O Rock ‘n Roll e o Direito Penal
É sabido por todos que o Direito Penal, apesar de ser a ultima ratio do Direito, possui
grande interação com a sociedade, seja no momento de aplicar penas devidamente
impostas, seja no momento de reinserir o condenado que cumpriu sua pena, sempre
com a intenção de torná-lo apto para o convívio social. Vincula-se umbilicalmente ao
homem, pois se apresenta como avaliador de suas condutas. Sendo assim, seria
possível imaginar que um juiz de direito, na tentativa de cooperar com a reinserção
social de adolescentes infratores, fundasse uma banda de rock justamente para esse
fim?
Pois essa banda existe e encontra-se no Estado do Rio Grande do Sul. O magistrado
Dalmir Franklin de Oliveira Júnior, que atua na Vara da Infância e Juventude, fundou
uma banda de rock, tendo como parceiros justamente os jovens que por ele foram
condenados por crimes de tráfico, roubo e até mesmo homicídio, com o sugestivo
nome de Liberdade.
Segundo noticiado, os jovens precisam, para ingressar na banda, ter bom
comportamento e frequentar aulas de música no estabelecimento em que se encontram
reclusos 1.Sendo assim, essa louvável postura do magistrado remete o leitor a uma
fundamental indagação: qual a finalidade da pena aplicada ao responsável pela prática
de um crime? Seria apenas para castigá-lo?
Inicialmente, tem-se que nossa doutrina aponta para duas finalidades: retribuição e
prevenção.
A retribuição consiste na “retaliação” do Estado à pessoa que cometeu um crime. Ou
seja, o Estado retribui, de modo justo, ao mal injusto que o criminoso provocou. É a
sensação de castigo que irá pairar diretamente no condenado.
Por outro lado, verifica-se também a finalidade preventiva da pena, que nada mais é
do que a tentativa do Estado de evitar a prática de novas infrações penais. Outrossim,
a finalidade preventiva ainda é dividida pela doutrina em prevenção geral e especial,
sendo essas positivas e negativas.
Desta feita, reputa-se geral a prevenção que se destina a impedir a prática de crimes
pela sociedade. No mais, será negativa quando tiver o poder de intimidar potenciais
1
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1674143-juiz-gaucho-monta-banda-de-rock-comjovens-condenados-por-ele-mesmo.shtml
criminosos, no sentido de mostrar-lhes a pena e a consequência que lhes serão
impostas, caso ajam da mesma maneira que a pessoa condenada.
Por outro lado, a finalidade geral positiva consiste em demonstrar a vigência e a
imperatividade do ordenamento penal: o Direito Penal brasileiro é válido, cogente e
eficaz em todo o território brasileiro.
A prevenção especial, por sua vez, em muito se aproxima dos fatos em estudo, pois é
dirigida especialmente para a pessoa do condenado. Igualmente, pode ser positiva ou
negativa. Essa última, destina-se a compelir o condenado a não voltar a delinquir.
Logo, objetiva evitar a reincidência.
Já a prevenção especial positiva tem por objetivo a ressocialização do condenado:
após o cumprimento da pena, o egresso deve ter condições de retornar ao convívio
social e, mais que isso, de respeitar as regras de convivência que são a todos impostas
pelo Direito. Por conseguinte, uma pena que afaste a pessoa do retorno legítimo e
eficaz à sociedade não pode ser legítima, bem como a que não lhe assegure os
mínimos direitos inerentes a qualquer pessoa que cumpra pena.
Deste modo, pode-se afirmar que a iniciativa do magistrado é digna de elogios, tendo
em vista que busca efetivar ao máximo a finalidade especial positiva da pena:
ressocializar o adolescente infrator e proporcionar a ele melhores oportunidades de
reinserção social. O envolvimento com o grupo, com a música que, por si só, espanca
definitivamente qualquer pretensão criminosa, irão abrir as portas para uma leitura
diferenciada da vida e ver que vale a pena vivê-la com dignidade.
Tenho certeza que uma das músicas entoadas pelo grupo é “É preciso saber viver”,
dos Titãs, que assim retrata em um dos versos:
Toda pedra do caminho / você pode retirar / Numa flor que tem espinhos / Você pode
se arranhar / Se o bem e o mal existem / Você pode escolher / É preciso saber viver.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de Justiça aposentado, mestre em
Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp Centro Universitário do Norte Paulista;
Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, bacharel em Direito pela
PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal
pela PUC/SP.
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