Maria Denise Schimith
COLONIALISMO OU SOLIDARIEDADE NAS RELAÇÕES
ENTRE TRABALHADORES DE SAÚDE E USUÁRIOS?
Implicações para a continuidade do cuidado
Tese apresentada à Universidade
Federal de São Paulo para obtenção
do título Doutor em Ciências
São Paulo
2013
Maria Denise Schimith
COLONIALISMO OU SOLIDARIEDADE NAS RELAÇÕES
ENTRE TRABALHADORES DE SAÚDE E USUÁRIOS?
implicações para continuidade do cuidado
Tese apresentada à Universidade Federal de São
Paulo,
Programa
de
Pós-graduação
em
Enfermagem da Universidade Federal de São
Paulo – Escola Paulista de Enfermagem para
obtenção do título de Doutor em Ciências.
Convênio Dinter Novas Fronteiras Unifesp/ UFSM/
EEAN.
Linha de pesquisa: Cuidado em Enfermagem e
Saúde na Dimensão Coletiva
Vinculada aos Núcleos: Núcleo de Estudo e
Pesquisa em Saúde, Políticas Públicas e Sociais
da Unifesp e, Cuidado, Enfermagem e Saúde da
UFSM
Orientadoras: Ana Cristina Passarella Brêtas e
Maria de Lourdes Denardin Budó
São Paulo
2013
Schimith, Maria Denise
Colonialismo ou solidariedade nas relações entre trabalhadores
de saúde e usuários? Implicações para a continuidade do
cuidado./
Maria Denise Schimith. -- São Paulo, 2013.
xvii, 203f.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola
Paulista de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação
Enfermagem.
em
Título em Inglês: Is it colonialism or solidarity in the relations between
health works and users? implications for continuity of the care
1. Participação do paciente. 2. Continuidade da assistência ao
paciente. 3. Sistema Único de Saúde. 4. Assistência à Saúde.
Tese de Doutorado vinculada à linha de pesquisa Cuidado em Enfermagem e
Saúde na Dimensão Coletiva e aos Núcleos de Estudo e Pesquisa em Saúde,
Políticas Públicas e Sociais. Programa de Pós-graduação em Enfermagem da
Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Enfermagem.
iii
Maria Denise Schimith
COLONIALISMO OU SOLIDARIEDADE NAS RELAÇÕES
ENTRE TRABALHADORES DE SAÚDE E USUÁRIOS?
Implicações para a continuidade do cuidado
Presidente da banca:
Profa Dra Ana Cristina Passarella Brêtas
BANCA EXAMINADORA
Profa Dra Anna Maria Chiesa (EE/USP/SP)
Profa Dra Elisabeth Niglio de Figueiredo (EPE/Unifesp)
Profa Dra Teresinha Heck Weiller (Denfe/UFSM)
Profa Dra Cleide Lavieri Martins (FSP/USP)
Profa Dra Carmem Lúcia Colomé Beck (Denfe/UFSM)
Profa Dra Dirce Stein Backes (Enfermagem/Unifra)
iv
Dedicatória
Dedico minha tese aos usuários da Estratégia Saúde da Família que têm a
esperança de serem acolhidos e respeitados em sua singularidade. Também aos
gestores e trabalhadores da saúde que ousam tornar a Atenção Básica em
espaços de escuta, responsabilização e solidariedade.
v
Agradecimentos
Minha mais sincera gratidão a todos e todas que fizeram este sonho se
tornar possível,
À minha orientadora da Unifesp, Profa Ana Cristina Passarella Brêtas por
me ensinar a ser colega, respeitando minha história e instigando minha
autonomia. Contigo compreendi que o importante na pesquisa é seguir e investir
no que faz o coração bater mais forte;
À minha orientadora da UFSM, Profa Maria de Lourdes Denardin Budó
pela disponibilidade e afeto com que me recebeu no grupo de pesquisa e por ter
aceitado o desafio de me orientar nesta caminhada;
À Profa Anna Maria Chiesa pelas contribuições apresentadas no exame
de qualificação e na defesa, fazendo me sentir muito cuidada;
À Profa Teresinha Heck Weiller pela participação na qualificação e defesa
e por compartilhar do mesmo sonho na construção do SUS;
À Profa Cleide Lavieri Martins pelas contribuições na defesa e por
partilhar suas experiências, gerando muitos aprendizados;
À Profa Elisabeth Niglio de Figueiredo por aceitar contribuir com a tese
no momento da defesa e pelos belos encontros na EPE;
Às Profas Carmem Beck e Dirce Backes pela leitura e ricas contribuições.
Às colegas “dinterianas” pelo convívio profícuo e por tornarem as aulas
do doutorado momentos de trocas e de amizades;
vi
Aos companheiros e companheiras do grupo de pesquisa Cuidado,
Saúde e Enfermagem da UFSM, principalmente ao “pequeno grupo” pela troca
de conhecimentos e possibilidade de compartilhar projetos de pesquisa e
extensão;
Aos colegas do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Saúde, Políticas
Públicas e Sociais da Unifesp pela possibilidade de aprendizado e troca de
experiências;
À Profa Mônica Antar Gamba, minha amiga, com sua intensidade e
emoção me fez apreender o sentido da parceria e comprometimento;
Às colegas enfermeiras que me auxiliaram durante o período de
observação, Bruna Sodré Simon e Melissa Gewehr, sem a dedicação de vocês
esta maratona não teria sido possível;
À Bruna, Franciele, Jamilles, Taís, Saul, Mariane, Marianne, Tifany, Lais
e Melissa pelo auxílio nas transcrições das entrevistas;
Aos gestores da ESF Santa Maria que aceitaram participar da pesquisa,
dividindo suas experiências;
À equipe e usuários da USF estudada pela acolhida e por possibilitarem o
ingresso no cotidiano de trabalho;
À minha família amada, em especial ao meu companheiro Denilso, por me
acompanhar com amor e carinho e possibilitar meus estudos; aos meus lindos
filhos Vinícius, Lucas e Bruno pelo amor e compreensão incondicional, vocês
são a razão da minha vida; à Mariana Gaida por aceitar nossa família como ela é;
vii
À Nick, segunda mãe do Bruno, por permitir minhas ausências com
segurança e a tranquilidade de que cuidado não faltaria aos meus amores;
À família que me trouxe ao mundo, principalmente ao meu pai Leonardo,
hoje em outra dimensão, que sempre nos incentivou aos estudos, e à minha mãe
Natalina, sempre guerreira, agora necessitando de cuidados, soube me esperar
concluir esta tarefa; às minhas irmãs, irmãos, cunhadas, cunhados, sobrinhos e
sobrinhas, que sempre acompanham e torcem por mim;
À Carol Mussoline, minha sobrinha e afiliada, por estar presente na minha
qualificação;
À família do Denilso que me acolheu com carinho e fez-me sentir parte
dela, em especial à Vanise, Denise, Mirtes e Edson pelas conversas e
cumplicidade; e a minha sogra Claudina pelas orações e exemplo de força;
Aos amigos e amigas do Grupo Espírita Irmão Helil pela escuta e
carinho e por me manterem sempre em contato com a espiritualidade superior;
Às colegas professoras da Enfermagem da UFSM por possibilitarem meu
afastamento e tornarem possível a conclusão desta empreitada;
Às colegas professoras Stela Maris Padoin, Janine Schirmer e Laura
Guido por acreditarem e apostarem na proposta Dinter;
Às professoras da Escola Paulista de Enfermagem de Unifesp e da Escola
de Enfermagem Ana Nery de UFRJ pelos ensinamentos e contribuições na minha
formação;
À Universidade Federal de Santa Maria pela oportunidade de realização
do doutorado;
viii
Sumário
Dedicatória..........................................................................................
v
Agradecimentos..................................................................................
vi
Listas...................................................................................................
xi
Resumo...............................................................................................
xv
1 INTRODUÇÃO.................................................................................
1
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.....................................
6
2.1 Princípios norteadores da Atenção Básica e Estratégia Saúde
da Família............................................................................................
6
2.2 A corresponsabilização entre trabalhadores e usuários nas
9
praticas de cuidado.............................................................................
2.3 Construção de redes: da hierarquia à conectividade....................
11
2.4 Conexões entre o macro e o micro: conceito de conhecimentoemancipação....................................................................................
13
3 PERCURSO METODOLÓGICO
16
3.1 Primeira etapa...............................................................................
16
3.2 Etapa 2: Relações entre trabalhadores e usuários durante as
práticas de cuidado realizadas em uma USF......................................
19
3.2.1 Tipo de estudo............................................................................
20
3.2.2 Unidade de Análise....................................................................
21
3.2.3 Coleta de dados.........................................................................
23
3.2.4 Critérios para a interpretação dos dados...................................
28
3.2.5 Aspectos éticos.........................................................................
29
4 RESULTADOS
31
4.1 Processo de implantação e acompanhamento da ESF em Santa
Maria...................................................................................................
31
4.1.1 A Atenção Básica em Santa Maria antes da implantação da
ESF..................................................................................................
4.1.2 “foi assim que a estratégia começou em Santa Maria: a
ix
31
presença do SUS na vida das pessoas”............................................
32
4.1.3 A transição na troca de gestão...................................................
47
4.1.4 Nova gestão: novas escolhas?..................................................
52
4.1.5 Desafio de explicar os altos e baixos da ESF em Santa Maria..
56
4.2 Relações entre trabalhadores de saúde e usuário em uma USF.
62
4.2.1 Diferentes caminhos que o usuário é submetido na RAS de
Santa Maria a partir da USF estudada................................................
62
4.2.2 Participação do usuário na decisão do encaminhamento:
negociação é possível?.......................................................................
87
4.2.3 Usuário encaminhado à RAS: fatores que interferem nesse
caminhar..............................................................................................
4.2.4
Modo
de
gerenciar
influenciando
na
autonomia
95
e
responsabilidade dos trabalhadores...................................................
104
4.2.5 Usuário generalizado, desrespeitado.........................................
117
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO
126
5.1 O que aprender com o processo de implantação da ESF em
Santa Maria?.......................................................................................
126
5.2 Barreiras à continuidade do cuidado.............................................
131
5.3 Gestão do trabalho: implicações para a continuidade do
cuidado................................................................................................
135
5.4 Colonialismo e a negação da pluralidade humana.......................
146
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................
155
7 ANEXOS..........................................................................................
160
7 REFERÊNCIAS................................................................................
163
Abstract
Apêndices
x
Lista de figuras
Figura 1 –
Esquema de gestores indicados para entrevista.....................
19
Figura 2 –
Unidade dialética da subjetividade – objetividade...................
150
xi
Lista de tabelas
Tabela 1 -
Descrição dos períodos observados na USF..........................
xii
24
Lista de abreviaturas e siglas
AB - Atenção Básica
ACD – Auxiliar de Consultório Dentário
ACS – Agente comunitário de saúde
APS - Atenção Primária à Saúde
ATB - Antibiótico
CAEE - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
CAPS - Centro de Atenção Psicossocial
CAPS i - Centro de Atenção Psicossocial infantil
CAPS Ad - Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas
CEDAS – Centro de Especialidades e Diagnóstico em Saúde
CEDEC - Centro de Especialidades Erasmo Crossetti
CEREST - Centro Regional de Saúde do Trabalhador
CMS – Conselho Municipal de Saúde
CO – Centro Obstétrico
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CT – Conselho Tutelar
DENASUS – Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde
DINTER – Doutorado Interinstitucional
Dra - Doutora
EEAN – Escola de Enfermagem Anna Nery
Enfa- Enfermeira
EP – Educação Permanente
ESF – Estratégia Saúde da Família
HGT – Hemoglicoteste
HIV- Vírus da Imunodeficiência Humana (traduzido)
HUSM - Hospital Universitário de Santa Maria
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Md – Médico(a)
MPE – Ministério Público Estadual
MPF - Ministério Público Federal
xiii
MPT - Ministério Público do Trabalho
MS – Ministério da Saúde
OMS - Organização Mundial da Saúde
OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde
PA – Pronto Atendimento
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PRD - Programa Redução de Danos
PROESF - Projeto de Expansão e Consolidação da ESF
PS – Pronto Socorro
PSF – Programa Saúde da Família
PTS – Projeto Terapêutico Singular
RAS - Redes de Atenção à Saúde
RMPISPS - Residência Multiprofissional Integrada do Sistema Público de Saúde
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SIAB - Sistema de Informação da Atenção Básica
SUS - Sistema Único de Saúde
TAC – Termo de Ajuste de Conduta
UAC - União das Associações Comunitária
UBS – Unidade Básica de Saúde
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
UPA - Unidade de Pronto Atendimento
VD – Visita Domiciliária
xiv
Resumo
Essa pesquisa insere-se no tema da integralidade da atenção do Sistema Único
de Saúde, contemplando a temática da continuidade do cuidado nas Redes de
Atenção à Saúde e tendo como objeto as relações que se estabelecem em uma
Unidade de Saúde da Família do município de Santa Maria, Rio Grande do Sul.
Os objetivos foram: analisar o processo de implantação e acompanhamento da
Estratégia Saúde da Família em Santa Maria; compreender as relações entre
trabalhadores e usuários durante as práticas de cuidado realizadas em uma
Unidade de Saúde da Família do município de Santa Maria, relacionando-as com
a efetivação da continuidade do cuidado na Rede de Atenção à Saúde do Sistema
Único de Saúde. Trata-se de uma pesquisa social, com abordagem metodológica
qualitativa. Os objetivos desta tese foram desenvolvidos em duas etapas. Para o
primeiro objetivo, a coleta de dados foi realizada através de análise documental e
entrevistas semiestruturadas com gestores. Analisamos as resoluções, atas e
documentos do Conselho Municipal da Saúde. As entrevistas foram realizadas
com 16 gestores, indicados intencionalmente, iniciando com a Secretária
Municipal de Saúde que implantou a Estratégia Saúde da Família. A apresentação
dos resultados foi organizada em eixos temáticos: A Atenção Básica em Santa
Maria antes da implantação da Estratégia Saúde da Família; “foi assim que a
estratégia começou em Santa Maria: a presença do SUS na vida das pessoas”; A
transição na troca de gestão; Nova gestão: novas escolhas? e Desafio de explicar
os altos e baixos da Estratégia Saúde da Família em Santa Maria. O segundo
objetivo teve o estudo de caso como referencial metodológico. A unidade de
análise foi uma Unidade Saúde da Família do município de Santa Maria. A coleta
de dados ocorreu por observação participante, direta e não estruturada;
entrevistas semiestruturadas; análise de documentos e de registros. Os sujeitos
da pesquisa foram os trabalhadores de saúde e usuários. A análise ocorreu
guiada pela coleta de dados, mediada pela orientação teórica e pelos
pressupostos estabelecidos. Os seguintes eixos temáticos apresentam os
resultados: Os diferentes caminhos que o usuário está sujeito na Rede de Atenção
à Saúde; A participação do usuário na decisão do encaminhamento: negociação é
xv
possível?; Usuário encaminhado à Rede de Atenção à Saúde: fatores que
interferem nesse caminhar; O modo de gerenciar influenciando na autonomia e
responsabilidade
dos
trabalhadores;
Usuário
generalizado,
desrespeitado.
Apreendemos que as escolhas da gestão, ou a proposta de governo, são os
disparadores para a melhoria ou degradação do Sistema Único de Saúde. O
percurso da Estratégia Saúde da Família está refletido no cotidiano das equipes,
com imbricamentos que precisam ser enfrentados, sob pena de tornar ineficaz e
ineficiente a reestruturação do modelo de atenção. Defendemos a transparência, a
publicização e a construção coletiva de critérios, técnicos e singulares, a serem
utilizados pelas equipes no intuito de instituir novas maneiras de buscar a
integralidade da atenção e regular a Rede de Atenção à Saúde. É preciso reverter
o padrão de relacionamento entre usuários e trabalhadores, indo do colonialismo
para a solidariedade e da invasão cultural para a promoção da saúde.
Descritores: participação do paciente; continuidade da assistência ao paciente;
sistema único de saúde; assistência à saúde.
xvi
“o importante é não reduzir o realismo ao que
existe, pois, de outro modo, podemos ficar
obrigados a justificar o que existe, por mais injusto
ou opressivo que seja” (SANTOS, 2005, p.13).
xvii
1
1 INTRODUÇÃO
As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são propostas integrantes aos
Sistemas Integrados de Saúde no mundo todo. O Sistema Único de Saúde (SUS),
na Lei 8080/90, estabelece como um dos seus objetivos a assistência às pessoas
por meio da promoção e recuperação de saúde, prevenção de doença,
presumindo que isso se dê pela integração das ações preventivas e assistenciais.
Legitima que estas ações sejam organizadas de forma regionalizada e
hierarquizada em níveis de complexidade crescentes. Em 2010, o Ministério da
Saúde (MS) publicou a Portaria 4279/2010 conceituando a RAS como a
coordenação integrada de ações e serviços de saúde de diferentes densidades
tecnológicas, que procuram garantir a integralidade do cuidado. A RAS tem como
objetivo a promoção da “integração sistêmica, de ações e serviços de saúde com
provisão de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada”.
Busca ainda, entre outros objetivos, melhorar o desempenho do SUS, no que diz
respeito ao acesso, equidade e eficácia (BRASIL, 2010, p.4).
No Brasil, várias pesquisas já indicam inexistência da rede e falha na
continuidade
da
assistência
(TAVARES,
MENDONÇA,
ROCHA,
2009;
NASCIMENTO et al, 2009; PINAFO, LIMA, BABUY, 2008; SOUZA et al, 2008a;
SOUZA, GARNELO, 2008; SARINHO et al, 2007; CAMPINAS, 2004).
Há
pesquisas que indicam dificuldade na interface da Atenção Primária à Saúde1
(APS) e Atenção Secundária em outros países, em especial nos que possuem a
intenção de garantia de acesso ao cuidado integral a seus cidadãos (DE VOS et
al., 2008; TELFORD et al, 2002; REDFERN et al, 2002), persistindo assim o
desafio da complementariedade nos sistemas públicos no mundo todo. Vários
fatores interferem no acesso a rede, os quais podem ser agrupados em
pertencentes à macroestrutura, como a territorialização inadequada (ROESE,
GERHARDT, 2008); barreiras na organização dos serviços básicos (CARRET,
FASSA, DOMINGUES, 2009; OLIVEIRA et al, 2008, SACCHI et al, 2006) e falha
1
Utilizaremos “Atenção Primária à Saúde” e “Atenção Básica” como termos equivalentes.
