CONTRIBUIÇÕES DO MODELO SECI DE NONAKA E TAKEUCHI PARA A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL Marthin Leo Mallmann Isabela Regina Fornari Müller Pierry Teza Gertrudes Aparecida Dandolini João Artur de Souza Resumo: A literatura, já consolidada tem demonstrado a importância do conhecimento para as organizações da atualidade. O conhecimento tem se tornado cada vez mais um fator que diferencia organizações de sucesso. Nesse contexto, a criação de conhecimento é de extrema importância. A criação do conhecimento organizacional e a aprendizagem organizacional são temas correlatos e interdependentes, estudados no âmbito da Gestão do Conhecimento. Dentre os estudiosos sobre os dois temas, destacam-se Nonaka e Takeuchi, com a Teoria da Criação do Conhecimento organizacional, o modelo SECI e seus desdobramentos, e Crossan, Lane e White com o framework dos 4I’s, referente ao processo de Aprendizagem Organizacional. Constatada a existência de certas semelhanças e particularidades das referidas estruturas teóricas, e de reduzido número de trabalhos científicos a respeito das relações entre ambos, ficou caracterizada a oportunidade de apresentação de uma análise teórica, com enfoque descritivo e analítico, sobre aspectos e dimensões referidos por Nonaka e Takeuchi, e que podem ser aprofundados em estudos no âmbito da Aprendizagem Organizacional. O presente estudo sugere dois pontos em que há abordagens não coincidentes entre os autores. O primeiro diz respeito ao nível do indivíduo, em relação à discussão sobre a importância do papel dos indivíduos que ocupam funções de administração e gestão. O segundo tem a ver com o nível intergrupal, pouco abordado e que é uma instância anterior ao nível organizacional, no qual ocorre a institucionalização da aprendizagem e a combinação e a internalização do conhecimento criado. Também são sugeridos novos pontos para possíveis estudos futuros. O desafio de identificar esses novos pontos para pesquisa futura em uma área com tão denso volume de pesquisas acadêmicas e forte interesse no âmbito das organizações, como é o caso da Aprendizagem Organizacional, é instigante, e se tornou possível pela identificação desses pontos a partir de outra área de estudo, a gestão do conhecimento. A natureza de interdisciplinaridade dessas duas áreas, reconhecida e necessária, permite que tal procedimento seja utilizado. Palavras-chaves: Criação do Conhecimento. Modelo SECI. Aprendizagem Organizacional. Framework 4I’s 1 Introdução Aprendizagem é vista como o processo, e conhecimento como conteúdo (Santos e Steil, 2009). Terra (2000) também entrelaça os dois temas, ao definir a Aprendizagem Organizacional como o processo de aquisição de conhecimento pelos atores (indivíduos e grupos) da organização, no momento em que estes analisam e tomam decisões acerca dos processos, sendo função das organizações disponibilizar este conhecimento para que outros indivíduos e grupos o utilizem (gestão do conhecimento). Em que pese as diferenças entre as abordagens desses dois campos, em ambos é reconhecida a importância do conhecimento para o sucesso da empresa (CROSSAN; LANE; WHITE, 1999). Dentre os autores mais citados sobre os dois temas, destacam-se Nonaka e Takeuchi, com a Teoria da Criação do Conhecimento organizacional, o modelo SECI e seus desdobramentos, e Crossan, Lane e White com o framework dos 4I’s, um marco na consolidação teórica do processo de Aprendizagem Organizacional. Em ambos, palavras associadas à aprendizagem e ao conhecimento são utilizadas com frequência. Foi constatada pelo autor a existência de certas semelhanças e particularidades das referidas estruturas teóricas, melhor detalhadas nos tópicos 2 e 3, e de reduzido número de trabalhos científicos a respeito das relações entre ambos, percepção corroborada pelos estudos e pesquisas. Na verdade, apenas um estudo, conduzido por Real, Leal e Roldán (2006), foi identificado. Dessa forma, ficou caracterizada a oportunidade de apresentação de uma análise teórica com enfoque descritivo e analítico, com o objetivo de identificar aspectos e dimensões referidos por Nonaka e Takeuchi (1997), que podem ser aprofundados em estudos no âmbito da Aprendizagem Organizacional. Para tanto, o presente trabalho está assim estruturado: no tópico 2 são apresentadas as estruturas teóricas SECI e 4I’s; o tópico 3 tem por conteúdo os resultados da análise de ambas e a discussão e, por fim, no tópico 4 são apresentadas as limitações e considerações finais. 