519 PERCEPÇÃO DO PORTADOR DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA ACERCA DA PREVENÇÃO DA DOENÇA PERCEPTION OF PATIENTS WITH CHRONIC RENAL FAILURE ON PREVENTION OF DISEASE Denise Gonçalves de Oliveira Graduada em enfermagem pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UnilesteMG. [email protected] William Luis Guerra Graduado em enfermagem pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UnilesteMG. [email protected] Shirlei Barbosa Dias Enfermeira. Mestre em Saúde da Família. Docente do Centro Universitário do Leste de Minas GeraisUnileste MG. [email protected] RESUMO Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva, com objetivo de compreender a percepção do portador de insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico acerca da doença. As entrevistas foram realizadas em setembro e outubro de 2009, sendo gravadas e posteriormente transcritas para análise. A população alvo foi os indivíduos portadores de doença renal crônica que residem no município de Vargem Alegre, Minas Gerais. Da análise emergiram três categorias: Doença e Causa; Convivendo com a Doença Renal Crônica; Relação Doença e Prevenção. Verificou-se falta de informação dos participantes da pesquisa em relação à doença, não conseguem relacioná-la com suas causas ou com as formas de prevenção da mesma. Os entrevistados relataram também dificuldades para lidar com a patologia e principalmente com o processo de tratamento, identificando prejuízos em sua qualidade de vida. O estudo mostra a necessidade do emprego de uma assistência de enfermagem ao paciente portador de insuficiência renal crônica que valorize sua percepção acerca da patologia, buscando o desenvolvimento de estratégias que possibilitem a melhoria da qualidade de vida destes indivíduos. PALAVRAS–CHAVE: Doença Renal Crônica. Percepção. Prevenção. ABSTRACT It is a qualitative and descriptive survey with the purpose of identifying the chronic renal failure patient perception, which is under treatment of hemodialysis, regarding his own illness. Interviews were carried on in September and October of 2009, being them recorded and later on transcribed for analyzes. The target population was composed by individuals with renal failure living in Vargem Grande – Minas Gerais. Three categories emerged from the analyzes: cause and disease relation; disease and consequence relation; disease and prevention relation. It was verified the lack of information about the disease, among the survey participants, and therefore they cannot connect it with its possible cause and prevention. It was also said by the interviewees that they had difficulties to deal with the disease and mainly with the treatment process, which led to life quality loss. The survey shows the need of providing a nursing care assistance to the chronic renal failure patient which would enrich his perception regarding the disease, aiming the development of strategies that could enhance the life quality of these individuals. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 520 KEY WORDS: Chronic renal failure. Perception. Prevention. INTRODUÇÃO A doença renal crônica (DRC) consiste em lesão renal e perda progressiva e irreversível das funções renais (glomerular, tubular e endócrina). Em sua fase mais avançada os rins não conseguem manter a normalidade do meio interno do paciente. A DRC é dividida em seis estágios funcionais de acordo com o grau de função renal do paciente. Estes estágios compreendem desde a fase zero onde estão incluídos os indivíduos que não apresentam lesão renal e mantêm sua função renal normal, porém se encaixam dentro do grupo de risco, até a fase cinco que inclui o indivíduo com lesão renal e insuficiência renal terminal ou dialítica (BRASIL, 2006). A DRC vem se constituindo um problema de saúde pública no Brasil e no mundo, devido a sua elevada morbidade e mortalidade. A taxa de incidência e prevalência, bem como a sua evolução para os estágios mais graves têm aumentado progressivamente, visto que a DRC é processo insidioso que evolui sem grandes sintomas durante muitos anos, até atingir suas fases finais (RIELLA, 2003). Em janeiro de 2006 a prevalência de pacientes