2
na educação permanente (SILVA et al 2005; LUCCHESE et al, 2009). Outros são
compostos por aspectos relacionais, como comunicação (BARRIGA et al, 2002);
questões morais (HARRIS et al, 2007); características pessoais e profissionais dos
médicos (ROSA FILHO, FASSA, PANIZ, 2008); falha na linha de cuidado
(LUCCHESE et al, 2009); processo de trabalho (TAVARES, MENDONÇA,
ROCHA, 2009; SCHIMITH, LIMA, 2004); atendimento fragmentado (MAEDA et al,
2007; OLIVEIRA, MATTOS, SOUZA, 2009) decisão pessoal dos gestores
(NOGUEIRA DAL PRÁ, FERMIANO, 2007) e relacionamento interpessoal
(SACCHI et al, 2006). O rol de aspectos envolvidos aponta para a complexidade
da organização e efetivação das RAS.
Estas pesquisas revelaram o que os usuários do sistema público de saúde,
especialmente o brasileiro, enfrentam ao buscarem as portas para o atendimento
a seu cuidado. Na maioria das vezes não são individualizados ou singularizados
nos diferentes serviços e ações que lhes são ofertados. Além disso, a concepção
predominante que trabalhadores e gestores têm a respeito dos usuários, a julgar
pela forma como organizam ou executam as ações em saúde, é de um objeto, um
ser genérico, sem particularidades. Assim, o cidadão brasileiro, que conta com
uma Constituição Federal que lhe promete acesso universal, integral e equânime,
se vê solitário na busca desse direito (MARQUES, LIMA, 2007). A questão de
fundo parece ser a de não se reconhecer o usuário como cidadão e partícipe
nesse processo. Santos (2009, p.81) chama isso de colonialismo, revelado “na
ignorância da reciprocidade e na incapacidade de conceber o outro a não ser
como objeto”.
Estudos que abarcam as relações entre trabalhadores de saúde e usuários
indicam que este é um campo ainda aberto para descortinar a implicação na
continuidade do cuidado. Podemos citar pesquisa realizada nos Estados Unidos
(EUA) entre indivíduos HIV positivos, especificando o aspecto relacional da
confiança, indica que a desconfiança pode ser barreira para a utilização dos
serviços de saúde e interferir nos resultados destes (WHETTEN et al, 2006). Outra
realizada em São Leopoldo, Rio Grande do Sul (RS), cujo objetivo foi estabelecer
a rota crítica de mulheres no enfrentamento da violência, apontou que no caminho
3
percorrido pelas mulheres muitas vezes não receberam acolhimento nos serviços
e ainda, os trabalhadores minimizaram os pedidos de ajuda das mulheres e
culpabilizaram-nas (PRESSER, MENEGHEL, HENNINGTON, 2008). Estudo
identificou o imperativo de especificar as necessidades de usuárias no pré-natal
com fortalecimento do vínculo com os profissionais (FIGUEIREDO, ROSSONI,
2008) e, em pesquisa realizada com o puérperas de Curitiba, Paraná, o
acolhimento e vínculo com profissional e equipe de saúde somente foi
ultrapassada pelo desejo de ser alguém com direito a diferença (SOUZA et al,
2008b). Indicaram, ainda, que no trabalho da enfermeira e da equipe de saúde,
acolhimento e vínculo são aspectos positivos, mas demonstram a necessidade de
reconstrução de práticas que fortaleçam a autonomia e autoconfiança das
mulheres para o cuidado em saúde.
A participação do usuário pode se dar pelo modelo da chamada tomada de
decisão compartilhada. Este modelo depende de alguns elementos essenciais que
possibilitam tal participação, dentre eles, o incentivo explícito por parte do
profissional para a participação do paciente e a valorização do direito do usuário
em desempenhar um papel ativo na tomada de decisão (FRAENKEL, MCGRAW,
2007). Esta prática pode fortalecer a autonomia e responsabilização dos usuários
pela proposta terapêutica escolhida.
A submissão do usuário às regras de uma equipe de Saúde da Família foi
revelada em pesquisa realizada durante mestrado acadêmico (SCHIMITH, LIMA
2004) e neste momento incentiva-nos a questionar a relação existente entre esta
condição do usuário (submissão) e a continuidade do cuidado em outros pontos
do sistema. Outra motivação para estudar esse tema decorre da experiência como
docente do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Nossa experiência com atividades de ensino, pesquisa e extensão nas
ESF de Santa Maria permitiu que vivenciássemos vários momentos desde a
implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) em Santa Maria. Durante as
vivências
em
aulas
teórico-práticas,
com
graduandos
e
residentes
multiprofissionais, nos diferentes serviços de saúde, observamos que a
4
necessidade do usuário é muitas vezes traduzida por um encaminhamento a outro
serviço sem a participação deste.
O município de Santa Maria aderiu à proposta em 2004, por meio do
Projeto de Expansão e Consolidação da ESF (PROESF). Justificamos a
realização desta pesquisa por consideramos que a história da ESF de Santa Maria
apresenta uma singularidade que deve ser respeitada ao se desenvolver
pesquisas relacionadas a essa área da rede assistencial, identificando esse
processo e os possíveis reflexos nas práticas de saúde. Portanto, para entender
as relações que se estabelecem em uma Unidade de Saúde da Família (USF) e a
construção do fluxo assistencial na rede de serviços de saúde, necessário se faz
considerar a complexidade da construção local de saúde, a partir da história de
implantação da ESF em Santa Maria, análogo ao que Santos (2009, p. 81)
denomina de “campo privilegiado do conhecimento emancipatório”. A APS é
considerada o centro de comunicação da RAS, pela “função resolutiva dos
cuidados primários sobre os problemas mais comuns de saúde e a partir do qual
se realiza e coordena o cuidado em todos os pontos de atenção” (BRASIL, 2010,
p.4), e a ESF é o principal modelo de APS no SUS, justificando o locus deste
estudo.
Assumimos como pressupostos que com a negociação e a tomada de
decisão compartilhada entre trabalhadores e usuários, o encaminhamento
realizado pode ser promotor de responsabilização, tanto do trabalhador quanto do
usuário; que, ao contrário, o encaminhamento sendo uma decisão unilateral pode
gerar desresponsabilização tanto do trabalhador quanto do usuário, funcionando
como barreira ao acesso equânime aos serviços e comprometendo o desempenho
do SUS.
A questão norteadora desta pesquisa é como aspectos relacionais da
negociação e a tomada de decisão entre trabalhadores e usuários durante as
práticas de cuidado em uma USF podem efetivar a continuidade do cuidado na
RAS do município de Santa Maria? Reiteramos que entre os aspectos relacionais,
a negociação e tomada de decisão compartilhada, são elementos que se
constituem em espaços para a participação do usuário.
5
Os objetivos deste estudo são:
1. analisar o processo de implantação e acompanhamento da ESF em
Santa Maria;
2. compreender as relações entre trabalhadores e usuários durante as
práticas de cuidado realizadas em uma USF do município de Santa
Maria, relacionando-as com a efetivação da continuidade do cuidado
na Rede de Atenção à Saúde do SUS.
6
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O referencial teórico que embasa esta pesquisa está estruturado em itens
que discutem os princípios norteadores da Atenção Básica (AB) e ESF, a
corresponsabilização entre trabalhadores de saúde e usuário nas práticas de
cuidado, a construção de redes: da hierarquia à conectividade e as conexões
entre o macro e micro espaços: conceito de conhecimento-emancipação. Além
disso, foram realizadas duas revisões integrativas, organizadas em artigos, um já
publicado (SHIMITH et al., 2011) e outro submetido à revista.
2.1 Princípios norteadores da Atenção Básica e Estratégia Saúde da Família
Os serviços de saúde apresentam como metas principais otimizar a saúde
da população e reduzir as desigualdades entre os subgrupos populacionais
(STARFIELD, 2002).
No almejo de diminuir as crescentes iniquidades sociais e de saúde de
grande parte dos países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou a
Carta de Lubliana no sentido de planejar a base da APS, em que os serviços de
saúde necessitam estar direcionados para a promoção e proteção da saúde. Além
disso, devem focar na qualidade, equidade, dignidade humana, solidariedade e
ética profissional, não obstante, precisam centrar nas pessoas, no intuito de
permitir que os sujeitos sintam-se parte desse sistema e responsáveis pela sua
própria saúde (STARFIELD, 2002).
Para que a APS melhore a situação de saúde da população, se faz
necessário que a saúde dos sujeitos seja abordada dentro de um meio social e
físico, na coletividade, e não apenas focalizar a enfermidade individualmente.
Então, nesta instância dos serviços de saúde é ofertada a entrada no sistema de
maneira a formar a base e direcionar o trabalho dos demais níveis de saúde,
possibilitando a prevenção, cura e reabilitação dos sujeitos, com objetivo de
maximizar a saúde e o bem-estar da comunidade (STARFIELD, 2002).
7
A OMS defende que a APS deve ser renovada, para revitalizar a
capacidade dos países de elaborar uma estratégia coordenada, eficaz e
sustentável para combater os problemas de saúde existentes, e assim propor
novos desafios como melhorar a equidade (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA
DE SAÚDE, 2007).
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) salienta que frente à
diversidade cultural existente, faz-se necessário que cada país elabore sua própria
estratégia de APS, no entanto não deve perder de vista que um sistema de saúde
com base na APS é formado por um conjunto de elementos funcionais e
estruturais que garantam a cobertura e o acesso universal a serviços
fundamentais para o bem estar da população (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA
DE SAÚDE, 2007).
Em nosso país observa-se que mesmo antes da OPAS afirmar essa
necessidade de adaptação, os serviços de saúde já sofriam alterações quanto sua
dinâmica de organização, de acordo com o movimento de reforma sanitária
brasileira. Desde 1994, quando o Programa Saúde da Família (PSF) foi criado
como proposta e alternativa para melhorar a APS no Brasil, formularam-se ações
para cada Estado e suas respectivas comunidades, conforme as necessidades e
políticas dos mesmos. Por isso, esse é um programa dinâmico e plural que muda
de localidade para localidade, tamanho é a diversidade brasileira.
A Atenção Básica (AB), segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2011a),
caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, que pode ser individuais e/ou
coletivas, voltado para a promoção, proteção, reabilitação e a manutenção da
saúde e a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de agravos. Estas ações são
desenvolvidas por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias
democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe. O objetivo da
AB é desenvolver atenção de forma integral, impactando na situação de saúde e
autonomia das pessoas, bem como nos determinantes e condicionantes de saúde
da coletividade, dirigidas a populações de territórios definidos, pelas quais assume
a responsabilidade sanitária.
8
A Política Nacional de Atenção Básica, Portaria 2488/2011, considera a
Saúde da Família sua estratégia prioritária para expansão e consolidação da AB.
A qualificação da ESF deverá seguir as diretrizes da AB e do SUS configurando
um processo progressivo e singular que considera e inclui as especificidades
locoregionais. Deve ser também o contato preferencial dos usuários, a porta de
entrada principal e o centro de comunicação da RAS. A universalidade, a
acessibilidade, o vínculo, a continuidade do cuidado, a integralidade da atenção, a
responsabilização, a humanização, a equidade e a participação social são seus
princípios orientadores. A AB deve considerar o sujeito em sua singularidade e
inserção sociocultural (BRASIL, 2011a).
Dentre as funções da AB na RAS, destacamos a de coordenação do
cuidado. A referida portaria prevê que a elaboração, o acompanhamento e a
gestão dos projetos terapêuticos singulares (PTS), bem como acompanhamento e
organização do fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS sejam
funções da AB. Responsabilizar-se pelo cuidado dos usuários em qualquer destes
pontos através de uma relação horizontalizada, contínua e integrada com o
objetivo de produzir a gestão compartilhada da atenção integral também é sua
função. Para isso, articular outras estruturas das redes de saúde e intersetoriais,
públicas, comunitárias e sociais, incorporando ferramentas de gestão do cuidado,
entre elas, citamos a gestão das listas de espera (encaminhamentos para
consultas especializadas, procedimentos e exames).
Neste espaço micro-
regulatório, a partir da relação horizontal, deve garantir o acesso a outros pontos
da rede em tempo adequado, com equidade.
Salientamos que a ESF surgiu com a proposta de ser a porta de entrada
dos usuários para os serviços de saúde, e exigir a inter-relação entre diversos
níveis de atenção, ou seja, alterar o modelo tradicional do trabalho isolado, e
assim fazer a complementaridade das políticas públicas, a reorganização da
assistência e dos serviços de saúde (BRASIL, 1997).
A ESF assume como modelo de atenção à saúde a Vigilância em Saúde
tendo como pilares a intersetorialidade, a atuação com foco em problemas e a
territorialização. Deve realizar o cadastro das famílias adstritas e trabalhar com a
9
lógica do planejamento e programação locais, utilizando o Sistema de Informação
da Atenção Básica (SIAB). Reconhecemos que o Siab apresenta vários limites,
como já constatados em pesquisa (BITTAR et al, 2009). Com isso possui
ferramentas que poderia possibilitar o desempenho da função de ordenar as
redes, prevista na Portaria 2488/2011, reconhecendo as necessidades de saúde
da população de seu território de abrangência, identificando as necessidades
desta população em relação aos outros pontos de atenção à saúde, favorecendo a
programação dos demais serviços de saúde, que poderão adequar a oferta a partir
das necessidades de saúde dos usuários.
Trabalhar com a lógica da territorialização favorece às equipes da ESF
atuarem com o conhecimento da realidade e os riscos sociais que a população
adstrita está exposta. A maneira de agir e tratar os sujeitos na APS é diferenciado,
ou seja, são manejados de modos múltiplos, em que seus sinais e sintomas são
abordados em um amplo panorama, sendo que sua enfermidade não se enquadra
nos
diagnósticos
e
tratamentos
convencionados
pela
medicina
das
especialidades, concluindo-se então, que a saúde possui diversos determinantes
(STARFIELD, 2002).
2.2 A corresponsabilização entre trabalhadores e usuários nas práticas de
cuidado
As práticas de cuidado devem ser desenvolvidas com corresponsabilização
entre trabalhadores e usuários e que a gestão local se dê de forma cooperada
entre os múltiplos atores sociais do território (SILVA, MAGALHÃES JUNIOR,
2008). A responsabilização evoca o tema das relações entre trabalhadores e
usuários, que foi amplamente analisado em uma revisão narrativa (SCHIMITH el
al, 2011). Destacamos o núcleo de sentido que chamamos de des(colonialismo),
no qual agruparam-se resultados de pesquisas que revelaram a ambiguidade nas
relações, ora sendo solidárias, ora opressoras.
A permanência de relações colonialistas nos serviços de saúde, negando a
proposta de emancipação dos sujeitos, é um impeditivo da corresponsablização,
10
pois para incluir os usuários nas decisões faz-se necessário descolonizar nossas
mentes e compartilhar saberes (SANTOS, 2007 e 2009). A descolonização ocorre
quando o trabalhador de saúde enxerga o usuário como sujeito, não somente
como um corpo.
A construção da continuidade do cuidado de forma
responsavelmente compartilhada sairá da utopia quando formos capazes de
entender que os usuários e “os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a
diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza” (SANTOS, 2005, p. 12). Defendemos que o reconhecimento do
usuário com direito a diferença também seja um princípio norteador da AB e ESF.
A tomada de decisões compartilhadas também foi revelada como
fundamental para a adesão e a continuidade do tratamento (SCHIMITH el al,
2011). A decisão compartilhada está relacionada às dimensões do cuidado
paciente-centrado citados por Dolan (2008), entre as quais estão: a perspectiva
biopsicossocial do usuário; o entendimento do usuário como uma pessoa com
direitos (cidadão); responsabilidade e poder compartilhado entre trabalhador e
usuário; construção da aliança terapêutica e entender o trabalhador de saúde
como uma pessoa, não meramente um técnico qualificado.
Interligar os princípios da AB e da ESF com a responsabilização, a
negociação e a tomada de decisão compartilhada se faz necessário para
avançarmos no acesso equânime ao SUS e torná-lo, de fato, um direito de
cidadania. Tendo em vista que a história da reforma sanitária no Brasil se originou
articulada com o movimento democrático de meados dos anos 1980 e culminou
com a proposta de instrumentos democráticos como o controle social na gestão
das políticas públicas. Em 1990 foram instituídos, pela Lei 8.142/90, os Conselhos
de Saúde e as Conferências com o objetivo da garantir a participação da
comunidade no SUS, bem como, proporcionar a democracia que fazia parte dos
ideários do movimento sanitário. Sabemos, no entanto, que estes espaços não
são suficientes para levar a cabo este objetivo (CAMPOS, 1998).
11
2.3 Construção de redes: da hierarquia à conectividade
As redes de serviços de saúde são construções sociais, portanto, é
interessante entender como isso ocorreu historicamente. Os desenhos de rede
tecidos nos municípios brasileiros apresentam heranças históricas da política
pública do nosso país, que na década de 70, desenvolveu um modelo centralizado
e apoiado na divisão dos espaços que produzem cura e nos que fazem
prevenção. Naquele momento, duas redes foram construídas e instaladas nos
municípios, uma do Ministério da Previdência e outra do MS, sem que estes
tivessem participação na gestão e organização delas, tornando o município
apenas endereço das instituições de saúde (RIGHI, 2005, p. 75).
A rede tecida com a lógica de mercado, que orientava essa organização,
priorizou a instalação de serviços mais complexos em municípios de grande porte,
imprimindo no imaginário da sociedade a valorização de serviços especializados e
localizados nos grandes centros, como ressalta a mesma autora. Decorreu disto a
precariedade dos serviços de saúde em municípios de médio e pequeno porte, e
de autonomia administrativa destes, luta histórica de gestores, que por muito
tempo disputaram sua inserção da gestão do SUS.
