ANÁLISE DE DOMÍNIO E PROSPECÇÃO DA REALIDADE EMPRESARIAL: avaliação do potencial de uma metodologia de gestão arquivistica Célia da Consolação Dias* RESUMO O objetivo do presente trabalho é analisar uma metodologia para o gerenciamento arquivístico de documentos convencionais e em formato eletrônico quanto a sua capacidade de possibilitar a prospecção da realidade empresarial. Pretende-se discutir a análise de domínio e a garantia organizacional, as potencialidades da metodologia DIRKS, como método que possibilitou o levantamento de dados sobre o contexto organizacional na arquivística e a análise de domínio no Projeto de Elaboração dos Instrumentos de Gestão na administração direta do governo do Estado de Minas Gerais1. Neste sentido o conceito de análise de domínio será discutido em conexões com os fundamentos da arquivologia, associados ao conceito de garantia da literatura e garantia organizacional. Palavras-chave: Análise de Domínio. Gestão de Documentos. Metodologia DIRKS. 1 INTRODUÇÃO Um domínio pode revelar informações sobre uma determinada comunidade, suas práticas e os limites existentes em campos do conhecimento, disciplinas ou até mesmo entre empresas e determinado segmento da economia. No campo da gestão arquivística, partir da modelização da realidade já se constitui princípio fundamental na construção dos instrumentos necessários para a gestão de documentos; sabe-se, entretanto, que na construção de ontologias essa etapa que garante o comprometimento ontológico nem sempre se encontra claramente descrita nos modelos propostos para a sua construção. A análise de domínio pode ser aplicada à arquivologia? Uma resposta preliminar seria: A arquivologia não pode prescindir da avaliação da estrutura, funções e práticas do ambiente organizacional, assim como de outras instâncias reveladoras da realidade, tais como, vocabulário para a implantação da gestão de documentos. 1 Projeto Elaboração de instrumentos de gestão de documentos: plano de classificação de documentos e tabela de temporalidade e destinação de documentos de arquivo para as atividades finalísticas dos órgãos do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais implementado pelo Arquivo Público Mineiro * Aluna de doutorado do programa de pós-graduação em Ciência da Informação da UFMG Com base no estudo e nas abordagens de Hjorland (2002) para a análise de domínio na ciência da informação levanta-se outra questão: Como deve ser feita uma análise de domínio que possibilita o levantamento dos elementos da realidade aplicada à arquivística com seus fundamentos teóricos e suas particularidades? Como o conceito discutido por Hjorland pode ser aplicado à arquivística? Neste trabalho pretende-se discutir a análise de domínio e a garantia organizacional á luz dos fundamentos da arquivologia e associado ao conceito de garantia da literatura e garantia organizacional, como preparação para a análise das potencialidades da metodologia DIRKS para a análise do domínio. 2 A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Serão discutidos nesta seção, como fundamentos teóricos, as temáticas centradas nos princípios da arquivística, da gestão de documentos, da análise de domínio e da garantia da literatura. 2.1 A arquivística e os seus fundamentos O princípio da proveniência é o primeiro que define um conjunto de documentos como arquivo. Segundo o Arquivo Nacional em seu Subsídios para um Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística o princípio da proveniência é o “Princípio básico da arquivologia segundo o qual o arquivo (1) produzido por uma entidade coletiva, pessoa ou família não deve ser misturado aos de outras entidades produtoras.” (ARQUIVO NACIONAL, 2004). . Para o Arquivo Nacional o princípio do respeito à ordem original é o “Princípio segundo o qual o arquivo (1) deveria conservar o arranjo dado pela entidade coletiva, pessoa ou família que o produziu.” (ARQUIVO NACIONAL, 2004). O princípio ajuda na compreensão do significado dos documentos e dá ao arquivista um guia que auxilia no arranjo, descrição e utilização dos documentos. A teoria das três idades compreende o ciclo de vida dos documentos. Segundo (COUTURE; ROUSSEAU, 1998, p.53) essa abordagem é oriunda dos Estados Unidos e “tem as suas raízes nas reflexões que os arquivos e os records managers tiveram de fazer para resolver os seus problemas de massa documental, no princípio do século.” A teoria das três idades ou ciclo de vida dos documentos nasceu em 1940 a partir da necessidade de resolver a situação de caos documental e de melhorar a recuperação da informação para a tomada de decisão. Para isto o ciclo de vida foi separado em três fases a corrente, a intermediária e a fase permanente. Os princípios arquivísticos fornecem as bases teóricas para nortear a implementação de ações, tanto quanto para orientar em relação à elaboração dos instrumentos de gestão de documentos de arquivo como a atividade de classificação e na de avaliação. Nesse sentido, a implantação do processo de gestão de documentos permitirá o acesso às informações, a racionalização dos procedimentos organizacionais, a transparência das ações do governo, a democracia e o exercício da cidadania. 