em diálise por milhão da população (pmp) era de 383, tendo um aumento de cerca de 8% nos últimos dois anos (SESSO; GORDAN, 2007). No Brasil as atenções com a doença renal crônica são voltadas quase que exclusivamente aos seus estágios finais que seria quando o paciente necessita de terapia renal substitutiva (BASTOS G.; BASTOS R., 2005). Sendo assim, há necessidade de trabalhar as intervenções primárias para identificar os grupos de riscos, promoverem junto aos mesmos a prevenção de agravos para evitar a evolução desfavorável da doença. São múltiplos os fatores de risco que envolve a DRC (diabéticos, hipertensos, idosos, familiares de pacientes em terapia renal substutiva, portadores de outras doenças cardiovasculares, tabagismo, etilismo, obesidade) e normalmente esses grupos de risco estão inseridos na atenção básica. A atuação da equipe de enfermagem para identificar esses grupos e estabelecer ações para prevenir os agravos torna-se fator crucial para evitar o encaminhamento tardio para atenção nefrológica e, consequentemente, a evolução da DRC para estágios mais avançados e irreversíveis (RIELLA, 2003). As intervenções para diminuir ou reverter a progressão da doença renal terá maior impacto quando precocemente as ações preventivas forem implantadas em fases primárias da doença, então por entender que os portadores de DRC vivenciarão a experiência de fases primárias de acometimento da patologia buscouse saber o entendimento desses quanto à prevenção. Esse trabalho tem o objetivo de compreender a percepção do portador de insuficiência renal crônica acerca da doença. Procurou-se verificar o conhecimento do mesmo sobre as patologias de base que desencadearam a DRC, identificar as possíveis ações preventivas realizadas com os indivíduos antes da instalação da DRC e o que eles identificam como prevenção de complicações após a descoberta da doença. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 521 METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo e transversal, no qual os procedimentos metodológicos envolveram inicialmente uma revisão bibliográfica. Foi escolhida para a presente pesquisa a análise qualitativa de cunho exploratório – por permitir obtenção de experiência do investigador acerca do objeto de estudo – e descritivo, pois pretende escrever os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVIÑOS, 1987). Rampazzo (2002) aborda o estudo de caso como sendo uma pesquisa realizada sobre um determinado indivíduo, família, grupo ou comunidade avaliando aspectos variados de sua vida, pois trabalha com dados e fatos colhidos da própria realidade tendo a utilização de formulários, entrevista, roteiro e outras técnicas. A pesquisa foi desenvolvida em Vargem Alegre, um município de pequeno porte localizado no interior de Minas Gerais, que possui uma população estimada de 7. 101 habitantes segundo o (IBGE) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os sujeitos da pesquisa foram indivíduos portadores da doença renal crônica em tratamento hemodialítico moradores do município de Vargem Alegre/Minas Gerais que aceitassem voluntariamente participar da pesquisa. Tal escolha se deu por conveniência. Os critérios de inclusão foram: os participantes deveriam residir no referido município e serem portadores de doença renal crônica em tratamento de hemodiálise. Foi feito um levantamento prévio dos doentes renais crônicos em tratamento hemodialítico junto à secretaria municipal de saúde no mês de abril de 2009. A população de estudo era inicialmente composta por oito indivíduos portadores de insuficiência renal crônica no município em questão, segundo informações obtidas junto à secretaria saúde, porém três destes vieram a óbito no decorrer da formulação do projeto. A técnica utilizada para coleta de dados foi entrevista semi-estruturada, fundamentadas em Bogdan e Biklen (1994) e Minayo et al. (1994). Neste tipo de técnica fica aberto ao entrevistador explorar determinada questão conforme seu interesse na pesquisa, através de questões norteadoras que podem ser modificadas de acordo com situações e características do estudo. Com esta orientação, as entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores, sendo