XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
PAIS/RESPONSÁVEIS E A AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS
Rose Meire da Silva e Oliveira - SEDF
Resumo
O artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa qualitativa realizada no ano de
2010, em uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental de uma instituição pública de
ensino do Distrito Federal. Esta pesquisa teve por objetivo central compreender as
percepções e os significados de um grupo de pais/responsáveis acerca da avaliação das
aprendizagens. O estudo efetivou-se por meio de estudo de caso com observação do
cotidiano escolar, análise documental, realização de grupos focais e entrevistas. A
pesquisa trouxe à tona evidências significativas, por parte dos pais, em relação ao
processo avaliativo da aprendizagem: em que consiste, para que serve e como é
realizado, quem deve avaliar e ser avaliado, o uso que é feito de seus resultados, o envio
de seus resultados aos pais/responsáveis, como seus filhos e eles próprios se sentem
diante da avaliação praticada pela escola e sugestões para reorganização do processo
avaliativo. Foi possível concluir que, apesar de normalmente não participarem de
instâncias avaliativas institucionalizadas na escola, os pais/responsáveis valorizam a
concepção formativa da avaliação e percebem que as práticas avaliativas compreendem
tanto os aspectos formais (provas, tarefas de casa, atividades em sala de aula) quanto
informais (juízos sobre valores e atitudes dos filhos/estudantes). Tornam-se, então,
necessárias não somente a valorização dos saberes dos pais/responsáveis para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico da escola; mas, também, ações substanciais de
inclusão desse segmento no processo avaliativo da aprendizagem. Isso pode contribuir
para que a escola se torne um espaço transparente e coletivo de reflexão e discussão,
assim como de adoção da avaliação comprometida com as aprendizagens.
Palavras-chave: Pais/responsáveis. Avaliação. Trabalho pedagógico. Ensino
Fundamental.
Reflexões iniciais
O texto apresenta parte dos resultados de uma pesquisa qualitativa realizada no
ano de 2010 em uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental de uma instituição
pública de ensino do Distrito Federal. Teve como objetivo central compreender as
percepções e os significados de um grupo de pais/responsáveis acerca da avaliação das
aprendizagens dos filhos/estudantes. Para a coleta de informações foram utilizados os
seguintes procedimentos: observação do cotidiano escolar, análise documental,
realização de grupos focais e entrevistas semiestruturadas com os pais/responsáveis,
interlocutores do estudo.
Essa pesquisa foi motivada, entre outros fatores, por experiências vivenciadas no
decorrer de minha trajetória profissional na rede pública de ensino do Distrito Federal
desde 1985. Levando em conta o papel da família no processo avaliativo desenvolvido
pela escola, algumas inquietações estiveram presentes. Destaco aqui as principais:
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haveria envolvimento e participação dos pais/responsáveis no processo avaliativo das
aprendizagens ao qual os filhos/dependentes eram submetidos? Os pais/responsáveis
concordavam com o processo avaliativo adotado, independentemente do sucesso ou do
fracasso dos estudantes?
Questionamentos nesse sentido reforçaram minhas
inquietações e para respondê-los foi necessário dar voz aos pais/responsáveis.
O estudo contou com a colaboração de vinte oito pais/responsáveis da turma
investigada e buscou conhecer suas percepções e significados sobre a avaliação da
aprendizagem, no tocante aos seguintes aspectos: em que consistia, para que servia e
como era realizada, quem devia avaliar e ser avaliado, o uso que era feito de seus
resultados, o envio de seus resultados aos pais/responsáveis, como seus filhos e eles
próprios se sentiam diante da avaliação praticada pela escola, além de ouvir suas
sugestões para reorganização do processo avaliativo da instituição.
A avaliação escolar tem sido um tema em destaque pela mídia e discutido em
diversas instâncias, sendo considerado, no discurso das políticas públicas educacionais,
imprescindível para o avanço do trabalho pedagógico dos diferentes níveis e
modalidades de ensino. No entanto, essas discussões nem sempre contam com a efetiva
participação dos pais/responsáveis. Eles estão acostumados a receber as notas dos seus
filhos e a tomar providências quando o fracasso escolar se aproxima. Nem sempre a
escola dialoga com eles sobre o desenvolvimento do trabalho com vistas às
aprendizagens.
