FACULDADES UNIFICADAS DE FOZ DO IGUAÇU – UNIFOZ CURSO DE DIREITO MATHEUS GAMBETTA NORONHA O ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO E A REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL FOZ DO IGUAÇU/PR 2013 1 MATHEUS GAMBETTA NORONHA O ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO E A REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito das Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ. Orientadora Profa. Ms. Thatiana de Arêa Leão Candil. FOZ DO IGUAÇU/PR 2013 2 MATHEUS GAMBETTA NORONHA O ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO E A REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL Monografia aprovada, apresentada a Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ, Curso de Direito, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, com nota final igual a _____, conferida pela Banca Examinadora formada pelos professores: ______________________________________ Profa. Ms. Thatiana de Arêa Leão Candil Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ ______________________________________ Prof. Membro da banca, titulação (Doutor) Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ Foz do Iguaçu/PR, ____ de __________de 2013. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente ao meu grandioso Deus que me guia diariamente no caminho que estou a seguir, trazendo-me a felicidade. Obrigado, Senhor. Aos meus pais Waldir Noronha e Janete Gambetta, razões do meu viver, do meu objetivo, que a todo o momento me estimulam a acreditar na minha capacidade, os quais incondicionalmente me dedicaram todo afeto necessário e que, com certeza, não são responsáveis pelos meus defeitos. Vencemos mais uma vez. À minha namorada Cinthia Caroline de Freitas que me acompanha há seis anos e seis meses e tem sido mais uma das razões de minha alegria, pela demonstração de carinho e afeto. Amo-te. À minha orientadora, Professora Mestre Thatiana de Arêa Leão Candil, profissional exemplar, dedicada e que acreditou no meu potencial acadêmico, incentivando-me a concluir o presente estudo. Muito Obrigado. Ao meu Ministério Público do Estado do Paraná que disponibilizou as obras necessárias para conclusão do presente estudo. Enfim, a todos que de alguma forma fizeram parte da minha vida positivamente. Obrigado. 4 NORONHA, Matheus Gambetta. O Abandono Afetivo na Filiação e a Reparação Civil do Dano Moral. 83f. Monografia para conclusão de Graduação em Direito – Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ, Foz do Iguaçu, 2013. RESUMO O presente estudo demonstrará aos leitores o que se entende por abandono afetivo, além da possibilidade de responsabilização civil por danos morais aos genitores que não cumprem com os deveres jurídicos decorrentes do poder familiar. Conclui-se que a omissão na relação paterno-filial é prejudicial ao desenvolvimento do menor, gerando danos passíveis de reparação, consoante a Constituição da República Federativa do Brasil, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente vigentes prevêem, sempre em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Ressalta-se, todavia, que deverão ser verificadas as circunstâncias fáticas e os elementos específicos para o pleito de indenização por abandono afetivo na relação entre pais e filhos. PALAVRAS-CHAVE: Afeto. Abandono Afetivo. Direitos da Criança e do Adolescente. Relação paterno-filial. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Reparação Civil. 5 NORONHA, Matheus Gambetta. O Abandono Afetivo na Filiação e a Reparação Civil do Dano Moral. 83f. Monografia para conclusão de Graduação em Direito – Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ, Foz do Iguaçu, 2013. ABSTRACT Este estudio será mostrar a los lectores lo que se entiende por la distancia emocional, más allá de la posibilidad de la responsabilidad civil por daños y perjuicios a los padres que no cumplan con las obligaciones legales derivadas del poder de la familia. Llegamos a la conclusión de que la omisión de la relación paterno-filial es perjudicial para el niño, causando daños que puedan reparar, de acuerdo con la Constitución de la República Federativa del Brasil, el Código Civil y el Estatuto del Niño y proporcionan adolescente actual, siempre prestar atención a la principio de la dignidad humana y el afecto. Es de destacar, sin embargo, que se debe comprobar que los supuestos de hecho y las indicaciones para la reclamación de daños y perjuicios por la distancia emocional en la relación entre padres e hijos. KEY WORDS: Afecto. Abandono afectivo. Derechos de los Niños, Niñas y Adolescentes. Relación paterno-filial. Responsabilidad. Daño moral. Reparación civil. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08 1 DA FAMÍLIA........................................................................................................... 10 1.1 NOÇÕES HISTÓRICAS ...................................................................................... 10 1.2 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......................................................................................................................... 14 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA FAMÍLIA ................................................... 16 2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................................ 16 2.2 DA AFETIVIDADE ............................................................................................... 18 2.3 DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE .................................................................................................................................. 21 3 DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE .......................................... 24 3.1 A FAMÍLIA E A JURISDIÇÃO DO AFETO: TRANSFORMAÇÃO EM VALOR JURÍDICO ................................................................................................................. 24 3.2 DO PODER FAMILIAR: A PATERNIDADE RESPONSÁVEL ............................. 26 3.3 DO ABANDONO AFETIVO ................................................................................. 30 4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................................................... 35 4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............ 35 4.2 ELEMENTOS CLÁSSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................ 37 4.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA ADERÊNCIA AOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO ............................................................................................. 40 5 DA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO ................................................................................................................... 45 5.1 NOÇÕES PRELIMINARES ................................................................................. 45 5.2 CONCEITO DE DANO MORAL .......................................................................... 48 5.3 O DANO EXTRAPATRIMONIAL E SUA RELAÇÃO COM A REPARAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO ..................................................................................... 52 5.4 DA REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO ................................................................................................................... 54 5.4.1 Da Função Civil da Sanção Indenizatória......................................................... 59 5.5 DA COMPROVAÇÃO DO DANO ........................................................................ 61 5.6 DECISÕES JUDICIAIS ACERCA DA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO DOS PAIS PARA COM SEUS FILHOS ... 64 6 PROPOSTAS LEGISLATIVAS NO CONGRESSO NACIONAL QUE VISAM COIBIR A PRÁTICA DO ABANDONO AFETIVO .................................................... 71 7 6.1 INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO NO ARTIGO 1.632 DA LEI N. 10.406/2002 – PROJETO DE LEI N. 4.294 DE 2008 ................................................ 71 6.2 PROJETO DE LEI N. 700 DE 2007, QUE ALTERA A LEI N. 8.069/1990, VISANDO CARACTERIZAR O ABANDONO MORAL COMO ILÍCITO CIVIL ........... 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 79 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo realizar um estudo quanto ao cabimento da indenização por dano moral por abandono afetivo nas relações paterno-filiais, dando-se enfoque à discussão acerca da aplicabilidade da responsabilidade civil nas relações familiares e sua caracterização para configuração do dano reparável. Inicialmente será realizada uma análise do histórico e desenvolvimento das famílias, até o denominado pluralismo familiar, estudando-se a sua origem, a forma que a as famílias constituíam-se e como era a relação entre pais e filhos no contexto do Pater familias. Ainda, discorrer-se-á com relação à mudança advinda com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que deu nova face às relações familiares. Na sequência, serão ilustrados alguns princípios constitucionais existentes no Direito das Famílias, os quais compõem o ordenamento jurídico e são fontes do direito, em geral. Da mesma forma, objetiva-se demonstrar as normas de proteção à criança e ao adolescente, todas insertas no ordenamento jurídico pátrio positivado, sendo na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais são uníssonas em dar especial importância à dignidade das crianças e adolescentes, bem como discorrer acerca do abandono afetivo. Explanar o conteúdo normativo que dispõe os deveres e obrigações dos genitores em relação aos seus filhos, em que o seu não cumprimento ensejará na prática de ato ilícito por inobservância do dever legal. A partir daí, será realizado o estudo da responsabilidade civil em seu contexto geral, demonstrando-se os elementos clássicos de composição do instituto: ação ou omissão, dano/prejuízo e o nexo causal entre ambos. Também é de se destacar no estudo a indicação dos elementos da responsabilidade civil em aderência aos casos específicos de abandono afetivo nas relações paterno-filiais, de forma a demonstrar, abstratamente, conforme ensinamento da doutrina, os casos passíveis de reparação pelo dano moral pelo 9 preenchimento dos requisitos entendidos como necessários para o êxito de uma demanda. Na parte final do trabalho, será estudado o instituto do dano moral, atualmente previsto na Carta Magna e no Código Civil vigente, de forma geral e, especificamente, quanto à sua aplicabilidade pelo descumprimento do dever parental de dispensar afeto à prole. Buscar-se-á tecer considerações acerca do dano extrapatrimonial e sua relação com a reparação civil, além de capítulo próprio dedicado a demonstrar os fundamentos que levam ao reconhecimento do dano moral ao filho que foi abandonado em sua infância e/ou adolescência. Posteriormente, passar-se-á a fazer uma análise da função civil da sanção indenizatória nestas demandas, elucidando-se a posição da doutrina e da jurisprudência sobre a reparação civil do dano moral por abandono afetivo. O trabalho colocará as posições divergentes da doutrina e da jurisprudência, em se tratando de tema complexo e não uníssono, explicando o que a corrente favorável à condenação dos genitores negligentes defende como fundamentos jurídicos, ainda mais com a nova tendência de pensamento advinda do Superior Tribunal de Justiça, a partir do ano de 2012. E esse estudo deságua na análise dos Anteprojetos de inclusão de artigos no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil, em trâmite no Congresso Nacional, que buscam acrescer à normatização artigos específicos para que se condenem os pais irresponsáveis, os quais não exercem a paternidade que deveriam de acordo com a lei, ao pagamento de reparação civil por dano moral. 10 1 DA FAMÍLIA 1.1 NOÇÕES HISTÓRICAS A existência de um núcleo familiar de perfil hierarquizado e patriarcal já foi realidade no contexto familiar, numa sociedade extremamente conservadora que se dava maior importância ao grande formalismo e tradição familiar, restando os vínculos afetivos longe de ter valor. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação, sendo entidade patrimonializada, pois sua composição era força de trabalho.1 Destarte, naquele contexto as ligações entre os entes estavam distantes do afeto natural. No Direito Romano, por exemplo, a palavra ‘’família’’ possuía significados diversos, já que era utilizada em relação às coisas, para determinar o conjunto do patrimônio, bem como a totalidade dos escravos pertencentes a determinado sujeito. Destaca-se que na família romana o filho era estranho à família de origem de sua mãe, inclusive da mãe somente era parente porque ela se achava sob o poder do pai. O pátrio poder determinava uma relação de hierarquia, sendo o pai o “chefe” da família em relação aos filhos.2 Observou-se que o afeto não era base da família romana, pois as relações consubstanciavam-se no poder paterno ou do homem, o qual utilizava-se da força sobre a mulher e filhos. A questão do afeto, portanto, não tinha relevância quando comparado a religião do lar e dos antepassados, considerados fatores mais importantes naquele tempo. Destaca-se a lição de Venceslau Tavares Costa Filho que explica quanto à inexistência da afetividade na relação jurídica paterno-filial e suas consequências: 1 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 28. COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Função Social da Autoridade Parental: algumas considerações. Revista Síntese Direito de Família. v. 1, n. 1, jul. 1999; vol. 13, n. 67, ago./set. 2011. p. 10-11. 11 Ocorre que – aparentemente – tal submissão da criança a um poder jurídico paternal em moldes absolutos pode gerar uma situação de simbiose e de indiferenciação, na qual o infante não é reconhecido enquanto indivíduo diferenciado, mas sim como um “prolongamento narcísico de um dos pais”. Tal simbiose termina por ameaçar a integridade psíquica dos filhos, manifestação que é de uma paixão que se manifesta normalmente em uma busca de autoafirmação e de satisfação estritamente individuais dos pais em detrimento das necessidades dos filhos.3 Outro fator destacável naquela época era a necessidade do matrimônio, mais especificamente o casamento, contrato instituído como regra de conduta para organizar os vínculos interpessoais, bem como para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico. Com o fim da família patriarcal e do matrimonialismo, houve uma reconsideração dos valores da entidade familiar, em destaque a despatrimonialização da família para focar nos indivíduos que a compunham e dar menor importância na produção e acumulação de riqueza. Maria Berenice Dias ilustra os motivos que ensejaram o início do vínculo afetivo como fator integrante nas relações familiares: Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Existe uma nova concepção da família, formada por laços afetivos de carinho, de amor.4 Diante deste novo contexto intrafamiliar, a família ganhou novas adjacências, vez que o formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização e as relações são muito mais de igualdade e respeito mútuo. Com a nova perspectiva do formato familiar, onde se incluiu a afetividade, matéria de direito das famílias, afastou-se o modelo patriarcal e ampliou-se o conceito de família, sem restrição de ser necessariamente o homem, a mulher e a 3 4 COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Função Social da Autoridade Parental: algumas considerações. Revista Síntese Direito de Família. v. 1, n. 1, jul. 1999; vol. 13, n. 67, ago./set. 2011. p. 10-11. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 28. 12 prole, ante a grande diversidade familiar atualmente existente, seja pelo casamento, pela união estável ou pela relação monoparental, muito comum atualmente. Ressalta-se as observações de Sérgio Resende de Barros, citadas por Rolf Madaleno, de o patriarcalismo haver principiado a asfixia do afeto, primeiro com a prática de casamento de conveniência, que se somaram aos motivos patrimoniais e políticos.5 Em suma, anteriormente a promulgada Constituição Federal de 19886 a família tradicional era composta pelo homem/pai, pela mulher/mãe e pelos filhos decorrentes desta união matrimonializada pelo casamento. Após, alterou-se o conjuntura da Carta Magna7 privilegiando o afeto, na medida em que se legitimaram os filhos havidos fora do casamento, instituindo a igualdade dentre todos os filhos, independentemente de sua origem, seja biológica, adotiva ou socioafetiva. Elevou-se a união estável ao status de família, a qual se caracteriza pela união de duas pessoas (a princípio entre homem e mulher) com ânimo de convivência duradoura, de forma pública e apta a caracterizar a estabilidade e finalidade de manter compromisso de vida em comum, substituindo-se a estrutura hierárquica pela coordenação e comunhão de interesses e de vida. A família monoparental, caracterizada pela presença de apenas um genitor e a prole, pode surgir tanto da dissolução de uma entidade familiar biparental com filhos, como de uma pessoa que passa a ter filhos e viver com eles sem a presença de outro genitor. No primeiro caso, a família monoparental surgirá pela falta ou saída de um dos genitores da relação do convívio familiar, como, por exemplo, pela morte, separação, divórcio ou dissolução da união estável, ocasiões que atualmente são mais corriqueiras. Ainda, poderá ser formada pela agregação de um filho natural ou civil a pessoa solteira, viúva, separada, divorciada ou saída de união estável, que poderá passar a existir com o reconhecimento unilateral de filiação, pelo nascimento programado ou não programado oriundo de relação sexual, inseminação artificial 5 BARROS apud MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 09. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 7 Ibid. 6 13 homóloga (com sêmen do ex-marido ou ex-companheiro falecido) ou heteróloga (com sêmen de um terceiro, mas com expressa autorização do ex-marido ou excompanheiro antes de seu óbito), ou pela adoção. Neste sentido, Rolf Madaleno explica: Famílias monoparentais são usualmente aquelas em que um progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivos. Tecnicamente são mencionados os núcleos monoparentais formados pelo pai ou pela mãe e seus filhos, mesmo que o outro genitor esteja vivo, ou tenha falecido, ou que seja desconhecido porque a prole provenha de uma mãe solteira, sendo bastante freqüente que os filhos mantenham relação com o progenitor com o qual não vivam cotidianamente, daí não haver como confundir família monoparental com lugar monoparental.8 Como se nota, a evolução do conceito de família deu-se, principalmente, pela dinâmica dos relacionamentos sociais, flexibilizando os esquemas típicos de família, aquela centrada no casamento entre homem e mulher mais a prole para novos modelos familiares como as famílias de fato ou do mesmo sexo, paralelas ou mosaico, enfim, não há que se falar num modelo único de família, denominando-se de pluralismo familiar. Por tais razões, independentemente do modelo de família, o fundamento dela rege-se nas relações afetivas dentre os integrantes que a compõe, pois o direito de família é o direito que diz com a vida das pessoas e seus sentimentos, enfim, com a alma do ser humano. Gera-se, portanto, a necessidade de oxigenação das leis, ou seja, a atualização normativa, sem absorver o espírito das silenciosas mudanças alcançadas no seio social que fortalece a conduta de apego ao invés da tradição legalista, moralista e opressora da lei.9 8 9 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 09. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 29. 14 1.2 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 10 1988 , inseriram-se novos princípios e fundamentos do Estado democrático de Direito, elevou-se o homem como centro de estabelecimento de direitos e garantias fundamentais, marco inicial para estruturação básica do Estado. Primeiramente, estabeleceram-se os direitos e garantias fundamentais para então fixarem-se as estruturas básicas do Estado. Vale dizer, emergia uma ordem democrática para tutela da sociedade. Aline Biasuz Suarez Karow cita o conceito de Paulo Bonavides quanto ao novo modelo de sistema de tutela estatal: “A concepção hodierna é jungida ao princípio da constitucionalidade, tendo como sol os direitos fundamentais, por em torno dos quais orbita todo o resto do ordenamento.” 11 Neste sentido é que a Constituição Federal12 comunicou-se com vários ramos do Direito, dentre eles o Direito de Família, objeto do presente estudo. Trata-se do fenômeno da história do direito privado brasileiro: a constitucionalização, responsável pela renovação da estrutura jurídica da doutrina civilista, criando-se uma relação de dependência entre ramos que pareciam inconciliáveis.13 O Estado passou a ter interesse nas relações familiares, tanto que proclama a família como base da sociedade, motivo pelo qual reside aí sua limitação, ou seja, se houver interferência do Estado nas relações familiares atingir-se-ia a base da sociedade que serve ao próprio Estado. O atual plano positivo-constitucional inegavelmente foi o diploma que dignificou a pessoa humana, o que a partir de então fez com que toda atividade legislativa ficasse condicionada a observar os princípios e objetivos fundamentais por ele tratados, pois não mais atua o Estado somente como controlador, mas ao 10 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 11 BONAVIDES, Paulo apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 66. 12 BRASIL. Constituição (1988). Op. cit. 13 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 66. 15 mesmo tempo como Estado-garantidor dos valores inseridos nas normas que remetem às garantias e direitos fundamentais. Em suma, o direito de família sofreu alterações de grande significância, pois a partir do momento em que o Estado passou a tutelar a família através do artigo 226 da Constituição Federal14, a família passa a ser o ambiente de realização de seus membros e não mais instrumento de domínio e controle do Estado, deixando o núcleo afetivo em condições favoráveis.15 Ademais, o Estado passa a se preocupar com os interesses e direitos individuais de cada um de seus componentes como sujeito de direitos, pessoas em desenvolvimento e titulares de direitos indisponíveis. Contudo, a interferência estatal na família é assunto de extrema delicadeza, pois a atuação estatal indistinta para proteção das famílias colidirá com a privacidade, não alcançando o êxito no desenvolvimento familiar. A lei infraconstitucional deverá, portanto, seguir intimamente os parâmetros estipulados pelos princípios e normas existentes na Constituição Federal16, com a finalidade de dar conformidade dentre os textos legais, desde a elevação da dignidade da pessoa como fundamento estatal. Aline Biasuz Suarez Karow ensina que incumbe a Constituição Federal17 estabelecer princípios máximos, enquanto que o direito privado deverá rezar as relações com base em referidos princípios, objetivando o desenvolvimento dos direitos fundamentais pela norma ordinária que possibilitará e disciplinará o exercício destes direitos.18 Com efeito, o direito de família refletirá o constante dos direitos fundamentais previstos na Carta Magna19, pois ela inaugurou um novo momento no ordenamento jurídico, onde toda interpretação do direito civil passará pelo crivo constitucional. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 12 ago. 2013. 15 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 71. 16 BRASIL. Constituição (1988). Op. cit. 17 Ibid. 18 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Op. cit. p. 67. 19 BRASIL. Constituição (1988). Op. cit. 16 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA FAMÍLIA 2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Os princípios gerais do direito são aplicáveis a todos os ramos do direito, seja em qualquer situação que se apresentem, sempre prevalecerão, inclusive no direito de família. Entretanto, existem princípios especiais que são propriamente vinculados as relações familiares, de forma que serão o norte na apreciação de causas que envolvam questões atinentes ao ramo. A Constituição Federal20 traz logo no seu início, mais precisamente no seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como fundamento a ser observado em tudo aquilo que envolver o Estado Democrático Brasileiro, inclusive o direito das famílias. De forma introdutiva, Rodrigo da Cunha Pereira explica que o princípio da dignidade da pessoa humana é elementar na sustentação dos ordenamentos jurídicos existentes contemporaneamente, não sendo mais possível de se observar qualquer direito sem vínculo com a dignidade.21 Na mesma esteira, a lição de Maria Berenice Dias: A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. [...] Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções.22 Depreende-se, portanto, que referido macroprincípio elevou o indivíduo ao centro das atenções, ou seja, incumbirá ao Estado praticar atos aptos a promoverem essa dignidade, bem como deverá abster-se da mesma prática quando na iminência 20 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 12 ago. 2013. 21 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 114. 22 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 62. 17 de atentar contra a dignidade. Destarte, deverá garantir o mínimo existencial, buscando o ideal para garantir a dignidade do ser humano. Na família, ante a multiplicação das diversas formas de entidades familiares, o maior foco a ser alcançado é o desenvolvimento das qualidades mais relevantes existentes no direito de família: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, de forma a garantir o pleno desenvolvimento de cada ente partícipe, focando a sua dignidade.23 Dificílimo é conceituar com palavras o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista a vulgarização dessa expressão. Acerca do tema, Rodrigo da Cunha Pereira dá o conceito de Kant, criador da expressão, o qual simplificadamente explica que o homem nunca poderá ser transformado num instrumento para ação de outrem. Embora a realidade fática leve a isso, tem-se que o homem é dotado de consciência moral, tem um valor que o torna sem preço, que o põe acima de qualquer especulação material, isto é, colocando-o acima da condição de coisa.24 Com isso, resta evidente que é dever do Estado democrático reconhecer o ser humano no seu valor como pessoa, pois, colocar a dignidade da pessoa humana como preceito constitucional é exigir que o Estado viabilize todos os direitos que lhe garantam a dignidade. No direito de família não é diferente, com a consequente indissociabilidade da dignidade da pessoa humana nas constituições democráticas, é de se observar que a exclusão de determinadas relações de família do laço social é um desrespeito direto aos Direitos Humanos. Ainda, o artigo 227 da Constituição Federal25 dispõe expressamente quanto à dignidade da criança, ao estabelecer deveres inerentes à família, isto é, assegurarlhe, principalmente, à dignidade e a convivência familiar nas relações paterno-filiais. Logo, afastar-lhe desta convivência familiar é uma grave violação a um direito indisponível. 23 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 63. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 116 25 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 24 18 Comunga do mesmo pensamento a jurisprudência pátria, haja vista que as decisões judiciais enfocam o macroprincípio da dignidade da pessoa humana nas demandas de direito de família.26 Ademais, está ele ativo na seara do direito privado, mormente na responsabilidade civil e familiar. Rodrigo da Cunha Pereira leciona a respeito: [...] Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana significa para o Direito de Família a consideração e o respeito à autonomia dos sujeitos e à sua liberdade. [...] Neste sentido, podemos dizer que é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família.27 Importante, neste sentido, fazer a análise do princípio em tela com o princípio da afetividade, já que estão entrelaçados no que tange as relações entre pais e filhos, em especial, no desenvolvimento das pessoas que integram a comunidade familiar e que estão na relação de interdependência, como é o caso dos filhos para com os genitores. 2.2 DA AFETIVIDADE Como já abordado, rompeu-se o clássico modelo patriarcal de família existente em meados do século XIX, estruturado com base no patrimônio da família e com a finalidade maiormente econômica, em que a figura do homem era elevada como o grande chefe, onde todos os demais entes lhe deviam obediência. Em suma, a passagem do modelo de entidade familiar tradicional (patriarcal), existente no revogado Código Civil de 191628, para o modelo de entidade familiar contemporânea (família afetiva), alterando-se o foco evidentemente patrimonialista para a importância de laços afetivos.29 26 Vide Capítulo 5, item 5.6. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 115. 28 BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. 29 TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares (p. 357-379). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 368. 27 19 Alterações como a inserção da mulher no mercado de trabalho e a redução de membros no seio familiar foram alguns dos fatores que favoreceram a elevação do afeto como fator primordial no elo familiar, em detrimento das motivações econômicas, que caíram para o segundo plano. Rodrigo da Cunha Pereira explica a ocorrência dessa situação: A mulher deixou de ficar “presa” ao marido por questões econômicas e de sobrevivência, e seu vínculo passou a ser preponderantemente por motivações afetivas, vez que adquiriu possibilidade de se manter por seu próprio trabalho.30 Destarte, retirando a dependência econômica como liame familiar, o que até então sustentava a ideia de família, tem-se que o elo afetivo passou a ser a motivação de união entre pessoas, seja nos relacionamentos conjugais ou parentais, de forma que o afeto deverá ser o familiar. Importante destacar que o princípio jurídico da afetividade na filiação tem fundamento constitucional, haja vista que estabeleceu fatores de suma importância com a desenvoltura da pluralidade familiar. Neste contexto, estabeleceu que todos os filhos são iguais, independemente de sua origem; sendo que a adoção, por opção afetiva, alcançou a totalidade e igualdade de direitos; e que a entidade familiar composta por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os afetivos, são protegidos pelo fato de possuírem a mesma dignidade. Maria Berenice Dias ensina que a posse de estado de filho traduz o reconhecimento jurídico do afeto, tendo como principal objetivo de se alcançar a felicidade.31 Por isso, o sentimento se acentua nas relações entre seus membros, o que definiu um novo parâmetro a ser observado no direito de família, o valor jurídico do afeto. Neste sentido, é importante frisar que a dignidade da pessoa humana pautase na afetividade entre os entes que a compõem. Desta forma, a grande importância e valorização do afeto, a título de exemplo, prelavece até mesmo sobre os laços consanguíneos, o que na família institucionalizada era inimaginável de ocorrer, pois, 30 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 211. 31 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 71. 20 o que prevalecia não eram os interesses individuais de cada pessoa componente da família, mas o composto de pessoas que objetivavam, principalmente, o patrimônio dali oriundo. Inegável a afirmação de que a convivência familiar é fundamental para o amor próprio das crianças, especialmente por se tratar dos anos de formação de seu caráter e personalidade. Destarte, tornou-se indispensável que exista um afeto familiar para que se possa cogitar a existência de uma entidade familiar.32 A família tornou-se instrumento para o desenvolvimento da criança, pois sua permanência no seio familiar e a consequente intensificação dos laços afetivos relevaram o sentimento do afeto como valor jurídico a ser tutelado. Das palavras simplórias de Sávio Bittencourt é que se traduz este elemento fundamental, o afeto: Ser amado é uma das sensações mais prazerosas que o ser humano pode experimentar. Ser especial, causar satisfação e felicidade a alguém, fazer a diferença na vida das pessoas! Esta experiência nos é ensinada na infância, na qual somos conscientemente o centro do mundo. É realmente confortante saber que há apreço e carinho nos corações que nos cercam, que querem nos proteger e acomodar. É a grande semadura de autoestima na alma humana, que irá florescer e se tornar uma densa floresta de amor próprio. É a paz profunda do ser-muito-amado!33 Tem-se, desta forma, que houve o reconhecimento do afeto como valor jurídico a ser considerado em demandas no âmbito do direito de família, pois no presente estudo que enfoca a reparação civil oriunda do abandono afetivo, o afeto e seu valor jurídico são de suma importância, evidenciando a nova tendência jurídica acerca do tema: “O cuidado perpassa o princípio da afetividade à medida que enfatiza a dignidade da pessoa humana, que passa, então, a ser o foco da atual ordem jurídica”.34 32 33 34 TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares (p. 357-379). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 369. BITTENCOURT, Sávio. A Nova Lei de Adoção: do abandono à garantia à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 03. TUPINAMBÁ, Roberta. Op. cit., p. 369. 21 2.3 DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE Os princípios possuem, atualmente, valores normativos pelo fato das regras positivadas não contemplarem todos os casos concretos, em virtude do reiterado desenvolvimento das relações humanas e familiares, motivo pelo qual importante é dar maior atenção ao estudo dos princípios. Eles têm, em termos de concretização, possibilidade suficiente para indicarem consequências jurídicas de um caso concreto, porém, não chegam a alcançar o grau de densidade normativa capaz de delimitar de forma precisa as hipóteses de incidências e consequências jurídicas.35 Não obstante, os princípios exercem variadas funções dentro de um sistema jurídico, ante o desenvolvimento e grau de complexidade das relações familiares. Como exemplo, os princípios poderão assumir a função hermenêutica quando em situações mais complexas, de choque de valores, delineando a pauta de valores que devem sobressair no caso concreto. Já em situações que fogem à normatização positivada, ou seja, na carência de regras de prevejam uma situação específica, os princípios assumem função regulativa, delineando normas de conduta ao caso concreto.36 Em outras palavras, o princípio é uma norma jurídica oriunda do corpo geral de regras que sinalizam o objetivo de um diploma jurídico, além do fato de condicionar a interpretação de regras jurídicas e apontar para a proteção de determinado bem jurídico que busca tutelar. Partindo dessa premissa, o próprio legislador incumbiu-se de dar atenção especial às crianças e adolescentes para salvaguardar seus direitos fundamentais, ficando evidente que o princípio da proteção integral está preceituado no texto constitucional. A Constituição Federal em seu artigo 227 consagrou os direitos fundamentais de crianças e adolescentes: 35 36 TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares (p. 357-379). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 359. Ibid., p. 359. 22 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.37 Nesta esteira, para implementar esses direitos e garantias, que devem ser assegurados com absoluta preferência ante aos demais, pela sociedade e pelo Estado, criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990)38, observando-se as diretrizes constitucionais. Esta lei contempla conteúdos de direito material e processual, de natureza civil e penal, reduzindo em si toda a legislação que reconhece os menores como sujeitos de direito.39 O princípio da proteção integral estabeleceu a primazia em favor das crianças e adolescentes, pois se encontram em posição de fragilidade pelo fato de estarem em processo de amadurecimento e formação de sua personalidade, colocando-lhes em posição privilegiada no Direito de Família. Quer dizer que quando houver um conflito de interesses de crianças ou adolescentes com o de pessoas adultas, prevalecerá o que for favorável aos menores por se tratar de prioridade absoluta, denominada de doutrina da proteção integral. Contudo, definir exatamente o conceito de melhor interesse da criança e do adolescente não é tarefa simples. Trata-se de um conceito aberto e subjetivo, pois nem tudo que é melhor para uma criança será igualmente para outra, daí porque o melhor interesse poderá sofrer variações de diversas naturezas. Portanto, ante a possibilidade de referidas variações e por não existir um entendimento preconcebido do que seja melhor para a criança e para o adolescente, tudo dependerá do caso concreto, onde as peculiaridades de cada caso serão levadas a cabo. 37 38 39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 68. 