TEcNoLoGiA
Por que é tão difícil
o PRoFeSSoR InCoRPoRaR noVaS
teCnoloGIaS eM SUaS aUlaS?
Renato Casagrande
O
século XXI, sem dúvida, vem se firmando como o palco de uma explosão, não apenas no que diz respeito à
tecnologia, mas também nas comunicações e na expansão do conhecimento. A revolução tecnológica iniciada há algumas décadas promoveu mais do que mudanças e novidades, uma vez
que suscitou o rompimento da forma como as pessoas se comunicam
e dos modelos mentais de formulação de conceitos, de modo que
afetou consideravelmente os comportamentos.
Todos nós, de alguma forma, em função do medo de ficarmos à
margem da História, somos atingidos por essas transformações e, por
conseguinte, forçados a rever e mudar nossos hábitos, nossos conceitos e, inclusive, nossas crenças. Também é impossível desconsiderarmos o encantamento que sentimos com o avanço das novas tecnologias. Hoje, é comum vermos pessoas de idade avançada passarem
horas navegando nas páginas da internet, fazendo compras on-line,
jogando, lendo livros digitais e interagindo com outras pessoas através de redes sociais. O que para essa geração era, há pouco tempo,
uma impossibilidade, virou hoje um novo e divertido passatempo.
Nesse sentido, a questão pontual que pretendo indagar neste
artigo é o motivo pelo qual as novas tecnologias têm conseguido
adentrar nossas vidas de forma quase plena e irreversível e, ao mesmo tempo, têm encontrado tantas dificuldades para ser inseridas no
processo de ensino e aprendizagem. Logo, como nos lembra a escritora Martha Gabriel, no seu livro Educar – A revolução digital na
educação, a escola precisa, urgentemente, passar para a fase que é
entender como usar todo esse aparato digital para fazer uma educação melhor. O sistema educacional baseado no livro e no professor
como provedores primordiais de educação vem-se desmoronando.
Em pesquisas qualitativas realizadas recentemente com professores
de escolas privadas no município de São Paulo, tratei dessa questão. Percebi que um dos fatores principais que restringem ou impedem a maior
utilização das novas tecnologias em nossas escolas refere-se à falta de
habilidade, a qual está relacionada à falta de preparo e à insegurança
ou ao medo. Esses últimos estão associados ao status e à imagem que o
Pixabay.com
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Direcional Educador / Maio 2015
TECNOLOGIA
Direcional Educador / Maio 2015
(on-line e off-line simultaneamente), os métodos tradicionais de disciplina e de controle não funcionam. É imprescindível preparar-se para lidar
com outro tipo de comportamento dos estudantes. Não se trata de abrir
mão da sua autoridade, mas sim de estabelecê-la de outra forma, com
base nos princípios de autogestão e motivação intrínseca dos alunos.
O quinto fator é, talvez, o mais complexo, porquanto se refere à
insegurança do professor de estabelecer um contexto multidisciplinar em suas aulas. Sabemos que os conteúdos e informações disponibilizados na web não estão associados a uma grade curricular com
conteúdos delimitados. As informações estão abertas e correlacionadas com os diferentes campos do saber. O professor, ao abrir as portas
da sua sala de aula para que os alunos busquem em diferentes locais
os conteúdos necessários para entender e fixar conceitos, deve estar
bem preparado e com habilidades desenvolvidas para lidar com o
inesperado e com informações que extrapolam a sua área de estudo.
Isso não significa que o professor terá que ser, como muitos ainda esperam, o detentor de informações. Não há lógica nessa ideia. Em
um mundo em que a informação dobra, praticamente, a cada ano, é
impossível querermos manter a imagem do professor “sabe-tudo”. O
que deve ficar claro é que o professor contemporâneo deixa de ser o
informador para ser o formador, deixa de ser o professor conteúdo
para ser o professor “interface”. Assim, o mestre precisa ter ampla
cultura e estar sempre atualizado, a fim de poder estabelecer as conexões necessárias e cumprir um dos seus novos papéis, qual seja, de
ser o filtro e o validador das informações.