É relevante que a avaliação que tenha como foco a aprendizagem do estudante
socialize com todos os envolvidos no processo educativo - incluindo os
pais/responsáveis - as bases epistemológicas, os objetivos, os procedimentos e os
critérios de avaliação a serem utilizados. Observa-se que, por um longo período de
tempo, a escola ignorou a presença da família ou não a incorporou em seu ambiente
educativo (MALAVASI, 2010), o que resultou no silenciamento e secundarização dos
pais/responsáveis como partícipes na vida escolar dos filhos/estudantes.
Nesse sentido, o presente artigo sugere a necessidade de suplantar a
marginalização da família no cotidiano escolar e ceder a palavra a esse segmento para
que haja mudanças substanciais no trabalho pedagógico da escola.
Pais/responsáveis e a escola
Ao educarem seus filhos, os pais/responsáveis formam valores e hábitos. A
escola, por sua vez, estabelece com esses mesmos sujeitos um espaço de convivência,
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que deve ser pautado pela ética da inclusão, do respeito às diferenças. Dessa forma,
além da escola, a criança sofre a influência, de modo peculiar, da educação dada pela
família. É nessa organização que a criança concebe e desenvolve uma visão de mundo,
enfrentando as circunstâncias e desafios que a vida lhe propõe. De acordo com
Szymanski (2007, p. 22),
A criança, ao nascer na família, já encontra um mundo organizado segundo
parâmetros construídos pela sociedade como um todo e assimilados,
idiossincraticamente, pela própria família, que, por sua vez, também carrega
uma cultura própria [...].
A relação da criança com a sociedade inicia-se, formalmente, por meio da
escola; cuja função social na formação do indivíduo se dá mediante a construção e a
sistematização de conhecimentos, as dinâmicas de relações estabelecidas entre os
sujeitos no contexto escolar como um todo e a prática pedagógica em sala de aula.
Assim, a influência dessas duas instituições, escola e família, sobre o
desenvolvimento cognitivo, social, moral e afetivo do estudante trará em seu bojo
expectativas de sucesso e/ou de fracasso escolar, oriundas de um processo coletivo de
práticas e de paradigmas sociais e culturais que incidirão sobre a ação educativa. Isso
reforça a necessidade do diálogo entre essas duas instituições, com o intuito de
encontrarem meios favoráveis ao processo de aprendizagem dos estudantes.
Importa considerar que, se não há clareza sobre o modo como os
pais/responsáveis concebem o trabalho da escola, incluída a avaliação e suas formas de
atuação, tornar-se-á mais intrincado o diálogo em que todos possam acompanhar
efetivamente o processo de construção do conhecimento dos filhos/estudantes.
Nesse contexto, é provável que os pais/responsáveis estejam, permanentemente,
avaliando o trabalho pedagógico desenvolvido na escola e em sala de aula, por meio do
estabelecimento de canais de comunicação, como avisos e bilhetes, cadernos,
instrumentos avaliativos, participação em reuniões e eventos promovidos, conversas
com o professor na “porta da sala de aula”, na entrada e/ou saída dos turnos, e até
mesmo por meio da fala das próprias crianças. De forma implícita ou explícita, entre
escola e pais/responsáveis, há uma circulação de juízos. Assim aduz Perrenoud
(1995, p.104):
[...] O professor sente-se avaliado quando os pais julgam o filho enquanto
aluno, quando avaliam as competências, os comportamentos, as atitudes que
se pressupõem serem ensinadas na escola. Os pais sentem-se, ainda mais
vezes, indiretamente julgados: consideram-se postos em causa sempre que o
professor avalia a qualidade dos resultados escolares, o caráter, a inteligência,
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a aplicação, a sociabilidade ou a moralidade do seu filho... o que, a bem
dizer, acontece praticamente todos os dias!
Normalmente, os pais/responsáveis são considerados pelos professores e equipe
pedagógica coadjuvantes do processo educativo da escola, exercendo função
colaborativa na formação escolar dos estudantes, o que acende inúmeras cobranças às
famílias quando esta, pelo olhar da escola, não cumpre sua função social.
