe-se “a dedução do valor da
subempreitada tributável pelo imposto. Exigir ISS integral de um ou mais prestadores
é tributá-los sem amparo legal e constitucional. Estar-se-á a cobrar ISS duas ou mais
vezes”, implicando tributação que não é autorizada pelo sistema jurídico.
Esse entendimento também é abonado por Hugo de Brito Machado para
quem, não obstante a prestação de serviços ser uma só, “em conseqüência, não se pode
admitir a dupla tributação”.596
Logo, em casos que tais, a única base de cálculo passível de ser erigida pelo
legislador ordinário e empregada pela administração é o preço total do serviço
tributável, assim entendido a receita dele proveniente, com dedução do valor das
subcontratações, sob pena de se tributar duas vezes o mesmo fato e incorrer em
flagrante inconstitucionalidade.
Conforme bem apanhado também por José Alberto Borges, a base de
cálculo terá que ser
o preço originariamente contratado, dele deduzidos os valores do serviço
subcontratado a terceiros [...] entender o contrário, isto é, não admitir a dedução,
implica na duplicidade de exigência de imposto sobre o mesmo serviço, eis que o
terceiro subcontratado vai pagar o imposto sobre o serviço por ele prestado. Isto
significa cumulação de exigência tributária, o que não é admitido no sistema
tributário brasileiro.597
Ressalte-se que, nesses casos, somente com a dedução do valor das
subcontratações restará configurada a necessária consonância da base de cálculo com a
materialidade do ISS.
595
596
597
ISS na Constituição e na lei, p. 387-388.
Hugo de Brito Machado, A base de cálculo do ISS a e as subempreitadas, p. 67-68.
José Alberto Borges, ISS – Mão-de-obra – Base de cálculo, p. 203.
– 247 –
Cabe registrar, outrossim, que, ainda por força dessa necessária
consonância, a dedução em referência se impõe diante das subcontratações já
tributadas ou não.
Conforme leciona Allan Moraes,
a determinação de uma base de cálculo mensuradora da materialiadade do ISS
implica a dedução, do valor cobrado pelo prestador principal, de todo e qualquer
serviço subcontratado (prestado por terceiros), independentemente do pagamento
do imposto pelo prestador principal. O serviço subcontratado pode não constar da
lista de serviços (hipótese em que não será devido o imposto), ou o imposto pode
não ser pago pelo subcontratado (inadimplência); mesmo assim a dedução relativa
aos valores subcontratados há de ser efetuada para que a base de cálculo seja
coerente com a grandeza do serviço prestado pelo prestador principal.598
Nada impede, a bem da verdade, que o legislador ordinário venha impor ao
prestador principal responsabilidade pelo pagamento do imposto em relação aos
serviços subcontratados.
É nesse contexto que a expressão “já tributadas” deve ser assumida pelo
intérprete,599 mormente considerando a previsão obrigatória de adoção, por parte do
legislador ordinário, de substituição tributária na modalidade de retenção na fonte,
como versado no art. 6.º, § 2.º, III, da Lei Complementar 116/2003.600
Desse modo, quando o serviço subcontratado for tributável e houver
imposição da substituição tributária, o legislador poderá condicionar a dedução de seu
valor pelo prestador principal à prova de repasse ao erário do tributo devido pelo
598
599
600
Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 59.
Cf. Idem, ibidem, p. 60.
“Art. 6.º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a
responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,
excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento
total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1.º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido,
multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
§ 2.º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1.º deste artigo, são responsáveis:
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado
no exterior do País;
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos
subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista
anexa.”
– 248 –
subcontratado,601 sem que se possa falar em violação ao primado da dedução do valor
das prestações de serviço subcontratadas, já que estamos diante de transferência da
responsabilidade pelo pagamento do tributo.
A explanação foi longa, mas necessária para deixar patente o nosso
entendimento no sentido de que o fato de não haver previsão expressa na Lei
Complementar 116/2003 a respeito da dedução do valor das subcontratações, nem
mesmo em relação à prestação de serviço de construção civil,602 não impede deva o
legislador ordinário prever a dedução desses valores do preço total do serviço
contratado entre o prestador e o tomador principais, eis que, consoante visto
anteriormente, tal noção decorre da própria compostura constitucional do ISS, sendo
necessária para evitar que se cobre o tributo duas ou mais vezes.
Nos casos de prestações de serviços realizadas sob regime de
subcontratação, a unidade de referência que poderá ser prescrita como base de cálculo
do ISS e empregada pelo aplicador da lei é o preço do serviço, assim entendido a
receita dele proveniente, com dedução do valor das subcontratações tributáveis pelo
imposto. Não pode o legislador ordinário se distanciar desse terceiro conteúdo
semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS para mensurar as prestações de
serviços realizadas sob regime de subcontratação.
601
602
Cf. Allan Moraes, ISS – Base de cálculo e não-cumulatividade, p. 60.
O projeto de lei referente à Lei Complementar 116/2003 continha o seguinte dispositivo:
“Art. 7.º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
[...]
§ 2.º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
[...]
II – o valor de subempreitadas sujeitas ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza”.
Tal dispositivo, apesar de aprovado no Congresso Nacional e levado à sanção, foi vetado pelo Presidente da
República. As razões do veto, diga-se de passagem, políticas e não jurídicas, foram as seguintes:
“A norma contida no inc. II do § 2.º do art. 7.º do projeto de lei complementar ampliou a possibilidade de
dedução das despesas com subempreiteira da base de cálculo do tributo. Na legislação anterior, tal dedução
somente era permitida para as subempreitadas de obras civis. Dessa forma, a sanção do dispositivo
implicaria perda significativa de base tributável. Agregue-se a isso o fato de a redação dada ao dispositivo
ser imperfeita. Na vigência do § 2.º do art. 9.º do Dec.-lei 406, de 31.12.1968, somente se permitia a
dedução de subempreitadas já tributadas pelo imposto. A redação do Projeto de Lei Complementar
permitiria a dedução de subempreitadas sujeitas ao imposto. A nova regra não exige que haja pagamento
efetivo do ISS por parte da subempreiteira, bastando para tanto que o referido serviço esteja sujeito ao
imposto. Assim, por contrariedade ao interesse público, propõe-se o veto ao dispositivo”.
Aires Fernandino Barreto assinala ser “inócuo o veto que apôs o Presidente da República ao inciso II do §
2.º do art. 7.º do projeto de lei submetido a sanção presidencial, tendo em vista que, com ou sem ele, quando
se estiver diante dos exemplos formulados acima, a dedução se impõe, pena de afronta à Constituição e à
própria estrutura do imposto”. ISS na Constituição e na lei, p. 388.
– 249 –
CONCLUSÕES
1. A linguagem é condição indispensável no processo de conhecimento do
plexo normativo que conforma o direito positivo.
1.1 Como todo bem cultural, o direito positivo apresenta-se como um corpo
de linguagem empregado em função eminentemente prescritiva de condutas que se
projetam sobre o plano da linguagem da realidade social.
1.2 Por ser uma camada de linguagem, o direito positivo pode ser
investigado sob os ângulos sintático, semântico e pragmático.
1.3 Tratando da camada de linguagem direito positivo, está a
metalinguagem consubstanciada na ciência do direito. A ciência do direito constitui
um corpo de linguagem descritiva do feixe de prescrições que formam o direito
positivo.
1.4 Sendo o direito objeto de estudo que se manifesta em linguagem, aquele
que lhe dirija com pretensões cognoscitivas, imerso que está num universo lingüístico,
será capaz apenas de interpretá-lo, compreendê-lo, não sendo possível reproduzi-lo, tal
como se houvesse o sentido “em si”, passível de apreensão.
1.4.1 O fato de o direito apresentar-se em linguagem pressupõe aceitar que
se circunscreve em um texto (plano de expressão), dado objetivo que nos possibilita
construir o conteúdo que se busca no processo gerativo de sentido.
1.4.2 Conhecer o direito é interpretá-lo, conferindo sentido ao produto
legislado. O conhecimento do direito pede a investigação de seus três planos
fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática.
1.4.3 No processo de interpretação, o intérprete inicialmente se põe em
contato com a literalidade textual dos enunciados prescritivos (S1) fixados nos
– 250 –
documentos normativos, quais sejam Constituição, emenda constitucional, lei
complementar, lei ordinária, medidas provisórias, sentenças, atos administrativos,
contratos, entre outros.