Por fim, deixo essa contribuição para que os gestores desenvolvam estratégias e ações que busquem reduzir ou eliminar esses e
tantos outros problemas que têm sido entraves no processo de mudança tão necessária para o nosso sistema educacional.
Renato Casagrande atua há mais de
25 anos como gestor educacional,
consultor e professor em instituições públicas e privadas de educação básica e superior. É sócio-diretor da Alleanza Brasil, empresa
especializada no desenvolvimento
de profissionais da educação e na
maximização de resultados para
instituições educacionais. É doutorando em Educação e
mestre e bacharel em Administração, com linha de pesquisa em gestão educacional, licenciado em Matemática,
especialista em recursos humanos e gestão educacional.
Tem formação internacional em Coaching e Liderança
Educacional. É Presidente da Associação Brasileira de Coaching Educacional e professor de cursos de pós-graduação na Universidade Positivo.
E-mail: [email protected]
Acervo Pessoal
professor tem do mestre, do detentor do saber, enfim, do líder. As novas
tecnologias parecem pôr em xeque essa imagem de “mestre”.
Destaco, aqui, cinco fatores que tenho identificado ao longo desses anos de trabalho como gestor, consultor e pesquisador, que têm
sido obstáculos para avançarmos no uso de novas tecnologias em
sala de aula.
O primeiro refere-se à própria habilidade do professor no manuseio dos novos aparatos tecnológicos. É sempre bom lembrar que,
como qualquer adulto, o professor sente-se inseguro quanto ao uso
de novas tecnologias com as crianças e jovens da atual geração. Muitas vezes, sentimo-nos totalmente dependentes de conhecimentos e
habilidades tão naturais para as novas gerações.
O segundo fator é a oferta reduzida de programas de formação e
de capacitação dos professores com a finalidade de inserção das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) no processo de
ensino e aprendizagem. Sabemos que os professores saem das universidades desprovidos de habilidades avançadas para lidar com essas tecnologias. Nossas universidades, em grande parte, continuam formando
professores como o fizeram no século passado, ou seja, desconsiderando toda a revolução tecnológica. Portanto, é fundamental que, nos
programas de educação continuada, sejam contempladas muitas horas
de capacitação para lidar com essa nova demanda.
O terceiro aspecto é a falta de um projeto exequível desenvolvido por
escolas ou por sistemas educacionais que estimule o uso das novas tecnologias no processo de aprendizagem. Ainda observamos, nos projetos
pedagógicos ou nos planejamentos educacionais, poucas estratégias ou
atividades relacionadas ao uso das novas tecnologias. É preciso que a comunidade escolar construa um projeto que promova o desenvolvimento
das práticas realizadas pelos professores em suas aulas.
O quarto elemento diz respeito à incapacidade de o professor
conseguir manter o controle sobre toda a turma, já que está abrindo
mão do método tradicional e centralizado do ensino, em que todas as
atenções se voltam para o mestre. Muitos professores afirmam que,
ao articularem mudanças em seus métodos de ensino, deparam-se
com o problema da falta de controle, o que gera, inclusive, indisciplina em sala de aula. Na maioria dos casos, os professores não souberam utilizar essas novas tecnologias como fatores motivacionais
para despertar o interesse e o engajamento dos alunos nas atividades
curriculares. Pelo contrário, ao permitirem que seus alunos tenham
acesso ao mundo virtual, os professores percebem que, na disputa
entre a aula e tantos outros apelos mais lúdicos, quem perde é o programa curricular. Frustrados com a experiência, preferiram voltar aos
seus métodos tradicionais, os quais, por mais que não surtam muitos
resultados, ainda são mais garantidores do poder e da autoridade.
Nesse caso, convém frisar que, em uma aula com o auxílio das novas
TIC, as atenções dividem-se entre o professor e todos os demais recursos
proporcionados. Assim, para obter êxito nessa empreitada, o professor,
entre outras questões, precisa rever seus conceitos concernentes à autoridade e ao controle. Em um mundo digital em que o aluno é “cíbrido”
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Renato Casagrande - Bett Brasil Educar