1 Resumo O texto faz um balanço dos estudos realizados pelo grupo de Pesquisa da Faculdade de Educação/NESCE/UFJF sobre a temática da gestão escolar, nos últimos dez anos, na tentativa de orientar os trabalhos futuros. Retomando as propostas desenvolvidadas por tês projetos de pesquisa levados a efeito no período e tecendo considerações sobre os resultados obtidos em cada um deles, explicita as concepções que orientaram a condução desses trabalhos na busca de alargar a compreensão da gestão democrática como princípio teórico e como prática. Nesse intento reflete sobre o processo de democratização da escola, o processo de seleção de diretores e as tendências da gestão escolar. Palavras chaves: gestão escolar – gestão democrática da escla – seleção de diretores – tendências da gestão escolar Resume This text makes reference to studies performed by Faculdade de Educação/NESCE/UFJF research group concerning school management during the last 10 years, in order to provide an orientation for future studies. Getting the proposals developed by three research projects during this period and providing comments above results of each one of them, it gives special attention to the conceptions that guided these works in the search of increasing the comprehension of a democratic management as a theory and on its application. It makes to think about the school democratization process, the process of directors’ selection and the tendencies of school management. Key words: school management – democratic school management – directors’ selection – school management tendencies 2 GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA: UM OBJETO DE ESTUDO Lucia Helena G. Teixeira1 A gestão democrática da escola pública tem constituído o mote principal dos estudos do “Grupo de Gestão Escolar” do Núcleo de Estudos Sociais do Conhecimento e da Educação, NESCE2. Interessado em conhecer a organização e o funcionamento de estabelecimentos públicos de educação básica, o grupo vem conduzindo nos últimos anos, projetos de pesquisa que focalizaram, consecutivamente, aspectos desse complexo tema, no sentido de aprofundar seus conhecimentos a respeito. Este texto se apresenta como a oportunidade de realizar um balanço desses estudos, na tentativa de orientar os trabalhos futuros. Assim, o texto é composto de quatro partes, tratando, as três primeiras, dos trabalhos desenvolvidos e a última, de considerações de caráter avaliativo. 1- As primeiras iniciativas de estudo Como vasto número de grandes organizações públicas e privadas, os sistemas escolares brasileiros, assim, desenvolveram uma multiplicidade de estruturas centralizadas que acabaram por tornarem-se fins em si mesmas, perdendo de vista as necessidades de sua clientela e da sociedade em geral. O processo de burocratização e de uniformização do modelo organizacional da escola, impingido pelas sucessivas reformas de ensino levadas a efeito ao longo do século vinte, reforçou a administração autoritária da unidade escolar, afastada de seus objetivos precípuos, das aspirações e das necessidades de seu alunado, dificultando ainda mais a sua superação. No Brasil, muito pouco foi feito em termos concretos para impulsionar o processo de educação básica da população, não obstante a existência dos preceitos formais, relativos à obrigatoriedade e à gratuidade da educação elementar, firmados nas Constituições republicanas. Quando, a partir de 1930, as classes populares, começaram a ter acesso à 1 - Doutora em Educação pela UNICAMP a professora é membro do Departamento de Administração Escolar do Departamento da Faculdade de Educação da UFJF e vice-coordenadora do NESCE. 2 - Esse interesse antecedeu a criação em 1996 do próprio NESCE e encaminhou a constituição do grupo com o projeto iniciado em 1993. 3 educação formal no Brasil a escola pública, que lhes foi destinada, se caracterizou por manter elevados índices de evasão e repetência, além de um crescimento aquém da demanda. A despeito do fato de ter o País, nas últimas décadas, empreendido um grande esforço para incorporar ao sistema educacional a grande maioria de sua população em idade escolar, atingindo índices de universalização do ensino fundamental, persistiram os índices de evasão e repetência, que denotam as deficiências do modelo adotado. A evolução científica e tecnológica ocorrida nas últimas décadas tornou obsoleto nosso modelo de desenvolvimento industrial e passou a exigir o aumento da base de conhecimentos necessários para produzir uma mão-de-obra mais flexível e mais capaz de se adaptar às constantes inovações. Isso passou a requerer, não apenas a universalização da educação, mas, principalmente, a garantia de um ensino de qualidade para todos. No plano político, a luta pela redemocratização do país na década de 80 propiciou a reorganização crescente de setores da sociedade civil e a participação popular em questões de interesse nacional, criando espaços e condições para as reivindicações. No setor da educação, isso representou um aumento da pressão popular por mais e melhor educação para todos. As experiências de reformas de ensino levadas a efeito a partir de então por administrações estaduais e municipais, em diferentes regiões do país, colocaram em prática instrumentos que visavam reorganizar a escola em moldes mais democráticos. Particularmente no que diz respeito ao Estado de Minas Gerais, a realização do Congresso Mineiro de Educação deve ser vista como marco nessa discussão. Promovido pelo governo do Estado, no período de agosto a outubro de 1983, o Congresso teve grande significação em termos de participação popular no debate dos problemas educacionais daquela época (LEROY, 1987, p. 147). As bases para uma gestão democrática da escola pública encontram-se firmadas no artigo 206, inciso VI da Constituição Federal de 1988 - posteriormente reafirmadas pelas constituições estaduais e leis orgânicas dos municípios. Encontra-se nesse preceito a indicação da escolha por um regime normativo e político que é plural e descentralizado, que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisão, requer a participação e supõe a abertura na escola de novas arenas públicas de deliberação e de decisão (CURY, 2002, p. 170). Que reflexos dos preceitos consagrados na Constituição Federal de 1988 podiam ser percebidos na organização da escola pública brasileira, nos primeiros anos da década de 90? Que mudanças foram efetivadas nas escolas até então? 