O Síndrome
Natalí permaneceu deitada muito
depois de ter acordado. Mágoa sem causa
conhecida desde o despertar e remorso
pelos maus-tratos cometidos contra a mãe
que saiu do quarto, desapontada depois
de tê-la chamado para o café da manhã,
eram entretecidos pela fiandeira
Maldade.
ensinados pelos entendidos da Nova Era.
Saiu do quarto, olhou para baixo, viu
a mãe e a avó dando voltas ao redor da
grande árvore de Natal armada no meio
da sala e pensou: “Se purificam dos maus
eflúvios...” Deu-se conta do mistério que
tornava pelos entendidos da Nova Era.
Desceu a escada e passou taciturna
pela sala, desdenhando da cena que ela
própria, por tantas vezes, já
representara. “Oito anos, que idade mais
sem graça a minha!”, pensou quando
entrava na cozinha.
Logo ouviu o gato Tom Mix
arranhando a porta, o que fazia todas as
manhãs quando pressentia a sua
presença na cozinha. Natalí desprezou-o
e não lhe abriu a porta.
A mãe e a avó apareceram na
cozinha quando ela tomava um iogurte
gelado que parecia não agradá-la.
-- Natalí - a voz aguda da mãe
denotava preocupação, - até ao Tom Mix
desprezas? O que te fizemos de mau?
-- Fiquei desconfiada da bondade de
todos... - respondeu a menina parecendo
mais triste do que amuada. - Acordei com
uma sensação ruim...
-- Você teve algum pesadelo - tentou a
avó explicar o mau humor da neta.
Na hora do almoço o pai foi
informado sobre o estado em que Natalí
se encontrava e procurou convencê-la que
a indisposição devia ter por causa algum
pesadelo mesmo.
Da sala ela olhava com desprezo para
a árvore de Natal, até que acrescentou:
-- Quantas mentiras penduradas na
árvore e saindo pela boca das pessoas.
-- Você teve algum pesadelo – tentou
a avó explicar o mau humor da neta.
Na hora do almoço o pai foi
informado sobre o estado em que Natalí
se encontrava e procurou convencê-la
que a indisposição devia ter por causa
algum pesadelo mesmo.
-- Não tive pesadelo nenhum. O mundo
é mau e vocês também são - disse Natalí. - Dê um exemplo - pediu a avó
desconfiando que falava dos Papai Noel
pendurados juntos com outros gnomos.
-- Tudo... Tudo e todos - respondeu
Natalí.
Suspeitando que a relação familiar
estava incluída nessa categoria o pai perguntou:
-- O nosso amor por você também é
uma mentira?
-- Eu acho que é - respondeu a menina.
A mãe arregalou os olhos achando que
os julgamentos da filha estavam
desarranjados por alguma razão
inconsciente muito séria. “Era
assunto para psicoterapeuta”,
pensou se lembrando da palestra
que ouvira uma psicopedagoga
proferir durante ma reunião de
pais e mestres na escola onde Natalí
estudava: “Por ser o veículo que
comunica objetivamente as convicções da
alma, a mente humana deve ser
considerada como um templo. Podem
ocorrer distúrbios funcionais na mente e
em tais casos é preciso que um
especialista trabalhe com ela
considerando essa condição que lhe é
peculiar”. Lembrava que a palestrante
encerrou a palestra com uma reflexão
que a maioria das mães e mestres
presentes tinham posteriormente
repudiado ao confrontá-la com o ponto
de vista humanista que prevalecia entre
eles: “Para bem conhecer os
pensamentos que a estimulam, a mente
precisa de um competente diretor de
consciência na conhecida volta que o
pensamento dá sobre si mesmo.
Ao mundo cristão é dado possuir um
diretor por excelência: O Evangelho de
Jesus Cristo”.
Depois que a filha dormiu ela falou
com o marido sobre o assunto da palestra e
acabaram concordando que Natalí devia se
consultar com um psicoterapeuta indicado
pela palestrante.
***
Verdadeiramente “o coração tem
razões que a própria razão desconhece”,
admitiram os pais e a avó de
Natalí concordando destarte com
o enunciado de Pascal.
