FACULDADES UNIFICADAS DE FOZ DO IGUAÇU – UNIFOZ
CURSO DE DIREITO
MATHEUS GAMBETTA NORONHA
O ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO E A
REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL
FOZ DO IGUAÇU/PR
2013
1
MATHEUS GAMBETTA NORONHA
O ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO E A
REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito das
Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu –
UNIFOZ.
Orientadora Profa. Ms. Thatiana de Arêa Leão Candil.
FOZ DO IGUAÇU/PR
2013
2
MATHEUS GAMBETTA NORONHA
O ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO E A
REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL
Monografia aprovada, apresentada a Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu –
UNIFOZ, Curso de Direito, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel
em Direito, com nota final igual a _____, conferida pela Banca Examinadora formada
pelos professores:
______________________________________
Profa. Ms. Thatiana de Arêa Leão Candil
Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ
______________________________________
Prof. Membro da banca, titulação (Doutor)
Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ
Foz do Iguaçu/PR, ____ de __________de 2013.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente ao meu grandioso Deus que me guia diariamente no
caminho que estou a seguir, trazendo-me a felicidade. Obrigado, Senhor.
Aos meus pais Waldir Noronha e Janete Gambetta, razões do meu viver, do
meu objetivo, que a todo o momento me estimulam a acreditar na minha capacidade,
os quais incondicionalmente me dedicaram todo afeto necessário e que, com
certeza, não são responsáveis pelos meus defeitos. Vencemos mais uma vez.
À minha namorada Cinthia Caroline de Freitas que me acompanha há seis
anos e seis meses e tem sido mais uma das razões de minha alegria, pela
demonstração de carinho e afeto. Amo-te.
À minha orientadora, Professora Mestre Thatiana de Arêa Leão Candil,
profissional exemplar, dedicada e que acreditou no meu potencial acadêmico,
incentivando-me a concluir o presente estudo. Muito Obrigado.
Ao meu Ministério Público do Estado do Paraná que disponibilizou as obras
necessárias para conclusão do presente estudo.
Enfim, a todos que de alguma forma fizeram parte da minha vida
positivamente. Obrigado.
4
NORONHA, Matheus Gambetta. O Abandono Afetivo na Filiação e a Reparação
Civil do Dano Moral. 83f. Monografia para conclusão de Graduação em Direito –
Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ, Foz do Iguaçu, 2013.
RESUMO
O presente estudo demonstrará aos leitores o que se entende por abandono afetivo,
além da possibilidade de responsabilização civil por danos morais aos genitores que
não cumprem com os deveres jurídicos decorrentes do poder familiar. Conclui-se
que a omissão na relação paterno-filial é prejudicial ao desenvolvimento do menor,
gerando danos passíveis de reparação, consoante a Constituição da República
Federativa do Brasil, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente
vigentes prevêem, sempre em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana
e da afetividade. Ressalta-se, todavia, que deverão ser verificadas as circunstâncias
fáticas e os elementos específicos para o pleito de indenização por abandono afetivo
na relação entre pais e filhos.
PALAVRAS-CHAVE: Afeto. Abandono Afetivo. Direitos da Criança e do
Adolescente. Relação paterno-filial. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Reparação
Civil.
5
NORONHA, Matheus Gambetta. O Abandono Afetivo na Filiação e a Reparação
Civil do Dano Moral. 83f. Monografia para conclusão de Graduação em Direito –
Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ, Foz do Iguaçu, 2013.
ABSTRACT
Este estudio será mostrar a los lectores lo que se entiende por la distancia
emocional, más allá de la posibilidad de la responsabilidad civil por daños y
perjuicios a los padres que no cumplan con las obligaciones legales derivadas del
poder de la familia. Llegamos a la conclusión de que la omisión de la relación
paterno-filial es perjudicial para el niño, causando daños que puedan reparar, de
acuerdo con la Constitución de la República Federativa del Brasil, el Código Civil y el
Estatuto del Niño y proporcionan adolescente actual, siempre prestar atención a la
principio de la dignidad humana y el afecto. Es de destacar, sin embargo, que se
debe comprobar que los supuestos de hecho y las indicaciones para la reclamación
de daños y perjuicios por la distancia emocional en la relación entre padres e hijos.
KEY WORDS: Afecto. Abandono afectivo. Derechos de los Niños, Niñas y
Adolescentes. Relación paterno-filial. Responsabilidad. Daño moral. Reparación civil.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08
1 DA FAMÍLIA........................................................................................................... 10
1.1 NOÇÕES HISTÓRICAS ...................................................................................... 10
1.2 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988 .......................................................................................................................... 14
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA FAMÍLIA ................................................... 16
2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................................ 16
2.2 DA AFETIVIDADE ............................................................................................... 18
2.3 DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE
.................................................................................................................................. 21
3 DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE .......................................... 24
3.1 A FAMÍLIA E A JURISDIÇÃO DO AFETO: TRANSFORMAÇÃO EM VALOR
JURÍDICO ................................................................................................................. 24
3.2 DO PODER FAMILIAR: A PATERNIDADE RESPONSÁVEL ............................. 26
3.3 DO ABANDONO AFETIVO ................................................................................. 30
4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................................................... 35
4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............ 35
4.2 ELEMENTOS CLÁSSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................ 37
4.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA ADERÊNCIA AOS CASOS DE
ABANDONO AFETIVO ............................................................................................. 40
5 DA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS DECORRENTES DO ABANDONO
AFETIVO ................................................................................................................... 45
5.1 NOÇÕES PRELIMINARES ................................................................................. 45
5.2 CONCEITO DE DANO MORAL .......................................................................... 48
5.3 O DANO EXTRAPATRIMONIAL E SUA RELAÇÃO COM A REPARAÇÃO CIVIL
POR ABANDONO AFETIVO ..................................................................................... 52
5.4 DA REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO
AFETIVO ................................................................................................................... 54
5.4.1 Da Função Civil da Sanção Indenizatória......................................................... 59
5.5 DA COMPROVAÇÃO DO DANO ........................................................................ 61
5.6 DECISÕES JUDICIAIS ACERCA DA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL
NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO DOS PAIS PARA COM SEUS FILHOS ... 64
6 PROPOSTAS LEGISLATIVAS NO CONGRESSO NACIONAL QUE VISAM
COIBIR A PRÁTICA DO ABANDONO AFETIVO .................................................... 71
7
6.1 INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO NO ARTIGO 1.632 DA LEI N.
10.406/2002 – PROJETO DE LEI N. 4.294 DE 2008 ................................................ 71
6.2 PROJETO DE LEI N. 700 DE 2007, QUE ALTERA A LEI N. 8.069/1990,
VISANDO CARACTERIZAR O ABANDONO MORAL COMO ILÍCITO CIVIL ........... 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 79
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo realizar um estudo quanto ao cabimento
da indenização por dano moral por abandono afetivo nas relações paterno-filiais,
dando-se enfoque à discussão acerca da aplicabilidade da responsabilidade civil nas
relações familiares e sua caracterização para configuração do dano reparável.
Inicialmente será realizada uma análise do histórico e desenvolvimento das
famílias, até o denominado pluralismo familiar, estudando-se a sua origem, a forma
que a as famílias constituíam-se e como era a relação entre pais e filhos no contexto
do Pater familias. Ainda, discorrer-se-á com relação à mudança advinda com a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que deu nova face às
relações familiares.
Na sequência, serão ilustrados alguns princípios constitucionais existentes no
Direito das Famílias, os quais compõem o ordenamento jurídico e são fontes do
direito, em geral.
Da mesma forma, objetiva-se demonstrar as normas de proteção à criança e
ao adolescente, todas insertas no ordenamento jurídico pátrio positivado, sendo na
Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e no Estatuto da Criança e do
Adolescente, as quais são uníssonas em dar especial importância à dignidade das
crianças e adolescentes, bem como discorrer acerca do abandono afetivo.
Explanar o conteúdo normativo que dispõe os deveres e obrigações dos
genitores em relação aos seus filhos, em que o seu não cumprimento ensejará na
prática de ato ilícito por inobservância do dever legal.
A partir daí, será realizado o estudo da responsabilidade civil em seu contexto
geral, demonstrando-se os elementos clássicos de composição do instituto: ação ou
omissão, dano/prejuízo e o nexo causal entre ambos.
Também é de se destacar no estudo a indicação dos elementos da
responsabilidade civil em aderência aos casos específicos de abandono afetivo nas
relações
paterno-filiais,
de
forma
a
demonstrar,
abstratamente,
conforme
ensinamento da doutrina, os casos passíveis de reparação pelo dano moral pelo
9
preenchimento dos requisitos entendidos como necessários para o êxito de uma
demanda.
Na parte final do trabalho, será estudado o instituto do dano moral,
atualmente previsto na Carta Magna e no Código Civil vigente, de forma geral e,
especificamente, quanto à sua aplicabilidade pelo descumprimento do dever
parental de dispensar afeto à prole.
Buscar-se-á tecer considerações acerca do dano extrapatrimonial e sua
relação com a reparação civil, além de capítulo próprio dedicado a demonstrar os
fundamentos que levam ao reconhecimento do dano moral ao filho que foi
abandonado em sua infância e/ou adolescência.
Posteriormente, passar-se-á a fazer uma análise da função civil da sanção
indenizatória nestas demandas, elucidando-se a posição da doutrina e da
jurisprudência sobre a reparação civil do dano moral por abandono afetivo.
O trabalho colocará as posições divergentes da doutrina e da jurisprudência,
em se tratando de tema complexo e não uníssono, explicando o que a corrente
favorável à condenação dos genitores negligentes defende como fundamentos
jurídicos, ainda mais com a nova tendência de pensamento advinda do Superior
Tribunal de Justiça, a partir do ano de 2012.
E esse estudo deságua na análise dos Anteprojetos de inclusão de artigos no
Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil, em trâmite no Congresso
Nacional, que buscam acrescer à normatização artigos específicos para que se
condenem os pais irresponsáveis, os quais não exercem a paternidade que
deveriam de acordo com a lei, ao pagamento de reparação civil por dano moral.
10
1 DA FAMÍLIA
1.1 NOÇÕES HISTÓRICAS
A existência de um núcleo familiar de perfil hierarquizado e patriarcal já foi
realidade no contexto familiar, numa sociedade extremamente conservadora que se
dava maior importância ao grande formalismo e tradição familiar, restando os
vínculos afetivos longe de ter valor.
A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural,
integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo
incentivo à procriação, sendo entidade patrimonializada, pois sua composição era
força de trabalho.1
Destarte, naquele contexto as ligações entre os entes estavam distantes do
afeto natural. No Direito Romano, por exemplo, a palavra ‘’família’’ possuía
significados diversos, já que era utilizada em relação às coisas, para determinar o
conjunto do patrimônio, bem como a totalidade dos escravos pertencentes a
determinado sujeito. Destaca-se que na família romana o filho era estranho à família
de origem de sua mãe, inclusive da mãe somente era parente porque ela se achava
sob o poder do pai. O pátrio poder determinava uma relação de hierarquia, sendo o
pai o “chefe” da família em relação aos filhos.2
Observou-se que o afeto não era base da família romana, pois as relações
consubstanciavam-se no poder paterno ou do homem, o qual utilizava-se da força
sobre a mulher e filhos. A questão do afeto, portanto, não tinha relevância quando
comparado a religião do lar e dos antepassados, considerados fatores mais
importantes naquele tempo.
Destaca-se a lição de Venceslau Tavares Costa Filho que explica quanto à
inexistência da afetividade na relação jurídica paterno-filial e suas consequências:
1
2
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 28.
COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Função Social da Autoridade Parental: algumas considerações. Revista
Síntese Direito de Família. v. 1, n. 1, jul. 1999; vol. 13, n. 67, ago./set. 2011. p. 10-11.
11
Ocorre que – aparentemente – tal submissão da criança a um poder
jurídico paternal em moldes absolutos pode gerar uma situação de
simbiose e de indiferenciação, na qual o infante não é reconhecido
enquanto indivíduo diferenciado, mas sim como um “prolongamento
narcísico de um dos pais”. Tal simbiose termina por ameaçar a
integridade psíquica dos filhos, manifestação que é de uma paixão
que se manifesta normalmente em uma busca de autoafirmação e de
satisfação estritamente individuais dos pais em detrimento das
necessidades dos filhos.3
Outro fator destacável naquela época era a necessidade do matrimônio, mais
especificamente o casamento, contrato instituído como regra de conduta para
organizar os vínculos interpessoais, bem como para merecerem aceitação social e
reconhecimento jurídico.
Com o fim da família patriarcal e do matrimonialismo, houve uma
reconsideração
dos
valores
da
entidade
familiar,
em
destaque
a
despatrimonialização da família para focar nos indivíduos que a compunham e dar
menor importância na produção e acumulação de riqueza.
Maria Berenice Dias ilustra os motivos que ensejaram o início do vínculo
afetivo como fator integrante nas relações familiares:
Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando
o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se
tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência
do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou do campo
para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso
levou à aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o
vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Existe uma nova
concepção da família, formada por laços afetivos de carinho, de
amor.4
Diante deste novo contexto intrafamiliar, a família ganhou novas adjacências,
vez que o formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização e as
relações são muito mais de igualdade e respeito mútuo.
Com a nova perspectiva do formato familiar, onde se incluiu a afetividade,
matéria de direito das famílias, afastou-se o modelo patriarcal e ampliou-se o
conceito de família, sem restrição de ser necessariamente o homem, a mulher e a
3
4
COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Função Social da Autoridade Parental: algumas considerações. Revista
Síntese Direito de Família. v. 1, n. 1, jul. 1999; vol. 13, n. 67, ago./set. 2011. p. 10-11.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 28.
12
prole, ante a grande diversidade familiar atualmente existente, seja pelo casamento,
pela união estável ou pela relação monoparental, muito comum atualmente.
Ressalta-se as observações de Sérgio Resende de Barros, citadas por Rolf
Madaleno, de o patriarcalismo haver principiado a asfixia do afeto, primeiro com a
prática de casamento de conveniência, que se somaram aos motivos patrimoniais e
políticos.5
Em suma, anteriormente a promulgada Constituição Federal de 19886 a
família tradicional era composta pelo homem/pai, pela mulher/mãe e pelos filhos
decorrentes desta união matrimonializada pelo casamento. Após, alterou-se o
conjuntura da Carta Magna7 privilegiando o afeto, na medida em que se legitimaram
os filhos havidos fora do casamento, instituindo a igualdade dentre todos os filhos,
independentemente de sua origem, seja biológica, adotiva ou socioafetiva.
Elevou-se a união estável ao status de família, a qual se caracteriza pela
união de duas pessoas (a princípio entre homem e mulher) com ânimo de
convivência duradoura, de forma pública e apta a caracterizar a estabilidade e
finalidade de manter compromisso de vida em comum, substituindo-se a estrutura
hierárquica pela coordenação e comunhão de interesses e de vida.
A família monoparental, caracterizada pela presença de apenas um genitor e
a prole, pode surgir tanto da dissolução de uma entidade familiar biparental com
filhos, como de uma pessoa que passa a ter filhos e viver com eles sem a presença
de outro genitor.
No primeiro caso, a família monoparental surgirá pela falta ou saída de um
dos genitores da relação do convívio familiar, como, por exemplo, pela morte,
separação, divórcio ou dissolução da união estável, ocasiões que atualmente são
mais corriqueiras.
Ainda, poderá ser formada pela agregação de um filho natural ou civil a
pessoa solteira, viúva, separada, divorciada ou saída de união estável, que poderá
passar a existir com o reconhecimento unilateral de filiação, pelo nascimento
programado ou não programado oriundo de relação sexual, inseminação artificial
5
BARROS apud MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 09.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
7
Ibid.
6
13
homóloga (com sêmen do ex-marido ou ex-companheiro falecido) ou heteróloga
(com sêmen de um terceiro, mas com expressa autorização do ex-marido ou excompanheiro antes de seu óbito), ou pela adoção.
Neste sentido, Rolf Madaleno explica:
Famílias monoparentais são usualmente aquelas em que um
progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos
biológicos ou adotivos. Tecnicamente são mencionados os núcleos
monoparentais formados pelo pai ou pela mãe e seus filhos, mesmo
que o outro genitor esteja vivo, ou tenha falecido, ou que seja
desconhecido porque a prole provenha de uma mãe solteira, sendo
bastante freqüente que os filhos mantenham relação com o
progenitor com o qual não vivam cotidianamente, daí não haver
como confundir família monoparental com lugar monoparental.8
Como se nota, a evolução do conceito de família deu-se, principalmente, pela
dinâmica dos relacionamentos sociais, flexibilizando os esquemas típicos de família,
aquela centrada no casamento entre homem e mulher mais a prole para novos
modelos familiares como as famílias de fato ou do mesmo sexo, paralelas ou
mosaico, enfim, não há que se falar num modelo único de família, denominando-se
de pluralismo familiar.