4 Essas foram as questões que orientaram a formulação do projeto de pesquisa desenvolvido nos anos de 1993 a 1995, na Faculdade de Educação da UFJF (TEIXEIRA, 1995), com o objetivo de avaliar a democratização do processo administrativo praticado em escolas públicas no município de Juiz de Fora, Minas Gerais3. Concordando com Neidson Rodrigues (1987, p. 41-44), considerou-se que a questão da democratização da escola deveria ser contemplada em três aspectos: a) democratização dos processos administrativos da unidade escolar, com propostas de escolha democrática dos dirigentes escolares; b) democratização da oferta de vagas, com a universalização do ensino e atendimento da demanda; c) democratização dos seus processos pedagógicos, com a participação dos agentes educacionais nas decisões sobre o conteúdo e a prática educacional. Segundo o autor, o conceito de participação perpassa os três aspectos e é fundamental para viabilizar a democratização da escola. “Para democratizar a escola é necessário que ela seja aberta à participação de amplos segmentos da sociedade, para que estes tenham voz e voto e sejam capazes de tomar decisões sobre o que acontece no âmbito da escola” (Ibid, p. 45). No entanto, a estrutura da escola brasileira até então se apresentava hierarquizada e extremamente burocratizada, refletindo a organização do sistema de ensino. Centralizava o poder e a autoridade e fazia do diretor o único responsável pela tomada de decisões, exercendo o papel de preposto do Estado e da comunidade (PARO, 1992, p. 43). Naquele momento, a escola começava no Brasil a ser alvo de especial interesse se estudiosos e administradores. Preconizava-se uma verdadeira “revolução copernicana”(MELO 1992, p. 113), que colocasse a escola como centro das preocupações educacionais, considerasse a diversidade de suas formas de organização, propondo-se a descentralização do sistema escolar, como estratégia para fortalecer a autonomia da escola, reduzir os controles centrais e homogêneos e abrir espaço para que diferentes identidades escolares se constituíssem a partir de projetos pedagógicos próprios. Na organização e no funcionamento das escolas, elementos como regimento escolar, processos de planejamento, colegiado escolar e processo de escolha de seus dirigentes definem e orientam o desencadear das suas ações. Centrando a atenção nesses elementos, buscou-se reunir informações a respeito, acreditando-se que, impregnados de princípios 3 - Intitulado “ A democratização da administração em escolas públicas de Juiz de Fora”, o projeto coordenado Por TEIXEIRA (1995)contou com apoio da FAPEMIG e a participação de três bolsista de Iniciação Científica. 5 democráticos, esses elementos poderiam constituir, no interior da escola, instrumentos eficazes da democratização de seu funcionamento cotidiano. Três escolas da zona urbana de Juiz de Fora, duas da rede municipal e uma da rede estadual, constituíram o objeto desse estudo, que adotou como estratégias de coleta de dados a observação in loco, a consulta aos documentos e as entrevistas com os dirigentes de cada unidade estudada. A análise dos dados levantados permitiu que se chegasse às seguintes constatações: 1) as escolas pesquisadas apresentavam-se abertas às demandas, evidenciando a ampliação do número de suas matrículas nos anos anteriores à realização do estudo; 2) elas também se mostravam abertas à participação dos agentes educacionais na sua prática pedagógica, como demonstraram a existência dos colegiados e a elaboração dos planos de ação das escolas de forma coletiva; 3) a participação exercida a partir desses colegiados, entretanto, não vinha atingindo todos os setores da vida escolar, ficando limitada às questões materiais e financeiras, suportes da manutenção das escolas, sem atingir os aspectos da organização e do funcionamento da prática pedagógica que nelas se realizava; 4) os diretores das escolas continuavam detendo toda a autoridade no âmbito da instituição, não prescindindo das deliberações do colegiado para conduzir sua gestão e valendo-se delas para ratificar posições já assumidas, decisões já tomadas; 5) a situação das escolas municipais se tornava mais complexa pela existência de um regimento comum e pela centralização administrativa exercida pela Secretaria Municipal de Educação, que deixava as escolas sem autonomia e reduzia os colegiados a órgãos de consulta, ou de referendo de decisões já tomadas; 6) o processo de escolha dos dirigentes escolares com a participação da comunidade nas três escolas pesquisadas era, sem dúvida, um passo importante para ampliar a participação das suas comunidades, uma vez que, pelo que parece, vinham atendendo aos objetivos e confirmando nos cargos profissionais que contavam com a aceitação e o apoio da comunidade interna e externa às escolas. 7) sobre o processo de escolha dos diretores com a participação da comunidade ficava a questão de saber em que medida poderiam ser benéficas medidas que viessem limitar o número de reeleições possíveis, visando a dinamização e renovação do processo; 8) os regimentos escolares não atendiam à realidade e não eram sequer conhecidos pela maioria do pessoal que nelas atuava. Havia sobre eles uma percepção legalista que dificultava 6 ou impedia sua utilização como instrumento capaz de definir a organização e orientar seu funcionamento de modo democrático e eficiente; 9) os processos de planejamento empregados em duas escolas pareciam ter contado com alguma forma de participação do seu pessoal em sua elaboração e denotavam ser um instrumento que vinha orientando o trabalho coletivo e a avaliação do mesmo; 10) a ocorrência desses elementos não era suficiente para reverter as taxas de reprovação das escolas, que em uma delas atingiu, no ano de 1992, 49,19% dos alunos matriculados (TEIXEIRA, 1995,p29-30). Esses resultados evidenciavam a existência, nas escolas estudadas, de um processo de democratização em curso. Embora insuficiente para redundar em melhoria do ensino ministrado, os dados indicavam mudanças na organização Das escolas no sentido de torná-las espaços de participação dos atores nelas envolvidos. Esses dados suscitavam também questões em torno da figura do diretor e dos processos de sua seleção a serem contemplados em novos projetos de pesquisa. 2- O processo de escolha dos dirigentes escolares como eixo de estudos Na busca de compreender o processo de escolha de dirigentes escolares, associando o significado que esse instrumento adquire num contexto de construção democrática, com a forma como vem sendo implantado nas escolas, um novo projeto de pesquisa foi desenvolvido nos anos de 1998-20004. Sem estabelecer uma relação mecânica entre democracia e eleições e buscando, ao mesmo tempo, contribuir para a construção de uma sociedade e de uma escola democráticas, esse estudo foi orientado por três questões centrais. a) A dimensão política, que a via eleitoral expressa, é capaz de apreender em sua dinâmica a dimensão técnica que o cargo de diretor de escola requer? b) Em que medida, a dimensão política pode ser utilizada a partir da perspectiva pública e não de uma perspectiva particular e privatista? c) Como articular interesses particulares em torno de horizontes coletivos como supõe a via democrática? 4 - Denominado “ A Eleição de diretores como mecanismo de democratização da gestão da escola”, o projeto, coordenado pelo Prof. Dr. Paulo Roberto Curvelo Lopes, foi desenvolvido no NESCE/ Faculdade de Educação/ UFJF, contando com a participação dos professores: Dra. Lucia Helena G. Teixeira, Rubens Luiz Rodrigues , bolsistas de especialização, de Iniciação Científica, além de três mestrandas. 