Diante desse contexto, a relação entre esses dois segmentos – família e escola –
pode tornar-se tensa pelos juízos, valores e expectativas que cada uma tem quanto à
função social exercida pela outra. A fala da supervisora pedagógica da escola
pesquisada ilustra essa assertiva:
[...] Ter o pai ao nosso lado como parceiro, fazendo o papel dele de pai é
interessante. Agora, quem tem que ensinar esse aluno é o professor, cada um
no seu papel. Nós vemos uma inversão que acontece hoje em dia, muita coisa
que deveria ser falada pelo pai tem que ser falada aqui na escola pelo
professor.
Ter clareza dos papéis de cada instituição em benefício das aprendizagens dos
estudantes por meio de espaços dialógicos reflexivos é um meio de garantir que tanto a
escola como a família possam, respeitados seus limites, coadunar ações positivas para a
organização do trabalho da escola.
Avaliação formativa: caráter de coletividade na ação educativa
De algum modo, a dimensão e o caráter dados à avaliação das aprendizagens
tendem a definir parâmetros, estabelecer relações sociais e interferir nas ações
educativas, dificultando ou privilegiando interações e o diálogo entre os estudantes,
professores, pais/responsáveis, em função dos diferentes entendimentos acerca do
processo avaliativo.
Quando os pais/responsáveis compreendem o processo avaliativo adotado pela
escola e pelos professores em sala de aula, e nele se envolvem, o enfrentamento de
possíveis dificuldades se torna facilitado pela atuação conjunta. Nessa situação todos se
sentem fortalecidos. O relato de uma mãe participante da pesquisa evidencia sua
compreensão:
O ano que vem vai ser diferente... Vou perguntar logo quais são os critérios
de avaliação para eu ter mais condições de acompanhar e ajudar minha filha
em casa, não exigir muito e valorizar o que ela sabe.
Ter a avaliação como aliada para promover aprendizagens requer procedimentos
que permitam apreender informações acerca das aprendizagens e em benefício da
construção de conhecimentos pelo próprio estudante.
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Nessa perspectiva, a avaliação formativa, além de promover as aprendizagens de
todos os estudantes (PERRENOUD, 1999) por meio de contínuas intervenções
pedagógicas (HOFFMAN, 2007), assume caráter de coletividade ao acolher os
pais/responsáveis em seu processo de construção e desenvolvimento.
O compartilhamento de ações educativas entre escola e família, do qual faz parte
a construção participativa do processo avaliativo, reflete o caráter ético da avaliação.
Loch (2008, p. 163) assevera, com propriedade, que avaliar sob uma nova ética exigirá
maior rigor metodológico e democrático para alcançar tal escopo.
[...] Avaliar, em uma nova ética, é sim avaliar participativamente para
construção, conscientização, busca da autocrítica, autoconhecimento de todos
os envolvidos no ato educativo, investindo em autonomia, envolvimento,
compromisso e emancipação dos sujeitos. Para concretizar essa proposta de
avaliação, exige-se um rigor metodológico muito maior e que envolve, de
maneira democrática, o conjunto da sala de aula, da escola e a parceria dos
pais ou responsáveis.
O protagonismo dos pais/responsáveis se dá pela participação na construção
coletiva do Projeto Político-Pedagógico da instituição. Como sujeitos ativos e
participantes do dia a dia da escola, devem refletir e discutir com todo o coletivo da
escola sobre ações/estratégias alternativas de enfrentamento das dificuldades e
necessidades sentidas, ditas ou percebidas pela família para a promoção das
aprendizagens. De acordo com Veiga (2008, p. 62),
[...] Considerar a família como um segmento indispensável para a construção
de um projeto político-pedagógico parece cada dia mais importante e
necessário, inclusive porque as articulações da família com a escola se
transformam, assim como as novas estruturas que sustentam as relações
familiares. O projeto pedagógico deve assegurar a presença da família para
refletir sobre o processo educativo, sugerindo, indicando caminhos,
questionando, participando da gestão democrática da escola.