23 Neste sentido, a lição de Tânia da Silva Pereira citada por Helen Crystine Corrêa Sanches e Josiane Rose Petry Veronese: Isto porque os princípios, diferentemente das regras, não trazem em seu bojo conceitos predeterminados. A aplicação de um princípio não o induz à base do tudo ou nada, como ocorre com as regras; sua aplicação dever prima facie. Os princípios, por serem standards de justiça e moralidade, devem ter seu conteúdo preenchido em cada circunstância da vida, com as concepções próprias dos contornos que envolvem aquele caso determinado. Têm, portanto, conteúdo aberto.40 Por outro lado, inegável que o afeto dos pais dispensado aos filhos traduzirá no melhor interesse do menor. A esse respeito, Rodrigo da Cunha Pereira: O que se garante é a continuidade da convivência familiar, que é um direito fundamental da criança e, por seu turno, um dever fundamental dos pais. [...] Zelar pelo melhor interesse do menor, portanto, é garantir que ele conviva o máximo possível com ambos os genitores – desde que a convivência entre eles seja saudável, isto é, que não exista nada que os desabone.41 Destarte, o zelo pelo interesse da criança e adolescente traduz-se em cuidar da sua boa formação moral, social e psicológica. Essa concepção (da doutrina da proteção integral) passa a revelar os cuidados, as atenções especiais que se fazem indispensáveis, sempre sob o fundamento do melhor interesse, lembrando que caberá ao intérprete averiguar, no caso concreto, a forma de se garantir o exercício dos direitos e garantias fundamentais encartadas no texto normativo ao menor. 40 PEREIRA apud SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos Filhos de Criação à filiação Socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 99. 41 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 157. 24 3 DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE 3.1 A FAMÍLIA E A JURISDIÇÃO DO AFETO: TRANSFORMAÇÃO EM VALOR JURÍDICO Anteriormente a Constituição Federal42 vigente, o direito privado regulava do ponto de vista formal e de forma rígida a atuação dos sujeitos de direito. Pois, como já exposto, o principal objetivo da família era patrimonial: “Ao realizar essa tarefa, o Direito Civil descuidou da própria pessoa humana, lançando-se por caminhos de uma abstração excessiva, resultando na patrimonialização do Direito e desumanização da pessoa”.43 Por consequência, não se vislumbrava os membros da família de forma individual, já que predominava o modelo patriarcal e da proteção das relações patrimonializadas advindas da ideologia cristã, inexistindo qualquer tutela jurídica para outros arranjos familiares que não o homem casado com uma mulher, sendo somente os filhos oriundos daquela relação com direito ao reconhecimento da paternidade, evidenciando a prevalência do formalismo perante a dignidade humana. Por óbvio, o afeto situava-se à míngua nas relações da instituição familiar, já que cada membro possuía um “papel” a cumprir naquele contexto, como, por exemplo, de que ao pai incumbia a função de provedor do sustento e à mãe as funções de cuidados às crianças, sendo inimaginável e inaceitável a inversão dos papéis. A reviravolta do Direito de Família ocorreu a partir da promulgação da Carta Política Cidadã44, que traçou o novo paradigma de tutela: a centralização do indivíduo, colocando-o acima de qualquer formalismo que possa existir. Buscou-se a partir daí dar maior importância à pessoa humana e à dignidade que lhe é inerente. 42 43 44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 ago. 2013. HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha; MATOS, Ana Carla H.; RUZIK, Carlos Eduardo Pianowski; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Marcos Alves da; CARBONERA, Silvana Maria. O Princípio da Prevalência da Família: a Permanência do Cuidar (p. 123/140). Cuidado e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 125. BRASIL. Constituição (1988). Op.cit. 25 A nova perspectiva do direito de família debruçou-se para a funcionalização da família para desenvolver a personalidade e potencialidades daqueles que a integram. Como base da sociedade, instituiu-se a especial tutela jurisdicional pelo fato de no seio familiar existir o cuidado e a solidariedade entre os que a integram, surgindo o dever de cuidado dos pais àqueles de quem se deve cuidar, a prole.45 Aline Biasuz Suarez Karow destaca o fato do afeto e a família andarem de mãos dadas, pois são os novos personagens do cenário contemporâneo: Assim o afeto e família passa a ser uma dupla salutar e estreita, desejada por todos aqueles que buscam como projeto de vida a construção de uma família. [...] Onde há o afeto inevitavelmente há autenticidade das relações de família [...]” 46 Contudo, o reconhecimento do afeto como valor jurídico encontra barreiras, afinal, não são os fatos que se adéquam às leis, mas as leis são criadas para regular as consequências advindas dos fatos. Ademais, ainda falta uma conduta mais ativa dos legisladores para que regulamentem matérias polêmicas, sendo que até lá incumbe ao Poder Judiciário assegurar os direitos através de interpretação dos princípios da lei para o fim de concretizar o ideal da justiça, mesmo diante da omissão legislativa. Interessante a lição de José Sebastião de Oliveira: É dentro da família que os laços de afetividade tornam-se mais vigorosos e aptos a sustentar as vigas do relacionamento familiar contra males externo; é nela que seus membros recebem estímulo para pôr em prática suas aptidões pessoais. Daí então ser a característica da afetividade, aliada, por óbvio, à nuclearidade, a responsável pela plena realização pessoal de cada membro familiar. A afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto só será possível caso seus integrantes vivam apenas para si mesmo: cada um é ‘contribuinte’ da felicidade de todos.47 45 46 47 HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha; MATOS, Ana Carla H.; RUZIK, Carlos Eduardo Pianowski; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Marcos Alves da; CARBONERA, Silvana Maria. O Princípio da Prevalência da Família: a Permanência do Cuidar (p. 123-140). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 128. KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 126. OLIVEIRA, José Sebastião apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 126. 26 Portanto, com a dignificação da pessoa humana, o Poder Judiciário percebeu que o afeto é elemento indispensável e determinante para a solução das lides de direito de família, elevando-lhe a esta condição de elemento jurídico de suma importância e capaz de motivar uma sentença. Deve-se isso à evolução do direito de família, atual modelo democrático que visa o livre desenvolvimento da personalidade de cada membro e, ao mesmo tempo, harmoniza-se com o conjunto familiar. Verificou-se a alteração do familismo para o personalismo, em que o membro não serve apenas à família senão que possui seu próprio espaço e interesses preservados, não havendo aquela antiga ponderação sobre o afeto, mas, pelo contrário, a família passa a caminhar para legitimação dos sentimentos vivenciados pelos seus membros.48 A afetividade adentrou na seara jurídica por meio da doutrina, sendo posteriormente integrada aos julgamentos emanados pelo Estado, transcendendo aos aspectos especificamente psicológicos e sociológicos. Destarte, demonstrada sua importância para a entidade familiar e principalmente para os filhos menores, em constante desenvolvimento, a sua ausência pode causar dano aos seus membros. Por tais razões, o valor jurídico do afeto inegavelmente integra o ordenamento jurídico contemporâneo, pois obteve o reconhecimento dos operadores do Direito e tornou-se um grande referencial axiológico, sobrepondo-se a lei, reconfigurando a estrutura da família moderna, de forma a assegurar direitos por meio de princípios da lei, sendo, por vezes, o único fator capaz de apontar solução ao caso concreto. 3.2 DO PODER FAMILIAR: A PATERNIDADE RESPONSÁVEL Historicamente, o então denominado pátrio poder consistia no direito do chefe da organização familiar deliberar em ordem absoluta e ilimitada sobre sua prole. Naquele contexto patriarcal do Código Civil de 191649, pai era o chefe da entidade familiar e lhe era outorgado integralmente o pátrio poder, restando à figura materna 48 49 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 133-134. BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. 27 no segundo plano, pois somente lhe era conferido o pátrio poder na falta ou impedimento do pai. Adveio a Constituição Federal de 198850 e houve a necessidade de atender à nova estrutura da família, reconhecendo-se a isonomia entre os cônjuges perante os filhos. A partir daí, conferiu-se ao pai e à mãe direitos iguais tangente à sociedade conjugal de forma expressa (artigo 226, §5º). O Código Civil de 200251 alterou o vocábulo de pátrio poder para poder familiar. Todavia, não houve grande alteração no conteúdo legal, pois repetiu normas sem aplicabilidade contemporânea ante a nova ordem constitucional e, outrossim, ainda trata o poder familiar como obrigação da família ao invés de tratar como um dever dos pais.52 O poder familiar ganhou propriedade para além de ser uma prerrogativa dos pais, tornar-se fixação jurídica de interesses dos filhos, tanto é, que a autonomia da família não é absoluta, sendo passível a intervenção estatal em situações que se fizerem necessárias. Ademais, o poder familiar não se satisfaz apenas com o campo material, mas, e principalmente, no campo existencial, sendo dever dos pais satisfazer outras necessidades no campo da afetividade.53 Maria Berenice Dias estabelece as características inerentes ao poder familiar: O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável, imprescindível e decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados. Nula é a renúncia ao poder familiar, sendo possível somente delegar a terceiros o ser exercício, preferencialmente a um membro da família.54 50 51 52 53 54 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 424. Ibid., p. 425. Ibid., p. 425. 28 O poder familiar está positivado no Código Civil 55 em seus artigos 1.630 a 1.638, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente56 em seus artigos 21 a 24, sendo que sua essência está pautada na afetividade responsável, elo entre pais e filhos, traduzida pelo desvelo, convivência familiar, afeto e carinho, em que pese estes dois últimos não constarem no rol da lei. São encargos conferidos aos genitores, em conjunto, indiferentemente da existência de separação conjugal, os encargos patrimoniais tais como: alimentação, educação, saúde, bem como aos encargos extrapatrimoniais como: dar afeto, apoio moral e atenção, não se tratando de faculdade dos genitores. Nesta esteira, se sobressai o princípio da paternidade responsável, desdobramento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da responsabilidade e da afetividade, com previsão nos artigos 226, §7º, e 229 da Constituição Federal57: Art. 226, §7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Art. 229 – Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. A paternidade/maternidade é indiscutivelmente o que norteia os filhos. É ela que estabelece a estruturação psíquica e o desenvolvimento social dos sujeitos. Afinal, independentemente da vontade dos genitores, trata-se de dever inerente à condição o exercício da autoridade parental responsável, em observância ao disposto na Carta Magna58, no Código Civil59 e no Estatuto da Criança e do 55 56 57 58 59 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013. Ibid. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit. 29 Adolescente60, para se atender ao melhor interesse do filho, na sua desenvoltura e prezando pela convivência familiar. A esse respeito, Rodrigo da Cunha Pereira explica: O princípio jurídico da paternidade responsável não se resume à assistência material. O amor – não apenas um sentimento, mas sim uma conduta, cuidado – é alimento imprescindível para o corpo e alma. Embora o Direito não trate dos sentimentos, trata dos efeitos decorrentes destes sentimentos. Afeiçoar, segundo o Dicionário Aurélio, significa também instruir, educar, formar, dar feição, forma ou figura.61 Com efeito, observa-se que o afeto não se limita ao campo subjetivo, mas abrange também o objetivo, traduzido em atos dos pais no sentido de cuidado, ação que não pode faltar para o desenvolvimento de um menor. A existência do sentimento do afeto (subjetivo) poderá estar presente, todavia, mesmo que esteja ausente isso não exime os pais da obrigação de condutas inerentes à autoridade parental, pois a conduta afetiva é dever e neste campo palpável (objetivo) poderá ser determinada pelo Poder Judiciário. O cuidado tem o significado de garantir às crianças e aos adolescentes plenas condições de desenvolvimento físico e emocional necessários, inclusive, o sentimento de fazer parte de uma família, local em que vivenciarão o afeto, a confiança, a cumplicidade, a solidariedade que lhes proporcionará a estabilidade emocional em seu crescimento à fase adulta.62 Logo, a falta do afeto causará inestimável dano psíquico e, por vezes, material (gastos com tratamentos psicológicos/psiquiátricos) ao menor, configurando ato ilícito, pois a assistência moral e afetiva é dever jurídico e sua falta poderá ensejar reparação civil. Em suma, superada a desigualdade dentre os filhos biológicos, adotivos, havidos fora do casamento e socioafetivos, o exercício do poder familiar responsável 60 61 62 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 246. HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha et al. O Princípio da Prevalência da Família: a Permanência do Cuidar (p. 123-140). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 138. 30 é função mais que fundamental no desenvolvimento de crianças e adolescentes. O cuidado é princípio jurídico que deve ser observado e respeitado nas relações paterno-filiais, cujo seu não cumprimento ensejará a prática de ato ilícito e passível de ser indenizado. Não se trata de livre arbítrio dos pais o dever de criar e colocar limites, ou seja, dar afeto, não apenas no campo subjetivo, do sentimento, mas no campo da objetividade pautado em atos e condutas de cuidado, proteção e educação.63 3.3 DO ABANDONO AFETIVO Conforme já exposto no presente estudo, a partir do advento da Constituição Federal de 198864 a família deixou de ser um fim em si mesmo para tornar-se local de realização pessoal de seus componentes, ante a valoração jurídica do afeto nas relações familiares. O princípio do afeto especializa no direito de família o macroprincípio da dignidade da pessoa humana, atual responsável por presidir todas as relações jurídicas, além de dominar o ordenamento jurídico brasileiro. Logo, é essencial e comum a todos os indivíduos componentes da sociedade, impondo, inclusive ao Poder Público, o dever de respeito e intocabilidade.65 É pacífico que a entidade familiar tem como ingrediente principal os laços de afetividade, não sendo diferente na relação paterno-filial, em que figuram os pais, adultos capazes, convictos de seus direitos e deveres na sociedade e do outro lado o filho, incapaz, alheio aos direitos e deveres, totalmente dependente de amparo e proteção.66 63 64 65 66 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 253. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio Jurídico da Afetividade na Filiação. Revista de Direito Privado. vol. 3. p. 35. jul/2000. DTR/2000/360. Revista dos Tribunais Online. Disponível em: http://rtonline.mppr/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a00000140a0dcc33270a29349&docguid =I85060ad0f25211dfab6f010000000000&hitguid=I85060ad0f25211dfab6f010000000000&spos=1&epos=1& td=419&context=3&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 21 ago. 2013. KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 164. 31 Destarte, inegável é a importância do afeto na relação entre pais e filhos e, consequentemente, graves são as implicações advindas de um abandono injustificado de um pai para com seu filho, o que pode acarretar-lhe sérios danos em seu desenvolvimento como pessoa. Rodrigo da Cunha Pereira ilustra essa importância da família no desenvolvimento pessoal do menor: [...] Sem dúvida, a família é o lugar privilegiado de realização da pessoa, pois é o locus onde ela inicia seu desenvolvimento pessoal, seu processo de socialização, onde vive as primeiras lições de cidadania e uma experiência pioneira de inclusão no laço familiar, a qual se reportará, mais tarde, para os laços sociais.67 Inclusive a esse respeito, Rolf Madaleno anota as consequências do abandono afetivo: [...] ao filho choca ter transitado pela vida, em tempo mais curto ou mais longo, sem a devida e necessária participação do pai em sua história pessoal e na sua formação moral e psíquica, desconsiderando o descendente no âmbito de suas relações, causando-lhe irrecuperáveis prejuízos, que ficarão indelevemente marcados por toda a existência do descendente socialmente exacrado pelo genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um profundo sentimento de insuperável rejeição [...]68 O pai e a mãe são incumbidos a responderem pela função de educação, criação e cuidados dos filhos. Neste contexto, incluem-se os pais biológicos, os que optam pela adoção e o pai registral, pois, independentemente da natureza do vínculo civil ou biológico, prevalece o maior interesse do menor pautado na afetividade. Patrícia Oliveira descreve que o laço afetivo que se estabelece entre pais e filhos é resultado de um processo ativo, porque a filiação é, na verdade, uma 67 68 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 213. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 377. 32 experiência relacional e afetiva, mas em nenhuma hipótese exclusivamente biológica.69 Ainda, assevera que o vínculo afetivo próprio da filiação caracteriza-se pelo laço afetivo nascido entre um adulto e uma criança, de tal forma forte, que permita que terceiros verifiquem e constatem que aquela criança sente aquele adulto como a pessoa a quem pertence, que dela cuida diariamente, a educa, a protege, lhe dá regras, orientações, lhe proporciona estabilidade emocional capaz de lhe permitir o balanço exato entre dependência e autonomia.70 Este fenômeno denomina-se posse de estado de filho. Trata-se da demonstração diária e contínua de afeto dos pais em relação aos filhos e vice-versa, pelos poderes inerentes ao poder familiar, objetivando o resguardo, sustento, educação e assistência material e imaterial da prole. Com efeito, o mau exercício do poder familiar causará dano ao direito da personalidade do filho. Abandonar e rejeitar um filho significa violar direitos à personalidade e do melhor interesse da criança e do adolescente. Ressalta-se que o abandono afetivo ocorre quando o genitor não dispensa o cuidado e atenção necessária para que o filho sinta-se fortalecido com o carinho que percebe existir, de modo que sua falta causará dor, abalos psicológicos e sentimentos de desprezo, onde certamente prejudicarão o crescimento saudável do menor. Importante ressaltar que a figura paterna/materna é referência que traz um diferencial no desenvolvimento de qualquer filho, pois, a imagem dos pais é a primeira que busca-se seguir. Trata-se de um paradigma que a prole almeja na sua fase adulta. Com efeito, a ausência do pai ou mãe afetará o projeto de vida da criança ou adolescente, interferindo no seu desenvolvimento de forma negativa e causando-lhe transtornos psíquicos que afetarão sua vida e seu estado psíquico, já que lembrará que seu genitor o tratou com descaso, indiferença, como um objeto qualquer. 