Por tais razões, independentemente do modelo de família, o fundamento dela
rege-se nas relações afetivas dentre os integrantes que a compõe, pois o direito de
família é o direito que diz com a vida das pessoas e seus sentimentos, enfim, com a
alma do ser humano. Gera-se, portanto, a necessidade de oxigenação das leis, ou
seja, a atualização normativa, sem absorver o espírito das silenciosas mudanças
alcançadas no seio social que fortalece a conduta de apego ao invés da tradição
legalista, moralista e opressora da lei.9
8
9
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 09.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 29.
14
1.2 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
10
1988 , inseriram-se novos princípios e fundamentos do Estado democrático de
Direito, elevou-se o homem como centro de estabelecimento de direitos e garantias
fundamentais, marco inicial para estruturação básica do Estado.
Primeiramente, estabeleceram-se os direitos e garantias fundamentais para
então fixarem-se as estruturas básicas do Estado. Vale dizer, emergia uma ordem
democrática para tutela da sociedade.
Aline Biasuz Suarez Karow cita o conceito de Paulo Bonavides quanto ao
novo modelo de sistema de tutela estatal: “A concepção hodierna é jungida ao
princípio da constitucionalidade, tendo como sol os direitos fundamentais, por em
torno dos quais orbita todo o resto do ordenamento.” 11
Neste sentido é que a Constituição Federal12 comunicou-se com vários ramos
do Direito, dentre eles o Direito de Família, objeto do presente estudo. Trata-se do
fenômeno da história do direito privado brasileiro: a constitucionalização,
responsável pela renovação da estrutura jurídica da doutrina civilista, criando-se
uma relação de dependência entre ramos que pareciam inconciliáveis.13
O Estado passou a ter interesse nas relações familiares, tanto que proclama a
família como base da sociedade, motivo pelo qual reside aí sua limitação, ou seja, se
houver interferência do Estado nas relações familiares atingir-se-ia a base da
sociedade que serve ao próprio Estado.
O atual plano positivo-constitucional inegavelmente foi o diploma que
dignificou a pessoa humana, o que a partir de então fez com que toda atividade
legislativa ficasse condicionada a observar os princípios e objetivos fundamentais
por ele tratados, pois não mais atua o Estado somente como controlador, mas ao
10
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
11
BONAVIDES, Paulo apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização jurídica do afeto
nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 66.
12
BRASIL. Constituição (1988). Op. cit.
13
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 66.
15
mesmo tempo como Estado-garantidor dos valores inseridos nas normas que
remetem às garantias e direitos fundamentais.
Em suma, o direito de família sofreu alterações de grande significância, pois a
partir do momento em que o Estado passou a tutelar a família através do artigo 226
da Constituição Federal14, a família passa a ser o ambiente de realização de seus
membros e não mais instrumento de domínio e controle do Estado, deixando o
núcleo afetivo em condições favoráveis.15
Ademais, o Estado passa a se preocupar com os interesses e direitos
individuais de cada um de seus componentes como sujeito de direitos, pessoas em
desenvolvimento e titulares de direitos indisponíveis. Contudo, a interferência estatal
na família é assunto de extrema delicadeza, pois a atuação estatal indistinta para
proteção das famílias colidirá com a privacidade, não alcançando o êxito no
desenvolvimento familiar.
A lei infraconstitucional deverá, portanto, seguir intimamente os parâmetros
estipulados pelos princípios e normas existentes na Constituição Federal16, com a
finalidade de dar conformidade dentre os textos legais, desde a elevação da
dignidade da pessoa como fundamento estatal.
Aline Biasuz Suarez Karow ensina que incumbe a Constituição Federal17
estabelecer princípios máximos, enquanto que o direito privado deverá rezar as
relações com base em referidos princípios, objetivando o desenvolvimento dos
direitos fundamentais pela norma ordinária que possibilitará e disciplinará o exercício
destes direitos.18
Com efeito, o direito de família refletirá o constante dos direitos fundamentais
previstos na Carta Magna19, pois ela inaugurou um novo momento no ordenamento
jurídico, onde toda interpretação do direito civil passará pelo crivo constitucional.
14
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 12 ago. 2013.
15
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 71.
16
BRASIL. Constituição (1988). Op. cit.
17
Ibid.
18
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Op. cit. p. 67.
19
BRASIL. Constituição (1988). Op. cit.
16
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA FAMÍLIA
2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Os princípios gerais do direito são aplicáveis a todos os ramos do direito, seja
em qualquer situação que se apresentem, sempre prevalecerão, inclusive no direito
de família. Entretanto, existem princípios especiais que são propriamente vinculados
as relações familiares, de forma que serão o norte na apreciação de causas que
envolvam questões atinentes ao ramo.
A Constituição Federal20 traz logo no seu início, mais precisamente no seu
artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como fundamento a ser
observado em tudo aquilo que envolver o Estado Democrático Brasileiro, inclusive o
direito das famílias.
De forma introdutiva, Rodrigo da Cunha Pereira explica que o princípio da
dignidade da pessoa humana é elementar na sustentação dos ordenamentos
jurídicos existentes contemporaneamente, não sendo mais possível de se observar
qualquer direito sem vínculo com a dignidade.21
Na mesma esteira, a lição de Maria Berenice Dias:
A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça
social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa
humana como valor nuclear da ordem constitucional. [...] Talvez
possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação
primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e
emoções.22
Depreende-se, portanto, que referido macroprincípio elevou o indivíduo ao
centro das atenções, ou seja, incumbirá ao Estado praticar atos aptos a promoverem
essa dignidade, bem como deverá abster-se da mesma prática quando na iminência
20
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 12 ago. 2013.
21
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 114.
22
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 62.
17
de atentar contra a dignidade. Destarte, deverá garantir o mínimo existencial,
buscando o ideal para garantir a dignidade do ser humano.
Na família, ante a multiplicação das diversas formas de entidades familiares, o
maior foco a ser alcançado é o desenvolvimento das qualidades mais relevantes
existentes no direito de família: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a
confiança, o amor, o projeto de vida comum, de forma a garantir o pleno
desenvolvimento de cada ente partícipe, focando a sua dignidade.23
Dificílimo é conceituar com palavras o princípio da dignidade da pessoa
humana, haja vista a vulgarização dessa expressão. Acerca do tema, Rodrigo da
Cunha
Pereira
dá
o
conceito
de
Kant,
criador
da
expressão,
o
qual
simplificadamente explica que o homem nunca poderá ser transformado num
instrumento para ação de outrem. Embora a realidade fática leve a isso, tem-se que
o homem é dotado de consciência moral, tem um valor que o torna sem preço, que o
põe acima de qualquer especulação material, isto é, colocando-o acima da condição
de coisa.24
Com isso, resta evidente que é dever do Estado democrático reconhecer o
ser humano no seu valor como pessoa, pois, colocar a dignidade da pessoa humana
como preceito constitucional é exigir que o Estado viabilize todos os direitos que lhe
garantam a dignidade.
No direito de família não é diferente, com a consequente indissociabilidade da
dignidade da pessoa humana nas constituições democráticas, é de se observar que
a exclusão de determinadas relações de família do laço social é um desrespeito
direto aos Direitos Humanos.
Ainda, o artigo 227 da Constituição Federal25 dispõe expressamente quanto à
dignidade da criança, ao estabelecer deveres inerentes à família, isto é, assegurarlhe, principalmente, à dignidade e a convivência familiar nas relações paterno-filiais.
Logo, afastar-lhe desta convivência familiar é uma grave violação a um direito
indisponível.
23
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 63.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 116
25
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
24
18
Comunga do mesmo pensamento a jurisprudência pátria, haja vista que as
decisões judiciais enfocam o macroprincípio da dignidade da pessoa humana nas
demandas de direito de família.26 Ademais, está ele ativo na seara do direito privado,
mormente na responsabilidade civil e familiar.
Rodrigo da Cunha Pereira leciona a respeito:
[...] Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana significa
para o Direito de Família a consideração e o respeito à autonomia
dos sujeitos e à sua liberdade. [...] Neste sentido, podemos dizer que
é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou
aos vários tipos de constituição de família.27
Importante, neste sentido, fazer a análise do princípio em tela com o princípio
da afetividade, já que estão entrelaçados no que tange as relações entre pais e
filhos, em especial, no desenvolvimento das pessoas que integram a comunidade
familiar e que estão na relação de interdependência, como é o caso dos filhos para
com os genitores.
2.2 DA AFETIVIDADE
Como já abordado, rompeu-se o clássico modelo patriarcal de família
existente em meados do século XIX, estruturado com base no patrimônio da família
e com a finalidade maiormente econômica, em que a figura do homem era elevada
como o grande chefe, onde todos os demais entes lhe deviam obediência.
Em suma, a passagem do modelo de entidade familiar tradicional (patriarcal),
existente no revogado Código Civil de 191628, para o modelo de entidade familiar
contemporânea (família afetiva), alterando-se o foco evidentemente patrimonialista
para a importância de laços afetivos.29
26
Vide Capítulo 5, item 5.6.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 115.
28
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013.
29
TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares (p. 357-379). In:
PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 368.
27
19
Alterações como a inserção da mulher no mercado de trabalho e a redução
de membros no seio familiar foram alguns dos fatores que favoreceram a elevação
do afeto como fator primordial no elo familiar, em detrimento das motivações
econômicas, que caíram para o segundo plano.
Rodrigo da Cunha Pereira explica a ocorrência dessa situação:
A mulher deixou de ficar “presa” ao marido por questões econômicas
e de sobrevivência, e seu vínculo passou a ser preponderantemente
por motivações afetivas, vez que adquiriu possibilidade de se manter
por seu próprio trabalho.30
Destarte, retirando a dependência econômica como liame familiar, o que até
então sustentava a ideia de família, tem-se que o elo afetivo passou a ser a
motivação de união entre pessoas, seja nos relacionamentos conjugais ou parentais,
de forma que o afeto deverá ser o familiar.
Importante destacar que o princípio jurídico da afetividade na filiação tem
fundamento constitucional, haja vista que estabeleceu fatores de suma importância
com a desenvoltura da pluralidade familiar. Neste contexto, estabeleceu que todos
os filhos são iguais, independemente de sua origem; sendo que a adoção, por opção
afetiva, alcançou a totalidade e igualdade de direitos; e que a entidade familiar
composta por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os afetivos, são
protegidos pelo fato de possuírem a mesma dignidade.
Maria Berenice Dias ensina que a posse de estado de filho traduz o
reconhecimento jurídico do afeto, tendo como principal objetivo de se alcançar a
felicidade.31 Por isso, o sentimento se acentua nas relações entre seus membros, o
que definiu um novo parâmetro a ser observado no direito de família, o valor jurídico
do afeto.
Neste sentido, é importante frisar que a dignidade da pessoa humana pautase na afetividade entre os entes que a compõem. Desta forma, a grande importância
e valorização do afeto, a título de exemplo, prelavece até mesmo sobre os laços
consanguíneos, o que na família institucionalizada era inimaginável de ocorrer, pois,
30
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 211.
31
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 71.
20
o que prevalecia não eram os interesses individuais de cada pessoa componente da
família, mas o composto de pessoas que objetivavam, principalmente, o patrimônio
dali oriundo.
Inegável a afirmação de que a convivência familiar é fundamental para o amor
próprio das crianças, especialmente por se tratar dos anos de formação de seu
caráter e personalidade. Destarte, tornou-se indispensável que exista um afeto
familiar para que se possa cogitar a existência de uma entidade familiar.32
A família tornou-se instrumento para o desenvolvimento da criança, pois sua
permanência no seio familiar e a consequente intensificação dos laços afetivos
relevaram o sentimento do afeto como valor jurídico a ser tutelado.
Das palavras simplórias de Sávio Bittencourt é que se traduz este elemento
fundamental, o afeto:
Ser amado é uma das sensações mais prazerosas que o ser humano
pode experimentar. Ser especial, causar satisfação e felicidade a
alguém, fazer a diferença na vida das pessoas! Esta experiência nos
é ensinada na infância, na qual somos conscientemente o centro do
mundo. É realmente confortante saber que há apreço e carinho nos
corações que nos cercam, que querem nos proteger e acomodar. É a
grande semadura de autoestima na alma humana, que irá florescer e
se tornar uma densa floresta de amor próprio. É a paz profunda do
ser-muito-amado!33
Tem-se, desta forma, que houve o reconhecimento do afeto como valor
jurídico a ser considerado em demandas no âmbito do direito de família, pois no
presente estudo que enfoca a reparação civil oriunda do abandono afetivo, o afeto e
seu valor jurídico são de suma importância, evidenciando a nova tendência jurídica
acerca do tema: “O cuidado perpassa o princípio da afetividade à medida que
enfatiza a dignidade da pessoa humana, que passa, então, a ser o foco da atual
ordem jurídica”.34
32
33
34
TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares (p. 357-379). In:
PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 369.
BITTENCOURT, Sávio. A Nova Lei de Adoção: do abandono à garantia à convivência familiar e
comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 03.
TUPINAMBÁ, Roberta. Op. cit., p. 369.
21
2.3 DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE
Os princípios possuem, atualmente, valores normativos pelo fato das regras
positivadas não contemplarem todos os casos concretos, em virtude do reiterado
desenvolvimento das relações humanas e familiares, motivo pelo qual importante é
dar maior atenção ao estudo dos princípios.
Eles têm, em termos de concretização, possibilidade suficiente para
indicarem consequências jurídicas de um caso concreto, porém, não chegam a
alcançar o grau de densidade normativa capaz de delimitar de forma precisa as
hipóteses de incidências e consequências jurídicas.35
Não obstante, os princípios exercem variadas funções dentro de um sistema
jurídico, ante o desenvolvimento e grau de complexidade das relações familiares.
Como exemplo, os princípios poderão assumir a função hermenêutica quando em
situações mais complexas, de choque de valores, delineando a pauta de valores que
devem sobressair no caso concreto. Já em situações que fogem à normatização
positivada, ou seja, na carência de regras de prevejam uma situação específica, os
princípios assumem função regulativa, delineando normas de conduta ao caso
concreto.36
Em outras palavras, o princípio é uma norma jurídica oriunda do corpo geral
de regras que sinalizam o objetivo de um diploma jurídico, além do fato de
condicionar a interpretação de regras jurídicas e apontar para a proteção de
determinado bem jurídico que busca tutelar.
Partindo dessa premissa, o próprio legislador incumbiu-se de dar atenção
especial às crianças e adolescentes para salvaguardar seus direitos fundamentais,
ficando evidente que o princípio da proteção integral está preceituado no texto
constitucional.
A Constituição Federal em seu artigo 227 consagrou os direitos fundamentais
de crianças e adolescentes:
35
36
TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares (p. 357-379). In:
PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 359.
Ibid., p. 359.
22
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.37
Nesta esteira, para implementar esses direitos e garantias, que devem ser
assegurados com absoluta preferência ante aos demais, pela sociedade e pelo
Estado, criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990)38,
observando-se as diretrizes constitucionais. Esta lei contempla conteúdos de direito
material e processual, de natureza civil e penal, reduzindo em si toda a legislação
que reconhece os menores como sujeitos de direito.39
O princípio da proteção integral estabeleceu a primazia em favor das crianças
e adolescentes, pois se encontram em posição de fragilidade pelo fato de estarem
em processo de amadurecimento e formação de sua personalidade, colocando-lhes
em posição privilegiada no Direito de Família.
Quer dizer que quando houver um conflito de interesses de crianças ou
adolescentes com o de pessoas adultas, prevalecerá o que for favorável aos
menores por se tratar de prioridade absoluta, denominada de doutrina da proteção
integral.
Contudo, definir exatamente o conceito de melhor interesse da criança e do
adolescente não é tarefa simples. Trata-se de um conceito aberto e subjetivo, pois
nem tudo que é melhor para uma criança será igualmente para outra, daí porque o
melhor interesse poderá sofrer variações de diversas naturezas.
Portanto, ante a possibilidade de referidas variações e por não existir um
entendimento preconcebido do que seja melhor para a criança e para o adolescente,
tudo dependerá do caso concreto, onde as peculiaridades de cada caso serão
levadas a cabo.
37
38
39
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 68.
23
Neste sentido, a lição de Tânia da Silva Pereira citada por Helen Crystine
Corrêa Sanches e Josiane Rose Petry Veronese:
Isto porque os princípios, diferentemente das regras, não trazem em
seu bojo conceitos predeterminados. A aplicação de um princípio não
o induz à base do tudo ou nada, como ocorre com as regras; sua
aplicação dever prima facie. Os princípios, por serem standards de
justiça e moralidade, devem ter seu conteúdo preenchido em cada
circunstância da vida, com as concepções próprias dos contornos
que envolvem aquele caso determinado. Têm, portanto, conteúdo
aberto.40
Por outro lado, inegável que o afeto dos pais dispensado aos filhos traduzirá
no melhor interesse do menor. A esse respeito, Rodrigo da Cunha Pereira:
O que se garante é a continuidade da convivência familiar, que é um
direito fundamental da criança e, por seu turno, um dever
fundamental dos pais. [...] Zelar pelo melhor interesse do menor,
portanto, é garantir que ele conviva o máximo possível com ambos
os genitores – desde que a convivência entre eles seja saudável, isto
é, que não exista nada que os desabone.41
Destarte, o zelo pelo interesse da criança e adolescente traduz-se em cuidar
da sua boa formação moral, social e psicológica. Essa concepção (da doutrina da
proteção integral) passa a revelar os cuidados, as atenções especiais que se fazem
indispensáveis, sempre sob o fundamento do melhor interesse, lembrando que
caberá ao intérprete averiguar, no caso concreto, a forma de se garantir o exercício
dos direitos e garantias fundamentais encartadas no texto normativo ao menor.