A herança desta rede é notável até os dias atuais, pois a rede regionalizada
e hierarquizada ainda não logrou sua sustentação. A proposta de organizar a
demanda pela AB e essa direcionar os encaminhamentos para outros níveis de
atenção, já discutida em outros trabalhos (CECÍLIO, 1997; CAMPOS, 1997),
permanece desmaterializada na maioria dos municípios brasileiros. Ainda temos
filas intermináveis, desigualdade no acesso e quando o acesso é possível,
convivemos com a desumanização nos atendimentos. Os usuários que enfrentam
esses problemas sofrem com o descaso, principalmente por não serem
reconhecidos como sujeitos e não terem suas dores respeitadas.
Atualmente temos como imagem-objetivo a construção de redes que
atendam os princípios do SUS e que acolham os usuários. Somando-se ao
conceito de rede já apresentado, temos no Decreto 7508/2011 a definição de
redes como um “conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de
12
complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da
assistência à saúde” (BRASIL, 2011b). Antes disso, Silva, Magalhães Junior
(2008, p. 81) conceituaram-na como sendo uma
“malha que interconecta e integra os estabelecimentos e serviços
de
saúde
de
determinado
território,
organizando-os
sistemicamente para que os diferentes níveis e densidades
tecnológicas de atenção estejam articulados e adequados para o
atendimento ao usuário e para a promoção da saúde”.
Possui como componentes imprescindíveis a definição do espaço territorial
e a população de abrangência; a identificação das ações e serviços de diversas
características e diferentes densidades tecnológicas integrados e articulados; fluxo
que oriente os usuários a caminharem na rede, com ferramentas que possibilite
identificar o usuário e prontuário que seja possível acessar em qualquer ponto do
sistema e sistemas de regulação com normas e protocolos que orientem o acesso,
definam competências, responsabilidades e coordenação dos processos de
decisão, segundo os mesmos autores.
A importância da construção das redes justifica-se pelo aumento das
doenças crônicas; pela possibilidade da integralidade e vínculo e pelos gastos
crescentes
com
o
adoecimento
(SILVA,
MAGALHÃES
JUNIOR,
2008).
Destacamos aqui a criação de vínculo, sem desconsiderar os demais importantes
aspectos da RAS, pois está relacionado ao foco deste estudo. Do vínculo
estabelecido emerge a responsabilização entre trabalhadores e usuários, não
somente a ideia de conhecimento da comunidade e de seus riscos (FERREIRA,
SCHIMITH, CÁCERES, 2010). A responsabilização pressupõe o compartilhar de
saberes, com um forte componente relacional nesta construção. A isso
poderíamos acrescentar a perspectiva de alcançar o princípio da equidade no
SUS.
O acesso equânime, assim como a informação e a comunicação, com foco
no papel de escolha é objeto do estudo conceitual de Theide e Mcintyle (2008). Os
autores afirmam que a informação e suas características, que atravessam as
diversas dimensões do acesso, devem fortalecer os indivíduos na expansão dos
13
seus conjuntos de escolhas. Portanto, referindo-se a essas dimensões, o “grau de
ajuste” entre o sistema de saúde e os usuários e comunidades tem um papel
determinante no nível de acesso aos serviços de saúde, pois tem potencial para
definir o conjunto de escolhas.
2.4 Conexões entre o macro e o micro: conceito de conhecimentoemancipação
Encontramos respaldo nas produções de Boaventura de Souza Santos para
realizar esta conexão entre os macro e micro espaços. Para ele não existe um
único caminho para a transformação social, convivemos com uma sociedade que
é ao mesmo tempo autoritária e libertária. Assim não existe apenas uma forma de
dominação e opressão. A história da saúde em curso permite dizer que há
opressão e dominação, na qual usuários, profissionais e gestores se revezam na
situação de reféns. Por outro lado, Santos (2009) diz que como são várias as
formas de opressão e dominação também são várias as formas de resistência e
os agentes protagonistas. Na impossibilidade de reunir todas as resistências e
agentes, a necessidade que urge é traduzir as lutas, tornando-as inteligíveis,
permitindo que os sujeitos coletivos possam refletir sobre as opressões que os
afligem e também os desejos que os guiam. Esta tese soma-se ao desafio de
fazer esta tradução.
As dificuldades que cercam a Atenção Básica e a ESF no Brasil não
impedem que tornemos nossas experiências em conhecimento científico, no
sentido que Santos (2009) defende. Um paradigma científico, de um conhecimento
prudente, conectado a um paradigma social, de uma vida decente. O
conhecimento, para esse autor, é total, mas também local, construído por temas
adotados por projetos de vida locais, como por exemplo, reconstruir uma história
de um contexto local. Ao estimular os conceitos e as teorias desenvolvidas no
local a emigrarem para outros espaços cognitivos, esses podem ser usados em
outros contextos. A generalização pode ocorrer através da qualidade e da
exemplificação. Com isso, o autor afirma que a ciência pós-moderna é tradutora.
14
A organização dos serviços de saúde possui igualmente múltipas formas de
resistência. O anseio por serviços, ações e instituições de saúde que visem à
integralidade da atenção e que respeitem as individualidades dos usuários está
polinizado nas pesquisas e relatos de experiência na saúde. Segundo Santos
(2009), decorrente da multiplicidade de opressões, resistências e agentes torna-se
difícil identificar ou determinar o inimigo ou adversário. Por trás de um inimigo
pode estar outro e por trás desse pode estar outro ainda. Isso também ocorre nas
práticas de cuidado na saúde. Questionamo-nos quais são os inimigos da garantia
ao acesso equânime? Por que para o usuário a resolutividade do seu caso está
em outro serviço que não aquele que ele acessou? Parece-nos que precisamos
traduzir os inimigos, sem jamais ignorá-los ou subestimá-los.
O conceito de conhecimento emancipação nos auxilia a entender como isso
ocorre. Nesse tipo de conhecimento, “a ignorância é o colonialismo e o
colonialismo é a concepção do outro como objeto e, consequentemente, o não
reconhecimento do outro como sujeito.” Elevar o outro à condição de sujeito
pressupõe o conhecimento como conhecimento-reconhecimento, de forma “que
funcione como princípio de solidariedade” (SANTOS, 2009, p.30).
Então, como investigar as práticas de cuidado que traduzam o
conhecimento emancipação? Como identificar o princípio da solidariedade de
modo que ele possa ser difundido e pactuado entre trabalhadores, usuários e
gestores? Seguindo Boaventura uma implicação dá-se do monoculturalismo ao
multiculturalismo. Nesse sentido, precisamos enfrentar duas dificuldades: o
silêncio e a diferença. Parece-nos que não existe diálogo fácil na saúde, o
profissional tem a autorização para conduzir a conversa, dada pela “capa dos
valores universais autorizados pela razão” que impôs “a razão de uma ‘raça’ de
um sexo e de uma classe social” (SANTOS, 2009, p. 30). Na saúde esses valores
universais podem produzir o que Cunha (2004) chama de diálogo de surdos. A
dificuldade aqui está no diálogo multicultural. Comparar os discursos disponíveis,
hegemônicos e contra hegemônicos e analisar as hierarquias entre eles, bem
como os vazios que produzem possibilita captar esses silêncios, as necessidade e
15
desejos dos usuários que são não ditos e que se configuram como um dos
inimigos do acesso equânime.
A segunda dificuldade, a diferença, diz respeito à necessidade dela para
que ocorra a solidariedade, sem a qual não há conhecimento multicultural.
Traduzir as diferentes práticas do cuidado pode tornar possível a compreensão
entre trabalhadores e usuários, tornando-as inteligíveis é possível transformar as
práticas do cuidado em práticas emancipatórias. Como diz Santos, “finitas e
incompletas e, por isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede” (p.31).
Assim também os serviços de saúde deveriam se complementar em rede,
traduzindo seus códigos para que os serviços, instituições, trabalhadores e
usuários, respeitando suas diferenças, através do conhecimento-reconhecimento
e exercitando a solidariedade. “O saber enquanto solidariedade visa substituir o
objeto-para-o-sujeito pela reciprocidade entre sujeitos” (p.83).
Assim, investigar o papel da negociação e da tomada de decisão
compartilhada em uma USF na construção da rede de cuidado à saúde dos
cidadãos, desafia-nos a percorrer caminhos teórico-metodológicos, indissociáveis
da prática cotidiana do fazer saúde, sempre em movimento, em transformação,
acreditando que há várias possibilidades ainda não mapeadas de solidariedade e
emancipação.
16
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Colocar em foco o contexto local e as relações entre trabalhadores e
usuários da ESF, suscita a necessidade de um referencial metodológico que tenha
como conceito a investigação do ser humano em sociedade com suas relações e
instituições, como a Pesquisa Social. Tais pesquisas se fundamentam em razões
e objetivos oriundos da inserção no real. A Pesquisa Social em Saúde trata do
fenômeno saúde/doença e das representações dos vários atores envolvidos,
sejam as instituições políticas e de serviços, sejam os profissionais e usuários
(MINAYO, 2008).
A abordagem metodológica qualitativa é a escolha feita para desenvolver
esta investigação, pois trabalha com as relações, representações, percepções e
opiniões, produto das interpretações que o ser humano faz a respeito de como
vive, sente e pensa (MINAYO, 2008).
Os objetivos desta tese foram desenvolvidos em duas etapas. A primeira
conta o processo de implantação e implementação da Estratégia Saúde da
Família no município de Santa Maria. A outra etapa foi pesquisada por meio de um
estudo de caso, com o objetivo compreender as relações entre trabalhadores e
usuários durante as práticas de cuidado realizadas em uma USF do município de
Santa Maria, relacionando-as com a efetivação da continuidade do cuidado na
Rede de Atenção à Saúde do SUS. A seguir apresentaremos os caminhos
percorridos nas duas etapas.
3.1 Primeira etapa
A coleta de dados foi realizada através de análise documental e entrevistas
semiestruturada (MINAYO, 2008) com gestores. Analisamos as resoluções e atas
do Conselho Municipal da Saúde (CMS) e também documentos recebidos e
expedidos, principalmente os que envolvem processos judiciais acerca da ESF. As
17
entrevistas continham um roteiro (APÊNDICE A) formado por temas, as quais
foram gravadas e posteriormente transcritas. A transcrição foi devolvida aos
entrevistados para sua conferência. Os sujeitos entrevistados foram escolhidos
intencionalmente e sendo utilizada a técnica “bola de neve” ou indicação da rede
de relações, sendo que cada gestor recomendou outros sujeitos que estiverem
envolvidos (BARRIOS, 2009; VICTORIA, KNAUTH, HASSEN, 2000), seguindo o
nosso seguinte questionamento: qual gestor municipal que acompanhou a ESF
pode ser entrevistado? O número de entrevistas seguiu o critério de saturação de
dados, a qual ocorre quando os relatos subsequentes revelam informações que o
pesquisador julga serem repetitivas, não sendo mais necessário realizar novas
entrevistas (FONTANELLA, RICAS, TURATO, 2008).
Iniciamos as entrevistas
com a Secretária Municipal de Saúde que estava à frente da pasta quando da
implantação da ESF na data que o Conselho Municipal de Saúde aprovou a
implantação da ESF no município de Santa Maria, conforme a ata de 28 de agosto
de 2003, na Resolução 60/2003. A coleta de dados ocorreu de agosto de 2011 a
maio de 2012.
No processo da análise, os dados da pesquisa foram várias vezes
revisitados, permitindo a identificação de eixos temáticos capazes de auxiliar na
sistematização das narrativas e documentos. A partir disso, foi possível construir
uma história sobre o processo de implantação da ESF em Santa Maria.
Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, as normativas
éticas e científicas pautadas na Resolução 196/96 foram respeitadas (BRASIL,
1996). Os sujeitos indicados foram informados sobre a temática da pesquisa, os
objetivos, metodologia, e os riscos e benefícios, sendo respeitada sua autonomia,
estando livres para participar e desistir de sua participação em qualquer etapa da
mesma. Após o aceite, foi disponibilizado aos sujeitos pesquisados o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B).
Seguindo os princípios éticos esse projeto de pesquisa foi aprovado pela
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e pelo Conselho Municipal de Saúde, sendo
então submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de
Santa Maria, sob CAEE no 23081.007707/2011-51 (ANEXO 1). Os entrevistados
18
contaram também com um Termo de Confidencialidade (APÊNDICE C), no qual
ficou estabelecido o compromisso do pesquisador em manter o anonimato da
identidade das pessoas. Foi ofertada aos sujeitos a possibilidade de escolha de
seu codinome, sendo essas respeitadas. Aos entrevistados que delegaram essa
tarefa às pesquisadoras foram utilizados nomes fictícios.
Dos gestores participantes da pesquisa, 13 são mulheres e três homens.
Quanto à formação nove são enfermeiros, dois dentistas e dois fisioterapeutas, e
os demais são psicólogo, cientista social e graduando em psicologia. O que
trabalhou mais tempo na gestão permaneceu durante sete anos no cargo. Com
exceção de um dos entrevistados, os demais sujeitos possuem pós-graduação,
entre eles nove possuem mestrado e um doutorado. As especializações são em
sua maioria em Saúde Pública e Coletiva, Gestão em Saúde e Gestão da Clínica,
Humanização, Saúde da Família, Saúde Mental, Administração Hospitalar, ainda
dois residentes multiprofissionais. Esses participantes ocuparam os mais
diferentes cargos na gestão, são atores que em diferentes momentos exerceram
papéis também diferenciados, ora gestores, ora trabalhadores de AB ou ESF, ora
docentes de universidades. Em vários casos foram gestão em um governo e
equipe no outro. Consideramos que isso permite a abordagem do tema por
diversos ângulos, podendo ser um fator que garante a realidade dos fatos e a
triangulação dos dados.
Organizamos a apresentação dos resultados em eixos temáticos, quais
sejam: A Atenção Básica em Santa Maria antes da implantação da ESF; “foi assim
que a estratégia começou em Santa Maria: a presença do SUS na vida das
pessoas”; A transição na troca de gestão; Nova gestão: novas escolhas? e
Desafio de explicar os altos e baixos da ESF em Santa Maria.
19
Figura 1 - Esquema de gestores indicados para a entrevista
Entrevista 1*
Entrevista 2*
Entrevista 3*
Entrevista 15*
Entrevista 5#
Entrevista 9*
Entrevista 6*#
Entrevista 8#
Entrevista 7*#
Entrevista
12*#
Entrevista
10*#
Entrevista
13*#
Entrevista
11*#
Entrevista 4*
Entrevista
14*#
Entrevista 16*
Legenda:
* Período em que o entrevistado esteve na gestão 2001-2008
# Período em que o entrevistado esteve na gestão 2009-2012
3.2 Etapa 2: Relações entre trabalhadores e usuários durante as práticas de
cuidado realizadas em uma USF
Considerando a extensão do objeto de pesquisa e tendo como referência
metodológica
a
pesquisa
qualitativa,
desenvolvida a partir de um estudo de caso.
propomos
realizar
uma
pesquisa
20
3.2.1 Tipo de estudo
“[...] nada é mais universal que o nosso
umbigo e [...] uma história confinada em
si mesma [...] traduz a humanidade
toda.” (MEDEIROS, 2011, p.2)
O estudo de caso “investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade
e em seu contexto de vida real, especificamente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não são claramente evidentes” (YIN 2010, p. 39). Com
estas características, no estudo de caso há mais variáveis de interesses do que
pontos de dados e, os resultados contam com múltiplas fontes de evidência,
precisando convergir os dados, de maneira triangular. Outro resultado é que a
coleta e análise dos dados são beneficiadas por haver proposições teóricas
desenvolvidas anteriormente.
Para um projeto com estudo de caso são necessários cinco componentes:
questões do estudo; proposições; unidade de análise; coerência que une os dados
às proposições e critérios para interpretação dos dados. A questão deste estudo,
já apresentada na introdução, pressupõe uma investigação explanatória. O estudo
de caso se constitui em uma vantagem diferenciada quando uma pergunta “como”
ou “por que” é feita sobre um evento contemporâneo e sobre algo que o
pesquisador tem pouco ou nenhum controle (YIN, 2010), como é o caso dos
aspectos relacionais entre trabalhadores e usuários.
O segundo componente do estudo de caso também foi apresentado na
introdução e chamamos de pressupostos. Nos estudos explanatórios, sobre temas
já bem explorados, os pressupostos são guias seguros para saber onde procurar
as evidências relevantes e para refletir sobre os aspectos teóricos¸ segundo o
mesmo autor. Ressaltamos que os demais componentes de um estudo de caso
serão apresentados nos próximos itens.
21
3.2.2 Unidade de análise
A seleção da unidade de análise, ou o “caso”, está relacionada à questão
da pesquisa (YIN, 2010). Neste estudo, “como os aspectos relacionais da
negociação e a tomada de decisão compartilhada entre trabalhadores e usuários
durante as práticas de cuidado em uma USF podem efetivar a continuidade do
cuidado na RAS do município de Santa Maria?” já está apontando para a unidade
de análise, uma USF. Faz-se necessário, para isso, especificar o contexto da USF
pesquisada. Apresentamos de forma sucinta o sistema municipal de saúde de
Santa Maria para depois localizar a USF a ser estudada.
Santa Maria situa-se no centro do estado do Rio Grande do Sul e possui
uma
população
de
261.031
habitantes
(INSTITUTO
BRASILEIRO
DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). É município-sede da 4ª Coordenadoria
Regional de Saúde. A RAS do município conta 31 Unidades Básicas de Saúde
(UBS), sendo 24 urbanas e sete rurais e uma Unidade Móvel de Atendimento
Básico; um Laboratório de Análises Clínicas; um Pronto Atendimento Municipal
(PA),
que
agrega
atendimentos diferenciados para
adultos,
crianças
e
odontológico. Entre os serviços especializados estão o Centro de Atenção
Psicossocial infantil (CAPS i) – o equilibrista; CAPS II álcool e drogas (Ad) –
Caminhos do Sol; CAPS II Ad Cia do Recomeço; CAPS II Prado Veppo;
Ambulatório Municipal de Saúde Mental e Programa Redução de Danos (PRD).
