CABIMENTO DA RECONVENÇÃO NA AÇÃO MONITÓRIA. Autor: Fowler R. P. Cunha I – INTRODUÇÃO. Desde o seu nascimento no sistema jurídico brasileiro, a ação monitória, tem configurado como um importante meio para a maior celeridade do Poder Judiciário, objetivando a satisfação de créditos não materializados em documentos aos quais a lei confere eficácia de título executivo. O presente estudo foi elaborado com o objetivo de demonstrar a possibilidade de aplicar o instituto da Reconvenção nas Ações Monitórias, aplicando-se a Norma legal vigente, princípios já consagrados, a Súmula 292 do STJ, bem como subsidiariamente Julgados de Tribunais, para então poder ser utilizados pelos operadores do Direito. Apontamos aspectos históricos da Ação Monitória no Brasil, bem como conceito e elementos caracterizadores, tanto da Monitória, quanto da Reconvenção. A Reconvenção é o instrumento através do qual o réu introduz na lide uma nova pretensão, a ser julgada juntamente com a do autor. Salientando o fato de que tal instituto não é admitido nos procedimentos sumários. 2 A Ação Monitória, conhecida e denominada pela doutrina de Procedimento Monitório, muito embora tenha como objetivo principal ser o mais breve possível, por certo, no caso da propositura dos Embargos, os quais não guardam nenhuma similitude com os embargos à execução, faz com que o procedimento seja convertido no Ordinário, porém, ainda sim, entendemos que há a agilidade e rapidez do procedimento. Importante salientar que esta discussão no que se refere à aplicabilidade do instituto da reconvenção no dito procedimento monitório é muito recente, porém, já há fundamento legal e diversos Julgados favoráveis à possibilidade, dependendo do procedimento, da aplicabilidade do dito instituto da Reconvenção. Procuramos sintetizar, ao máximo, os tópicos sugeridos com o intuito de tornar o estudo o mais simples possível. Ao final iremos aduzir alguns comentários, em síntese conclusiva, apenas demonstrando nosso entendimento e posicionamento quanto as inovações em lume, esperando que este estudo possibilite aos operadores do direito aplicar em casos concretos, com sucesso. 3 II – ORIGEM HISTÓRICA DA AÇÃO MONITÓRIA NO BRASIL. A expressão Monitória vem, segundo o Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, “Do latim monere, advertir, avisar, ad/moestar”.1 Desde os tempos coloniais, sob a vigência da legislação Portuguesa, já havia uma expressão de ação monitória com a chamada ação Decendiária, com origem nas Ordenações Manoelinas (Livro III, Título LXVI), ou Assinação dos dez dias, nas Ordenações Filipinas (Livro III, Título XXV). Independente de Portugal e já com ordenamento próprio, várias Constituições e Ordenamentos Brasileiros adotaram a ação Decendiária, com certas modificações, tais como o regulamento 737, o qual, ao mesmo tempo restringiu e ampliou o instituto em tela, vez que reduziu seu âmbito de atuação aos litígios comerciais e englobou mais títulos passíveis de tal ação. A ação monitória, propriamente dita, no Brasil é de origem recente. Sua previsão veio com a promulgação da lei 9.079/95, na chamada “Reforma do Código de Processo Civil”, inserindo três novos artigos ( arts. 1.102a, 1102b e 1.102c). 1 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, 12ª Ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004, pág. 907. 4 III - CONCEITO E BREVES CONSIDERAÇÕES DE AÇÃO MONITÓRIA E RECONVENÇÃO A ação monitória trata-se de inovação introduzida no Código de Processo Civil em vigor nos artigos 1.102a, 1102b e 1.102c, pela Lei 9.079, de 14.07.1995, conforme já mencionado. A ação monitória, segundo o professor Elpídio Donizetti Nunes, é “o procedimento especial de jurisdição contenciosa, de natureza cognitiva, que tem por finalidade a formação de título executivo judicial a favor de quem tiver prova escrita, na qual conste obrigação de pagar soma em dinheiro, entregar coisa fungível ou determinado bem móvel (art. 1.102)”2. Dessa maneira, denota-se que o procedimento monitório, a título de natureza jurídica, é tido como um procedimento especial do processo de conhecimento, vez que busca-se alcançar o mesmo fim que se obteria pelo procedimento comum, qual seja a obtenção de título executivo.Ademais, embora variável de país para país, no Brasil, assim como no sistema italiano, prepondera o entendimento que tal procedimento é cabível somente quando tratar-se de pretensões de cobrança de obrigação de pagar dinheiro ou de entrega de coisas fungíveis ou de bens móveis. 