40
PEREIRA apud SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos Filhos de Criação
à filiação Socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 99.
41
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 157.
24
3 DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
3.1 A FAMÍLIA E A JURISDIÇÃO DO AFETO: TRANSFORMAÇÃO EM VALOR
JURÍDICO
Anteriormente a Constituição Federal42 vigente, o direito privado regulava do
ponto de vista formal e de forma rígida a atuação dos sujeitos de direito. Pois, como
já exposto, o principal objetivo da família era patrimonial: “Ao realizar essa tarefa, o
Direito Civil descuidou da própria pessoa humana, lançando-se por caminhos de
uma
abstração
excessiva,
resultando
na
patrimonialização
do
Direito
e
desumanização da pessoa”.43
Por consequência, não se vislumbrava os membros da família de forma
individual, já que predominava o modelo patriarcal e da proteção das relações
patrimonializadas advindas da ideologia cristã, inexistindo qualquer tutela jurídica
para outros arranjos familiares que não o homem casado com uma mulher, sendo
somente os filhos oriundos daquela relação com direito ao reconhecimento da
paternidade, evidenciando a prevalência do formalismo perante a dignidade
humana.
Por óbvio, o afeto situava-se à míngua nas relações da instituição familiar, já
que cada membro possuía um “papel” a cumprir naquele contexto, como, por
exemplo, de que ao pai incumbia a função de provedor do sustento e à mãe as
funções de cuidados às crianças, sendo inimaginável e inaceitável a inversão dos
papéis.
A reviravolta do Direito de Família ocorreu a partir da promulgação da Carta
Política Cidadã44, que traçou o novo paradigma de tutela: a centralização do
indivíduo, colocando-o acima de qualquer formalismo que possa existir. Buscou-se a
partir daí dar maior importância à pessoa humana e à dignidade que lhe é inerente.
42
43
44
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 ago. 2013.
HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha; MATOS, Ana Carla H.; RUZIK, Carlos Eduardo Pianowski;
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Marcos Alves da; CARBONERA,
Silvana Maria. O Princípio da Prevalência da Família: a Permanência do Cuidar (p. 123/140). Cuidado e
Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 125.
BRASIL. Constituição (1988). Op.cit.
25
A nova perspectiva do direito de família debruçou-se para a funcionalização
da família para desenvolver a personalidade e potencialidades daqueles que a
integram. Como base da sociedade, instituiu-se a especial tutela jurisdicional pelo
fato de no seio familiar existir o cuidado e a solidariedade entre os que a integram,
surgindo o dever de cuidado dos pais àqueles de quem se deve cuidar, a prole.45
Aline Biasuz Suarez Karow destaca o fato do afeto e a família andarem de
mãos dadas, pois são os novos personagens do cenário contemporâneo:
Assim o afeto e família passa a ser uma dupla salutar e estreita,
desejada por todos aqueles que buscam como projeto de vida a
construção de uma família. [...] Onde há o afeto inevitavelmente há
autenticidade das relações de família [...]” 46
Contudo, o reconhecimento do afeto como valor jurídico encontra barreiras,
afinal, não são os fatos que se adéquam às leis, mas as leis são criadas para regular
as consequências advindas dos fatos. Ademais, ainda falta uma conduta mais ativa
dos legisladores para que regulamentem matérias polêmicas, sendo que até lá
incumbe ao Poder Judiciário assegurar os direitos através de interpretação dos
princípios da lei para o fim de concretizar o ideal da justiça, mesmo diante da
omissão legislativa.
Interessante a lição de José Sebastião de Oliveira:
É dentro da família que os laços de afetividade tornam-se mais
vigorosos e aptos a sustentar as vigas do relacionamento familiar
contra males externo; é nela que seus membros recebem estímulo
para pôr em prática suas aptidões pessoais. Daí então ser a
característica da afetividade, aliada, por óbvio, à nuclearidade, a
responsável pela plena realização pessoal de cada membro familiar.
A afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira
mais intensa e sincera possível, e isto só será possível caso seus
integrantes vivam apenas para si mesmo: cada um é ‘contribuinte’ da
felicidade de todos.47
45
46
47
HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha; MATOS, Ana Carla H.; RUZIK, Carlos Eduardo Pianowski;
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Marcos Alves da; CARBONERA,
Silvana Maria. O Princípio da Prevalência da Família: a Permanência do Cuidar (p. 123-140). In: PEREIRA,
Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 128.
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 126.
OLIVEIRA, José Sebastião apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do
afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 126.
26
Portanto, com a dignificação da pessoa humana, o Poder Judiciário percebeu
que o afeto é elemento indispensável e determinante para a solução das lides de
direito de família, elevando-lhe a esta condição de elemento jurídico de suma
importância e capaz de motivar uma sentença.
Deve-se isso à evolução do direito de família, atual modelo democrático que
visa o livre desenvolvimento da personalidade de cada membro e, ao mesmo tempo,
harmoniza-se com o conjunto familiar. Verificou-se a alteração do familismo para o
personalismo, em que o membro não serve apenas à família senão que possui seu
próprio espaço e interesses preservados, não havendo aquela antiga ponderação
sobre o afeto, mas, pelo contrário, a família passa a caminhar para legitimação dos
sentimentos vivenciados pelos seus membros.48
A afetividade adentrou na seara jurídica por meio da doutrina, sendo
posteriormente integrada aos julgamentos emanados pelo Estado, transcendendo
aos aspectos especificamente psicológicos e sociológicos.
Destarte, demonstrada
sua
importância para
a entidade familiar e
principalmente para os filhos menores, em constante desenvolvimento, a sua
ausência pode causar dano aos seus membros.
Por tais razões, o valor jurídico do afeto inegavelmente integra o ordenamento
jurídico contemporâneo, pois obteve o reconhecimento dos operadores do Direito e
tornou-se um grande referencial axiológico, sobrepondo-se a lei, reconfigurando a
estrutura da família moderna, de forma a assegurar direitos por meio de princípios
da lei, sendo, por vezes, o único fator capaz de apontar solução ao caso concreto.
3.2 DO PODER FAMILIAR: A PATERNIDADE RESPONSÁVEL
Historicamente, o então denominado pátrio poder consistia no direito do chefe
da organização familiar deliberar em ordem absoluta e ilimitada sobre sua prole.
Naquele contexto patriarcal do Código Civil de 191649, pai era o chefe da entidade
familiar e lhe era outorgado integralmente o pátrio poder, restando à figura materna
48
49
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 133-134.
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
27
no segundo plano, pois somente lhe era conferido o pátrio poder na falta ou
impedimento do pai.
Adveio a Constituição Federal de 198850 e houve a necessidade de atender à
nova estrutura da família, reconhecendo-se a isonomia entre os cônjuges perante os
filhos. A partir daí, conferiu-se ao pai e à mãe direitos iguais tangente à sociedade
conjugal de forma expressa (artigo 226, §5º).
O Código Civil de 200251 alterou o vocábulo de pátrio poder para poder
familiar. Todavia, não houve grande alteração no conteúdo legal, pois repetiu
normas sem aplicabilidade contemporânea ante a nova ordem constitucional e,
outrossim, ainda trata o poder familiar como obrigação da família ao invés de tratar
como um dever dos pais.52
O poder familiar ganhou propriedade para além de ser uma prerrogativa dos
pais, tornar-se fixação jurídica de interesses dos filhos, tanto é, que a autonomia da
família não é absoluta, sendo passível a intervenção estatal em situações que se
fizerem necessárias.
Ademais, o poder familiar não se satisfaz apenas com o campo material, mas,
e principalmente, no campo existencial, sendo dever dos pais satisfazer outras
necessidades no campo da afetividade.53
Maria Berenice Dias estabelece as características inerentes ao poder familiar:
O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável,
imprescindível e decorre tanto da paternidade natural como da
filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são
personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os
encargos que derivam da paternidade também não podem ser
transferidos ou alienados. Nula é a renúncia ao poder familiar, sendo
possível somente delegar a terceiros o ser exercício,
preferencialmente a um membro da família.54
50
51
52
53
54
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 424.
Ibid., p. 425.
Ibid., p. 425.
28
O poder familiar está positivado no Código Civil 55 em seus artigos 1.630 a
1.638, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente56 em seus artigos 21 a
24, sendo que sua essência está pautada na afetividade responsável, elo entre pais
e filhos, traduzida pelo desvelo, convivência familiar, afeto e carinho, em que pese
estes dois últimos não constarem no rol da lei.
São encargos conferidos aos genitores, em conjunto, indiferentemente da
existência de separação conjugal, os encargos patrimoniais tais como: alimentação,
educação, saúde, bem como aos encargos extrapatrimoniais como: dar afeto, apoio
moral e atenção, não se tratando de faculdade dos genitores.
Nesta esteira, se sobressai o princípio da paternidade responsável,
desdobramento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da responsabilidade
e da afetividade, com previsão nos artigos 226, §7º, e 229 da Constituição Federal57:
Art. 226, §7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de
livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.
Art. 229 – Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade.
A paternidade/maternidade é indiscutivelmente o que norteia os filhos. É ela
que estabelece a estruturação psíquica e o desenvolvimento social dos sujeitos.
Afinal, independentemente da vontade dos genitores, trata-se de dever inerente à
condição o exercício da autoridade parental responsável, em observância ao
disposto na Carta Magna58, no Código Civil59 e no Estatuto da Criança e do
55
56
57
58
59
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013.
Ibid.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit.
29
Adolescente60, para se atender ao melhor interesse do filho, na sua desenvoltura e
prezando pela convivência familiar.
A esse respeito, Rodrigo da Cunha Pereira explica:
O princípio jurídico da paternidade responsável não se resume à
assistência material. O amor – não apenas um sentimento, mas sim
uma conduta, cuidado – é alimento imprescindível para o corpo e
alma. Embora o Direito não trate dos sentimentos, trata dos efeitos
decorrentes destes sentimentos. Afeiçoar, segundo o Dicionário
Aurélio, significa também instruir, educar, formar, dar feição, forma
ou figura.61
Com efeito, observa-se que o afeto não se limita ao campo subjetivo, mas
abrange também o objetivo, traduzido em atos dos pais no sentido de cuidado, ação
que não pode faltar para o desenvolvimento de um menor. A existência do
sentimento do afeto (subjetivo) poderá estar presente, todavia, mesmo que esteja
ausente isso não exime os pais da obrigação de condutas inerentes à autoridade
parental, pois a conduta afetiva é dever e neste campo palpável (objetivo) poderá
ser determinada pelo Poder Judiciário.
O cuidado tem o significado de garantir às crianças e aos adolescentes
plenas condições de desenvolvimento físico e emocional necessários, inclusive, o
sentimento de fazer parte de uma família, local em que vivenciarão o afeto, a
confiança, a cumplicidade, a solidariedade que lhes proporcionará a estabilidade
emocional em seu crescimento à fase adulta.62
Logo, a falta do afeto causará inestimável dano psíquico e, por vezes,
material (gastos com tratamentos psicológicos/psiquiátricos) ao menor, configurando
ato ilícito, pois a assistência moral e afetiva é dever jurídico e sua falta poderá
ensejar reparação civil.
Em suma, superada a desigualdade dentre os filhos biológicos, adotivos,
havidos fora do casamento e socioafetivos, o exercício do poder familiar responsável
60
61
62
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 246.
HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha et al. O Princípio da Prevalência da Família: a Permanência do
Cuidar (p. 123-140). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e Responsabilidade.
São Paulo: Atlas, 2011. p. 138.
30
é função mais que fundamental no desenvolvimento de crianças e adolescentes. O
cuidado é princípio jurídico que deve ser observado e respeitado nas relações
paterno-filiais, cujo seu não cumprimento ensejará a prática de ato ilícito e passível
de ser indenizado. Não se trata de livre arbítrio dos pais o dever de criar e colocar
limites, ou seja, dar afeto, não apenas no campo subjetivo, do sentimento, mas no
campo da objetividade pautado em atos e condutas de cuidado, proteção e
educação.63
3.3 DO ABANDONO AFETIVO
Conforme já exposto no presente estudo, a partir do advento da Constituição
Federal de 198864 a família deixou de ser um fim em si mesmo para tornar-se local
de realização pessoal de seus componentes, ante a valoração jurídica do afeto nas
relações familiares.
O princípio do afeto especializa no direito de família o macroprincípio da
dignidade da pessoa humana, atual responsável por presidir todas as relações
jurídicas, além de dominar o ordenamento jurídico brasileiro. Logo, é essencial e
comum a todos os indivíduos componentes da sociedade, impondo, inclusive ao
Poder Público, o dever de respeito e intocabilidade.65
É pacífico que a entidade familiar tem como ingrediente principal os laços de
afetividade, não sendo diferente na relação paterno-filial, em que figuram os pais,
adultos capazes, convictos de seus direitos e deveres na sociedade e do outro lado
o filho, incapaz, alheio aos direitos e deveres, totalmente dependente de amparo e
proteção.66
63
64
65
66
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 253.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio Jurídico da Afetividade na Filiação. Revista de Direito Privado. vol. 3. p.
35. jul/2000. DTR/2000/360. Revista dos Tribunais Online. Disponível em: http://rtonline.mppr/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a00000140a0dcc33270a29349&docguid
=I85060ad0f25211dfab6f010000000000&hitguid=I85060ad0f25211dfab6f010000000000&spos=1&epos=1&
td=419&context=3&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 21 ago. 2013.
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 164.
31
Destarte, inegável é a importância do afeto na relação entre pais e filhos e,
consequentemente, graves são as implicações advindas de um abandono
injustificado de um pai para com seu filho, o que pode acarretar-lhe sérios danos em
seu desenvolvimento como pessoa.
Rodrigo da Cunha Pereira ilustra essa importância da família no
desenvolvimento pessoal do menor:
[...] Sem dúvida, a família é o lugar privilegiado de realização da
pessoa, pois é o locus onde ela inicia seu desenvolvimento pessoal,
seu processo de socialização, onde vive as primeiras lições de
cidadania e uma experiência pioneira de inclusão no laço familiar, a
qual se reportará, mais tarde, para os laços sociais.67
Inclusive a esse respeito, Rolf Madaleno anota as consequências do
abandono afetivo:
[...] ao filho choca ter transitado pela vida, em tempo mais curto ou
mais longo, sem a devida e necessária participação do pai em sua
história pessoal e na sua formação moral e psíquica,
desconsiderando o descendente no âmbito de suas relações,
causando-lhe irrecuperáveis prejuízos, que ficarão indelevemente
marcados por toda a existência do descendente socialmente
exacrado pelo genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um
profundo sentimento de insuperável rejeição [...]68
O pai e a mãe são incumbidos a responderem pela função de educação,
criação e cuidados dos filhos. Neste contexto, incluem-se os pais biológicos, os que
optam pela adoção e o pai registral, pois, independentemente da natureza do
vínculo civil ou biológico, prevalece o maior interesse do menor pautado na
afetividade.
Patrícia Oliveira descreve que o laço afetivo que se estabelece entre pais e
filhos é resultado de um processo ativo, porque a filiação é, na verdade, uma
67
68
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 213.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 377.
32
experiência relacional e afetiva, mas em nenhuma hipótese exclusivamente
biológica.69
Ainda, assevera que o vínculo afetivo próprio da filiação caracteriza-se pelo
laço afetivo nascido entre um adulto e uma criança, de tal forma forte, que permita
que terceiros verifiquem e constatem que aquela criança sente aquele adulto como a
pessoa a quem pertence, que dela cuida diariamente, a educa, a protege, lhe dá
regras, orientações, lhe proporciona estabilidade emocional capaz de lhe permitir o
balanço exato entre dependência e autonomia.70
Este fenômeno denomina-se posse de estado de filho. Trata-se da
demonstração diária e contínua de afeto dos pais em relação aos filhos e vice-versa,
pelos poderes inerentes ao poder familiar, objetivando o resguardo, sustento,
educação e assistência material e imaterial da prole. Com efeito, o mau exercício do
poder familiar causará dano ao direito da personalidade do filho.
Abandonar e
rejeitar um filho significa violar direitos à personalidade e do melhor interesse da
criança e do adolescente.
Ressalta-se que o abandono afetivo ocorre quando o genitor não dispensa o
cuidado e atenção necessária para que o filho sinta-se fortalecido com o carinho que
percebe existir, de modo que sua falta causará dor, abalos psicológicos e
sentimentos de desprezo, onde certamente prejudicarão o crescimento saudável do
menor.