69 OLIVEIRA, Patrícia. A responsabilidade da Família Afectiva na Construção da Identidade e da Historicidade Pessoal da Criança (p. 266-282). In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 274. 70 Ibid., p. 274. 33 O abandono afetivo traduz-se, portanto, em situações de evidente abandono emocional, atos de desamparo, rejeição, desprezo, humilhação, desídia e indiferença reiterada e constante por parte de um dos genitores da criança. A vítima de abandono afetivo sente-se sem valor, desamada, com baixa autoestima, frustrada, gerando dano à sua integridade psíquica, mas inclusive na saúde física, como, por exemplo, em situações que se faz necessário tratamento psicológico ou o uso de medicamentos para controle de patologia emocional desenvolvida pelo menor. Ademais, se os pais não abandonassem seus filhos, ou, exercessem uma paternidade de forma responsável, seguramente o número de criminalidade seria reduzido, não haveria tanta gravidez na adolescência etc. Paulo Lôbo conceitua o abandono afetivo como: Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe conseqüências jurídicas que não podem ser desconsideradas.71 Sem dúvidas, a carência de assistência moral e afetiva macula aquela que deveria ser uma infância e adolescência em que o genitor dispensasse o devido carinho, atenção, zelo, enfim, todos os atos que traduzam no verdadeiro cuidado com o menor ao invés de atos de desinteresse e indiferença com ele. Assim sendo, o abandono afetivo manifesta-se na omissão do pai no exercício e cumprimento dos deveres de ordem moral, inerentes à figura paterna e do poder familiar, não bastando apenas o pagamento de pensão alimentícia, pois, muito além de alimentos que o filho tem direito, o afeto é o que alimenta sua alma. Em outras palavras, o exercício da parentalidade, no contexto cotidiano, modificou àquela antiga faceta que se resumia ao pagamento de prestações de pensão alimentícia, considerada suficiente para satisfação dos rebentos. Hoje, o afeto se sobressai, pois a formação da prole necessita a efetiva presença e 71 LÔBO, Paulo. Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 312. 34 educação por parte de ambos os genitores, cada qual cumprindo sua função, com a devida responsabilidade e necessária participação no crescimento do menor.72 Ademais, afeto e amor são coisas distintas, sendo que o afeto não é somente um sentimento, mas uma ação que não poderá faltar para o desenvolvimento de um filho e, sendo assim, é um dever que pode ser imposto pelo Estado, independentemente da existência de sentimento. Ora, é preciso que os pais atuem com responsabilidade na estruturação biopsíquica da criança, razão pela qual o amor não é imposto, mas a responsabilidade, o cuidado, a educação, a companhia, ou seja, o afeto em sua condição objetiva. Pois, a intensidade do afeto para uma criança ou adolescente por parte de seus genitores resultará na compreensão de sua condição humana, alimentando sua personalidade que durante esta fase exige a compreensão do seu “eu”, já que a partir daí se desenvolverá um indivíduo alimentado moralmente, que saberá da importância do afeto na condição digna de pessoa humana. Depreende-se, desta forma, que as responsabilidades parentais devem ser reguladas por ações (deveres) que contribuam ao desenvolvimento da personalidade do filho, pelo fato de o afeto desempenhar um papel preponderante no crescimento harmonioso da criança, sendo que sua ausência descumpre os deveres de criação, educação e companhia, previstos no artigo 1.634 do Código Civil73, ofendendo-lhe a dignidade que lhe é atribuída pela Carta Magna74. 72 73 74 ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 123. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013. 35 4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL 4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA RESPONSABILIDADE CIVIL Para uma convivência pacífica numa sociedade formada por várias pessoas a existência de uma regra de responsabilização a quem cometesse danos a terceiros era necessária. Caso contrário, a convivência comunitária não seria possível, pois não existiria harmonia se um indivíduo causasse dano a outrem e não lhe incumbisse arcar com o prejuízo. Nos primórdios o dano provocava reação imediata, espontânea e violenta do ofendido, haja vista que a vingança privada imperava naquele contexto, sem qualquer intervenção estatal nos litígios. Não se falava em culpa, tampouco existiam regras ou limitações em referida prática.75 Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho explicam: De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido.76 Surgiu a figura de uma soberana autoridade que vedou à vítima fazer justiça por conta própria e surge o período compositivo, em que não se fala mais em vingança. Não era mais admitida a defesa de qualquer direito pelo exercício das próprias razões, mas que o ofensor devesse indenizar possíveis danos que causasse ao ofendido.77 Surge, mais tarde, a interferência estatal como forma de tutela de direitos violados, o qual passou a determinar a maneira que a indenização deveria ser realizada, excluindo qualquer possibilidade de tutela de direitos por razões próprias. A partir de então, iniciou-se a diferenciação entre atos ilícitos públicos 75 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 52. 76 Ibid., p. 52. 77 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25. 36 (contaminadores da coletividade) e privados (restritos à esfera de interesse do ofendido), surgindo-se assim a responsabilidade civil e penal, que passaram a ser diferidas. É a lição de Carlos Roberto Gonçalves: A diferenciação entre a “pena” e a “reparação”, entretanto, somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima.78 Num contexto em que indivíduos de uma sociedade praticam atividades passíveis de causar prejuízos a outrem, surge como fato social o problema da responsabilidade. Destarte, o Estado toma para si, de forma única, a função punitiva, surgindo à figura da indenização. A partir de então o indivíduo que sofresse alguma espécie de dano buscaria junto ao Estado, em face do causador do prejuízo, alguma forma de indenização de cunho econômico. Surgia, neste compasso, a responsabilidade civil. No campo jurídico, a responsabilidade traz a ideia de fonte obrigacional da atividade humana, ou seja, importa num dever de reparar um prejuízo causado a outrem. Na concepção de Carlos Roberto Gonçalves a obrigação traduz-se num dever jurídico originário enquanto que a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo.79 Em síntese, a responsabilidade civil integra o direito obrigacional em que a principal implicação da prática de um ato que cause prejuízo a terceiros, seja direta ou indiretamente, é a obrigação de repará-lo ou indenizá-lo em decorrência deste dever jurídico originário. A responsabilidade civil, apesar de difícil definição, pode ser conceituada como uma obrigação de ordem natural a que determinada pessoa tem diante de outra pessoa de reparar um prejuízo que tenha causado, com a geração de danos das mais variadas ordens, materiais, morais, afetivos, pessoais etc., a fim de repor a 78 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25. Ibid., p. 21. 37 situação das partes ao estado em que antes do fato causador do dano estava, ou tentar ao máximo aproximar disso.80 No direito pátrio, tanto o Código Civil de 191681 (artigo 159), revogado, quanto o de 200282 (artigos 186 e 187), em vigência, traçam, em linhas gerais, a responsabilização civil do agente que viole direito e cause prejuízo a terceiros. Adota-se, como regra, a responsabilidade subjetiva fundada na culpa e, subsidiariamente, a responsabilidade objetiva (surgida com o novo Código Civil), sendo esta última prevista nos casos específicos da lei ou quando a atividade regularmente desenvolvida implicar em riscos para direitos de terceiros. Em suma, este importantíssimo instituto jurídico tem por finalidade impor restrições às atividades praticadas pelo homem na sociedade, buscando garantir o equilíbrio das relações sociais, tendo em vista que de uma conduta poderá ou não resultar prejuízos a outrem, e caso haja o dano quem o causar deverá repará-lo. Ressalta-se, enfim, que a responsabilidade civil que condena o ato ilícito tem como característica ser norma jurídica aberta, ante a impossibilidade de antever todas as condutas humanas possíveis de serem conceituadas como ilícitas, pois, especificamente no direito de família, várias foram as modificações que ocorreram no decorrer dos anos, ensejando na aplicabilidade deste instituto nas relações familiares. 4.2 ELEMENTOS CLÁSSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil, como já dito, versa na imputação de um dano a um sujeito determinado, gerando, desta forma, o dever de indenizar os danos causados. Trata-se de uma fonte de obrigações, que comina a um terceiro a obrigação de reparar os prejuízos. 80 81 82 BORGHI, Hélio. Responsabilidade Civil: breves reflexões doutrinárias sobre o Estado no direito Brasileiro (p. 234-284). In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009. p. 236. BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 29 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 29 ago. 2013. 38 O artigo 186 do Código Civil83 é a base fundamental do instituto da responsabilidade civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Para complementar este dispositivo, o artigo 927 da mesma lei prevê: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Maria Helena Diniz explica que o ato ilícito é aquele praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano patrimonial ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo. Consequentemente, produz efeito jurídico imposto pela lei.84 Com efeito, a prática do ato ilícito é fonte obrigacional que compelirá o autor a indenizar a pessoa que sofreu com seu ato lesivo, surge, portanto, a responsabilidade subjetiva pelo prejuízo que, culposamente, causou a outrem. Ainda, ao observar o artigo 186 extrai-se três elementos fundamentais, a saber: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. Ainda, acresce-se a estes elementos básicos e obrigatórios a culpa, de caráter eventual, envolvida como a violação a um dever jurídico preexistente de cuidado. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho descrevem a culpa como elemento “acidental”, não se tratando de elemento essencial ou básico, pelo fato da existência da teoria do risco e do nascer da responsabilidade objetiva, sendo tais elementos a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. 85 Por outro lado, César Fiuza descreve como elementos a antijuridicidade, a culpabilidade e o nexo causal, sendo a culpa essencial na caracterização da responsabilidade civil, por preceituação legal do artigo 186 do Código Civil86.87 Aline 83 Biasuz Suarez Karow demonstra os elementos clássicos da BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 ago. 2013. 84 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 180. 85 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 67. 86 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit. 87 FIUZA, Cesar. Direito Civil. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 282 39 responsabilidade civil extracontratual sob três prismas: o ato ilícito, o dano e o nexo causal. São estes os elementos objetivos que configuram inicialmente a responsabilidade civil. Posteriormente, destaca a grande importância o elemento subjetivo que é o nexo de imputação: doloso ou culposo. 88 No presente estudo, por tratar de relação familiar e pelo fato de se considerar que os sujeitos envolvidos não estão exercendo qualquer atividade que aluda, pela sua própria essência, risco a direito de terceiros, tem-se que na maioria dos casos o elemento subjetivo estará presente, consoante estabelece o artigo 186 do Código Civil89. Mas indepentendemente da inclusão da culpa como elemento caracterizador, a responsabilidade civil tem como finalidade principal efetivar a remoção (ou reparação) do dano, extraindo-o da esfera da vítima e fazendo-o recair sobre terceiro, o qual, segundo os critérios de imputação, deve ser responsabilizado. Com dignificação do indivíduo na Constituição Federal de 1988 90, bem como pela elevação do afeto, por exemplo, como elemento essencial nas relações de família, surgiu uma nova vertente quanto a indenização por danos extrapatrimoniais, que até a promulgação da Carta Magna91 não prosperava em razão da falta de expressa regulamentação na esfera civil até então. O artigo 5º, incisos V e X, da Carta Cidadã92, passaram a prever expressamente a possibilidade de reparação de danos extrapatrimoniais, motivo pelo qual a jurisprudência reveu sua posição negativa quanto ao fato de impedir a indenização exclusivamente extrapatrimonial. Outro passo importante foram as alterações feitas pelo Código Civil brasileiro de 200293, o qual inverteu a ordem existente no de 191694, em que os bens precediam os direitos do indivíduo. A lição de Daniel de Andrade Levy ressalta que os direitos do indivíduo, incrementados pelos direitos de personalidade, passaram a 88 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 211. 89 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 set. 2013. 90 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 91 Ibid. 92 Ibid. 93 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit. 94 BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. 40 possuir um lugar prioritário na lei mais recente.95 Importante destacar a lição de Ana Cecília Parodi: Assim, percebe-se que não se trata de anular qualquer direito de que o sujeito é titular, ou de inviabilizar a sua disposição, mas de impor limites à sua permitida conduta, manifestando a todos os entes a intenção do legislador em privilegiar a ordem pública pela regularização das fronteiras da esfera comportamental do livre exercício da vontade [...] Restando claro que o legislador não abusa de seu poder legiferante, vez que não produz, por sua conta, o limite métrico do campo liberado aos sujeitos de direito. Pelo contrário, impõem as barreiras, para delimitar o abuso do direito, com base em princípios gerais de conduta, consagrados pela humanidade e pelos operadores do direito, contemplados na Carta Magna [...]96 Conclui-se do trecho da autora que a responsabilidade civil deverá ser analisada caso a caso, importando ao magistrado valorar a conduta perpetrada pelo indivíduo e determinar se referida conduta está dentro dos ditames consagrados no ordenamento jurídico ou se houve a extrapolação, ensejando na responsabilidade de indenizar ou reparar o prejuízo que vier a causar, pois, como já dito, o legislador preferiu tratar a responsabilidade civil como norma aberta no Código Civil97.98 A análise do caso concreto em arranjo com os elementos da responsabilidade civil supracitados serão indispensáveis para se verificar a possibilidade de se imputar a prática do ato lesivo a alguém. A partir daí, será verificado, a critério do julgador, a fixação do quantum de indenização, nos termos do artigo 944 do Código Civil99 que dispõe que a indenização será medida pela “extensão do dano”. 4.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA ADERÊNCIA AOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO Os elementos narrados no subtítulo anterior demonstram de forma genérica o que é a responsabilidade civil e quais são os elementos componentes para a sua caracterização, destacando o ato ilícito, o dano e o nexo causal, incluindo-se, 95 LEVY, Daniel de Andrade. Responsabilidade Civil: de um Direito dos Danos a um Direito das Condutas Lesivas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 19. 96 PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pós-Modernos. Campinas: Russel Editores, 2007. p. 137. 97 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 set. 2013. 98 PARODI, Ana Cecília. Op. cit., p. 134. 99 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Op. cit.. 41 posteriormente, o nexo de imputação: a culpa. Contudo, a aplicabilidade da responsabilidade civil constante no artigo 186 do Código Civil100 encontra resistência por parte de alguns doutrinadores, pois, em seus entendimentos a violação dos deveres inerentes ao poder familiar devem ser tratadas apenas com sanções previstas no próprio direito de família, não se sujeitando ao disposto na parte geral da lei civil101. Danielle Alheiros Diniz entende que o descumprimento do dever de convivência familiar deve ser analisado na seara do direito de família, sendo a sanção máxima a perda do poder familiar, pois um pai ou mãe que não convivem com o seu filho não devem ter qualquer direito sobre ele, defendendo-se, portanto, o melhor interesse do menor.102 Noutra vertente, Rodrigo da Cunha Pereira cita um Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que explica que a indenização por dano moral sempre é sucedâneo de algo de conteúdo extrapatrimonial, notadamente porque o valor do bem ofendido não possui valor determinado em pecúnia. Contudo, a alegação de que o afeto não tem preço não prospera, haja vista que também não tem sentido sustentar que a vida de um ser humano querido, a honra, a imagem e a dignidade tenham preço, sendo estas ocasiões em que existe o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens.103 Destarte, além de não existir qualquer vedação quanto a aplicação do instituto da responsabilidade civil nas relações familiares, a conduta do pai/mãe que não dispensa afeto ao seu filho caracteriza ato ilícito por ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, pois atenta-se no desenvolvimento intelectual, emocional e social do menor, causando-lhe transtornos inestimáveis. O pai e mãe devem cumprir o dever jurídico de assistência moral, cujo seu descumprimento poderá ensejar na prática de ato ilícito e ter como consequência a pretensão indenizatória do filho vitimado. Ademais, pai que não cumpre com seu dever de criar, educar, ter o filho na sua companhia, enfim, dar o afeto, não apenas no sentido subjetivo do sentimento, mas principalmente com atos de cuidado, 100 101 102 103 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 03 set. 2013. Ibid. DINIZ, Danielle Alheiros. A impossibilidade de responsabilização civil dos pais por abandono afetivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2184, 24 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12987>. Acesso em: 03 set. 2013. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 250. 42 proteção e educação deverá ser responsabilizado. De forma a especificar os elementos da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo na relação paterno-filial, ressalta-se, nesta oportunidade, a exposição ensinada por Aline Biasuz Suarez Karow (abaixo descrita), que adotou os elementos classificados por Fernando Noronha.104 De início, faz-se necessário a existência de um fato, qual seja, da conduta omissiva ou comissiva de um dos genitores que prive a prole de sua convivência, despreze-a, rejeite-a, trate-a com indiferença a ponto de humilhá-la, causando nestas hipóteses o desamparo afetivo, moral e psíquico. O ato ilícito ou antijurídico, o qual significa a não observância do ordenamento pátrio que demonstram o dever paterno de cuidar e proteger a prole, dando-lhe o afeto que, no contexto atual, possui caráter central nas relações familiares, não bastando tão somente a presença física. Por sua vez, as definições de ato ilícito existentes no Código Civil 105 são plenamente aplicáveis à operação irregular dos relacionamentos afetivos. O artigo 186 ocupa-se na exposição dos elementos da responsabilidade civil (agente, vítima, lesão, conduta, culpa e nexo de causalidade), enquanto o artigo 187 compreende que mesmo no núcleo da aparente normalidade dos atos jurídicos, eventualmente poderá existir irregularidades na relação jurídica.106 Na sequência, que o fato possa ser imputado a alguém. A princípio, a imputação somente poderá ser atribuída a um dos genitores, inclusive os por adoção. Outro elemento é a necessidade da produção de dano, isto é, diante da conduta perpetrada por um dos genitores é necessário que o menor tenha sofrido danos em sua personalidade, na bojo de sua dignidade. Pois, o dano é de maior gravidade pelo fato do menor estar na fase de desenvolvimento da personalidade, ocasião em que necessita de paradigmas de comportamento e afetividade que lhe direcionem e deêm segurança para que o desenvolvimento ocorra da melhor forma possível. Ainda, que o dano possa ser juridicamente considerado como causado 104 105 106 NORONHA, Fernando apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 66. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pós-Modernos. Campinas: Russel, 2007. p. 198-199. 43 pelo ato ilícito. Aqui significa propriamente o nexo causal, que a conduta do genitor tenha causado ao menor os danos alegados, ou seja, que a falta de afeto tenha causado ao filho danos, como por exemplo distúrbios emocionais ou psicopatias. Advirta-se que os danos sofridos são irreparáveis, uma vez que gerarão sequelas na personalidade do infante ou adolescente. Por fim, que o dano esteja contido no âmbito da função de proteção assinada, que significa dizer que o dano sofrido pelo menor deve ser objeto jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico. No ordenamento jurídico pátrio destaca-se a Constituição Federal107 que dispõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, em sua privilegiada posição geográfica, no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna108, que precedem os direitos e garantias fundamentais, além do específico artigo 227 que estabelece o dever da família e os direitos e garantias do menor. Do mesmo norte o Código Civil109 e o Estatuto da Criança e do Adolescente110 que atualmente seguem as diretrizes com o disposto na Constituição Federal 111 e reconhecem as crianças e adolescentes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e que necessitam de maior proteção do Estado. Helen Crystine Corrêa Sanches e Josiane Rose Petry Veronese explicam o fundamento desta proteção diferenciada dada à população infanto-juvenil: A responsabilidade legal atribuída à família, à sociedade e ao Estado funda-se no dever moral e na solidariedade estabelecidas em prol de crianças e adolescentes, em razão de sua dependência e vulnerabilidade a todas as formas de violência.112 As autoras ainda explicam que a família constitui-se da primeira instituição encarregada no cuidado, na administração de todos os elementos indeclináveis ao 107 108 109 110 111 112 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. Ibid. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. BRASIL. Constituição (1988). Op. cit. SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos Filhos de Criação à filiação Socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 92. 44 pleno desenvolvimento de sua prole, cabendo, da mesma forma, ao Estado promover o acesso da criança e do adolescente a fruição de seus direitos. 113 Destarte, tem-se que o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, principalmente em observância a paternidade responsável e ao melhor interesse da criança e do adolescente, poderá ensejar na responsabilização daquele pai ou mãe que não cumpriu com os deveres jurídicos de dar afeto ao filho, pois furtar-se desta obrigação configurará um ato ilícito, fato gerador da indenização. 113 SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos Filhos de Criação à filiação Socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 93. 45 5 DA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO 5.1 NOÇÕES PRELIMINARES A reparação civil por danos morais no âmbito das relações paterno-filiais vem ganhando força no atual contexto, mas encontra resistência de parte da doutrina quanto à aplicação do instituto nas relações familiares, pois entendem pela especificidade do direito de família, motivo pelo qual as sanções deverão ater-se também no âmbito familiar. A questão é polêmica e controvertida, motivo pelo qual ainda persistem posições que divergem quanto à aplicação da teoria geral do direito civil nas relações do direito de família, havendo duas correntes acerca do tema: A favorável, que defende a possibilidade da reparação civil, e a contrária, que entende pela aplicação dos institutos jurídicos do próprio direito de família (suspensão e destituição do poder familiar como sanções máximas aplicáveis ao abandono afetivo), não cabendo, portanto, a aplicação da teoria geral da responsabilidade civil, do artigo 186 do Código Civil114, fator gerador da indenização. Fernanda Campos de Cerqueira Lana e Walsir Edson Rodrigues Júnior defendem a não aplicação do instituto em casos de abandono afetivo entre filhos e pais: [...] A imputação, ao genitor, do dever de amar e demonstrar afeto por seu filho extrapola o âmbito de atuação concernente ao Direito. [...] Ademais, ainda que se fala não se tratar de responsabilidade por falta de afeto, mas sim pelo descumprimento dos veres inerentes ao poder familiar, entende-se que, em última análise, estará o genitor sendo punido por não demonstrar amor pela criança ou adolescente.115 Os autores dizem que a afetividade não se caracteriza como princípio, mas 114 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 115 LANA, Fernanda Campos de Cerqueira; RODRIGUES JÚNIOR; Walsir Edson. O Direito e a Falta de Afeto nas Relações Paterno-Filiais (p. 259/278). In: FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Teoria e Prática no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 275. 46 como valor, e que, desta forma, não indicam consequências jurídicas pelo não cumprimento do comportamento desejado, não se tratando de normas, mas que apenas indicam relações de preferências: “O afeto é uma franca disposição emocional para com o outro que não tolera variações de existência: ou há ou não há”.116 Em contrapartida, Rodrigo da Cunha Pereira assevera que o descumprimento do exercício poder familiar, previsto no artigo 1.634 do Código Civil 117, configura o ato ilícito. Além disso, o renomado autor explica a questão da diferença do amor e afeto, diferenciado a questão subjetiva sentimental da objetiva do dever de dar afeto à prole: Qualquer pessoa, qualquer criança, para estruturar-se como sujeito e ter um desenvolvimento saudável necessita de alimentos para o corpo e para a alma. O alimento imprescindível para a alma é o amor, o afeto. E afeto significa “afeição por alguém, “dedicado”. Afeiçoar quer dizer também “instruir”, educar, formar”, “dar feição, forma ou figura”. Esta é uma diferença entre afeto e amor. O afeto não é somente um sentimento, mas uma ação, que não pode faltar para o desenvolvimento de uma criança. Ao agir em conformidade com a função de pai e mãe, está-se objetivando o afeto e tirando-o do campo da subjetividade apenas. Nestas situações, é possível até presumir a presença do sentimento afeto. Obviamente que pressupõe, e tem também como elemento intrínseco, a imposição de limites. A ausência deste sentimento não exclui a necessidade e obrigação de condutar paternas/maternas. Sendo ação, a conduta afetiva é um dever e pode ser imposta pelo Judiciário, presente ou não o sentimento.118 A divergência de entendimentos também persiste nos Tribunais Superiores e dos Estados. Neste sentido, Valéria Silva Galdino Cardin explica de forma objetiva a problemática desta relação jurídica quando levada ao Judiciário: 116 LANA, Fernanda Campos de Cerqueira; RODRIGUES JÚNIOR; Walsir Edson. O Direito e a Falta de Afeto nas Relações Paterno-Filiais (p. 259-278). In: FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Teoria e Prática no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 267. 117 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 set. 2013. 118 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Filhos do Pai, Filhos da Mãe e o Abandono Afetivo: A Responsabilidade Parental (p. 675-693). O Superior Tribunal de Justiça e a Reconstrução do Direito Privado. São Paulo:RT, 2011. p. 687-688. 47 Há uma resistência nos nossos Tribunais em indenizar quando ocorre abandono afetivo dos pais em relação aos filhos. Realmente, o afeto não é algo que pode ser monetarizado, contudo, a falta acarreta inúmeros danos psicológicos a uma criança ou adolescente, que se sente rejeitado, humilhado perante outros amigos em que os pais estão presentes, dentre outras situações. É óbvio que esta criança ou adolescente terá dificuldades em se relacionar no futuro. Logo, a indenização teria como proporcionar que esta pessoa recebesse auxílio psicológico para tratar das seqüelas oriundas da falta de visitação, do descaso, da não orientação ética, moral e intelectual etc.119 Diante deste entrave jurídico, a discussão está acerca da impossibilidade do Poder Judiciário obrigar o pai a amar versus o melhor interesse do menor. Rolf Madaleno, defensor da reparação civil do dano moral nas relações paterno-filiais, enfatiza a prevalecência do Judiciário agir, não se omitindo de tentar, buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura de impunidade existente no sistema jurídico vigente. Afinal, a condenação de hoje tem enorme valor propedêutico para evitar ou reduzir o abandono afetivo futuro, a fim de que pais irresponsáveis deêm prioridade a sua prole ao invés de utilizá-la como instrumento de vingança de frustrações amorosas.120 Denota-se, deste modo, a proteção da criança ou adolescente em sua dignidade, pois, são situações de evidente abandono emocional, traduzidos em atos de desamparo, rejeição, desprezo, humilhação e indiferença reiterada que macularão uma relação que deveria se basear na afetividade entre pai/mãe e filho no seio familiar. Contudo, inviabilizar de plano a possibilidade da reparação civil por danos morais pelo abandono afetivo é dar margem à desídia dos genitores para que atos como estes sejam perpetrados. Seria, de certo modo, impedir a pretensão daquele filho que efetivamente tenha sofrido o dano, devidamente comprovado, de obter ressarcimento pela carência afetiva, cujo resultado se acentua no desenvolvimento mental, físico e social do indivíduo. Ainda, Rolf Madaleno assevera que a recusa do pai em acolher seu filho socialmente e afetivamente, sendo esse acolhimento inerente ao desenvolvimento moral e psíquico de seu descendente, estará praticando ilícito civil, gerando, portanto, o dever de indenizar a dor causada pela sua ausência afetiva e, por 119 120 CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 239. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 376-377. 48 consequência, os traumas e prejuízos morais sofridos pelo filho imotivadamente rejeitado pelo genitor.121 Neste sentido, ensina Maria Berenice Dias: Claro que o relacionamento mantido sob pena de prejuízo financeiro não é a forma mais correta de se estabelecer um vínculo afetivo. Ainda assim, mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que gerar no filho o sentimento de abandono. Ora, se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram pra nascer, imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação.122 Portanto, em que pese o entendimento contrário a reparação do dano moral decorrente do abandono afetivo entre pais e filhos, tutela-se a dignidade da pessoa humana, especificamente para afastar atos que atentem contra a integridade psíquica e moral de crianças e adolescentes, vítimas de injusto repúdio que lhe faz o pai ou mãe, gerando-lhes traumas e agravos morais que afetarão (negativamente) seu projeto de vida. 5.2 CONCEITO DE DANO MORAL O Estado passou a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando-se à tutela vingativa de direitos, em que um sujeito “fazia justiça” com as próprias mãos. Tratase do novo modelo que busca tão somente atingir o patrimônio do causador do dano, a fim de repará-lo ao ofendido prejudicado em determinada situação de fato. Quanto à conceituação do dano moral, têm-se diversas classificações a este instituto jurídico. Nehemias Domingos de Melo classifica o dano moral como a lesão que possa possibilitar uma indenização por danos que atingem o interior de uma pessoa, de forma a causar-lhe dor, sofrimento, angústia, vexame ou humilhação.123 Valéria Silva Galdino Cardin conclui que a reparabilidade do dano moral está conectada à violação de qualquer direito que possua o lesado, que lhe cause 121 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 376-377. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 462. 123 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: Do Cabimento à Fixação do Quantum. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 06. 122 49 prejuízo de foro íntimo, inviabilizando, assim, uma classificação que abarque todos os casos possíveis de danos morais.124 Vale lembrar que o dano moral não possui um valor certo e determinável, razão pela qual o caráter indenizatório determinado judicialmente busca compensar a vítima pelas aflições que sofreu, retirando-lhe o desejo de vingança pessoal, outrora existente. No entendimento de César Fiúza, o dano moral consiste no constrangimento que alguém experimenta, em razão de lesão a direito personalíssimo, como a honra, a boa fama etc., ilicitamente produzida por outrem. Ainda, o autor diz que no dano moral se cogita a compensação, não sendo fácil tarefa sua quantificação, mesmo havendo o embasamento legal na Constituição Federal125, artigo 5º, inciso V, e pelo artigo 186 do Código Civil126.127 Também não é tarefa fácil a caracterização do dano moral no caso concreto, pois todos os indivíduos estão sujeitos aos dissabores da vida, situações que não são agradáveis, contudo, são naturais ao cotidiano de quem convive e mantém relações com outros indivíduos em sociedade, motivo pelo qual não ensejam a reparação civil do dano moral. Por não existir critérios objetivos para se definir quais situações são passíveis de indenização, justificadamente pela constante mudança das relações interpessoais, é que torna árdua a tarefa de separar o joio do trigo, isto é, delimitar, com base no caso concreto, o que caracteriza um dano moral e o que venha a ser um dissabor normal da vida. Rodrigo da Cunha Pereira traduz este fato na relação paterno-filial: 124 CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 21. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 09 set. 2013. 126 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 set. 2013. 127 FIUZA, Cesar. Direito Civil. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 723-724. 125 50 A indenização a que nos referimos não é simplesmente pelas desilusões e desencantos ou decepções com os pais. Não é pelo sofrimento de se constatar que o pai não é como o filho gostaria que ele fosse. Sofrimento faz parte da vida e, inclusive, é o que proporciona reflexões ao sujeito para que ele evolua.128 Caberá, desta forma, ao julgador buscar suporte na doutrina e na jurisprudência para aferir a configuração ou não do dano moral. Também, recomenda o autor, que a avaliação do dano moral depende de prudência e bomsenso, considerando o homem médio da sociedade, para assim ser possível verificar a configuração de lesão a um daqueles bens inerentes à dignidade da pessoa humana previstas na Constituição Federal129.130 A aplicação indiscutível do instituto do dano exclusivamente moral adveio com a promulgação da Constituição Federal de 1988131, ao dispor expressamente que: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ............................................................................................................... V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; ............................................................................................................... X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; No mesmo sentido, o artigo 186 do Código Civil de 2002132 previu que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Centralizou-se o homem e a sua dignidade como valores éticos a serem protegidos, servindo como fundamentos de todo o sistema jurídico. Essa proteção da dignidade serviu como mola propulsora da intangibilidade da vida do homem, 128 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 247-248. 129 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 09 set. 2013. 130 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: do Cabimento à Fixação do Quantum. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 08-09. 131 BRASIL. Constituição (1988). Op. cit. 132 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 set. 2013. 