1.4.4 Em um segundo momento, entra o exegeta no plano dos conteúdos
significativos dos enunciados prescritivos individualmente considerados (S2). Nesta
instância, o intérprete atribuirá significação isolada ao enunciado prescritivo. É dizer, a
partir da estrutura sintático-gramatical, que é o enunciado, constrói-se a proposição.
Trata-se, pois, essa fase do processo de interpretação do sistema de significações
proposicionais, em que as significações dos enunciados já possuem sentido deôntico,
todavia incompleto.
1.4.5 Somente no plano S3 é que se encontram as mensagens que contêm o
mínimo necessário à regulação da conduta humana. Articulando as significações de
vários enunciados prescritivos (proposições), de modo a ordená-las na forma de juízos
implicacionais, ocuparão algumas o tópico de antecedente, enquanto outras o lugar de
conseqüente. O intérprete, dessarte, constrói as normas jurídicas capazes de orientar
juridicamente a conduta humana.
1.4.6 Construída a norma jurídica (S3), o intérprete adentra no plano S4, no
qual é feita a relação da norma com o todo do sistema jurídico vigente, por meio da
verificação dos vínculos de coordenação e subordinação que se estabelecem entre as
demais normas jurídicas. O S4 configura o plano de interpretação no qual se vislumbra
o cotejo sistemático das normas jurídicas construídas no plano S3.
1.5 Norma jurídica é produto da atividade hermenêutico-analítica do
estudioso do direito, processada a partir dos textos jurídicos e organizada numa
estrutura lógico-sintática de significação, que contém o mínimo necessário à regulação
da conduta humana. Não se situa no texto do direito positivo (plano da literalidade
textual), e sim no plano das significações, visto que surge como resultado do processo
de construção de sentido, desencadeado a partir do corpo do texto bruto (plano de
expressão).
– 251 –
1.5.1 As normas jurídicas do ordenamento jurídico compartilham de uma
mesma estrutura lógico-formal, independentemente do conteúdo semântico que
possam carregar.
1.5.2 A estrutura lógica das normas jurídicas será a de um juízo hipotéticocondicional, que determina a relação de implicação deôntica entre hipótese e
conseqüência. A hipótese descreverá os critérios identificadores de um fato de possível
ocorrência ou já ocorrido e funcionará como implicante da conseqüência, que
prescreverá a disciplina de um comportamento intersubjetivo. À conseqüência, por sua
vez, cabe prescrever condutas intersubjetivas. Apresenta-se com uma proposição
relacional que enlaça dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta
regulada como proibida, permitida ou obrigatória.
1.5.3 As normas jurídicas são usualmente classificadas entre gerais e
abstratas e entre individuais e concretas. A norma será abstrata quando se apresentar
na forma de tipo ou categoria genérica e será concreta quando especificar um fato
determinado no tempo e no espaço. Geral será a norma que se dirige a um conjunto de
sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, aquela voltada a certo indivíduo
ou grupo identificado de pessoas.
1.5.4 Há também normas gerais e abstratas (v.g., regras-matrizes de
incidência tributária), gerais e concretas (v.g., veículos introdutores de normas),
individuais e abstratas (v.g., contratos particulares com obrigações futuras), e
individuais e concretas (v.g., as normas introduzidas pelo lançamento tributário).
1.6 Todas as normas jurídicas se destinam, ainda que indiretamente, à
regulação das condutas. É dizer, as normas jurídicas sempre são normas de conduta,
ainda que a conduta regulada tenha por conteúdo a regulação do comportamento de
criar normas.
1.6.1 Haverá no sistema direito positivo normas que regulam condutas
normativas e normas que regulam condutas não normativas. As normas que regulam a
– 252 –
condutas normativas são aquelas orientam o órgão credenciado, o procedimento, bem
como os limites materiais para a produção de novas estruturas deôntico-jurídicas. As
normas que regulam condutas não-normativas direcionam em termos decisivos e finais
os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente em obrigatórios,
proibidos ou permitidos.
1.7 Por sistema de direito positivo ou sistema jurídico entendemos o
conjunto de normas jurídicas existentes em um país, num dado intervalo de tempo,
organizado segundo uma estrutura que lhe confere unidade.
1.7.1 A estrutura do sistema de direito positivo corresponde à sua
organização hierárquica vertical (subordinação das normas) e horizontal (coordenação
entre normas). As normas jurídicas (elementos contidos nesse sistema) aparecem em
vínculos de coordenação e subordinação, tanto sob o aspecto formal como o material.
1.7.2 A unidade do sistema de direito positivo, em última análise, repousa
na relação hierárquica que as normas jurídicas têm com a norma hipotética
fundamental, para a qual todos esses elementos convergem, dela retirando fundamento
de validade.
1.8 A norma hipotética fundamental é uma norma pressuposta no sistema
de direito positivo, em função da qual convergem todas as normas jurídicas
componentes do sistema e de acordo com a qual as várias normas da ordem devem ser
criadas.
1.8.1 Uma norma jurídica é hierarquicamente superior a outra quando lhe
prescrever o modo de criação, ou seja, o órgão que está autorizado a editá-la, ou os
limites formais ou materiais necessários à sua produção.
1.8.2 Da superioridade hierárquica de uma norma jurídica (v.g., a que
regula a conduta de produzir outras normas) decorre a inexorável obrigatoriedade de
sua observância no ato de produção normativa. A não-observância ao escalonamento
– 253 –
hierárquico possibilita seja o produto daquela enunciação declarado inválido, por
ilegalidade ou inconstitucionalidade.
1.9 Por “validade” entendemos a expressão que denota a perfeita
consonância de uma norma jurídica com as normas de produção normativa
(introdutora de limites formais e materiais). As normas postas por autoridades
competentes ostentarão presunção de conformidade a todas as normas que disciplinam
sua criação, permanecendo assim até que sejam expulsas do sistema jurídico.
2. Tributo é norma jurídica que orienta o comportamento de o particular
entregar determinada quantia em dinheiro ao erário, quando se realizar o fato lícito
descrito em sua hipótese normativa.
2.1 Essa norma, denominada “regra-matriz de incidência”, apresenta, como
qualquer norma jurídica, a estrutura lógica própria dos juízos hipotético-condicionais.
Contém, em sua hipótese ou antecedente normativo, a descrição de um fato lícito de
possível ocorrência, com conteúdo econômico que é conjugado, por imputação
deôntica, a uma conseqüência prescritiva de uma relação jurídica de cunho patrimonial
(obrigação tributária).
2.2 A hipótese ou antecedente normativo da regra-matriz de incidência é
composto pelos critérios material, espacial e temporal, já o conseqüente normativo é
formado pelos critérios pessoal e quantitativo.
2.2.1 No critério material da regra-matriz de incidência vislumbra-se a
descrição de um comportamento de pessoas, que se encontra ligado a circunstâncias de
espaço e tempo. No critério espacial está contida a delimitação do local onde o
comportamento descrito deve ocorrer para dar nascimento à relação jurídico-tributária.
Por fim, o critério temporal consiste na indicação do instante em que se considera
ocorrido o fato descrito, passando a existir a relação jurídica que liga devedor e credor.
Com a indicação desse preciso instante, identifica-se o nascimento do direito do
Estado de exigir uma prestação do sujeito passivo.
– 254 –
2.2.2 O conseqüente é aquela parte do juízo hipotético-condicional que
prescreve direitos e obrigações das pessoas que estarão envolvidas na relação jurídicotributária. Ele informa todos os elementos do vínculo obrigacional a ser instaurado,
com a identificação dos sujeitos envolvidos e a indicação do montante da prestação.
Contém dados que permitem a identificação da relação jurídica, sendo eles os critérios
pessoal e quantitativo.
2.2.3 O critério pessoal aponta os sujeitos ativo e passivo da relação
jurídico-tributária. O critério quantitativo, por sua vez, é formado pela descrição da
base de cálculo e da alíquota, permitindo, portanto, mensurar a grandeza do fato
tributário descrito e calcular a quantia a ser transferida ao sujeito ativo.
2.3 Sendo a regra-matriz uma norma jurídica que define a incidência
tributária, situa-se entre as normas gerais e abstratas. Está, outrossim, entre as normas
que regulam condutas de produzir outras normas, visto que com seus critérios orienta e
delimita o conteúdo da norma individual e concreta a ser produzida.
2.4 Tratando-se a regra-matriz de incidência de norma tributária, é
imperioso que sua edição tenha obedecido ao regime jurídico que disciplina a sua
produção, identificado pela norma de competência legislativa tributária.