muito produtivo para a qualidade dos dados coletados. Para testar os instrumentos de coleta de dados, foi realizado um pré-teste no período de agosto a setembro de 2009 com cinco indivíduos que possuíam características semelhantes ao do grupo que participaria da pesquisa, porém estes não eram do mesmo município, o qual favoreceu identificar que as questões formuladas precisavam de alterações na ordem de apresentação e possibilitou explicitar a dificuldade de compreensão acerca do documento utilizado para coletar dados. A pesquisa piloto tem por objetivo testar o instrumento de coleta de dados afim de que constatado falhas possa-se reformular esse instrumento (LAKATOS; MARCONI, 2001). Depois de realizada a pesquisa piloto, foram feitas modificações quanto a ordem das questões e oportunizou aos entrevistadores adquirir maior segurança com o roteiro construído e com a técnica de entrevista. Concomitante ao pré-teste, no dia 12 de setembro de 2009, foi realizada uma visita aos domicílios de cada um dos portadores da DRC a serem entrevistados afim Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 522 de apresentar o estudo e solicitar adesão ao mesmo, bem como a disponibilidade para quaisquer esclarecimentos. As entrevistas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2009 nas respectivas residências dos participantes com data e horário previamente agendados com os mesmos. A duração variou de vinte e cinco a trinta e dois minutos e ocorreram duas idas infrutíferas aos locais de entrevistas: uma devido ao participante manifestar sinais de embriaguez alcoólica e outra devido ao entrevistado não se encontrar em sua residência no dia e horário agendados. As questões que nortearam esta fase foram embasadas na temática de estudo sobre causa da DRC, consequências ocasionadas pela DRC, prevenção à doença e prevenção das complicações da DRC já instalada. As entrevistas foram gravadas e transcritas para posterior análise de conteúdo. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) diretriz e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996). Os dados coletados receberam tratamento qualitativo utilizando a análise descritiva simples das narrativas obtidas nas entrevistas dos doentes renais crônicos em tratamento hemodialítico. O trabalho de análise foi iniciado por uma “préanálise”, com base na “leitura flutuante” das transcrições das entrevistas, com o objetivo de estabelecer um contato inicial com os dados obtidos. Esse tipo de leitura, de acordo com o método, permitiu a formulação de hipóteses analíticas para posterior verificação. Após a transcrição e leituras exaustivas das entrevistas gravadas, as falas foram agrupadas em diferentes caixas para facilitar a compreensão e análise dos dados. O próximo passo foi a caracterização dos indivíduos que fizeram parte da pesquisa quanto à idade, escolaridade, sexo, ocupação, tempo da DRC e tempo de hemodiálise. Os resultados foram separados de acordo com a fala de cada participante. A reunião dos significados emergidos deu origem às seguintes categorias: Causa e Doença, Convivendo com a Doença Renal Crônica, Relação Prevenção e Doença que se fundamentam nos referenciais teóricos apresentados. Os entrevistados foram identificados pela vogal E, seguida de um algarismo que identifica o numero da ordem de entrevista, sendo, portanto de E1 a E5 que possibilitara diferenciar os entrevistados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foi realizada a caracterização dos participantes da pesquisa quanto a sexo, idade, escolaridade, ocupação de tempo de descobrimento da DRC e tempo de tratamento de hemodiálise. Foram cinco participantes da pesquisa, sendo a maioria idosa e apenas um com 59 anos de idade. Todos têm um grau de escolaridade baixo, somente um dos participantes é do sexo feminino, todos são aposentados e o tempo da DRC varia entre seis a 14 anos e o tempo de hemodiálise de quatro a 14 anos conforme é demonstrado na TAB.1: Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 523 TABELA 1 Caracterização dos participantes da pesquisa Sujeito Idade Escolaridade Gênero Ocupação Tempo da DRC Tempo de Hemodiálise E1 65 Nenhuma