Jornal Valor --- Página 3 da edição "12/09/2012 1a CAD A" ---- Impressa por ccassiano às 11/09/2012@21:11:10 Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 12/9/2012 (21:11) - Página 3- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto Quarta-feira, 12 de setembro de 2012 | Valor | A3 Brasil Infraestrutura Acerto de contas a ser feito com o governo provoca dúvidas Pacote do setor elétrico causa temor em concessionárias Custo extra Encargos embutidos na conta de luz Encargos Para que serve Arrecadação em 2011 (em R$ milhões) Peso aproximado na conta de luz (em % da tarifa média) O que saiu Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) Reserva Global de Reversão (RGR) Divide os altos custos de geração termelétrica na região Norte Providencia receitas para o governo pagar indenizações de concessões não amortizadas 5.900 1.665 3,9 0,9 Subsidia o primeiro lote de projetos de energias renováveis, como usinas eólicas Recolhe recursos para cobrir custos administrativos e operacionais da Aneel Compensam municípios pelo aproveitamento de seus recursos hídricos (royalties de hidrelétricas) Pagam os custos adicionais de acionamento de usinas térmicas Financiam projetos de inovação no setor elétrico Pagam os custos de contratação de energia de reserva 2.061 464 1.635 1,1 0,3 1,1 1.409 1.200 321 1,0 0,8 0,2 3.310 2,3 O que ficou Proinfa Taxa de fiscalização de serviços de energia elétrica (TFSEE) Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) Encargos de Serviços do Sistema (ESS) Pesquisa e desenvolvimento (P&D) Encargos de Energia de Reserva (EER) O que mudou Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) Financia a universalização dos serviços de energia (Luz para Todos). Foi reduzida a 25% do custo cobrado sobre a conta de luz Fontes: Aneel/ Abrace/ Itaú BBA André Borges e Daniel Rittner De Brasília O governo anunciou ontem o mais agressivo pacote de medidas para redução do preço da energia elétrica já feito no país. A conta de luz terá um alívio, em média, de 20,2% para todos os consumidores. Na indústria, essa queda oscilará entre 19% e 28%, e varia conforme o nível de consumo das empresas — o desconto será maior para quem usa mais energia na produção. No consumo residencial, a redução chegará a 16,2%. Os descontos valem a partir de 5 de fevereiro de 2013. Para chegar a esse resultado, o governo adotou um conjunto de ações. De um lado, cortou velhos encargos que incidiam sobre a conta do consumidor. De outro, anunciou a decisão de prorrogar os contratos de geração, transmissão e distribuição que vencem entre 2015 e 2017. Para isso, impôs às concessionárias a obrigação de reduzir os seus custos, repassando esse benefício aos consumidores. Durante discurso feito para uma plateia de empresários, no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff aproveitou a ocasião para alfinetar a gestão do expresidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), dizendo que “um grande trabalho na área de energia” foi feito a partir de 2003. “Tínhamos um país com sérios problemas de abastecimento e distribuição de energia, que amargaram oito meses de racionamento, que resultaram em grandes prejuízos para as empresas e impuseram restrições à qua- lidade de vida da população. Tivemos que reconstruir esse setor”, disse Dilma, referindo-se à crise energética vivida em 2001. A precisão com que o governo expôs as taxas de queda no preço da energia foi recebida com entusiasmo pela indústria. Do lado das concessionárias, no entanto, prevaleceram as dúvidas e a apreensão quanto ao acerto de contas que precisa ser feito com a União. O grande nó a ser desfeito nos próximos meses diz respeito às prováveis indenizações que o governo terá de pagar às concessionárias que tiverem seus contratos prorrogados por até 30 anos. Do lado do governo, prevalece a defesa de que os investimentos feitos pelas concessionárias de geração, transmissão e distribuição de energia já foram plenamente ressarcidos ao longo dos 50 anos de