2.5 A norma de competência legislativa tributária, elemento do subsistema
constitucional tributário (subconjunto inserido no sistema constitucional brasileiro,
formado por normas jurídicas que, em nível constitucional, dispõem direta ou
indiretamente sobre a atividade estatal de criação e arrecadação de tributos, por parte
dos entes políticos), é uma norma jurídica geral e abstrata, que disciplina a permissão
para criação de novas estruturas normativas tributárias em sentido estrito.
2.5.1 Tratando-se a norma de competência legislativa tributária de norma
jurídica que orienta e delimita a permissão do Poder Legislativo para criar outras
entidades normativas, situa-se entre aquelas normas que orientam condutas
– 255 –
normativas, é dizer, a conduta de produção de enunciados prescritivos que comporão
os critérios da regra matriz de incidência tributária (tributo).
2.5.2 A criação do tributo está subordinada e condicionada à observância da
norma de competência legislativa tributária, entidade normativa que, estruturada
formalmente em antecedente e conseqüente, regula a permissão de produção de regrasmatrizes de incidência tributária.
2.6 No antecedente da norma de competência legislativa tributária
identifica-se a descrição de um fato, ou seja, do processo de enunciação (sujeito
competente, procedimento, tempo e espaço) necessário à criação do tributo (da regramatriz de incidência). Por seu turno, no conseqüente normativo vislumbra-se a
descrição de uma relação jurídica, cujo objeto é a faculdade de criar o tributo, dentro
de certos limites formais e materiais.
2.6.1 Em decorrência da descrição do sujeito competente, do procedimento
legislativo adequado, do local em que deve ser realizado o procedimento e do instante
em que a norma produzida entrará no ordenamento jurídico, deve ser a imputação de
uma relação jurídica de competência legislativa tributária.
2.6.2 Nesta relação jurídica, como em qualquer outra, há a indicação de
dois ou mais sujeitos em torno de um objeto, qual seja a permissão de criar os
enunciados prescritivos que integrarão os critérios da regra-matriz tributária.
2.6.3 O sujeito ativo da referida relação jurídica é o sujeito competente para
criar o tributo, exercitando a atividade de produção dos enunciados prescritivos que
comporão os critérios da regra-matriz tributária. O sujeito passivo, por sua vez, são
todas as pessoas que deverão cumprir a regra-matriz tributária a ser criada.
2.6.4 No conseqüente da norma de competência legislativa tributária,
vislumbra-se, ainda, a descrição do objeto da relação jurídica de competência, qual
– 256 –
seja da faculdade (permissão) para criar o tributo, descrevendo legislativamente os
critérios que comporão a regra-matriz tributária.
2.6.4.1 É essa faculdade para criação do tributo, identificada por um
conjunto limitações materiais informadoras do conteúdo semântico dos enunciados,
que comporá os critérios da norma a ser produzida (regra-matriz tributária). Tal
faculdade encontra-se subordinada à observância de limites materiais prescritos pelo
próprio direito positivo.
2.6.4.2 Compondo esse conjunto de limitações, estão, além dos enunciados
constitucionais, os princípios jurídico-tributários, as imunidades e os enunciados
veiculados por leis complementares, disciplinadores da conduta de criação do tributo,
isto é, delimitadores do conteúdo semântico dos critérios que conformarão a regramatriz tributária.
2.6.4.3 Os princípios jurídico-tributários são significações de enunciados
prescritivos, dotados de forte conotação axiológica ou fixadoras de limites objetivos
orientados à realização de um dado valor, que integram a estrutura da norma jurídica,
no caso, da norma de competência legislativa tributária, informando e delimitando a
faculdade de criar os tributos. As imunidades são significações de enunciados
prescritivos, veiculadoras de limites objetivos, que atuam no conseqüente da norma de
competência legislativa tributária, impedindo a edição de regras-matrizes que onerem
certas situações, fatos ou pessoas. Os enunciados veiculados por leis complementares
são aqueles enunciados prescritivos, cuja significação, sem afrontar os dispositivos
constitucionais, compõe a norma de competência legislativa tributária, promovendo a
delimitação de um ou mais de seus critérios.
2.7 O objeto da relação jurídica de competência legislativa tributária é,
destarte, a permissão para criação do tributo, subordinada à observância do conjunto
de limitações que disciplinam materialmente a criação de cada um dos enunciados que
comporão os critérios da regra-matriz.
– 257 –
2.8 Com fundamento nesse conjunto de limitações, é construída a norma
padrão tributária, à qual devem necessária observância os legisladores ordinários para
o exercício da faculdade de criar o tributo.
3. No caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o objeto da
relação jurídica de competência legislativa tributária não é diferente. Diante da
ocorrência de certo processo de produção normativa descrito no antecedente da norma
de competência legislativa tributária do ISS, deve ser a imputação, no conseqüente
normativo, de uma relação jurídica de competência legislativa, cujo objeto é a
permissão para criar os enunciados que comporão os critérios da regra-matriz
tributária do ISS, dentro de certos limites.
3.1 Nessa relação jurídica de competência legislativa o sujeito ativo são os
Municípios e o Distrito Federal, detentores da permissão para criar o ISS (a regramatriz tributária), e o sujeito passivo são todos os sujeitos que, realizando o fato
hipoteticamente a descrito na regra-matriz, poderão ser coagidos ao cumprimento da
norma produzida.
3.2 O objeto da relação jurídica de competência em questão é a permissão
para criar o ISS em consonância com certos limites, prescritos pelo próprio direito
positivo. Esses limites são identificados por certos princípios constitucionais,
imunidades, demais enunciados constitucionais e enunciados complementares, que
orientam materialmente a conduta dos legisladores municipais e distritais para a
criação do ISS.
3.3 O conjunto de tais diretrizes essenciais confere homogeneidade ao
regime jurídico que orienta a permissão para a criação do Imposto Sobre Serviços,
descrita no conseqüente da norma de competência legislativa do ISS.
3.4 Com fundamento nesse conjunto de diretrizes essenciais, é construída a
norma padrão de incidência tributária do ISS, dentro da qual deverá ater-se o
– 258 –
legislador ordinário por ocasião do exercício da permissão que lhe foi outorgada para
criar esse tributo.
4. Consoante o enunciado constitucional do art. 156, III, da Constituição
Federal, cumulado com o enunciado do art. 147, também do Texto Constitucional, foi
outorgada aos Municípios e ao Distrito Federal permissão para instituir Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISS), descrevendo, legislativamente, os enunciados
prescritivos que comporão os critérios da regra-matriz tributária.
4.1 Essa outorga de permissão impositiva foi reservada e demarcada tendo
em vista um conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente e um
critério territorial, também implicitamente adotado pelo legislador constituinte.
4.2 Somente atividade que corresponda ao conceito de serviço tributável
pressuposto constitucionalmente pode ser erigida como fato tributável pelos
Municípios e pelo Distrito Federal. Ademais, por força do critério territorial a lei dos
Municípios e do Distrito Federal apenas pode alcançar fato tributável verificado no
território da ordem jurídica que a editou. É dizer, a lei instituidora do ISS somente
pode colher fatos (serviços) ocorridos dentro do seu próprio âmbito territorial.
4.3 O conceito de serviço tributável – a partir do qual também é construída
a norma padrão do ISS – é obtido analisando individual e sistematicamente cada um
dos suportes físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no art.
155, II”, “definidos em lei complementar”, insertos no enunciado do art. 156, III, da
Constituição Federal.
4.3.1 Diante da análise individual e sistemática de cada um dos suportes
físicos “serviços”, “de qualquer natureza”, “não compreendidos no art. 155, II”,
“definidos em lei complementar”, que conformam o enunciado constitucional
consubstanciado no art. 156, III, da Constituição Federal, é possível, ao cabo,
identificar o conceito de serviço tributável pressuposto constitucionalmente para
outorgar permissão impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal, e, por
– 259 –
conseguinte, para delimitar rigidamente o campo material de atuação legislativa desses
entes políticos.
4.3.2 Por serviço tributável entendemos a prestação de esforço humano
economicamente apreciável, sem subordinação, produtiva de utilidade material ou
imaterial a um terceiro, sob regime de direito privado, não compreendida na
competência dos Estados e do Distrito Federal, definida em lei complementar.
4.4 É a partir também desse conceito de serviço tributável, pressuposto
constitucionalmente para atribuir e delimitar a permissão impositiva dos Municípios e
do Distrito Federal, que se empreenderá a construção da norma padrão do ISS,
obstáculo intransponível dirigido a tais entes políticos para instituir esse tributo.