Pais/responsáveis e a avaliação
Dar voz aos pais/responsáveis possibilitou desvelar que a avaliação da
aprendizagem e da escola também é um assunto que interessa à família de nossos
estudantes, como ilustra o depoimento abaixo:
No meu caso, eu estou sempre avaliando o trabalho da escola e do professor.
Eu acredito também que nesse processo todo mundo está em avaliação tanto
o pai, quanto o aluno e o professor [...]. Eu acho que todo mundo está nesse
processo de observação, avaliação e de crescimento, pois a avaliação é uma
forma de crescer”. (Depoimento de uma mãe, durante o primeiro grupo
focal)
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A fala acima mostra que os pais/responsáveis, mesmo não participando
diretamente do processo avaliativo, não estavam alheios à aprendizagem dos
filhos/estudantes. Para eles, quem devia avaliar não era somente o professor e quem
devia ser avaliado não era apenas o estudante. Também a família estava incluída nesse
processo.
É notório, pelos depoimentos de alguns pais/responsáveis, o descontentamento
quando não possuíam clareza dos critérios e procedimentos avaliativos adotados,
sinalizando a necessidade de a escola repensar sua prática acerca do processo avaliativo,
tendo a família como partícipe:
[...] Realmente essa informação de como o aluno é avaliado na escola é
muito carente pra gente, ela não nos chega da forma como gostaríamos que
chegasse. Fica muito abstrato e eu acredito que as escolas públicas devem
melhorar nesse aspecto e deixar mais explícito pra nós a questão da
aprendizagem.
Eu mesmo sou um que não sei sobre essa avaliação. Eu acho que é muito
importante saber, porque a gente fica atualizada e se faltasse alguma coisa,
a gente poderia corrigir o que está faltando no contexto do aluno.
Alguns pais/responsáveis entendiam que os filhos/estudantes eram avaliados
quando apresentavam evidências de aprendizagens ou quando demonstravam autonomia
ao realizarem as atividades propostas. Para eles a avaliação feita pela professora era
importante. Desse modo, eles compreendiam que o fato de o aluno realizar as atividades
propostas significava que sua aprendizagem era bem avaliada pela professora Linda
Rosa (nome fictício), colaboradora da pesquisa.
Eu vejo a questão da avaliação da professora quando eu percebo que minha
filha está "crescendo". Ela chega em casa, pega o dever e são poucas as
dúvidas que ela pergunta para mim ou para minha esposa. Aí eu vejo que a
avaliação da professora, no ensino, com a minha filha está sendo boa. Então
eu nem me preocupo.
Quando percebo que minha filha está aprendendo, ela está sendo bem
avaliada.
Outros pais/responsáveis compreendiam a avaliação como um procedimento
diário por meio das atividades prescritas pela professora, tanto em sala de aula como
para casa, na realização de provas e domínio de conteúdos:
A avaliação é contínua, diária, eu entendo assim.
Através das atividades que a minha irmã faz em sala de aula, da leitura que
a professora "toma" e por meio das tarefas de casa que são mandadas para
serem feitas.
Hoje, o aluno é avaliado pelo que ele adquiriu de conhecimento, pelo que ele
aprendeu com o professor e pelo que ele repassa na prova.
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Parte dos pais/responsáveis percebia e apreciava a prática avaliativa pautada no
caráter formativo da avaliação:
Eu acredito que esta avaliação é feita valorizando o que a criança já traz. Eu
percebo que ela (a professora) está sempre dando continuidade naquilo que
a criança já tem. Ela sempre valoriza aquilo que ela é [...].
A avaliação tem que ver o contexto geral, o esforço do aluno, o nível de
aprendizagem, a limitação da criança. Eu acho que avaliação é tudo isso.
Essas percepções sinalizam que os pais/responsáveis entendiam que a prática
avaliativa implica outras ações que não sejam classificar os estudantes segundo seu
desempenho e aquilatar resultados. Indicam ainda que acreditavam em formas mais
humanizadas de acompanhar e promover a aprendizagem num contínuo processo,
percebendo as necessidades e reconhecendo as capacidades dos estudantes.