7 Estas questões procuravam enfocar a relação entre o técnico e o político, o público e o privado, o particular e o coletivo, entendendo que era preciso romper as dicotomias existentes nas análises destas dimensões da vida social. Fugindo da dicotomia entre forma e conteúdo, procurou-se analisar que conteúdo e que formas se fazem presentes na definição da própria democracia, admitindo com Zizek (1996) que o antagonismo presente no contexto define os discursos diferenciados. Ampliando-se a questão da democracia para além da escola, colocou-se em pauta o tipo de sociedade que se desejava construir ao assumir como Oliveira (1991, p. 77) a existência de três pontos intimamente relacionados: método, forma e conteúdo. A questão do método, implica na análise das relações Estado-sociedade que se constrói no conflito, no reconhecimento das alteridades e da relevância dos sujeitos coletivos. Relacionado ao método está a forma, que é parte constitutiva do conteúdo e que se apresenta como ampliação e consolidação da esfera pública, a partir de uma esfera de negociações. Discutir a forma, implica, portanto, discutir-se a redefinição das relações estado-economiasociedade, buscando romper com os padrões privados de negociação, característicos dessas relações. Se a forma diz respeito às relações entre o público e o privado e o método implica a articulação do múltiplo, a democracia está sempre na interface da transformação destas relações centrais. A esfera pública não se constitui por decreto ou pelo simples desejo das pessoas. É gestada em consonância com os movimentos de complexificação e diversificação da sociedade, no fortalecimento de novos sujeitos coletivos. É a partir desse movimento de constituição da esfera púbica que se torna possível o exercício do método democrático, ao mesmo tempo em que o método contribui para a constituição dessa esfera pública. Por outro lado, no interior da sociedade persistem forças políticas alicerçadas em setores da burguesia que buscam reforçar a privatização do público e da economia. Daí porque, reconhecendo a existência na sociedade capitalista de um movimento que aponta para a privatização do público, torna-se fundamental o fortalecimento da ação de “publicização” do privado. O conteúdo apontado pela perspectiva democrática, é, por isso mesmo, a construção de uma sociedade fundada em bases socialistas. Ao socialismo é atribuído o papel de contribuir com um parâmetro para a dialética da privatização do público e da “publicização” do privado. Assim, considerou-se que a discussão sobre a democracia implicava a unidade entre forma e conteúdo, apontando a necessidade de apreender esta unidade enquanto uma construção que se efetiva nos processos desenvolvidos pelas sociedades e, dentro destas nas suas instituições, entre elas a escola. 8 Duas categorias centrais integraram e orientaram as reflexões nesse estudo, englobando categorias operacionais menores: espaço institucional e desigualdade/ pluralidade. A primeira permitiu tratar a escola como um espaço que diz respeito ao conjunto da sociedade – público - no qual ocorrem práticas democráticas. Na sociedade capitalista o espaço público é apropriado por interesses particulares, constituindo-se na expressão de O’Donnell (1993, p. 129) espaços públicos privatizado, que favorecem as condições para o desenvolvimento de uma política sem mediações institucionais e o aparecimento de atores que se orientam na vida social, exclusivamente, por seus interesses particulares, “patrimonialistas”, segundo o mesmo autor. As instituições, ao contrário, oferecem padrões regularizados de interação, conhecidos, aceitos e praticados por agentes sociais que têm a expectativa de continuarem interagindo sob as regras e normas incorporadas nesses padrões. Constituem-se importantes instrumentos para o avanço democrático, na medida em que possam contribuir no estabelecimento de canais de negociação entre grupos distintos, funcionando como a organização e a luta de setores populares e/ou como impulsionadores da mesma. Nessa perspectiva, a partir da categoria, espaço institucional, foram colocadas em evidência questões relativas à gestão da unidade escolar referentes à tomada de decisões, ao estabelecimento de prioridades e às relações interpessoais no interior das escolas. Conforme se considerou, estas práticas, quando realizadas num quadro institucional democrático, terão qualidade diferente daquela que se dá quando os espaços se encontram privatizados. A contribuição de Bobbio (1986, p. 12) foi importante na consideração desses aspectos. Para o autor, a democracia é percebida como “ um conjunto de regras de procedimentos para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Supõe que sejam asseguradas condições de participação dos atores, que são criadas para envolvê-los na vida da sociedade. Assim, a participação vai além da simples escolha dos dirigentes. A segunda categoria focalizou a questão da desigualdade e da pluralidade, entendendo por desigualdade os processos sociais que promovem a assimetria na produção e circulação dos bens existentes e que estabelecem a base da pluralidade democrática, não se confundindo com as diferenças existentes na sociedade. Discutir a desigualdade e a pluralidade como categoria implicou considerar o papel da informação, a distribuição do poder e o próprio processo histórico de luta entre as classes 9 sociais. As subcategorias relativas aos grupos de interesses, grupos ideológicos e circulação de informações procuraram dar conta dessas questões no desenrolar do estudo. Essas categorias, ao relacionar a vida na escola com a vida na sociedade, a partir das pessoas e suas aspirações mais profundas, permitiram um novo olhar sobre o processo investigado. Seis escolas públicas situadas na zona urbana de Juiz de Fora, Minas Gerais, constituíram o universo dessa pesquisa, quatro delas da rede municipal e duas estaduais5. Em conformidade com os critérios estabelecidos, três dessas escolas se caracterizavam pela grande rotatividade na ocupação do cargo de diretor, pela localização no centro urbano da cidade e pelo seu maior contingente de matrículas, enquanto as outras três escolas escolhidas apresentavam menor rotatividade no cargo de direção, localizavam-se em bairros periféricos e eram consideradas de menor porte. Fugindo da padronização dos procedimentos usuais, tentou-se, também romper as dicotomias na própria metodologia adotada. O estudo procurou confrontar dados coletados pela observação sistemática, com os indicadores produzidos a partir do “ survey”, optando pelo uso simultâneo desses dois procedimentos de pesquisa. Através da observação, complementada pela análise de documentos e a realização de entrevistas com os principais atores envolvidos, procurou-se estar atento às palavras e à evidência dos fatos, visando compreender as lacunas existentes nas relações desenvolvidas naquilo que foi silenciado Assim, O grupo de pesquisa buscou instaurar um processo de observação sistemática numa relação ativa e metódica com os diferentes sujeitos envolvidos no cotidiano escolar. Essa relação caracterizava-se pela atenção integral àqueles que estavam sendo pesquisados articulada à objetivação do conhecimento até então produzido. Em outras palavras, a singularidade das histórias contadas e das relações estabelecidas, que marcavam as especificidades das concepções, dos sentimentos, das regras, dos símbolos que permeavam a escola, eram refletidas e provocavam a reflexão sobre a produção teórica do tema (LOPES, 2000, p.9). A utilização do “survey”, permitiu que se ultrapassasse o universo das seis escolas pesquisadas, atingindo, no momento mesmo da realização das eleições, em dezembro de 1999, em cada uma das redes6, 23 estabelecimentos de ensino, 13 da rede municipal e 10 da rede estadual. Tendo como principal objetivo produzir indicadores que, não só evidenciassem 5 -As seis escolas pesquisadas apresentam no ano de 1999 uma matrícula total de 7.271 alunos. As quatro das escolas municipais estudadas ofereciam educação pré-escolar e ensino fundamental, funcionando em uma delas também a educação de jovens e adultos, enquanto as duas escolas estaduais ministravam ensino fundamental e médio. 6 - Em conformidade com os preceitos da Constituição de Minas Gerais, a Resolução 154/99 de 15 de outubro de 1999 normatizou o processo mantendo-o como uma consulta à comunidade escolar e mantendo a prerrogativa do governo de nomear os diretores de escolas. 