REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
HABEAS CORPUS N.º 3495-CE
(2009.05.00.000039-0)
RELATÓRIO
O SR. DES. FEDERAL CESAR CARVALHO (REL. CONVOCADO):
Trata-se de habeas corpus proposto em favor de W ELOSON FABIO
AQUINO DA COSTA, qualificado nos autos, em que se aponta como autoridade coatora
o MM. Juiz Federal da 11.ª Vara da Seção Judiciária do Ceará (Fortaleza) por haver
recebido a denúncia que imputa ao paciente a prática do crime descaminho (art.
334, caput, do CP1).
Em resumo, o impetrante nega haver o paciente cometido o crime, o
qual ocorreu em lugar onde não mais residia há um ano. Diz que o acusado jamais
solicitou qualquer encomenda do exterior e tampouco conhece a remetente.
Argumenta que se atribui a prática delituosa de forma precária, sem intimar o
paciente para prestar esclarecimentos ou ouvir o remetente das mercadorias
apreendidas. Por fim, invoca o princípio da insignificância e conclui vindicando o
trancamento da Ação Penal n.º 2007.81.00.014535-1 por ausência de justa causa.
A autoridade apontada coatora prestou, às fls. 105 a 113, as
informações requisitadas, defendendo a juridicidade do ato coator.
O MPF posicionou-se na forma assim sumariada (fls. 215 a 221):
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE
JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE
AUTORIA A SUBSIDIAR O RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA
INICIAL. PACIENTE DENUNCIADO POR PRÁTICA DE DESCAMINHO
APENAS PELO FATO DE HAVER SIDO ENCAMINHADA ENCOMENDA
INTERNACIONAL COM DECLARAÇÃO FALSA DE CONTEÚDO, TENDO
SEU NOME COMO DESTINATÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DILIGÊNCIAS
INVESTIGATÓRIAS COMPLEMENTARES. PROCEDIMENTO FISCAL NO
QUAL FOI O PACIENTE INTIMADO, POR EDITAL, PARA APRESENTAR
DEFESA. OPINATIVO PELA CONCESSÃO DA ORDEM, COM O
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL NO JUÍZO DE ORIGEM.
RELATEI.
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Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou
imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
CC/mpn
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VOTO
O SR. DES. FEDERAL CESAR CARVALHO (REL. CONVOCADO):
Assinto com as ponderações do eminente fiscal da lei no sentido da
ausência de justa causa para o exercício da ação penal por evidente ausência de
indícios mínimos a apontarem a autoria do crime.
De logo, rememoro que, nos termos do art. 395, III, do Código de
Processo Penal, “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) faltar justa causa
para o exercício da ação penal”.
Pois bem. Nos termos da inicial acusatória, os fatos se deram da
seguinte forma: a fiscalização aduaneira verificou que uma remessa postal
internacional, oriunda dos Estados Unidos da América e destinada a “Fabio Costa”,
com endereço na “Av. Santos Dumont 6870 Papicu, Fortaleza-CE”, continha
declaração falsa de conteúdo e de valor, este em montante muito inferior ao real
(US$ 399,00 em lugar de aproximadamente R$ 25 mil).
A partir daí, cruzando os dados disponíveis em seu banco de dados,
a Aduana encontrou um Fabio Costa residente naquele endereço, como sendo
“Weloson Fabio Aquino da Costa”, morador do apartamento n.º 701 do Bloco 1 da
Av. Santos Dumont, 6870, Papicu, Fortaleza/CE.
Não houve, em seguida, diligências que poderiam colher os indícios
mínimos de autoria sobre que falei, mas apenas notificação do paciente no endereço
referido e por edital. Só.
O paciente foi denunciado pela prática de descaminho, então,
apenas pelo fato de haver sido encaminhada encomenda internacional com
declaração falsa de conteúdo, tendo seu nome e endereço parciais como
destinatário. Essas são as circunstâncias que embasaram a acusação no que
pertine à autoria do delito.
Ainda que somente fatos desse jaez se prestassem para apontar o
paciente como o autor do descaminho, no caso concreto isso não seria possível.
Por primeiro, não consta qualquer indício de que o paciente tenha
solicitado a remessa internacional da mercadoria. Por outro lado, há prova nos autos
(inclusive por declaração do Ministério da Defesa – fl. 15) de que o paciente, que é
oficial da Força Aérea Brasileira, não mais reside na capital cearense desde o início
de 2006, morando em Recife/PE de janeiro de 2006 a janeiro de 2008 e atualmente
CC/mpn
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na cidade de Pirassununga/SP, para onde foi removido pela FAB (o descaminho
ocorreu no início de 2007).
