Poder Judiciário do Estado da Paraíba
Tribunal de Justiça
Gabinete da Desembargadora Maria das Neves do Egito de A. D. Ferreira
DECISÃO
MANDADO DE SEGURANÇA No 999.2008.000.434-7/001
RELATOR: Juiz Rodrigo Marques Silva Lima, convocado, em substituição
Desa. Maria das Neves do Egito de A. D. Ferreira
IMPETRANTE: íris Porto Medeiros, menor, representada por seu genitor,
George Medeiros Beserra
ADVOGADA: Mariana Ramos Paiva Sobreira
IMPETRADO: Secretário de Saúde do Estado da Paraíba
MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO
DE APARELHO PARA PACIENTE PORTADOR DE
DIABETES MELLITUS TIPO 1. NECESSIDADE.
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. DISTRIBUIÇÃO
GRATUITA A PESSOAS CARENTES. OBRIGAÇÃO DO
ESTADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 196, CAPUT
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
"A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação." (art. 196
da CF/88).
-
Vistos etc.
ÍRIS PORTO MEDEIROS, menor, representada por seu genitor,
George Medeiros Beserra, qualificados nos autos, ajuizou o presente Mandado de
Segurança em face da SECRETÁRIA DE SAÚDE DO ESTADO DA PARAÍBA, por seu
Secretário, sob a alegação de que a impetrante é portadora de diabetes mellitus
tipo 1 (CID 10 E-10), necessitando de tratamento com medicação de uso
permanente e a utilização de uma bomba de infusão contínua de insulina
paradigm marca Medtronic MMT 722 — Real Time mais Minilink, aduzindo,
)9Ç
MS no 999.2008.000434-7/001
ainda, que não tem condições financeiras para adquirir o aludido aparelho/ -razão de
buscar a prestação deste, pelo Estado da Paraíba, através da sua Secretaria de
Saúde.
Requereu, portanto, a concessão de liminar e, por fim, o
julgamento procedente da ação mandamental, de modo a obrigar o impetrado a
fornecer o aparelho gratuitamente, diante da necessidade do tratamento
recomendado pelos médicos.
Pedido de liminar deferido, nesta Instância, conforme fls. 32/35.
Notificada, a autoridade apontada como coatora restou silente.
A Procuradoria de Justiça, às fls.186/192, posicionou-se pela
concessão da segurança.
É o relatório.
DECIDO.
A impetrante, por ser portadora de Diabetes Melilitus tipo 1
(CID 10 E-10), e não ter condições financeiras de adquirir uma bomba de
infusão de insulina paradigm marca Medtronic MMT 722 Real Time mais
Minilink, ajuizou o presente Writ, contra o Estado da Paraíba, através de sua
-
Secretaria de Saúde, para obrigar-lhe a fornecer referido material.
A Constituição Federal, no artigo 196, estabelece que "a saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
(destaquei)
Mais adiante, a Carta Magna, no seu artigo 198, consigna que "as
ações e serviços públicos-de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] II
- atendimento integral, com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais; [...j § 1° - O sistema único de saúde será financiado, nos termos
do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados,
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do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes". (destaquei) (2
No que se refere à universalidade da cobertura, no âmbito
infraconstitucional, a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, ao regular o
Sistema Único de Saúde - SUS, estabelece, no artigo 6 0, que "estão incluídas ainda
no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I a execução de açães: [...]
d) de assistência terapêutica integral, inclusive , farmacêutica;". (grifo não constante
-
no original).
Sobre o tema, assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
"É obrigação do Estado (Unido, Estadosmembros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às
pessoas desprovidas de recursos financeiros o
acesso à medicação ou congênere necessário à
cura, controle ou abrandamento de suas
enfermidades, sobretudo as mais graves." (RESP
719716/5C, Min. Relator Castro Melro). (destaquei)
Dessa forma, os argumentos do Estado da Paraíba não podem
ser acatados, posto que está em jogo valor muito superior a questões
orçamentárias ou de lacuna legislativa, devendo ser assegurado, ao cidadão, o
exercício efetivo de um direito constitucionalmente garantido.
O STF, quanto ao tema, tem o seguinte entendimento:
'Entre proteger a inviolabilidade do direito
se qualifica como direito subjetivo
inalienável assegurado pela própria Constituição da
República (art. 5°, caput), ou fazer prevalecer, contra
à vida, que
essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro
e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado
esse dilema, que razães de ordem ético-jurídica impõem
ao julgador uma só possível opção: o respeito
indeclinável à vida'
(PETMC 1246/5C, Min. Celso de
Mello)".