Importante ressaltar que a figura paterna/materna é referência que traz um
diferencial no desenvolvimento de qualquer filho, pois, a imagem dos pais é a
primeira que busca-se seguir. Trata-se de um paradigma que a prole almeja na sua
fase adulta.
Com efeito, a ausência do pai ou mãe afetará o projeto de vida da criança ou
adolescente, interferindo no seu desenvolvimento de forma negativa e causando-lhe
transtornos psíquicos que afetarão sua vida e seu estado psíquico, já que lembrará
que seu genitor o tratou com descaso, indiferença, como um objeto qualquer.
69
OLIVEIRA, Patrícia. A responsabilidade da Família Afectiva na Construção da Identidade e da Historicidade
Pessoal da Criança (p. 266-282). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e
Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 274.
70
Ibid., p. 274.
33
O abandono afetivo traduz-se, portanto, em situações de evidente abandono
emocional, atos de desamparo, rejeição, desprezo, humilhação, desídia e
indiferença reiterada e constante por parte de um dos genitores da criança.
A vítima de abandono afetivo sente-se sem valor, desamada, com baixa
autoestima, frustrada, gerando dano à sua integridade psíquica, mas inclusive na
saúde física, como, por exemplo, em situações que se faz necessário tratamento
psicológico ou o uso de medicamentos para controle de patologia emocional
desenvolvida pelo menor.
Ademais, se os pais não abandonassem seus filhos, ou, exercessem uma
paternidade de forma responsável, seguramente o número de criminalidade seria
reduzido, não haveria tanta gravidez na adolescência etc.
Paulo Lôbo conceitua o abandono afetivo como:
Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos
deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o
da moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe conseqüências
jurídicas que não podem ser desconsideradas.71
Sem dúvidas, a carência de assistência moral e afetiva macula aquela que
deveria ser uma infância e adolescência em que o genitor dispensasse o devido
carinho, atenção, zelo, enfim, todos os atos que traduzam no verdadeiro cuidado
com o menor ao invés de atos de desinteresse e indiferença com ele.
Assim sendo, o abandono afetivo manifesta-se na omissão do pai no
exercício e cumprimento dos deveres de ordem moral, inerentes à figura paterna e
do poder familiar, não bastando apenas o pagamento de pensão alimentícia, pois,
muito além de alimentos que o filho tem direito, o afeto é o que alimenta sua alma.
Em outras palavras, o exercício da parentalidade, no contexto cotidiano,
modificou àquela antiga faceta que se resumia ao pagamento de prestações de
pensão alimentícia, considerada suficiente para satisfação dos rebentos. Hoje, o
afeto se sobressai, pois a formação da prole necessita a efetiva presença e
71
LÔBO, Paulo. Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 312.
34
educação por parte de ambos os genitores, cada qual cumprindo sua função, com a
devida responsabilidade e necessária participação no crescimento do menor.72
Ademais, afeto e amor são coisas distintas, sendo que o afeto não é somente
um sentimento, mas uma ação que não poderá faltar para o desenvolvimento de um
filho e, sendo assim, é um dever que pode ser imposto pelo Estado,
independentemente da existência de sentimento. Ora, é preciso que os pais atuem
com responsabilidade na estruturação biopsíquica da criança, razão pela qual o
amor não é imposto, mas a responsabilidade, o cuidado, a educação, a companhia,
ou seja, o afeto em sua condição objetiva.
Pois, a intensidade do afeto para uma criança ou adolescente por parte de
seus genitores resultará na compreensão de sua condição humana, alimentando sua
personalidade que durante esta fase exige a compreensão do seu “eu”, já que a
partir daí se desenvolverá um indivíduo alimentado moralmente, que saberá da
importância do afeto na condição digna de pessoa humana.
Depreende-se, desta forma, que as responsabilidades parentais devem ser
reguladas
por
ações
(deveres)
que
contribuam
ao
desenvolvimento
da
personalidade do filho, pelo fato de o afeto desempenhar um papel preponderante
no crescimento harmonioso da criança, sendo que sua ausência descumpre os
deveres de criação, educação e companhia, previstos no artigo 1.634 do Código
Civil73, ofendendo-lhe a dignidade que lhe é atribuída pela Carta Magna74.
72
73
74
ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano
Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 123.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013.
35
4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Para uma convivência pacífica numa sociedade formada por várias pessoas a
existência de uma regra de responsabilização a quem cometesse danos a terceiros
era necessária. Caso contrário, a convivência comunitária não seria possível, pois
não existiria harmonia se um indivíduo causasse dano a outrem e não lhe
incumbisse arcar com o prejuízo.
Nos primórdios o dano provocava reação imediata, espontânea e violenta do
ofendido, haja vista que a vingança privada imperava naquele contexto, sem
qualquer intervenção estatal nos litígios. Não se falava em culpa, tampouco existiam
regras ou limitações em referida prática.75
Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho explicam:
De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como
nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na
concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas
compreensível do ponto de vista humano como lídima reação
pessoal contra o mal sofrido.76
Surgiu a figura de uma soberana autoridade que vedou à vítima fazer justiça
por conta própria e surge o período compositivo, em que não se fala mais em
vingança. Não era mais admitida a defesa de qualquer direito pelo exercício das
próprias razões, mas que o ofensor devesse indenizar possíveis danos que
causasse ao ofendido.77
Surge, mais tarde, a interferência estatal como forma de tutela de direitos
violados, o qual passou a determinar a maneira que a indenização deveria ser
realizada, excluindo qualquer possibilidade de tutela de direitos por razões próprias.
A partir de então, iniciou-se a diferenciação entre atos ilícitos públicos
75
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade
Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 52.
76
Ibid., p. 52.
77
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.
36
(contaminadores da coletividade) e privados (restritos à esfera de interesse do
ofendido), surgindo-se assim a responsabilidade civil e penal, que passaram a ser
diferidas.
É a lição de Carlos Roberto Gonçalves:
A diferenciação entre a “pena” e a “reparação”, entretanto, somente
começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção
entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter
perturbador da ordem) e os delitos privados. Nos delitos públicos, a
pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres
públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima.78
Num contexto em que indivíduos de uma sociedade praticam atividades
passíveis de causar prejuízos a outrem, surge como fato social o problema da
responsabilidade. Destarte, o Estado toma para si, de forma única, a função punitiva,
surgindo à figura da indenização.
A partir de então o indivíduo que sofresse alguma espécie de dano buscaria
junto ao Estado, em face do causador do prejuízo, alguma forma de indenização de
cunho econômico. Surgia, neste compasso, a responsabilidade civil.
No campo jurídico, a responsabilidade traz a ideia de fonte obrigacional da
atividade humana, ou seja, importa num dever de reparar um prejuízo causado a
outrem. Na concepção de Carlos Roberto Gonçalves a obrigação traduz-se num
dever jurídico originário enquanto que a responsabilidade é um dever jurídico
sucessivo.79
Em síntese, a responsabilidade civil integra o direito obrigacional em que a
principal implicação da prática de um ato que cause prejuízo a terceiros, seja direta
ou indiretamente, é a obrigação de repará-lo ou indenizá-lo em decorrência deste
dever jurídico originário.
A responsabilidade civil, apesar de difícil definição, pode ser conceituada
como uma obrigação de ordem natural a que determinada pessoa tem diante de
outra pessoa de reparar um prejuízo que tenha causado, com a geração de danos
das mais variadas ordens, materiais, morais, afetivos, pessoais etc., a fim de repor a
78
79
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.
Ibid., p. 21.
37
situação das partes ao estado em que antes do fato causador do dano estava, ou
tentar ao máximo aproximar disso.80
No direito pátrio, tanto o Código Civil de 191681 (artigo 159), revogado, quanto
o de 200282 (artigos 186 e 187), em vigência, traçam, em linhas gerais, a
responsabilização civil do agente que viole direito e cause prejuízo a terceiros.
Adota-se, como regra, a responsabilidade subjetiva fundada na culpa e,
subsidiariamente, a responsabilidade objetiva (surgida com o novo Código Civil),
sendo esta última prevista nos casos específicos da lei ou quando a atividade
regularmente desenvolvida implicar em riscos para direitos de terceiros.
Em suma, este importantíssimo instituto jurídico tem por finalidade impor
restrições às atividades praticadas pelo homem na sociedade, buscando garantir o
equilíbrio das relações sociais, tendo em vista que de uma conduta poderá ou não
resultar prejuízos a outrem, e caso haja o dano quem o causar deverá repará-lo.
Ressalta-se, enfim, que a responsabilidade civil que condena o ato ilícito tem
como característica ser norma jurídica aberta, ante a impossibilidade de antever
todas as condutas humanas possíveis de serem conceituadas como ilícitas, pois,
especificamente no direito de família, várias foram as modificações que ocorreram
no decorrer dos anos, ensejando na aplicabilidade deste instituto nas relações
familiares.
4.2 ELEMENTOS CLÁSSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil, como já dito, versa na imputação de um dano a um
sujeito determinado, gerando, desta forma, o dever de indenizar os danos causados.
Trata-se de uma fonte de obrigações, que comina a um terceiro a obrigação de
reparar os prejuízos.
80
81
82
BORGHI, Hélio. Responsabilidade Civil: breves reflexões doutrinárias sobre o Estado no direito Brasileiro (p.
234-284). In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil: estudos em
homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009. p. 236.
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 29 ago. 2013.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 29 ago. 2013.
38
O artigo 186 do Código Civil83 é a base fundamental do instituto da
responsabilidade civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”.
Para complementar este dispositivo, o artigo 927 da mesma lei prevê:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Maria Helena Diniz explica que o ato ilícito é aquele praticado em desacordo
com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano patrimonial ou
moral a outrem, criando o dever de repará-lo. Consequentemente, produz efeito
jurídico imposto pela lei.84
Com efeito, a prática do ato ilícito é fonte obrigacional que compelirá o autor a
indenizar a pessoa que sofreu com seu ato lesivo, surge, portanto, a
responsabilidade subjetiva pelo prejuízo que, culposamente, causou a outrem.
Ainda, ao observar o artigo 186 extrai-se três elementos fundamentais, a
saber: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. Ainda, acresce-se a
estes elementos básicos e obrigatórios a culpa, de caráter eventual, envolvida como
a violação a um dever jurídico preexistente de cuidado.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho descrevem a culpa como
elemento “acidental”, não se tratando de elemento essencial ou básico, pelo fato da
existência da teoria do risco e do nascer da responsabilidade objetiva, sendo tais
elementos a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. 85 Por outro lado,
César Fiuza descreve como elementos a antijuridicidade, a culpabilidade e o nexo
causal, sendo a culpa essencial na caracterização da responsabilidade civil, por
preceituação legal do artigo 186 do Código Civil86.87
Aline
83
Biasuz Suarez Karow demonstra
os
elementos
clássicos
da
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 ago. 2013.
84
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 180.
85
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade
Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 67.
86
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit.
87
FIUZA, Cesar. Direito Civil. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 282
39
responsabilidade civil extracontratual sob três prismas: o ato ilícito, o dano e o nexo
causal. São estes os elementos objetivos que configuram inicialmente a
responsabilidade civil. Posteriormente, destaca a grande importância o elemento
subjetivo que é o nexo de imputação: doloso ou culposo. 88
No presente estudo, por tratar de relação familiar e pelo fato de se considerar
que os sujeitos envolvidos não estão exercendo qualquer atividade que aluda, pela
sua própria essência, risco a direito de terceiros, tem-se que na maioria dos casos o
elemento subjetivo estará presente, consoante estabelece o artigo 186 do Código
Civil89.
Mas indepentendemente da inclusão da culpa como elemento caracterizador,
a responsabilidade civil tem como finalidade principal efetivar a remoção (ou
reparação) do dano, extraindo-o da esfera da vítima e fazendo-o recair sobre
terceiro, o qual, segundo os critérios de imputação, deve ser responsabilizado.
Com dignificação do indivíduo na Constituição Federal de 1988 90, bem como
pela elevação do afeto, por exemplo, como elemento essencial nas relações de
família, surgiu uma nova vertente quanto a indenização por danos extrapatrimoniais,
que até a promulgação da Carta Magna91 não prosperava em razão da falta de
expressa regulamentação na esfera civil até então.
O artigo 5º, incisos V e X, da Carta Cidadã92, passaram a prever
expressamente a possibilidade de reparação de danos extrapatrimoniais, motivo
pelo qual a jurisprudência reveu sua posição negativa quanto ao fato de impedir a
indenização exclusivamente extrapatrimonial.
Outro passo importante foram as alterações feitas pelo Código Civil brasileiro
de 200293, o qual inverteu a ordem existente no de 191694, em que os bens
precediam os direitos do indivíduo. A lição de Daniel de Andrade Levy ressalta que
os direitos do indivíduo, incrementados pelos direitos de personalidade, passaram a
88
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 211.
89
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 set. 2013.
90
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
91
Ibid.
92
Ibid.
93
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit.
94
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013.
40
possuir um lugar prioritário na lei mais recente.95
Importante destacar a lição de Ana Cecília Parodi:
Assim, percebe-se que não se trata de anular qualquer direito de que
o sujeito é titular, ou de inviabilizar a sua disposição, mas de impor
limites à sua permitida conduta, manifestando a todos os entes a
intenção do legislador em privilegiar a ordem pública pela
regularização das fronteiras da esfera comportamental do livre
exercício da vontade [...] Restando claro que o legislador não abusa
de seu poder legiferante, vez que não produz, por sua conta, o limite
métrico do campo liberado aos sujeitos de direito. Pelo contrário,
impõem as barreiras, para delimitar o abuso do direito, com base em
princípios gerais de conduta, consagrados pela humanidade e pelos
operadores do direito, contemplados na Carta Magna [...]96
Conclui-se do trecho da autora que a responsabilidade civil deverá ser
analisada caso a caso, importando ao magistrado valorar a conduta perpetrada pelo
indivíduo e determinar se referida conduta está dentro dos ditames consagrados no
ordenamento jurídico ou se houve a extrapolação, ensejando na responsabilidade de
indenizar ou reparar o prejuízo que vier a causar, pois, como já dito, o legislador
preferiu tratar a responsabilidade civil como norma aberta no Código Civil97.98
A análise do caso concreto em arranjo com os elementos da responsabilidade
civil supracitados serão indispensáveis para se verificar a possibilidade de se
imputar a prática do ato lesivo a alguém. A partir daí, será verificado, a critério do
julgador, a fixação do quantum de indenização, nos termos do artigo 944 do Código
Civil99 que dispõe que a indenização será medida pela “extensão do dano”.
4.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA ADERÊNCIA AOS CASOS DE
ABANDONO AFETIVO
Os elementos narrados no subtítulo anterior demonstram de forma genérica o
que é a responsabilidade civil e quais são os elementos componentes para a sua
caracterização, destacando o ato ilícito, o dano e o nexo causal, incluindo-se,
95
LEVY, Daniel de Andrade. Responsabilidade Civil: de um Direito dos Danos a um Direito das Condutas
Lesivas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 19.
96
PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pós-Modernos. Campinas:
Russel Editores, 2007. p. 137.
97
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 set. 2013.
98
PARODI, Ana Cecília. Op. cit., p. 134.
99
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit..
41
posteriormente, o nexo de imputação: a culpa.
Contudo, a aplicabilidade da responsabilidade civil constante no artigo 186 do
Código Civil100 encontra resistência por parte de alguns doutrinadores, pois, em seus
entendimentos a violação dos deveres inerentes ao poder familiar devem ser
tratadas apenas com sanções previstas no próprio direito de família, não se
sujeitando ao disposto na parte geral da lei civil101.
Danielle Alheiros Diniz entende que o descumprimento do dever de
convivência familiar deve ser analisado na seara do direito de família, sendo a
sanção máxima a perda do poder familiar, pois um pai ou mãe que não convivem
com o seu filho não devem ter qualquer direito sobre ele, defendendo-se, portanto, o
melhor interesse do menor.102
Noutra vertente, Rodrigo da Cunha Pereira cita um Acórdão do Tribunal de
Justiça de São Paulo que explica que a indenização por dano moral sempre é
sucedâneo de algo de conteúdo extrapatrimonial, notadamente porque o valor do
bem ofendido não possui valor determinado em pecúnia. Contudo, a alegação de
que o afeto não tem preço não prospera, haja vista que também não tem sentido
sustentar que a vida de um ser humano querido, a honra, a imagem e a dignidade
tenham preço, sendo estas ocasiões em que existe o direito à obtenção de um
benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens.103
Destarte, além de não existir qualquer vedação quanto a aplicação do instituto
da responsabilidade civil nas relações familiares, a conduta do pai/mãe que não
dispensa afeto ao seu filho caracteriza ato ilícito por ferir o princípio da dignidade da
pessoa humana, pois atenta-se no desenvolvimento intelectual, emocional e social
do menor, causando-lhe transtornos inestimáveis.
O pai e mãe devem cumprir o dever jurídico de assistência moral, cujo seu
descumprimento poderá ensejar na prática de ato ilícito e ter como consequência a
pretensão indenizatória do filho vitimado. Ademais, pai que não cumpre com seu
dever de criar, educar, ter o filho na sua companhia, enfim, dar o afeto, não apenas
no sentido subjetivo do sentimento, mas principalmente com atos de cuidado,
100
101
102
103
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 03 set. 2013.