Sedia ainda o Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), referência para
atendimento de emergência, internação e serviço ambulatorial; o Centro Regional
de Saúde do Trabalhador (CEREST), um serviço referência em oftalmologia e um
Hemocentro. Possui um hospital geral, Hospital Casa de Saúde, referência para
internação. A RAS conta ainda com uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e
o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
22
Em visita ao setor de regulação/agendamento, feita em maio de 2011,
fomos informadas que a SMS conta com as seguintes especialidades médicas:
infectologia (1); urologia (3); proctologia (1); angiologia (1); pneumologia (1);
reumatologia (1); otorrinolaringologia (1); cardiologia (3); pneumologia pediátrica
(1) endocrinologia (1); dermatologia (2) e neurologia (4) que atendem no Centro de
Especialidades Erasmo Crossetti (Cedec). O Governo Municipal enviou à Câmara
de Vereadores em 07 de novembro de 2011, o Projeto de Lei que institui no
município a Tabela SUS Municipal com o objetivo de reduzir a demanda reprimida
de médicos especialistas em Santa Maria. Segundo a Prefeitura, naquele
momento 1.497 pacientes estavam na fila para a consulta em cardiologia; 300 em
pneumologia, 1.661 em endocrinologia, 350 aguardam neurologista, 2.395 em
traumatologista (não conta com médico traumatologia, nesta área possui convênio
com um Pronto Socorro (PS) traumatológico, o PS de Fraturas), 357 em
otorrinolaringologista e 238 em gastroenterologista. Segundo esta notícia, a
Prefeitura convocou 45 profissionais médicos de um concurso realizado em 2008,
dos quais 24 tomaram posse, mas somente 15 estão trabalhando (SANTA MARIA,
2011).
Nas Unidades de Saúde da Família (USF) atuam 16 equipes da ESF, cada
equipe é composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e Agentes
Comunitários de Saúde (ACS). Em cinco unidades há equipes de saúde bucal.
Uma equipe trabalha em duas USF rurais (Arroio do Só e Pains).
A unidade de análise estudada é uma USF com duas equipes básicas e
equipe de saúde bucal. Para preservar o anonimato da equipe pesquisada não
revelaremos o local da pesquisa, mas ele estabelece o limite espacial do caso
(YIN, 2010). Para produzir conhecimento sobre a realidade social é imprescindível
“mergulhar no seu cotidiano, buscando uma relação de intersubjetividade”
(DESLANDES, 2005), pois o trabalho de campo será mediado pelo referencial
teórico e prático, portanto nunca neutro (MINAYO, 2008).
Além da delimitação espacial da unidade de análise, também é importante
delimitar o tempo e os sujeitos envolvidos (YIN, 2010). Quanto ao limite temporal
para a coleta de dados, foi de fevereiro a julho de 2012, com início desencadeado
23
após a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unifesp e a definição
do término da coleta deu-se pela saturação de dados.
Os sujeitos desta pesquisa foram os trabalhadores de saúde2 e usuários da
USF. O grupo de trabalhadores é composto por um Auxiliar Administrativo, nove
Agentes Comunitários de Saúde (ACS), uma Auxiliar de Consultório Dentário
(ACD), um Auxiliar de Serviços Gerais, um coordenador administrativo de USF,
duas enfermeiras, uma médica, uma odontóloga e duas técnicas de enfermagem.
Ainda compõe o contexto do estudo de caso, mas estão fora do “caso” (YIN,
2010), médicos não vinculados à ESF, residentes multiprofissionais de saúde,
professores e acadêmicos.
É importante lembrar que os estudos de caso “são generalizáveis às
proposições teóricas e não às populações”, portanto a USF não está sendo
considerada uma amostra das demais ESF de Santa Maria (YIN, 2010, p. 36). A
meta será expandir e generalizar analiticamente os resultados sobre as relações
entre trabalhadores de saúde e sua implicação para a continuidade do cuidado na
RAS de Santa Maria.
3.2.3 Coleta de dados
A coleta de dados em estudo de caso deve seguir três princípios essenciais
que são: a utilização de múltiplas fontes de evidência; a criação de um banco de
dados e a manutenção de uma conexão entre estas evidências (YIN, 2010).
Nesta pesquisa foram
realizadas observação, entrevistas com os
trabalhadores e usuários e buscas em documentos e em registros de sistemas de
informações.
A observação desenvolvida foi do tipo participante, não estruturada e direta.
A observação participante pressupõe a interação do pesquisador com os sujeitos
da pesquisa (KAKEHASHI E PINHEIRO, 2006). A participação ativa durante a
observação, com o desenrolar do estudo, variou em graus desde a não
2
Optamos por utilizar a definição ‘trabalhadores de saúde’ e não ‘profissionais de saúde’ por
incluirmos todos os sujeitos que atuam na USF.
24
participação até a participação completa (SPRADLEY, 1988). Identificamos um
envolvimento crescente da pesquisadora e suas auxiliares para com o contexto e
os sujeitos pesquisados, bem como dos sujeitos pesquisados para com as
pesquisadoras.
A
observação
foi
ainda
não
estruturada,
pois
foi
guiada
pelo
questionamento do estudo, não havendo um instrumento previamente elaborado,
e direta porque teve a presença física do pesquisador no ambiente da pesquisa
(KAKEHASHI e PINHEIRO, 2006).
As observações foram realizadas durante períodos em que a USF estava
em funcionamento, principalmente durante as práticas de cuidado. As práticas de
cuidado foram consideradas como todas as ações que envolviam o encontro entre
trabalhadores e usuários. Também as reuniões de equipe, encontros com a
comunidade,
encontros
entre
os
membros
da
equipe
que
aconteciam
informalmente durante os turnos de trabalho. A tabela 1 apresenta os períodos
observados.
Tabela 1. Descrição dos períodos observados na USF
Data
Dia da
semana
Turno
27/02/12
Segunda
Tarde
28/02/12
Terça
Tarde
29/02/12
Quarta
Tarde
01/03/12
Quinta
Tarde
08/03/12
Quinta
Tarde
Entrada e
Horas
saída
observadas
13h40min –
15h10min
13h40min –
15h10min
13h –
15h15min
13h45min–
15h50min
13h45min15h
1h30min
1h30min
2h15min
2h05min
1h15min
25
8h – 11h
09/03/12
Sexta
Manhã
12/03/12
Segunda
Manhã
13/03/12
Terça
Manhã
15/03/12
Quinta
Tarde
23/03/12
Sexta
Manhã
26/03/12
Segunda
Tarde
27/03/12
Terça
Manhã
29/03/12
Quinta
Tarde
30/03/12
Sexta
Manhã
03/04/12
Terça
Tarde
04/04/12
Quarta
Tarde
17/04/12
Terça
Manhã
17/04/12
Terça
Tarde
19/04/12
Quinta
Tarde
13h45min-16h
2h15min
20/04/12
Sexta
Manhã
10h-11h45min
1h45min
23/04/12
Segunda
Tarde
24/04/12
Terça
Tarde
8h30min –
10h45min
8h20min –
11h20min
13h45min15h30min
8h20min –
11h15min
13h45min15h45min
8h15min –
10h45min
13h45min16h15min
8h – 11h15min
13h40min15h50min
12h-13h
8h45min11h45min
13h45min15h45min
13h50min16h20min
13h30-16h
3h
2h15min
3h
1h45min
1h55min
2h
2h30min
3h30min
3h15min
2h10min
1h
3h
2h
2h30min
2h30min
26
25/04/12
Quarta
Tarde
13h-14h15min
26/04/12
Quinta
Tarde
27/04/12
Sexta
Manhã
02/05/12
Quarta
Tarde
03/05/12
Quinta
Tarde
10/05/12
Quinta
Tarde
14h-16h
2h
16/05/12
Quarta
Tarde
13h-15h30
2h30min
22/05/12
Terça
Tarde
14h-16h30
2h30min
23/05/12
Quarta
Tarde
13h30-15h15
1h45min
29/05/12
Terça
Manhã
8h40- 11h
2h20min
30/05/12
Quarta
Tarde
13h30-15h
1h30min
13/06/12
Quarta
Tarde
13h30-15h
1h30min
19/06/12
Terça
Manhã
9h-11h
2h
19/06/12
Terça
Tarde
14h- 15h
1h
20/06/12
Quarta
Tarde
13h-16h
3h
13h4016h10min
8h3012h45min
13h-15h15min
13h4015h10min
Total
1h15min
2h30min
4h15min
2h15min
1h30min
76h25 min
Vale destacar que para realizar a descrição das observações primamos por
esta ser minuciosa, detalhada e densa, tentando captar o “todo” que estava
acontecendo durante os períodos observados. Com o diário de campo construído
desta forma,
a
análise
foi facilitada, auxiliando
a
evitar pensamentos
convencionais (BECKER, 2007).
Para aumentar a confiabilidade dos dados observados e evitar a
parcialidade do pesquisador é prudente garantir a presença de mais de um
27
observador (YIN, 2010). Contamos com duas observadoras auxiliares que são
membros do grupo de pesquisa e já possuíam familiaridade com a pesquisa. As
auxiliares receberam treinamento prévio no qual, além de conhecerem o conteúdo
do projeto, elaboramos os Apêndices 1 e 2 para dar segurança às observadoras,
facilitando as primeiras observações. Portanto, tais apêndices não foram utilizados
no sentido de estruturar as observações. Os diários de campo eram elaborados
pela pesquisadora e pela auxiliar, sendo posteriormente confrontados e discutidos
para garantir maior fidedignidade à observação.
A entrevista, para o estudo de caso, pode ser tipo conversas guiadas, e não
inquéritos estruturados. Duas tarefas devem ser seguidas durante a realização da
entrevista: seguir a linha de investigação e manter a imparcialidade, formulando
perguntas não ameaçadoras (YIN, 2010). No caso desta pesquisa, por tratarmos
de relações, as entrevistas são considerados relatos e, em alguns casos, contém
histórias que envolvem a vida pessoal do sujeito da pesquisa ou seu percurso
profissional. Lembramos que quando “a relevância do discurso entra em jogo, a
questão torna-se política por definição”, pois é por meio do discurso que o ser
humano é um ser político (ARENDT, 2001, p. 11).
As entrevistas foram realizadas com as duas enfermeiras, com a duas
técnicas de enfermagem, com a médica, com a odontóloga, com a ACD, com o
auxiliar de serviços gerais, com o coordenador da USF e com quatro ACS
(APÊNDICE 3 e 4). Ainda entrevistamos seis usuários (APÊNDICE 5) que, durante
o período da coleta de dados, receberem um encaminhamento a outro ponto da
RAS de Santa Maria, totalizando 19 entrevistas. O número de usuários
entrevistados seguiu o critério de saturação dos dados, que indica suspensão da
inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na
avaliação do pesquisador, certa redundância e que atendiam os objetivos
(FONTANELLA, RICAS, TURATO, 2008).
A documentação analisada consistiu em cadernos de atas da equipe,
relatórios da equipe, relatórios de gestão da SMS, agendas dos encaminhamentos
e ofícios recebidos. A documentação foi usada com cuidado, evitando serem
tomados como registros literais do ocorrido. É importante lembrar que o
28
documento não foi redigido para a pesquisa e sim para alguma outra finalidade
específica (YIN, 2010).
3.2.4 Critérios para a interpretação dos dados
A análise de estudo de caso foi conduzida de modo a perseguir a resposta
à questão de pesquisa e aos objetivos estabelecidos, juntamente com as
proposições teóricas, que estão em constante atualização. Também a coleta de
dados, mediados pela orientação teórica, com pressupostos estabelecidos
guiaram a análise (YIN, 2010).
Em contraposição a isso, e buscando a confiança nas constatações, foram
estabelecidos outros pressupostos considerando possibilidades inversas de
explanações sobre a construção das RAS, ou seja, explanações rivais (YIN,
2010). Neste projeto estamos considerando que com a negociação e a tomada de
decisão compartilhada entre trabalhadores e usuários, o encaminhamento
realizado pode ser promotor de responsabilização, tanto do trabalhador quanto do
usuário.
Tomamos como hipótese nula (explanação rival) que a responsabilização
sobre a continuidade do cuidado, tanto do trabalhador quanto do usuário, não
dependem da negociação e tomada de decisão compartilhada. Perguntamos a
ambos como o usuário chegará ao destino previsto no encaminhamento e quem
chegará num período aceitável de tempo para cada caso, considerando outras
influências que não a responsabilização. Para isso foi necessário de antemão
conhecer todas as possibilidades de razões para usuários conseguirem caminhar
na RAS, mesmo as improváveis. Assim, a análise está preservada “das
confortáveis rotinas do pensamento que a vida acadêmica promove e sustenta,
tornando a maneira “certa” de fazer as coisas” (BECKER, 2007, p. 24).
Definimos como estratégia analítica a própria elaboração do corpus da
pesquisa. Os dados da pesquisa foram várias vezes revisitados, permitindo a
identificação de marcadores importantes para orientar a análise e evitar
interpretações a priori. A questão de pesquisa e o pressuposto estabelecidos,
29
como já foi dito, serviram de guia durante a análise com a intenção de ser uma
orientação para contar a história do caso (YIN, 2010).
A apresentação dos resultados está pautada pelos eixos temáticos, guiada
pela necessidade de inserir o leitor no contexto pesquisado, procurando
compreender como as relações entre trabalhadores e usuários implicam na
continuidade do cuidado. Os eixos temáticos são: 1. Os diferentes caminhos que o
usuário é submetido na RAS de Santa Maria a partir da USF estudada; 2. A
participação do usuário na decisão do encaminhamento: negociação é possível?;
3. Usuário encaminhado à RAS: fatores que interferem nesse caminhar; 4. O
modo de gerenciar influenciando na autonomia e responsabilidade dos
trabalhadores; 5. Usuário generalizado.
3.2.5 Aspectos éticos
Procurando assegurar e valorizar uma condução ética, durante todo o
processo desta pesquisa, as orientações e disposições da Resolução nº 196/96,
do MS (BRASIL, 1996), na qual estão descritas as diretrizes e normas que
regulamentam os processos investigativos que envolvem seres humanos, foram
consideradas. Apresentamos a proposta à equipe da Unidade Saúde da Família e
à SMS do município de Santa Maria, solicitando a anuência para realização da
pesquisa. Após, o projeto foi submetido ao CEP da UNIFESP e considerado
aprovado sob protocolo no 1939/11 (ANEXO 2).
A participação na pesquisa se deu a partir da aceitação dos sujeitos e
firmada por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(APÊNDICE 6) pelos participantes. Os objetivos e a metodologia foram
apresentados de forma clara, bem como os riscos e benefícios. Os participantes
têm garantidos seu anonimato e de suas informações. Além disso, a liberdade de
participação espontânea e o direito de desistência, em qualquer momento da
pesquisa, foram preservados e explicitados. Destacamos que a trabalhadora que
exerce a função de recepcionista não aceitou participar da entrevista.
Comprometemo-nos com os sujeitos através do Termo de Confidencialidade
30
(APÊNDICE 7), no qual ficou estabelecido o compromisso em manter de forma
confidencial a identidade das pessoas cujas informações serão coletadas.
Aos sujeitos envolvidos na pesquisa foi solicitado que escolhessem seu
codinome. A equipe decidiu em reunião do dia 18 de julho de 2012 que devemos
adotar nomes próprios para todos os trabalhadores da USF. Os usuários que
escolheram também optaram por nomes próprios. Com o intuito de agradecer e
homenagear os sujeitos envolvidos utilizamos nomes de pessoas que já foram
medalhistas olímpicos, pois os consideramos heróis. Para Arendt (2001, p.199), o
herói não necessita fazer atos heroicos, mas a fato de o ser humano abandonar
“seu esconderijo para mostrar quem é, para revelar e exibir sua individualidade, já
denota coragem e até mesmo ousadia”.
31
4 RESULTADOS
Para atender aos objetivos propostos, neste capítulo apresentaremos os
resultados divididos em duas partes. O item 4.1, e suas subdivisões, dão conta do
primeiro objetivo que analisou o processo de implantação da ESF em Santa Maria
e o item 4.2, também apresentado por eixos temáticos, apresenta o estudo de
caso.
4.1 Processo de implantação e acompanhamento da ESF em Santa Maria
Para iniciar a apresentação dos resultados, antes é necessário dizer que o
recorte realizado está permeado por uma intencionalidade de aprendizado e de
não julgamento. Sabemos que fazer gestão pressupõe escolhas, que sempre
apresentam consequências e que estão cercadas por um contexto que também as
influenciam.
4.1.1 A Atenção Básica em Santa Maria antes da implantação da ESF
Antes da implantação da ESF em Santa Maria, a AB do município
desenvolvia uma assistência restrita, fragmentada. Na opinião de gestores, isso
desencadeou um processo efervescente de fazer o novo, transformar uma
realidade e também motivou a forma de contratação das equipes.
[...] 2003 a gente sentia que no município existia uma estrutura de
unidade básica de saúde [...] muito centrada na figura do médico
[...]. E que não tinham resolutividade. E havia uma dificuldade
histórica em relação à saúde da família em Santa Maria, porque
havia sido implantado o Pacs, mas não a ESF3. (Ametista)
3
Utilizamos no decorrer da exposição das falas a abreviatura ESF, mas os sujeitos, com raras
exceções, falavam a expressão Estratégia Saúde da Família.
32
[...] não havia naquele momento nenhuma organização para
Atenção Básica. Santa Maria trabalhava como um retrato do Brasil
inteiro. Com um modelo desarticulado, não preparado, que
trabalhou com a lógica de soma das coisas sem organizá-las.
Então, eram serviços que não se conversavam, cumpriam
meramente com as atividades tradicionais, enfim, um conjunto de
serviços que não trabalhava em conjunto. Com isso havia lacunas
na assistência muito importantes que a ESF poderia efetivamente
suprir, principalmente nas áreas que eram vazias de acesso [...]