2.1.1 Gestão de documentos O termo gestão de documentos ou administração de documentos é uma tradução do termo inglês record management. Considera-se gestão de documentos “o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente” (BRASIL, 1991, Art. 3º).2 A gestão da documentação arquivística teve a sua origem com a crescente massa documental gerada e acumulada pelas instituições públicas principalmente nos Estados Unidos e Canadá na década de 1940. Os objetivos da gestão de documentos são: a) assegurar, de forma eficiente, a produção, administração, manutenção e destinação de documentos; b) assegurar a eliminação dos documentos que não tenham valor administrativo fiscal, legal ou para pesquisa científica; c) assegurar o uso adequado da microfilmagem, processamento automatizado de dados etc.; d) contribuir para o acesso e preservação dos documentos que mereçam guarda permanente por seu valor histórico. A gestão de documentos é composta de três etapas: a produção dos documentos, a tramitação e a avaliação e destinação. 2 Lei Federal n.º 8.159, 1991, Art. 3º, referente à política de arquivos no Brasil 2.1.2 A metodologia DIRKS 3 A metodologia DIRKS está registrada no manual do DIRKS-Designing and Implementing Recordkeeping Systems, publicada pelo Arquivo Nacional da Austrália e é oriunda da norma ISO 15.489/2001 para o gerenciamento de informações e documentação. A metodologia DIRKS é formada por oito passos: Passo A: investigação preliminar; Passo B: análise de atividades; Passo C: identificação de requisitos de arquivamento; Passo D: análise dos sistemas de arquivamento existentes; Passo E: identificação de estratégias de arquivamento; Passo F: design de sistema de arquivamento; Passo G: implementação do sistema de arquivamento; e Passo H: revisão pós implementação. (Austrália, 2001) Serão utilizados apenas os três primeiros passos da metodologia como etapas para a prospecção da realidade organizacional. Nessas etapas os levantamentos compreenderam: Levantamento do contexto organizacional: cadastro das fontes de informações utilizadas pela organização, os levantamentos sobre cada instituição trabalhada, a estrutura, o ambiente organizacional em que a instituição trabalha e os fatores que afetam as práticas de arquivamento. Análise das atividades: compreenderam os levantamentos de funções e atividades em formulários próprios, bem como a elaboração dos fluxos de cada processo com a identificação dos documentos; Análise dos requisitos de arquivamento e avaliação dos processos para discussão sobre os prazos de guarda para a documentação. E, por último a Identificação dos requisitos de arquivamento para a elaboração da Tabela de Temporalidade e Destinação de Documentos de documentos. Estes levantamentos serão avaliados quando á sua capacidade de análise do domínio no qual ocorre a gestão arquivística. 2.2 Análise de domínio Apresenta-se aqui de forma sucinta e bastante reduzida o conceito de análise de domínio elaborado neste projeto em andamento a partir das referências estudadas. Para Prieto-Díaz (1990) a análise de domínio pode ser definida como um processo pelo qual a informação usada no processo de desenvolvimento de sistemas de 3 Metodologia implementada pelo Arquivo Público Mineiro no Projeto 'Elaboração de instrumentos de gestão de documentos: plano de classificação de documentos e tabela de temporalidade e destinação de documentos de arquivo para as atividades finalísticas dos órgãos do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais'. software é identificada, capturada e organizada com o propósito de torná-la reusável quando da criação de novos sistemas. Desta forma, o aspecto principal desta definição é a organização do conhecimento para a solução de problemas em relação ao desenvolvimento de softwares. Entretanto, Begthol (1995) afirma que a temática análise de domínio tem sido estudada, também, por outras áreas do conhecimento, como a ciência da informação por exemplo. Tanto os trabalhos de Hjorland e Albrechtesen (1995) como os de Prietro-Díaz (1992) enfatizam a necessidade de uma forte base teórica para o desenvolvimento da análise de domínio em diversos campos do conhecimento. O