2 Descrição do modelo SECI e do framework dos 4I’s 1.1 O modelo SECI e seus conceitos associados Nonaka (1991, in TAKEUCHI; NONAKA, 2008) publicou o artigo “A Empresa Criadora do Conhecimento”, no qual apresenta a ideia da espiral do conhecimento e a distinção entre conhecimento tácito (subjetivo) e explícito (objetivo), sugerindo quatro padrões básicos de conversão entre os dois tipos de conhecimento. Essa abordagem inicial foi ampliada por Nonaka e Takeuchi (1995, in TAKEUCHI; NONAKA, 2008) em seu artigo “A Criação do Conhecimento Organizacional”, quando introduzem as dimensões epistemológica (teoria do conhecimento) e ontológica (níveis individual, grupal, organizacional e interorganizacional) no qual ocorre a espiral de criação do conhecimento, e reforçam a tese de que o modelo dinâmico por eles proposto tem por base o pressuposto “de que o conhecimento humano é criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito” (TAKEUCHI; NONAKA, 2008, p.59). Ressaltam que essa interação de conversão do conhecimento é um processo social, que ocorre entre indivíduos, e não um processo individual, restrito a uma única pessoa. O processo de conversão entre conhecimentos tácito e explícito foi denominado pelos autores como SECI – Socialização, Externalização, Combinação e Internalização. Cada etapa é descrita a seguir: • Socialização – de tácito para tácito: compartilhamento de experiências entre pessoas, que resulta na conversão de parte do conhecimento tácito de uma pessoa no conhecimento tácito de outra pessoa, na forma de modelos mentais e habilidades técnicas. O ponto crítico para que este tipo de conversão ocorra é a experiência vivida, associada às emoções e contextos específicos a ela associados. Esta forma de compartilhamento é favorecida quando ocorre diálogo freqüente e comunicação face a face; quando brainstorming, insights e intuições são valorizados, disseminados e analisados (discutidos) sob várias perspectivas (por grupos heterogêneos); quando é valorizada a relação entre mestre e aprendiz, pela observação, imitação e prática acompanhada. Nonaka e Takeuchi (1997) destacam que esse tipo de conversão inicia com a “construção de um campo” de interação, discussão que evoluiu posteriormente para o conceito de “ba”, ou local de criação do conhecimento, apresentado por Nonaka e Konno (1998), e retomado e ampliado no Capítulo 4 – Criação do Conhecimento como Processo Sintetizador (Nonaka e Toyama), da obra de 2008; • Externalização – de tácito para explícito: conversão de parte do conhecimento tácito do indivíduo em algum tipo de conhecimento explícito. conversão do conhecimento tácito em explicito, pelo diálogo, em formas prontamente compreensíveis pelos outros, tais como as idéias, imagens, palavras, conceitos, metáforas, analogias,narrativas e recursos gráficos. Esta etapa é considerada pelos autores como a “quintessência do processo de criação do conhecimento” (TAKEUCHI; NONAKA, 2008, p. 62); • Combinação – de explícito para explícito: conversão do conhecimento explícito em conjuntos mais complexos de conhecimento explícito em três processos, que são a captura e integração de novos conhecimentos explícitos, tanto de dentro e de fora da empresa e então combinando-os; a disseminação de conhecimento explícito, para espalhar o novo conhecimento aos membros da organização, e; a edição ou processamento de conhecimento em formas mais utilizáveis. Para Takeuchi e Nonaka (2008, p. 65), “a combinação é um processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento”. Destacam, aqui, a importância das bases de dados compartilhadas entre membros da organização, a partir das quais informações são separadas, classificadas, adicionadas e reagrupadas, levando a novos conhecimentos. Entre os exemplos que citam, um é de particular importância para este trabalho: a decomposição e operacionalização, pelos gestores de nível intermediário das organizações, da visão corporativa e dos conceitos de negócios e de produtos. A importância dos gestores do nível intermediário é ampliada pelos autores no Capítulo 1 – Criação e Dialética do Conhecimento, do livro de 2008, e será aprofundada no tópico 3. • Internalização - de explícito para tácito: conversão do conhecimento explícito da organização em conhecimento tácito, que deve ser incorporado na ação e na prática, por treinamento ou simulações. É fortemente vinculada ao “aprender fazendo”, quando as experiências vivenciadas nas etapas anteriores são incorporadas nas bases de conhecimento tácito do indivíduo, na forma de modelos mentais e conhecimento técnico. Um ponto-chave para o sucesso da internalização é a sua disseminação que, quando ocorre, dá início a um novo ciclo ou espiral de criação do conhecimento. A Figura 1, a seguir, apresenta o Modelo SECI de criação do conhecimento. Figura 1 – Modelo SECI de criação de conhecimento. Fonte: Adaptado de Takeuchi e Nonaka (2008). Pela visualização da figura pode-se perceber que as trocas, na etapa de socialização, ocorrem entre dois indivíduos. Já na externalização o número de indivíduos é ampliado, permitindo que o grupo tenha acesso ao conhecimento explícito. Na etapa de combinação os vários grupos que compõem a organização fazem uso do conhecimento explícito e o associam a outros conhecimentos. Por fim, na internalização, é esperado que todos da organização – indivíduos e grupos, incorporem os conhecimentos explícitos. Na terceira etapa visualiza-se uma dimensão intergrupal pouco explorada teoricamente por Takeuchi e Nonaka (2008), e que é outro ponto importante para este trabalho, a ser aprofundado no tópico 3. Os autores complementam o modelo SECI com cinco fases no processo de criação do conhecimento organizacional, quais sejam: 1) compartilhamento do conhecimento tácito, equivalente à socialização; 2) criação de conceitos, relativo à externalização; 3) justificação de conceitos, tem a ver com compartilhamento de ideias com vistas à aprovação coletiva; 4) construção de um arquétipo, ou prototipagem das ideias aprovadas pela organização (as fases 3 e 4 dizem respeito à combinação) e; 5) nivelamento do conhecimento ou disseminação para outros grupos e divisões, ou internalização. 1.2 O framework dos 4I’s Crossan, Lane e White (1999) propõem uma base conceitual que permite perceber as conexões que estruturam o processo de aprendizagem nas organizações. Para os autores, a Aprendizagem Organizacional considera os níveis individual, grupal e organizacional, e é vista como meio para a renovação estratégica da organização. Para tanto a organização deve estar preparada para trabalhar as tensões entre assimilar novos aprendizados (exploration), e usar ao máximo os conhecimentos já desenvolvidos (exploitation). Os três níveis da Aprendizagem Organizacional (indivíduo, grupo e organização) estão ligados por quatro processos de natureza social e psicológica denominados de 4I’s: intuição, interpretação, integração e institucionalização. Intuir e interpretar ocorre no nível individual; interpretar e integrar, no nível de grupo, e integrar e institucionalizar, no nível da organização. A seguir, são detalhados os quatro processos. • Intuição – este primeiro nível envolve a percepção de similaridades e diferenças, padrões e possibilidades, e resulta de experiências e imagens retidas na memória, as quais, muitas vezes, são expressas por meio de metáforas, uma vez que nessa fase pode ainda não existir um vocabulário desenvolvido para compartilhar os novos insights com outras pessoas. Ela representa a capacidade de descobrir e delinear, em nível pré-consciente, novos padrões e processos. Nesse nível a ação intuitiva é individual e somente afeta aos outros quando estes experimentam interações com outros indivíduos; • Interpretação – no segundo nível o indivíduo busca pontuar os elementos conscientes do processo individual de aprendizagem, e a interpretação consiste em explicar uma idéia para si ou para os outros, através de palavras e ações. Cada indivíduo verbaliza