Novo Código Civil alterou pouco as obrigações
21.10.02 - Carta Maior
Ricardo Maffeis
Na sexta palestra do curso sobre o novo Código Civil, promovido conjuntamente pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e
pela Escola Paulista da Magistratura, o professor das universidades federais de Pernambuco e de Alagoas e ex-procurador geral de
Alagoas, Paulo Luiz Netto Lobo, abordou vários aspectos do Direito das Obrigações, como suas fontes, transmissão e pagamento.
No mesmo dia, Arnaldo Rizzardo, ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e professor da Escola Superior da
Magistratura e do Instituto dos Advogados daquele estado, tratou dos títulos de crédito, abrangidos agora pela nova redação do Código
Civil, nos artigos 887 a 926.
Direito das Obrigações
Paulo Lobo iniciou sua exposição afirmando que o livro do Direito das Obrigações foi o que menos sofreu alterações no Código Civil de
2002 com relação ao Código em vigor. Ressaltou, todavia, que não era por tal razão que o estudo da matéria deveria ser deixado de lado,
principalmente porque a interpretação do Código deve ser feita de acordo com as regras previstas na Constituição Federal de 1988. "A
função social, por exemplo, não diz respeito apenas ao contrato, mas às obrigações em geral", explicou.
Especificamente no livro das Obrigações, Paulo Lobo elogiou a seqüência das matérias na nova codificação, afirmando que a seqüência
no Código de 1916 era "precária". Em primeiro lugar, são tratadas as modalidades das obrigações; em seguida vem disciplinada a
transmissão das obrigações, que inclui a cessão de crédito e a assunção de dívida (novidade do Código de 2002); por fim, o Código trata
do adimplemento e do inadimplemento. Uma crítica foi feita em relação ao adimplemento: ao tratar das espécies deste, o Código passa a
adotar a terminologia pagamento, quando deveria ter mantido o termo adimplemento, que é o mais correto. Para o professor,
"pagamento passou a ter um uso lingüístico próprio, significando apenas o pagamento feito em moeda corrente".
Na parte geral das obrigações, foi incluída a assunção de dívida (arts. 299 a 303) e, por outro lado, excluídos a transação e o
compromisso, por se tratarem de contratos. A mora, desta vez, está corretamente incluída no título do inadimplemento (arts. 394 a 401),
bem como a cláusula penal (art. 408 a 416). As arras perdem sua função de início de pagamento e confirmação do contrato e agora
estão localizadas também na parte da inexecução das obrigações (arts. 417 a 420).
Por ter como objeto sempre uma prestação, a obrigação não tem relação direta com o próprio objeto da prestação. Até mesmo nas
obrigações de dar, o que existe é uma relação à qual são atribuídos somente efeitos pessoais e não reais. Essa é uma tradição do direito
brasileiro inspirada em países como Portugal, Espanha e França e não modificada com o novo Código. Tal tradição, porém, foi
questionada pelo palestrante, que afirmou que este poderia ter sido o momento de repensá-la.
Quanto às fontes, as obrigações podem ser classificadas em contratuais, extracontratuais e atos unilaterais. Paulo Lobo não concorda
com esta classificação, afirmando que existem obrigações que não se enquadram nessas três modalidades, "as obrigações surgem dos
fatos jurídicos".
Algumas novidades do Código de 2002
Uma das principais alterações é a inclusão da regra do parágrafo único do art. 249, que prevê que, em caso de urgência, pode o credor,
independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido. É uma tendência do Direito
cada vez mais se distanciar da regra de transformar tudo em perdas e danos. Com a nova regra, o próprio credor pode executar a
obrigação.
Quanto à cessão de crédito, foi mantida a regra de exigência de instrumento público ou particular revestido de solenidades para ter efeito
perante terceiros. Mas houve uma importante modificação: em 1916, a cessão operada sem o instrumento era considerada não válida
(art. 1.069); na nova redação, passa a ser ineficaz (art. 288), mudando assim do plano da validade para o da eficácia (1).
Ainda com relação à cessão, apesar de somente produzir efeitos para o devedor quando este for notificado, o cessionário pode defender o
direito cedido, independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor (art. 293).