tema análise de domínio, na ciência da informação, foi desenvolvido por Hjørland e Albrechtsen (1995) e pode ser definido como o pensamento ou comunidade de discurso que são partes da divisão da sociedade do trabalho, enfatizam que a especialidade, a disciplina, o domínio e o ambiente como unidades de estudo. De acordo com Tennis (2003) o domínio pode ser um corpo de literatura ou mesmo um sistema de pessoas e de práticas de trabalho com uma linguagem comum. Hjorland (2004) propôs onze abordagens para estudar um domínio específico. Segundo o autor cada uma dessas onze abordagens pode ser usada para analisar um domínio. Um dos elementos que devem ser considerados para a análise de um domínio específico é o uso das garantias que serão utilizadas para validar os instrumentos de representação da informação. 2.3 A garantia da literatura e as outras garantias O termo garantia da literatura foi introduzido em 1915 por E. Wyndlan Hulme4 em seu livro Principles of Book Classification. Essa parte apresentará os outros tipos de garantia encontrados na literatura para a construção dos instrumentos de representação do conhecimento. São eles: garantia literária, garantia do usuário, Consenso, Garantia da literatura, garantia educacional, Garantia documental e a garantia terminológica. A seguir serão discutidas as garantias que incidem na gestão arquivistica, embora uma discussão extensa tenha sido feito no trabalho original. A garantia cultural significa que qualquer tipo de representação do conhecimento e/ou sistema de organização pode ser maximamente apropriado e útil para indivíduos em algumas culturas apenas se isto é baseado em pressupostos, valores 4 Hulme, E. W. (1911). Principles of Book Classification. Library Association Record, 13:354-358, oct. 1911; 389-394, Nov. 1911 & 444-449, Dec. 1911. Click for fulltext:Hulme_1911_354-358+389-394.pdf; Hulme_444-449.pdf e predisposições daquela cultura. Beghtol (2002, p.511). A garantia cultural é descrita como a percepção de que as classificações e as relações semânticas são dependentes do contexto cultural. Beghtol(1986) A Garantia documental especifica que um dos princípios dos sistemas de classificação cujo enunciado sugere que qualquer tabela de classificação ou toda a estrutura de conceitos deve ser apoiada pelas características, especificidade, abordagens e terminologia com que é tratada a disciplina na documentação corrente, em vez de considerações ou postulados teóricos. Deste modo se estabeleceria uma coerência entre a disciplina tal como é desenvolvida nos documentos, bem como nos sistemas de classificação. (BARITÉ, 2000). 3 ELEMENTOS DE ANALISE DE DOMÍNIO, METODOLOGIA DIRKS E A DA ARQUIVÍSTICA O conceito de Hjorland (2002) para análise de domínio compreende o entendimento das áreas de conhecimento das chamadas comunidades de discurso. Este estudo envolve a forma de organização do conhecimento e as formas de comunicação desta comunidade, a estrutura do campo, os padrões de cooperação, a linguagem, as formas de comunicação, os sistemas de informação, os critérios de relevância, os reflexos destes trabalhos nas comunidades e o seu papel na sociedade, além das necessidades de informação individuais. Quando se fala de um domínio na arquivística, entretanto, observa-se que das abordagens propostas por Hjorland(2004) nem todas são aplicáveis para estudar o campo da arquivística da mesma forma como são para os estudos específicos da ciência da informação. Em relação à metodologia DIRKS, esta também aponta como caminho uma análise da comunidade buscando um entendimento de suas práticas em relação ao contexto organizacional. Os elementos do conceito de análise de domínio de Hjorland (2002), serão analisados em relação aos princípios da arquivística e à metodologia DIRKS. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se verificar a partir dos conceitos e discussões apresentadas que os princípios que regem a gestão arquivística têm relação estreita com o domínio organizacional, o que leva a crer que os processos pertinentes compreendem uma verdadeira análise do domínio organizacional. Para proceder a análise do domínio elementos importantes devem ser considerados como os levantamentos do contexto organizacional que revelam dados sobre o ambiente organizacional do ponto de vista legal, cultural, político entre outros, assim como os levantamentos que possibilitam um estudo das funções, atividades e processos. REFERÊNCIAS ARQUIVO NACIONAL. Subsídios para um dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: , 2004. Disponível na internet: <http://www.arquivonacional.gov.br/download/dic_term_arq.pdf>. 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