5. Essa norma padrão configura entidade normativa que, estruturada
logicamente em antecedente e conseqüente, predetermina a hipótese de incidência que
poderá ser prescrita pelos Municípios e pelo Distrito Federal, a base de cálculo e
alíquota possíveis, bem como os sujeitos que integrarão a relação jurídico-tributária.
5.1 Trata-se a norma padrão do ISS de uma norma jurídica construída a
partir do conjunto de prescrições que regulam materialmente a instituição desse
tributo. Integram esse conjunto o enunciado constitucional que autoriza criação do
ISS, os princípios e imunidades relacionados a esse tributo, e os enunciados
introduzidos por meio de lei complementar que dispõem sobre conflitos de
competência entre os entes políticos, regulam as limitações ao poder de tributar e
estabelecem normas gerais em matéria de legislação tributária.
5.2 A permissão para instituição de tributos, objeto da relação jurídica de
competência legislativa, resta integralmente moldada e condicionada às disposições da
norma padrão tributária. O legislador, ao exercitar a competência tributária, editando
os enunciados prescritivos que comporão a regra-matriz tributária, deverá ser fiel à
norma padrão do ISS, não podendo fugir deste arquétipo, sob pena de decretação de
invalidade do tributo criado.
– 260 –
5.3 No antecedente da norma padrão do ISS identifica-se a descrição do
fato que poderá ser onerado (critério material), do momento de possível ocorrência
desse fato (critério temporal) e da porção do território em que é possível a ocorrência
do fato (critério espacial). Já no conseqüente vislumbra-se a imputação de uma
conseqüência, representada pela descrição de uma relação jurídico-tributária. Assim, o
conseqüente normativo aponta para o critério pessoal e para o critério quantitativo,
prescrevendo os sujeitos da relação tributária (o sujeito ativo e o sujeito passivo) a ser
instaurada, bem como a prestação pecuniária que poderá ser objeto da relação.
5.3.1 O critério material da norma padrão do ISS prescreve a materialidade
que pode ser erigida pelos legisladores ordinários, indicando os fatos passíveis de
tributação pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Esse critério normativo é
construído com fundamento (i) nas imunidades contempladas no art. 150, VI, a, § § 2.º
e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, (ii) no enunciado constitucional do art.
156, III, e, por conseguinte, no conceito de serviço tributável nele pressuposto, (iii)
bem como no art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e nos enunciados
complementares constantes da lista de serviços anexa a essa legislação complementar.
Por opção metodológica, esse critério normativo foi objeto de minudente construção
em capítulo próprio, ocasião em que se verificou que a materialidade do ISS só poderá
ser prestar serviços arrolados na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
5.3.2 O critério temporal da norma padrão do ISS é identificado tendo em
consideração a interpretação procedida do enunciado constitucional do art. 156, III, e,
por conseguinte, a noção do conceito de serviço tributável nele pressuposto.
5.3.2.1 Sendo certo que, por força desse enunciado constitucional e do
conceito de serviço tributável que dele se extrai, critério material da norma padrão do
ISS é prestar serviços descritos na lista anexa à Lei Complementar 116/2003, critério
temporal da norma padrão do ISS (indicativo do momento em que se pode considerar
ocorrido esse fato jurídico) somente pode ser a conclusão, a consumação, da prestação
de serviços. Apenas esse instante pode ser erigido pelo legislador ordinário como o
momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico-tributário.
– 261 –
5.3.3 O critério espacial da norma padrão do ISS contém a indicação do
lugar em que os Municípios e o Distrito Federal poderão erigir como aquele em que se
considera ocorrida a prestação de serviços. Esse critério normativo é identificado tendo
em conta a materialidade da norma padrão do ISS – extraída da interpretação do
enunciado constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, do conceito de serviço
tributável nele pressuposto –, o discrímen da territorialidade das leis, também
denominado princípio da territorialidade, bem como a adequada interpretação do art.
3.º da Lei Complementar 116/2003, veiculado para dispor sobre conflitos de
competência entre os Municípios e Distrito Federal.
5.3.3.1 Considerando que a materialidade inserta na norma padrão do ISS
se resume em prestar serviços arrolados em lei complementar, no caso a Lei
Complementar 116/2003, o local de ocorrência desse fato somente pode ser o da
prestação, isto é, aquela porção do território na qual a obrigação de fazer se configura.
Reforça essa noção elementar a circunstância – decorrente do discrímen da
territorialidade das leis – de que os Municípios e o Distrito Federal somente podem
exigir ISS sobre fatos ocorridos no território onde irradia efeitos a lei que o instituiu.
5.3.3.2
É
manifesta
a
inconstitucionalidade
perpetrada
pela
Lei
Complementar 116/2003 que, em seu art. 3.º, veiculado a pretexto de dispor sobre
conflitos de competência, prescreve que o serviço considera-se prestado e o imposto
devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local
do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando
o imposto será devido no local da prestação dos serviços. Tal legislação acabou
considerando o local da prestação ora como aquele Município em que situado o
estabelecimento prestador (regra geral: art. 3.º, primeira parte), ora como aquele
Município em que ultimados os serviços ali excepcionados (regra específica: art. 3.º,
segunda parte). Aquele regramento geral é incompatível com a Constituição, eis que
não reflete o discrímen da territorialidade das leis empregado pelo legislador
constituinte – a par do campo material de atuação possível – para outorgar permissão
impositiva aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem ISS.
– 262 –
5.3.3.3 Não obstante a flagrante inconstitucionalidade incorrida pelo art. 3.º
da Lei Complementar 116/2003, ao prescrever regramento geral no sentido de que o
local da prestação é o do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, o do domicílio do
prestador, faz-se necessário extrair a possível eficácia de parte desse enunciado
complementar diante da Carta Magna. Tal regramento geral, previsto pelo art. 3.º,
primeira parte, da Lei Complementar 116/2003, tem aplicação apenas para aquelas
situações em que o local onde é realizada prestação de serviços coincidir com o do
estabelecimento prestador. Tirante essas hipóteses, local da prestação é o do Município
em que é concretizada, concluída, ultimada, a prestação de serviço.
5.3.3.4 Critério espacial da norma padrão do ISS é o local da prestação de
serviços, assim entendido o do Município onde é realizada, concluída, ultimada, a
atividade-fim contratada. Os Municípios e o Distrito Federal somente poderão
considerar ocorrida a prestação de serviços no local onde se dá a execução da
prestação.
5.3.4. O fato prestar serviços listados em lei complementar, identificado no
tempo e no espaço, previsto no antecedente da norma padrão do ISS, implica a
imputação de uma relação jurídica de cunho patrimonial, prevista no conseqüente
dessa norma. Trata-se, referida relação jurídica, de um vínculo abstrato entre duas
pessoas em torno de um objeto, previsto no conseqüente da norma padrão do ISS por
intermédio de dois critérios: pessoal e quantitativo.
5.3.4.1 O critério pessoal contém a indicação do sujeito ativo, isto é, da
pessoa que poderá ser erigida pelos legisladores como titular do direito subjetivo de
exigir o cumprimento da prestação pecuniária. Esse critério normativo contém, ainda,
a previsão do sujeito passivo, isto é, quem tem o dever jurídico de cumprir a referida
prestação, podendo ser colocada nessa condição pelos Municípios e pelo Distrito
Federal, quando do exercício da permissão impositiva que lhes foi outorgada.
5.3.5 A identificação do sujeito ativo da norma padrão do ISS é feita tendo
em consideração a significação do enunciado constitucional do art. 156, III, e, por
– 263 –
conseguinte, os critérios material e espacial da norma padrão do ISS. Se do conceito de
serviço pressuposto no art. 156, III, do Texto Constitucional extrai-se que a
materialidade possível do ISS é, em linhas gerais, prestar serviço listado em lei
complementar, e se o critério espacial possível da norma padrão do ISS é o local da
prestação, assim entendido aquele onde o referido comportamento humano é realizado,
é forçoso concluir que o titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da
prestação pecuniária só pode ser o Município ou o Distrito Federal, em cujo território
se dá a prestação de serviço. Sujeito ativo da norma padrão do ISS é, portanto, o
Município ou Distrito Federal onde ocorre a prestação de serviço.
5.3.6 O sujeito passivo possível a integrar a relação jurídico-tributária do
ISS vem implícito no Texto Constitucional. A Constituição Federal contém diretrizes
que possibilitam a identificação daquele quem tem o dever jurídico de cumprir a
prestação tributária em questão, ao contemplar o destinatário constitucional tributário.