(Catina)
[...] sabemos que os profissionais que nós tínhamos reproduziam
um modelo muito tradicional, que nada iria mudar. Então a gente
precisa de gente nova. [...] (em Santa Maria) uma enfermeira para
fazer uma consulta de enfermagem não fazia, solicitação de
exames nem pensar, coleta de CP (citopatológico) pensava que
era atribuição só do ginecologista, quer dizer umas coisas [...]
totalmente absurdas, então a gente deu esta movimentada.
(Marisa)
Motivados por iniciar um novo processo em Santa Maria, os gestores não
mediram esforços para mostrar que poderia ser diferente. Essa constatação que
tinham gerou um distanciamento entre AB e a ESF, como veremos adiante.
4.1.2 “foi assim que a estratégia começou em Santa Maria: a presença do
SUS na vida das pessoas”
A implantação foi motivada por uma demanda social e construída com a
participação de vários segmentos da sociedade, coerente com a ideologia
partidária que estava no governo municipal e reconhecida por quem não
compartilhava a mesma ideologia.
33
[...] final de 2002 [...] a primeira vez que chegou essa discussão da
ESF [...] foi uma demanda vinda do conselho, não foi da gestão.
(Esmeralda)
[...] em 2004 que foi implantado, porque a ESF em Santa Maria foi
sempre muito discutida, teve muito debate de como que ia ser
implantado, de quem iria implantar, quem seriam os funcionários,
eu acho que isso teve um grande debate, não foi uma coisa
decidida
por
um
governo,
ou
não.
Foi
o
Partido
dos
Trabalhadores, mas eles deram oportunidade de ouvir, foi
debatido dentro do Conselho Municipal de Saúde. (Borboleta)
[...] um programa de reestruturação para cidades com mais de 100
mil habitantes [...] pessoas (da gestão) da atenção básica
descobriram esse decreto, essa nova proposta do governo, e a
gente começou a estudar, e vimos que havia uma viabilidade de
implantação aqui em Santa Maria. Já havia a resolução do
conselho, já haviam acontecido vários movimentos, mas nunca
tinha sido possível em função de dinheiro. [...]. Quando a gente viu
que tinha um financiamento específico para cidades com mais de
100 mil habitantes, a gente construiu uma proposta, a equipe
construiu uma proposta, apresentamos para o prefeito. (Ametista)
[...] como era uma administração popular, ela tinha na sua
concepção a escuta da população. Foram mobilizadas nos bairros
várias reuniões com a proposta de discutir a ESF, [...] a
implantação da ESF em alguns locais, esses locais passaram pela
discussão do prefeito e da secretaria geral do governo, porque ela
vinha muito baseada nos indicadores de saúde, era baseada na
questão das vulnerabilidades sociais. (Esmeralda)
34
Tu pensares os vazios assistenciais, a localização de uma
unidade
de
saúde
com
uma
delimitação
geográfica
de
responsabilidade, com pessoas e com habitações que eram da
sua responsabilidade, com uma lógica mais coerente de presença
do SUS na vida das pessoas. (Catina)
A gente discutiu com as associações comunitárias e com o
conselho de saúde, quais os lugares onde nós tínhamos
indicadores epidemiológicos piores, onde a gente entendia que
precisava ter uma equipe de saúde para tentar melhorar, onde
tinha um índice de mortalidade infantil mais alto, onde tinha
mulheres com dificuldade de acesso ao pré-natal. Enfim, onde
tinha um vazio assistencial, não tinha unidade de saúde próxima e
as pessoas precisavam caminhar muito para ir até a unidade de
saúde. Acho que isso já fez a diferença porque começamos a
discutir isso com a própria comunidade nos mais diferentes
espaços a gente ocupava para fazer essa discussão explicando
para eles, inclusive, o que era a ESF, para eles poderem entender
que a gente queria era um envolvimento deles. (Dulce)
A primeira gestão, ao aderir à proposta da ESF fez isso com um projeto
construído, conhecia o que estava implantando, tinha feito uma opção por um
modelo de atenção à saúde que envolvia a proposta da ESF. Isso pode ser
confirmado a partir das falas.
A gente tinha claro para nós, até fundamentado teoricamente:
esse era o modelo, e isso ia gerar um movimento de mudança.
(Ametista)
35
[...] o objetivo que se tinha era de realmente impactar e fazer a
mudança nos indicadores de saúde e na organização do SUS de
Santa Maria, do sistema de saúde de Santa Maria. (Dulce)
[...] era a inversão completa da lógica que até então acontecia [...]
a primeira coisa o (nome do prefeito) falava: essa ficha não pode
mais existir, ficha não se existe mais, as pessoas iam ser
acolhidas, todas elas iam ser atendidas (Esmeralda)
A opção da primeira gestão da ESF em Santa Maria foi envolver e
proporcionar a participação dos profissionais, da comunidade e do CMS. Outra
escolha foi a transparência na forma de contratação das equipes e a certeza que o
perfil profissional faria toda a diferença. A escolha pelo vínculo empregatício se
deu muito por sugestão do MS.
[...] foi assim que a estratégia começou em Santa Maria, com uma
participação muito grande do controle social e das associações
comunitárias, não só do conselho de saúde, mas de todos os
movimentos sociais daquelas comunidades onde iriam ser
implantadas as Unidades de Saúde da Família. (Dulce)
[...] o grande problema era: como contratar esses recursos
humanos? E como garantir que as pessoas que viessem, seriam
pessoas que iriam fazer a diferença nesse modelo? (Ametista)
[...] Se voltarmos para o período inicial da ESF em Santa Maria, o
sentimento na gestão era de que haviam conseguido achar o
caminho para que a contratação sem incidir na Lei de
Responsabilidade Fiscal, uma vez que o vínculo do pessoal era
via Consórcio e o pagamento era realizado para pessoa Jurídica,
36
Fundo Municipal de Saúde para Consórcio Intermunicipal de
Saúde. (Mandacaru)
[...] Então, olhando hoje esse processo dá para ver claramente
que se o próprio Ministério (da Saúde) tivesse definido algumas
regras claras sobre a via (de contratação), não deixasse tão
flexível a modalidade de contratação, isso poderia ter, não apenas
em Santa Maria, mas em toda essa região centro do estado, feito
uma diferença muito grande no potencial da estratégia para
reordenar as equipes. (Catina)
A opção de realizar as contratações via Processo Seletivo e não
Concurso, na época, também tinha o intuito de contratar pessoas
com experiência e perfil para atuarem na ESF. (Mandacaru)
[...] o processo seletivo [...] guardava muita diferença de qualquer
outro que tivesse sido feito. Nós tivemos o cuidado de trabalhar
com uma lógica muito coletiva e transparente. Então, nós tivemos
mais de 300 candidatos e constituímos uma comissão de
avaliação que foi muito abrangente: tínhamos representação do
Conselho Municipal de Saúde, representação da Câmara de
Vereadores, representação da Secretaria de Saúde, da 4ª
Coordenadoria Regional de Saúde. (Catina)
Analisando as atas do CMS, identificamos uma consonância com essas
falas, pois em janeiro de 2004 designaram-se os conselheiros que representariam
o CMS no acompanhamento e fiscalização do Processo Seletivo do Programa de
Saúde da Família.
Além disso, com o propósito de assegurar e qualificar a
implementação do PSF como prática de Saúde Pública foi formada a comissão
para estudos das regiões sanitárias além da discussão sobre a formação de novas
equipes e localização do PSF.
37
[...] os critérios para o processo seletivo, foram aprovados no
Conselho Municipal de Saúde, como formação, com residência em
saúde da família ou com especialização em saúde coletiva [...]
depois chamava para entrevista. A entrevista foi bem interessante
na época porque a gente compôs a comissão das pessoas que
fariam a entrevista com diferentes segmentos da comunidade,
com
trabalhadores
representantes
do
e
docentes
controle
das
social,
universidades,
do
Conselho,
com
com
representação da câmara de vereadores, o grupo era bem
diversificado, com segmentos representativos da comunidade [...]
tinha entrevista individual e entrevista coletiva, até porque a ideia
era de que as pessoas vão trabalhar em equipe, então numa
entrevista coletiva, não só por categoria profissional, misturando
as categorias profissionais, dá a ideia de como vai ser o
comportamento para desenvolver o trabalho em equipe, por isso
que foi bem focado para mudança mesmo. (Dulce)
Selecionadas as primeiras equipes, a gestão colocou em prática a cogestão
com as equipes, essas puderam programar seu processo de trabalho, com a
ressalva de sempre envolver a comunidade. Esse compartilhamento de
gerenciamento é ilustrado pelos entrevistados:
[...] as equipes participando do planejamento, porque é diferente,
nós enquanto gestão pensar como queríamos e dizer para essas
equipes executarem, afinal ninguém gosta de apenas executar
aquilo que não ajudou a planejar, ajudou a pensar. (Dulce)
[...] nós sentamos para trabalhar a ESF Santa Maria e fizemos três
grupos: (um) para construir as linhas de cuidado; um que
trabalhou os protocolos, e o terceiro grupo que trabalhou o
38
processo de trabalho. [...] a gestão disse: vai ser um processo que
será construído entre vocês, a gestão vai bater martelo [...] muito
do que vocês pensarem a gestão vai aprovar. (Esmeralda)
No início da ESF em Santa Maria a gestão utilizou como processo de
educação permanente o envolvimento das equipes em questões estruturais da
proposta, como a territorilização. As próprias equipes conheceram os territórios e
fizeram os desenhos, com a intenção de suprir vazios assistenciais. Durante o
período de três meses as equipes trabalharam nas propostas, antes de iniciar
suas atividades.
[...] Tudo isso foi feito dentro do processo de capacitação que
culminou com a apresentação de tudo isso. Era um processo que
foi bem exuberante, eles mesmos se identificavam com as
regiões. (Catina)
[...] tu conhecias as pessoas e tu dizias onde querias ir (trabalhar)
[...] eu quero ir para (nome do bairro), por quê? Porque era uma
localidade que tinha uma alta vulnerabilidade social [...].
(Esmerlada)
[...] tínhamos um modus operandi de trabalhar, quando chegaria
alguém que fosse fora de área, nós tratávamos do mesmo jeito,
era emergência, nós abríamos prontuário, desde a questão da
padronização do tamanho do prontuário nós tínhamos, a
padronização do número [...]. Então, foi muito rico, foi excelente,
foi enriquecedor [...] e a partir daí começaram as implantações nos
locais. (Esmeralda)
No início da Estratégia, 2004 e 2005, a gestão era participativa,
com a presença constante da gestão e dos profissionais da
39
assistência na gestão. Muito do que foi construído para a ESF foi
fruto do trabalho integrado. (Mandacaru)
O envolvimento dos trabalhadores de saúde no início da ESF é reconhecido
por todos, muito disso deve-se ao modo de fazer gestão, pautada na
corresponsabilização e definição de projeto.
[...] a mudança da lógica do jeito de fazer, era algo que a gente
pensava em fazer, que fosse diferente e as equipes estavam
mobilizadas, e isso fez com que as pessoas se envolvessem e se
apaixonassem por aquele trabalho, tanto que a gente teve
melhorias nos indicadores. (Dulce)
[...] naquele período foi trabalhado com a seriedade necessária.
Porque tu tinhas uma responsabilidade assistencial, tinhas uma
construção de vínculo, tu acolhias, portanto o indicador respondia
a altura. (Catina)
[...] conseguíamos realizar planejamento da gestão com trocas de
conhecimento em grandes encontros. (Mandacaru)
Observamos nas falas a seguir que as equipes foram convidadas a
desenvolver o mesmo modo de participação com a comunidade, guiados pela
gestão.
[...] antes (de iniciar o trabalho na USF) teve uma reunião com a
comunidade, na qual a equipe foi apresentada para comunidade,
eu tenho as fotos, chamaram a população, o prefeito foi lá, esse
aqui é fulano, fulano e fulano, a partir desse momento, tal dia vai
abrir. E também, nesta reunião, foram trabalhados os horários que
a população queria que a unidade ficasse aberta. (Esmeralda)
40
A gente foi por unidade, sempre ia uma equipe da secretaria, fazia
reunião nas associações comunitárias, se discutia, se abria para
comunidade fazer todas as perguntas, todas as dúvidas que eles
tivessem. Foi definido com a comunidade como eles queriam que
fosse o atendimento, o horário de atendimento, se ia fechar ao
meio dia, se não ia fechar, enfim, a comunidade participou de
tudo, bem participativa. (Ametista)
[...] depois dessa seleção, foi feito algo muito bonito e muito
construído (fala emocionada) isso dói para falar porque isso já não
tem mais nada. (Esmeralda)
[...] eram muito forte as associações de bairro que hoje não
existem mais. Perdeu aquela noção de comunidade. Era muito
forte e tinha também a UAC (União das Associações Comunitária)
era muito presente. Quando a gente precisava de força com a
comunidade, nós chamávamos os representantes da UAC, nós
chamávamos
também
a
secretaria,
eles
participavam.
Pesquisadora: Isso quando estavas na gestão ou na estratégia?
Entrevistada: na estratégia. Na gestão quando eu assumi já não
tinha mais. (Cíntia)
A participação da comunidade acontece a partir do convite da gestão, é um
processo construído, como pudemos perceber na primeira gestão. Há indício que
a opção da gestão que assumiu em 2009 não reconhece o controle social exercido
pelas instâncias institucionalizadas no SUS, conferências e CMS.
As fotos das conferências mostram grande participação popular e
hoje participam uma minoria, pois até o local disponibilizado pela
41
Secretaria de Saúde é estratégico. [...] considerando o difícil
acesso às conferências na gestão 2009 a 2012. (Lulu)
Assim, a pergunta que fica aqui, e que tentaremos responder com as falas
dos sujeitos entrevistados, é por que isso não tem fortaleza suficiente para se
manter? Onde se perde? A primeira constatação é que as circunstâncias são
inúmeras, mas que é possível elencar as principais. Seguiremos apresentando a
história, como ela apareceu nas falas dos gestores, mas voltaremos a tratar
destas conjunturas. Podemos dividir a história da ESF em Santa Maria em etapas.
A primeira, desde 2004 até meados de 2006 cujo processo foi relatado acima,
somente tem que acrescentar o fato que o número de equipes era 16, também
com processos seletivos. Ainda que o projeto do Proesf previsse o aumento
progressivo das equipes de ESF até chegar à cobertura populacional de 70 % em
2007, 44 equipes básicas e saúde bucal. Esses dados foram coletados em um
arquivo de Powerpoint fornecida por uma entrevistada que tratava da
apresentação realizada pelo Secretário Municipal de Saúde em exercício, em 10
de janeiro de 2005, por ocasião da IV Conferência Municipal de Saúde.
Depois disso, já inicia outra etapa que vai de 2006 até final de 2008, com o
término da primeira gestão da ESF. Mesmo dentro do mesmo governo algumas
circunstâncias determinaram mudanças significativas. O vínculo empregatício
utilizado (a terceirização) foi considerado irregular pelo Ministério Público do
Trabalho (MPT).
[...] a nova legislação dos Consórcios foi promulgada em 2005.
Então não havia ilegalidade no Processo de 2004. [...] em 2007 o
Ministério do Trabalho impôs um Termo de Ajuste de Conduta, o
TAC, com prazo de dois anos para sua execução. Nele estava
claramente a indicação de demitir todos os profissionais que
haviam ingressado no serviço público mediante processo seletivo.
(Mandacaru)
42
Em consonância com essa realidade, há uma carta do CMS, de março de
2010, ao Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), a qual infere
que a ESF possuía trabalhadores terceirizados (via Consórcio Intermunicipal de
Saúde), em 2007 o MPT chamou o município e ambos assinaram o TAC, para a
demissão de todos os trabalhadores no prazo de um ano e dentro do período
deveria ocorrer um concurso público para admissão dos trabalhadores no regime
estatutário, ou seja, até 2008. No entanto, não houve concurso, houve contratação
emergencial no fim do primeiro ano. Então, em julho de 2009, fim do contrato
emergencial, reabriu-se novo contrato emergencial sem a participação do CMS.
Os trabalhadores selecionados não tinham experiência com ESF e não receberam
treinamento.
Apesar do TAC ter sido assinado em 2007, já em 2006 as equipes sabiam
que não poderiam permanecer com aquele vínculo. Muitos profissionais
procuraram realizar concursos em outros locais e os que ficaram tiveram muita
dificuldade de lidar com a instabilidade.
A partir de 2006, buscávamos realizar reuniões mensais com as
equipes da Saúde da Família, no entanto não conseguíamos sair
do poliqueixismo. Era a falta de material, de medicamento, de
estrutura, do excesso de pessoas para atender, das Agentes que
não realizavam visitas, da recepcionista que não tinha, do pessoal
de limpeza que faltava, do carro que não vinha. A gestão não
conseguia dar respostas às demandas apontadas pelas equipes e
as equipes paralisadas pelas queixas. Ambos improdutivos.
(Mandacaru)
43
Conseguíamos realizar o acompanhamento epidemiológico, tendo
como base os dados do Siab, com relatórios por equipe, para fugir
das queixas, buscamos trabalhar aquilo que era do processo de
trabalho das equipes e elas tinham a responsabilidade em dar
respostas, não a nós, mas à população. (Mandacaru)
Diante deste cenário, o esforço da gestão é para não deixar a população
sem respostas, mas os trabalhadores não corresponderam a esse pedido.
[...]
eu
começo
a
perceber
nos
trabalhadores
todo
um
desinvestimento no cuidado, em querer pensar o cuidado da
comunidade. E uma preocupação para consigo: o que eu vou
fazer da vida? Como é que eu vou trabalhar? Vou ser demitido ou
não? Quando vai ser? Eu comecei a ver o processo de desmonte
(Pedro)
[...] não foi trabalhado com as equipes de uma forma que
possibilitasse a ela pelo menos um espaço para discutir essas
coisas e elaborar de uma maneira que não atrapalhasse tanto o
cuidado. (Pedro)
Destacamos a fragilidade da gestão, que também apresenta dificuldade em
responder aos anseios das equipes; podemos pensar ainda que o governo não
tinha mais tanto empenho em dar continuidade à proposta.