2 NUNES, ELPÍDIO DONIZETTI. Curso Didático de Direito Processual Civil. 5ª Ed. Belo Horizonte. Editora Del Rei, 2004, pág. 526. 5 Assim, todo aquele portador de título, porém, sem eficácia de título executivo, figurando apenas como detentor de prova escrita tomada de certeza, liquidez e exigibilidade pode propor ação monitória a fim de obter constituído seu título executivo e alcançar uma das três espécies de prestação estipuladas na norma legal, como veremos adiante. Como finalidade busca viabilizar o pronto acesso da parte à execução, sem percorrer os demorados trâmites processuais impostos pelo rito ordinário, alcançando o princípio da celeridade e principalmente da efetividade. Segundo o ensinamento de José Rubens Costa, "A ação monitória visa a propiciar ao credor uma rápida e eficaz constituição do título executivo (...) Pela ação monitória possibilita-se uma prestação jurisdicional simplificada, de cognição sumária, constituindo-se o título executivo pelo deferimento sem contraditório – inaudita altera parte – da petição inicial".3 Trata-se de procedimento contencioso especial e que não se confunde com o chamado preceito cominatório, eis que este visa uma obrigação de fazer ou não fazer ensejando um comando associado à imposição de uma pena ou sanção para o caso de descumprimento da obrigação. No prazo estipulado para o pagamento, entregar coisa fungível ou determinado bem móvel, o réu tem a opção 3 COSTA, José Rubens. Ação Monitória. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 5. 6 entre embargar, com a instauração da cognição exauriente, disciplinado pelas disposições de procedimento comum (§ 2º do art. 1.102c, e se rejeitados - § 3º do art. 1.102c); simplesmente silenciar, transformando em mandado executivo, com força de sentença condenatória transitada em julgado (caput do art. 1.102c), ou ainda tem a opção de cumprir o mandado monitório, ficando isento de custas e honorários advocatícios (§ 1º do art. 1.102c). O prazo, portanto, para propositura dos Embargos é de 15 (quinze) dias. Os embargos, que é a resposta do réu (art. 102,c), porém, não pode ser confundindo com contestação, tendo em vista que dão origem a um processo, o qual será apreciado para, ao final, ser prolatada uma sentença, o que não ocorre no caso de não oferecimento de embargos. Tem os embargos como objetivo requerer a extinção do processo embargado por não existir a obrigação; reduzir o objeto da demanda ou ainda a extinção por ausência de pressupostos e todas as matérias, de regra, defensivas aceitas pelo processo de conhecimento, nas contestações e exceções, suspendendo a eficácia do mandado monitório. Quanto ao ônus da prova, imprescindível citarmos o conhecimento do Professor Candido Rangel Dinamarco: “É do autor embargante o ônus da prova dos fatos constitutivos de seu 7 alegado direito e é do réu-embargante o de provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos.”4 Importante destacar o entendimento do Nobre Professor J. E. Carreira Alvim, em uma de suas obras, onde questiona a natureza do recebimento dos embargos, na Ação Monitória: “Não posso compreender eu, ajuizado uma ação ordinária, o credor-autor aja (exercite a ação) e o réu-devedor reaja (exercite defesa) – com os ônus normais a cargo de cada uma das partes (art. 333)- e, simplesmente por preferia a ação monitória, fundada na mesmíssima prova, com idêntica pretensão-que, inclusive, passa ao rito ordinário, havendo embargos-, se transmude a natureza da defesa em ação, com inversão da posição das partes no processo, posicionando o autor da monitória como réu nos embargos, com todos os ônus daí decorrentes. E o pior: admitir-se-ão embargos cujo principal efeito é converter o rito monitório em ordinário”.5 Respeito, obviamente, o entendimento do Ilustre Professor, porém, não pode tanto a doutrina, como a Jurisprudência, sacrificar o princípio do contraditório e da ampla defesa, em prol da celeridade. Um aspecto relevante e importante a se mencionar, muito embora não seja o objetivo deste estudo, é que no procedimento monitório, ao nosso entender, não é aceito a citação por 4 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 764. 5 ALVIM, J. E. Carreira, Ação Monitória e Temas Polêmicos da Reforma Processual, 4ª ed, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, pág. 38. 