Ibid.
DINIZ, Danielle Alheiros. A impossibilidade de responsabilização civil dos pais por abandono afetivo. Jus
Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2184, 24 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12987>.
Acesso em: 03 set. 2013.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 250.
42
proteção e educação deverá ser responsabilizado.
De forma a especificar os elementos da responsabilidade civil nos casos de
abandono afetivo na relação paterno-filial, ressalta-se, nesta oportunidade, a
exposição ensinada por Aline Biasuz Suarez Karow (abaixo descrita), que adotou os
elementos classificados por Fernando Noronha.104
De início, faz-se necessário a existência de um fato, qual seja, da conduta
omissiva ou comissiva de um dos genitores que prive a prole de sua convivência,
despreze-a, rejeite-a, trate-a com indiferença a ponto de humilhá-la, causando
nestas hipóteses o desamparo afetivo, moral e psíquico.
O ato ilícito ou antijurídico, o qual significa a não observância do
ordenamento pátrio que demonstram o dever paterno de cuidar e proteger a prole,
dando-lhe o afeto que, no contexto atual, possui caráter central nas relações
familiares, não bastando tão somente a presença física.
Por sua vez, as definições de ato ilícito existentes no Código Civil 105 são
plenamente aplicáveis à operação irregular dos relacionamentos afetivos. O artigo
186 ocupa-se na exposição dos elementos da responsabilidade civil (agente, vítima,
lesão, conduta, culpa e nexo de causalidade), enquanto o artigo 187 compreende
que mesmo no núcleo da aparente normalidade dos atos jurídicos, eventualmente
poderá existir irregularidades na relação jurídica.106
Na sequência, que o fato possa ser imputado a alguém. A princípio, a
imputação somente poderá ser atribuída a um dos genitores, inclusive os por
adoção.
Outro elemento é a necessidade da produção de dano, isto é, diante da
conduta perpetrada por um dos genitores é necessário que o menor tenha sofrido
danos em sua personalidade, na bojo de sua dignidade. Pois, o dano é de maior
gravidade pelo fato do menor estar na fase de desenvolvimento da personalidade,
ocasião em que necessita de paradigmas de comportamento e afetividade que lhe
direcionem e deêm segurança para que o desenvolvimento ocorra da melhor forma
possível.
Ainda, que o dano possa ser juridicamente considerado como causado
104
105
106
NORONHA, Fernando apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do
afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 66.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pós-Modernos. Campinas:
Russel, 2007. p. 198-199.
43
pelo ato ilícito. Aqui significa propriamente o nexo causal, que a conduta do genitor
tenha causado ao menor os danos alegados, ou seja, que a falta de afeto tenha
causado ao filho danos, como por exemplo distúrbios emocionais ou psicopatias.
Advirta-se que os danos sofridos são irreparáveis, uma vez que gerarão sequelas na
personalidade do infante ou adolescente.
Por fim, que o dano esteja contido no âmbito da função de proteção
assinada, que significa dizer que o dano sofrido pelo menor deve ser objeto jurídico
tutelado pelo ordenamento jurídico.
No ordenamento jurídico pátrio destaca-se a Constituição Federal107 que
dispõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, em sua privilegiada
posição geográfica, no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna108, que precedem os
direitos e garantias fundamentais, além do específico artigo 227 que estabelece o
dever da família e os direitos e garantias do menor.
Do mesmo norte o Código Civil109 e o Estatuto da Criança e do Adolescente110
que atualmente seguem as diretrizes com o disposto na Constituição Federal 111 e
reconhecem as crianças e adolescentes como pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento e que necessitam de maior proteção do Estado.
Helen Crystine Corrêa Sanches e Josiane Rose Petry Veronese explicam o
fundamento desta proteção diferenciada dada à população infanto-juvenil:
A responsabilidade legal atribuída à família, à sociedade e ao Estado
funda-se no dever moral e na solidariedade estabelecidas em prol de
crianças e adolescentes, em razão de sua dependência e
vulnerabilidade a todas as formas de violência.112
As autoras ainda explicam que a família constitui-se da primeira instituição
encarregada no cuidado, na administração de todos os elementos indeclináveis ao
107
108
109
110
111
112
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
Ibid.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Op. cit.
SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos Filhos de Criação à filiação
Socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 92.
44
pleno desenvolvimento de sua prole, cabendo, da mesma forma, ao Estado
promover o acesso da criança e do adolescente a fruição de seus direitos. 113
Destarte, tem-se que o descumprimento dos deveres inerentes ao poder
familiar, principalmente em observância a paternidade responsável e ao melhor
interesse da criança e do adolescente, poderá ensejar na responsabilização daquele
pai ou mãe que não cumpriu com os deveres jurídicos de dar afeto ao filho, pois
furtar-se desta obrigação configurará um ato ilícito, fato gerador da indenização.
113
SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos Filhos de Criação à filiação
Socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 93.
45
5 DA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS DECORRENTES DO ABANDONO
AFETIVO
5.1 NOÇÕES PRELIMINARES
A reparação civil por danos morais no âmbito das relações paterno-filiais vem
ganhando força no atual contexto, mas encontra resistência de parte da doutrina
quanto à aplicação do instituto nas relações familiares, pois entendem pela
especificidade do direito de família, motivo pelo qual as sanções deverão ater-se
também no âmbito familiar.
A questão é polêmica e controvertida, motivo pelo qual ainda persistem
posições que divergem quanto à aplicação da teoria geral do direito civil nas
relações do direito de família, havendo duas correntes acerca do tema: A favorável,
que defende a possibilidade da reparação civil, e a contrária, que entende pela
aplicação dos institutos jurídicos do próprio direito de família (suspensão e
destituição do poder familiar como sanções máximas aplicáveis ao abandono
afetivo), não cabendo, portanto, a aplicação da teoria geral da responsabilidade civil,
do artigo 186 do Código Civil114, fator gerador da indenização.
Fernanda Campos de Cerqueira Lana e Walsir Edson Rodrigues Júnior
defendem a não aplicação do instituto em casos de abandono afetivo entre filhos e
pais:
[...] A imputação, ao genitor, do dever de amar e demonstrar afeto
por seu filho extrapola o âmbito de atuação concernente ao Direito.
[...] Ademais, ainda que se fala não se tratar de responsabilidade por
falta de afeto, mas sim pelo descumprimento dos veres inerentes ao
poder familiar, entende-se que, em última análise, estará o genitor
sendo punido por não demonstrar amor pela criança ou
adolescente.115
Os autores dizem que a afetividade não se caracteriza como princípio, mas
114
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
115
LANA, Fernanda Campos de Cerqueira; RODRIGUES JÚNIOR; Walsir Edson. O Direito e a Falta de Afeto
nas Relações Paterno-Filiais (p. 259/278). In: FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; NAVES,
Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Teoria e Prática no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey,
2010. p. 275.
46
como valor, e que, desta forma, não indicam consequências jurídicas pelo não
cumprimento do comportamento desejado, não se tratando de normas, mas que
apenas indicam relações de preferências: “O afeto é uma franca disposição
emocional para com o outro que não tolera variações de existência: ou há ou não
há”.116
Em contrapartida, Rodrigo da Cunha Pereira assevera que o descumprimento
do exercício poder familiar, previsto no artigo 1.634 do Código Civil 117, configura o
ato ilícito. Além disso, o renomado autor explica a questão da diferença do amor e
afeto, diferenciado a questão subjetiva sentimental da objetiva do dever de dar afeto
à prole:
Qualquer pessoa, qualquer criança, para estruturar-se como sujeito e
ter um desenvolvimento saudável necessita de alimentos para o
corpo e para a alma. O alimento imprescindível para a alma é o
amor, o afeto. E afeto significa “afeição por alguém, “dedicado”.
Afeiçoar quer dizer também “instruir”, educar, formar”, “dar feição,
forma ou figura”. Esta é uma diferença entre afeto e amor. O afeto
não é somente um sentimento, mas uma ação, que não pode faltar
para o desenvolvimento de uma criança. Ao agir em conformidade
com a função de pai e mãe, está-se objetivando o afeto e tirando-o
do campo da subjetividade apenas. Nestas situações, é possível até
presumir a presença do sentimento afeto. Obviamente que
pressupõe, e tem também como elemento intrínseco, a imposição de
limites. A ausência deste sentimento não exclui a necessidade e
obrigação de condutar paternas/maternas. Sendo ação, a conduta
afetiva é um dever e pode ser imposta pelo Judiciário, presente ou
não o sentimento.118
A divergência de entendimentos também persiste nos Tribunais Superiores e
dos Estados. Neste sentido, Valéria Silva Galdino Cardin explica de forma objetiva a
problemática desta relação jurídica quando levada ao Judiciário:
116
LANA, Fernanda Campos de Cerqueira; RODRIGUES JÚNIOR; Walsir Edson. O Direito e a Falta de Afeto
nas Relações Paterno-Filiais (p. 259-278). In: FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; NAVES,
Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Teoria e Prática no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey,
2010. p. 267.
117
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 set. 2013.
118
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Filhos do Pai, Filhos da Mãe e o Abandono Afetivo: A Responsabilidade
Parental (p. 675-693). O Superior Tribunal de Justiça e a Reconstrução do Direito Privado. São
Paulo:RT, 2011. p. 687-688.
47
Há uma resistência nos nossos Tribunais em indenizar quando
ocorre abandono afetivo dos pais em relação aos filhos. Realmente,
o afeto não é algo que pode ser monetarizado, contudo, a falta
acarreta inúmeros danos psicológicos a uma criança ou adolescente,
que se sente rejeitado, humilhado perante outros amigos em que os
pais estão presentes, dentre outras situações. É óbvio que esta
criança ou adolescente terá dificuldades em se relacionar no futuro.
Logo, a indenização teria como proporcionar que esta pessoa
recebesse auxílio psicológico para tratar das seqüelas oriundas da
falta de visitação, do descaso, da não orientação ética, moral e
intelectual etc.119
Diante deste entrave jurídico, a discussão está acerca da impossibilidade do
Poder Judiciário obrigar o pai a amar versus o melhor interesse do menor. Rolf
Madaleno, defensor da reparação civil do dano moral nas relações paterno-filiais,
enfatiza a prevalecência do Judiciário agir, não se omitindo de tentar, buscando de
uma vez por todas acabar com essa cultura de impunidade existente no sistema
jurídico vigente. Afinal, a condenação de hoje tem enorme valor propedêutico para
evitar ou reduzir o abandono afetivo futuro, a fim de que pais irresponsáveis deêm
prioridade a sua prole ao invés de utilizá-la como instrumento de vingança de
frustrações amorosas.120
Denota-se, deste modo, a proteção da criança ou adolescente em sua
dignidade, pois, são situações de evidente abandono emocional, traduzidos em atos
de desamparo, rejeição, desprezo, humilhação e indiferença reiterada que
macularão uma relação que deveria se basear na afetividade entre pai/mãe e filho
no seio familiar.
Contudo, inviabilizar de plano a possibilidade da reparação civil por danos
morais pelo abandono afetivo é dar margem à desídia dos genitores para que atos
como estes sejam perpetrados. Seria, de certo modo, impedir a pretensão daquele
filho que efetivamente tenha sofrido o dano, devidamente comprovado, de obter
ressarcimento pela carência afetiva, cujo resultado se acentua no desenvolvimento
mental, físico e social do indivíduo.
Ainda, Rolf Madaleno assevera que a recusa do pai em acolher seu filho
socialmente e afetivamente, sendo esse acolhimento inerente ao desenvolvimento
moral e psíquico de seu descendente, estará praticando ilícito civil, gerando,
portanto, o dever de indenizar a dor causada pela sua ausência afetiva e, por
119
120
CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 239.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 376-377.
48
consequência, os traumas e prejuízos morais sofridos pelo filho imotivadamente
rejeitado pelo genitor.121
Neste sentido, ensina Maria Berenice Dias:
Claro que o relacionamento mantido sob pena de prejuízo financeiro
não é a forma mais correta de se estabelecer um vínculo afetivo.
Ainda assim, mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser
condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que gerar no
filho o sentimento de abandono. Ora, se os pais não conseguem
dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que
não pediram pra nascer, imperioso que a justiça imponha
coactamente essa obrigação.122
Portanto, em que pese o entendimento contrário a reparação do dano moral
decorrente do abandono afetivo entre pais e filhos, tutela-se a dignidade da pessoa
humana, especificamente para afastar atos que atentem contra a integridade
psíquica e moral de crianças e adolescentes, vítimas de injusto repúdio que lhe faz o
pai ou mãe, gerando-lhes traumas e agravos morais que afetarão (negativamente)
seu projeto de vida.
5.2
CONCEITO DE DANO MORAL
O Estado passou a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos
prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando-se à tutela
vingativa de direitos, em que um sujeito “fazia justiça” com as próprias mãos. Tratase do novo modelo que busca tão somente atingir o patrimônio do causador do
dano, a fim de repará-lo ao ofendido prejudicado em determinada situação de fato.
Quanto à conceituação do dano moral, têm-se diversas classificações a este
instituto jurídico. Nehemias Domingos de Melo classifica o dano moral como a lesão
que possa possibilitar uma indenização por danos que atingem o interior de uma
pessoa, de forma a causar-lhe dor, sofrimento, angústia, vexame ou humilhação.123
Valéria Silva Galdino Cardin conclui que a reparabilidade do dano moral está
conectada à violação de qualquer direito que possua o lesado, que lhe cause
121
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 376-377.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 462.
123
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: Do Cabimento à Fixação do Quantum. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2011. p. 06.
122
49
prejuízo de foro íntimo, inviabilizando, assim, uma classificação que abarque todos
os casos possíveis de danos morais.124
Vale lembrar que o dano moral não possui um valor certo e determinável,
razão pela qual o caráter indenizatório determinado judicialmente busca compensar
a vítima pelas aflições que sofreu, retirando-lhe o desejo de vingança pessoal,
outrora existente.
No entendimento de César Fiúza, o dano moral consiste no constrangimento
que alguém experimenta, em razão de lesão a direito personalíssimo, como a honra,
a boa fama etc., ilicitamente produzida por outrem. Ainda, o autor diz que no dano
moral se cogita a compensação, não sendo fácil tarefa sua quantificação, mesmo
havendo o embasamento legal na Constituição Federal125, artigo 5º, inciso V, e pelo
artigo 186 do Código Civil126.127
Também não é tarefa fácil a caracterização do dano moral no caso concreto,
pois todos os indivíduos estão sujeitos aos dissabores da vida, situações que não
são agradáveis, contudo, são naturais ao cotidiano de quem convive e mantém
relações com outros indivíduos em sociedade, motivo pelo qual não ensejam a
reparação civil do dano moral.
Por não existir critérios objetivos para se definir quais situações são passíveis
de
indenização,
justificadamente
pela
constante
mudança
das
relações
interpessoais, é que torna árdua a tarefa de separar o joio do trigo, isto é, delimitar,
com base no caso concreto, o que caracteriza um dano moral e o que venha a ser
um dissabor normal da vida.
Rodrigo da Cunha Pereira traduz este fato na relação paterno-filial:
124
CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 21.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 09 set. 2013.
126
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 set. 2013.
127
FIUZA, Cesar. Direito Civil. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 723-724.
125
50
A indenização a que nos referimos não é simplesmente pelas
desilusões e desencantos ou decepções com os pais. Não é pelo
sofrimento de se constatar que o pai não é como o filho gostaria que
ele fosse. Sofrimento faz parte da vida e, inclusive, é o que
proporciona reflexões ao sujeito para que ele evolua.128
Caberá, desta forma, ao julgador buscar suporte na doutrina e na
jurisprudência para aferir a configuração ou não do dano moral. Também,
recomenda o autor, que a avaliação do dano moral depende de prudência e bomsenso, considerando o homem médio da sociedade, para assim ser possível verificar
a configuração de lesão a um daqueles bens inerentes à dignidade da pessoa
humana previstas na Constituição Federal129.130
A aplicação indiscutível do instituto do dano exclusivamente moral adveio com
a promulgação da Constituição Federal de 1988131, ao dispor expressamente que:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...............................................................................................................
V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...............................................................................................................
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação;
No mesmo sentido, o artigo 186 do Código Civil de 2002132 previu que:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Centralizou-se o homem e a sua dignidade como valores éticos a serem
protegidos, servindo como fundamentos de todo o sistema jurídico. Essa proteção da
dignidade serviu como mola propulsora da intangibilidade da vida do homem,
128
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 247-248.
129
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 09 set. 2013.
130
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: do Cabimento à Fixação do Quantum. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2011. p. 08-09.
131
BRASIL. Constituição (1988). Op. cit.
132
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 set. 2013.
51
respeitando-se sua integridade física e psíquica, ou seja, trata-se de uma fonte
jurídico-positiva para os direitos fundamentais não serem violados.