[...] queríamos a saúde da família como uma estratégia mesmo de
trabalho das equipes, e que isso perpetuasse em outros governos,
e para a gente garantir isso, teria que se fazer o concurso e não
tivemos tempo de fazer isso, porque existe uma burocracia [...] da
secretaria não ter uma administração própria, um pessoal que faça
44
e encaminhe isso, dependíamos muito do nível da Prefeitura, o
que demandava mais tempo. (Marina)
[...] em 2007 a gestão municipal iniciou uma caminhada para a
construção de um Concurso Público específico para a ESF, mas
antes, tinha que pensar como iria pagar todas as demissões
impostas. Em 2007, já não havia mais previsão orçamentária,
então somente em 2008 é que deveriam iniciar as demissões
escalonadas, e foi o que aconteceu. Neste período o Projeto de
Lei estava construído há quase um ano e descansavam na Mesa
da Procuradora da Prefeitura. Nos dias de votação na Câmara
Municipal fomos com a comunidade para pressionar a sua
aprovação. A lei foi promulgada em 02 de maio de 2008, Lei
Municipal nº 5110. (Mandacaru).
Vimos aqui um movimento de pressão da gestão para com o legislativo, ou
seja, quando se acredita no que está se propondo, vale utilizar as estratégias de
mobilização como forma de governabilidade. Depois das demissões foi realizado
outro processo seletivo, na mesma gestão, mas que não conseguiu reproduzir o
evento de 2004, até porque agora as equipes sabiam que os contratos eram
temporários.
[...] seguimos o mesmo modelo de seleção. Na entrevista
conversávamos sobre a trajetória de cada um dos candidatos e
sorteávamos um estudo de caso [...] Todos os processos tiveram
em suas comissões o CMS, Representantes dos Trabalhadores,
Representantes da Gestão (Secretaria Municipal de Saúde e
Secretaria
de
Administração
e
Pessoal)
e
deveriam
ter
representantes da Câmara de Vereadores, para fiscalizar, no
entanto só participaram da primeira seleção. (Mandacaru).
45
[...] também foram selecionadas pessoas que tinham qualificação,
capacitação ou especialização em saúde da família, mas talvez
muitas delas não tinham a vivência prática do que era uma ESF,
do processo de trabalho, o que se fazia, como se fazia. (Marina).
Como podemos ver o governo municipal, que teria eleição em 2008, deveria
ter se apressado para a realização do concurso público, mas não aconteceu, pelo
menos não para a equipe toda. E esse fato é confirmado pelos gestores.
[...] Infelizmente não houve tempo hábil para realizar o Concurso
devido ao período eleitoral. Vejo que, não houve priorização para
tal pauta em período oportuno, ou seja, 2007. (Mandacaru).
[...] foi optado por fazer o concurso dos ACS e não das equipes de
saúde da família, pelo menos para deixar os ACS concursados.
(Marina).
Essa escolha de governo, dita por muitos dos gestores entrevistados como
falta de vontade política, implicou em consequências sérias não somente para a
ESF, mas também para a população atendida, trataremos disso adiante.
Seguimos com o curso da história.
[...]
Contudo,
havia
o
cuidado
para
que
não
ocorresse
desassistência e a necessidade de estruturar legalmente o
Concurso. (Mandacaru).
Então saiu um processo seletivo emergencial [...]. Muita gente
trabalhava no hospital, muita gente atuava em locais privados,
isso sugere interferir no processo de trabalho. Então, a seleção
ficou restrita e não se conseguiu somente pessoas que tivessem o
perfil e fossem qualificadas para a saúde da família. Acabou
46
entrando gente com vivência hospitalar, gente que estava há
muito tempo sem trabalhar, que não iam para a assistência, teve
gente com saúde da família na sua formação, mas às vezes
também não tinha prática do trabalho. (Marina)
Com os contratos emergenciais, iniciamos um período que, como o nome
diz, deveria ser curto, emergente, mas se perdurou por longos três anos. A
rotatividade de pessoal nas equipes é explicada pela troca de governo e pela
defesa do trabalhador efetuada pelo TAC imposto pelo Ministério do Trabalho. A
que consideramos mais importante foi a identificação da precarização do vínculo
trabalhista.
E essa rotatividade ocorreu por troca de governo; e também pelo
Ministério do Trabalho que teve pautado de como teria que ser o
contrato da ESF. Não foi só em Santa Maria, foi em toda região
que ocorreu essa forma de contratação. (Borboleta)
Mesmo com contrato emergencial a gestão manteve a proposta de
cogestão e acompanhamento com as equipes, como é elucidado nas falas.
[...] a gente fazia várias ações junto com a equipe, as unidades
tanto de saúde da família como atenção básica sem saúde da
família, que eram daquela região, levávamos dados, indicadores
daquela região para discutir com as equipes. [...] eles (as equipes)
tinham uma liberdade com a gestão. Eles não precisavam
agendar; sempre tinha alguém que recebia aquela equipe [...].
(Marina)
Torna-se importante registrar esse fato, porque o acompanhamento da
gestão com as equipes e a acolhida que a gestão fazia aos trabalhadores é
fundamental para a manutenção de diversos aspectos na prática em saúde.
47
[...] eles viam que participávamos, não somente cobranças,
olhávamos para eles, acompanhando e levando os dados que
produziam na prática, levando de volta para eles. Então eles
enxergavam que conversávamos sobre o trabalho deles. (Marina)
A eleição aconteceu em 2008, houve troca de partido político na condução
do município de Santa Maria e a continuidade que deveria ocorrer não aconteceu.
4.1.3 A transição na troca de gestão
Para dar a continuidade necessária é preciso conhecer o que está
acontecendo e depois fazer as escolhas políticas, estratégicas que o governo quer
adotar.
Em novembro de 2008, o Vice-prefeito eleito foi nomeado para
realizar a transição. Estávamos esperando muito mais da nova
gestão para realizar as transições dos vários setores, diretorias,
coordenações, mas não houve mais pessoas. O vice prefeito foi a
única pessoa enviada para a transição. [...] nesse tempo
conseguimos ainda aprovar o Plano Plurianual de Saúde no
Conselho Municipal de Saúde, pois queríamos garantir que as
ações apontadas na Conferência Municipal de Saúde (2007)
fossem executadas. Então construímos e aprovamos um Plano
(2009 – 2012) que era 100% baseado na Conferência Municipal
de Saúde. (Mandacaru)
[...] devo dizer que não houve transição, no entanto como a
maioria eram pessoas do quadro, servidores concursados, houve
uma continuidade. Contudo, quando foram nomeadas as pessoas
da nova gestão, via meus colegas com medo, alguns foram
48
transferidos sem a mínima conversa. O acompanhamento passa a
ser das pessoas, voltado para o que pensam e falam as pessoas
(trabalhadores), foi deixado de lado a ESF. (Mandacaru)
O governo anterior assinou o TAC e saiu. [...] nós assumimos com
o TAC em andamento e tivemos que demitir 162 pessoas, entre
médicos,
enfermeiros,
agentes
comunitários.
Só
agentes
comunitários de saúde foram 120 […] demitidos. E isso aí dá um
baque na saúde que até hoje, recém Santa Maria está começando
a melhorar desde aquela época. (Cíntia)
Essa demissão em massa [...] houve uma seleção por contrato
emergencial, foi por currículo a seleção dos profissionais, depois
foi prorrogada por mais tempo. Quando venceu, nós estávamos
naquela discussão com a promotoria e o Ministério do Trabalho se
iria ter concurso público ou não, para a estratégia. E eu sempre
batalhei. Conversava com o secretário, conversava com o prefeito
para fazerem concurso público. (Cíntia)
Em audiência pública com o Ministério Público do Trabalho, em 13 de
outubro de 2010, a contratação interposta à terceirização foi declarada irregular e
recomendou-se a imediata suspensão do processo licitatório. Além da
necessidade de ser firmada pelo prefeito do município a realização de concurso
público da área da saúde, com nomeação dos profissionais.
A continuidade, portanto, não ocorreu, a gestora deixa explícito que
precisou iniciar o processo todo novamente. Muito por pressão do CMS. Em 2011
o CMS não aprovou o relatório de gestão da SMS do 1º semestre de 2010 em
virtude, entre outras demandas, da não realização de concurso público para os
profissionais da ESF.
Neste momento podemos dizer que se instala, no processo histórico de
implantação e implementação, outra fase da ESF em Santa Maria, a qual pode ser
49
localizada entre 2009 (novo governo) até o final da coleta dos dados, que foi em
maio de 2012. A primeira questão destacada aqui é o acompanhamento das
equipes.
A estratégia, nós já pegamos ela andando, a estratégia fazia
seleção, teoricamente, então deu muito problema, foram feitos
contratos temporários. Tu imaginas alguém contratado que sabe
que daqui a seis meses vai estar na rua, ele não trabalha com
dedicação. Isso é normal, as pessoas sabem que não vão ficar
mesmo, então, para que se preocupar? Se Interessar? (Sérgio)
Em agosto de 2009 foram relatadas através de uma denúncia do CMS ao
Ministério Público Federal (MPF) irregularidades no âmbito da política nacional da
ESF cometidas pela Prefeitura Municipal de Santa Maria. Tal denúncia consiste
na alegação que a Prefeitura Municipal vinha recebendo recursos mensais do
governo federal para realização e execução da política nacional de saúde, porém,
a utilização desses recursos não estava de acordo com as diretrizes e exigências
desse programa. O principal problema relatado foi o descumprimento da carga
horária mínima de 40 horas semanais pelos profissionais componentes da equipe
(enfermeiro, técnico em enfermagem e médico), destacando que havia casos de
médicos trabalhando apenas 8 horas semanais e outros profissionais que
desrespeitavam a exigência de trabalhar apenas em uma equipe de saúde.
Outro problema que consta nessa denúncia é o fato de haver equipes
incompletas sendo compostas até mesmo por apenas um profissional de saúde.
Além disso, houve irregularidades quanto ao pagamento salarial de profissionais
que possuíam contratos temporários.
O MPF em 2009, mediante denúncias realizadas pelo CMS, constatou que
não havia registro, no Sistema de Informações da Atenção Básica (Siab), da
produção de consultas pelos médicos da ESF, fato que demonstra, em princípio,
não estar completa as equipes. O gestor, atuante naquele momento, justificou que
os profissionais técnicos eram contratados por um processo seletivo simplificado,
50
por período determinado; que em 2009 houve contratação para sete equipes em
caráter emergencial e para as demais equipes via terceirização; que a população
não deixou de ser atendida e apresentou documentos comprovando a produção
das equipes do ESF. No entanto, o MPF manteve a planilha de cortes para a
produção dessas equipes, recomendando o ressarcimento ao fundo Nacional de
Saúde, do montante recebido indevidamente.
Segundo resolução do CMS de 29 de setembro de 2011, o ano de 2010 se
encerrou com verbas não utilizadas no Fundo Municipal de Saúde (mais de 16
milhões). Isso evidencia que os problemas de saúde da população de Santa Maria
não estavam na falta de recursos, mas sim, na incapacidade de gestão.
Neste espaço de dois anos, as equipes ficaram muito fragilizadas e o
acompanhamento da gestão, quando ocorreu, foi centrado na cobrança ou no
abandono.
[...] a gente cobrava, claro, o atendimento, as metas, mas tinha
lugar que não tinha nem médico, (com) as trocas, a equipe da
enfermagem sobrecarregava muito. [...] As gurias passavam
dentro da unidade trabalhando, uma demanda louca! Como é que
tu ias cobrar que tinha que se reunir com a comunidade ainda?
Então tinha coisas que a gente deixava passar [...] (Cíntia)
[...] acho muito triste que a gente tenha perdido em tão pouco
tempo, dois anos, dois anos a gente perdeu tudo que tinha ali, não
tem mais nada, na atenção básica a gente ouve falar que vários
meses ficaram com ACS atendendo no posto, mais ninguém,
médico voluntário, enfermeiro voluntário, atendendo. (Andréia)
[...] a gente ficou seis meses sem ninguém, o pessoal da limpeza
fazendo entrega de medicamento, é muito triste ver isso. (Lulu)
51
As falas confirmam a precarização do trabalho e uma realidade vivenciada
por nós, mas principalmente pelos usuários do sistema de saúde de Santa Maria.
Durante esses períodos as USF não foram fechadas, mas os atendimentos
aconteceram de maneira muito fragilizada, sem vínculo, sem responsabilização e
como ACS sem referência. Novamente, isso acarretou consequências que ainda
repercutem dentro das equipes.
Outra tentativa construída neste período foi a passagem dos profissionais
de saúde concursados da AB para a ESF, como alternativa de concurso
específico.
[...] houve uma lei na qual o concursado, no cargo de técnico de
enfermagem, enfermeiro, médico, dentista que gostariam de
passar para estratégia, eles tiveram oportunidade de passar.
Tanto é que teve que haver concurso porque somente três
enfermeiras, cinco médicos, nenhum técnico, uma dentista só! [...]
todos os profissionais de saúde, todos, sem exceção, tiveram a
oportunidade de trabalhar na estratégia em Santa Maria. Sem
concurso, sem seleção nem nada, pela lei! O que aconteceu? Não
houve adesão tiveram que fazer concurso público. (Cíntia)
A gestora está se referindo ao fato de no ano de 2010, conforme ofício
90/2010 do CMS ao Ministério Público Estadual (MPE), a câmara de vereadores
aprovou e o prefeito sancionou a alteração na Lei 5.110/2008 que criava cargo de
médico, enfermeiro e técnico de enfermagem da ESF, dando origem ao PL
7.407/2010, tirando a obrigatoriedade do concurso público. Além de permitir a
terceirização dos trabalhadores, contrariando assim, o artigo 37 da Constituição
Federal e a NOB–RH-SUS.
O concurso público para a ESF ocorreu somente em 2011. O atraso foi
justificado por questões burocráticas e também por novas escolhas, apontadas
pelos entrevistados.
52
Na estratégia, Santa Maria está buscando [...] por mais que ela já
tenha sido implementada desde 2004, teve muita rotatividade de
profissionais. Então, eu acho que esse ano de 2011, com a
chamada do pessoal (concurso), talvez pela primeira vez, Santa
Maria consiga qualificar, não que nos outros momentos não tenha
sido qualificado, mas é uma oportunidade da gente fazer dentro
dos territórios com os profissionais concursados. (Borboleta)
4.1.4 Nova gestão: novas escolhas?
Os sujeitos de pesquisa da gestão 2009-2012 destacam que as prioridades
foram resolver os problemas da urgência/emergência, justificando que o risco de
morte é maior neste campo e que os atendimentos nos Pronto Atendimentos (PA)
do município não estavam correspondendo às necessidades da população.
[...] nós tivemos outro eixo que foi prioritário e proporcionou uma
inversão do modelo que a gente pretendia que é a urgência e
emergência, uma demanda muito forte que o governo teve que
atacar primeiramente. (Sérgio)
[...] nós temos em torno de 10 mil atendimentos mensais (no PA).
Agora o prefeito conseguiu uma UPA (Unidades de Pronto
Atendimento), vai melhorar. Com a vinda do SAMU aumentou
muito a demanda do PA, nós mandamos para o hospital
universitário só alta complexidade, mas o PA acaba atendendo
faqueado, não tem estrutura para isso. (Sérgio)
No entanto, isso não está claro para os demais membros da gestão, pois
afirmam que está faltando planejamento, definição de objetivos e de caminhos
para atingi-los.
53
Deu errado, mas a gente está tentando reorganizar agora! E a
gente também não sabe se vai acertar, porque não tem ainda
noção dessa gestão [...]. O que realmente eles querem na atenção
básica? Não está claro! Porque não tem uma política municipal de
promoção em saúde, que é o principal, é a base. A gente não
consegue trabalhar, porque o quadro da doença está tão imposto,
está tão forte a doença, que está muito difícil de a gente trabalhar
promoção e convencer que a promoção tem que caminhar junto.
O fortalecimento é igual. O que me empenha para o quadro
agudo, eu tenho que me empenhar para promoção [...]. E não está
claro [...] nem para os profissionais que trabalham! (Borboleta)
[...] tu não tens concordância [...]. A gente não está sabendo mais,
não é nem se defender, porque quando tu fores defender uma
coisa tu vais falar mal e quando tu falas mal, tu falas mal de ti
também, então a gente está numa situação muito delicada.
(Mariana)
E o gás inteiro é no pronto atendimento municipal, a minha ideia é
colocar tantos cardiologistas, é colocar especialidade X. Então
uma coisa é o discurso e uma coisa é a prática. Não estou
fazendo uma crítica vazia, é por desconhecimento, não sei se a
palavra é bem desconhecimento, mas é o reflexo da história de
vida destas pessoas (da gestão), elas viveram em outra era, no
outro momento de construção do SUS. A gestão desprovida de
conhecimento. (Luísa)
[...] a gente está vivendo um momento para medicina, para o PA,
as gratificações! E os outros? Também fazem saúde! Então a
gente está com dificuldade. (Borboleta)
54
Observamos uma opção da gestão em priorizar o PA, a urgência e
emergência. As gratificações foram cedidas aos trabalhadores de PA em
detrimento dos trabalhadores do restante da rede. Além da falta de clareza,
desconhecimento e discordância, a gestão também coloca nos cargos técnicos
pessoas sem a qualificação necessária para dar andamento ao trabalho, cuja
consequência é os trabalhadores sentirem-se desamparados.
De 2009 até 2011, uma figura meio decorativa [...] um cargo
político [...] mas que não tinha inserção em saúde e nem tinha
conhecimento do sistema, de nada, assumiu (a coordenação de
uma política) meio para dizer que ele que manda. Não fez nada,
mas nos deixou soltos, é o jeito de fazer gestão de alguns e de
não fazer! Também produz efeitos. No nosso cotidiano tem
respingos fortes. (Pedro)
Em 2010, como já foi dito, o CMS denunciou ao MPE o descaso do gestor
municipal frente à precarização crescente do atendimento na AB; o não
comparecimento do gestor municipal do SUS nas reuniões do CMS, além do não
atendimento de solicitações, deliberações e resoluções do controle social.