exploração comercial feita por essas empresas. As concessionárias, no entanto, advogam para si um saldo bilionário que precisa ser quitado. No fim do ano passado, elas chegaram a apresentar à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) uma fatura de nada menos que R$ 47 bilhões. O governo, no entanto, ainda não apresentou qual é a dívida que teria. De acordo com Nelson Hubner, diretor-geral da Aneel, os cálculos sobre as indenizações serão concluídos nas próximas semanas. Caberá às empresas, então, negociar a proposta com o governo e decidirem se aceitam ou não a prorrogação. Em última hipótese, o concessionário pode simplesmente deixar o contrato vencer e entregar a operação, caso entenda que o ne- RUY BARON/VALOR Dilma Rousseff: “Tínhamos um país com sérios problemas de energia, que amargou oito meses de racionamento” gócio não seja mais atraente. O secretário-executivo de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, disse que as concessionárias terão 30 dias de prazo — a partir da publicação da Medida Provisória que regulamenta as novas regras — para manifestarem interesse em assinar a prorrogação dos contratos. Uma das dúvidas básicas que tiram o sono das empresas refere-se ao critério que será utilizado pelo governo para avaliar os ativos que ainda não foram amortizados. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, indicou como essa questão será resolvida. O cálculo que será feito para pagar as indenizações, segundo ele, levará em conta a atualização de preço dos Indústria elogia medidas, mas diz que impacto nos custos será modesto De Brasília, de São Paulo e do Rio A redução de até 28% da tarifa de energia elétrica para o setor industrial deve reduzir os custos fixos de produção do setor em até 4%, segundo estimativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Na média, contudo, a queda deve ficar em torno de 0,8%, de acordo com cálculos da confederação com base na Pesquisa Industrial Anual (PIA) de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelas contas da CNI, as despesas com energia representam 3,9% do custo fixo para a indústria e cerca de 85% do consumo industrial é de energia elétrica. A indústria elogiou ontem o pacote do governo que reduziu o custo da energia elétrica. Apesar dos elogios, os representantes ponderaram que o impacto direto de até 28% de queda é restrito a um grupo pequeno de empresas e, mesmo com a redução, o custo do insumo no país ainda é elevado. A tarifa média de energia elétrica paga pela indústria brasileira deverá cair de R$ 329 para R$ 264 por megawatt-hora, segundo cálculos preliminares da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Em um ranking de 27 países, no qual o último tem a tarifa mais cara, com a redução o Brasil ganha quatro posições e passa da 24 a para a 20 a posição da lista. Deixa para trás Chile, México, El Salvador e Cingapura. Para o presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, a redução das tarifas anunciada pelo governo pode ser classificada como “um avanço gigantesco” e recupera a competitividade de setores eletrointensivos, como o de alumínio. Segundo a CNI, do custo médio total da tarifa de energia elétrica, cerca de 45% são referentes a encargos, taxas e tributos. O Brasil, de acordo com a confederação, paga 143% a mais pela energia do que os outros países que compõem o grupo dos Brics (Rússia, Índia e China e África do Sul). Nas contas da Firjan, a diferença é menor em relação aos Brics — 90%. O diretor do Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti, disse que apenas 1,8% das indústrias do país serão contempladas com a queda de até 28% no preço da conta de luz, a redução máxima anunciada ontem pelo governo. Segundo Cavalcanti, as demais 98,2% de empresas terão um benefício bem inferior, ficando com os 19% de redução anunciados pelo governo. “Os maiores beneficiados serão, especificamente, os empresários da indústria eletrointensiva.” Apesar da pequena participação no setor industrial, o segmento