Destarte, com a atual previsão constitucional e infraconstitucional da
indenização por dano moral, tem-se que o fundamento pelo qual se deve indenizar
as lesões de ordem moral encontra-se embasado no princípio da dignidade da
pessoa humana: “ [...] qualquer afronta ou lesão à dignidade da pessoa humana
deverá ser indenizada a título de dano moral.”133
No entanto, importante destacar que a legislação anterior à Constituição
Federal de 1988134 não era expressa em dizer a possibilidade de reparação
exclusivamente moral.
O Código Civil de 1916135 não trazia em seu bojo a expressão “dano moral”, o
que gerava várias divergências entre a jurisprudência e a doutrina quanto a
possibilidade do dano moral naquele contexto.
De um lado a jurisprudência brasileira, contrária ao reconhecimento do dano
moral puro, mas que gradativamente passou a aceitar tal indenização, porém não
ampla e irrestrita, em que o principal argumento para a não aceitação era a
impossibilidade de indenizar a dor.
Doutro lado, a doutrina pátria que majoritariamente sempre manifestou-se
favoravelmente pela possibilidade de indenização baseada exclusivamente no dano
moral, quais sejam: lesão à honra, à personalidade, à imagem etc.
Enfim, a norma positivada consagrou definitivamente no atual texto
constitucional que o dano não patrimonial também é indenizável, com base no
princípio da dignidade da pessoa humana, pois, com o indivíduo sendo elevado ao
ápice de todo o sistema jurídico, a tutela de seus direitos de ordem moral tornam-se
realidade.
5.3
O DANO EXTRAPATRIMONIAL E SUA RELAÇÃO COM A REPARAÇÃO
CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
133
134
135
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: do cabimento à fixação do quantum. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2011. p. 24.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 set. 2013.
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
52
No direito privado, o dano (material ou moral) a um interesse particular pode
originar a responsabilidade civil, em que o infrator ficará obrigado ao pagamento de
uma indenização à vítima, objetivando retornar as coisas ao status quo ante e,
quando isso não mais é possível, impõe-se o pagamento de um valor que seja
equivalente ao valor do bem danificado pelo ofensor.
O dano poderá ser classificado quantos aos seus efeitos como patrimoniais e
extrapatrimoniais. O primeiro é de fácil assimilação, pois trata-se daquele dano que
atinge o patrimônio do ofendido, sendo passível de determinação em pecúnia. Já o
segundo visa proteger eventual lesão que seja insuscetível de definição econômica
(direitos da personalidade), em que pese o dano ser passível de produzir
consequências monetárias ao causador. Por este motivo que a possibilidade de
restauração do status quo ante é quase impossível, quando a indenização passa a
ter um caráter compensatório à vítima.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald comentam acerca do tema:
Já a extrapatrimonialidade consiste na insuscetibilidade de
apreciação econômica dos direitos da personalidade, ainda que a
eventual lesão possa produzir conseqüências monetárias [...]
É certo e incontroverso que a honra, a privacidade e demais bens
jurídicos personalíssimos de uma pessoa não comportam avaliação
pecuniária. São valores existenciais e, por conseguinte, não são
susceptíveis de aferição monetária, de um valor patrimonial.
Entretanto, uma vez ocorrendo uma violação a estes valores da
personalidade, independentemente de causar prejuízo material,
surge a possibilidade de reparação do dano moral caracterizado,
como forma de compensas o prejuízo imposto à vítima e sancionar o
lesante, inclusive com o caráter educativo (preventivo) de impedir
novos atentados.136
Os direitos da personalidade, entendidos como aqueles direitos que tenham
na dignidade da pessoa humana o seu centro de irradiação de valores, possuem
tutela específica para a proteção da pessoa humana mediante a concessão de
provimentos judiciais que impõem a fixação de indenizações pelos danos
extrapatrimoniais causados por outrem, por expressa previsão constitucional (artigo
5º, inciso X).
136
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 9. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011. p. 191-192
53
Lembrando que os direitos da personalidade são aqueles que dizem respeito
aos valores íntimos do indivíduo, tais como o direito à vida, à honra e todos os que
forem inerentes à dignidade humana. Ao julgador, caberá seguir o caminho da lógica
do razoável, entendido como o dano que foge à normalidade, interferindo
intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição,
angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.
Assim, na relação paterno-filial, a ausência, o descaso e a rejeição do pai em
relação ao filho violam a sua honra e a sua imagem, danificando o direito de
personalidade do menor, pois abandoná-lo e rejeitá-lo significa violar direitos. Logo,
a configuração do dano extrapatrimonial estará configurada pela simples e objetiva
violação do direito de personalidade do filho, consistente na violação do direito de
afeto que tanto sofrimento causa a ponto de provocar danos à sua personalidade.
Acerca do tema, Rolf Madaleno cita Cláudia Maria da Silva: “Uma sadia
convivência familiar respeita o direito de personalidade do filho e garante sua
dignidade, porque a responsabilidade dos pais não se esgota apenas na
contribuição material.”137
Importante ressaltar que tanto a legislação brasileira, quanto a doutrina e
jurisprudência utilizam a expressão dano moral como forma genérica para todas as
espécies de danos não patrimoniais. Assim, verifica-se que não há diferenciação
entre dano extrapatrimonial e dano moral, apesar do entendimento de que tais
expressão não são sinônimas, e sim que o dano extrapatrimonial é gênero do qual o
dano moral é espécie.
Neste sentido, Carlos Fernández Sessarego diferencia o dano moral e o
projeto de vida, afirmando que o segundo é mais intenso que o primeiro, porque
tende a ser permanente, enquanto que o dano moral é passageiro e a vida
restabelece-se lentamente.138
Inclusive, na reparação civil por abandono afetivo, adotando a classificação
de Sessarego, trata-se, em verdade, de dano ao projeto de vida, ou seja, muito
mais que o dano moral entendido como passageiro. O infante jamais suprirá
137
138
SILVA, Cláudia Maria da apud MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 380.
SESSAREGO, Carlos Fernández apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização
jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 236-237.
54
completamente as lacunas emocionais deixadas pela falta de afetividade de seu
genitor, por mais que exista todo um acompanhamento psicológico e terapêutico
para ajudá-lo.139
Em suma, o dano ao projeto de vida traz uma mácula ao desenvolvimento
deste menor, de forma que a frustração o acompanhará pelo resto de seus dias,
marcando-o como socialmente execrado pela pessoa que deveria lhe dar educação,
tê-lo perto de si e acompanhá-lo no desenvolvimento, suscitando insegurança e um
profundo sentimento de insuperável rejeição.
Contudo, apesar da existência do entendimento de diferenciação entre o dano
moral e o dano extrapatrimonial (este mais amplo), conforme acima exposto, em
juízo o pleito será fundamentado como dano moral pelos danos causados pelo
genitor à dignidade do filho, nos termos do artigo 5º, incisos V e X, da Constituição
Federal140 e artigo 186 do Código Civil141, haja vista esta expressão ser utilizada no
âmbito jurídico pátrio para designar todas as espécies de danos não patrimoniais.
5.4
DA REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO
AFETIVO
Com a evolução do modelo de parentalidade, o Poder Judiciário foi provocado
a manifestar-se sobre o abandono afetivo na relação paterno-filial, ocasiões em que
o genitor, independentemente do ônus alimentar, deixou de prestar assistência moral
ao seu filho menor durante o seu desenvolvimento.
Trata-se de um problema existente no contexto atual: “O descompromisso de
pais com seus filhos, independentemente do divórcio, tem sido tão frequente em
nossa realidade brasileira que já se tornou um “sintoma de nosso tempo”.142
O resultado foi a ocorrência de decisões díspares, em razão de o assunto
ainda ser polêmico e controvertido, pois ainda diverge entre os juristas a questão da
definição do que seria o afeto: ato ou sentimento?
139
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 237.
140
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 set. 2013.
141
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 set. 2013.
142
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 252-253.
55
A aplicação do instituto do dano moral em matéria de abandono afetivo na
filiação começou a ser ventilada com a elevação do afeto como valor jurídico, que
deu novas adjacências à entidade familiar, possibilitando a discussão deste debate.
Neste sentido, há de se destacar a valorização do afeto nas relações de
família, e mais, projetando-lhe no cenário jurídico, surgindo à jurisdicionalização do
afeto:
Família e afeto são dois personagens desse novo cenário.
Contemporaneamente, o afeto é desenvolvido e fortalecido na
família, sendo este, ao mesmo tempo, a expressão de união entre
seus membros e a mola propulsora dos integrantes que buscam a
sua realização pessoa através da sua exteriorização de forma
autêntica. 143
Seguindo por este caminho, o direito de família vem se deparando cada vez
mais com demandas judiciais que procuram responsabilizar civilmente o genitor pela
falta de afeto em relação a sua prole. Mas será que caberá ao Judiciário definir
questões de tão íntimas particularidades que tangem as relações familiares e mais
precisamente o afeto? Sim, tendo como base o disposto no artigo 227 da
Constituição Federal144.
O “caput” do artigo 227 impõe como “dever da família, da sociedade e do
Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade” uma série
de direitos, bem como o dever de salvá-los de toda forma de negligência. Ademais, o
artigo 226, §7º, dispõe sobre a “paternidade responsável”, já discutida no ítem 3.2 do
presente estudo.
Na mesma direção, o Código Civil145 estabelece em seu artigo 1.642, incisos I
e II, os deveres dos pais de ter o filho em sua companhia e de educá-lo, denominado
de dever de convivência. Ainda, o artigo 229 da Carta Magna146 expressa que “os
pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”.
143
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 126.
144
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
145
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
146
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
56
Não obstante, o Estatuto da Criança e do Adolescente147 estabelece em seus
artigos 3º a 5º que é dever da família assegurar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e moral dos tutelados, ressaltando a dignidade e dando atenção
especial ao convívio familiar como direito da criança e do adolescente, prevendo a
punição em caso de omissão à preservação dos direitos de personalidade do menor.
Destarte,
recusando
qualquer
dos
genitores
a
esses
elementos
indispensáveis à estruturação e formação de sua prole, surgirá o ato ilícito civil, e
consequente
dever
de
indenizar
os
danos
morais
sofridos
pelo
filho
injustificadamente desprezado/rejeitado pela segregação do pai.
Ressalta-se que o pioneiro defensor da tese reparativa de danos morais (no
assunto em tela) foi o respeitado doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira, atual
Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), pois,
como advogado e Doutor em matéria civil, foi quem ajuizou ação perante o judiciário
buscando a reparação civil por dano moral sofrida por um filho abandonado, em que
o seu genitor não observou os deveres de cuidado impostos pela legislação. 148
Para ele, pressupõe-se que conviver, dar afeto, apoio moral e cuidar são
deveres, não uma opção dos pais no exercício do poder familiar. Sua inobservância
viola o direito do menor, causando-lhe tanto sofrimento chegando ao ponto de
provocar danos à sua pessoa.
Naquela ocasião, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou procedente a
demanda, porém, em recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça reformou a
decisão considerando que “escaparia do Judiciário obrigar alguém a amar, ou
manter relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a
indenização pleiteada”.149
Do mesmo pensamento (contrário à reparação por abandono afetivo),
comungam os doutrinadores Sérgio Resende de Barros e Ivone Coelho de Souza,
que defendem a ideia das demandas neste sentido culminarem na “monetarização
do afeto”, além do principal argumento de impossibilidade de que tal situação possa
ser restabelecida, ou seja, que pagar pela falta de amor não fará surgir o amor,
147
148
149
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano
Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 108.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 757.411. Recorrente: Vicente de Paulo Ferro de Oliveira e
Recorrido: Alexandre Batista Fortes menor púbere assist. p/ sua mãe. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em
29 de novembro de 2005. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7169991/recurso-especial-resp757411-mg-2005-0085464-3/inteiro-teor-12899597>. Acesso em 25 out. 2013.
57
sendo que este e o dever não se misturam.150
Em contrapartida, os renomados autores como Rodrigo da Cunha Pereira,
Maria Berenice Dias, Rolf Madanelo, Aline Biasuz Suarez Karow, dentre outros,
defendem a responsabilização civil do genitor que não cumpre com suas obrigações,
haja vista que não se trata de monetarizar o afeto, mas penalizar aquele pai ou mãe
que não cumpre com seu papel de suma e essencial importância na vida de sua
prole.
Neste sentido, Aline Biasuz Suarez Karow explica:
Em que pese a função compensatória, satisfatória da reparação civil
por dano extrapatrimonial, que falamos aqui, existe uma terceira
atribuição à responsabilidade civil, a função dissuasória. Esta se
distingue da punitiva por não visar uma conduta anterior, senão que
busca prevenir condutas futuras. O objetivo é a prevenção geral,
orientando sobre condutas a não serem adotadas. O meio para
alcançar este modelo é por intermédio do exemplo, ou melhor, não
exemplo, é condenar o responsável à compensação dos danos
individuais, a partir de condutas que não são desejados no seio da
sociedade.151
Rolf Madaleno registra que a desconsideração do menor no âmbito da relação
pai e filho, cria inégaveis carências afetivas, traumas e agravos morais, cujo peso
acentua-se no desenvolvimento mental, psíquico e social deste filho, e o injusto
repúdio público que lhe faz o genitor é motivo indiscutível ao direito à reparação por
danos morais, em razão da negativa paterna do direito que a prole possui de
convivência e referência parental, privando o descendente de um espelho que
poderia seguir e amar. Em razão disso, em que pese fugir ao Direito a obrigação de
amor, o Judiciário deve, de uma vez por todas, amenizar essa cultura do abandono
parental e impunidade de atos que violam a norma constitucional de proteção à
criança e ao adolescente.152
Ou seja, a afetividade ultrapassa o campo jurídico do sentimento, estando
diretamente relacionada à responsabilidade e ao cuidado, motivo pelo qual pode se
tornar uma obrigação jurídica e, por consequência, ser fonte de responsabilidade
civil, pois, aquele que opta ou assume o risco de ser pai deverá incumbir-se de tal
150
ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano
Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 110-111.
151
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 273-274.
152
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 376-377.
58
função de cuidado, sob pena de reparar os danos causados aos filhos, já que o
estado de filiação é direito indisponível para o Direito de Família.
De certa forma, isso demonstra a importância do exercício da parentalidade
responsável para a constituição do sujeito, sendo que o seu não cumprimento do
dever de assistência moral pode ter como resultado a pretensão indenizatória do
filho abandonado. Aqui não se afirma que o valor reparatório recomporá o afeto
negado, mas, seguramente, se o filho chegou a ponto de procurar o Poder
Judiciário, com certeza já esgotou toda e qualquer forma de aproximação do genitor
que lhe desprezou em seu desenvolvimento.
Por óbvio que a fixação de qualquer valor em pecúnia tem valor simbólico,
pois não há valor que possa suprir o abandono afetivo. Logo, não se trata de
monetarizar o amor ou, ainda, obrigar alguém a amar, mas uma forma de compensar
aquele filho que foi vitimado pelo descaso e covardia de seu genitor, atenuando, em
parte, as consequências do dano.153
A fixação do quantum indenizatório em matéria de dano moral não possui
previsão de valores pré-estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, trata-se de
uma das tarefas (árduas, diga-se de passagem) inerentes ao julgador e, por este
motivo, impera o campo da subjetividade, já que cada caso concreto possuirá suas
variáveis ensejadoras da indenização por danos morais.
De toda sorte, verifica-se que a indenização por danos morais na relação
paterno-filial está em pauta, cabendo ao Poder Judiciário analisar de forma
responsável e prudente os requisitos autorizadores da responsabilidade civil, já
discutidos anteriormente, para que uma vez comprovado o dano, surja o dever de
indenizar, pois à figura paterna o exercício da parentalidade não se resume ao
pagamento de pensão alimentícia, mas ao cuidado e zelo na educação e
desenvolvimento de seus filhos, ou seja, dar-lhes afeto.
5.4.1 Da função civil da sanção indenizatória
Rememorando, historicamente não havia a divisão entre matéria civil e penal,
de forma que nas civilizações antigas a vingança se evidenciava em primeiro lugar
em favor da vítima. Naturalmente, houve uma tendência separatista dentre a pena e
153
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Filhos do Pai, Filhos da Mãe e o Abandono Afetivo: a responsabilidade
Parental (p. 675-693). In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo. O Superior Tribunal de Justiça e a
Reconstrução do Direito Privado. São Paulo:RT, 2011. p. 685.
59
a indenização, pois, os objetivos que buscavam se alcançar diferenciavam-se como:
pena vinculada ao direito penal e indenização ao direito civil.154
A complexidade deste tema persiste pelo fato de o Superior Tribunal de
Justiça filiar-se à mais de uma teoria, entendendo pela função compensatória da
indenização, bem como pelo caráter punitivo, inclusive, de forma mista.
Destarte, observa-se que não há um entendimento uníssono da função do
dano moral, mas três tendências: a compensação do ofendido, a punição do ofensor
e a função dissuasória.