10 as opiniões mais gerais acerca do processo eleitoral, mas que confirmassem ou negassem determinadas interpretações desenvolvidas através da observação sistemática. Com a participação de 40 estudantes, especialmente treinados para isso, a consulta logrou atingir 1.318 “eleitores” alunos (LOPES, 2000, p. 71)7. Os principais resultados da pesquisa podem ser assim sintetizados; 1- -tanto a abordagem qualitativa, quanto a quantitativa, demonstraram que a via eleitoral enfatizou os compromissos que o diretor eleito adquiria diante, não só do seu colégio eleitoral, mas de todos os sujeitos envolvidos com a escola. Assim, na escolha pela via eleitoral, sua capacidade de mediar conflitos e interesses, estabelecer consensos, disponibilizar recursos materiais e humanos adquiria uma complexidade mais intensa do que quando o diretor era indicado por um político; 2-entretanto, constatou-se também que a eleição dos diretores não se traduzia, necessariamente, numa articulação com a competência técnica para o cargo. As exigências legais de formação pedagógica para o candidato se mostraram irrelevantes, entre os critérios para concorrer ao cargo nas duas redes. Além disso, as preocupações dos órgãos públicos com a preparação contínua de profissionais para o exercício do cargo eram modestas frente à complexidade da tarefa de condução da gestão democrática da unidade escolar; 3-a pesquisa evidenciou a perpetuação no interior das escolas estudadas de uma ótica “privatista”, com a atuação de atores sociais “patrimonialistas”, na linguagem de O’ Donnell ( 1993, p. 129). O próprio desenvolvimento das eleições realçou procedimentos meramente formais e técnicos, que inibia o aprofundamento dos debates entre professores, pais, alunos e funcionários; 4-constatou-se, também, o predomínio, no interior das escolas, de relações que buscavam a preservação da disciplina, através do controle da conduta dos diferentes sujeitos envolvidos no cotidiano escolar, além da acomodação dos conflitos no sentido de impedir mudanças no poder instituído; 5-conforme se percebeu os interesses dos diferentes grupos assumiam uma dimensão particular, que pouco contribuía para o desenvolvimento de uma proposta pedagógica das escolas pesquisadas. Nelas persistia, de modo geral, uma política clientelista, onde as divergências, ao invés de contribuir para a construção de uma proposta que atendesse a todos, 7 -Foram contatados na ocasião 228 professores, 427 alunos, 542 pais, 19 especialistas de ensino(orientadores educacionais, coordenadores de ensino e supervisores pedagógicos), 29 representantes das comunidades e 73 funcionários (LOPES, 2000, p. 71) 11 acabava utilizada em benefício do próprio diretor ou de determinados grupos no interior das escolas; 6-a circulação de informações no cotidiano das unidades escolares se revelou escassa e ineficaz, dificultando ainda mais a democratização das mesmas; 7-não havia discussão sobre as prioridades das escolas e, conseqüentemente, sobre seu processo de tomada de decisões. A concentração de poderes nas mãos dos diretores evitava a efetiva participação dos grupos, enquanto os espaços de debate coletivo continuavam extremamente burocratizados, sem vínculo com uma proposta pedagógica que atendesse os que estavam envolvidos no dia-a-dia das escolas; 8-no quadro delineado, as mudanças no interior das escolas se caracterizavam por acentuada morosidade, redundando igualmente numa lenta transformação promovida pelas eleições. A viabilização de alternativas que estimulassem a participação de todos, alicerçada numa atuação ativa de grupos organizados e, comprometidos com um projeto-pedagógico para a escola, constituía, por isso mesmo, num desafio; 9-a observação sistemática das escolas e a realização do survey indicaram que, na percepção dos eleitores, o fazer pedagógico constitui-se como elemento central, tanto no processo de escolha do diretor, quanto em todo o período de mandato dos eleitos. Assim, é esse fazer pedagógico o elemento privilegiado para contribuir no sentido da consolidação de dois movimentos distintos e complementares. De um lado, aquele que busca superar as desigualdades vigentes na sociedade capitalista e que atravessa a escola. De outro, o que reconhece no pluralismo de idéias e de interesses a base de construção de uma vontade política majoritária. Ele abre espaço para os sujeitos assumirem-se como protagonistas do ato de pensar e fazer uma nova escola para uma nova sociedade. Ultrapassando os muros da escola ele se relaciona com os movimentos sociais adotando uma perspectiva favorável à hegemonia das classes subalternizadas. 10-isso permitiria aos sujeitos envolvidos com a escola empenharem-se na construção de um trabalho coletivo, cujos objetivos, estratégias, concepções e ações estariam definidos na proposta pedagógica da escola. O reconhecimento mútuo das divergências e oposições permite entender os conflitos como parte do processo que, rompendo com as práticas particularistas, privilegia a ética, abrindo um espaço fértil para a emergência das diferenças de pensar, de compreender projetos e experimentar alternativas de gestão numa perspectiva democrática. 12 11-esse engajamento permite construir consensos substantivos, a partir da busca de uma escola de qualidade, objetivo que une a todos, sem a pretensão de abafar os sujeitos por meio de consensos imobilistas; 12-na perspectiva democrática, de que a eleição é um instrumento, pode-se falar na construção de uma técnica e de uma política que favoreçam a restituição de valores que efetivamente humanizem o humano (LOPES, 2000, p.83- 86). Fica a percepção de que a escola pode vir a ser um espaço democrático a partir do momento que viabiliza a luta de todos, em seu interior, contra as desigualdades, expressa no fazer pedagógico. O campo pedagógico, peculiar à instituição escolar, se constitui como aquele que é capaz de articular o técnico e o político, o público e o privado, o particular e o coletivo. Aspectos da gestão democrática da escola pública não abrangidos por esse estudo, mas vislumbrados no decorrer da pesquisa indicaram para o grupo a necessidade de continuidade e aprofundamento da pesquisa nessa área. Questões como a do financiamento do ensino, dos modelos ou tendências da gestão escolar, do perfil de diretores eleitos e do planejamento na construção da proposta pedagógica da unidade escolar, despontaram como alvos de interesses suscitados pelo desenvolvimento desse projeto. 3-As tendências da gestão escolar As reflexões que se seguiram ao término da pesquisa anterior oportunizadas pela apresentação e discussão de seus resultados, em encontros com representantes das redes estadual e municipal de ensino, levaram o grupo a priorizar, na formulação de um novo projeto de pesquisa, a questão das tendências da gestão escolar. Atendendo aos interesses Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, SEE/MG, o projeto foi adaptado às exigências da administração estadual para efetivação de um convênio entre aquela Secretaria e a UFJF, que tornou possível o desenvolvimento de pesquisa junto a rede estadual de ensino com um projeto intitulado “O diretor da unidade escolar frente as tendências na gestão da escola pública de Minas Gerais”8. Os trabalhos de coleta e processamento dos dados se desenvolveram no ano de 2002, sendo o relatório final apresentado à SEE/MG em julho de 20039. 8 - Coordenada por Teixeira ( 2003) a pesquisa contou, na equipe central, com a colaboração dos professores pesquisadores do NESCE: Prf. Dr. Paulo Roberto Curvelo Lopes, Prof. Rubens Luiz Rodrigues, Profa. Maria Lucia de Souza Ferreira, Prof. Dr. Tufi Machado Soares, 3 estagiárias, duas bolsistas de Iniciação Científica e duas mestrandas. 