Eis recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
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4
PROCESSUAL CIVIL -E -. ADMINISTRATIVO.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ART. 461, § 5 ° ,
DO CPC. BLOQUEIO DE VALORES PARA ASSEGURAR O
CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL.
POSSIBILIDADE, 1. Inexiste omissão capaz de ensejar a
ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem
examina, ainda que implicitamente, a questão dita omissa.
2. É vedada a esta Corte, em sede de recurso especial,
analisar suposta violação a dispositivos constitucionais. 3.
Inexistência de similitude feitica entre os arestas
confrontados no recurso especial, sendo inviável o
conhecimento do recurso pela alínea "c" do permissivo
constitucional. 4. Tem prevalecido no STJ o entendimento
de que é possível, com amparo no art. 461, § 5 ° , do CPC, o
bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento
de medicamentos pelo Estado. 5. Embora venha o STF
adotando a "Teoria da Reserva do Possível" em algumas
hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à
vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal
entendimento, por considerar que ambos são bens
máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte,
não provido. (destaquei)
Com relação à impossibilidade de concessão de tutela de urgência
que esgote, no todo ou em parte, o objeto da lide, mais uma vez cai por terra a
irresignação recursal.
Sobre o tema, cito recente precedente exarado pela Segunda
Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, da lavra da Eminente
Desembargadora Maria das Neves do Egito de A. D. Ferreira, nos autos dos
Embargos de Declaração no 200.2008.020.996-4/001, verbis:
É possível a concessão de antecipação de
tutela ou liminar contra o Poder Público como forma de
instá-lo a fornecer medicamentos aos cidadãos
necessitados, sem que isso importe em qualquer violação às
Leis n's 8.437192 e 9.494/97. (Julgado em 18.11.2008)
ST) - REsp 784.241/RS. Segunda Turma. Relatora: Ministra ELIANA CALMON. Julgamento: 08.04.2008. Publicação: D]
23.04.2008 p. 1.
MS no 999.2008.000434-7/001
1
,
No corpo do voto proferido pela referida Magi'Strada, -no feito
supra referido, assim restou consignado:
"Tanto o artigo 1° da lei n° 8.437/92, que, nos
feitos contra o Poder Público, veda liminar que esgcte no
todo ou em parte o objeto da ação, quanto as restriçães
impostas pelo artigo 1° da Lei n° 9.494/97, que proíbem c2
antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, hao de
ater-se às circunstancias do caso concreto, de modo ci
evitar que a demora na fruição importe perecimento e, por
conseqüência, o comprometimento do direito de haver
tutela jurisdicional útil e efetiva.
Por ser assim, é que decidiu o Superior
Tribunal de Justiça:
"A vedação da Lei n. 8.437/92, sobre excluir a
medida liminar que esgote no todo ou em parte o objeto da
ação, nos feitos contra o Poder Público, bem como as
restriçães do art. 1 ° da Lei n. 9.494/97, que veda a
antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, não podem
ter o alcance de vedar toda e qualquer medida
antecipatória, em qualquer circunstancia, senão que o juiz,
em princípio, não deve concedê-la, mas poderá fazê-lo, sob
pena de frustração do próprio direito, em
especialíssimos."
casos
Eis acórdão do mesmo Tribunal, o qual se
ajusta como uma luva ao caso concreto:
"Conquanto o Colendo STF, quando do
julgamento em plenário da ADC n° 4, tenha entendido pela
impossibilidade da antecipação de tutela em face da
Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com
temperamentos. A vedação, assim já entendeu esta Corte,
não tem cabimento em situaçães especialíssimas, nas quais
resto evidente o estado de necessidade e a exigência da
preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa c
antecipação da tutela como condição, até mesmo, de
sobrevivência para o jurisdicionado."
at
MS no 999 200E.000434-7/001
)
6
A meu ver, a concessao'daitutela de.:;Urgencia,
no presente caso, tem por escopo assegurar-o-eficácia de
norma constitucional. O Judiciário não pode deixar no
limbo da normatividade abstrata as disposiçães da Carta
da República, homenageando técnicas processuais,
criadoras de verdadeiros privilégios em prol da Fazenda
Pública.