mencionado pelo diretor da Fiesp consome, sozinho, 57% de toda a energia industrial do país. Trata-se de empresas dos setores de alumínio, cimento e siderurgia, entre outros. Mesmo com a concentração dos maiores benefícios nessa categoria da indústria, a Fiesp comemorou os resultados. “A queda média do preço da energia será de 20,2%. Não temos como negar que isso é uma revolução no setor. Nunca houve uma queda de energia na história como essa”, comentou Cavalcanti. Gouvêa Vieira, da Firjan, elogiou bastante a iniciativa do governo de diminuir o preço da energia no Brasil, mas destacou a importância de avançar no assunto. Um dos próximos passos, segundo ele, pode ser a queda das alíquotas de ICMS pelos governos estaduais. Para o presidente da Alcoa no Brasil, Franklin Feder, a redução de até 28% no preço da energia elétrica aproxima o custo desse insumo na indústria brasileira de alumínio da média internacional, de US$ 35 por megawatt-hora (MWh), segundo ele. “Aqui, chegamos a pagar US$ 82 por MWh, no pico”, afirmou. Mas, ainda assim, o valor deve seguir acima do de concorrentes, disse. Com a recente desvalorização do real, a tarifa baixou para um nível próximo de US$ 60 MWh. Por isso, a expectativa da Alcoa é que o alívio nas contas de luz aproxime o Brasil da média global. Mesmo assim, conforme acrescentou Feder, países do Oriente Médio oferecem energia elétrica abaixo de US$ 20 MWh. O executivo lembrou que a indústria de alumínio está com estoques elevados em termos globais, o que tende a desestimular novos investimentos em ampliação de capacidade. A diretora-executiva de Sustentabilidade e Energia da Vale, Vania Somavilla, que a redução do custo da energia vai beneficiar não só as empresas: “É um benefício sistêmico”, frisou. Para ela, a medida aumenta a competividade e ajuda na geração de renda e empregos, além de expandir novos negócios. Ela ressaltou que o elevado custo da energia elétrica é um dos limitadores do investimento. Também o presidente da Bayer no Brasil, Theo Van Der Loo, considerou a medida positiva. Mas, segundo ele, o governo necessita anunciar pacotes de incentivos visando o longo prazo. Para ele, os custos da indústria com gás natural e logística ainda são elevados. “As iniciativas tomadas pelo governo ajudam a tornar as indústrias mais competitivas”, disse. equipamentos adquiridos pelas empresas. O governo vai verificar quanto seria necessário investir hoje para obter aquela capacidade que o concessionário implementou. Caso o valor aferido seja inferior àquele que o concessionário já aplicou, com seus devidos reajustes, será feito o acerto de contas. “É uma metodologia já utilizada pela Aneel”, afirmou Tolmasquim. Apesar da apreensão das empresas quanto ao futuro dos seus contratos e, principalmente, quanto às suas margens de lucro, o governo acredita que há espaço para até ampliar os percentuais de descontos prometidos. Durante seu discurso, a presidente Dilma Rousseff disse que a redução definitiva ainda depende dos cálculos da Aneel, mas que “os descontos poderão ser ainda maiores”. Na prática, Dilma referia-se ao fato de que somente as condições dadas às concessionárias de geração e de transmissão foram apresentadas. O governo só pretende divulgar em março as regras que serão aplicadas às distribuidoras. Apesar disso, elas também podem apresentar imediatamente seus pedidos formais de renovação das concessões. O próprio governo adianta, porém, que a margem para ganhos adicionais de redução das tarifas é bastante apertada. Isso ocorre porque as distribuidoras, ao contrário das hidrelétricas, já passam por revisões periódicas de tarifas pela agência reguladora. Para promover uma redução de preço que a indústria nacional classificou como “histórica”, o governo também lançou mão de recursos do Tesouro Nacional. O corte de três encargos da conta de luz — Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), Reserva Geral de Reversão (RGR) e a eliminação de 75% da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) — será