Os interlocutores percebiam que a avaliação da aprendizagem praticada pela
professora Linda Rosa incluía a avaliação do comportamento do estudante, tanto em
sala de aula quanto no ambiente escolar:
Eu acho interessante e bacana a avaliação não ser só por provas e
trabalhos. Aqui se avalia a criança de uma forma mais completa, observando
o comportamento, como ela se comporta com os colegas, com os professores
e também na escola.
Ela (a professora) observa tudo, o caderno, os deveres em sala de aula, o
comportamento. Todos os dias ele (o filho) é observado e corrigido. Isso é
importante para o desenvolvimento dele.
A professora é muito legal. Ela acompanha o comportamento e exige
organização dos alunos.
Percebe-se que os pais/responsáveis eram favoráveis à avaliação que não se
restrinja ao conteúdo, mas que avalie outros aspectos que envolvem a formação dos
filhos/estudantes, como: organização, comportamento, participação, interesse, relações
sociais. Essa visão sinaliza o entendimento de que o processo avaliativo é mais amplo e
ultrapassa a percepção do desenvolvimento cognitivo dos estudantes, reconhecendo a
função formativa da escola.
Toda vez que eu venho buscar meu filho aqui na escola, a professora tem
uma característica de sempre olhar pra gente e dar um sorriso.
Ela é experiente, ela conquistou as crianças.
Ela é muito atenciosa, meu filho gosta muito dela. A avaliação mudou para
melhor. Meu filho desenvolveu bastante porque no ano passado ele não fazia
nada.
Observa-se que para esses pais/responsáveis a avaliação da aprendizagem
envolve relações sociais positivas incidindo sobre o desempenho do estudante, não se
baseando somente em procedimentos formais como provas, trabalhos, deveres de casa.
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É importante ressaltar que os diferentes entendimentos dos pais/responsáveis
sinalizam que a avaliação cumpre várias finalidades no âmbito da sala de aula. Pode ser
um meio utilizado para “consertar alguma coisa”- como citado por uma mãe apontando a necessidade de intervenções pedagógicas para que os estudantes
avançassem na sua aprendizagem; pode servir para orientar a continuidade ou a
retomada de conteúdos/atividades previstos; para identificar as necessidades de
aprendizagem e para possibilitar aos pais acompanharem a aprendizagem dos filhos.
Elucidar a real intenção da avaliação das aprendizagens dos estudantes, a partir
dos objetivos estabelecidos no Projeto Político-Pedagógico da escola, contribui para
maior clareza das finalidades desse processo para os pais/responsáveis.
Os pais/responsáveis da turma investigada percebiam que a avaliação conduzida
pela professora não se estendia somente à aprendizagem dos estudantes, mas à função
social e educativa da família. Os relatos indicam que eles se percebiam sendo avaliados:
por meio do acompanhamento das atividades realizadas pelos estudantes em sala de aula
e em casa; quando lhes era solicitada sua assinatura nas tarefas de casa dos estudantes;
quando participavam nos eventos da escola, especialmente, nas reuniões de pais; e
quando os filhos/estudantes não cumpriam suas obrigações escolares.
Os depoimentos a seguir ilustram contextos nos quais os pais/responsáveis se
sentiam avaliados e manifestavam necessidade de corresponder às expectativas da
professora Linda Rosa.
Com essa avaliação, eu fico preocupada... Eu tenho que fazer as coisas
direitinho, porque sei que a professora me avalia.
A gente percebe na reunião [...]. A escola avalia pelo acompanhamento que
eu faço e quando a gente vem também.
No momento que eu acompanho aquela tarefa e assino que estou ciente do
que foi pedido, acredito que estou sendo avaliada.
Às vezes, vem dever que eu nem lembro se aquilo um dia existiu. Avalia até a
questão de escolaridade da família. Eu tive que estudar para ensinar, foi a
parte mais chata (risos). Não foi fácil, não.
Percebe-se ainda que os pais/responsáveis buscavam atender as expectativas e
solicitações da professora dos seus filhos/estudantes. Muitos se sentiam na obrigação de
ensinar ou complementar em casa o que o filho/estudante não aprendia em sala de aula,
como uma forma de suprir as lacunas deixadas pelo ensino e/ou de estabelecer parceria.