as relações já identificadas no nível pré-consciente, e compartilha e possibilita ao grupo compreender o conhecimento individual. No processo de interpretação, os indivíduos desenvolvem mapas cognitivos sobre os domínios em que operam, contextualizando a interpretação e proporcionando uma linguagem comum, clarificando imagens e criando significado e entendimento compartilhados. A interpretação é um processo integrativo, por levar os indivíduos de suas dimensões pessoais para o âmbito do grupo; • Integração - é o processo de desenvolvimento de compreensão compartilhada e tomada de ações conjuntas, pela negociação e mútuo ajustamento. Nesse nível o aprendizado envolve consensos e necessidade de diálogos, e os indivíduos superam suas limitações individuais através de contínua troca de idéias entre os membros do grupo. Características apropriadas a esse nível do aprendizado incluem capacidade de trabalhar em grupo, habilidade para solucionar conflitos e preparação para êxitos e fracassos. São os diálogos e as concessões mútuas que geraram ações grupais. O contexto, aqui também, é critico para o processo de integração. A prática é essencial, e as comunidades de prática assim como o contar histórias (stoyrtelling) são mecanismos apropriados para tanto. A integração abre passagem para o próximo nível, o organizacional; • Institucionalização - é o processo em que os resultados da aprendizagem são incorporados aos sistemas, à estrutura, às rotinas e aos procedimentos organizacionais. A Aprendizagem Organizacional é mais do que a soma das aprendizagens dos indivíduos, e acaba sendo imbricada nos sistemas, nas estruturas, na estratégia, nas rotinas, nas práticas definidas e na infraestrutura, que provêem o contexto para a atuação e aprendizagem dos indivíduos e grupos. Atividades são definidas, ações são especificadas e mecanismos organizacionais devem assegurar que tais ações ocorram. Em geral o que é institucionalizado pela organização é, de certa forma, um consenso ou compreensão compartilhada entre os membros mais influentes. A institucionalização leva tempo para ser consolidada do nível individual para o do grupo, e deste para o da organização. Há ainda a questão das mudanças no ambiente, que pode tornar obsoleto um aprendizado institucionalizado, gerando uma lacuna entre o que é feito e o que deve ser feito em função das mudanças. A Figura 2 apresenta graficamente o framework dos 4I’s. Figura 2 – Aprendizagem organizacional como um processo dinâmico. Fonte: Adaptado de Crossan, Lane e White (1999). Os autores sugerem um processo dinâmico do aprendizado, e difícil de definir onde cada etapa finda e tem início a seguinte: “(...) não apenas o aprendizado ocorre ao longo do tempo e através dos níveis, mas ele também cria uma tensão entre a assimilação de novos aprendizados (feedforward) e a exploração ou uso do que já foi aprendido (feedback)” (CROSSAN; LANE; WHITE, 1999, p. 532). Pelo processo de assimilação (feedforward), novas ideias e ações fluem do nível individual para o grupal e organizacional. Já conhecimentos que estão no domínio da organização retornam para os níveis grupal e individual, afetando a forma como as pessoas agem e pensam (feedback). No que diz respeito ao fluxo de aprendizagem, Crossan, Lane e White (1999) destacam a importância das interações e exemplificam duas especialmente problemáticas: 1) na passagem da interpretação para a integração (alimentação ou feedforward), além da capacidade que os indivíduos devem possuir para explicitar suas ideias, os mapas cognitivos que cada um possui também podem ser uma limitação para que a aprendizagem seja eficiente (exploration), e 2) da institucionalização para a intuição (retroação ou feedback), a organização condiciona fortemente os indivíduos que nela operam. Para que a aprendizagem ocorra é necessário que os indivíduos tenham espaço e coragem para se lançarem num processo de "destruição criativa", questionando os valores e processos existentes (exploitation). 