BIO10-329 Biofísica de Proteínas Regente: Célia R. Carlini Proteínas: estrutura tridimensional e forças envolvidas Os assuntos abordados nessa aula são: - Modelos de estrutura proteica - Forças estabilizadoras da estrutura de proteínas - Métodos de estudo da estrutura de proteínas Atenção ! Use o modo “apresentação de slides” para ativar as animações Iniciaremos essa aula relembrando os conceitos de níveis organizacionais da estrutura de uma proteína, como visto na aula anterior: Heme (grupo prostético) Subunidades beta Subunidades alfa A Hemoglobina é um heterotetrâmero formada por 2 tipos de cadeias polipeptídicas . Para entender a estrutura 3D das proteínas, vamos “dissecá-la” em níveis organizacionais para facilitar o estudo: aminoácido É o esqueleto covalente (fio do colar), formado pela seqüência dos átomos (-N-C-Ca-)n na proteína. Estrutura primária: é a sequência dos aminoácidos na cadeia polipeptídica; mantida por ligações peptídicas Para entender a estrutura 3D das proteínas, vamos “dissecá-la” em níveis organizacionais para facilitar o estudo: x4 Estrutura secundária: • Enovelamento de partes da cadeia polipeptídica • Formada somente pelos átomos da ligação peptídica, através de pontes de H. • Ex: alfa-hélices e folhas beta. Estrutura terciária: • Enovelamento de uma cadeia polipeptídica como um todo. • Ocorrem ligações entre os átomos dos radicais R de todos os aminoácidos da molécula Estrutura quaternária: • Associação de mais de uma cadeia polipeptídica • No modelo, um tetrâmero composto de 4 cadeias polipeptídicas O primeiro passo para se estudar a estrutura de uma proteína é obtê-la de forma purificada. Geralmente a proteína que se deseja estudar é um componente minoritário (0,01 a 1%) em uma complexa mistura de outras proteínas que estão presentes em qualquer tipo de tecido ou célula. Purificar uma proteína significa separar a proteína de interesse das outras presentes na fonte de origem, de modo a ter somente ela no meio. Muitas vezes purificar uma proteína é a etapa limitante no estudo de suas características estruturais e propriedades biológicas. Em uma próxima aula estudaremos os métodos disponíveis para purificação de uma proteína Estrutura primária: é a sequência dos aminoácidos na cadeia polipeptídica. aminoácido A proteína pura é tratada com HCl 6N fervente para quebrar (hidrólise) as ligações peptídicas. A mistura resultante é submetida a métodos cromatográficos (fase reversa, troca iônica) para separar os diferentes aminoácidos. fluorescência Para determinar a estrutura primária de uma proteína, é necessário primeiro conhecer a composição (número e tipos) de seus aminoácidos. Tempo de retenção (min) A posição do pico no cromatograma identifica o aminoácido. A área do pico quantifica o aminoácido. Existem vários métodos para se determinar a sequência de aminoácidos de uma proteína. Aqui veremos como funcionam os dois métodos atualmente mais utilizados: a) Método de Edman: reação do aminoácido N-terminal da proteína com fenil-isotiocianato . A proteína modificada é submetida a hidrólise ácida liberando o aminoácido N-terminal modificado, e este é identificado por cromatografia. Segue-se novo ciclo de reação com o próximo aminoácido na proteína, que se tornou o novo N-terminal. b) Espectrometria de massa: determinação das massas de fragmentos correspondendo a aminoácidos, retirados sequencialmente da proteína. Veremos mais sobre esse método na aula sobre eletroforese e proteômica. ciclo 1 Método de Edman sequenciamento de proteínas com PITC (fenil-isotiocianato) (1) acoplamento (2) hidrólise com ácido trifluoroacético Cada ciclo de reação compreende 3 etapas: ciclo 2 acoplamento (3) 1. 2. hidrólise ácida 3. vai para novo ciclo Reação da proteína com PITC, que se acopla ao grupo amino NH2- livre do aminoácido 1 (no exemplo, uma lisina, K); Hidrólise ácida da proteína conjugada com PITC libera a feniltiohidantoína (PTH) do aminoácido 1 e o restante da proteína, tornando o aminoácido 2 o novo resíduo N-terminal (no exemplo uma serina, S); Análise cromatrográfica do PTHaminoácido e novo ciclo de reação com o novo N-terminal da proteína. Sequenciadores automatizados fazem todas as etapas, com capacidade para realizar 30 ciclos por dia, a partir de 100-200 picomoles de proteína. análise cromatográfica (troca iônica ou fase reversa) Quando uma proteína possui mais