Outro modo de operar desta gestão é revelado pelas entrevistas, o
acompanhamento das equipes. O concurso saiu e em setembro de 2011 as
equipes assumiram e em alguns momentos aparece uma visão mágica da gestão
de que as equipes estão prontas.
Agora nós conseguimos fazer o concurso para a estratégia, e já
entrou gente preparada, porque foi exigido especialização na
estratégia, em saúde pública, o pessoal é bem preparado. [...] o
concurso já selecionou pessoas altamente qualificadas, as
pessoas então muito preparadas, as enfermeiras puxam a gente,
55
questionam e mostram como deve ser feito, fazem a gente pensar.
(Sérgio)
[...]
mudou,
tem
algumas
coisas
que
mudaram
de
acompanhamento, [...] só mudou para pior [...] a coisa boa que
aconteceu é que são pessoas boas que hoje estão, são
funcionários [...] são concursados. (Mariana)
Pesquisadora: na tua opinião como a gestão acompanha a
atuação da equipe? De que maneira a gestão faz isso?
Entrevistada: Faz? (Risos). Pesquisadora: Que quer dizer essa tua
pergunta? Entrevistada: como que acompanha? Infelizmente acho
que é sobre os indicadores. Hoje se fala muito da questão dos
indicadores que não se alcançam as metas, mas por que isso
acontece? Se o indicador está bom, tudo bem, mas se o indicador
está ruim a gente vai ter que cobrar, cobrar. (Cláudia)
Eu vi e vivi duas gestões [...], uma gestão que era sim partidária,
mas que tinha uma clareza conceitual e de conhecimento de
causa; e vivi outra gestão extremamente partidária e que não tinha
conhecimento de causa. (Luísa)
Ocorre então, que as ESF de Santa Maria, agora concursadas, estão sem
uma proposta clara de projeto. Sabemos que somente a formação não habilita o
profissional, faz-se necessário que a gestão utilize de sua autonomia no âmbito
municipal para definir um modo de efetivar o SUS.
Permanece ainda a questão dos médicos que ou não completam as vagas
do concurso ou não assumem quando chamados deixando as equipes
incompletas. Como já vimos, em carta ao Denasus, o CMS denuncia a ausência
de médicos para as 16 equipes de ESF.
56
Nosso problema, de novo, são os médicos. No concurso se
inscreveram sete, três não passaram, nós chamamos os quatro,
mas até agora não apareceram [...] o que fazer? Pagar os
médicos por hora trabalhada. O prefeito já fez uma lei aumentando
o salário para sete mil reais, mesmo assim não aparece. (Sérgio)
Nós estamos tentando fazer os concursos, mas não se inscrevem
médicos. Então é difícil, a gente tem que fazer uma segunda
alternativa que é o contrato privado. Por quê? Porque a gente não
tem um o plano de cargos e carreiras legítimo para o processo de
trabalho. (Borboleta)
O Denasus, em auditoria realizada em março de 2012, constatou que
mesmo com a realização do concurso público não houve candidatos inscritos em
número suficiente para preencher as vagas disponíveis. A prefeitura propôs
aumento salarial para os médicos, esperando assim regularizar as equipes de
ESF e demais carências de médicos nas UBS, com concurso público.
4.1.5 Desafio de explicar os altos e baixos da ESF em Santa Maria.
Dentre as circunstâncias que podem ser elencadas para se explicar a falta
de continuidade no processo de implementação da ESF em Santa Maria,
iniciamos com a distinção ocorrida entre AB e ESF por entendermos que foi uma
escolha que impactou muito nessa continuidade. Isso só foi possível identificar
pela característica dos sujeitos entrevistados, que assumiram papéis diversos no
trabalho da saúde de Santa Maria.
Era uma disputa assim, enfrentamento direto quem era da atenção
básica tradicional com as equipes da saúde da família, não só
pela questão do salário que era bem diferente, eles eram bem
mais valorizados, como a questão da atuação. Outros ficavam
57
criticando o tempo todo, “onde se viu enfermeira prescrever”,
“onde se viu enfermeira solicitar exame de rotina”, então era uma
disputa enorme, mas que por um lado foi válida [...]. (Marisa)
[...] foi constituída a estratégia de uma maneira equivocada [...] o
município fez uma leitura equivocada disso e criou uma nova
modalidade sem mexer na já existente, e hoje a gente colhe os
frutos dessa miscelânea de coisas que as pessoas têm dificuldade
de entender [...] e isso só tende a piorar a qualidade de vida das
pessoas. (Mariana)
[...] eu acho que a própria gestão pecou muito quando não se deu
conta desse abismo que foi criado entre as unidades básicas e a
ESF. Foi uma coisa muito ruim, chegou assim em 2007, 2008 era
muito complicado, porque a gente ia conversar e as pessoas
estavam raivosas por causa do salário, a diferença salarial, a
própria diferença de reconhecimento do trabalho, tudo era a ESF.
(Andréia)
[...] é a cultura, da história do começo da implantação da ESF. Eu
acho que não teve uma [...] sensibilização, ou que não houve um
avanço com as equipes de atenção básica e saúde da família. Eu
acredito que começa nesse momento a questão das dificuldades
das equipes sem ESF com quem era ESF, ficou uma coisa
separada, fragmentada. Tu és ESF, tu não és atenção básica!
(Marina)
Vale ressaltar que essas avaliações são feitas por pessoas de ambas as
gestões, revelando que a primeira gestão reconhece o equívoco. Alguns pontos de
discordância são apontados como o processo de trabalho, principalmente o do
58
enfermeiro, a questão salarial e também a valorização profissional, simbolizado
como tudo ou nada.
Nisso também teve uma coisa separada no município de Santa
Maria, que para a ESF, os funcionários, tudo! Para unidade
básica, nada! (Borboleta)
Sempre houve uma disparidade muito grande entre a AB e a
estratégia principalmente entre os profissionais. Porque [...] eles
achavam que a estratégia ganhava mais. Só que a estratégia
ganha mais porque ela trabalha mais do que a unidade básica.
(Cintia)
[...] quando veio essa proposta do PROESF [...] isso não foi
conversado com as pessoas. Na época eu estava na ponta
(Unidade Básica), a gente chamou uma reunião, porque a gente
sabia que iria mexer conosco de alguma forma, e a gente se
propôs a abertura porque a gente queria entender o processo [...]
os enfermeiros entendiam que era esta mudança, a gente era
tarefeiro e queríamos ser coparticipativos disso e não teve
abertura para nós. (Mariana)
Constatamos que apesar da proposta de cogestão desenvolvida pelo
primeiro governo da ESF, ainda faltaram espaços para o diálogo e a construção
conjunta. Talvez seja consequência de um projeto bem definido, que não permitia
recuar em pontos já assumidos como escolhas. Essa opinião não é uníssona,
outro entrevistado avalia que houve participação dos trabalhadores da AB no início
da ESF em Santa Maria.
[...] foi debatido com os trabalhadores, se a maneira da
implantação não foi conduzida da maneira como os trabalhadores
59
(queriam), foi porque teve um vácuo, porque teria uma
oportunidade de usar os trabalhadores da rede municipal de Santa
Maria ou contratação por contrato, mas optou-se pela contratação
não usar os trabalhadores da rede, então desde aquele momento
a gente vem sofrendo em Santa Maria (Borboleta).
Nesse sentido, o próprio MS orientava os municípios, desde o início do
PSF, a realizarem contratação por terceirização, como maneira de driblar a Lei de
Responsabilidade Fiscal. O contraditório é que justamente o programa proposto
para reorganizar a AB brasileira foi que inseriu nos municípios a precarização do
contrato de trabalho.
Como para Santa Maria, a Saúde da Família era algo novo,
tivemos muitos embates com corporações, por não aceitarem
principalmente que enfermeiros realizassem exames preventivos e
prescrevessem medicamentos, que enfermeiros e dentistas
recebessem o mesmo salário que os médicos, os salários eram
isonômicos, por não aceitarem que pessoas de fora da cidade
ocupassem as vagas que eram delas, principalmente as
enfermeiras do quadro. (Mandacaru)
[...] os municípios poderiam decidir, talvez naquele momento a
equipe pensou e decidiu isso (contratato). E conversou, teve muito
diálogo, eu me lembro, teve muito debate. (Borboleta)
Uma situação de disputa imperou entre os trabalhadores da AB e ESF num
município que não valorizava seu profissional, seja monetariamente, seja
envolvendo-os na gestão de seu processo de trabalho. Esse fato é evidenciado na
fala da gestora.
60
[...] os profissionais que chegaram para ESF tinham um
entendimento muito diferente dos que estavam na atenção básica,
se responsabilizavam, eles discutiam caso com a gente [...].
(Andréia)
A qualificação apontada pela gestora deve-se também a todo o processo
inicial de capacitação e dedicação da gestão em acompanhar essas equipes, de
ESF e não AB. É possível questionar com isso a potência que a ESF realmente
possui em reestruturar modelo. A forma de contratação instituída pelo programa
fala por si só e desdiz sua principal meta.
[...] poderia ter sido feito uma educação com os profissionais que
já estavam na rede, para gente aparar arestas, a gente tinha a
faca e o queijo na mão e a gente não soube cortar. Por que a
gente não soube cortar? Eu acho que falta de planejamento, falta
de humildade de quem estava na gerência. (Mariana)
Podemos perguntar o que esperar dos trabalhadores. Cabe aqui ressaltar
que, não no início da ESF, mas houve uma lei que permitia aos profissionais da
AB migrarem para a ESF. Por que isso não aconteceu? Na opinião de alguns
entrevistados falta de organização ou postura política dos servidores municipais.
[...] em 2005, foi pensado todo um planejamento estratégico para
Santa Maria. E ai nas trocas de governo não fica legitimado [...] se
perde todo o trabalho de uma equipe de consultoria e acessória,
foi gasto dinheiro público para isso, e se perde. Por quê? Porque
esse serviço de assessoria de gestão fica na direção da gestão;
os trabalhadores não se apropriam desse processo [...] se perde
institucionalmente. Muda governo, perde-se tudo! E existe um
recomeço! Toda vigilância em 2007, a gente fez todo o
planejamento estratégico em vigilância em saúde! Foi fantástico! A
61
gente fez consultoria e não foi implantado! E a gente não
conseguiu. E ai tu fica pensando, mas o que é que nós estamos
errando? [...] não é nem de gestão, é que tipo de profissional, [...]
eu não consigo ter atitude ou ter assegurado uma próxima gestão
que vier, ou mostrar para a próxima gestão que existe esse
trabalho, que já foi feito. Por que a gente não consegue avançar
nisso? Então se o trabalhador não conhece a luta do SUS, a luta
do que é fazer um acesso legal, uma equidade legal, uma
integralidade do cuidado, [...] não saber de toda essa cadeia do
SUS, não tem como nós avançarmos. [...] ainda falta muita atitude.
(Borboleta)
No caso de Santa Maria o que garantiria uma maior governabilidade na
saúde seria o empoderamento desses trabalhadores, que vai além da qualificação
técnica, abrange principalmente a questão política e o compromisso ético com o
projeto SUS. Essas questões trazem a tona outra demanda que foi revelada por
outros entrevistados e que pode ser uma circunstância vivida em Santa Maria que
não permitiu a continuidade do processo de mudança. É a forma como
historicamente o servidor municipal de saúde foi tratado.
[...] é importante reconhecer que o servidor público [...] de Santa
Maria é muito maltratado pelo patrão. A desvalorização política da
pasta da saúde ela tem produzido um efeito danoso sobre o setor.
Principalmente na total desvalorização do servidor público. E isso
faz um efeito danoso porque há total desapego com trabalho.
(Catina)
[...] primeira coisa: o município deve ter plano de cargo, carreira e
salários. (Mariana)
62
[...] é uma grande dificuldade de trabalho em relação ao plano de
carreira de trabalho do município de Santa Maria. (Borboleta)
A tarefa da gestão do trabalho é complexa, pois precisamos reconhecer que
os sujeitos possuem desejos, interesses, intencionalidades individuais, possuem
histórias, rede de relações, escolhem seus partidos políticos. Enfim, para compor
um grande pacto precisaria tornar o SUS um projeto comum a todos.
4.2 Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma USF
Precisamos contextualizar a USF estudada com processo de implantação
da ESF em Santa Maria contada no primeiro eixo de resultados. Como já foi dito,
as enfermeiras, as técnicas de enfermagem, a dentista e a ACD ingressaram na
ESF com o concurso público realizado em 2011. A médica trabalha com um
contrato temporário de prestação de serviços, pois no concurso não foi possível
preencher todas as vagas para médico de ESF no município.
As ACS
ingressaram pelo concurso público realizado em 2008, sendo que a maioria delas
já atuava como ACS por contrato antes do concurso e, portanto, possuem a
experiência de trabalho com as outras equipes que já atuaram nesta USF. Além
dos profissionais de saúde que atuam nesta USF, são trabalhadores: uma
recepcionista, que iniciou seu trabalho como auxiliar de limpeza e com o tempo
assumiu a recepção; um servidor que fazia a limpeza da unidade e que no turno
da tarde assumia também a recepção; o coordenador da unidade, um cargo de
confiança do governo municipal, que coordenava também outras duas unidades
de saúde na mesma região sanitária.
4.2.1 Diferentes caminhos que o usuário é submetido na RAS de Santa Maria
a partir da USF estudada
Iniciamos com a maneira como a USF organiza a recepção dos usuários. A
função de recepcionista é exercida por um trabalhador em desvio de função.
63
Sheilla possui um contrato como auxiliar de limpeza, mas das 8h às 14h, com
exceção das quartas, é responsável pela recepção. Às quartas-feiras ela estava
de folga para compensar um período que havia trabalhado sem remuneração. A
limpeza é realizada pelo servidor José que na parte da tarde assume também a
recepção. Na ausência destes, outros membros da equipe acumulam esta função,
ora enfermeiras, ora ACS, ora técnicas de enfermagem. Essa falta de trabalhador
fixo gera muitos desencontros de informações, além de não haver protocolos de
atendimento, depende da situação o usuário poderá receber diferentes condutas.
Pretendemos contar como ocorrem os encaminhamentos a outros pontos
da RAS de Santa Maria a partir da USF estudada e descrevermos o fluxo ao qual
o usuário está submetido.
Na recepção chegam uma senhora e filha de 15 anos. Senhora
pergunta para Enfa Fernanda: tem consulta? Para o (nome do
pediatra)? Enfa Fernanda: não tem mais. Para clínico geral só
amanhã de manhã. O que houve? Senhora: Ela (a menina)
precisa encaminhamento para eletrocardiograma, tem problema
no coração. Tem como consultar direto com cardiologista? Enfa
Fernanda:
não, tem que
consultar com
clínico
e
pegar
encaminhamento, mas a senhora vem amanhã. Senhora: não
posso, amanhã tenho consulta. Enfa Fernanda: segunda então.
Mãe e filha saem, sem a enfermeira realizar uma avaliação mais
detalhada do caso. (Diário de campo, 29/03/12)
O fluxo para atendimento com especialistas é: o usuário deve consultar com
um clínico, entregar o encaminhamento na USF que consultou e aguardar a
marcação de seu pedido. Na próxima vez que o usuário precisar voltar ao
especialista, o processo se repete, mesmo para condições crônicas de saúde.
Vimos durante o período observado que, em alguns casos, o especialista solicita
retorno para ele no mesmo formulário de encaminhamento pelo clínico e o usuário
64
retorna a USF para deixar seu encaminhamento e reagendar seu retorno à
consulta especializada, sem passar novamente pela consulta na AB.
[...] eles já me chamaram para fazer os exames e eu estou desde
março, eu consultei em fevereiro, fiz o exame em março e daí
estou, até agora, esperando para mostrar para o cardiologista.
(Entrevista usuária Lúcia, realizada em 13 de junho de 2012)
No início da coleta de dados observamos que havia mudado a maneira de
se fazer os encaminhamentos para especialidades. Até janeiro de 2012 havia um
caderno no qual eram registrados os dados do usuário e este ficava com o
formulário do encaminhamento aguardando ser chamado pela USF. A mudança
partiu da gestão municipal. Foram adotados envelopes separando os pedidos por
especialidade, primeira consulta e retorno, e para solicitação de Raios X e
Ultrassons. Agora o pedido fica na USF e esta avisa a data do agendamento,
assim o usuário precisa retornar à USF para pegar seu formulário.
Sheilla: aqui só agendamos ultrassom e especialistas, o resto é
tudo pela secretaria. Sheilla explicou que agora os livros foram
abolidos e que a SMS obrigou a todos a adotarem envelopes com
os encaminhamentos (formulários) dos pacientes por clínica.
Entregou-me a pasta com os envelopes. [...] Iniciei a examinar o
conteúdo
dos
envelopes
e
percebi
que
em
alguns
encaminhamentos está escrito a lápis “1ª demanda4 de março” ou
“demanda março” ou “marcar próxima demanda”. Perguntei o que
significavam aqueles recados, Sheilla me explicou que se
tratavam dos mais antigos, que ela colocou esta regra, antes era
pela cara do freguês, só ia quem era amigo. Agora não, ela não
4
Demanda é o termo utilizado pelos trabalhadores para a oferta de vagas que a SMS disponibiliza
às USF e UBS
65
deixa as pessoas esperando muito tempo, os mais antigos tem
que ir primeiro. (Diário de campo, 27/02/12)
No entanto, o discurso da recepcionista não correspondia ao que realmente
acontecia. Na primeira análise dos encaminhamentos contidos nos envelopes
pudemos identificar que há priorizações sem um critério bem definido.
Encontrei no envelope para neurologista, dentre 11 retorno para o
médico (nome do médico) um recado “próxima demanda” num
encaminhamento com data de 11/02/2012, no entanto, havia
outros sem data e outros com data ainda mais antiga: 03/10/2011.
Outro caso era uma consulta para neurologista 1ª consulta, dentre
outras nove, que estava escrito “prioridade”, a data de
encaminhamento é 26/09/11. A justificativa médica é “necessita
retorno para reavaliar”. Questiono: por que prioridade já que não
tem nenhum critério técnico descrito? (Diário de campo, 27/02/12).
