CARTA ECONÔMICA
Novembro de 2010
Por George Bezerra
O AMBIENTE EXTERNO E A MARGEM DE MANOBRA DA POLÍTICA ECONÔMICA NO BRASIL
Como já era previsível, o tema central da reunião dos representantes das 20 maiores economias do mundo, concluída na
última sexta feira, em Seul, continuou sendo a “guerra cambial” – como já havia acontecido na última Assembléia Anual do
FMI. E não é sem motivo que o assunto tem sido motivo de tantas preocupações, pois o aumento do protecionismo já tem
sido um fato concreto desde meados do corrente ano. Em junho, a Coréia do Sul restringiu as operações com derivativos e a
Indonésia criou restrições à venda de títulos de curto prazo; em outubro, Brasil e Tailândia, entre outras medidas restritivas,
aumentaram o imposto para investidores estrangeiros em títulos locais; há poucos dias Taiwan impôs limites para a aplicação
de estrangeiros em títulos da sua dívida; bancos centrais de vários países, como Suíça, Israel, África do Sul, Brasil e Japão,
intervieram ou continuam intervindo muito mais no mercado de câmbio; e recentemente a China adotou um conjunto de
medidas: criou controle à entrada de capitais; através da agência de risco Dagong, derrubou a nota de crédito americana de AA
para A+; e vendeu títulos do Tesouro americano, forçando uma elevação das taxas. Todas essas medidas são reações iniciais
à enxurrada de dólares que vêm sendo jogados no mundo pelo Banco Central americano. E não é desprezível o risco de uma
escalada global de medidas protecionistas. Infelizmente, parece que esse tipo de risco não foi consideravelmente reduzido
pelas negociações que tiveram prosseguimento na reunião do G20, encerrada na última sexta feira.
Definitivamente, é um estranho e desconhecido “new normal” este mundo em que vivemos, desde a crise econômica que
teve início nos EEUU, em 2008. O governo americano e o seu banco central se julgam no direito de usar a política monetária da
forma que julgarem mais conveniente para ajudar na recuperação da economia, diante de uma taxa de desemprego que tem
conseqüências sociais e políticas insuportáveis. E, nas condições do “old normal”, isto seria, de fato, um direito inquestionável
da política econômica doméstica de qualquer país. Ocorre que desta vez a quantidade de dólares que está sendo jogada na
economia americana é grande demais e está afetando todos os países do mundo. Mas nada é simples, já que o prolongamento
da crise na maior economia do mundo também não interessa a ninguém. Por exemplo, ao rebaixar o rating da economia
americana e vender títulos do tesouro daquele país a China produz uma perda no seu gigantesco estoque de títulos soberanos
dos EEUU. Numa economia globalizada todos estão viajando no mesmo barco, e esta é a variável mais poderosa no momento
para conter os riscos de uma escalada de medidas isoladas de natureza protecionista, que prejudicaria ainda mais a todos os
países.
Além das tensões relacionadas com o fenômeno que vem sendo chamado de “guerra cambial”, os mercados refletiram
nos últimos dias outros tipos de temores. Um deles foi o aumento da inflação na China, que obrigou o governo daquele país a
promover um certo aperto de liquidez e a gerar a preocupação sobre a necessidade de apertos adicionais, no futuro próximo.
Outro foi a volta, mais uma vez, das incertezas relacionadas com as dívidas soberanas e o sistema bancário dos países
periféricos da Zona do Euro. Estes riscos provocaram uma queda forte nos preços das commodities e dos mercados acionários
em todo o mundo, após o forte rally verificado nas semanas anteriores. De que forma estas incertezas deverão evoluir?
Com relação à China, esse tipo de situação já ocorreu várias vezes no passado recente, e é o que poderíamos chamar,
de certa forma, um bom problema. A China está precisando apertar a política monetária porque a inflação está subindo. Mas
isso ocorre porque o crescimento é exagerado, mesmo para os padrões da China. Portanto, é exatamente o oposto do que
ocorre na economia americana. Óbvio que o ideal seria se a China estivesse crescendo a 10% ao ano com a inflação baixa
e rigorosamente controlada. Mas esse tipo de “milagre” não costuma ocorrer por muito tempo. O mais provável é que as
autoridades chinesas consigam, mais uma vez, reduzir as pressões inflacionárias sem comprometer demasiadamente a taxa
de crescimento econômico.