M Aposentado 06 anos 04 anos E2 66 Ensino fundamental incompleto F Aposentado 14 anos 14 anos E3 68 Ensino fundamental incompleto M Aposentado 06 anos 06 anos E4 60 Nenhuma M Aposentado 13 anos 13 anos E5 59 Ensino fundamental incompleto M Aposentado 07 anos 07 anos Legenda: M- masculino F- feminino Fonte: Dados da Pesquisa Como mencionado anteriormente, para a análise das entrevistas foram definidas categorias de análise com base na metodologia de Bardin (2004). Para facilitar a compreensão dos dados, foram recortadas as falas significativas dos sujeitos entrevistados a partir de aspectos que identificaram características análogas ou que se relacionavam entre si, com as respectivas análises. Causa e Doença A categoria Relação Causa e Doença, busca compreender o que o participante tem como concepção sobre o fator desencadeante da DRC. Pode-se verificar a partir de então que surgiram analogias da causa da doença com: religiosidade, patologia (anemia), hábitos (exposição ao sol por longos períodos), hereditariedade e idade. Verificou-se o aparecimento da concepção comum de saúde-doença como algo apreendido no decorrer da existência humana, neste caso, a doença se manifesta por soberania Divina. E2: ... porque Jesus venceu pregado na cruz, Ele não fez nada, Ele não fez nada pra sofrer o que Ele sofreu, mas Ele venceu se Deus quiser nos vamos vencer também, porque igual o caso do outro, porque eu falo vencer porque, na hora que chamar, morrer vai mesmo. E4: o que tem de acontecer vai acontecer, entendeu, só Deus, só as misericórdias de Deus. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 524 Para Rampazzo (2000), a busca de sentido e de significado é uma das necessidades fundamentais do ser humano, que o distingue, até onde se sabe das demais espécies. O ser humano é um ser em relação: consigo mesmo, com seus semelhantes, com a natureza, com a divindade. Essa relação com a divindade faz parte da natureza humana, uma vez que o contato com o mundo do sagrado permite ao homem vivenciar, de forma mais suave, sua condição de existência, já que não se encara a vida como um eterno construir que se esgota com a morte. Constatou-se ainda que os pesquisados relacionam a anemia como fator causador da DRC: E1: É era anemia... [O que causou] E2: Essa doença que já vem, por causa do, eu já tinha essa como é que fala é... eu tinha anemia, eu já tinha anemia.... E3: Eles falam que é por causa da anemia.... Estudos comprovam que a anemia é uma das complicações da doença e não a causa da mesma. Causada pela queda da eritropoietina, a doença é caracterizada por fadiga, debilidade das funções cognitivas, depressão e falta de ar, entre outros sintomas. Cerca de 75% dos pacientes com DRC e quase a totalidade de crianças desenvolvem anemia. Além do mal-estar, que prejudica a rotina do paciente, a anemia renal ainda contribui para a progressão da DRC e aumenta os riscos de desenvolver complicações cardiovasculares (RIELLA, 2003). Surgiu também a relação da causa doença com o hábito de ficar exposto por longos períodos ao sol: E3: pode ser muito sol nas costas, antigamente tomava, trabalhava, igual eu trabalhei na cerâmica aí, ficava, entrando naquele forno quente, tirando, tirando tijolo lá de dentro, pode ser isso também, pode ser outras coisas, não sei dizer o que é não. E5: ... eu tomava pouca água e eu trabalhava em cima de laje de casa, que quentura em cima da laje de casa e dobrado né? E até que eu descer na escada pra tomar uma água, ai vinha àquela água boa pra molhar a boca aí agora num descia lá mais pra tomar água, ia entijolando lá, fazendo meu serviço. A eu acho que eu num tomava água quase nenhuma, passava muita sede que aí né, passar sede, o sol batendo nas costas né, aí o rim num aguentou né? Segundo Carter, Cheuvront e Sawka (2007), apesar de extremamente raras, há casos de doenças graves provocadas pelo calor mesmo em indivíduos de populações de baixo risco (em boa forma física, que já vivem em regiões de clima quente, ou trabalha em locais com temperaturas altas). Lesão provocada pelo calor é uma condição que pode ser moderada a grave, caracterizada pela lesão a um órgão (ex., fígado, rins, intestinos, músculos) e