5.3.6.1 A figura do destinatário constitucional tributário é deduzida, pelo
intérprete, do subsistema constitucional tributário, tendo em vista o enunciado
constitucional do art. 156, III, e, por conseguinte, a materialidade possível do ISS, bem
como o princípio da capacidade contributiva. Considerando que do conceito de serviço
pressuposto no art. 156, III, do Texto Constitucional extrai-se que a materialidade
possível do ISS é prestar serviço listado em lei complementar e que quem denota fato
signo presuntivo de riqueza é aquele que produz tal comportamento, tem-se que o
sujeito passivo a integrar a relação jurídico-tributária do ISS só pode ser aquele que
desempenha a prestação de serviço, isto é, o prestador de serviço.
5.3.6.2 O legislador ordinário, ao prever o sujeito passivo a compor a
relação jurídico-tributária, só pode indicar como tal aquela pessoa que revela
capacidade contributiva pela produção do fato prestar serviço: o prestador de serviços.
O tomador de serviços não pode ser eleito como sujeito passivo, sob pena de violação
da norma padrão do ISS e de se conceber inútil a rígida repartição da permissão para
tributar o fato prestar serviços.
– 264 –
5.3.7 O critério quantitativo do conseqüente da norma padrão do ISS é
formado pelos elementos “base de cálculo” e “alíquota”. É nesse critério normativo
que encontramos referências às grandezas que o legislador ordinário deverá
prescrever, conceitualmente, para possibilitar o dimensionamento da prestação de
serviço e, pois, a obtenção do valor da prestação objeto da relação jurídico-tributária a
ser instaurada.
5.3.8 A base de cálculo da norma padrão do ISS contém descrição da
unidade de referência que deverá ser prevista pelo legislador ordinário para medir a
intensidade do comportamento “prestar serviços”.
5.3.8.1 A alíquota da norma padrão do ISS contém a descrição do indicador
da proporção a ser considerada da base de cálculo. Esse critério normativo é
construído com fundamento (i) nos enunciados constitucionais consubstanciados no
art. 156, § 3.º, I, da Constituição Federal e no art. 88 do ADCT, (ii) no enunciado
complementar do art. 8.º da Lei Complementar 116/2003, (iii) bem como nos
princípios da vedação de exigência tributária com efeito de confisco e da igualdade
tributária.
5.3.8.2 A partir desse conjunto de limitações que orienta materialmente a
permissão impositiva dos legisladores municipais e distritais para a criação do ISS,
forçoso concluir que a alíquota da norma padrão do ISS é qualquer percentual situado
entre 5% e 2%. Os Municípios e o Distrito Federal devem inexorável obediência ao
conteúdo desse critério normativo, somente podendo erigir como alíquota do ISS
percentuais situados entre 5% e 2%.
6. O critério material da norma padrão do ISS contém a descrição do
comportamento humano que poderá ser previsto como fato jurídico-tributário pelos
Municípios e pelo Distrito Federal. Essa descrição é designada de materialidade da
norma padrão do ISS ou materialidade possível do ISS.
– 265 –
6.1 Tal critério normativo é construído tendo em conta as imunidades
contempladas no art. 150, VI, a, § § 2.º e 3.º, b, § 4.º, c e d, da Constituição Federal, o
art. 156, III, do Texto Constitucional e, por conseguinte o conceito de serviço
tributável que dele se extrai, bem como o art. 1.º da Lei Complementar 116/2003 e os
enunciados complementares constantes da lista de serviços anexa a essa legislação
complementar.
6.1.1 A partir desse conjunto de diretrizes que delimitam materialmente a
criação do ISS, tem-se que critério material da norma padrão do ISS é prestar serviços
(“verbo” + “complemento verbal”) previstos na lei complementar indicadora das
atividades que poderão ser erigidas como hipótese tributária, qual seja a Lei
Complementar 116/2003 e sua lista de serviços.
6.1.2 Após a edição da lei instituidora do ISS será possível identificar
diferentes fatos tributáveis e, portanto, construir várias regras-matrizes em função dos
complementos verbais que foram colhidos pelos legisladores ordinários da lista de
serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. No plano da lei ordinária serão
vislumbrados, ao lado do núcleo permanente prestar serviços, vários complementos
adicionais – representativo da espécie da atividade tributável – prescritos em
consonância com a lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
6.1.3 Não pode a mencionada lei complementar arrolar como prestação de
serviço o que prestação de serviço não é. A Lei Complementar 116/2003 incorreu em
flagrante inconstitucionalidade ao listar como prestação de serviço a franquia (subitem
17.08) e o licenciamento de uso de software (subitem 1.05), negócios jurídicos que,
diante de nossa ordem jurídica, configuram cessão de direitos e, portanto, nítida
obrigação de dar, compreendida no campo de atuação da competência residual da
União, ex vi do art. 154, I, da Constituição Federal. A inconstitucionalidade prossegue,
outrossim, no art. 1.º, § 3.º, da referida legislação, bem como nos subitens 21.01 e
22.01 da lista a ela anexa, ao se pretender que serviços públicos possam ser tributados
pelo ISS.
– 266 –
6.1.4 Também não pode a Lei Complementar 116/2003 fazer menção aos
vocábulos “congêneres”, “quaisquer” ou a expressões vagas (como “serviços de
pesquisas de desenvolvimento”). Ao assim proceder, acaba, a rigor, não definindo
prestação de serviços nenhuma, implicando, destarte, flagrante ofensa aos arts. 156,
III, 146, III, a, ambos da Constituição Federal.
6.2 Por força do critério material da norma padrão, infere-se que o ISS só
pode alcançar as prestações de serviços concretamente ocorridas, com conteúdo
econômico, que ocorrem com habitualidade.
6.3 Consoante, ainda, a materialidade possível do ISS, esse tributo só
alcança o desempenho de esforço humano a terceiros. A fruição ou a utilização da
prestação de serviços não podem ser tidas como comportamentos tributáveis pelo ISS;
não integram o campo de atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito
Federal. A Lei Complementar 116/2003 parece ter se atentado para essa noção
elementar, eis que em seu art. 1.º, § 1.º, acabou concebendo como fato tributável pelo
ISS a fruição da prestação de serviço, ao prever como passíveis de tributação as
prestações de serviços provenientes do exterior.
6.4 Decorre ainda do critério material da norma padrão do ISS que
tributável é a prestação de esforço humano a terceiro como fim ou objeto, não as suas
etapas ou tarefas intermediárias, imprescindíveis à obtenção do fim. Não é permitido
ao legislador ordinário segregar certa prestação de serviço para considerar as
atividades-meio que a antecedem como obrigação de fazer autônoma e, por
conseguinte, submetê-las à tributação pelo ISS, inserindo-as separadamente como
materialidade da hipótese tributária desse tributo.
6.5 As prestações de serviços são classificadas, segundo as formas de sua
realização, em (i) prestações de serviços puros, (ii) prestações de serviços com
emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, (iii) prestações de
serviços com a aplicação de materiais, e (iv) prestações de serviços com utilização de
instrumentos e a aplicação de materiais.
– 267 –
6.5.1 As prestações de serviços puros prescindem de instrumentos ou
materiais para sua execução, sendo executadas apenas com o desempenho de esforço
humano. Dúvidas não há quanto ao fato de que essas prestações de serviços se
sujeitam ao ISS, podendo o legislador ordinário submetê-las à tributação, erigindo-as
como materialidade da hipótese tributária desse tributo.
6.5.2 Inúmeras outras prestações de serviços necessitam, para a sua
realização, do emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos. Nestas
hipóteses os esforços humanos a terceiros são viabilizados pela utilização desses bens,
que surgem como requisitos imprescindíveis à realização de prestações de serviços.
Essas prestações de serviços são designadas “prestações de serviços menos puros”, já
que há a conjugação de capital e de trabalho para a sua efetivação.
6.5.2.1 O fato de a execução do esforço humano ficar na dependência do
emprego de máquinas, veículos, instrumentos e equipamentos, por mais sofisticados
que sejam, não desnatura a prestação de serviço. Também não deixa de configurar
prestação de serviço se o esforço humano a terceiro, a despeito de utilizar máquinas,
veículos, instrumentos e equipamentos, traduzir-se numa coisa material entregue ao
tomador (v.g., uma chapa de raio X, o quadro feito pelo pintor, a roupa feita pelo
alfaiate). Há, em casos que tais, apenas e tão-somente, prestações de serviços, podendo
os Municípios e o Distrito Federal submetê-las à tributação, erigindo-as como
materialidade da hipótese tributária desse tributo.