Quando solicitados pela professora a matricular seus filhos em aula de reforço,
os pais/responsáveis procuravam atendê-la. Isso acontecia quando eles não tinham
condições de auxiliá-los em casa.
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A função (da família) é a mesma do professor em sala de aula [...] Eu ensino.
Todos os dias em casa eu revejo todo o conteúdo com ela e onde eu percebo
que tem alguma dificuldade, eu estou sempre revendo.
Ela (a professora colaboradora) pediu para eu arrumar aulas de reforço
senão o meu filho iria reprovar. Lá ele refaz tudo o que a professora Linda
Rosa passa em sala de aula. Como não tinha condições de ajudar em casa,
eu não achei ruim ela pedir para colocá-lo no reforço, porque a professora
sabe o que é melhor para ele.
Nota-se que os pais/responsáveis reconheciam a importância de acompanharem
a vida escolar do estudante a ponto de não fazerem distinção entre os papéis sociais da
família e da escola. Além disso, concebiam de forma naturalizada a transferência de
parte do ensino escolar para outros sujeitos fora desse contexto, contratando aulas de
reforço para os filhos/estudantes.
Compreender a extensão e as diferenças da ação educativa da família e da escola
seria um tema para ser discutido com toda a comunidade escolar, esclarecendo as
funções de cada segmento e a quem cabe a condução do processo ensino-aprendizagem.
Para alguns pais/responsáveis da turma investigada, colaborar na aprendizagem dos
filhos/estudantes não se constituía um problema, e sim uma oportunidade de parceria
com a escola. No entanto, para outros, talvez esses esclarecimentos pudessem acabar
com os juízos que sofriam e com os discursos que circulavam no âmbito escolar acerca
da omissão parental (LAHIRE, 1997), por não terem condições de auxiliar nas tarefas
escolares dos filhos.
Outro dado evidenciado pela pesquisa refere-se à informalidade do processo
avaliativo que envolve a formação de juízos, afetando processos afetivos dos estudantes
e, consequentemente, dos pais/responsáveis. Foram observados os seguintes aspectos: o
uso dos resultados da avaliação pela professora colaboradora, o envio dos resultados aos
pais/responsáveis, os sentimentos de seus filhos ao serem avaliados e deles próprios
diante dessa modalidade de avaliação.
Dependendo da forma como os procedimentos avaliativos eram conduzidos pela
escola ou pela professora colaboradora da pesquisa, causavam impacto nocivo ou
positivo sobre a autoestima tanto dos pais/responsáveis quanto dos estudantes, como
denotam os seguintes depoimentos:
Quando meu filho foi reprovado, eu chorei dois dias e duas noites. Enfrentei
sol e chuva durante o ano todo para o final ele reprovar e ficar por isso
mesmo.
A professora sempre elogia meu filho, e eu fico feliz com a avaliação que ela
faz dele. Diz que com ele está tudo bem. Eu ficaria triste se isso não
acontecesse.
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Com as notas ruins, meu filho se sente envergonhado. Se a nota fosse boa,
ele iria se sentir de outro jeito, não é?
Os pais/responsáveis participantes da pesquisa pareciam entender que os
resultados da avaliação das aprendizagens constituíam elementos para a ação
pedagógica da professora Linda Rosa bem como para a família acompanhar e
complementar o trabalho desenvolvido pela escola. Entretanto, sentiam-se fragilizados
diante da ameaça do fracasso escolar dos filhos/estudantes.
Surpreendentemente, frente à solicitação de sugestões referentes ao processo
avaliativo desenvolvido pela escola, os pais/responsáveis colaboradores da pesquisa
manifestaram diferentes percepções acerca da organização do trabalho pedagógico por
ela desenvolvido. Esse fato sinaliza a importância de se abrirem espaços sociais
dialógicos para ouvir outros saberes que não sejam somente os institucionalizados.
Sordi (2009, p. 4), assegura que
Pensar a escola a partir da própria escola é recolocar seus atores em situação
de protagonismo, assumir sua condição cidadã de posicionamento no
processo decisório que afeta a vida da instituição, dar-lhes fala governante
sobre seus processos e contextos.