normalmente, mas nem sempre, com alta temperatura corporal maior que 40°C. O choque térmico é exemplo de um quadro grave caracterizado pela disfunção do sistema nervoso central como confusão, desorientação, comprometimento do julgamento e costuma ser acompanhada por um aumento da temperatura central Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 525 acima de 40,5°C. Algumas vezes, indivíduos que sofreram o choque térmico apresentam comprometimentos na função cerebral, marcados pelas alterações cognitivas que podem ser percebidas precocemente. Além disso, pode haver complicações e dentre essas aparece à insuficiência (CARTER; CHEUVRONT; SAWKA, 2007; HALL et al., 1999). Apenas um dos entrevistados relaciona a DRC ao fator hereditariedade e idade: E2: ... e já veio da minha família a [DRC], anemia, eu fui aumentando a idade e tudo ai o trem foi acrescentando... E2: ... por exemplo, igual eu tenho meu pai, meu pai já era velho, morreu todo inchado, com a pressão, negócio de problema de pressão, do coração né? Ele também, a anemia tava passada nele, e ele não agüentou, ai ele passou pra mim também, e é de família. Diversos estudos revelam que a história familiar de hipertensão, diabetes e DRC constituem um importante fator de risco para insuficiência renal crônica (BATISTA, et al., 2005; BRASIL, 2006; PACHECO; SANTOS; BREGMAN, 2006). Segundo Riella (2003), os idosos possuem um comprometimento renal da hipertensão arterial, principalmente com o espessamento das camadas musculares e elásticas das arteríolas renais que reduzem o fluxo de sangue, propiciando uma isquemia que agrava ainda mais a hipertensão arterial, pois provoca a liberação de renina e compromete a filtração glomerular. A consequência das lesões arteriolares e glomerulares leva a nefroesclerose, ou seja, há uma queda lenta e progressiva da filtração glomerular e uma correspondente perda da função renal. Convivendo com a Doença Renal Crônica Na categoria Relação Doença e Consequência há a reunião de todas as experiências que os participantes vivenciaram a partir da descoberta da DRC, surgindo então: a descrição da reação frente ao diagnóstico e da necessidade de fazer hemodiálise; restrições decorrentes da doença; lazer e sociabilidade. A reação de cada indivíduo ao descobrir a DRC e a necessidade da hemodiálise tornou-se um marco na vida de cada um deles, a falta de informação favoreceu o surgimento da insegurança quanto ao futuro mediante a ligação da doença com a morte e das incertezas quanto às complicações que poderão aparecer. As falas dos participantes têm muito dessa realidade. E1: eu chorei que eu num sabia que eu ia fazer isso, né? Se não eu tinha prevenido, né? Pra não fazer hemodiálise. É o doutor falou que era anemia, o doutor falou que era anemia, né? quando ele falou pra fazer hemodiálise, eu fui ao outro mundo e voltei, o será possível doutor? tem que fazer, num tem outro recurso, aí eu fui falei com ele assim então se for isso o senhor pode fazer, ele falou, não é pra salvar a sua vida! E2: ... e é muito difícil não é brincadeira não, vai indo esse trem é muito pesado, tá, vai indo você não aguenta descobrir o que está acontecendo, aí a gente vai pelejando daqui pra li, mais você custa a descobri o que é, ah! Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 526 mais não tem nem jeito de falar o que é não! Vai indo a gente perde o rumo mesmo e vim pelejando 14 anos, e chegar a ficar igual eu assim ó, caba as veias tudo, isso aqui ó,( mostrou a fístula) foi enfiando agulha aqui, foi enfiando agulha, por resto virou uma pedra sabe como é que é, eu não tinha sangue pra jogar na maquina mais, cortou por aqui afora tudo (mostrou o braço esquerdo) deu a mesma coisa aí já deu pra corta aqui na virilha, achou uma veia aqui, que as outras veias já tava acabando não tinha força mais, perde a força das veias, aquilo seca, parece que seca, é triste demais. E4: Só que tem que não pensei nada, só chorei mais trinta dias pra frente, é isso aí, mais nada... Medo da minha família passar aperto, não é por nada não, porque se você morrer não tem nada haver não, agora você tem que pensar o que você vai deixar pra trás, entendeu, é