9 -Visando garantir a continuidade de estudos que contemplassem as duas redes de ensino, um projeto, aprovado e financiado pela FAPEMIG, com características semelhantes a este, foi desenvolvido com uma amostra de 13 Além dos resultados apurados nos estudos anteriores do grupo, pesquisas realizadas por outros estudiosos sobre o assunto têm constatado, nos últimos anos, o surgimento de novos desafios à democratização da gestão escolar em decorrência da realização de experiências com a eleição de seus diretores10. Constata-se que tais eleições, embora necessárias, não se configuram como suficientes para garantir a democratização da prática escolar. Novas responsabilidades, como a de articulação, planejamento, monitoramento e avaliação da ação na escola ultrapassam os limites do processo eleitoral. Por outro lado, a homologação da Lei n° 9.394, em 23 de dezembro de 1996, significou o incremento de propostas de mudanças na organização escolar, colocando na ordem do dia o princípio da gestão democrática da escola pública (Artigo 3°, inciso VIII) e o exercício da autonomia da escola (Artigo 15). O diretor, que pela eleição deixa de ser um representante do político influente da região, com a autonomia da unidade escolar, tem diante de si novas exigências, tanto dos organismos do Estado, como da comunidade escolar e responde a elas imprimindo feições novas à prática de gestão escolar, podendo ampliar as possibilidades de separação das marcas da tradição e do autoritarismo. As mudanças no papel da escola no Brasil e as alterações no modelo de sua organização interna refletem o movimento de reorganização do sistema capitalista, com a redefinição do próprio papel do Estado e de seu modelo de desenvolvimento. O Estado conservador, centralizador e autoritário que patrocinou o desenvolvimento dos anos 30 a 80 (ARAÚJO, 2000), passou a adotar, a partir da década de 90, uma política inversa, pautada na diminuição do Estado, no estímulo à competitividade e na ênfase sobre a responsabilidade individual, apostando na modernização para se inserir no processo da globalização. As conseqüências dessa política para a educação no país e para a organização e o funcionamento de escolas públicas de educação básica não podem ser desprezadas quando se trata de compreender a gestão dessas escolas. A aposta no mercado implica, no caso da educação, vê-la como mercadoria, tendo acesso a ela quem tem recursos financeiros. E, se a educação é mercadoria, a agência que a realiza tem que ser administrada enquanto uma empresa, capaz de entender e dar conta das exigências do mercado no qual essa mercadoria circula (LOPES, 2003, p. 12). Nesse sentido, as contribuições de Bauman (2000), foram consideras valiosas para as reflexões do grupo, na medida em que o autor empreende um esforço de análise em busca de escolas da rede estadual e municipal de ensino de Juiz de Fora. Em decorrência das dimensões do projeto desenvolvido em Convênio com o governo estadual, optou-se por tratar neste texto apenas de seus resultados. 10 - A esse respeito destacam-se os trabalhos de PARO ( 1989),DOURADO (1990) e DOURADO (1998). 14 encaminhamentos que ultrapassem essa perspectiva. Ao discutir sobre o Estado, o autor apresenta três temas - a idéia de república, a de justiça e a perspectiva do universal, em oposição ao comunitário – que permitiram discutir a gestão da escola como uma instituição republicana, buscando identificar as mediações necessárias à realização do cotidiano escolar. Na sua leitura sobre os três temas focalizados pelo autor, Lopes (2003, .p. 12-14) ressalta a sua crítica ao Estado contemporâneo, que prioriza as leis de mercado sobre as leis da polis e coloca em risco a democracia liberal, ao gerar uma nação em duas camadas: a dos que tudo podem e dos que nada têm. Segundo Lopes (Ibid., p. 13), defendendo um programa de renda mínima, o autor considera a questão da ruptura com esse processo a partir da recuperação da república. Percebe a república como a tentativa de conciliar felicidade universal e liberdades individuais, supõe cidadãos críticos que se reconhecem como participantes de um país e buscam responder a todos e decidir coletivamente sobre o bem público. As dificuldades de viabilização desse Estado são admitidas pelo autor, que leva em conta as decisões globalizadas, o controle e a influência local dos cidadãos, a ausência de instituições republicanas, que implica na negação da cidadania e gera incerteza e instabilidade (LOPES, 2003, p. 13). A ruptura desse processo supõe, para o autor a recuperação da república. “Nada menos é necessário do que uma instituição republicana em escala proporcional à escala de operação dos poderes transnacionais” (BAUMAN, 2000, p. 194). Contrapondo-se à tendência do “comunitarismo”, o autor defende a possibilidade de um universalismo que, ao invés de negar a diferença, supõe a capacidade de diferentes indivíduos se comunicarem e se entenderem buscando prosseguir a vida, mesmo que por caminhos diferentes. Essa seria na sua percepção, a única alternativa para a república opor-se à globalização. Ancorados nessas idéias, buscou-se ampliar os conhecimentos na área, analisando a prática dos diretores eleitos frente a três grandes tendências presentes na gestão das unidades escolares: a tendência conservadora, que diz respeito ao papel tradicional do diretor, a tendência democrática, que procura construir um espaço coletivo para articulação dos diferentes interesses presentes na escola e a tendência gerencial, que, procurando garantir a autonomia administrativa da escola, mantém o controle sobre os seus resultados e enfatiza a eficiência e a eficácia gerenciais. 15 Assim, esta pesquisa objetivou “analisar a atuação de diretores de unidades escolares frente às novas exigências da sociedade brasileira, tendo presente as dimensões política e técnica do trabalho de direção” (TEIXEIRA, 2003, p 7). Esse objetivo remeteu à investigação do trabalho de diretores de escolas, delimitando o campo da pesquisa, de modo a abranger uma amostra de estabelecimentos estaduais de educação básica em todo o Estado de Minas Gerais. A estratégia utilizada para abarcar o universo de escolas estaduais de Minas Gerais foi a constituição de seis grupos, sob a coordenação dos pesquisadores do NESCE/FACED/UFJF, contando com a colaboração direta de Instituições de Ensino Superior, públicas e/ou privadas, situadas nas diferentes regiões do Estado e convidadas a participar11. Cada grupo se encarregou do trabalho de campo de sua região e realizou as análises preliminares dos dados nela coletados. À Coordenação Geral da pesquisa, sob responsabilidade do NESCE/UFJF, couberam o processamento estatístico de todos os dados, a análise conclusiva dos mesmos e a elaboração do relatório final12. Nesse sentido, a condução da pesquisa pautou-se na defesa da escola como espaço propício ao debate de múltiplos interesses, que deve mobilizar os desejos e interesses dos que nela atuam, no sentido de estabelecer uma idéia-força consubstanciada no seu projetopedagógico. Há que se ter, não apenas competência técnica para conduzir a elaboração do projeto da escola, mas, principalmente, competência política para articular os diferentes interesses em torno do bem comum. Esse espaço de debates precisa constituir-se também num espaço de correção das gritantes injustiças praticadas, principalmente, contra os alunos, tratando-os efetivamente como centro da prática escolar, ao mesmo tempo em que permite à escola assumir “sua dimensão coletiva, como participante de uma sociedade mais ampla e em constante ampliação” (LOPES, 2003. p. 17). Considerou-se ainda que a escola pública não pode ser vista e analisada sem que se discuta a questão do Estado. 