A assertiva da autora legitima o protagonismo dos pais/responsáveis. Os relatos
de algumas mães sugerem que elas queriam participar de forma mais efetiva no
processo avaliativo da instituição, em momentos como o Conselho de Classe e a
construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico da escola. Indicam ainda que a
metodologia utilizada pelos professores regentes deveria atender às necessidades dos
filhos/estudantes para evitar retenções, como se observa no depoimento a seguir:
Lembrei-me de mais uma coisa... Antes da criança reprovar ou se a criança
está com muita dificuldade, a professora deveria mudar o método,
geralmente nós culpamos o aluno, mas nem sempre o professor está apto
para ensinar, quero dizer, apto para explicar.
No que se refere à formação docente, o depoimento de um pai chamou a atenção
pelo nível de criticidade ao mencionar que a formação em nível superior proporciona ao
docente mais conhecimento e melhores condições de avaliar a aprendizagem dos
estudantes:
Hoje o professor para dar aula tem que ser formado em pedagogia. Então, a
avaliação é melhor, o conhecimento também é melhor. [...] Porque a
avaliação de hoje tanto serve para o aluno estudar, como para o professor
ensinar. Tem que ter uma formação para ter uma avaliação melhor.
A percepção desse pai remete à um tema discutido normalmente nos espaços
escolares institucionais e que pouco é tratado por disciplinas específicas do curso de
Pedagogia. De acordo com Villas Boas (2007), “a avaliação tem sido um saber
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marginalizado na formação de professores” (Idem, p. 116). Na perspectiva de uma
educação emancipatória, citada pela autora, os cursos de formação precisam dar
unicidade entre a teoria e a prática. Para isso, é imprescindível não mais negligenciar
saberes essenciais à prática pedagógica do futuro professor, mas formá-lo para que
esteja certo do papel a cumprir junto a todos os estudantes.
Reflexões finais
Ao dar voz aos pais/responsáveis, segmento muitas vezes negligenciado no
contexto escolar, o presente estudo possibilitou ampliar o entendimento sobre a
avaliação praticada na escola. Trata-se de refletir sobre os benefícios do envolvimento
dos pais/responsáveis não apenas no processo avaliativo mas, também, na organização
do trabalho pedagógico da escola e da sala de aula. Como essa prática não é comum, a
sua construção é um processo a ser feito com paciência, ética e competência.
Vale ressaltar que, para termos uma escola democrática, é imperativo saber
escutar os pais/responsáveis e romper com concepções e ações que negam seus saberes,
expectativas e ansiedades. Há que se ter consciência de que eles sabem o que é melhor
para seus filhos, por mais que não possam, não queiram ou não saibam a melhor
maneira de explicitar. Freire (2002, p. 127) afirma a necessidade de o educador saber
escutar e pondera:
[...] Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é
falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os
portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a
escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem
escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas
condições, precise falar a ele.
Os
resultados
obtidos
revelaram
que,
apesar
de
normalmente
os
pais/responsáveis não participarem de instâncias avaliativas institucionalizadas na
escola, eles valorizavam a concepção formativa da avaliação e percebiam que as
práticas avaliativas compreendiam tanto os aspectos formais (provas, tarefas de casa,
atividades em sala de aula) quanto informais (juízos sobre valores e atitudes dos
filhos/estudantes e da família). Paro (2001, p. 112) assevera
Por pequena que seja em comparação com tudo o que há por fazer na escola,
a contribuição que os pais podem dar para o processo pedagógico escolar
precisa ser levada em conta para evitar o risco de se ignorar algo que é
imprescindível para o bom desempenho dos alunos.
Assim demonstra ser inegável a necessidade de um empenho coletivo da escola
em envolver os pais/responsáveis no processo avaliativo para que, de fato, a avaliação
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formativa se coloque a serviço das aprendizagens dos sujeitos que fazem parte do seu
cotidiano e do desenvolvimento da escola.
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Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.000696
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PAIS/RESPONSÁVEIS E A AVALIAÇÃO DAS