Nehemias Domingos de Melo ilustra que a tendência doutrinária e
jurisprudencial se orientam, majoritariamente, pelo binômio punitivo-compensatório
no que tange à indenização por danos morais. Busca-se, por este entendimento,
compensar a vítima pelos infortúnios a que tenha sido submetida, compensando-lhe
com uma soma em dinheiro que possa, de certa forma, confortá-la; e punir o ofensor
que sofrerá os efeitos da condenação em seu patrimônio, a fim de que seja
desestimulado a reiterar sua conduta.155
As três tendências se diferenciam pelo fato de elevar ao primeiro plano aquilo
que defender, ou seja, a que busca a reparação do ofendido relega o caráter
punitivo ao segundo plano, pois entende que a satisfação da vítima é fator
primordial; a de caráter punitivo, também denominada de pena privada, defende que
a fixação de indenização por danos morais tem por caráter primacial a punição do
agressor, devendo a “pena” ser fixada sobre a personalidade do ofensor e demais
circunstâncias que indiquem uma devida sanção ao ofensor
Por fim, a terceira tendência e certamente a mais adequada, de função
dissuasória, tem em seu bojo o caráter exemplar da sentença. Defende que
somadas as funções compensatória e punitiva, ainda há a função de exemplaridade
à sociedade, a qual demonstrará que certos comportamentos serão exemplarmente
punidos pelo Judiciário, a fim de que seja dado mais respeito à personalidade da
pessoa humana.
Aline Biasuz Suarez Karow ensina a respeito:
Em que pese a função compensatória, satisfatória da reparação civil
por dano extrapatrimonial, que falamos aqui, existe uma terceira
154
155
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: do cabimento à fixação do quantum. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2011. p. 108.
60
atribuição à responsabilidade civil, a função dissuasória. Esta se
distingue da punitiva por não visar uma conduta anterior, senão que
busca prevenir condutas futuras. O objetivo é a prevenção geral,
orientando sobre condutas a não serem adotadas. O meio para
alcançar este modelo é por intermédio do exemplo, ou melhor, não
exemplo, é condenar o responsável à compensação dos danos
individuais, a partir de condutas que não são desejadas no seio da
sociedade.156
Portanto, a indenização por abandono afetivo traduz-se numa nova orientação
que tem em seu núcleo o caráter didático para refletir a importância do convívio
entre pais e filhos, pois, independentemente de os genitores estarem juntos ou não,
a necessidade afetiva para com o filho passou a ser bem juridicamente tutelado,
ante o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Nesta esteira, tem-se que o papel do Judiciário pode ser preponderante aos
bens personalíssimos da diginidade humana de um filho abandonado pelo pai,
demonstrando à sociedade que mais do que direito de um pai, é dever o cuidado, a
educação, a proximidade que deve se ter com sua prole, sob pena de ter que arcar
com o dano que causou ao seu filho em estágio de formação.
Ideal seria a reparação in natura, mas o projeto de vida de qualquer pessoa
constantemente sofre alterações e, certamente, não para. Por tal razão, neste
contexto, tal forma de reparação torna-se pouco viável quando se tratar do
abandono afetivo na filiação, já que é impossível ao genitor retornar no tempo e
suprir tudo aquilo que deixou de prestar ao seu filho cotidianamente, durante seu
desenvolvimento como pessoa. Por óbvio que não se pode compensar à uma
pessoa de dezoito anos o que deveria ter sido feito quando possuía cinco, dez anos
de idade.
De qualquer forma, a ideia de “antes tarde do que nunca” reflete a ideia de
que o acolhimento da pretensão por responsabilidade civil por abandono afetivo
demonstra que o afeto tem um preço altíssimo na nova configuração familiar e que
seu não cumprimento ensejará numa reparação com caráter compensatório, punitivo
e exemplar à sociedade para estimular a conduta do afeto e desacorçoar o
abandono injustificado que tanto mal causa ao filho desprezado.
5.5 DA COMPROVAÇÃO DO DANO
156
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 273-274.
61
Conforme já debatido no presente estudo, a agressão a um interesse
particular pode acarretar a responsabilidade civil, em que o ofensor pratica um ato
que causa danos ao ofendido. Por tal razão, o agente praticante do ato ilícito ficará
obrigado a reparar o dano causado.
O dano moral, por sua natureza extrapatrimonial, bem como pela inexistência
de tarifação no que tange o quantum indenizatório, não se trata de tarefa fácil para
visualização e configuração, já que a comprovação do que atinge o âmago do
indivíduo, causando-lhe sofrimento, vexame, humilhação etc. são questões que
deverão ser analisadas caso a caso pelo julgador, principalmente pela banalização
do instituto que atualmente é pleiteado em qualquer demanda.
No abandono afetivo, importante relembrar que não é todo e qualquer caso de
abandono injustificado do genitor que gerará a indenização por dano moral, mas,
naqueles casos em que reste evidenciado o prática do ato ilícito do pai, resumido na
falta dos atos inerentes à paternidade responsável, o dano, sendo considerado a
consequência que venha a causar lesão no desenvolvimento do filho como pessoa
humana e o nexo causal, que é exatamente o liame entre os atos e o dano.
Entretanto, a demonstração do dano é um dos grandes dilemas do tema em
análise,
pois
a
sua
comprovação/demonstração
atualmente
necessita
de
profissionais do ramo da psicanálise, já que possuem capacidade técnica para
analisar o cunho psicológico do resultado dano pelo descumprimento de um dever
de cuidado do pai/mãe, sendo a integridade psíquica e moral do menor o bem
jurídico tutelado na norma jurídica.
Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias de Carvalho e Douglas Phillips
Freitas descrevem as marcas que existem em decorrência de um abandono:
As marcas existem e são mais profundas do que se pode mensurar:
o beijo de boa noite negligenciado, a falta de vigília em uma
madrugada febria, o cafuné não realizado, o esforço para decorar a
música de homenagem de dia dos pais ou das mães que foi em
vão...157
No entanto, entende-se como melhor método para uma efetiva constatação
157
ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano
Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 119-120.
62
de danos psíquicos ao menor o exercício da interdisciplinariedade, ou seja, somente
profissionais habilitados e especialistas na matéria, da área da saúde, em especial
da psicanálise, é que poderão auxiliar o julgador numa demanda acerca do tema.
Referidos profissionais possuem a capacidade plena de observar e identificar
os sintomas apresentados pelas crianças e adolescentes diante de conflitos e
impasses familiares. Pois, os sintomas se manifestam de diversas formas numa
pessoa abandonada afetivamente pelo genitor, podendo ser por meio de reações na
integridade física e mental, tais como convulsões e doenças psicossomáticas, assim
como distúrbios de aprendizagem, de relacionamento, além de fobias e mecanismos
obsessivo-compulsivos, entre vários outros.158
Assim sendo, a ciência da psicanálise serve como um respeitável instrumento
para revelação real dos sentimentos e sofrimentos daqueles que são abandonados
afetivamente, capaz de trazer à tona a alma humana, deixando claro os danos
emocionais de quem é vítima do abandono afetivo.159
Por este motivo, não é todo e qualquer caso de ausência de afetividade na
relação entre pais e filhos que terão como resultado a reparação civil pelo pai ao
filho, mas que seja demonstrado no caderno processual atos pelo qual se
exteriorizou o abandono e consequentes sequelas psíquicas ao menor, causandolhe danos imensuráveis à sua dignidade como pessoa humana.
Registre-se que nem sempre o laudo psicológico é prova que garanta o
reflexo emocional negativo do menor, pois, por vezes, poderá ser superficial demais
e não atender à sua finalidade demonstrativa. Ademais, o princípio do livre
convencimento motivado (presente no artigo 131 do Código de Processo Civil 160)
garante ao magistrado a liberdade de analisar todas as modalidades probatórias que
achar necessárias, para que assim possa visualizar o quadro angustiante e dolorido
da vítima do abandono afetivo.
No caso concreto, a existência de uma figura substituta que cumpriu a função
da figura ausente, colocando o menor a salvo dos danos e logrando êxito em
preencher a figura pelo ausente, excluirá, como já dito, um possível prejuízo à
personalidade do menor, não havendo, nestes casos, um dos elementos
158
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 243.
159
Ibid., p. 246.
160
BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 24 set. 2013.
63
constitutivos da responsabilidade civil: o dano.
Outro fator importante, é que o dano moral em decorrência do abandono
afetivo não possui caráter presumido (está, atualmente, longe desta condição), mas
demanda sua efetiva revelação.
Neste contexto, Aline Biasuz Suarez Karow explica:
Não se está diante de dano in re ipsa, mas senão daquele que exige
a sua efetiva demonstração. Estes danos podem ser comprovados
de diversas formas, através de prova pericial, prova testemunhal,
prova documental ou mesmo por intermédio do depoimento sem
dano e até prova emprestada de outros processos, como execuções
alimentícias, execução de visitas, ação de tutela inibitória em face da
prevenção de danos etc.161
Constatados os danos psicológicos resultantes pela falta de afeto, os quais
tenham atingido o desenvolvimento e personalidade do filho, caberá ao magistrado
arbitrar indenização suficiente para arcar com as custas das despesas necessárias
para que possa tentar corrigir ou diminuir o problema que o acomete, através do
pagamento de uma compensação que nunca substituirá o afeto proporcionado pelo
genitor, mas que poderá proporcionar atenuantes às circunstâncias fáticas que
sofreu no passado.
Assim sendo, o genitor omisso, não cumpridor das normas legais deverá ser
responsabilizado pelos seus atos ilícitos, incumbindo ao juiz da causa analisar o
dano e o nexo causal para, após seus critérios críticos e racionais de
convencimento, determinar o quantum a ser indenizado, mantendo a proporção
entre a gravidade da culpa e o dano.
5.6 DECISÕES JUDICIAIS ACERCA DA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL
NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL
Na década passada, em setembro do ano de 2003, o Juiz Mario Romano
Maggioni, titular da 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa, na época, cidade
localizada no estado do Rio Grande do Sul, nos autos de ação de indenização sob
nº 141/1030012032-0, condenou um pai a indenizar seu filho no valor equivalente a
161
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 225.
64
200 (duzentos) salários mínimos por abandono afetivo.
Na sentença que proferiu, o magistrado assinalou que a educação abrange
não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, o amor,
carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas,
criar condições para que a criança se autoafirme. Ainda, asseverou que a ausência
da figura paterna em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam
a sua honra e sua imagem. Por fim, o juiz atenta ao fato dos jovens drogados e
criminosos que em sua grande parte derivam de pais que não lhes dedicaram amor
e carinho.162
O magistrado foi mais além, pois, trouxe na sua decisão que a função paterna
abrange amar a prole, não bastando ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho,
mas que é necessário “ser pai na amplitude legal”, ou seja, dever de sustento,
guarda e educação. Ademais, o fato de o legislador atribuir aos pais a função de
educar os filhos, resta evidente que aos pais também incumbe o dever de amá-los.
Outra decisão que seguiu o mesmo norte emanou do Poder Judiciário
Mineiro. Na ocasião, o filho ajuizou ação buscando reparação civil pelo abandono
afetivo causado pelo seu pai, pois, após a separação de seus pais, o seu genitor
constituiu nova família e passou a exercer a paternidade apenas com relação àquela
relação, ignorando, a partir de então, todas as tentativas de aproximação do primeiro
filho, de forma que suas atitudes causaram extremo sofrimento, humilhação e
sentimento de rejeição, restando caracterizada a conduta omissa do genitor.
A decisão de primeiro grau julgou improcedente a demanda, sob a
fundamentação de inexistir nexo causal entre o afastamento paterno e o
desenvolvimento de problemas psicológicos, em função da análise do laudo pericial.
Afirmou o magistrado que não restou demonstrado descaso intencional do réu com a
criação, educação e a formação da personalidade do filho.
No entanto, em sede de apelação o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
reformou a sentença de primeiro grau, ao julgar procedente a demanda de
reparação civil pelo abandono afetivo do pai. Na ocasião o relator foi o
Desembargador Unias Silva, nos autos sob número 408.550-5.
Na ocasião, os desembargadores entenderam que o genitor deveria indenizar
o filho pelos danos extrapatrimoniais causados, os quais foram fixados em R$
162
ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano
Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 107-108.
65
44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), tendo como fundamento principal o princípio
da dignidade da pessoa humana.
A ementa:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 408.550-5 - 01.04.2004 EMENTA –
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL –
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO
DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono
paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo,
moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da
dignidade da pessoa humana.163
Além disso, os desembargadores salientaram que os deveres paternos são
oriundos de imposição estatal, não sendo de livre disposição do genitor fazê-lo ou
não. Ademais, o convívio familiar é garantia infraconstitucional, pois os laços de
afetividade derivam da convivência e não apenas da relação consanguínea.
Inconformado com a decisão, o então sucumbente interpôs recurso especial
perante o Superior Tribunal de Justiça pugnando pela improcedência da demanda.
Para decepção dos defensores da ideia da possibilidade da reparação civil
nos casos de abandono afetivo, o acórdão foi reformado através do RESP sob nº
757.411, no mês de março de 2006, por decisão não unânime, sob argumentos de
que a punição deverá ser a perda do poder familiar, pois, a reparação financeira não
atenderia o seu objetivo, tendo em vista o pagamento de pensão alimentícia e, por
fim, que não cabe ao judiciário obrigar alguém a amar ou manter relacionamento
afetivo.
Rodrigo da Cunha Pereira explica que a argumentação empregada na
decisão, qual seja, de que a “punição” para o genitor que abandona um filho deveria
ser a destituição do poder familiar, e não a indenização, é equivocada, tendo em
vista que seria um estímulo aos pais irresponsáveis que não assumem a
parentalidade da forma prevista em lei, já que seria um prêmio o fato de “se livrar”
163
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 2.0000.00.408550-5/000. Apelante(s): Alexandre Batista Fortes menor púbere assist.
p/ sua mãe e Apelado: Vicente de Paulo Ferro de Oliveira. Relator: Unias Silva. Julgado em 01 de abril de 2004. Disponível em: <
http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=2&totalLinhas=2&paginaNumero=2&linha
sPorPagina=1&palavras=abandono%20afetivo&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&listaRelator=034223&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras
=Pesquisar&>. Acesso em: 14 out. 2013.
66
daquele filho que sempre desprezou.164
Da mesma forma, diz ser equivocada a alegação de que a procedência da
indenização em face do pai obstaria um possível ambiente para reconstrução do
relacionamento paterno-filial, pois, se o filho chegou a ponto de procurar o Poder
Judiciário para reclamar seus direitos significa que a relação entre ele e seu genitor
não tem como piorar ainda mais.165
Entretanto, este entendimento do Superior Tribunal de Justiça não foi
empecilho para decisões, de tribunais inferiores, que julgaram procedentes pleitos
de indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo na filiação.
A reviravolta ocorreu no mês de abril do ano de 2012, em que a decisão do
mesmo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial sob nº
1159242/SP, reconheceu a procedência do pedido de indenização por
abandono afetivo, condenando o recorrente ao valor de R$ 200.000,00 (duzentos
mil reais) pelo fato de ter abandonado afetivamente sua filha.
A ementa:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.
COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à
responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar⁄compensar
no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como
se observa do art. 227 da CF⁄88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi
descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil,
sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um
bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação,
educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da
imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear
compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de
pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um
núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero
cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à
afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes
ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de
164
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Filhos do Pai, Filhos da Mãe e o Abandono Afetivo – A Responsabilidade
Parental (p. 675-693). In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo. Superior Tribunal de Justiça e a
Reconstrução do Direito Privado. São Paulo:RT, 2011. p. 686.
165
Ibid., p. 687.
67
matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via
do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos
morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a
quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou
exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido.166
Aline Suarez Biasuz Karow comenta o acórdão:
Veja que a decisão não é inflamada de discursos sensacionalistas,
do tipo se o amor pode ser comprado, se a justiça pode obrigar
alguém a amar, que o amor não tem preço etc. O texto se limita
basicamente à questão central, de forma extremamente técnica e
objetiva justamente como devem emanar as decisões do Egrégio
Tribunal.167
Fator destacável, que rebate argumentos contrários ao cabimento da
reparação civil por abandono afetivo, é a inexistência de restrições legais quanto à
aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de
indenizar o dano causado no direito de família.
Outro aspecto de merece extrema relevância é o argumento utilizado pelos
juristas que são contrários à tese, os quais alegam que a sanção máxima será a
destituição do poder familiar, por ser inaplicável a parte geral do Código Civil 168.
A Ministra Relatora fundamentou a procedência no sentido de que a perda do
pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou
compensações, pois tem como objetivo primário resguardar a integridade física do
menor, mas nunca compensaria os prejuízos advindos da omissão de cuidados
decidados aos filhos.169
Ainda, asseverou a julgadora que o vínculo que une pais e filhos é legal,
destacando-se entre os deveres inerentes ao poder familiar o convívio, o cuidado, a
166
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1159242/SP. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos.
Recorrida: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 24 de abril de 2012. Disponível em:<
http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1159242>. Acesso
em: 14 out. 2013.
167
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 282.
168
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 12 ago. 2013.
169
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1159242/SP. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos. Recorrida:
Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 24 de abril de 2012. Disponível em:<
http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1159242>. Acesso
em: 14 out. 2013.