51 respeitando-se sua integridade física e psíquica, ou seja, trata-se de uma fonte jurídico-positiva para os direitos fundamentais não serem violados. Destarte, com a atual previsão constitucional e infraconstitucional da indenização por dano moral, tem-se que o fundamento pelo qual se deve indenizar as lesões de ordem moral encontra-se embasado no princípio da dignidade da pessoa humana: “ [...] qualquer afronta ou lesão à dignidade da pessoa humana deverá ser indenizada a título de dano moral.”133 No entanto, importante destacar que a legislação anterior à Constituição Federal de 1988134 não era expressa em dizer a possibilidade de reparação exclusivamente moral. O Código Civil de 1916135 não trazia em seu bojo a expressão “dano moral”, o que gerava várias divergências entre a jurisprudência e a doutrina quanto a possibilidade do dano moral naquele contexto. De um lado a jurisprudência brasileira, contrária ao reconhecimento do dano moral puro, mas que gradativamente passou a aceitar tal indenização, porém não ampla e irrestrita, em que o principal argumento para a não aceitação era a impossibilidade de indenizar a dor. Doutro lado, a doutrina pátria que majoritariamente sempre manifestou-se favoravelmente pela possibilidade de indenização baseada exclusivamente no dano moral, quais sejam: lesão à honra, à personalidade, à imagem etc. Enfim, a norma positivada consagrou definitivamente no atual texto constitucional que o dano não patrimonial também é indenizável, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, pois, com o indivíduo sendo elevado ao ápice de todo o sistema jurídico, a tutela de seus direitos de ordem moral tornam-se realidade. 5.3 O DANO EXTRAPATRIMONIAL E SUA RELAÇÃO COM A REPARAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO 133 134 135 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: do cabimento à fixação do quantum. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 24. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 set. 2013. BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. 52 No direito privado, o dano (material ou moral) a um interesse particular pode originar a responsabilidade civil, em que o infrator ficará obrigado ao pagamento de uma indenização à vítima, objetivando retornar as coisas ao status quo ante e, quando isso não mais é possível, impõe-se o pagamento de um valor que seja equivalente ao valor do bem danificado pelo ofensor. O dano poderá ser classificado quantos aos seus efeitos como patrimoniais e extrapatrimoniais. O primeiro é de fácil assimilação, pois trata-se daquele dano que atinge o patrimônio do ofendido, sendo passível de determinação em pecúnia. Já o segundo visa proteger eventual lesão que seja insuscetível de definição econômica (direitos da personalidade), em que pese o dano ser passível de produzir consequências monetárias ao causador. Por este motivo que a possibilidade de restauração do status quo ante é quase impossível, quando a indenização passa a ter um caráter compensatório à vítima. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald comentam acerca do tema: Já a extrapatrimonialidade consiste na insuscetibilidade de apreciação econômica dos direitos da personalidade, ainda que a eventual lesão possa produzir conseqüências monetárias [...] É certo e incontroverso que a honra, a privacidade e demais bens jurídicos personalíssimos de uma pessoa não comportam avaliação pecuniária. São valores existenciais e, por conseguinte, não são susceptíveis de aferição monetária, de um valor patrimonial. Entretanto, uma vez ocorrendo uma violação a estes valores da personalidade, independentemente de causar prejuízo material, surge a possibilidade de reparação do dano moral caracterizado, como forma de compensas o prejuízo imposto à vítima e sancionar o lesante, inclusive com o caráter educativo (preventivo) de impedir novos atentados.136 Os direitos da personalidade, entendidos como aqueles direitos que tenham na dignidade da pessoa humana o seu centro de irradiação de valores, possuem tutela específica para a proteção da pessoa humana mediante a concessão de provimentos judiciais que impõem a fixação de indenizações pelos danos extrapatrimoniais causados por outrem, por expressa previsão constitucional (artigo 5º, inciso X). 136 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 191-192 53 Lembrando que os direitos da personalidade são aqueles que dizem respeito aos valores íntimos do indivíduo, tais como o direito à vida, à honra e todos os que forem inerentes à dignidade humana. Ao julgador, caberá seguir o caminho da lógica do razoável, entendido como o dano que foge à normalidade, interferindo intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Assim, na relação paterno-filial, a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho violam a sua honra e a sua imagem, danificando o direito de personalidade do menor, pois abandoná-lo e rejeitá-lo significa violar direitos. Logo, a configuração do dano extrapatrimonial estará configurada pela simples e objetiva violação do direito de personalidade do filho, consistente na violação do direito de afeto que tanto sofrimento causa a ponto de provocar danos à sua personalidade. Acerca do tema, Rolf Madaleno cita Cláudia Maria da Silva: “Uma sadia convivência familiar respeita o direito de personalidade do filho e garante sua dignidade, porque a responsabilidade dos pais não se esgota apenas na contribuição material.”137 Importante ressaltar que tanto a legislação brasileira, quanto a doutrina e jurisprudência utilizam a expressão dano moral como forma genérica para todas as espécies de danos não patrimoniais. Assim, verifica-se que não há diferenciação entre dano extrapatrimonial e dano moral, apesar do entendimento de que tais expressão não são sinônimas, e sim que o dano extrapatrimonial é gênero do qual o dano moral é espécie. Neste sentido, Carlos Fernández Sessarego diferencia o dano moral e o projeto de vida, afirmando que o segundo é mais intenso que o primeiro, porque tende a ser permanente, enquanto que o dano moral é passageiro e a vida restabelece-se lentamente.138 Inclusive, na reparação civil por abandono afetivo, adotando a classificação de Sessarego, trata-se, em verdade, de dano ao projeto de vida, ou seja, muito mais que o dano moral entendido como passageiro. O infante jamais suprirá 137 138 SILVA, Cláudia Maria da apud MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 380. SESSAREGO, Carlos Fernández apud KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 236-237. 54 completamente as lacunas emocionais deixadas pela falta de afetividade de seu genitor, por mais que exista todo um acompanhamento psicológico e terapêutico para ajudá-lo.139 Em suma, o dano ao projeto de vida traz uma mácula ao desenvolvimento deste menor, de forma que a frustração o acompanhará pelo resto de seus dias, marcando-o como socialmente execrado pela pessoa que deveria lhe dar educação, tê-lo perto de si e acompanhá-lo no desenvolvimento, suscitando insegurança e um profundo sentimento de insuperável rejeição. Contudo, apesar da existência do entendimento de diferenciação entre o dano moral e o dano extrapatrimonial (este mais amplo), conforme acima exposto, em juízo o pleito será fundamentado como dano moral pelos danos causados pelo genitor à dignidade do filho, nos termos do artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal140 e artigo 186 do Código Civil141, haja vista esta expressão ser utilizada no âmbito jurídico pátrio para designar todas as espécies de danos não patrimoniais. 5.4 DA REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO Com a evolução do modelo de parentalidade, o Poder Judiciário foi provocado a manifestar-se sobre o abandono afetivo na relação paterno-filial, ocasiões em que o genitor, independentemente do ônus alimentar, deixou de prestar assistência moral ao seu filho menor durante o seu desenvolvimento. Trata-se de um problema existente no contexto atual: “O descompromisso de pais com seus filhos, independentemente do divórcio, tem sido tão frequente em nossa realidade brasileira que já se tornou um “sintoma de nosso tempo”.142 O resultado foi a ocorrência de decisões díspares, em razão de o assunto ainda ser polêmico e controvertido, pois ainda diverge entre os juristas a questão da definição do que seria o afeto: ato ou sentimento? 139 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 237. 140 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 set. 2013. 141 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 set. 2013. 142 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 252-253. 55 A aplicação do instituto do dano moral em matéria de abandono afetivo na filiação começou a ser ventilada com a elevação do afeto como valor jurídico, que deu novas adjacências à entidade familiar, possibilitando a discussão deste debate. Neste sentido, há de se destacar a valorização do afeto nas relações de família, e mais, projetando-lhe no cenário jurídico, surgindo à jurisdicionalização do afeto: Família e afeto são dois personagens desse novo cenário. Contemporaneamente, o afeto é desenvolvido e fortalecido na família, sendo este, ao mesmo tempo, a expressão de união entre seus membros e a mola propulsora dos integrantes que buscam a sua realização pessoa através da sua exteriorização de forma autêntica. 143 Seguindo por este caminho, o direito de família vem se deparando cada vez mais com demandas judiciais que procuram responsabilizar civilmente o genitor pela falta de afeto em relação a sua prole. Mas será que caberá ao Judiciário definir questões de tão íntimas particularidades que tangem as relações familiares e mais precisamente o afeto? Sim, tendo como base o disposto no artigo 227 da Constituição Federal144. O “caput” do artigo 227 impõe como “dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade” uma série de direitos, bem como o dever de salvá-los de toda forma de negligência. Ademais, o artigo 226, §7º, dispõe sobre a “paternidade responsável”, já discutida no ítem 3.2 do presente estudo. Na mesma direção, o Código Civil145 estabelece em seu artigo 1.642, incisos I e II, os deveres dos pais de ter o filho em sua companhia e de educá-lo, denominado de dever de convivência. Ainda, o artigo 229 da Carta Magna146 expressa que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. 143 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 126. 144 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 145 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 146 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. 56 Não obstante, o Estatuto da Criança e do Adolescente147 estabelece em seus artigos 3º a 5º que é dever da família assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e moral dos tutelados, ressaltando a dignidade e dando atenção especial ao convívio familiar como direito da criança e do adolescente, prevendo a punição em caso de omissão à preservação dos direitos de personalidade do menor. Destarte, recusando qualquer dos genitores a esses elementos indispensáveis à estruturação e formação de sua prole, surgirá o ato ilícito civil, e consequente dever de indenizar os danos morais sofridos pelo filho injustificadamente desprezado/rejeitado pela segregação do pai. Ressalta-se que o pioneiro defensor da tese reparativa de danos morais (no assunto em tela) foi o respeitado doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira, atual Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), pois, como advogado e Doutor em matéria civil, foi quem ajuizou ação perante o judiciário buscando a reparação civil por dano moral sofrida por um filho abandonado, em que o seu genitor não observou os deveres de cuidado impostos pela legislação. 148 Para ele, pressupõe-se que conviver, dar afeto, apoio moral e cuidar são deveres, não uma opção dos pais no exercício do poder familiar. Sua inobservância viola o direito do menor, causando-lhe tanto sofrimento chegando ao ponto de provocar danos à sua pessoa. Naquela ocasião, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou procedente a demanda, porém, em recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão considerando que “escaparia do Judiciário obrigar alguém a amar, ou manter relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada”.149 Do mesmo pensamento (contrário à reparação por abandono afetivo), comungam os doutrinadores Sérgio Resende de Barros e Ivone Coelho de Souza, que defendem a ideia das demandas neste sentido culminarem na “monetarização do afeto”, além do principal argumento de impossibilidade de que tal situação possa ser restabelecida, ou seja, que pagar pela falta de amor não fará surgir o amor, 147 148 149 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013. ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 108. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 757.411. Recorrente: Vicente de Paulo Ferro de Oliveira e Recorrido: Alexandre Batista Fortes menor púbere assist. p/ sua mãe. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em 29 de novembro de 2005. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7169991/recurso-especial-resp757411-mg-2005-0085464-3/inteiro-teor-12899597>. Acesso em 25 out. 2013. 57 sendo que este e o dever não se misturam.150 Em contrapartida, os renomados autores como Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias, Rolf Madanelo, Aline Biasuz Suarez Karow, dentre outros, defendem a responsabilização civil do genitor que não cumpre com suas obrigações, haja vista que não se trata de monetarizar o afeto, mas penalizar aquele pai ou mãe que não cumpre com seu papel de suma e essencial importância na vida de sua prole. Neste sentido, Aline Biasuz Suarez Karow explica: Em que pese a função compensatória, satisfatória da reparação civil por dano extrapatrimonial, que falamos aqui, existe uma terceira atribuição à responsabilidade civil, a função dissuasória. Esta se distingue da punitiva por não visar uma conduta anterior, senão que busca prevenir condutas futuras. O objetivo é a prevenção geral, orientando sobre condutas a não serem adotadas. O meio para alcançar este modelo é por intermédio do exemplo, ou melhor, não exemplo, é condenar o responsável à compensação dos danos individuais, a partir de condutas que não são desejados no seio da sociedade.151 Rolf Madaleno registra que a desconsideração do menor no âmbito da relação pai e filho, cria inégaveis carências afetivas, traumas e agravos morais, cujo peso acentua-se no desenvolvimento mental, psíquico e social deste filho, e o injusto repúdio público que lhe faz o genitor é motivo indiscutível ao direito à reparação por danos morais, em razão da negativa paterna do direito que a prole possui de convivência e referência parental, privando o descendente de um espelho que poderia seguir e amar. Em razão disso, em que pese fugir ao Direito a obrigação de amor, o Judiciário deve, de uma vez por todas, amenizar essa cultura do abandono parental e impunidade de atos que violam a norma constitucional de proteção à criança e ao adolescente.152 Ou seja, a afetividade ultrapassa o campo jurídico do sentimento, estando diretamente relacionada à responsabilidade e ao cuidado, motivo pelo qual pode se tornar uma obrigação jurídica e, por consequência, ser fonte de responsabilidade civil, pois, aquele que opta ou assume o risco de ser pai deverá incumbir-se de tal 150 ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 110-111. 151 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 273-274. 152 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 376-377. 58 função de cuidado, sob pena de reparar os danos causados aos filhos, já que o estado de filiação é direito indisponível para o Direito de Família. De certa forma, isso demonstra a importância do exercício da parentalidade responsável para a constituição do sujeito, sendo que o seu não cumprimento do dever de assistência moral pode ter como resultado a pretensão indenizatória do filho abandonado. Aqui não se afirma que o valor reparatório recomporá o afeto negado, mas, seguramente, se o filho chegou a ponto de procurar o Poder Judiciário, com certeza já esgotou toda e qualquer forma de aproximação do genitor que lhe desprezou em seu desenvolvimento. Por óbvio que a fixação de qualquer valor em pecúnia tem valor simbólico, pois não há valor que possa suprir o abandono afetivo. Logo, não se trata de monetarizar o amor ou, ainda, obrigar alguém a amar, mas uma forma de compensar aquele filho que foi vitimado pelo descaso e covardia de seu genitor, atenuando, em parte, as consequências do dano.153 A fixação do quantum indenizatório em matéria de dano moral não possui previsão de valores pré-estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, trata-se de uma das tarefas (árduas, diga-se de passagem) inerentes ao julgador e, por este motivo, impera o campo da subjetividade, já que cada caso concreto possuirá suas variáveis ensejadoras da indenização por danos morais. De toda sorte, verifica-se que a indenização por danos morais na relação paterno-filial está em pauta, cabendo ao Poder Judiciário analisar de forma responsável e prudente os requisitos autorizadores da responsabilidade civil, já discutidos anteriormente, para que uma vez comprovado o dano, surja o dever de indenizar, pois à figura paterna o exercício da parentalidade não se resume ao pagamento de pensão alimentícia, mas ao cuidado e zelo na educação e desenvolvimento de seus filhos, ou seja, dar-lhes afeto. 5.4.1 Da função civil da sanção indenizatória Rememorando, historicamente não havia a divisão entre matéria civil e penal, de forma que nas civilizações antigas a vingança se evidenciava em primeiro lugar em favor da vítima. Naturalmente, houve uma tendência separatista dentre a pena e 153 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Filhos do Pai, Filhos da Mãe e o Abandono Afetivo: a responsabilidade Parental (p. 675-693). In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo. O Superior Tribunal de Justiça e a Reconstrução do Direito Privado. São Paulo:RT, 2011. p. 685. 59 a indenização, pois, os objetivos que buscavam se alcançar diferenciavam-se como: pena vinculada ao direito penal e indenização ao direito civil.154 A complexidade deste tema persiste pelo fato de o Superior Tribunal de Justiça filiar-se à mais de uma teoria, entendendo pela função compensatória da indenização, bem como pelo caráter punitivo, inclusive, de forma mista. Destarte, observa-se que não há um entendimento uníssono da função do dano moral, mas três tendências: a compensação do ofendido, a punição do ofensor e a função dissuasória. Nehemias Domingos de Melo ilustra que a tendência doutrinária e jurisprudencial se orientam, majoritariamente, pelo binômio punitivo-compensatório no que tange à indenização por danos morais. Busca-se, por este entendimento, compensar a vítima pelos infortúnios a que tenha sido submetida, compensando-lhe com uma soma em dinheiro que possa, de certa forma, confortá-la; e punir o ofensor que sofrerá os efeitos da condenação em seu patrimônio, a fim de que seja desestimulado a reiterar sua conduta.155 As três tendências se diferenciam pelo fato de elevar ao primeiro plano aquilo que defender, ou seja, a que busca a reparação do ofendido relega o caráter punitivo ao segundo plano, pois entende que a satisfação da vítima é fator primordial; a de caráter punitivo, também denominada de pena privada, defende que a fixação de indenização por danos morais tem por caráter primacial a punição do agressor, devendo a “pena” ser fixada sobre a personalidade do ofensor e demais circunstâncias que indiquem uma devida sanção ao ofensor Por fim, a terceira tendência e certamente a mais adequada, de função dissuasória, tem em seu bojo o caráter exemplar da sentença. Defende que somadas as funções compensatória e punitiva, ainda há a função de exemplaridade à sociedade, a qual demonstrará que certos comportamentos serão exemplarmente punidos pelo Judiciário, a fim de que seja dado mais respeito à personalidade da pessoa humana. Aline Biasuz Suarez Karow ensina a respeito: Em que pese a função compensatória, satisfatória da reparação civil por dano extrapatrimonial, que falamos aqui, existe uma terceira 154 155 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25. MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral – Problemática: do cabimento à fixação do quantum. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 108. 60 atribuição à responsabilidade civil, a função dissuasória. Esta se distingue da punitiva por não visar uma conduta anterior, senão que busca prevenir condutas futuras. O objetivo é a prevenção geral, orientando sobre condutas a não serem adotadas. O meio para alcançar este modelo é por intermédio do exemplo, ou melhor, não exemplo, é condenar o responsável à compensação dos danos individuais, a partir de condutas que não são desejadas no seio da sociedade.156 Portanto, a indenização por abandono afetivo traduz-se numa nova orientação que tem em seu núcleo o caráter didático para refletir a importância do convívio entre pais e filhos, pois, independentemente de os genitores estarem juntos ou não, a necessidade afetiva para com o filho passou a ser bem juridicamente tutelado, ante o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Nesta esteira, tem-se que o papel do Judiciário pode ser preponderante aos bens personalíssimos da diginidade humana de um filho abandonado pelo pai, demonstrando à sociedade que mais do que direito de um pai, é dever o cuidado, a educação, a proximidade que deve se ter com sua prole, sob pena de ter que arcar com o dano que causou ao seu filho em estágio de formação. Ideal seria a reparação in natura, mas o projeto de vida de qualquer pessoa constantemente sofre alterações e, certamente, não para. Por tal razão, neste contexto, tal forma de reparação torna-se pouco viável quando se tratar do abandono afetivo na filiação, já que é impossível ao genitor retornar no tempo e suprir tudo aquilo que deixou de prestar ao seu filho cotidianamente, durante seu desenvolvimento como pessoa. Por óbvio que não se pode compensar à uma pessoa de dezoito anos o que deveria ter sido feito quando possuía cinco, dez anos de idade. De qualquer forma, a ideia de “antes tarde do que nunca” reflete a ideia de que o acolhimento da pretensão por responsabilidade civil por abandono afetivo demonstra que o afeto tem um preço altíssimo na nova configuração familiar e que seu não cumprimento ensejará numa reparação com caráter compensatório, punitivo e exemplar à sociedade para estimular a conduta do afeto e desacorçoar o abandono injustificado que tanto mal causa ao filho desprezado. 5.5 DA COMPROVAÇÃO DO DANO 156 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 273-274. 61 Conforme já debatido no presente estudo, a agressão a um interesse particular pode acarretar a responsabilidade civil, em que o ofensor pratica um ato que causa danos ao ofendido. Por tal razão, o agente praticante do ato ilícito ficará obrigado a reparar o dano causado. O dano moral, por sua natureza extrapatrimonial, bem como pela inexistência de tarifação no que tange o quantum indenizatório, não se trata de tarefa fácil para visualização e configuração, já que a comprovação do que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe sofrimento, vexame, humilhação etc. são questões que deverão ser analisadas caso a caso pelo julgador, principalmente pela banalização do instituto que atualmente é pleiteado em qualquer demanda. No abandono afetivo, importante relembrar que não é todo e qualquer caso de abandono injustificado do genitor que gerará a indenização por dano moral, mas, naqueles casos em que reste evidenciado o prática do ato ilícito do pai, resumido na falta dos atos inerentes à paternidade responsável, o dano, sendo considerado a consequência que venha a causar lesão no desenvolvimento do filho como pessoa humana e o nexo causal, que é exatamente o liame entre os atos e o dano. Entretanto, a demonstração do dano é um dos grandes dilemas do tema em análise, pois a sua comprovação/demonstração atualmente necessita de profissionais do ramo da psicanálise, já que possuem capacidade técnica para analisar o cunho psicológico do resultado dano pelo descumprimento de um dever de cuidado do pai/mãe, sendo a integridade psíquica e moral do menor o bem jurídico tutelado na norma jurídica. Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias de Carvalho e Douglas Phillips Freitas descrevem as marcas que existem em decorrência de um abandono: As marcas existem e são mais profundas do que se pode mensurar: o beijo de boa noite negligenciado, a falta de vigília em uma madrugada febria, o cafuné não realizado, o esforço para decorar a música de homenagem de dia dos pais ou das mães que foi em vão...157 No entanto, entende-se como melhor método para uma efetiva constatação 157 ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 119-120. 62 de danos psíquicos ao menor o exercício da interdisciplinariedade, ou seja, somente profissionais habilitados e especialistas na matéria, da área da saúde, em especial da psicanálise, é que poderão auxiliar o julgador numa demanda acerca do tema. Referidos profissionais possuem a capacidade plena de observar e identificar os sintomas apresentados pelas crianças e adolescentes diante de conflitos e impasses familiares. Pois, os sintomas se manifestam de diversas formas numa pessoa abandonada afetivamente pelo genitor, podendo ser por meio de reações na integridade física e mental, tais como convulsões e doenças psicossomáticas, assim como distúrbios de aprendizagem, de relacionamento, além de fobias e mecanismos obsessivo-compulsivos, entre vários outros.158 Assim sendo, a ciência da psicanálise serve como um respeitável instrumento para revelação real dos sentimentos e sofrimentos daqueles que são abandonados afetivamente, capaz de trazer à tona a alma humana, deixando claro os danos emocionais de quem é vítima do abandono afetivo.159 Por este motivo, não é todo e qualquer caso de ausência de afetividade na relação entre pais e filhos que terão como resultado a reparação civil pelo pai ao filho, mas que seja demonstrado no caderno processual atos pelo qual se exteriorizou o abandono e consequentes sequelas psíquicas ao menor, causandolhe danos imensuráveis à sua dignidade como pessoa humana. Registre-se que nem sempre o laudo psicológico é prova que garanta o reflexo emocional negativo do menor, pois, por vezes, poderá ser superficial demais e não atender à sua finalidade demonstrativa. Ademais, o princípio do livre convencimento motivado (presente no artigo 131 do Código de Processo Civil 160) garante ao magistrado a liberdade de analisar todas as modalidades probatórias que achar necessárias, para que assim possa visualizar o quadro angustiante e dolorido da vítima do abandono afetivo. No caso concreto, a existência de uma figura substituta que cumpriu a função da figura ausente, colocando o menor a salvo dos danos e logrando êxito em preencher a figura pelo ausente, excluirá, como já dito, um possível prejuízo à personalidade do menor, não havendo, nestes casos, um dos elementos 158 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 243. 159 Ibid., p. 246. 160 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 24 set. 2013. 63 constitutivos da responsabilidade civil: o dano. Outro fator importante, é que o dano moral em decorrência do abandono afetivo não possui caráter presumido (está, atualmente, longe desta condição), mas demanda sua efetiva revelação. Neste contexto, Aline Biasuz Suarez Karow explica: Não se está diante de dano in re ipsa, mas senão daquele que exige a sua efetiva demonstração. Estes danos podem ser comprovados de diversas formas, através de prova pericial, prova testemunhal, prova documental ou mesmo por intermédio do depoimento sem dano e até prova emprestada de outros processos, como execuções alimentícias, execução de visitas, ação de tutela inibitória em face da prevenção de danos etc.161 Constatados os danos psicológicos resultantes pela falta de afeto, os quais tenham atingido o desenvolvimento e personalidade do filho, caberá ao magistrado arbitrar indenização suficiente para arcar com as custas das despesas necessárias para que possa tentar corrigir ou diminuir o problema que o acomete, através do pagamento de uma compensação que nunca substituirá o afeto proporcionado pelo genitor, mas que poderá proporcionar atenuantes às circunstâncias fáticas que sofreu no passado. Assim sendo, o genitor omisso, não cumpridor das normas legais deverá ser responsabilizado pelos seus atos ilícitos, incumbindo ao juiz da causa analisar o dano e o nexo causal para, após seus critérios críticos e racionais de convencimento, determinar o quantum a ser indenizado, mantendo a proporção entre a gravidade da culpa e o dano. 5.6 DECISÕES JUDICIAIS ACERCA DA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL Na década passada, em setembro do ano de 2003, o Juiz Mario Romano Maggioni, titular da 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa, na época, cidade localizada no estado do Rio Grande do Sul, nos autos de ação de indenização sob nº 141/1030012032-0, condenou um pai a indenizar seu filho no valor equivalente a 161 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 225. 64 200 (duzentos) salários mínimos por abandono afetivo. Na sentença que proferiu, o magistrado assinalou que a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, o amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme. Ainda, asseverou que a ausência da figura paterna em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e sua imagem. Por fim, o juiz atenta ao fato dos jovens drogados e criminosos que em sua grande parte derivam de pais que não lhes dedicaram amor e carinho.162 O magistrado foi mais além, pois, trouxe na sua decisão que a função paterna abrange amar a prole, não bastando ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho, mas que é necessário “ser pai na amplitude legal”, ou seja, dever de sustento, guarda e educação. Ademais, o fato de o legislador atribuir aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais também incumbe o dever de amá-los. Outra decisão que seguiu o mesmo norte emanou do Poder Judiciário Mineiro. Na ocasião, o filho ajuizou ação buscando reparação civil pelo abandono afetivo causado pelo seu pai, pois, após a separação de seus pais, o seu genitor constituiu nova família e passou a exercer a paternidade apenas com relação àquela relação, ignorando, a partir de então, todas as tentativas de aproximação do primeiro filho, de forma que suas atitudes causaram extremo sofrimento, humilhação e sentimento de rejeição, restando caracterizada a conduta omissa do genitor. A decisão de primeiro grau julgou improcedente a demanda, sob a fundamentação de inexistir nexo causal entre o afastamento paterno e o desenvolvimento de problemas psicológicos, em função da análise do laudo pericial. Afirmou o magistrado que não restou demonstrado descaso intencional do réu com a criação, educação e a formação da personalidade do filho. No entanto, em sede de apelação o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a sentença de primeiro grau, ao julgar procedente a demanda de reparação civil pelo abandono afetivo do pai. Na ocasião o relator foi o Desembargador Unias Silva, nos autos sob número 408.550-5. Na ocasião, os desembargadores entenderam que o genitor deveria indenizar o filho pelos danos extrapatrimoniais causados, os quais foram fixados em R$ 162 ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 107-108. 65 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), tendo como fundamento principal o princípio da dignidade da pessoa humana. A ementa: APELAÇÃO CÍVEL Nº 408.550-5 - 01.04.2004 EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.163 Além disso, os desembargadores salientaram que os deveres paternos são oriundos de imposição estatal, não sendo de livre disposição do genitor fazê-lo ou não. Ademais, o convívio familiar é garantia infraconstitucional, pois os laços de afetividade derivam da convivência e não apenas da relação consanguínea. Inconformado com a decisão, o então sucumbente interpôs recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça pugnando pela improcedência da demanda. Para decepção dos defensores da ideia da possibilidade da reparação civil nos casos de abandono afetivo, o acórdão foi reformado através do RESP sob nº 757.411, no mês de março de 2006, por decisão não unânime, sob argumentos de que a punição deverá ser a perda do poder familiar, pois, a reparação financeira não atenderia o seu objetivo, tendo em vista o pagamento de pensão alimentícia e, por fim, que não cabe ao judiciário obrigar alguém a amar ou manter relacionamento afetivo. Rodrigo da Cunha Pereira explica que a argumentação empregada na decisão, qual seja, de que a “punição” para o genitor que abandona um filho deveria ser a destituição do poder familiar, e não a indenização, é equivocada, tendo em vista que seria um estímulo aos pais irresponsáveis que não assumem a parentalidade da forma prevista em lei, já que seria um prêmio o fato de “se livrar” 163 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 2.0000.00.408550-5/000. Apelante(s): Alexandre Batista Fortes menor púbere assist. p/ sua mãe e Apelado: Vicente de Paulo Ferro de Oliveira. Relator: Unias Silva. Julgado em 01 de abril de 2004. Disponível em: < http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=2&totalLinhas=2&paginaNumero=2&linha sPorPagina=1&palavras=abandono%20afetivo&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&listaRelator=034223&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras =Pesquisar&>. Acesso em: 14 out. 2013. 66 daquele filho que sempre desprezou.164 Da mesma forma, diz ser equivocada a alegação de que a procedência da indenização em face do pai obstaria um possível ambiente para reconstrução do relacionamento paterno-filial, pois, se o filho chegou a ponto de procurar o Poder Judiciário para reclamar seus direitos significa que a relação entre ele e seu genitor não tem como piorar ainda mais.165 Entretanto, este entendimento do Superior Tribunal de Justiça não foi empecilho para decisões, de tribunais inferiores, que julgaram procedentes pleitos de indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo na filiação. A reviravolta ocorreu no mês de abril do ano de 2012, em que a decisão do mesmo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial sob nº 1159242/SP, reconheceu a procedência do pedido de indenização por abandono afetivo, condenando o recorrente ao valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) pelo fato de ter abandonado afetivamente sua filha. A ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar⁄compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF⁄88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de 164 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Filhos do Pai, Filhos da Mãe e o Abandono Afetivo – A Responsabilidade Parental (p. 675-693). In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo. Superior Tribunal de Justiça e a Reconstrução do Direito Privado. São Paulo:RT, 2011. p. 686. 165 Ibid., p. 687. 67 matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.166 Aline Suarez Biasuz Karow comenta o acórdão: Veja que a decisão não é inflamada de discursos sensacionalistas, do tipo se o amor pode ser comprado, se a justiça pode obrigar alguém a amar, que o amor não tem preço etc. O texto se limita basicamente à questão central, de forma extremamente técnica e objetiva justamente como devem emanar as decisões do Egrégio Tribunal.167 Fator destacável, que rebate argumentos contrários ao cabimento da reparação civil por abandono afetivo, é a inexistência de restrições legais quanto à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar o dano causado no direito de família. Outro aspecto de merece extrema relevância é o argumento utilizado pelos juristas que são contrários à tese, os quais alegam que a sanção máxima será a destituição do poder familiar, por ser inaplicável a parte geral do Código Civil 168. A Ministra Relatora fundamentou a procedência no sentido de que a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, pois tem como objetivo primário resguardar a integridade física do menor, mas nunca compensaria os prejuízos advindos da omissão de cuidados decidados aos filhos.169 Ainda, asseverou a julgadora que o vínculo que une pais e filhos é legal, destacando-se entre os deveres inerentes ao poder familiar o convívio, o cuidado, a 166 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1159242/SP. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos. Recorrida: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 24 de abril de 2012. Disponível em:< http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1159242>. Acesso em: 14 out. 2013. 167 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 282. 168 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 12 ago. 2013. 169 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1159242/SP. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos. Recorrida: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 24 de abril de 2012. Disponível em:< http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1159242>. Acesso em: 14 out. 2013. 