8 edital ou com hora certa, já que, na hipótese de haver revelia, o curador especial, ao oferecer embargos, ante a obrigatoriedade, transmudaria o procedimento em ordinário, muito embora há correntes divergentes neste aspecto. Outro aspecto é a possibilidade de utilização desta via processual no caso do réu incapaz e da Fazenda Pública. No caso do incapaz, por certo não haveria possibilidades, já que a participação do Ministério Público acabaria por impedir a agilidade do procedimento em tornar o título executivo. No que se refere à Fazenda Pública, muito embora há vários estudos neste aspecto, não vislumbro maiores problemas, já que pode esta pagar espontaneamente, através dos precatórios, ou simplesmente Embargar, sem qualquer prejuízo da rápida formação do título executivo. Reconvenção é uma ação proposta pelo réureconvinte, contra o autor-reconvindo, onde formula pedidos contra este, desde que haja conexão com a causa principal ou com o fundamento da defesa, no mesmo processo em que o autor move contra o réu e no mesmo prazo, simultaneamente com a apresentação da contestação. A reconvenção é prevista no art. 315 ao 318 do Código de Processo Civil vigente. 9 Para o Ilustre professor Ovídio A. Baptista da Silva, muito bem conceitua este instituto: “o réu, todavia, pode sair de sua condição de defesa e passar ao ataque, propondo contra o autor uma demanda inversa. A esta ação do réu, proposta dentro do processo originário contra o autor, dá-se o nome de reconvenção”.6 Portanto, a Reconvenção tem como principal fundamento a economia processual, e a sua natureza é o "contra ataque". A reconvenção é uma faculdade, pois mesmo que o autor não proponha a reconvenção, poderá propor ação autônoma, que será, em face da conexão, julgada simultaneamente com a ação principal. É cabível em qualquer procedimento do processo de conhecimento, já que há necessidade da identidade da forma procedimental, desde que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, mencionados acima, com exceção das causas dúplices. A reconvenção só será possível, conforme já mencionamos, se a demanda nela contida for conexa com a ação principal, ou com o fundamento da defesa nos termos do art. 315 do Código de Processo Civil. A reconvenção deve ser apresentada em petição escrita, juntamente com a contestação, e simplesmente é juntada 6 SILVA, Ovídio A. Baptista da, Gomes, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2002, pág. 278. 10 aos autos, sem qualquer autuação, sendo, após a juntada, intimado o advogado do autor-reconvindo para contestar, no prazo de 15 (dias). No caso de indeferimento liminar da reconvenção, entendo que cabe Apelação, não Agravo de Instrumento, como muitos entendem, já que muito embora o art. 315 do Código de Processo Civil estipula expressamente “no mesmo processo”, ao contrário, a Reconvenção não deixa de ser um processo autônomo dentre dos mesmos autos da Ação principal. Ainda, cabe ressaltar que há ainda várias divergências doutrinárias no que se refere à natureza jurídica dos Embargos na Ação Monitória. Uma corrente tem entendido que os Embargos tem natureza de demanda autônoma; outra que entende que tem natureza de contestação, sem que dê origem a um novo processo e, por último, os que entendem aqueles que entendem que tem natureza de recurso. Estou de acordo com o entendimento do Nobre Professor Alexandre Freitas Câmara, que “os embargos ao mandado têm natureza de defesa, contestação, não dando origem a processo novo, mas tão-somente convertendo o procedimento monitório em ordinário”.7 7 CÂMARA, Alexandre de Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. III, 7ª Ed, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005, pág. 552. 