Cito, por reputá-las judiciosas, as considerações do nobre fiscal da
lei sobre esse tópico (fl. 219):
Inconcebível, na atual fase de desenvolvimento humano, delinear a
responsabilidade criminal de um cidadão pelo simples fato de ele ter seu
nome indicado como destinatário de uma mercadoria que foi encaminhada
de outro país.
Seguindo tal premissa, qualquer cidadão poderia vir a ser alçado à
condição de réu se alguém resolvesse encaminhar uma encomenda
internacional usando seu nome, ainda que não o conhecesse, o que não é
muito difícil de ocorrer hoje em dia devido à fácil obtenção de dados
pessoais até mesmo pela internet.
A situação tratada neste writ se agrava quando a pessoa que restou
denunciada, no caso o paciente, comprova, por documento oficial (fl. 15),
que não mais residia, há anos, no município para onde a remessa postal
foi enviada, situação essa que chegou a ser certificada pelo próprio Oficial
de Justiça que realizou diligência no mencionado endereço na tentativa de
efetivar a citação de Weloson Fábio Aquino da Costa (fl. 57/verso).
Mas não é só. Perlustrei atentamente os documentos constantes dos
autos originários e causaram surpresa alguns fatos que não podem ser
desconsiderados.
É que os expedientes da lavra do remetente indicavam no campo do
destinatário, como mencionei, apenas parcialmente o nome do paciente (“Fabio
Costa” em lugar de “Weloson Fabio Aquino da Costa”) e também parcialmente o seu
endereço. Como se trata de apartamento que se encontra em blocos de edifícios, fiz
uma rápida consulta à rede mundial de computadores, onde se obtém, com
facilidade, a informação de que nessa localidade (Av. Santos Dumont, 6870) há
diversos blocos de prédios com vários andares, cada bloco e andar com inúmeros
apartamentos e até setores comerciais, com dezenas de lojas, inclusive
estabelecimento destinado ao comércio de produtos informáticos.
Nessas circunstâncias, em que é possível haver mais de um “Fabio
Costa” no endereço ou mesmo de alguém ali se utilizar de um nome de ex-morador
para importar ilegalmente mercadorias, os poucos elementos que sustentaram a
denúncia se tornam ainda mais frágeis quanto à autoria do delito.
Ante o exposto, com fulcro nos arts. 395, III, e 648, I, ambos do
CPP, concedo a ordem requestada para determinar o trancamento da Ação Penal
n.º 2007.81.00.014535-1 por ausência de justa causa.
CC/mpn
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Registro nada obstar que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, munindose de elementos que convençam acerca dos multicitados indícios mínimos de
autoria, proponha nova ação penal, eis que o trancamento da ação penal, na
espécie, não se deu com resolução de mérito, a formar coisa julgada material.
ASSIM VOTO.
CC/mpn
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IMPTTE
IMPTDO
:
:
Paciente
RELATOR
:
:
(2009.05.00.000039-0)
JOSÉ AMÉRICO DA COSTA JÚNIOR (e outro) - RN006336
JUÍZO DA 11.ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (FORTALEZA) - PRIVATIVA EM
MATÉRIA PENAL
WELOSON FABIO AQUINO DA COSTA
DES. FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO)
INICIO EMENTA
EMENTA
HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334 DO CÓDIGO PENAL). INDÍCIOS
MÍNIMOS DE AUTORIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.
- “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) faltar justa causa para o exercício
da ação penal” (art. 395, III, do CPP).
- O paciente foi denunciado pela prática de descaminho apenas pelo fato de haver
sido encaminhada encomenda internacional, com declaração falsa de conteúdo,
tendo seu nome e endereço parciais como destinatário. Ainda que somente fatos
desse jaez se prestassem para apontar o paciente como o autor do descaminho, no
caso concreto isso não seria possível, eis que o acusado, que é oficial da Força
Aérea, prova que sequer residia no endereço para onde remetida a mercadoria, já
tendo alterado seu domicílio duas vezes, desde então, por força de sua atividade
militar.
Parecer do MPF pela concessão da ordem.
Ordem concedida para, sem resolução do mérito, ordenar o trancamento da ação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por
unanimidade, CONCEDER a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas constantes dos autos, que integram o presente julgado.
Recife/PE, 5 de março de 2009 (data do julgamento).
Des. Federal CESAR CARVALHO,
Relator convocado.
FIM EMENTA
CC/mpn
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