isso o que a gente tem que pensar. E5: Ah menina! Fiquei bem triste! Fiquei bem triste que o negócio é quatro horas, em antes de quatro horas você num sai de lá mesmo. Segundo Lima e Gualda (2000), a pessoa portadora de insuficiência renal crônica em programa de hemodiálise convive com o fato de possuir uma doença incurável, que a obriga a submeter-se a um tratamento doloroso, de longa duração e que geralmente provoca limitações e alterações de grande impacto que repercutem na sua vida e nas vidas de seus familiares e amigos. Geralmente a DRC apresentase para o mesmo como um evento inesperado que o remete a uma relação de dependência a uma equipe especializada, a um esquema terapêutico rigoroso e a uma máquina. A vivência desta nova realidade parece ser experimentada de maneiras diferentes e permite a pessoa atribuir significado(s) à doença e ao tratamento. Os participantes relatam as limitações impostas pela DRC: E1: aí eu só penso em beber água, comer alguma coisa, salgado num pode né?. E5: nós não pode sair para passear, amanhã de qualquer maneira eu tenho que ir lá uai! Se eu deixar pra ir lá pra quarta feira chega lá eu to aquele água pura, então se tivesse jeito de evitar ir lá, o que eu puder fazer qualquer coisa se falar pra ficar sem comer eu ficava, ah cruzes credo nó. Eu num posso trabalhar por causa disso aqui, se eu pegar um peso, tem dia que pode pegar peso de até cinco quilos mais tem dia que se eu pegar um peso de um quilo o motorzinho aqui para, se ele parar vai fazendo em mim, agora aqui (mostrou o braço direito) já fez cá (mostrou braço esquerdo) já fez, agora vai ou no pé ou na virilha. Em contrapartida, outros participantes encaram a doença como forma de aprendizagem para o convívio interpessoal: E4: não sabia nem conversar com o médico menina, eu não sabia nem discuti, conversar com o médico o que era... Eu não sabia o que era conversar com os outros, qualquer um não conversava... aprendeu a conviver com os outros, aquilo ali que a gente vive, é a mesma coisa como uma família, lá na hemodiálise, é uma família que a gente tem, entendeu, tipo uma família, a gente aprendeu a viver, é isso que aprendi. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 527 A insuficiência renal crônica e o tratamento hemodialítico provocam uma sucessão de situações para o paciente renal crônico, que traz consequências físicas, psicológicas, com repercussões pessoais, familiares e sociais. Assim estabelece-se um longo processo de adaptação a essa nova condição, no qual o indivíduo precisa identificar meios para lidar com o problema renal e com todas as mudanças e limitações que o acompanham sendo necessário um reaprender a viver, de uma maneira mais humana (REIS; GUIRARDELLO; CAMPOS, 2008). Relação Prevenção e Doença Na categoria Relação Prevenção e Doença, refere-se ao conhecimento quanto a prevenção da DRC e prevenção das complicações da DRC já instalada. Quando interrogados quanto ao que fazer para prevenir essa doença os participantes afirmaram não ter nenhum conhecimento e que não haviam sido orientados quanto a isso. Observa-se que dos participantes da pesquisa quatro descobriram a DRC já na fase de tratamento hemodialítico e apenas um dos entrevistados teve o início do tratamento antes da progressão da doença para esta fase. E1: Não, Não sabia, que tava sofrendo isso, que se soubesse que tava sofrendo tinha prevenido e tratado disso. Não é? E3: Eu não sei não, acho que não tem não (forma de prevenir a doença). Que eu saiba não. E4: Não sei não, não sei de nada, (gargalhou) até hoje eu não sei. Não sei não, já a gente soubesse era fácil né... E5: Num sei menina, prevenção? E num sei não. Nunca tinha falado não. Segundo Batista et al. (2005), as atenções com a DRC estão centradas apenas na fase da doença já instalada, ou seja, quando o paciente já necessita de hemodiálise, entretanto, a evolução da DRC depende da qualidade do atendimento ofertado muito antes da falência funcional renal. É preciso oferecer orientação a comunidade sobre a importância da mudança no estilo de vida, e os fatores de riscos relacionados à doença renal crônica. Agendar consultas com médicos e enfermeiros para os casos