compensado com o aporte de R$ 3,3 bilhões, recurso que será obtido por meio de créditos que a União detém com Itaipu Binacional. Com esse investimento, o governo quer manter programas sociais como o Luz Para Todos, que é financiado com o recolhimento do CDE. A prorrogação das concessões de energia envolve 20 contratos de geração, com prazos de vencimento entre 2015 e 2017, totalizando 22 mil megawatts, equivalentes a cerca de 20% do parque gerador nacional. Na transmissão, são nove contratos com prazos de vencimento em 2015, totalizando 85 mil quilômetros, o que representa 67% da rede do Sistema Interligado Nacional (SIN). Entre as distribuidoras há 44 contratos com vencimentos entre 2015 e 2016, representando 35% do mercado consumidor. A prorrogação poderá ser feita uma única vez, pelo prazo máximo de até 30 anos para hidrelétricas, transmissão e distribuição. No caso de quatro termelétricas, a renovação é de até 20 anos. Segundo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a possibilidade de antecipar em até três anos a prorrogação fará com que os benefícios sejam sentidos pelo consumidor já em 2013. Quanto vão baixar as tarifas Em %, por segmento de consumo -16,2% -21,4% -20% -19,4% -20,2% -24,8% -28,0% A1 A2 A3 + 230 kV De 88 a 138 kV De 30 a 69 kV Aço, alumínio, cimento Montadoras, grandes indústrias, metalúrgicas Montadoras, grandes indústrias, metalúrgicas Montadoras, grandes indústrias, metalúrgicas Alimentos, cerâmica, comércio de grande porte Residências, lojas, agências bancárias -10,8% -9,3% -6,9% -7,4% -6,8% -5,4% -7,0% Efeito da -17,2% prorrogação das concessões -15,5% -14,5% -12,6% -12,6% -10,8% -13,2% Efeito da retirada de encargos A3a A4 De 2,3 a 25 kV Baixa tensão Média geral Fonte: Ministério de Minas e Energia Famílias vão “economizar” R$ 7, 6 bilhões Francine De Lorenzo De São Paulo A redução média de 16,2% na conta de energia elétrica dos consumidores residenciais a partir de 2013 permitirá aos brasileiros economizar cerca de R$ 7,6 bilhões por ano, segundo cálculos da Andrade & Canellas, consultoria especializada no setor energético. De acordo com João Carlos Mello, presidente da consultoria, a medida, anunciada pela presidente Dilma Rousseff na semana passada e detalhada ontem, baixará o custo do megawatt-hora (MWh) para o consumidor residencial em aproximadamente R$ 74. Em 2011, a tarifa média paga pelos brasileiros foi de R$ 455,20 por MWh, incluindo impostos, de acordo com a consultoria. A conta de luz é composta por quatro tipos de custos: geração, transmissão, distribuição e encargos e tributos. Juntos, os custos de geração, transmissão e distribuição respondem por 55% da conta de energia elétrica, segundo Andrew Frank Storfer, sócio da Interacta Participações. Os outros 45% são encargos e tributos. “É isso que pesa na conta de luz”, afirma Storfer. Dos R$ 7,6 bilhões ao ano que o consumidor economizará com a conta de luz, R$ 2,4 bilhões serão tributos, aponta o estudo da Andrade & Canellas. Com a conta de energia elétrica 16,2%, em média, mais baixa, os consumidores terão uma pequena folga no orçamento, o que, segundo o consultor financeiro Mauro Calil, deverá reforçar o consumo no próximo ano. Como o valor é pequeno — em uma conta de R$ 100, a economia seria de R$ 16 —, Calil acredita que o principal destino desse dinheiro será pequenos gastos do dia a dia, como a compra de uma peça de roupa ou lazer. “A maior parte dos brasileiros vai perceber uma redução na conta de luz e só. O destino desse dinheiro não será planejado”, afirma o consultor, acrescentando que deverá haver casos em que os recursos servirão para cobrir o cheque especial ou para complementar a prestação de um bem de consumo. Calil, contudo, alerta para o prazo de validade da medida. “Ela será eficiente até que a inflação corroa o poder de compra do consumidor.” Com a inflação rodando a 5,5% ao ano, como preveem os economistas para 2013, em três anos o ganho da conta de luz deixará de existir, diz o consultor.