68
criação e educação dos filhos, os quais necessitam de toda a atenção e devido
acompanhamento sócio-psicológico.
Por fim, de acordo com a Ministra, o “desvelo e atenção à prole não podem
mais ser tratadas como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou
de ser intuitivo que o cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações
psicológicas, não é apenas um fator importante, mas essencial à criação e formação
de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver, em
sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente
sua cidadania”.170
Demonstrando a nova vertente consolidada no Superior Tribunal de Justiça
recentemente, destaca-se a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
que condenou um genitor ao pagamento de quinze mil reais a título de danos
morais:
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PATERNIDADE RECONHECIDA - OMITIDA PERANTE A
SOCIEDADE EM INFORMATIVO LOCAL - CIDADE DE PEQUENO
PORTE - REPERCUSSÃO GERAL - DANOS MORAIS
CONFIGURADOS - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE - SENTENÇA MANTIDA.
- A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos
próprios da personalidade humana, maculando o princípio da
dignidade da pessoa humana.
- Conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo Egrégio
Superior Tribunal de Justiça, possível a indenização por danos
morais decorrentes da violação dos direitos da criança - Inteligência
do art. 227 da Constituição Federal.171
Outra decisão, desta vez monocrática, foi do juízo da 2ª Vara de Família e
Sucessões da Comarca de Anápolis, estado de Goiás, condenando um pai que não
contribuiu com a criação de seu filho ao pagamento de vinte e dois mil, quatrocentos
e vinte reais, além das despesas de cunho patrimonial.
O magistrado Danilo Luis Meireles dos Santos, em sua sentença, enfatizou a
função punitiva, compensatória e pedagógica da condenação, pois o que se
pretende é combater atitudes que afrontam os princípios constitucionais de proteção
170
171
Ibid.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0144.11.001951-6/001. Apelante: João Alberto Amaral. Apelada: Miriã Stefany da
Silva Amaral, Tatiane Patrícia da Silva e outros. Relator Des. Wanderley Paiva. Julgado em 27 de fevereiro de 2013. Disponível em:
<http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=C9D46429DCFC9492874266A70C32B94E.j
uri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0144.11.0019516%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 14 out. 2013.
69
e garantia da dignidade da pessoa humana. Também, ressaltou que a afetividade
trata-se de um dever familiar e é fundamental na formação do menor. Por tal razão,
não se trata de obrigar o pai a amar o seu filho, mas sim, analisar o descumprimento
do que é imposto pelo ordenamento jurídico ao pai.172
Destaque-se, desta forma, que enquanto o filho estiver em desenvolvimento,
buscar-se-á prevenir o abandono afetivo, pois, o que se busca é reatar os laços
afetivos entre o pai e filho. Todavia, exauridas as formas e não mais havendo forma
de se inibir algo já consumado é que se buscará a reparação do dano moral.
Com efeito, Aline Suarez Biasuz Karow leciona:
O tema é complexo, defendemos ainda que, enquanto em formação,
a personalidade do menor não cabe à ação reparatória e sim à
inibitória dos atos de omissão, cabendo lugar a última apenas
quando esgotados todos os mecanismos que o direito oferece, não
havendo logrado êxito, podendo agora apenas a vítima ser
compensada pela dor sofrida. Prevenir o abandono afetivo e não
apenas buscar repará-lo, até porque a maior evolução da
responsabilidade civil não é reparar o dano e sim prevení-lo.173
Destaca-se a importância da mediação enquanto uma ferramenta que
possibilita os participantes abandonarem uma intervenção negativa e passem a
adotar um agir colaborativo.174
Assim, depreende-se do entendimento jurisprudencial favorável à reparação
civil do dano moral nos casos de abandono afetivo que o novo cenário jurídico
passou a impor ao genitor o dever de cuidado e convívio familiar com sua prole, sob
pena de ter que arcar com os danos morais decorrentes de sua omissão,
independentemente se existe o pagamento de pensão alimentícia, pois esta não
supre o abalo do filho que não tem a companhia de seu pai.
Enfim, o afeto é composto por elementos objetivos, diferenciando-se do amar
pela possibilidade de se verificar por atitudes concretas do genitor em favor da prole,
pois “amar é faculdade, cuidar é dever”175.
172
GOIÁS. Tribunal de Justiça. Informação postada no site do Tribunal de Justiça do estado de Goiás.
Disponível
em:<http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/2470-pai-deverapagar-indenizacao-para-adolescente-por-abandono-afetivo>. Acesso em: 27 set. 2013.
173
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais.
Curitiba: Juruá, 2012. p. 289.
174
ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano
Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 119.
175
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1159242/SP. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos.
Recorrida: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 24 de abril de 2012. Disponível em:<
70
http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1159242>. Acesso
em: 14 out. 2013.
71
6 PROPOSTAS LEGISLATIVAS NO CONGRESSO NACIONAL QUE VISAM
COIBIR A PRÁTICA DO ABANDONO AFETIVO
6.1 INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO NO ARTIGO 1.632 DA LEI Nº
10.406/2002 – PROJETO DE LEI N. 4.294 DE 2008
Está em trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de lei número 4.294 do
ano de 2008, de autoria do Deputado Carlos Bezerra, que visa acrescentar ao
Código Civil especificamente a questão do abandono moral de um genitor para com
sua prole, gerando, a partir daí, o dever de indenizar o filho prejudicado em todo seu
desenvolvimento da personalidade, caracterizado por reiterados atos de indiferença
e desprezo.
A redação do projeto de lei possui o seguinte conteúdo:
Art. 1º Acrescenta parágrafo ao artigo 1.632 da lei n° 10.406, de 10
de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. da lei n° 10.741, de 1 ª de
outubro de 2003 - Estatuto do Idoso -, de modo a estabelecer a
indenização por dano moral em razão do abandono afetivo.
Art. 2° O artigo 1.632 da lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código Civil – passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 1632
............................................................................................................
Parágrafo único: O abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento
de indenização por dano moral.176
Atualmente, está aguardando deliberação na Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.
A justificativa do projeto de lei é exatamente no dever moral que o pai ou mãe
possuem em relação ao seu filho, não podendo ser aceito que o simples pagamento
de auxílio material, pois as relações familiares estão num patamar que supera a
questão meramente patrimonial anteriormente existente.
176
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4294/2008. Acrescenta parágrafo ao art. 1.632 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. 3° da Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo.
Disponível
em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=415684>.
Acesso em: 28 set. 2013.
72
Aduz o Deputado que entre as obrigações existentes na relação pai e filho,
persiste a necessidade de auxílio moral, consistente na prestação de apoio, afeto e
atenção
mínimas,
atos
indispensáveis
ao
adequado
desenvolvimento
da
personalidade dos filhos ou adequado respeito às pessoas de maior idade.177
Principalmente nos filhos menores, tem-se que o trauma oriundo do abandono
afetivo parental provoca marcas profundas no comportamento deles, especialmente
pela condição especial que possuem, de pessoas em desenvolvimento, os quais
necessitam de um paradigma: seus pais.
Ainda, consta na justificativa que “o sentimento de rejeição e a revolta
causada
pela
indiferença
alheia
provocam
prejuízos
profundos
em
sua
personalidade. Por sua vez, se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se
amarem, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização
pelo dano causado”.178
Destarte, observa-se intrinsicamente a responsabilidade civil pela prática do
ato ilícito previsto no ordenamento jurídico, a qual expressa que incumbirá aos pais o
dever de educar e ter seus filhos próximos de si, ou seja, dar-lhes o devido afeto
mediante o cuidado que necessitam, ou, caso contrário, estarão violando direitos
que tanto sofrimento causa a ponto de provocar danos ao menor.
Mais uma vez, está em pauta à dignidade da pessoa humana, principalmente
daquelas pessoas que necessitam de tutela específica, afinal, são as crianças e
adolescentes de hoje que serão os adultos e pais de amanhã, e impondo à
sociedade penalizações pelo péssimo exercício do poder familiar, estar-se-ia
reeducando e acabando com essa cultura de impunidade de pais que não prestam
assistência moral aos seus filhos.
177
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4294/2008. Acrescenta parágrafo ao art. 1.632 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. 3° da Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo.
Disponível
em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=415684>.
Acesso em: 28 set. 2013.
178
Ibid.
73
6.2 PROJETO DE LEI N. 700 DE 2007, QUE VISA CARACTERIZAR O ABANDONO
MORAL COMO ILÍCITO CIVIL
No mesmo sentido, o projeto de lei número 700 de 2007, em trâmite no
Senado, de autoria do Senador Marcelo Crivella, propõe acrescer alguns parâmetros
de proteção à criança e ao adolescente no Estatuto da Criança e do Adolescente179.
O projeto de lei possui a seguinte redação:
Art. 1º O art. 4º da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a
vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, renumerado o atual
parágrafo único como § 1º:
Art. 4º
............................................................................................................
§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o
art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por
convívio, seja por visitação periódica, que permitam o
acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa
em desenvolvimento.
§ 3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral
devida aos filhos menores de dezoito anos:
I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades
profissionais, educacionais e culturais;
II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou
dificuldade;
III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou
adolescente e possível de ser atendida.
Art. 2º Os arts. 5º, 22, 24, 56, 58, 129 e 130 da Lei nº. 8.069, de 13
de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 5º
............................................................................................................
Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a
reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a
ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou
adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono
moral.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência,
assistência material e moral e educação dos filhos menores,
cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e
fazer cumprir as determinações judiciais.
Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas
judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na
legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento
injustificado dos deveres e obrigações a que aludem o art. 22.
179
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 28 set. 2013.
74
Art. 56
...........................................................................................................
IV – negligência, abuso ou abandono na forma prevista nos arts. 4º
e 5º desta Lei.
Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais,
morais, éticos, artísticos e históricos próprios do contexto social da
criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da
criação e o acesso às fontes de cultura.
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e
X deste artigo, observar-se- á o disposto nos arts. 22, 23 e 24.
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, negligência, opressão
ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade
judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento
do agressor ou responsável da moradia comum.
Art. 3º A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar
acrescida do seguinte art. 232-A:
Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao
filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º
desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena – detenção, de um a seis meses.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.180
Verifica-se que o texto objetiva impor como conduta ilícita, sujeita a reparação
dos danos, condutas que ofendam direitos fundamentais de crianças e
adolescentes, já existentes na lei, inclusive os de ordem moral.
O Senador defende que “ninguém está em condições de duvidar que o
abandono moral por parte dos pais produz sérias e indeléveis consequências sobre
a formação psicológica e social dos filhos”.181
Ainda, assevera que amor e afeto não se impõem por lei, mas busca-se, tãosomente, esclarecer, de uma vez por todas, que os pais têm o dever de acompanhar
a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes
solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível,
fazerem-se presentes quando o menor pedir abertamente a sua companhia.
Dispõe em sua justificativa que embora a Constituição Federal de 1988182, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)183 e o Código Civil184 contemplem a
180
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 700/2007. Modifica a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, e dá outras providências. Disponível
em:<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=83516>. Acesso em: 29 set. 2013.
181
Ibid.
182
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 set. 2013.
183
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 29 set. 2013.
75
assistência moral, entende-se por bem estabelecer uma regra expressa e específica
que caracterize o abandono moral como conduta ilícita passível de reparação civil,
além de repercussão penal.
Destarte, referido projeto de lei busca caracterizar como ilícito civil a
negligência e o abandono afetivo de menores, pessoas em formação de caráter,
carentes, ainda, de completo discernimento e que não podem encarar, como
adultos, as dificuldades da vida. Assim, aceitam-se as limitações materiais, mas não
a omissão na formação da personalidade.
184
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 29 set. 2013.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o estudo efetuado acerca do abandono afetivo na relação paterno-filial e
a possibilidade de reparação civil pela sua decorrência, verificou-se que tanto a
doutrina quanto a jurisprudência possuem vertentes favoráveis à condenação dos
genitores que não praticarem atos condizentes com o poder familiar imposto pelas
normas constitucional e infraconstitucional.
Verificou-se, no trabalho, que no decorrer do tempo, nas transformações no
bojo das famílias o afeto ganhou nova amplitude, pois, trata-se de um elemento
importantíssimo e inserido no novo contexto do Direito das Famílias que possui
caráter decisório em litígios do ramo. O afeto, enfim, possui valor jurídico.
A família deixa seu antigo caráter patrimonial, alterando seu conceito e
buscando funcionalizar-se em favor de seus componentes, os quais ali buscam um
espaço de realização social e pessoal. A Constituição Federal de 1988 dá proteção
especial à família, tratando-a como a base da sociedade, além de possibilitar aos
membros de determinada família que elejam os valores e conceitos que mais lhes
atender.
Observa-se, portanto, a constitucionalização do Direito de Família pelo fato de
a própria Carta Magna dispor sobre a matéria, bem como pelo fato de o Código Civil
convergir no mesmo sentido de normatização em favor do indivíduo e não do
patrimônio. Destaca-se, assim, a dignidade da pessoa humana, princípio basilar
inserto no texto constitucional, que busca o respeito em qualidade máxima ao
homem médio.
No entanto, ante as situações de desrespeito a esta integridade, a
responsabilidade civil surge para tutelar os atos que infrinjam a norma jurídica, tendo
como principal característica ser cláusula geral, condição esta que dá ao intérprete a
flexibilidade necessária para se adaptar as mudanças ocorridas na sociedade e
proferir decisões coerentes com a dinâmica social.
O dano moral, agora previsto em plano constitucional e infraconstitucional,
será suscetível em situações em que haja o ato ilícito e, consequentemente, o dano.
A reparação em espécie por danos tão somente extrapatrimoniais passa a ser
77
realidade num ordenamento que respeita ao máximo a dignidade do indivíduo,
havendo a necessidade de critérios básicos para sua caracterização: ato, dano,
nexo causal.
Assim sendo, não poderia ser diferente nas relações entre pais e filhos, em
que os primeiros têm o dever de afeto em relação aos segundos, sob pena de
incorrer na prática de ato ilícito.
Por óbvio que o amor não se compra e foge do âmbito do Estado dizer sobre
algo tão íntimo da pessoa, mas o que se refletiu no presente estudo foi que o afeto é
espécie do qual o amor é gênero, já que a afetividade não se traduz somente em
sentimento, mas de várias formas objetivas consistentes em atos de cuidado,
educação, apoio moral, de proximidade e outros mais.
Destarte, a função paterna é dever, independentemente se a prole veio por
ato de vontade ou não. Afinal, trata-se de um indivíduo que necessita de todo o
cuidado necessário para um desenvolvimento sadio físico e mental.
Ocorre que inúmeros pais abandonam seus filhos, negando a função de
parentalidade, motivo pelo qual a indenização é a medida a ser observada em casos
assim, pois, o ordenamento jurídico brasileiro deu especial tutela às crianças e
adolescentes que como seres em desenvolvimento necessitam do afeto de seus
pais.
Ora, conforme disposição expressa dos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso I; 226;
227 e 229 da Constituição Federal, além dos ditames do Código Civil, artigos 1.634,
inciso II, e 1.566, inciso IV, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos 3º, 4º,
22 e 33, tem-se que a convivência, o apoio moral, a atenção, enfim, o afeto é um
dever do genitor e não uma faculdade, sendo que sua inobservância violará os
direitos do menor que tanto sofrimento lhe causará a ponto de provocar danos à sua
condição de ser humano.
A pior consequência disso tudo é a contaminação negativa do projeto de vida
daquele menor que careceu do afeto de seus genitores. Em razão da
impossibilidade da reparação in natura a reparação pecuniária, de caráter
compensatório, tem o objetivo de permitir ao filho uma reparação pelo dano sofrido.
A análise do dano somente será possível com auxílio de profissionais da
psicanálise, quais sejam, da psiquiatria e psicologia, tendo em vista que os danos
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causados à personalidade do menor serão insuperáveis, jamais supridos noutra fase
de sua vida.
Outro fator destacável é a função da responsabilidade civil, adotada no
ordenamento pátrio, para estes casos, em se tratando de danos não patrimoniais, de
compensação ao ofendido, punição ao ofensor e dissuasória, sendo esta a busca
em evitar práticas futuras de abandono e desprezo na relação paterno-filial.
Ainda, restou demonstrada a nova tendência jurisprudencial pela procedência
de demandas que pleiteiem a reparação civil do dano moral em decorrência do
abandono afetivo dos genitores, haja vista que, conforme a legislação pátria, a
exigência de cuidado com os filhos é um dever, não importando, necessariamente,
em amar.
Em suma, a perda do poder familiar não é a melhor solução aos genitores que
não se incumbem do dever da paternidade responsável, já que não seria uma
sanção e sim um prêmio ao indivíduo que nunca desejou aquele filho, enquanto que
a reparação civil sim, esta observaria todas as funções acima citadas e com maior
certeza atenuaria a dor inestimável sofrida pelo filho, vítima do esquecimento,
descaso e desprezo.
79
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O Abandono Afetivo na Filiação e a Reparação Civil do Dano Moral