indicados, proceder às anotações devidas na ficha clínica Estabelece que seja competência do enfermeiro capacitar e supervisionar permanentemente as atividades dos auxiliares e dos agentes de saúde, realizar consulta de enfermagem abordando os fatores de risco, tratamento não medicamentoso, adesão e possível intercorrências ao tratamento, encaminhando o indivíduo ao médico quando necessário. Realizar atividades educativas de promoção à saúde junto à comunidade e junto aos portadores de hipertensão e diabetes. Estabelecer junto à equipe estratégias que possam favorecer a adesão dos grupos que possuem fatores de risco ao acompanhamento nas unidades de saúde (BRASIL, 2006). Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 528 Com relação à prevenção de agravos, embora citem depois as medidas para regredir a progressão da doença os participantes não fazem junção dessas com prevenção de agravos: E1: Eh, isso que eu não sei, né menina, evitar que a doença piore. E4: ... não, pode é piorar né? Não, (não conhece medidas para prevenir) piora né? Piora! As medidas preventivas de agravos são importantes para redução do impacto devastador do diagnostico da DRC e da taxa de morbidade relacionada ao mesmo, medidas estas que devem ser implementadas a partir da primeira consulta com intuito de regredir os custos elevados com diálise de urgência e encaminhamento por falta de conhecimento por parte da DRC por parte da população. O enfermeiro como educador e incentivador tem uma atuação próxima desses indivíduos, o que favorece a implementação dessas medidas abrangendo temas como a realização da restrição alimentar, manutenção de veias do braço não dominante para acesso vascular, cuidado com ingestão de substância nefrotóxicas, manutenção do quadro vacinal preventivo de patologias oportunistas como gripe, hepatite B, pneumonia, esclarecer sobre formas de terapias renais substutiva além de fornecer apoio emocional (BASTOS et al., 2004; PACHECO; SANTOS; BREGMAN, 2006). Embora não correlacionem com prevenção de agravos conforme mencionado anteriormente, os participantes descrevem as ações que eles devem realizar afim de otimizar o tratamento e todas são voltadas para restrição alimentar e ingesta hídrica: E1: esse tratamento meu é muito pesado, num pode beber muita água. Tem que evitar todo mal que num pode comer, o doutor mesmo fala evita mesmo essa água, se beber água ta morto, tem que beber pouca água, tem que beber pouca água e se tiver muito com sede você molha só a boca e joga a água fora, que o rim não está funcionando. E2: não posso tomar muita água, eu não posso alimentar assim com muita gordura, não posso comer muito sal. E4: da outra fervura (no feijão) torna a jogar fora pra tirar o potássio dele, tudo que é coisa que tem o potássio demais a gente num pode comer, muito potássio prejudica a gente, que o potássio alto, o potássio é de 5,5 pra baixo se passa a mais a gente da muita dor, da pinicação no corpo da gente, só você vendo, e muito cálcio também num é bom não, igual leite, queijo, o cálcio puxa água demais o cálcio não, o fósforo, aí a gente tem que tomar remédio pra baixar o que tiver alto. Um dos principais cuidados com o paciente em tratamento hemodialítico é a constante orientação sobre o Ganho de Peso Interdialítico (GIPD). Para Riella (2003), a recomendação da ingestão hídrica na rotina é de 200 a 500 g/dia, porém essa recomendação pode não ser realista a todos os pacientes, pois é independente de sexo, peso seco, altura, entre outros fatores. Os mesmos autores recomendam, embora esse conceito ainda esteja em pesquisa, que a orientação quanto ao GIPD Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 529 deva ser em termos relativos, por exemplo, em porcentagem de peso, e nesses termos a orientação seria entre 2 a 5% do peso seco. Segundo Riella (2003), a insuficiência renal desencadeia alterações significativas no metabolismo de todos os nutrientes, entre eles estão o potássio, o fósforo e o sódio, a restrição desses contribui para evolução favorável da DRC. Quando os rins falham, o potássio acumula no sangue e esse aumento ocorre de forma aguda, ou seja, o indivíduo não percebe e subitamente pode