11 - Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá – UNIVERSITAS; Universidade Federal de Uberlândia – UFU; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/BH; Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES; Fundação Educacional de Caratinga – FUNEC. 12 - Esta Coordenação contou com a consultoria do professor Dr. Erasto Fortes Mendonça, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, UnB, nas reflexões, sobre a gestão escolar. Na organização e apresentação do banco de dados, teve a colaboração da professora Jacqueline Furtado Vital, do Departamento de Estatística desta universidade. Contou ainda com a consultoria do professor Dr. Tufi Machado Soares, que acompanhou a elaboração do questionário, a definição dos programas e testes estatísticos empregados na analise dos dados, acabando por incorporar-se ao grupo de pesquisa. 16 (...) não basta o Estado definir um percentual para a aplicação de recursos e zelar para que esses sejam aplicados de forma eficiente. A formulação de projetos que serão construídos na relação com a sociedade torna-se fundamental. Qual o papel da escola na construção da sociedade que se deseja? Esse é o debate que, partindo da sociedade, terá que invadir a escola. Essas idéias orientaram a construção das duas versões de um questionário, principal instrumentos para atingir diretores, especialistas de ensino e professores das escolas selecionadas (estes últimos denominados na pesquisa como profissionais de ensino). Também levaram em conta: o modelo burocrático que se encontra vigente na maioria de nossas escolas e que a tem colocado a serviço da produção capitalista; a racionalidade imposta pelo sistema produtivo que atinge a escola e penetra no próprio processo pedagógico na busca de resultados eficientes; a especificidade da prática pedagógica que exige para a escola uma forma própria de organização e de gestão; a preocupação com a preservação da posição de professores e alunos, agentes primordiais do processo pedagógico; e o discurso da democratização e da qualidade de que estão impregnados os projetos de reforma de ensino em desenvolvimento. Na organização desses modelos também foram levadas em conta as mudanças propostas pelas políticas públicas implantadas na rede de escolas estaduais a partir da década de 80 e, mais especificamente as ações derivadas dos Projetos ProQualidade (1993-1998) e Escola Sagarana (2000- 2002) que tiveram reflexos na forma de organização dessas escolas. A coleta e a análise dos dados da pesquisa orientaram-se por quatro categorias: a) autonomia da escola, entendida como a capacidade da escola estabelecer as regras de seu próprio existir, levando em conta a sociedade a que serve, as orientações do sistema e seus próprios limites e potencialidades; b) a escola compreendida como espaço público, que permite a inclusão de classes, grupos e sujeitos subalternizados no processo de intervenção política e contribui para a formulação de políticas educacionais mais sintonizadas com o processo de democratização; c) a idéia de projeto que supõe, conforme salienta Passos (1999, p.1), o rompimento com o presente, que não satisfaz os anseios e necessidades da comunidade escolar e, ao mesmo tempo, se lança para o futuro difícil, carregado de conflitos e contradições; 17 d) a avaliação institucional concebida como um processo que vai além da avaliação do rendimento dos alunos ao se preocupar com o desempenho da unidade escolar em seu todo. Adotando uma abordagem quantitativa o desenvolvimento da pesquisa lançou mão de vários procedimentos estatísticos. Inicialmente definiu-se uma amostra estratificada de modo a contemplar, em cada uma das seis regiões em que foi dividido o Estado (Belo Horizonte, Mata, Norte, Sul, Triângulo e Vale do Aço), escolas maiores e menores, urbanas e rurais, de cada uma das Superintendências Regionais de Ensino, SREs em que se organiza a administração estadual de ensino em Minas Gerais. Foram 379 o total de escolas13 abrangidas pelo estudo, sendo que 325 diretores e 4.940 profissionais de ensino responderam os questionários propostos. Os dados resultantes de todas as questões dos questionários destinados aos diretores e profissionais de ensino foram tabulados utilizando-se o software SPSS (Statistical Package for Social Science), para construir um banco de dados para cada universo pesquisado. Foram, então, montadas 117 tabelas derivadas da versão do questionário de diretores e 86 tabelas referentes à versão questionários destinado aos profissionais de ensino. Essas tabelas, que apresentam os percentuais calculados na amostra, para todas as opções de respostas, considerando cada região e os universos totais, constituíram o elemento básico de análise e interpretação dos dados relativos às categorias do estudo14. Uma avaliação qualitativa dos dados, respaldada em reflexão sobre as bases teóricas do estudo, possibilitou a construção de um modelo de análise que permitiu a classificação dos diretores segundo as três tendências indicadas no projeto: conservadora, gerencial e democrática15. Esse modelo tomou por base 17 dimensões identificadas como preponderantes entre as várias dimensões associadas às questões da versão do questionário respondido pelos diretores. A identificação dessas dimensões, responsáveis por 64% da variância explicada, tornou-se possível com o uso do método de Rotação Varimax, com estimação de escores dos fatores (dimensões) através do método de regressão (TIMM, 2002). O quadro anexo apresenta as 17 dimensões associadas ao perfil dos diretores, as questões a que se referem, a interpretação de cada uma e o tipo de perfil que caracteriza o contexto da pesquisa. 13 - Ficou assim configurada a distribuição das escolas por região: Belo Horizonte 39; Mata 79; Norte 74; Sul 63; Triângulo 39 e Vale do Aço 85. 14 - Os resultados dessa análise que podem ser verificados no Relatório Final da pesquisa (TEIXEIRA, 2003) deixam de ser aqui apresentados dadas as limitações e os objetivos deste texto. 15 -Na construção desse modelo tornou-se necessário proceder a aproximação de variáveis com níveis diferentes de mensuração, o que foi feito buscando-se garantir a confiabilidade dos resultados das análises. 18 As dimensões identificadas foram devidamente interpretadas com base no referencial teórico relativo às tendências de gerenciamento da escola, valendo-se novamente de uma reflexão qualitativa que permitiu a confirmação das tendências previstas no projeto e a classificação final dos diretores envolvidos. Para isso empregou-se um método de cluster analysis (análise de agrupamentos), não hierárquico, disponível no SPSS, conhecido como método Mac Quenn’s K-Means cluster (TIMM, 2002). As análises realizadas permitiram classificar 90% dos diretores envolvidos, confirmar a presença nas escolas das três tendências supostas pelo estudo e revelar a existência de um grupo de diretores que não se enquadrava no modelo previsto, requerendo sua redefinição. Assim, constatou-se que 13% dos diretores apresentavam-se como de tendência predominantemente conservadora, 17% dos diretores apresentavam-se com tendência predominantemente gerencial, enquanto 10% revelavam uma tendência amplamente democrática, enquanto um grupo híbrido, constituído de 50% dos diretores, exibia características democráticas em várias dimensões estudadas, embora apresentassem tendências mais ou menos conservadoras, mais ou menos gerenciais em outras dimensões. Esse grupo, que não se enquadrava no universo daqueles classificados nas dimensões já identificadas, recebeu a denominação de democrático dúbio considerando-se que nada indicava tratar-se de uma “democracia incipiente” (TORRES E GARSKE, 2000, p. 16), mas o resultado de um processo não linear que, por isso mesmo, não pode ser visto como preditivo de uma etapa mais avançada na direção plena da democratização da escola. Assim, chegou-se à seguinte partição final16: 16 - O cálculo dos valores das médias das dimensões nos grupos classificados e os valores médios e modais das questões importantes em cada dimensão serviram para confirmar e validar as classificações realizadas. 