11 VI – DO CABIMENTO DA RECONVENÇÃO NA AÇÃO MONITÓRIA A Ação monitória, uma vez proposta e estando a petição inicial devidamente instruída e preenchido os requisitos legais, o Juiz, de plano, defere a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa, no prazo legal de 15 dias. Assim, o Juiz, verificando que o direito material é de existência provável e preenchido os requisitos legais, defere a expedição do mandado monitório, sem mesmo a instauração do contraditório, cabendo ao réu a respectiva instauração. Portanto, a decisão inicial do Juízo se baseia na cognição sumária. O réu, citado, neste prazo, poderá opor Embargos, que suspenderá a eficácia do respectivo mandado. Se os embargos não forem opostos constituirse-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma prevista no livro da execução. No entanto, com a impugnação do réu através de embargos, fica suspensa a eficácia do mandado injuntivo e torna o procedimento monitório em ação normal de conhecimento, regida e 12 obedecendo ao procedimento ordinário, cabendo, assim, a reconvenção, que se trata de uma das modalidades de exceções processuais. Em reiteradas decisões proferidas pelos Tribunais, fez com que o Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 292, unificasse o entendimento e orientando da seguinte forma “A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário”. Referência: CPC, art. 1.102c, § 2º. REsp 222.937-SP (2ª S 09/05/01 – DJ 02/02/04). REsp 401.575-RJ (4ª T 06/08/02 – DJ 02/09/02). REsp 147.945-MG (5ª T 06/10/98 – DJ 09/11/98). Verifica-se que a própria norma legal prevista no art. 1.102c, § 2º, já faz a previsão da conversão do rito: “Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário”. O Ministro Ari Pargendler, em decisão recentemente publicada no DJ 29.03.2004 p.00230, proferiu a seguinte decisão: “Ementa. PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. RECONVENÇÃO. Não há incompatibilidade entre ação monitória e reconvenção, que pode ser oposta na sua configuração usual. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.” Proc. RESP 363951/PR ; RECURSO ESPECIAL - 2001/0126765-0. Portanto, verifica-se que, deixando o réu de cumprir o mandado monitório, tanto de pagamento ou de entrega da coisa, opondo os Embargos, cuja natureza jurídica se assemelha à 13 contestação, já que não é ação, faz com que o procedimento monitório seja ordinarizado, tornando-se totalmente compatível a possibilidade de oferecimento da reconvenção, atentando que esteja esta conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Muito embora tenha o Procedimento monitório a tutela diferenciada, que busca atingir no menor tempo possível o direito do lesado, atendendo ao princípio da celeridade e da efetividade, não se confunde em abrir mão do princípio da ampla defesa, pelo qual a parte contrária pode se defender por todos os meios legais assegurados, dentre estes, a reconvenção. Ademais, a possibilidade do instituto da reconvenção vem atender ao princípio da economia processual, pondo fim ao objeto do litígio principal, da Monitória, bem como ao objeto da Reconvenção. 14 V – CONCLUSÃO. A ação monitória, no Código de Processo Civil em vigor, se contra no Livro IV, Dos Procedimentos Especiais. Todavia, existem de forma absoluta, argumentos bastante ricos que permite concluir pela conveniência da reintrodução, no Direito brasileiro, do procedimento monitório. Procedimento esse que indicado para lides relativamente simples, ou seja, quando não há por parte do credor a previsão antecipada de oposição ao crédito, porque, caso ocorra o inverso, haverá interposição de embargos e conseqüentemente a ação passará a ser conduzida pelo procedimento ordinário, e a finalidade primordial do procedimento monitório, que é exatamente aquela de evitálo, não terá cumprido a sua principal finalidade. Assim, com a previsão legal de opor Embargos, o rito passa a ser o Ordinário, ou seja, aplica-se neste caso o princípio do contraditório e da ampla defesa. Destarte, totalmente cabível a Reconvenção na Ação monitória, desde que preencha os requisitos e os pressupostos de admissibilidades legais, conforme exposto. 15 VI - BIBLIOGRAFIA 1. NUNES, Elpídio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. 5ª Ed. Belo Horizonte: Editora Del Rei, 2004. 2. SILVA, Ovídio A. Baptista da, Gomes, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2002. 3. ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, 12ª Ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004. 4. SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993. 5. COSTA, José Rubens. Ação Monitória. São Paulo: Saraiva, 1995. 6. ALVIM, J. E. Carreira, Ação Monitória e Temas Polêmicos da Reforma Processual, 4ª ed, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. 7. DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo: Malheiros, 2004. 8. CÂMARA, Alexandre de Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. III, 7ª Ed, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005.