de 20-30 resíduos de aminoácidos, não é possível sequenciá-la diretamente pelo método de Edman. Proteína Total 150 a.a 30 aa sequência obtida a partir da proteína intacta Para obter a sequência completa de uma proteína, é necessário sequenciar vários peptídeos da mesma proteína, obtidos por diferentes tipos de quebra da cadeia, até haver sobreposição de suas sequências. proteína inteira peptídeos método A peptídeos método B Diferentes métodos são utilizados para obter-se diferentes peptídeos da proteína: A) enzimas proteolíticas, como tripsina (quebra em resíduos de Lys ou Arg) e quimotripsina (quebra em resíduos de Phe); B) tratamento com brometo de cianogênio (quebra em Met); e outros. Estudos da estrutura tridimensional de proteínas tiveram grande impulso na década de 1950 com Linus Pauling, e o uso de raios-X para analisar cristais de proteína. Na queratina (proteína da lã de carneiro), Pauling viu um padrão repetitivo de zonas claras (eletrondensas) e escuras na difração de raios X. Raio X Para explicar esse padrão, foi proposto o modelo da a-hélice, com as seguintes caracterísiticas: • esqueleto covalente C-C-N-C-C-N da proteína assume a forma de espiral ou mola, enrolada para a direita, com um espaçamento de 3,6 resíduos de aminoácido por volta; Filme fotográfico • o enovelamento é estabilizado por pontes de hidrogênio entre átomos das ligações peptídicas de qualquer aminoácido, exceto prolina; a-hélice • as cadeias laterais dos aminoácidos voltam-se para fora da hélice. Linus Pauling também propôs o modelo da folha pregueada ou estrutura b para explicar o padrão de difração de raios X pela b-queratina, proteína presente na unha, chifres e cascos de animais. Na folha pregueada as cadeias polipeptídicas dispõem-se lateralmente (em paralelo) e fazem pontes de H entre os átomos da ligação peptídica. As cadeias laterais R dos aminoácidos voltam-se para cima ou para baixo do plano da folha Vista lateral Folha paralela Folha anti-paralela -C N -N C Pontes de H -C -C N N antiparalela Paralela, torção à direita Paralela, torção à esquerda Folhas b paralelas e antiparalelas podem se formar em uma proteína através de pequenas torções da cadeia polipeptídica. A a-hélice e a folha b são os tipos de estrutura secundária mais comum entre as proteínas, por que não dependem da composição e sequência de aminoácidos, sendo estabilizadas apenas por pontes de H dos átomos da ligação peptídica. Entre os 20 aminoácidos, apenas a prolina não pode fazer nenhuma das duas estruturas, por formar uma ligação peptídica mais rígida em torno do Ca. Existem outros tipos de estruturas secundárias conhecidas, como a dobra b ou “alças” (domínios) de ligação a íons, como Ca2+ ou Zn2+. tipo 1 tipo 2 Dobra b hélice-dobra-hélice “Zinc-finger” Beta-alfa-beta Barril beta Só beta Só alfa Barril alfa-beta A estrutura terciária descreve a forma tridimensional final de uma cadeia polipeptídica, resultando da associação de partes organizadas da molécula, chamadas de “domínios” ou “motivos” proteicos. Alguns modelos de organização estrutural, como os barris b e ab, aparecem em vários tipos de proteínas, às vezes não relacionadas. Subunidade (uma cadeia polipeptídica) Proteína (biológicamente ativa; dímero não covalente ) Proteínas com estrutura quartenária são composta de mais de uma cadeia polipeptídica, que podem estar associadas covalentemente (pontes dissulfeto) ou não. Algumas definições importantes: - Por serem conceitos didáticos, frequentemente é difícil distinguir em uma proteína os níveis secundário e terciário de organização estrutural. - Para evitar tais ambiguidades utiliza-se o termo conformação proteica, que se refere aos aspectos da estrutura tridimensional de uma proteína acima de sua sequência de aminoácidos. - Os termos conformação e configuração não são sinônimos. Configuração refere-se à estrutura tridimensional de uma molécula determinada por ligações covalentes, como por exemplo, as formas L- e D- de um aminoácido. Conformação refere-se à estrutura tridimensional de uma molécula decorrente da somatória de ligações fracas, não covalentes. Conformação nativa de uma proteína refere-se à estrutura tridimensional em que a molécula apresenta suas propriedades biológicas naturais. Desnaturação refere-se a alterações da conformação nativa de uma proteína, podendo resultar em perda parcial ou total, reversível ou irreversível, de sua atividade biológica. Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de uma proteína ? Proteína Proteína NH2 — CH2 — OH ... O — C — CH2 — CH2 — FORÇAS NÃO COVALENTES Ponte de Hidrogênio Pontes de H -Aminoácidos polares Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de C —CH2—CH2— —CH2—CH2—NH+ 3 O Ligação Iônica —CH2 O uma proteína ? CH —CH3 CH3 CH3 CH3 — CH — CH2 — — CH — CH3 H3C — CH — CH3 Ligações iônicas - Aminoácidos carregados CH3 Interações hidrofóbicas e Forças de van der Waals Interações hidrofóbicas -Aminoácidos apolares Forças de Van der Waals -Qualquer aminoácido Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de uma proteína ? Proteína Proteína Pontes de H ocorrem: NH2 — CH2 — OH ... O — C — CH2 — CH2 — Ponte de Hidrogênio —CH2—CH2—NH+ 3 O Ligação Iônica —CH2 C —CH2—CH2— O - entre cadeias laterais de aminoácidos polares, carregados ou não; CH —CH3 CH3 CH3 CH3 — CH — CH2 — — CH — CH3 H3C — CH — CH3 - entre os átomos da ligação peptídica (por exemplo, a a-hélice e a folha b); CH3 Interações hidrofóbicas e Forças de van der Waals - para os grupos –NH3+ e –COO- dos aminoácidos N- e C-terminal, respectivamente. Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de uma proteína ? Proteína Proteína NH2 — CH2 — OH ... O — C — CH2 — CH2 — Ponte de Hidrogênio —CH2—CH2—NH+ 3 O Ligação Iônica —CH2 C —CH2—CH2— O - ocorrem entre as cadeias laterais de aminoácidos com cargas contrárias; - dependem do estado de ionização dos aminoácidos e do pH do meio; CH —CH3 CH3 Ligações iônicas: CH3 CH3 — CH — CH2 — — CH — CH3 H3C — CH — CH3 CH3 Interações hidrofóbicas e Forças de van der Waals - são menos frequentes do que as pontes de H. Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de uma proteína ? Proteína Proteína NH2 — CH2 — OH ... O — C — CH2 — CH2 — Ponte de Hidrogênio —CH2—CH2—NH+ 3 O Ligação Iônica —CH2 C —CH2—CH2— O CH —CH3 CH3 CH3 CH3 — CH — CH2 — — CH — CH3 H3C — CH — CH3 CH3 Interações hidrofóbicas e Forças de van der Waals -Interações hidrofóbicas: - ocorrem entre as cadeias laterais de aminoácidos apolares; - radicais apolares são repelidos pela água, aproximando-se uns dos outros; - não é uma força de atração real, resultando da repulsão pela água; - como consequência, em meio aquoso o interior de proteínas globulares é hidrofóbico. Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de uma proteína ? Proteína Proteína Forças de Van der Waals NH2 — CH2 — OH ... O — C — CH2 — CH2 — Ponte de Hidrogênio —CH2—CH2—NH+ 3 O Ligação Iônica —CH2 C —CH2—CH2— O - é uma força eletrostática que ocorre entre dipolos temporários; - dipolos temporários (duração de nanosegundos) são criados devido à órbita errática dos elétrons; CH —CH3 CH3 CH3 CH3 — CH — CH2 — — CH — CH3 H3C — CH — CH3 CH3 Interações hidrofóbicas e Forças de van der Waals - pode envolver qualquer tipo de aminoácido; - geralmente coincidem com as regiões da proteína onde ocorrem as interações hidrofóbicas, pois a aproximação dos radicais apolares facilita a interação entre os dipolos. Quais são os tipos de forças que mantém a estrutura tridimensional de uma proteína ? Além dos laços não covelentes, uma proteína pode ter pontes dissulfeto formada a partir de dois resíduos do aminoácido Cys (cisteína). Pontes dissulfeto são covalentes e só podem ser rompidas por agentes redutores, como 2-mercapto-etanol. B A O hormônio insulina é composto por duas subunidades, A e B, unidas por duas pontes dissulfeto intercadeia. Além disso, a cadeia B possui uma ponte dissulfeto intracadeia A conformação proteica depende basicamente de forças fracas, como a ponte de H e interações hidrofóbicas. A tabela mostra que a força das ligações entre os átomos do esqueleto covalente de uma proteína C-C-N-C-C-N é da ordem de 70 a 80 kcal/mol. (Não esquecer que a ligação C-N tem carácter parcial de dupla ligação C=N, por causa da ressonância da ligação peptídica.) Tipo de ligação Energia * (Kcal/mol) Tipo de ligação Energia * (Kcal/mol) LIGAÇÃO SIMPLES O—H 110 LIGAÇÃO DUPLA C O 170 H—O P—O 104 100 C C C—H N—H 99 93 C—O C—C S—H C—N C—S N—O S—S 84 83 81 70 62 53 51 N C O 147 146 P 120 LIGAÇÃO TRIPLA 195 C C PONTE DE HIDROGÊNIO NH ...O OH ... N 4-5 NH ... N OH ... O * O valor indicado para cada ligação refere- se à quantidade de energia necessária para rompê-la. A ligação peptídica é muito forte e só se rompe em condições