19 Distribuição dos diretores segundo seus perfis 10 % 17 % 13 % predominantemente gerencial predominantemente conservador amplamente democrático democrático dúbio não classificados 50 % 10 % Os dados coletados nos dois universos pesquisados (diretores e profissionais de ensino) possibilitaram ainda análises que encaminharam as seguintes considerações: 1. O grupo de diretores estudado se situa no mesmo patamar dos profissionais de ensino estudados, o que pode ser comprovado pela similitude de respostas dos dois grupos. Este resultado era esperado, na medida em que a escolha do diretor a partir de consulta à comunidade escolar igualou estes dois segmentos. Essa constatação, no entanto indica que a idéia de um diretor capaz de orientar os professores e dar a direção do processo pedagógico perde fôlego nessa situação. O diretor é muito mais um representante dos professores do que um dirigente do grupo. As aproximações entre os dois grupos permitem pensar-se em cumplicidade entre eles. Isso, se por um lado, fortalece a noção de coletivo, por outro lado, dificulta a entrada de posições que ameacem o grupo e pode levar a um fechamento do grupo em defesa própria. 2. Os dados apurados permitiram dimensionar que a tendência predominantemente conservadora ainda aparece em 13% das escolas. Mas esses resultados parecem apontar uma mudança significativa em relação ao passado recente das escolas públicas, em que os diretores, conduzidos ao cargo mediante a indicação política, cultivavam, de um modo geral, um estilo tradicional, autoritário e centralizador de administração da escola. Os 20 resultados indicaram que, em 60% das escolas, os diretores apresentam características de uma tendência democrática de gestão. Uma análise mais apurada revela, no entanto, que apenas em 10% dos casos se pode falar de uma tendência amplamente democrática, sugerindo aí a consolidação de um estilo de gestão que procura ouvir o grupo, buscar consensos e abrir espaço para a pluralidade de idéias. Ao lado disso, a presença da tendência gerencial se revelou muito forte nas escolas. Ela se traduziu no índice de 17% de diretores com tendência nitidamente gerencial, estando, ainda, fortemente presente nos resultados do grupo híbrido, o que impediu a definição desse grupo como claramente democrático.Essa tendência reflete características fortemente presentes no conjunto da sociedade as idéias de agilidade, de modernização, de “resolutividade”. Elas orientam a crítica aos serviços públicos, exigindo deles maior produtividade. As escolas parecem não admitir a crítica da improdutividade, por isso valorizam tais idéias. Essa perspectiva tem dificultado o avanço da tendência democrática e não tem tornado a escola mais eficaz. Permanecem os significativos índices de reprovação e evasão, além dos testes avaliativos registrarem baixos índices no desenvolvimento de certas competências e habilidades. Portanto, outras questões precisam entrar na ordem do dia para que a escola possa apontar novas perspectivas. Isso reforça, ainda, a idéia de que é a sociedade a grande responsável pela escola. Na direção que a sociedade aponta é que a escola busca se adequar. 3. Os diretores colocam no centro de suas atividades a questão pedagógica. Dessa forma, se tem que perguntar sobre o que está sendo entendido com essa formulação, o que demanda por uma discussão mais profunda, não só nas escolas, mas em todo o campo educativo. 4. O papel da Secretaria de Estado da Educação precisa ser pensado neste quadro traçado pela pesquisa. Os diretores se localizam entre o seu grupo e as exigências de seu cotidiano, ao mesmo tempo em que devem responder às exigências da SEE, sem saberem fazer uma articulação entre essas duas demandas. E, se não conseguem fazer articulações, mantendo duas paralelas, a tendência é trabalhar a de maior interesse e cumprir, apenas no âmbito formal, aquela para a qual não percebem sentido. Nesse caso, muitas orientações/exigências da SEE, quando não explicitamente combatidas nas escolas, tenderão a se tornar inócuas. 5. Chama a atenção a pouca participação dos pais nas escolas. Não se trata de discutir a importância dessa participação, pois toda a comunidade escolar a reconhece. A questão é a de aproximar esse grupo daquilo que a escola está fazendo. A escola é do diretor e dos 21 professores. Eles comandam as ações e os pais pouco contribuem, porque o espaço exige um domínio que eles não têm. Pode-se chamá-los, pode-se mostrar a importância deles, mas a dinâmica criada, na verdade, os afasta. A questão é justamente a maneira como a escola é pensada e organizada e as dinâmicas que estão sendo criadas em seu interior. Pode-se chamar os pais, os amigos da escola, etc. Se não se mudam as dinâmicas, eles só entrarão naquelas em que há espaço para eles. A questão é séria e merece um aprofundamento, que não cabe nos limites desta pesquisa. 6. Assusta a força da idéia de competição presente dentro e entre as escolas. Trata-se de uma idéia forte na sociedade e que as escolas reproduzem. Uma política educacional responsável deveria estar atenta a essa questão, pois se acredita que aí reside um ponto central para o desenvolvimento de uma escola democrática. 7. Por fim, a auto-avaliação dos diretores frente aos compromissos assumidos por ocasião da investidura no cargo revelou a ausência de uma postura crítica dos dirigentes escolares, que se atribuíram elevados valores em todos os itens, indistintamente. A preocupação com uma avaliação institucional parece pouco presente entre eles” (TEIXEIRA, 2003, p 113116). Diante dos resultados apurados neste estudo, o grupo de pesquisa concorda com Vitor Paro (1997, p.9), e considera que a gestão democrática da escola constitui uma utopia, algo que embora não exista, se apresenta como valor desejável, como alternativa para solucionar a problemática da unidade escolar. A utopia da democratização da escola é entendida aí como resultado de um processo que supõe transformar o sistema de autoridade e a distribuição do trabalho no interior da escola. Isso requer, sem dúvida, levar em conta no processo de escolha de diretores escolares a necessidade sua competência técnica e política para realizar a adequada administração dos recursos da escola e responder às demandas da comunidade. Mas não se pode minimizar o fato de que o problema da escola pública no país continua sendo a escassez de recursos, um problema político, que não pode ser resolvido com o emprego de estratégias gerenciais, que perseguem a eficácia e a produtividade, em detrimento da qualidade social da educação. 