Muito falantes e sorridentes os
membros da pequena família se
reuniam ao redor da árvore de
Natal e substituíam os Papai Noel
e os outros gnomos por enfeites
sem relação com fetiches.
-- Ai, Natalí, tanto drama por causa
de uma boneca de vitrine! - zombava a
avó, principal figurante no drama
encenado na
mente da estremecida neta, enquanto
esta se esbaldava de rir entre os muitos
suspiros da alma aliviada.
***
A análise
Depois de uma rápida reunião com
Natalí e os seus pais o analista fica sozinho
com a menina. Percebe a sua atitude
confiante e lhe pergunta se pode repetir o
sono daquela noite que antecedeu o seu
perturbado despertar.
-- Só o sono? - pergunta, e ele lhe
responde que sim.
-- Você não me fará sonhar o que não
sonhei?
O analista lhe diz que não fará isso e
ela lhe pede garantia. Ele pega a Bíblia
sobre a sua mesa, abre-a e lê: “Conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará”.
Depois explica: - É Jesus quem nos garante
isso que eu acabo de ler. Pois bem, no nome
de Jesus eu lhe garanto que não farei
nenhuma falsidade contra você.
Notando a confiança de Natalí ele
lhe pede que se deite no divã no meio da
sala e vai se sentar ao lado dela. Com
maneiras e palavras suaves ele lhe pede
para fechar os olhos e imaginar que está
no mesmo quarto onde dormiu o sono
que vai agora repetir. Diz que ela nada
deve temer porque, como por milagre, o
mundo voltará a ser novamente muito
bom e que ele vai contar regressivamente
de dez a um e que enquanto ele estiver
contando ela vai dormir e que mesmo
dormindo vai poder falar com ele.
Tão logo adormece Natalí
começa a se remexer inquieta e o
analista pede que lhe conte o que está
acontecendo.
-- Estou sentada numa das depressões
do muro baixo e ondulado que existe ao
lado da minha casa... Vejo que um bebê
recém-nascido envolto num cobertor está
deitado em outra depressão. Ele está
vermelho de tanto chorar e remexer as
perninhas e os bracinhos apertados pelo
cobertor. Agita a cabeça, e a boca aberta
mostra a garganta no choro interminável...
Tem um mexicano sentado em outra
depressão. Tranqüilo ele fuma um cigarro
enquanto olha para as muitas pessoas que
passam pela calçada em frente ao muro.
Natalí começa a ofegar e o analista
quer conhecer o motivo da aflição.
-- O mexicano está me dizendo que o
bebê está com uma doença incurável e
que foi deixado ali para morrer...
Ninguém socorre o bebê... - começa Natalí
a repetir entre soluços angustiados e o
analista manda que ela acorde.
Insight e catarse
Natalí desperta e vê o analista
consultando as anotações que fez num
pequeno bloco de papel que segura na
mão esquerda. Depois o ouve falar:
Agora você vai saber o que a estava
enganando, fazendo-a pensar que o
mundo é mau.
A menina se levanta com animação e
o analista lhe pede que volte a deitar-se.
Aí lhe diz:
-- Desta vez você não vai dormir.
Em seguida ele faz a menina entender
como o consciente e o inconsciente de uma
pessoa funciona e se comunicam entre si.
Depois ele descreve o pesadelo e
acrescenta que aquela narrativa tem pelo
menos uma palavra que agirá como uma
chave que vai abrir a porta entre esses
compartimentos da mente dela. De tal
modo, acrescenta, que o seu consciente
conseguirá ver o acontecimento
verdadeiro que deu origem ao pesadelo e
tanto a entristeceu. Então continua:
-- Você vai fechar os olhos e ouvir
cada uma das palavras que eu extraí do
seu pesadelo. Vai procurar não pensar em
nada e deixar que somente as palavras
flutuem na sua mente, sabendo que num
dado momento uma delas revelará o que
de fato sucedeu, dando origem ao que
você sonhou. Está
pronta para começar?
-- Estou - responde Natalí com
firmeza.
Mexicano... - Natalí ouve e não esboça
uma reação. Então ele continua:- Muro...