Quanto à situação na Zona do Euro, ela é bem mais complicada, pois sabíamos que o gigantesco pacote de suporte
financeiro elaborado às pressas, há alguns meses, pelos países da região, juntamente com o FMI, não traria uma solução
definitiva para as dificuldades de alguns países, como, destacadamente, Grécia e Irlanda. Há indícios de que a Irlanda terá
que ser socorrida (bail out) com financiamento externo no curto prazo. E declarações de autoridades da Alemanha no sentido
de que os credores privados deveriam assumir parte das perdas resultantes de uma eventual reestruturação de dívidas de
países daquela região adicionaram mais combustível às incertezas. Houve um aumento acentuado dos prêmios de risco
CARTA ECONÔMICA
Novembro de 2010
associados aos títulos soberanos de Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Sem dúvida o Banco Central Europeu e os países
mais desenvolvidos da Zona ainda terão um penoso e demorado trabalho pela frente para evitar um efeito contágio mais grave
dos problemas das economias periféricas. Mas existem os instrumentos para manter a situação sob controle, pelo menos no
médio prazo.
De qualquer maneira, parece óbvio que a superação da crise econômica no mundo desenvolvido é algo que ainda está bem
distante.
Brasil: Perda de Margem de Manobra na Condução da Política Econômica
A valorização excessiva do real frente ao dólar, em grande parte produzida pela política monetária americana, tem
causado dificuldades a alguns setores exportadores, cujas conseqüências seriam cada vez mais graves ao longo do tempo.
São justificadas, portanto, as medidas de restrição à entrada de capitais que vêm sendo adotadas pelo governo. Ao mesmo
tempo, porém, em que se impõem barreiras à entrada, caberia também aproveitar o contexto para agilizar a liberalização de
operações que resultam em saída de moeda estrangeira, pois a legislação brasileira nesta área ainda é obsoleta em vários
segmentos.
Por outro lado, o déficit em transações correntes assumiu uma trajetória sustentável de elevação firme, o que exigirá o
aumento considerável do financiamento externo, ao longo dos próximos anos. Além disso, a inflação está pressionada, e uma
elevação significativa da taxa de câmbio agravaria esse problema. Portanto, o trato dessa questão da taxa de câmbio e da
“guerra cambial” exige uma política de sintonia fina bastante cuidadosa.
Uma outra área que também exige uma atuação muito competente da política econômica é a conciliação do controle
da taxa de crescimento da economia com o ritmo de expansão dos preços (em menor escala, e com grandes diferenças,
essencialmente o mesmo problema que está ocorrendo na China). Este governo assumiu um compromisso muito explícito
em manter a taxa de crescimento da economia pelo menos na faixa de 4,5% ao ano (a partir de 2011), e reduzir a taxa de
juros. Parece óbvio que isto exigirá, entre outras coisas, uma elevação muito significativa do superávit primário efetivo, em
relação ao que será registrado no corrente ano. E os cálculos mais otimistas indicam que isso exigirá, em 2011, um esforço
fiscal (corte de gastos e/ou aumento de impostos) não inferior ao realizado em 2003. Ocorre que, em 2003, parte significativa
do corte de gastos - algo em torno de 0,55 do PIB - recaiu sobre os investimentos do governo federal. Estes investimentos se
encontram estagnados, em torno de 1% do PIB, desde o início da década de 90. E estão projetados para atingirem 1,4% do PIB
em 2011. Se esta projeção vier a sofrer um novo corte o gargalo dos investimentos em infra-estrutura prosseguirá como nas
últimas décadas e continuará frustrando o objetivo de crescimento sustentado.
Na melhor das hipóteses, é muito pouco provável que se consiga viabilizar redução adicional significativa da taxa real e
nominal de juros, já em 2011.
A manutenção de uma taxa elevada de crescimento da economia chinesa e o não agravamento persistente da crise no
mundo desenvolvido, também são condições importantes para viabilizar a continuidade de um crescimento da economia
brasileira a uma taxa média da ordem de 4,5%, nos próximos anos. Embora acreditemos que seja bem superior a 50% a
probabilidade de que estes dois eventos externos favoráveis venham a se confirmar, parece que a margem de manobra na
condução da política econômica nos próximos anos será mais estreita que a verificada no período dos dois mandatos do atual
governo.
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o ambiente externo e a margem de manobra da política econômica