4- Algumas considerações a título de avaliação A revisão das pesquisas desenvolvidas nos últimos dez anos pelo grupo da UFJF que tomou a gestão democrática da escola pública como objeto de seus estudos permitiu chegar-se 22 a algumas constatações importantes para continuidade dos trabalhos desse grupo e para os interessados nessa temática. Os três estudos, à semelhança de outros desenvolvidos no Brasil (- PARO, 1991, PENIM, 1995, TURA, 2000) e no exterior ( BARROSO, 1996, LIMA, 1996, LADERRIÉRE, 1996, DEROUET, 1987, GOMES, 1993, NÓVOA, 1992, HUTMACHER, 1992), a partir dos anos 80, elegeram as unidades escolares como seu objeto de estudos. Nesse aspecto adotaram uma linha de investigação que buscou conhecer os processos da gestão democrática da escola pública, afastando-se de abordagens preocupadas com a mera identificação de indicadores de eficácia e eficiência das escolas. Os três estudos se caracterizaram também por irem além das estruturas formais da instituição escolar, examinando-a numa perspectiva que a coloca como uma organização social e busca conhecer as relações que se dão entre seus atores, num processo permanente de construção e reconstrução. Os três projetos e, mais particularmente os dois últimos, se caracterizaram ainda pela adoção de abordagens que, sem se fecharem no âmbito da escola, tratam o processo de sua democratização num quadro mais amplo de redefinição do Estado brasileiro e de suas relações com a sociedade. Isso permite o tratamento mais crítico de algumas questões. Assim, percebeu-se, por exemplo, que a discussão sobre a proposta de autonomia da escola, firmada nos documentos legais e reafirmada nos projetos de reforma levados a efeito nos estabelecimentos estaduais de ensino não é sentida no cotidiano das instituições, senão como mecanismo que transferiu responsabilidades para as escolas, servindo aos propósitos de desresponsabilização do Estado com o ensino público. Essa autonomia não vem sendo assumida pela instituição escolar como espaço de luta pela definição de suas prioridades, tomada de decisão e definição de sua estrutura interna de poder. Em outras palavras, não tem servido à definição de uma identidade própria da unidade escolar, consubstanciada em seu projeto político pedagógico. Por outro lado, a figura desse projeto e de sua construção coletiva parece estar mais presente no discurso que na prática das escolas, pouca contribuição prestando ao processo de renovação da prática docente que nela se realiza. Essa perspectiva, permitiu constatar que há, sem dúvida, um processo de mudanças no modelo de organização das escolas, que favorece o surgimento de múltiplas e variadas formas de viabilização dos processos de gestão escolar, onde convivem procedimentos característicos das tendências conservadora, gerencial e democrática, respaldados por um 23 discurso de cunho predominantemente democrático. No entanto, a intenção de democratizar a escola parece esbarrar, cotidianamente, em obstáculos concretos resultantes da precarização das condições de funcionamento dessa instituição, tanto no plano dos recursos materiais, quanto no plano da capacitação de seu quadro de pessoal. Assim, eleição de diretores, projeto político pedagógico, e colegiados escolares, instrumentos úteis para encaminhar o processo de democratização da escola, se tornam esvaziados de suas possibilidades efetivas e reduzidos a procedimentos formais que a instituição cumpre de maneira ritual, ou continuam fortalecendo os mecanismos de favorecimento dos interesses particulares, sem contribuir para a efetiva democratização das oportunidades da população ter assegurado um ensino de melhor qualidade. Cabe ainda assinalar que, numa época de ruptura com as abordagens quantitativas dos estudos em educação, o grupo ousou propor a utilização de estratégias quantitativas de coleta e processamento de dados, e, mais ainda, ousou valer-se simultaneamente das duas abordagens, de modo a ampliar as informações sobre o campo estudado, expandindo as possibilidades de análises qualitativas do mesmo. As técnicas quantitativas possibilitaram, no caso do processo de seleção dos diretores, conhecer a opinião de um número maior de “eleitores” no momento de realização do pleito, confirmando e ampliando a compreensão dos dados colhidos no universo mais restrito das escolas observadas. No que diz respeito às tendências da gestão escolar, os procedimentos quantitativos, viabilizaram a abrangência de um número representativo de escolas estaduais, com um volume de informações que tornou possível a utilização de procedimentos estatísticos avançados e favoreceu a construção de um modelo próprio para a classificação dos diretores estudados, a partir da análise e a interpretação qualitativa dos dados. Partindo das tendências da gestão escolar, identificadas na rede estadual, o grupo se volta, nesse momento, para a questão da formação dos dirigentes e das concepções teóricas mais amplas que têm orientado essa formação, buscando conhecer, mais particularmente, essas orientações que balizaram as posições dos dirigentes escolares frente a própria SEE/MG. Referências bibliográficas -AFONSO, Almerindo Janela. Reforma do Estado e Políticas Educacionais: alguns tópicos para discussão. Caxambu: ANPED. 2000 24 -ALONSO, Myrtes. O papel do diretor na administração escolar. 2 ed. 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Q32n Q32l Q32m Q32i Q32o Q32f Q21d Q21a Q21c Q21b Q21e Q20b Q28b Q32q Q32g Q32h Q32f Q32p Q32b Q32p Q18c Q18b Q28b Q32r Q32d Q32b Q18d Q19b Q19d Q28d Q20b Q19e Q20a Q20c Q19f Q32c Q32e Q35 Q32j 0.758 0.742 0.730 0.642 0.557 -0.318 0.756 0.670 0.641 0.613 0.594 0.551 0.316 0.759 0.758 0.742 0.540 0.523 -0.383 0.338 0.760 0.734 0.393 0.664 0.641 0.578 0.631 0.588 0.532 0.529 0.248 0.720 -0.650 -0.487 0.455 0.740 0.560 0.347 0.726 Dimensão associada a uma Conservadora preocupação com a divisão do (sentido positivo) trabalho. Democrática (sentido negativo) Q7c -0.868 Não interpretável Q8e Q8b 0.760 -0.658 Oposição entre a priorização Conservadora dos conteúdos pedagógicos e (sentido positivo) dos recursos humanos. Gerencial (sentido positivo) Democrática (sentido negativo) Dimensão associada à Democrática constituição do espaço público. (sentido positivo) Conservadora (sentido negativo) Dimensão associada autonomia de decisão. à Democrática (sentido positivo) Conservadora (sentido negativo) Dimensão associada a uma Democrática preocupação com a busca de (sentido positivo) consenso. Conservadora (sentido negativo) Dimensão associada a decisões Gerencial privadas. (sentido positivo) Dimensão associada preocupação com hierarquização. Dimensão preocupação participação. associada com à Conservadora a (sentido positivo) Democrática (sentido negativo) à Democrática a (sentido positivo) Conservadora (sentido negativo) Não interpretável Dimensão associada competência empresarial. à Gerencial (sentido positivo) - 28 13. - Q20d Q37 0.722 -0.380 Não interpretável 14. Tomada de decisão Q18d Q18a 0.396 0.811 Tomada de decisão 15. Centralização Q21d Q21c Q28b Q20c Q32a -0.192 -0.300 -0.210 0.163 0.751 Preocupação centralização. 16. Relações interpessoais Q28c Q28a Q19a -0.680 0.500 0.431 Relações interpessoais 17. Competição Q19c 0.831 Afirmação da competição * Questões mais fortemente associadas à dimensão. ** Peso correspondente na aplicação da variável. - com Conservadora (sentido positivo) Democrática (sentido negativo) a Conservadora (sentido positivo) Democrática (sentido negativo) Conservadora (sentido positivo) Democrática (sentido negativo) Gerencial (sentido positivo)