Ondulação...
Enfermidade...Incompreensão...
Multidão... Indiferença!
Natalí escancara os olhos e se senta
rápido, rosto iluminado por um bonito
sorriso que logo se transforma em
sonoras gargalhadas. O analista se
levanta e chama os pais da menina.
Quando os vê ela pula da cama, corre
para eles, abraça as pernas de ambos e
com a face voltada para cima fala
emocionada:
Mundo lindo, mãe!... Mundo bom, pai!
Os pais a pegam nos braços e entre
abraços e choros eles se beijam felizes. O
psiquiatra convida-os a se assentarem à
Supra-Terapia
-- Vocês se lembram daquela boneca
com rosto de cerâmica e corpo de pano que
nós vimos na vitrine de uma loja quando
fazíamos as compras para o Natal, ha três
dias atrás? – Natalí pergunta aos pais e eles
se lembram - Lembram do que a vovó disse?
-- Tua avó ficou mal impressionada com
ela. Mas o que ela disse? - pergunta-lhe o
pai.
-- “Puxa, que coisa horrível! Parece um
bebê aleijado” - responde Natalí esforçando
uma careta para imitar a expressão da avó ao
falar. - Essa cena foi para o meu inconsciente
como uma atitude má das pessoas que
atulhavam as ruas do centro da cidade e
olhavam indiferentes para um bebê que fora
abandonado para morrer. Mas a
que assumiu para mim o papel de um bebê
verdadeiro abandonado ali para morrer por
estar padecendo de moléstia incurável.
-- Doutor, o que o senhor realizou deve
ter preço elevado, mas eu quero dizer-lhe que
esse feito sempre superará o valor que
alguém lhe possa atribuir.
-- Está bem, eu também aceito o
pagamento de valor incomparável - começa o
analista a responder, divertindo-se com o
olhar precavido daquele pai - O recibo com o
custo da terapia será remetido por correio,
pois eu também não desejo desmerecer o
que é digno de maior estima. Essa segunda
dívida vocês poderão resgatar através de um
compromisso que só lhes custará uma boa
dose de boa vontade.
-- Fale-nos desse compromisso ao qual
o senhor nos indica - diz a mãe de Natalí.
-- O compromisso é com a verdade
pura e não com as especulações que sobre
ela é costume fazer a título de verdade. Mas
não pensem num compromisso formal.
Vocês crêem na Bíblia?
-- Nós a lemos regularmente - responde
o pai.
-- A Bíblia classifica a falsidade como
semente maligna que germina no terreno
que lhe é propício: a nossa natureza
imperfeita - começa o analista a colocar
os termos do compromisso -. Nós não temos
recursos próprios para combater esse estado
mau da personalidade. Contudo, pela fé em
Jesus que é o recurso de Deus contra a
mentira, formamos a nossa resistência. A
Bíblia registra as seguintes palavras de
Jesus: “Eu sou a verdade”. Considerem que
essa definição é singular... – o analista
arregala os olhos tentando dar maior
consistência aos termos da consideração que
acaba de propor. –. Em outra ocasião Jesus
ora pelos que nele criam e pelos que ainda
haveriam de crer e pede ao Pai: “Santificaos na verdade; a tua palavra é a verdade”.
Essa palavra é a Bíblia e ela nos revela que
a verdade é Jesus. E onde está a verdade a
mentira não tem mais poder. Assim, a
verdade é o caminho de encontro com Deus.
Por outro lado a Bíblia afirma que o diabo é
o pai da mentira, e o primeiro truque da
mentira consiste em levar o homem a
duvidar que a mentira tem por pai o diabo.
Como se vê não nos convém qualquer
ligação com a mentira. Nem mesmo a que
nos pareça de todo inofensiva.
-- Esse é o preço que devemos pagar? pergunta o pai de Natalí e o analista diz que
sim.
-- Negócio fechado, doutor - exclama ele
e a mulher confirma:
-- Negócio fechado!
O analista olha para Natalí e ela levanta
o dedão da mão direita numa animada
aprovação.
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conto – aconteceu na semana do natal