6.5.3 Há prestações de serviços que só são realizadas mediante a aplicação
de materiais. Nessa espécie de prestação de serviços os materiais são elementos
envolvidos no esforço humano, por ele requeridos ou exigidos, sob pena de se tornar
impossível o resultado almejado pelo tomador do serviço, a que se obriga o prestador.
Inexistente a aplicação de tais elementos, a prestação de serviços não pode ser
realizada.
6.5.3.1 Os materiais empregados na prestação de serviço não se destinam à
mercancia, não configuram mercadorias. É dizer, não há falar em operações relativas à
– 268 –
circulação de mercadorias, fato tributável pelo ICMS. Esses elementos, em si mesmos
considerados, não interessam nem ao prestador nem ao tomador do serviço.
Configuram simples insumos que integram a própria prestação, com ela se
confundindo, ou que a seguem como acessório.
6.5.3.2 O prestador, ao empregar materiais necessários à prestação dos
serviços, não se transforma em promovente de negócio jurídico mercantil. A
mercadoria, após ter sido adquirida pelo prestador, perde essa qualidade quando
destinada à aplicação no esforço humano. É dizer, por transpor a fase na qual estava
posta no comércio, passa a ser material, elemento integrante da prestação de serviço,
não havendo que falar em fornecimento de “mercadoria”. Tem-se, nessas hipóteses,
prestação de serviço envolvendo aplicação ou fornecimento de materiais, nunca de
mercadorias. Persiste-se apenas e tão-somente no âmbito de atuação legislativa
reservada aos Municípios e ao Distrito Federal em matéria de ISS.
6.5.3.3 Andou bem a Lei Complementar 116/2003 ao reconhecer, em seu
art. 1.º, § 2.º – veiculado a pretexto de dispor sobre conflitos de competência –, que as
prestações de serviços indicadas na lista anexa à mencionada legislação não poderão,
salvo expressas exceções, ficar sujeitas ao ICMS, mesmo que sua execução envolva
aplicação ou fornecimento de materiais. De outra parte, o legislador complementar,
nesse mesmo dispositivo, terminou discernindo onde não tem cabimento, ao admitir
incabível incidência ICMS, quando subitens da lista (v.g., 14.01, 14.03 e 17.11)
ressalvarem certas parcelas (materiais) da prestação de serviços e, por conseguinte, do
campo de incidência do ISS.
6.4 Prestações de serviços outras há que somente são efetuadas mediante o
emprego de instrumentos e a aplicação de materiais. Por traduzirem esforços humanos
a outrem realizados pela conjugação de instrumentos, equipamentos, máquinas,
veículos e de materiais, são designadas “prestações de serviços complexas”.
6.4.1 Os instrumentos, equipamentos, máquinas, veículos configuram
requisitos empregados para suprir limitações intelectuais e físicas do prestador de
– 269 –
serviços a outrem, condicionando, destarte, a viabilização do esforço humano. Os
materiais aplicados também configuram requisitos condicionantes da prestação de
serviços. Tais bens não se destinam à mercancia, não são mercadorias, e sim
elementos, insumos, sem os quais a prestação de serviços não pode ser realizada.
6.4.2 As prestações de serviços complexas se sujeitam ao ISS, podendo os
Municípios e o Distrito Federal erigi-las como materialidade da hipótese tributária
desse tributo, se tipificadas na lista de serviços anexa à lei complementar 116/2003.
6.5 Diante de esforços humanos a terceiros com emprego de instrumentos,
equipamentos, máquinas, veículos e/ou materiais, não há que admitir a existência de
prestação de serviço “com” fornecimento de mercadoria. Vislumbra-se, nesses casos,
um único fato, qual seja prestação de serviços. Persiste-se tão-somente no âmbito de
atuação legislativa reservada aos Municípios e ao Distrito Federal, cabendo cogitar de
tributação desse único fato apenas pelo ISS.
6.5.1 O que se pode vislumbrar, isto sim, é a ocorrência de dois fatos
distintos: prestação de serviços com “concomitante” fornecimento de mercadorias.
Nessas hipóteses a obrigação de fazer e a obrigação de dar ficam sujeitas cada qual,
separadamente, ao ISS e ao ICMS, na proporção de suas respectivas receitas. De todo
modo, “mercadorias”, após transporem a fase na qual estavam no comércio, vindo a
ser aplicadas na prestação de serviço, já não são mais mercadorias, e sim materiais
necessários à produção do esforço humano, que, como tal, com ele se confundem ou
seguem-no como acessório.
6.5.2 Atenta à possibilidade de eventual existência de prestação de serviços
com “concomitante” venda de mercadorias, a Lei Complementar 116/2003 houve por
bem – com fundamento no art. 146, I e II, do Texto Constitucional – indicar a
construção civil como serviço tributável (cf. subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços
que lhe é anexa) e ressalvar da tributação do ISS o fornecimento de mercadorias
produzidas pelo construtor fora do local da obra, cogitando de incidência de ICMS
sobre tais bens. Essa disciplina específica foi necessária para, em homenagem à rígida
– 270 –
discriminação de permissão impositiva reservada aos Estados, Municípios, Distrito
Federal e ao princípio da igualdade tributária, explicitar a necessidade de o prestador
de serviços de construção civil, na qualidade vendedor de mercadorias por ele
produzidas fora do local de prestação, ficar sujeito ao ICMS, em situação de
equivalência ao terceiro fornecedor de mercadoria.
6.6 A Lei Complementar 116/2003, em seu art. 2.º, I – com fundamento no
art. 153, § 3.º, da Constituição Federal – isentou do ISS as prestações de serviços
realizadas no território nacional e usufruídas em território estrangeiro, por tomador lá
situado. Essa disciplina está em perfeita consonância com o critério material da norma
padrão do ISS, segundo o qual prestação de serviço configura fato tributável do ISS,
independentemente do local em que vier a ser utilizada, e com o critério espacial dessa
norma jurídica, por força do qual a localização do tomador é irrelevante para definição
do local em que o imposto é devido.
7. O conseqüente da norma padrão do ISS contém, em seu critério
quantitativo, a predeterminação da base de cálculo a ser erigida pelo legislador
ordinário, é dizer, o conteúdo semântico do enunciado que deverá ser previsto como
base de cálculo do ISS pelos Municípios e pelo Distrito Federal, para efeito de
determinação da prestação tributária.
7.1 Por base de cálculo entendemos a descrição legal da unidade de
referência mensuradora da intensidade do núcleo do fato jurídico-tributário, constante
da norma instituidora do tributo. Essa descrição legal da unidade de referência,
conjugada à alíquota, se destina à quantificação do conteúdo da prestação tributária.
7.1.1 Não é qualquer unidade de referência que pode ser descrita como base
de cálculo legislador ordinário. Há que ser unidade de referência que corresponda às
propriedades do acontecimento descrito como hipótese tributária. É dizer, entre os
diversos atributos dimensíveis que o núcleo do fato jurídico prescrito no antecedente
normativo revela, só pode ser eleito como base de cálculo unidade de referência que
seja compatível com aspectos ínsitos a tal comportamento.
– 271 –
7.1.2 A base de cálculo, a confirmar ou afirmar a consistência do fato
tributável prescrito como hipótese tributária, haverá de ser unidade de referência
compatível com tal formulação. Os dois elementos do binômio (hipótese de incidência
e base de cálculo) haverão de estar em sintonia para que se tenha o verdadeiro núcleo
factual que se pretende seja objeto da incidência tributária. Sendo erigida pelo
legislador unidade de referência distanciada das características do fato tributável, isto
é, sendo incompatíveis a materialidade e a base de cálculo, esta última haverá de
prevalecer, substituindo a descrição legal do fato tributário por aquele que
efetivamente afigura-se estar sendo medido.
7.3 A necessidade da presença da base de cálculo na regra-matriz de
incidência tributária é imperativo que decorre seja da tipologia tributária, integrada
pela associação do binômio “hipótese de incidência/base de cálculo”, seja do princípio
da igualdade tributária e seu corolário, o princípio da capacidade contributiva subjetiva
(no caso dos tributos cuja hipótese normativa não está vinculada a qualquer atividade
estatal). Nosso subsistema constitucional tributário não ampara a existência de regramatriz de incidência que prescreva o preciso valor da prestação pecuniária devida pelo
sujeito passivo (os chamados tributos fixos). A base de cálculo, ad valorem ou não, é
critério normativo que deverá estar presente na regra-matriz de incidência de quaisquer
espécies tributárias, inclusive, por óbvio, na norma padrão respectiva, no caso, da do
ISS.