Caso não haja a antecipação do tutela
pretendida, muitas das açaes podem perder o objeto com o
óbito do jurisdicionado. A celeridade processual, que hoje
tem status constitucional, não deve ser entendida, tEíosomente, como a velocidade no tramitação do feito, mas hcl
de ser compreendida como a rapidez na efetivaçao do
direito buscado. É esse o real sentido do princípio da
efetividade da jurisdição.
Por isso, consigno que é possível c concessao
de antecipação de tutela ou liminar contra o Poder Público,
como forma de instá-lo a fornecer medicamentos aos
cidadiãos necessitados."
Com relação ao argumento de que o medicamento pleiteado não
estaria inserido na Portaria no 1.318/02, do Ministério da Saúde, mais uma vez o
desiderato recursal cai por terra.
Interessante relembrar que, nas primeiras aulas de direito
constitucional que tivemos, fomos ensinados que as normas e princípios
constitucionais são superiores às demais normas infraconstitucionais e,
principalmente, infralegais do sistema jurídico.
Por isso, entendo que o direito à saúde, constitucionalmente
assegurado, suplanta a esdrúxula portaria. Há que se privilegiar o direito à vida em
detrimento de escusas construções burocráticas, serviveis, apenas, para que o
Estado se exima de sua obrigação legal de promover o bem de todos.
Neste sentido, é a jurisprudência:
APELAÇÃO.
CRIANÇA.
fato do medicamento na°
MEDICAMENTO.
constar na lista
O
de
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7
medicamentos fornecidos não exim
..-e gstado de prestalos a quem dele necessitar, inclusive por meio da
entrega de numerário correspondente à aquisição.
NEGARAM PROVIMENTO.' (destaquei)
Diante dos argumentos postos, não há como não atrair a
incidência do disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, ia verbis:
Art. 557. O relator negará seguimento a
recurso manifestamente inadmissível, improceaente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou com
jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do
Supremo Tribunal Federe!, ou de Tribunal Superior.
O presente mandado de segurança mostra-se manifestamente
improcedente, por se encontrar em flagrante confronto com a jurisprudência
consolidada deste Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba.
Não constitui demasia reproduzir algumas decisões exaradas por
esta Colenda Corte:
MANDADO DE SEGURANÇA. Doença crônica.
Me-dicamento. Fornecimento gratuito. Dever do Estado.
Inteligência do art. 196 da CF/88. Concessão da ordem. É
dever do Estado fornecer, de forma contínua e gratuita,
medicamentos aos que deles necessitam, de acordo com o
disposto no artigo 196 da Constituição Federal de 1998. 2
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CÍVIL PÚBLICA.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS À PESSOA
CARENTE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARA PROMOVER A AÇÃO. - É dever do Estado fornecer,
de forma regular e gratuita, os medicamentos excepcionais
ou de alto custo às pessoas carentes, em razão do
proteção ao direito à vida digna e à saúde do cidadão
tutelado pela CF. - O Ministério Público tem legitimidade
para promover Ação Civil Pública objetivando tutelar o
2 DRS - Apelação e Reexame Necessário no 70009344532. Oitava Câmara Cível. Relator: RUI PORTANOVA. Julgamento:
02/12/2004.
3
T3PB - Processo no 999.2006.000105-7/001. Relator: Des. ANTÔNIO DE PÁDUA UMA MONTENEGRO. Julgamento:
31/5/2006. Publicação: DJ 15/6/2006.
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direito do cidadão a medicamentoaxcepcionais á de alto
custo, por ser dever do Estado o s'eCi'forneéïmento, em
razão da proteçcio constitucional ao direito "à saúde. Tal
direito afigura-se indisponível e, portanto, devendo ser
tutelado pelo parquet, com o fim de assegurar o
desenvolvimento do direito processual vigente à pessoa
humana.
Assim, diante das considerações expendidas, bem como com
arrimo nos dispositivos legais anteriormente enfocados, concedo a ordem
mandamental, para obrigar o Estado da Paraíba, por sua Secretaria de
Saúde, a fornecer, à impetrante, o aparelho acima descrito.
Intimações Necessárias.
Cumpra-se.
João Pessoa/PB, 27 de janeiro de 2010.
,7-`; A
Juiz RODRIGO MARQUES SILVA LI
Relator
TJP5 - Processo no 037.2004004430-9/001. Relator: Des. LUIZ SILVIO RAMALHO JÚNIOR. Julgamento: 25/7/2006.
Publicação: 03 8/8/2006.
4
Coorden.adoria .JaJiciária
.0.2tã2.10
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decisão de aparelho para paciente portador de diabetes mellitus