3 Resultados e discussão Para o cumprimento do objetivo proposto, é apresentado o resultado da análise para identificação de aspectos e dimensões introduzidos por Nonaka e Takeuchi (1997). Esta etapa teve por foco os níveis individual, grupal (e intergrupal) e organizacional, além do interorganizacional, do modelo SECI e do framework dos 4I’s, onde se vislumbrou certas semelhanças e particularidades que os distinguem. No Quadro 1, a seguir, são detalhados e analisados esses níveis. Quadro 1 – Níveis de análise Autores/Nível Takeuchi e Nonaka Crossan, Lane e White Indivíduo Grupo Intergrupal Assim consideram a aquisição de conhecimento de um aprendiz junto a um mestre. O nível seria individual para o aprendiz, mas ele não é sozinho. Introduzem ainda o papel dos indivíduos no papel de gestores dos diversos níveis hierárquicos, com destaque para os do nível intermediário, responsáveis pela ligação entre estratégia e operação. Consideram o indivíduo criando conhecimento a partir de insights e associações de idéias anteriores. Consideram este nível, na etapa de externalização, pelo diálogo, em formas prontamente compreensíveis pelos outros, tais como as idéias, imagens, palavras, conceitos, metáforas, analogias,narrativas e recursos gráficos. Não exploram este nível explicitamente, mas é apresentado na Figura 1. Consideram este nível, de modo muito semelhante. Não exploram este nível. Há referências a respeito em Edmonson (2002). Interorganizacional Consideram este Não apresentam nível, nas etapas este nível no de combinação e Modelo SECI, internalização, mas Nonaka e nas quais o Toyama o conhecimento é introduzem no disseminado por Capítulo 4 da sistemas e obra de 2008. reacessado pelos indivíduos. Organizacional Consideram este nível, em que os resultados da aprendizagem são incorporados aos sistemas, à estrutura, às rotinas e aos procedimentos organizacionais. Não consideram este nível, mas o mesmo é estudado por Knight (2002) e Dyer, Nobeoka (2000) e outros. Fonte: Elaborado pelo autor Destaca-se dois pontos em que há abordagens não coincidentes entre os autores. O primeiro diz respeito ao nível do indivíduo, quando Nonaka e Takeuchi trazem à discussão a importância do papel dos indivíduos que ocupam funções de administração e gestão. O segundo tem a ver com o nível intergrupal, pouco abordado e que é uma instância anterior ao nível organizacional, no qual ocorre a institucionalização da aprendizagem e a combinação e a internalização do conhecimento criado. Quanto ao primeiro ponto, os indivíduos que têm atribuições de administração e gestão nos níveis top (estratégico), middle (tático) e down (operacional) das organizações, são diretamente responsáveis pela coordenação de suas equipes e pela viabilização dos processos de trabalho, proporcionando o ambiente e o contexto para que esse trabalho seja realizado, tanto facilitando-o quanto dificultando-o. Edmonson (2002), ao estudar a aprendizagem organizacional no nível dos grupos, argumenta que é um processo local, interpessoal e variegado (matizado). No aspecto interpessoal, o autor sustenta que o processo é influenciado pelas percepções dos indivíduos acerca do clima social do ambiente de trabalho. E esse clima social é influenciado, dentre outros fatores, pela atuação dos indivíduos que ocupam funções de administração e gestão. Takeushi e Nonaka (2008) apregoam a organização como espaço de criação do conhecimento (ba), onde é incluída a necessidade de entendimento das necessidades individuais e coletivas associadas aos processos de criação e aprendizado. De modo semelhante, Terra (2000, p.02) argumenta que • [...] a velocidade das transformações e a complexidade crescente dos desafios não permitem mais concentrar esforços em alguns poucos indivíduos ou áreas das organizações; • Os trabalhadores, por sua vez, vêm aumentando, de forma considerável, seus patamares de educação e aspirações. De fato, verifica-se que os "indivíduos organizacionais", de forma crescente, se realizam sendo criativos e aprendendo constantemente. [...]; •os processos de criação e aprendizado individual, de forma análoga ao processo organizacional, estão associados a mudanças de modelos mentais e de comportamentos. Além do mais, também se verifica que os indivíduos, em seus processos criativos e de aprendizado, dependem de