7.4 A base de cálculo da norma padrão do ISS é construída a partir (i) do
critério material desse arquétipo tributário, (ii) dos princípios da igualdade e da
capacidade contributiva, e (iii) dos enunciados complementares consubstanciados no
art. 7.º, caput, e no art. 7º, § 2º, I, ambos da Lei Complementar 116/2003. Com
fundamento nesse conjunto de limitações que disciplinam materialmente a criação do
ISS, é identificada três unidades de referências mensuradoras que poderão ser
prescritas como base de cálculo desse tributo.
7.4.1 O critério material da norma padrão do ISS predetermina a base de
cálculo que poderá ser erigida pelo legislador ordinário. Sendo o critério material
– 272 –
previsto da norma padrão do ISS “prestar serviços previstos em lei complementar”, no
caso a de n. 116/2003, a base de cálculo em questão somente pode ser – salvo as
prestações de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio
contribuinte e pelas sociedades de profissionais, que não constitui objeto de nosso
estudo – unidade de referência mensuradora da prestação de serviço.
7.4.2 A base de cálculo da norma padrão do ISS também é construída com
fundamento no princípio da igualdade tributária. Por exigência desse princípio, a
unidade de referência que poderá ser erigida como base de cálculo do ISS pelo
legislador ordinário somente poderá ser uma grandeza apta a mensurar
proporcionalmente a prestação de serviços, é dizer, uma grandeza ad valorem.
7.4.3 A base de cálculo da norma padrão do ISS é, outrossim, construída
com fundamento no princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva,
corolário do princípio da igualdade tributária. Essa diretriz também atua no critério
quantitativo da norma padrão do ISS, prescrevendo que a unidade de referência a ser
erigida como base de cálculo do ISS constitua-se em grandeza que mensure
economicamente o fato jurídico-tributário prescrito no antecedente normativo. Tal
unidade de referência, por força do princípio da capacidade contributiva relativa ou
subjetiva, somente pode ser o valor econômico da prestação de serviços, fato signo
presuntivo de riqueza descrito no critério material da referida norma padrão.
7.5 Por força da prescrição do critério material da norma padrão do ISS, e
dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva relativa, a base de cálculo da
referida norma padrão somente pode ser – salvo no caso dos serviços prestados por
profissionais habilitados e pelas sociedades de profissionais, que não nos cabe analisar
– o preço do serviço.
7.5.1 Por preço do serviço entendemos o valor correspondente à
remuneração a que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano
contratado. Constitui, dessarte, salvo no caso das prestações de serviços efetuadas sob
a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e pelas sociedades de
– 273 –
profissionais, a única grandeza que reflete o conteúdo econômico do conceito do fato
indicado como critério material da norma padrão do ISS.
7.5.2 Atento a essa máxima, o legislador complementar – exercendo a
função preconizada no art. 146, III, a, da Constituição Federal –, por intermédio da Lei
Complementar 116/2003, padronizou, em seu art. 7.º, caput, o preço do serviço como a
unidade de referência passível de ser indicada como base de cálculo do ISS pelos
Municípios e pelo Distrito Federal.
7.5.2.1 O legislador em questão, embora tenha acertado quando, em atenção
à materialidade possível do ISS, indicou o preço do serviço como grandeza a ser
prescrita como base de cálculo, andou mal quando previu, no § 1.º do art. 7.º, que,
quando os serviços descritos no subitem 3.04 (“locação, sublocação, arrendamento,
direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia,
postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza”) – que na verdade serviços não
são – “forem prestados no território de mais de um Município, a base de cálculo será
proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de
qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes em
cada Município”. Parece-nos que aqui, além de ter desprezado a noção de que as
atividades descritas no subitem 3.04 não configuram serviço tributável – o que, desde
logo, torna inócua e inválida a prescrição dessa base de cálculo específica –, não se
atentou para o fato de que a base de cálculo ali versada não tem o condão de mensurar
a expressão econômica da prestação de serviço indicada.
7.5.2.2 Esse enunciado complementar (§ 1.º, art. 7.º, da Lei Complementar
116/2003), portanto, não se presta à construção da base de cálculo da norma padrão do
ISS, sendo desprezado neste trabalho. Nesse patamar, servirmo-nos apenas do
regramento geral adotado no caput do art. 7.º em questão.
7.6 Conceber preço do serviço como o valor correspondente à remuneração
a que faz jus o prestador de serviço para realizar o esforço humano contratado implica
reconhecer que se trata da receita bruta auferida com a prestação de serviços, sem
– 274 –
quaisquer deduções. Não ofende a norma padrão do ISS lei que prevê como base de
cálculo do ISS a receita bruta proveniente da prestação de serviço, sem quaisquer
deduções.
7.6.1 A cláusula “sem quaisquer deduções” está ligada à proposição que lhe
antecede, qual seja “receita bruta proveniente da prestação de serviços”, de modo que
só pode ser tida como base de cálculo do ISS a receita bruta, sem deduções, que
decorra de prestação de serviços. Não pode o legislador prever deduções apenas e tãosó naquela receita bruta que decorre da prestação de serviços.
7.6.2 A expressão “receita bruta” mantém íntima relação com o critério
material “prestar serviço”, a evidenciar, portanto, que nem tudo o que se recebe no
desenvolvimento de uma atividade – ainda que envolva eventual prestação de serviço
– pode integrar o preço e, pois, a base de cálculo do ISS a ser erigida. Não são todos os
ingressos de valores nos cofres do prestador que podem compor a base de cálculo do
ISS, mas, tão-somente, as parcelas correspondentes às receitas provenientes dos
serviços que executa.
7.6.2.1 Os ressarcimentos feitos ao prestador de serviços, pelos seus
tomadores, de despesas havidas no exclusivo interesse desses, bem como as entradas
de valores que devem ser repassadas a terceiros (como acontece com as empresas de
trabalho temporário e com as agências de viagens), por não constituírem remuneração
dos serviços próprios do prestador, não podem integrar a base de cálculo do ISS.
Legislar, prevendo sejam tais ingressos incluídos na base de cálculo do ISS, significa
(i) equiparar receita da prestação de serviço próprio (i.a) com entrada de valores
referentes ao reembolso de despesas de numerários que não fazem parte da prestação
do serviço e (i.b) com meros ingressos de valores que correspondem à remuneração
por atividade realizada por terceiros, implicando, destarte, desvirtuamento da base de
cálculo do ISS e, conseqüentemente, flagrante ofensa à norma padrão do ISS.
7.6.2.2 Não podem compor a base de cálculo do ISS devido pelas empresas
designadas “planos de saúde” – supondo fosse a atividade por elas exercida serviço
– 275 –
tributável pelo ISS – os valores correspondentes aos dispêndios com médicos,
hospitais e laboratórios. Em casos que tais, o preço do serviço é a diferença entre o
valor das mensalidades e os dispêndios com médicos, hospitais e laboratórios
(terceiros prestadores de serviços aos segurados associados). Supor o contrário implica
aceitar possa o ISS incidir sobre serviços “por terceiros prestados”, além de reconhecer
que a materialidade desse tributo possa ser despesa com serviços. Por essa razão,
entendemos totalmente inócuo o veto presidencial ao § 3.º do art. 7.º da Lei
Complementar 116/2003, que permitia a dedução da base de cálculo do ISS dos
valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços de hospitais,
laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais profissionais do
plano de saúde operado por cooperativas. Com ou sem veto, a base de cálculo, nesses
casos, por imposição da própria materialidade da norma padrão do ISS, só pode ser a
diferença entre o valor das mensalidades e os dispêndios com médicos, hospitais e
laboratórios.
7.6.2.3 Aquelas receitas decorrentes de negócios outros, inconfundíveis
com a prestação de serviço, também não podem integrar o preço do serviço, devendo
ser desprezadas pelo legislador e pelo aplicador da lei, sob pena de adoção de base de
cálculo inadequada, isto é, incompatível com a materialidade “prestar serviços” e, por
conseguinte, desvirtuamento da base de cálculo da norma padrão do ISS. Os juros
decorrentes do financiamento do preço da prestação de serviço, por exemplo,
configurando valores advindos de operações de crédito (negócio jurídico, inclusive,
submetido à tributação pela União, ex vi do art. 153, VI, da CF/1988) não são receitas
de prestação de serviços, isto é, não representam preço do serviço, não podendo,
portanto, compor a base de cálculo do ISS.
7.6.2.4 Outrossim, as receitas provenientes de inadimplemento contratual,
tais como multa e juros moratórios, por não serem provenientes de prestação de
serviços, não podem ser tidas como preço do serviço, devendo, pois, ser desprezadas
para fins de base de cálculo do ISS.