Quanto ao objeto do pagamento e sua prova, o palestrante orientou os presentes para que fizessem uma leitura atenciosa dos arts. 315 a
318 do Código. O art. 315 determina: as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal,
salvo o disposto nos artigos subseqüentes. É a reafirmação do princípio nominalístico, mas com as exceções previstas em lei.
Para finalizar, Paulo Luiz Netto Lobo apontou aquela que, na sua opinião, a mais importante modificação do direito das obrigações é a
previsão da função social, assim definida no art. 317: quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor
da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível,
o valor real da prestação. A função social determina a aplicação de um juízo de eqüidade para se verificar qual é o valor real da
prestação. Para tanto, é necessário que tenha existido uma desproporção manifesta entre os valores e que tal disparidade seja fruto de
motivos imprevisíveis.
Os títulos de crédito no Código Civil
O professor gaúcho Arnaldo Rizzardo, ao comentar a presença da disciplina dos títulos de crédito no Código Civil, afirmou estarmos
diante de uma tendência de unificação do Direito Privado em um só código. Rizzardo, todavia, fez reservas a esta tendência: "se é para
unificar, que se unifique tudo. Da forma como está, há dificuldade na organização, pois uma parte do Direito Comercial está no Código
Civil e a outra permanece no Código Comercial de 1850".
Logo de início, o palestrante destacou um aspecto importante. Enquanto os vários títulos de crédito possuem cada um sua lei reguladora,
o novo Código estabeleceu normas gerais aplicáveis a todos. Assim, o artigo 903 – ainda nas disposições gerais dos títulos de crédito –
determina: salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.
Este dispositivo legal cria uma contradição. Apesar do tema estar regulado em muitos artigos na nova lei (arts. 887 a 926), sua aplicação
é subsidiária, pois existem apenas quatro artigos do Código de 2002 que não têm similares nas várias leis especiais que tratam dos títulos
de crédito. São os artigos 895, 900, 919 e 920.
No tocante aos títulos cambiários, por exemplo, a doutrina sempre teve dúvida se deveria aplicar o Decreto 2.044 de 1908 ou a Lei
Uniforme de Genebra de 1930 (adotada no Brasil a partir de 1966 pelo Decreto 57.663/66). Isso porque a Lei Uniforme tem reservas
(assuntos onde é aplicável a lei nacional de cada país signatário), como o dispositivo que trata das taxas de juros. A partir de janeiro de
2003, o intérprete terá que conferir os dois diplomas e mais o Código Civil, "a matéria ficou complexa, cheia de nuances", afirmou.
Segundo Arnaldo Rizzardo, analisa-se primeiro a Lei Uniforme; se esta não tratar da matéria, incide o Decreto 2.044; caso este também
não discipline o tema, aí será aplicável o novo Código. "Não foi uma boa política a disciplina dos títulos de crédito no Código Civil. Seria
melhor se ficasse como estava e melhor ainda se o novo Código não abrangesse as matérias de Direito Comercial", criticou.
Um dos artigos destacados foi o 890, que prevê como não escritas no título, entre outras cláusulas, a de juros. Tal regra, entretanto,
contraria as leis especiais que disciplinam as várias espécies de títulos de crédito, de forma que só poderá ser aplicada aos títulos que
venham a ser criados no Brasil. A própria Lei Uniforme autoriza a cobrança de juros.
Dos quatro artigos acima mencionados como de aplicação imediata a todos os títulos de crédito, o desembargador gaúcho destacou o 919
e o 920. O primeiro prevê que a aquisição de título à ordem, por meio diverso do endosso, tem efeito de cessão civil. Lembrou o
palestrante que todos os títulos transferem-se por endosso, que pode ser em branco ou em preto. Desde que não haja o endosso, mas outra
declaração de cessão do título, ocorrerá a cessão civil. O art. 920 determinou que o endosso posterior ao vencimento produz os mesmos
efeitos do anterior, não retirando, assim, os elementos de certeza e liquidez dos títulos de crédito.
Dando continuidade ao tema, a palestra da próxima semana abordará o inadimplemento das obrigações e os atos unilaterais. Na mesma
oportunidade, será iniciado o estudo da responsabilidade civil.
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