químicas drásticas, como 6N HCl a 100ºC. A ponte dissulfeto (-S-S-) é relativamente rara entre as proteínas. Por ser um laço covalente, não se rompe quando uma proteína desnatura em meio ácido ou por calor. Proteínas são moléculas frágeis e podem ser desnaturadas, com perda de suas propriedades biológicas, por pequenas variações do pH ou da temperatura do meio. A ponte de H é uma das principais forças envolvidas na estabilidade da conformação nativa. As interações que as proteínas estabelecem com o meio são importantes na determinação de sua conformação. A bacteriorhodopsina é formada por 7 segmentos de a-hélices apolares, que delimitam um canal interno de natureza polar. O índice hidropático dos aminoácidos reflete a tendência que as suas cadeias laterais têm para interagir com o meio aquoso. Quanto mais negativo esse índice, mais polar é o aminoácido. O perfil hidropático de uma proteína é calculado como a soma dos índices hidropáticos a cada 9 resíduos de aminoácidos na cadeia polipeptídica. Permite prever regiões da proteína que interagem com a membrana plasmática ou com os meios interno/externo. O perfil hidropático da bacteriorhodopsina prevê 7 regiões hidrofóbicas e 3 regiões hidrofílicas. canal de H+ meio externo citoplasma Bacteriorhodopsina inserida em uma porção da membrana A bacteriorhodopsina (bR) da arqueobactéria Halobacterium salinarum, é o sistema fotossintético mais simples conhecido, permitindo a sobrevivência do organismo em situações de baixo O2, ao converter luz solar em energia química. Quando a molécula de bR absorve um fóton, ela se torna uma bomba de prótons, bombeando H+ do meio intracelular para o exterior da célula. A energia do gradiente eletroquímico formado é então utilizada para síntese de ATP por uma ATP sintase. Para ter esse tipo de estrutura, a proteína apresenta as cadeias laterais de seus aminoácidos apolares voltadas para “fora”, em contacto com os lipídeos da membrana da célula. Aminoácidos polares estão voltados para “dentro”, delimitando o canal de prótons da molécula. Por que diferentes moléculas de uma proteína apresentam sempre a mesma estrutura 3D ? De onde vem a informação para a estrutura tridimensional de uma proteína ? O pesquisador sueco Cristian Anfisen foi um pioneiro no estudo da estrutura 3D de proteínas, e recebeu o Prêmio Nobel (1972) por suas descobertas. Anfisen estudou a Ribunuclease (14.000d), proteína com 8 cisteínas formando 4 pontes dissulfeto. Ele demonstrou que era possível fazer uma desnaturação reversível da proteína, adicionando uréia e 2-mercaptoetanol para abrir as suas 4 pontes dissulfeto. Ao retirar lentamente (por diálise), esses reagentes, a proteína volta a ter atividade biológica, mostrando que voltou à sua conformação nativa. Esse fato é surpreendente pois as 8 cisteínas, combinadas 2 a 2, dariam 28 = 256 possibilidades, de formar diferentes pontes dissulfeto, mas apenas o arranjo original de pontes se forma. A conclusão de Anfisen foi a de que a sequência dos aminoácidos (não alterada na desnaturação) é o que determina a estrutura 3D das proteínas. Como é possível termodinamicamente que as proteínas tenham estruturas tão altamente organizadas ? De onde vem a energia que estabiliza a estrutura 3D das proteínas ? energia entropia A conformação nativa de uma proteína representa o estado de menor energia do sistema. A energia que estabiliza a estrutura 3D de uma proteína vem do aumento da entropia da água, representando “desorganização” da água à medida que interagem com a proteína. Estrutura nativa In vivo conformações intermediárias das proteínas são estabilizadas por chaperonas durante o processo de síntese proteica. Utilize o programa RasMol para explorar a estrutura tridimensional de proteínas: 1. Clique aqui para fazer o download do arquivo rw32b2a.exe. Salve-o numa pasta em seu computador. 2. Faça o download dos arquivos .pdb da quimotripsina e da pepsina. 3. Execute o RasMol (clique 2X no arquivo rw32b2a.exe) e abra os arquivos .pdb 4. Explore as várias formas de visualização das proteínas. Encerramos aqui a segunda aula da disciplina Biofísica de Proteínas. • Níveis de organização estrutural das proteínas • Modelos de estrutura proteica • Métodos de estudo da estrutura primária de proteínas • Forças estabilizadoras da estrutura de proteínas No ED 2 aplicaremos vários dos conceitos aprendidos hoje.