– 276 –
7.7 Diante de prestações de serviços que requerem, como condição de sua
viabilização, a aplicação de materiais, sob pena de não se poderem concretizar, não
pode o legislador ordinário prever deva ser deduzido da base de cálculo do ISS o valor
dos materiais empregados, aplicados, utilizados na prestação de serviço, a pretexto de
que representa valor decorrente de venda de mercadoria.
7.7.1 Os materiais não representam mercadorias, pois não são bens móveis
objetos de mercancia, mas simples elementos que, como requisitos, ingredientes,
insumos, condicionam a prestação de serviço. Não há falar em venda de coisas, mas
seu emprego como requisito necessário à prestação do serviço. Nessas hipóteses em
que é inafastável a aplicação de materiais tem-se um único negócio jurídico, prestação
de serviços com aplicação de materiais, persistindo-se no campo de prestação de
serviços tributáveis pelo ISS.
7.7.2 O valor dos materiais configura numerário referente a bens
necessários à execução da prestação de serviços, devendo, por isso, compor a
formação do preço do serviço. Por configurar numerário referente a insumos
necessários à execução da prestação de serviços, constitui-se parcela integrante da
receita a que o prestador faz jus pela prestação de serviços, sendo, por conseguinte,
componente inafastável do preço do serviço. Sendo componente inafastável do preço
do serviço, não se pode prever – pena de desvirtuamento da base de cálculo da norma
padrão do ISS e violação à referida norma padrão – a sua dedução da base de cálculo.
7.7.2.1 Não foi por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça editou a
Súmula 274 prevendo que “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência
médica, incluindo-se nelas as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares”.
7.8 No entanto, o legislador complementar, tendo em conta que a
construção civil é um setor onde ocorre maciça aplicação de material, houve por bem,
com fundamento no art. 146, I e III, a, da Constituição Federal, prever que essa regra
geral de não-dedução não tem cabimento quando o próprio prestador de certos serviços
de construção civil fornece os materiais a serem aplicados, empregados, utilizados, na
– 277 –
prestação dessa atividade. Consoante o disposto no § 2.º, I, do art. 7.º, da Lei
Complementar 116/2003 – lei essa até hoje não declarada inconstitucional, nem
extirpada do direito positivo –, é dedutível da base de cálculo do ISS o valor dos
materiais fornecidos pelo prestador do serviço de construção civil, previsto nos itens
7.02 e 7.05 da lista de serviços.
7.8.1. O fornecimento em questão “abrange todos os materiais fornecidos
pelo prestador do serviço, independente de sua origem (produzidos por ele ou por
outros)”. Vale dizer, refere-se tanto aos materiais produzidos por terceiros, isto é,
adquiridos de terceiros, quanto àqueles materiais produzidos pelo prestador fora do
canteiro da obra, para aplicação, emprego, utilização, na prestação de serviço.
7.8.2 Os materiais fornecidos pelo prestador de serviço de construção civil,
após transporem a fase na qual estavam no comércio, vindo a ser aplicados na obra,
passam a configurar materiais. Há, nessa fase, apenas prestação de serviços com
aplicação de materiais, e, como tal, sujeita ao ISS. Não há falar, aqui, em venda,
negócio jurídico vislumbrado quando esses bens ainda configuravam “mercadorias”.
7.8.3. Sendo inequívoco o fato de que na condição de prestador de serviço o
construtor se sujeita apenas ao ISS, lhe é permitido, consoante o disposto no inciso I, §
2.º, do art. 7.º, da Lei Complementar 116/2003, para formar a base de cálculo desse
tributo municipal, deduzir o valor dos materiais fornecidos para aplicação na obra.
7.8.4 O legislador complementar previu adoção de base de cálculo
específica para prestação de serviço de construção civil. É dizer, nos casos em que na
prestação de serviço de construção civil descrita nos subitens 7.02 e 7.5 há aplicação
de materiais fornecidos pelo prestador, a base de cálculo a ser prevista pelo legislador
ordinário deverá ser o preço do serviço, assim entendido a receita dele decorrente, com
dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador.
– 278 –
7.8.5 Essa previsão de possibilidade de deduções do valor dos materiais
também foi necessária para, prevenindo conflitos entre o ICMS e o ISS, impedir que
este último abrangesse, novamente, o valor dos materiais empregados.
7.8.6 A previsão de dedução do valor dos materiais apenas para as hipóteses
de construção civil descritas nos subitens 7.02 e 7.05 implica visível tratamento díspar
entre contribuintes que se encontram em idêntica situação. Uma interpretação rigorosa
do § 2.º, I, do art. 7.º importaria reconhecer a sua inconstitucionalidade, por flagrante
violação ao princípio da igualdade tributária. No entanto, a redação desse dispositivo
não impede que dela se extraia uma previsão compatível com o sistema jurídico,
entendendo-se que o regramento que dele se retira pode ser aplicável a todas as
hipóteses de prestação de construção civil em que há a aplicação de materiais
fornecidos pelo próprio prestador.
7.8.7 Tal regramento específico (dedução do valor dos materiais fornecidos
pelo prestador do serviço) não configura previsão de isenção, antes cuida de disciplina
da base de cálculo do ISS, a teor do que dispõe o art. 146, III, a, da Constituição
Federal, além de prevenir conflitos entre o ICMS e o ISS.
7.8.8 A prescrição geral de que a base de cálculo do ISS a ser erigida
somente poderá ser o preço do serviço, assim entendido a receita bruta dele
proveniente, sem quaisquer deduções, não é aplicável à prestação de serviço de
construção civil em que o próprio prestador fornece os materiais a serem aplicados na
obra. Há, nesse caso, previsão de prescrição de base de cálculo específica, de modo
que a unidade de referência a ser erigida pelo legislador ordinário como base de
cálculo deverá ser o preço do serviço, assim entendido o valor da prestação, com
dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviço. Eis aqui, o
segundo conteúdo semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS, a segunda
unidade de referência a ser adotada como base de cálculo.
7.9 Diante de prestação de serviço em que o prestador contrata parte da
execução da prestação de serviço com terceiros, concorrendo junto de tais prestadores
– 279 –
– forma de execução do esforço humano que não se dá apenas no caso de prestação de
serviço de construção civil –, vislumbra- a existência de uma única prestação sendo
realizada por mais de um prestador. A prestação de serviço contratada é a mesma –
permanece sendo aquela contratada diretamente com o tomador –, apenas a sua
execução que é fracionada entre vários prestadores, entre eles o prestador principal.
7.9.1 Estando diante de uma única prestação de serviço, não há falar em
incidência múltipla do ISS, ou seja, que o tributo recaia integralmente sobre cada um
dos prestadores, eis que é da própria natureza do ISS “ser não cumulativo”.
7.9.2 Persistindo apenas diante de uma prestação de serviço, mesmo que
executada por vários prestadores, impõe-se uma única incidência de ISS,
configurando-se imperiosa a dedução do valor das prestações de serviços
subcontratadas do preço total do serviço tributável, para que não haja dupla tributação.
7.9.3. Nessa hipótese, a única base de cálculo passível de ser erigida pelo
legislador ordinário e empregada pela administração é o preço total do serviço
tributável com dedução do valor das prestações de serviços subcontratadas, sob pena
de se tributar duas vezes o mesmo fato e incorrer em flagrante inconstitucionalidade.
7.9.4 Para que haja coerência entre a base de cálculo e a grandeza da
prestação de serviço executada pelo prestador principal, a dedução em referência se
impõe diante das subcontratações já tributadas ou não.
7.9.5 O fato de não haver previsão expressa na Lei Complementar 116/2003
a respeito da dedução do valor das subcontratações, nem mesmo em relação à
prestação de serviço de construção civil (espécie de prestação de serviço em que há
maciça subcontratação), não impede deva o legislador ordinário prever a dedução
desses valores do preço total do serviço contratado entre o prestador e o tomador
principal.
– 280 –
7.9.6 Nos casos de prestação de serviço realizada sob regime de
subcontratação, a unidade de referência que poderá ser prescrita como base de cálculo
do ISS e empregada pelo aplicador da lei é o preço do serviço, assim entendido a
receita dele proveniente, com dedução do valor das subcontratações tributáveis pelo
imposto. Não pode o legislador ordinário se distanciar desse terceiro conteúdo
semântico da base de cálculo da norma padrão do ISS para mensurar as prestações de
serviços realizadas sob regime de subcontratação.
– 281 –
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