68 criação e educação dos filhos, os quais necessitam de toda a atenção e devido acompanhamento sócio-psicológico. Por fim, de acordo com a Ministra, o “desvelo e atenção à prole não podem mais ser tratadas como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou de ser intuitivo que o cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, não é apenas um fator importante, mas essencial à criação e formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver, em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania”.170 Demonstrando a nova vertente consolidada no Superior Tribunal de Justiça recentemente, destaca-se a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que condenou um genitor ao pagamento de quinze mil reais a título de danos morais: EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PATERNIDADE RECONHECIDA - OMITIDA PERANTE A SOCIEDADE EM INFORMATIVO LOCAL - CIDADE DE PEQUENO PORTE - REPERCUSSÃO GERAL - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SENTENÇA MANTIDA. - A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana. - Conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, possível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança - Inteligência do art. 227 da Constituição Federal.171 Outra decisão, desta vez monocrática, foi do juízo da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Anápolis, estado de Goiás, condenando um pai que não contribuiu com a criação de seu filho ao pagamento de vinte e dois mil, quatrocentos e vinte reais, além das despesas de cunho patrimonial. O magistrado Danilo Luis Meireles dos Santos, em sua sentença, enfatizou a função punitiva, compensatória e pedagógica da condenação, pois o que se pretende é combater atitudes que afrontam os princípios constitucionais de proteção 170 171 Ibid. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0144.11.001951-6/001. Apelante: João Alberto Amaral. Apelada: Miriã Stefany da Silva Amaral, Tatiane Patrícia da Silva e outros. Relator Des. Wanderley Paiva. Julgado em 27 de fevereiro de 2013. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=C9D46429DCFC9492874266A70C32B94E.j uri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0144.11.0019516%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 14 out. 2013. 69 e garantia da dignidade da pessoa humana. Também, ressaltou que a afetividade trata-se de um dever familiar e é fundamental na formação do menor. Por tal razão, não se trata de obrigar o pai a amar o seu filho, mas sim, analisar o descumprimento do que é imposto pelo ordenamento jurídico ao pai.172 Destaque-se, desta forma, que enquanto o filho estiver em desenvolvimento, buscar-se-á prevenir o abandono afetivo, pois, o que se busca é reatar os laços afetivos entre o pai e filho. Todavia, exauridas as formas e não mais havendo forma de se inibir algo já consumado é que se buscará a reparação do dano moral. Com efeito, Aline Suarez Biasuz Karow leciona: O tema é complexo, defendemos ainda que, enquanto em formação, a personalidade do menor não cabe à ação reparatória e sim à inibitória dos atos de omissão, cabendo lugar a última apenas quando esgotados todos os mecanismos que o direito oferece, não havendo logrado êxito, podendo agora apenas a vítima ser compensada pela dor sofrida. Prevenir o abandono afetivo e não apenas buscar repará-lo, até porque a maior evolução da responsabilidade civil não é reparar o dano e sim prevení-lo.173 Destaca-se a importância da mediação enquanto uma ferramenta que possibilita os participantes abandonarem uma intervenção negativa e passem a adotar um agir colaborativo.174 Assim, depreende-se do entendimento jurisprudencial favorável à reparação civil do dano moral nos casos de abandono afetivo que o novo cenário jurídico passou a impor ao genitor o dever de cuidado e convívio familiar com sua prole, sob pena de ter que arcar com os danos morais decorrentes de sua omissão, independentemente se existe o pagamento de pensão alimentícia, pois esta não supre o abalo do filho que não tem a companhia de seu pai. Enfim, o afeto é composto por elementos objetivos, diferenciando-se do amar pela possibilidade de se verificar por atitudes concretas do genitor em favor da prole, pois “amar é faculdade, cuidar é dever”175. 172 GOIÁS. Tribunal de Justiça. Informação postada no site do Tribunal de Justiça do estado de Goiás. Disponível em:<http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/2470-pai-deverapagar-indenizacao-para-adolescente-por-abandono-afetivo>. Acesso em: 27 set. 2013. 173 KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 289. 174 ROSA, Conrado Paulino da; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Dano Moral & Direitos das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 119. 175 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1159242/SP. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos. Recorrida: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 24 de abril de 2012. Disponível em:< 70 http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1159242>. Acesso em: 14 out. 2013. 71 6 PROPOSTAS LEGISLATIVAS NO CONGRESSO NACIONAL QUE VISAM COIBIR A PRÁTICA DO ABANDONO AFETIVO 6.1 INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO NO ARTIGO 1.632 DA LEI Nº 10.406/2002 – PROJETO DE LEI N. 4.294 DE 2008 Está em trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de lei número 4.294 do ano de 2008, de autoria do Deputado Carlos Bezerra, que visa acrescentar ao Código Civil especificamente a questão do abandono moral de um genitor para com sua prole, gerando, a partir daí, o dever de indenizar o filho prejudicado em todo seu desenvolvimento da personalidade, caracterizado por reiterados atos de indiferença e desprezo. A redação do projeto de lei possui o seguinte conteúdo: Art. 1º Acrescenta parágrafo ao artigo 1.632 da lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. da lei n° 10.741, de 1 ª de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso -, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo. Art. 2° O artigo 1.632 da lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código Civil – passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: Art. 1632 ............................................................................................................ Parágrafo único: O abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral.176 Atualmente, está aguardando deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. A justificativa do projeto de lei é exatamente no dever moral que o pai ou mãe possuem em relação ao seu filho, não podendo ser aceito que o simples pagamento de auxílio material, pois as relações familiares estão num patamar que supera a questão meramente patrimonial anteriormente existente. 176 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4294/2008. Acrescenta parágrafo ao art. 1.632 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. 3° da Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo. Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=415684>. Acesso em: 28 set. 2013. 72 Aduz o Deputado que entre as obrigações existentes na relação pai e filho, persiste a necessidade de auxílio moral, consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimas, atos indispensáveis ao adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito às pessoas de maior idade.177 Principalmente nos filhos menores, tem-se que o trauma oriundo do abandono afetivo parental provoca marcas profundas no comportamento deles, especialmente pela condição especial que possuem, de pessoas em desenvolvimento, os quais necessitam de um paradigma: seus pais. Ainda, consta na justificativa que “o sentimento de rejeição e a revolta causada pela indiferença alheia provocam prejuízos profundos em sua personalidade. Por sua vez, se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se amarem, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado”.178 Destarte, observa-se intrinsicamente a responsabilidade civil pela prática do ato ilícito previsto no ordenamento jurídico, a qual expressa que incumbirá aos pais o dever de educar e ter seus filhos próximos de si, ou seja, dar-lhes o devido afeto mediante o cuidado que necessitam, ou, caso contrário, estarão violando direitos que tanto sofrimento causa a ponto de provocar danos ao menor. Mais uma vez, está em pauta à dignidade da pessoa humana, principalmente daquelas pessoas que necessitam de tutela específica, afinal, são as crianças e adolescentes de hoje que serão os adultos e pais de amanhã, e impondo à sociedade penalizações pelo péssimo exercício do poder familiar, estar-se-ia reeducando e acabando com essa cultura de impunidade de pais que não prestam assistência moral aos seus filhos. 177 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4294/2008. Acrescenta parágrafo ao art. 1.632 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. 3° da Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo. Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=415684>. Acesso em: 28 set. 2013. 178 Ibid. 73 6.2 PROJETO DE LEI N. 700 DE 2007, QUE VISA CARACTERIZAR O ABANDONO MORAL COMO ILÍCITO CIVIL No mesmo sentido, o projeto de lei número 700 de 2007, em trâmite no Senado, de autoria do Senador Marcelo Crivella, propõe acrescer alguns parâmetros de proteção à criança e ao adolescente no Estatuto da Criança e do Adolescente179. O projeto de lei possui a seguinte redação: Art. 1º O art. 4º da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, renumerado o atual parágrafo único como § 1º: Art. 4º ............................................................................................................ § 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento. § 3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos filhos menores de dezoito anos: I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais; II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade; III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida. Art. 2º Os arts. 5º, 22, 24, 56, 58, 129 e 130 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 5º ............................................................................................................ Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral. Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência, assistência material e moral e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que aludem o art. 22. 179 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 28 set. 2013. 74 Art. 56 ........................................................................................................... IV – negligência, abuso ou abandono na forma prevista nos arts. 4º e 5º desta Lei. Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, morais, éticos, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura. Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo, observar-se- á o disposto nos arts. 22, 23 e 24. Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor ou responsável da moradia comum. Art. 3º A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 232-A: Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social. Pena – detenção, de um a seis meses. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.180 Verifica-se que o texto objetiva impor como conduta ilícita, sujeita a reparação dos danos, condutas que ofendam direitos fundamentais de crianças e adolescentes, já existentes na lei, inclusive os de ordem moral. O Senador defende que “ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral por parte dos pais produz sérias e indeléveis consequências sobre a formação psicológica e social dos filhos”.181 Ainda, assevera que amor e afeto não se impõem por lei, mas busca-se, tãosomente, esclarecer, de uma vez por todas, que os pais têm o dever de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor pedir abertamente a sua companhia. Dispõe em sua justificativa que embora a Constituição Federal de 1988182, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)183 e o Código Civil184 contemplem a 180 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 700/2007. Modifica a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, e dá outras providências. Disponível em:<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=83516>. Acesso em: 29 set. 2013. 181 Ibid. 182 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 set. 2013. 183 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 29 set. 2013. 75 assistência moral, entende-se por bem estabelecer uma regra expressa e específica que caracterize o abandono moral como conduta ilícita passível de reparação civil, além de repercussão penal. Destarte, referido projeto de lei busca caracterizar como ilícito civil a negligência e o abandono afetivo de menores, pessoas em formação de caráter, carentes, ainda, de completo discernimento e que não podem encarar, como adultos, as dificuldades da vida. Assim, aceitam-se as limitações materiais, mas não a omissão na formação da personalidade. 184 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 29 set. 2013. 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após o estudo efetuado acerca do abandono afetivo na relação paterno-filial e a possibilidade de reparação civil pela sua decorrência, verificou-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência possuem vertentes favoráveis à condenação dos genitores que não praticarem atos condizentes com o poder familiar imposto pelas normas constitucional e infraconstitucional. Verificou-se, no trabalho, que no decorrer do tempo, nas transformações no bojo das famílias o afeto ganhou nova amplitude, pois, trata-se de um elemento importantíssimo e inserido no novo contexto do Direito das Famílias que possui caráter decisório em litígios do ramo. O afeto, enfim, possui valor jurídico. A família deixa seu antigo caráter patrimonial, alterando seu conceito e buscando funcionalizar-se em favor de seus componentes, os quais ali buscam um espaço de realização social e pessoal. A Constituição Federal de 1988 dá proteção especial à família, tratando-a como a base da sociedade, além de possibilitar aos membros de determinada família que elejam os valores e conceitos que mais lhes atender. Observa-se, portanto, a constitucionalização do Direito de Família pelo fato de a própria Carta Magna dispor sobre a matéria, bem como pelo fato de o Código Civil convergir no mesmo sentido de normatização em favor do indivíduo e não do patrimônio. Destaca-se, assim, a dignidade da pessoa humana, princípio basilar inserto no texto constitucional, que busca o respeito em qualidade máxima ao homem médio. No entanto, ante as situações de desrespeito a esta integridade, a responsabilidade civil surge para tutelar os atos que infrinjam a norma jurídica, tendo como principal característica ser cláusula geral, condição esta que dá ao intérprete a flexibilidade necessária para se adaptar as mudanças ocorridas na sociedade e proferir decisões coerentes com a dinâmica social. O dano moral, agora previsto em plano constitucional e infraconstitucional, será suscetível em situações em que haja o ato ilícito e, consequentemente, o dano. A reparação em espécie por danos tão somente extrapatrimoniais passa a ser 77 realidade num ordenamento que respeita ao máximo a dignidade do indivíduo, havendo a necessidade de critérios básicos para sua caracterização: ato, dano, nexo causal. Assim sendo, não poderia ser diferente nas relações entre pais e filhos, em que os primeiros têm o dever de afeto em relação aos segundos, sob pena de incorrer na prática de ato ilícito. Por óbvio que o amor não se compra e foge do âmbito do Estado dizer sobre algo tão íntimo da pessoa, mas o que se refletiu no presente estudo foi que o afeto é espécie do qual o amor é gênero, já que a afetividade não se traduz somente em sentimento, mas de várias formas objetivas consistentes em atos de cuidado, educação, apoio moral, de proximidade e outros mais. Destarte, a função paterna é dever, independentemente se a prole veio por ato de vontade ou não. Afinal, trata-se de um indivíduo que necessita de todo o cuidado necessário para um desenvolvimento sadio físico e mental. Ocorre que inúmeros pais abandonam seus filhos, negando a função de parentalidade, motivo pelo qual a indenização é a medida a ser observada em casos assim, pois, o ordenamento jurídico brasileiro deu especial tutela às crianças e adolescentes que como seres em desenvolvimento necessitam do afeto de seus pais. Ora, conforme disposição expressa dos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso I; 226; 227 e 229 da Constituição Federal, além dos ditames do Código Civil, artigos 1.634, inciso II, e 1.566, inciso IV, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos 3º, 4º, 22 e 33, tem-se que a convivência, o apoio moral, a atenção, enfim, o afeto é um dever do genitor e não uma faculdade, sendo que sua inobservância violará os direitos do menor que tanto sofrimento lhe causará a ponto de provocar danos à sua condição de ser humano. A pior consequência disso tudo é a contaminação negativa do projeto de vida daquele menor que careceu do afeto de seus genitores. Em razão da impossibilidade da reparação in natura a reparação pecuniária, de caráter compensatório, tem o objetivo de permitir ao filho uma reparação pelo dano sofrido. A análise do dano somente será possível com auxílio de profissionais da psicanálise, quais sejam, da psiquiatria e psicologia, tendo em vista que os danos 78 causados à personalidade do menor serão insuperáveis, jamais supridos noutra fase de sua vida. Outro fator destacável é a função da responsabilidade civil, adotada no ordenamento pátrio, para estes casos, em se tratando de danos não patrimoniais, de compensação ao ofendido, punição ao ofensor e dissuasória, sendo esta a busca em evitar práticas futuras de abandono e desprezo na relação paterno-filial. Ainda, restou demonstrada a nova tendência jurisprudencial pela procedência de demandas que pleiteiem a reparação civil do dano moral em decorrência do abandono afetivo dos genitores, haja vista que, conforme a legislação pátria, a exigência de cuidado com os filhos é um dever, não importando, necessariamente, em amar. Em suma, a perda do poder familiar não é a melhor solução aos genitores que não se incumbem do dever da paternidade responsável, já que não seria uma sanção e sim um prêmio ao indivíduo que nunca desejou aquele filho, enquanto que a reparação civil sim, esta observaria todas as funções acima citadas e com maior certeza atenuaria a dor inestimável sofrida pelo filho, vítima do esquecimento, descaso e desprezo. 79 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO BITTENCOURT, Sávio. A Nova Lei de Adoção: do abandono à garantia à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. BORGHI, Hélio. Responsabilidade Civil: breves reflexões doutrinárias sobre o Estado no direito Brasileiro (p. 234-284). In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil: Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 4294/2008. Acrescenta parágrafo ao art. 1.632 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. 3° da Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo. Disponível em:< http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=415684 >. Acesso em: 28 set. 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 13 ago. 2013. BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 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