grande motivação intrínseca, assim como da interação com outros, da combinação de múltiplas perspectivas e experiências e, finalmente, de tentativas e erros pessoais.” Esses conceitos, não são, todavia, facilmente traduzíveis, transferíveis e aplicáveis à prática de gestão. É com esta perspectiva que precisa-se analisar os “Facilitating Factors” (fatores facilitadores) (TERRA, 2000, p. 02) ou a “promoção de condições” (TAKEUCHI; NONAKA, 2008, p. 71), práticas, normas e processos que estimulam ou inibem aprendizagem e a gestão do conhecimento pelas organizações, em vários planos: organizacional e individual; estratégico e operacional; normas formais e informais. Terra (2000, p. 03) destaca ainda a necessidade de discutir: • O papel da alta administração na definição dos campos de conhecimento, no qual os funcionários da organização devem focalizar seus esforços de aprendizado, além do seu papel indispensável na definição de metas desafiadoras e na criação de culturas organizacionais voltadas à inovação, experimentação, aprendizado contínuo e comprometidas com os resultados de longo prazo e com a otimização de todas as áreas da empresa; • [...] • Estimular comportamentos alinhados com os requisitos dos processos individual e coletivo de aprendizado, assim como aqueles que resguardem os interesses gerais e de longo prazo da empresa no que tange ao fortalecimento de suas "core competencies". A questão do papel e da influência dos gestores na criação de um clima favorável ao trabalho tem sido objeto de estudos também nos campos da Administração e da Psicologia. Frost (2003), em sua obra “Emoções tóxicas no trabalho”, aborda essencialmente as percepções dos membros empresariais, assim considerados os colaboradores ou empregados, relacionadas à emoção gerada por eventos impactantes, e por atitudes e comportamentos impróprios de parte dos líderes. Enfatiza também como esses líderes podem ajudar a atenuar a toxicidade emocional gerada por essas percepções, com vistas à promoção de um ambiente de trabalho saudável e produtivo. A questão das emoções no processo de criação do conhecimento também é explicitamente mencionada por Takeuchi e Nonaka, ao descreverem a etapa de socialização do modelo SECI. Frost (2003) descreve ao longo da obra inúmeras situações reais relacionadas ao assunto, obtidas a partir de relatos de pessoas que, sensibilizadas pelo conteúdo de palestras, a ele acorriam espontaneamente para apresentar-lhe as situações por elas vividas. Apesar de não se referir especificamente às questões relativas à aprendizagem organizacional e à criação do conhecimento, essas situações dizem respeito ao clima social dos ambientes de trabalho, e podem ser transpostas e relacionadas com estudos nessas duas áreas. Para Frost (2003, p. 23), a atitude do líder de “ser receptivo a membros empresariais como pessoas, e não como fatores de produção, cria um clima no qual eles sabem que seus esforços para melhorar o desempenho da organização serão apreciados”. Refere pesquisas científicas para embasar esse conceito, das quais são apresentadas a seguir algumas conclusões: “40% dos que classificaram seus supervisores como fracos estavam propensos a deixar seus empregos, em comparação aos onze por cento que os qualificaram como excelentes” (FROST, 2003, p. 14); “a maioria das pessoas valoriza mais ter um chefe atencioso do que a quantidade de dinheiro ou de benefícios extras que ganham, e que o modo como se relacionam com seu superior imediato determina a produtividade e o tempo de permanência no emprego” (FROST, 2003, p. 14); “os assistentes que tinham um chefe de quem gostavam e outro de quem não gostavam, tinham pressão (arterial) mais alta do que um grupo de controle que tinha dois supervisores classificados igualmente” (FROST, 2003, p. 28). Os estudos sobre o papel dos indivíduos com atribuições de administração e gestão via de regra não trazem essa diferenciação entre os três níveis, abrindo aí uma oportunidade para estudos no campo da aprendizagem organizacional. Edmonson (2002) chega a analisar a aprendizagem em grupos de diferentes níveis na organização estudada, e traz de modo genérico questões