provocar arritmia e parada cardíaca quando esse atinge em torno de 7meq/l. O fósforo é normalmente eliminado na urina, mas tende a acumular-se no sangue nos indivíduos que são portadores de DRC. Esse acumulo causa uma redução do cálcio sanguíneo que resulta no aumento da atividade da glândula paratireóide e isso pode levar a uma doença óssea, o efeito colateral do fósforo elevado pode ser o prurido por todo o corpo do indivíduo. O sódio é um dos maiores inimigos do doente renal crônico, a redução do mesmo na dieta pode auxiliar no controle da pressão arterial, assim como nos sintomas de retenção hídrica como o edema (RIELLA, 2003; SILVA, 2007). Além da restrição aos nutrientes acima citados alguns dos indivíduos envolvidos na pesquisa enfatizaram a restrição a carambola: E3: eu num posso, comer aquela fruta lá como é que chama? Até gente que não sofre de rins ela e perigosa comer, carambola aquilo lá, pessoa que tem problema renal beber suco daquilo pode procurar o medico de repente, ou ele morre ou ele sara por que ela e perigosa E4: É tem duas coisas na minha vida que eu não posso usar, é se eu usar com duas horas tô passando mal, explicar pro você é o seguinte, é carambola, leva pro buraco. E5: num pode comer de jeito nenhum é carambola, outras coisas num é proibido não, mas num põe carambola na boca não que é caixão, bate na sua úlcera vai até matar, tinha um pezão aqui, arranquei ele vivia só cheio de carambola, os outros chegava aqui, mais oh carambola gostosa! E eu olhava assim no, eu fui e arranquei ele pra num correr o risco de chupar uma, Deus ajudou que, depois que eu comecei o tratamento num pus aquilo na boca não. Segundo Moysés Neto et al. (2004), os efeitos da carambola (Averrhoa carambola) estão associados à alta concentração do oxalato presente na fruta. Sabe-se que a mortalidade por intoxicação pela carambola em pacientes com Insuficiência Renal Crônica (IRC) pode chegar a 40%. Os sintomas incluem soluços, vômitos, paresias (disfunção ou interrupção dos movimentos de um ou mais membros) e formigamento de membros superiores e inferiores com perda da força muscular, vários distúrbios da consciência em graus variados, tais como agitação psicomotora, confusão mental, convulsões podendo levar a óbito. Pacientes com insuficiência renal, mesmo em tratamento conservador, devem ser alertados para não ingerir carambola. CONSIDERAÇÕES FINAIS Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 530 No decorrer do estudo foi possível perceber o quanto a realidade dos portadores de DRC é complexa e repleta de limitação; a qual é agravada pela falta de informações aos mesmos, que favorece o surgimento da insegurança quanto ao futuro mediante a relação da doença com a morte e das incertezas quanto às complicações que poderão aparecer. Faz-se necessário realizar uma abordagem educativa envolvendo uma equipe multidisciplinar para esclarecimentos sobre a doença e o tratamento utilizando uma linguagem acessível, levando o indivíduo a entender seu estado, afim de contribuir para que eles possam ter condições de enfrentar os medos e ansiedades que surgem no decorrer da doença. O estudo mostra a necessidade do emprego de uma assistência de enfermagem ao paciente portador de insuficiência renal crônica que valorize sua percepção acerca da patologia, oferecendo ao portador da DRC as informações de forma clara e coesa, contemplado a realidade de cada um e buscando o desenvolvimento de estratégias que possibilitem a melhoria da qualidade de vida destes indivíduos. Essa pesquisa abre espaço a novos trabalhos na área já que expõe a carência de informações sobre a patologia e, sobretudo a prevenção. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. BASTOS; Marcus G. et al. Doença Renal Crônica: Problemas e Soluções. J Bras Nefrol. v. 26, n.4, p. 202-215, dez. 2004.Disponível em:< http://www.prerenal.ufjf.br/ensino/JBN_2004_DRC.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009. BASTOS GOMES, Marcus; BASTOS RODRIGUES, Maria Rita. Inserção do programa saúde da família na prevenção de doença renal crônica. J Bras Nefrol. v.29, n.1, mar. 2007. Não paginado. 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