como a influência de pessoas com poder (que podem ou não ser administradores e gestores) e o risco percebido pelos indivíduos nos processos de aprendizagem de grupo. Lawrence, Mauws e Dyck (2005) introduzem a questão do poder no framework dos 4I’s. Porém, ambos não chegam a especificar a influência específica dos indivíduos com atribuições de administração e gestão nos três níveis – estratégico, tático e operacional. O segundo ponto que há abordagens não coincidentes entre Takeuchi e Nonaka, e Crossan, Lane e White, diz respeito ao nível intergrupal, instância anterior à institucionalização da aprendizagem e a combinação e a internalização do conhecimento criado ao nível organizacional. Takeuchi e Nonaka (2008) introduzem visualmente a idéia dos vários grupos componentes da organização, mas não a aprofundam teoricamente, apenas mencionando casos específicos de comunicação e trabalho conjunto entre grupos de pesquisa e desenvolvimento de produto, com objetivos e metas específicos e focados. Crossan, Lane e White (1999) não abordam essa instância, passando, no framework dos 4I’s, diretamente do nível do grupo ao nível organizacional. Em uma pequena organização, composta de apenas um grupo, essa construção teórica se aplica plenamente. Porém, em grandes organizações, com alto grau de complexidade, diferentes áreas de negócios e de suporte organizacionais, em diferentes níveis da hierarquia, dispersas territorialmente em diversas regiões de um mesmo país ou ainda em países diferentes, dos setores público ou privado, chegar à etapa de institucionalização da aprendizagem e à combinação e internalização do conhecimento criado ao nível organizacional é um desafio significativo, dadas as possíveis contradições entre objetivos de áreas distintas, as diferentes subculturas organizacionais, a dificuldade de fazer circular o conhecimento e a aprendizagem entre as fronteiras organizacionais, a tendência ao isolamento e à criação de “silos” organizacionais, dentre outros aspectos. Em sua revisão da literatura sobre aprendizagem de grupos, Edmonson (2002) constatou a existência de reduzido número de estudos a esse respeito. Em seu trabalho empírico verificou significativas diferenças nos graus de aprendizagem entre as 12 equipes de uma organização objeto de estudo, e sobre os diferentes objetivos de aprendizagem entre os grupos, dentre outros pontos. Porém, não há menção de estudos sobre a aprendizagem intergrupal nos diversos aspectos mencionados no parágrafo anterior. 4 Considerações finais Os dois pontos mencionados – a importância do papel dos indivíduos que ocupam funções de administração e gestão nos três níveis hierárquicos, e a questão da aprendizagem no nível intergrupal, como instância intermediária entre o nível do grupo e o nível da organização, emergiram neste estudo, sugerindo novas possibilidades de pesquisa na área de Aprendizagem Organizacional. Tais pontos não são referidos no trabalho de Easterby-Smith, Crossan e Nicolini (2000) a respeito dos debates passados, presentes e futuros na área de Aprendizagem Organizacional, confirmando essas novas possibilidades. O desafio de identificar novos pontos para pesquisa futura em uma área com tão denso volume de pesquisas acadêmicas e forte interesse no âmbito das organizações, como é o caso da Aprendizagem Organizacional, é instigante, e se tornou possível pela identificação desses pontos a partir de outra área de estudo, a gestão do conhecimento. A natureza de interdisciplinaridade dessas duas áreas, reconhecida e necessária, permite que tal procedimento seja utilizado. 5 Referências CROSSAN, M.M.; LANE, H.W.; WHITE, R.E. An organizational learning framework: from intuition to institution. Academy of Management Review, v. 24, n. 3, p. 522-537, 1999. EASTERBY-SMITH, M.; CROSSAN, M.M.; NICOLINI, D. Organizational Learning: Debates Past, Present and Future. Journal of Management Studies, v. 37, n. 6, p. 783-796, 2000. EDMONDSON, A. The local and variegated nature of learning in organizations: a group level perspective. Organization Science, v. 13, n. 2, p. 128-146, 2002. FROST, Peter J. 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