Para responder ao questionamento gerado durante o período de
observação, podemos afirmar que o falta de registros não equivale a dizer que a
recepcionista, ou o trabalhador de saúde que encaminhou, não soubesse o porquê
da prioridade.
A mudança relatada envolveu os novos encaminhamentos, sendo que os
que estavam registrados no livro extinto, aguardando a chamada, poderiam não
ter seu encaminhamento atendido.
Sheilla nos informa que nos envelopes estão as demandas de
2012, as do ano passado que estavam nos livros, foi agendado o
possível e ela tem pedido para as pessoas trazerem seus
encaminhamentos. No livro era registrado o nome, número do
cartão SUS, endereço, ACS, telefone e era informado ao usuário
que quando agendado seria avisado. Portanto, deve ter gente
66
esperando sem saber que seu encaminhamento não está mais na
fila? (Diário de campo, 27/02/12).
O papel do formulário também mudou, antes era meia folha A4 em papel
reciclado, agora é uma folha A4 em papel ofício.
Uma senhora entrega um pedido de encaminhamento (em papel
reciclado), Sheilla anota os dados no verso e diz: quando eu
marcar te telefono. Paciente sai. Trata-se de um pedido que
estava no livro extinto. (Diário de campo, 23/03/12)
A usuária deveria estar com o encaminhamento deste 2011 e só em março
de 2012 entrou novamente para a fila. Uma estratégia utilizada pela equipe para
buscar os encaminhamentos registrado no livro foi a busca ativa dos pacientes
que estavam pelas ACS.
(Reunião de equipe) ACS Jan fala: peguei aqui a relação das
pessoas que estavam esperando agendamento (mostra um xerox)
fui avisar o pessoal para trazer o papel, já tinham ido consultar,
tive que remanejar. ACS Natália: tinha cinco meus e três eu sei
que não foram porque já tinham ido, não consegui avisar a tempo
para trocar. (Diário de campo, 29/02/12).
Percebemos que o grande tempo de espera para o agendamento para
especialista pode estar influenciando o absenteísmo às consultas, o que será
tratado a seguir. Detectamos que os encaminhamentos à RAS de Santa Maria na
USF estudada está centralizado na trabalhadora Sheilla da recepção, ou seja, a
equipe não toma conhecimento do processo, que envolve o tempo que os casos
estão esperando, quem está esperando, quais são as prioridades.
67
Uma senhora chega ao balcão e entrega um encaminhamento
para oftalmologista para Enfa Fernanda, que anota no verso os
dados necessários. Senhora pregunta: para onde que vai ser
marcado? Na clínica? Eu quero trocar de médico. Enfa Fernanda:
isso eu não sei, a senhora fala com a Sheilla. [...] a senhora fica
com o encaminhamento e vem aqui na segunda falar com a
Sheilla, porque amanhã vai estar fechado, fala com ela para ver se
pode. Senhora: e eu queria ver o da minha netinha, faz um
tempão que foi pedido e não marcaram ainda, ela tem que quase
encostar o rostinho no caderno para poder ler (faz o gesto). Enfa
Fernanda: vê com a Sheilla também. (Diário de campo, 19/04/12)
Enfa Tandara entra (durante uma consulta médica) e pergunta: O
eletrocardiograma (ECG) é direto na SMS? Médica: acho que é, a
Sheilla faz uma falta... (Diário de campo, 01/03/12)
Em sua entrevista Enfa Tandara reconhece que precisa se inteirar do fluxo
da RAS de Santa Maria, revelando sua preocupação com a continuidade do
cuidado.
[...] eu não sei que profissional que eu me refiro no outro serviço,
mas isso falta de nós também, de nós nos comunicarmos, pegar o
telefone e ligar. Pesquisadora: até porque faz pouco tempo que
estão aqui. Enfa Tandara: há pouco tempo e a gente tem que se
apropriar disso, eu acho que é nossa responsabilidade também.
(Entrevista Enfa Tandara)
Na parte da tarde quem fica com essa responsabilidade é Seu José,
servidor da limpeza, que assumiu por decisão da Sheilla, sem treinamento ou
preocupação da equipe.
68
[...] eu fico ali, não que eu goste, porque não é o meu setor ali, o
meu setor é fazer limpeza aqui, mas é para não atrasar o serviço,
a pessoa precisar de alguma coisa e não ter ninguém para
atender ali. [...] Eu comecei ajudando a Sheilla, [...] quando ela sai,
que ela não é 8 horas, ela é 6 horas, então quando ela vai
embora, eu fico ali no lugar dela, aí ela diz: Seu José, estou indo
embora fica aqui no meu lugar. (Entrevista Seu José).
Encontro Seu José na recepção anotando em uma folha algumas
informações sobre encaminhamentos. Pergunto o que é, ele fala
que precisa anotar para quando a Sheilla não estiver ele sabe.
Sheilla diz que isso já está anotado. (Diário de campo, 09/03/12)
Presenciamos condutas da recepção que definem o acesso a RAS,
evidenciando desrespeito ao usuário e falta de singularização de cada caso.
[...] Sheilla recebe um encaminhamento de um senhor, diz que vai
ligar quando for marcado. Senhor diz que tem que ligar depois das
16h. Sheilla: está bem. Pesquisadora: Sheilla, mas a USF fecha
às 16h. Sheilla repete para o senhor o que eu havia dito. Senhor:
então liga perto do meio dia. Sheilla: está! Senhor sai e Sheilla
fala: eu lá quero saber que horas tem gente em casa, eu ligo, se
está, está, se não azar. Coloca o formulário no envelope sem
anotar nada disso. Pergunto: não é melhor anotar isso no
encaminhamento? Para quando Seu José telefonar ele saber
quando tem gente em casa? Sheilla: não é Seu José quem liga,
sou eu, ele só faz isso quando não consigo avisar todo mundo.
(Diário de campo, 27/04/12).
A falta de singularização pode estar determinando a dificuldade de acessar
a RAS. A entrevista da usuária Anita corrobora com esse dado, conta que para o
69
angiologista já foram marcadas três vezes a consulta, mas ela nunca conseguiu ir
porque marcam de manhã e ela não pode deixar os netos. Conta que um dia a
filha não foi trabalhar para ela fazer a mamografia e no outro dia era a consulta
para angiologista, ficou impossível para a filha faltar ao trabalho novamente.
Um dos problemas que acontece nesta USF é a quantidade de consultas e
exames que foram agendados e que os pacientes não compareceram, o
absenteísmo também está relacionado à falta de escuta e à falta de
singularização, além do atraso na consulta, como visto acima.
Na recepção a Enfa Fernanda atende uma senhora. Senhora:
quero ver a consulta para oculista, ligaram lá em casa. Enfa
Fernanda procura o pedido, entrega e explica: tem que ir lá no
Rosário com (nome do médico), neste dia e neste horário.
Senhora: Ah, no Rosário? Enfa Fernanda: sim. Senhora: não é lá
fora? (refere-se a outra referência em oftalmologia) Enfa
Fernanda: não, (nome do médico) é no Rosário [...]. Senhora: mas
eu queria lá. Pesquisadora: é para a senhora a consulta?
Senhora: não é para minha filha, mas eu consultei lá e queria que
ela fosse lá também. Enfa Fernanda repete: mas foi marcado no
Rosário, segunda, chega lá por volta das 7h. Senhora se retira,
contrariada. (Diário de campo, 29/03/12)
Na recepção uma senhora que estava sentada aguardando
consulta vem até o balcão e diz: Sheilla, e meu exame com o
reumatologista? Já marcaram? Sheilla: deixa eu ver aqui. Não era
para traumatologista? Senhora: Não, traumatologista já está
agendado para segunda, o que estou esperando, faz tempo é para
reumatologista. Sheilla: mas isso vai para SMS só uma vez por
mês. Senhora: eu sei, mas faz muitos meses que já estou
esperando.
Sheilla
pega
o
envelope
de
retorno
para
reumatologista e não encontra o pedido da senhora. Sheilla: será
70
que não foi marcado e não atenderam o telefone? Senhora: pode
ser, o telefone é do meu filho. Sheilla pega uma pasta com o rótulo
“perdidos”, procura e encontra o encaminhamento, diz: está aqui,
foi agendado para 14 de maio, liguei e ninguém atendeu, vou
colocar de volta para marcar de novo. Senhora: coloca o telefone
do outro filho, ele atende. Senhora forneceu outros dois números
para Sheilla, que anota e diz que avisará quando for marcado de
novo. Sheilla diz que muitas pessoas perdem suas vagas, são
avisadas e não vêm pegar o encaminhamento. Outras, não
conseguem avisar. Peço para olhar a pasta “perdidos”. [...] Estão
na pasta: nove pedidos mamografia; 32 pedidos de Raios X; 14
Ultrassons; três encaminhamentos para gastrologia (dois estão
com agendamento e outro não tem nada anotado) pergunto para
Sheilla sobre esse que possivelmente foi recebido e não
agendado,
Sheilla
sacode
os
ombros,
expressão
de
descompromisso; e vários outros [...]. Falo os números para
Sheilla, que diz: está vendo, esse povo não tem jeito, depois vêm
reclamar que não são atendidos, mas olha quantos que não vão
às consultas, a maioria foram avisados, são pedidos recentes.
Digo que nem todos são recentes e nem todos foram avisados.
(Diário de campo, 19/06/12).
A culpabilização do usuário é uma pauta constante nas conversas da
equipe e será tratada em eixo temático específico. Aqui ainda precisamos
destacar os caminhos que o usuário pode usar para acessar a RAS de Santa
Maria. Percebemos desde o inicio que o componente relacional estava implícito e
um deles é o que chamamos de “via coordenador”.
Antes do inicio da reunião de equipe, Guimarães fala com a ACS
Sandra que pergunta sobre otorrinolaringologista, responde que
71
deu problema no serviço de referência regional, mas se for muito
necessário ele pede para atender. (Diário de campo, 29/02/12)
Na mesma reunião o coordenador revela um dado interessante, o de que a
USF é a que menos possui consultas em atraso, justificando que ele busca
alternativas fora do fluxo normal dos encaminhamentos.
Guimarães: [...] Agora tem uma coisa, nossa unidade é a que
menos tem consulta atrasada, mas também eu estou lá olhando a
planilha, estou correndo por fora. (Diário de campo, 29/02/12)
Vejo (no balcão da recepção) um bilhete dizendo: para o
Guimarães. Ele senta ao meu lado e entrego para ele. É um
encaminhamento
que
está
escrito
que
é
urgência,
para
proctologia, paciente com história de sangramento intestinal e
câncer de intestino na família e nunca fez colonoscopia, paciente
feminina com 47 anos. Seu José busca outros encaminhamentos
que estavam na mesa da sala do Guimarães e também entrega
para ele. Ele fala que conseguirá a consulta (protologista) com
urgência. (Diário de campo, 02/05/12).
Ouvimos em uma visita domiciliária (VD) que a “via coordenador” é uma
alternativa que alivia sofrimento, quando atende as necessidades de usuários.
[...] conta que sentiu uma forte dor no peito, procurou a USF e foi
encaminhada
para
o
cardiologista.
Ele
acrescentou
uma
medicação (isocordil). Pergunto como ela conseguiu cardiologista
tão rápido. Responde: o Guimarães conseguiu para mim, me
encaixou numa consulta extra, porque a médica pediu urgência.
(Diário de campo, 3/04/2012)
72
No entanto, nem sempre são as urgências que são agilizadas pelo
coordenador, identificamos que se o usuário conhece esta possibilidade, ele
mesmo busca independente do critério técnico.
[...] vejo o Guimarães falando com uma senhora. Ela quer saber
sobre um encaminhamento para neurologista. Ele procura nos
envelopes e não encontra. Diz: deve ser do caderno. A senhora
tem o encaminhamento? Senhora: está lá na casa da filha.
Guimarães: então a senhora trás para mim. Senhora: hoje? Agora
de manhã? Guimarães: pode ser. O interesse é da senhora.
(Diário de campo, 30/03/12)
Guimarães está na sala com uma paciente e não entende muito
bem o que ela quer. Ela diz que tem dor embaixo dos seios e que
quer fazer os exames e que ele agilize. Ele diz que não é nenhum
exame urgente e que não é assim que se pede. Pergunta para a
pesquisadora e confirma a maneira e de quanto em quanto tempo
é feito a mamografia. Falo para a senhora que é só pedir uma
consulta de enfermagem que é feita a requisição da mamografia e
um exame das mamas. (Diário de campo, 30/03/12)
Seu José confirma na entrevista que quem define a urgência do pedido é o
usuário, não a avaliação técnica do caso.
Pesquisadora: [...] no pedido está escrito porque está sendo
encaminhado, porque agora os médicos têm que escrever o
motivo, o senhor chega a olhar aquilo ou é só o que o usuário diz?
Seu José: Não, é só o que o usuário diz, (silêncio) pede para
agendar, para marcar [...] Pesquisadora: Então a urgência se dá
pelo usuário dizer “eu preciso rápido”? Seu José: é, sim, sim.
Pesquisadora: Não é pelo caso dele? Seu José: Não, não.
73
Pesquisadora: Que o médico examinou e disse tem que ser
rápido? Seu José: Não, não.
Com este entendimento podemos afirmar que quando Seu José está na
recepção todo o usuário que verbaliza que precisa com urgência tem seu pedido
repassado para o coordenador, que o agiliza. Portanto, o critério técnico, nestes
momentos, é relativizado para não dizer ignorado. No entanto, a equipe também
utiliza a “via coordenador” quando identifica um caso urgente. Identificamos isso
muito mais pelas ACS do que pelos demais membros da equipe.
Enfa Tandara diz: Guimarães preciso de um oftalmologista.
Guimarães: me dá aqui então, já resolvo isso. (Diário de campo,
27/04/12)
ACS Jaqueline, ao ver o Guimarães, pega um encaminhamento
de dentro de sua agenda. (Diário de campo,16/05/12)
Encontro Enfa Tandara na sala de curativo, saindo, tinha avaliado
a lesão que o Guimarães tinha solicitado e me diz: ah, era um
encaminhamento. Ele está com uma úlcera arterial bem
característica,
encaminhei
para
o
angiologista.
Orienta
a
acompanhante a levar o pedido à recepção. Fomos atrás para ver
como seria a orientação. Quando a senhora chega à recepção
quem recebe o pedido é o Guimarães. A Tandara também chega.
Guimarães
pede
os
dados
para
a
senhora
atrás
do
encaminhamento. Guimarães diz: olha profa, se eu deixar aqui vai
demorar muito, mas como hoje de tarde eu vou à secretaria, já
marco lá, marco direto com o (nome do secretário municipal de
saúde). Tandara concorda. (Diário de campo, 12/03/12)
74
Durante o período observado sentimos a necessidade de esclarecer como
isso acontecia. Na busca por respostas surgem novamente aspectos relacionais,
determinando a continuidade do cuidado na RAS de Santa Maria.
Pesquisadora:
[...]
(na
reunião)
uma
ACS
com
um
encaminhamento para otorrinolaringologista e o senhor falou que
se fosse urgente o senhor resolveria, eu fiquei me perguntando,
como? Guimarães: eu encaminho para o (nome de médico,
político do partido do secretário municipal de saúde), ele é meu
amigo e atende. Eu resolvo assim a otorrino [...] Pesquisadora:
tem mais alguma clínica que o senhor consegue encaminhar, que
o senhor resolve? Guimarães: sim, traumatologia, tinha um rapaz
com um problema de joelho, fazia tempo. Encontrei com meu
amigo (nome), até foi no bar (risos), e pedi para ele, teu filho não
me dá uma mão com este rapaz. Na hora, no bar mesmo, ele ligou
para o filho e o rapaz já está caminhando. Pesquisadora: mas a
cirurgia é feita onde? No HUSM? Guimarães: no HUSM. Não,
esse foi ajeitado e ele fez em Faxinal (referência para cirurgia
traumatológica da rede). Tinha uma mão também, falei com a dra
(nome) que trabalha lá na secretaria, pedi se o marido dela não
podia atender, também já resolveu, mas tudo eu faço via ACS,
para não parecer que sou eu, elas me procuram por algum motivo
urgente e eu dou um jeito. Mas eu não furo a fila, não tiro ninguém
que está na frente, só por fora. Se for deixar só para a demanda
aqui, xiii não resolve nunca. Ontem mesmo, eu cantei (risos) e
consegui marcar mais 11 (consultas) de oftalmologia, além da
demanda. Pesquisadora: cantou quem? A secretaria? Guimarães:
não, no Cedas, é que se eles marcam dez vão oito consultar,
então eu mando mais duas de reserva e o médico atende. (Diário
de campo, 09/03/12)
75
Na entrevista com o coordenador voltamos ao assunto e ele ainda
esclarece que aproveita as vagas que sobram de outras unidades e se dispõe a
realizar o remanejamento das vagas.
[...] é por buscar quando há sobras dos outros! Por exemplo, eles
mandam dez consultas para um posto lá, e não atende aquelas
dez, não foi, fica lá a sobra e eu vou atrás [...]. (Entrevista
coordenador Guimarrães).
Procuramos o setor de regulação na SMS para esclarecer essa informação.
Falamos
com
o
servidor
que
controla
todos
os
agendamentos
para
especialidades, exames, odontologia e cirurgias. A informação é de que quando o
paciente não é localizado, ou quando as unidades não conseguem avisar os
pacientes, ou quando o paciente desiste, ele recorre às unidades que “correm
atrás” para encaixar outros usuários. Uma delas é a USF estudada na figura de
seu coordenador. Ou seja, a SMS não possui uma lista de prioridades, ou não
identifica quem são os usuários de Santa Maria que precisam ser atendidos
primeiro, assim, chama quem pode ser avisado.
Isso ocorre para as especialidades que possuem o que é chamado do
“demanda livre”, ou seja, não são “demandas reprimidas”. Em Santa Maria, são
demandas reprimidas: neurologia, cardiologia e endocrinologia. Nestes casos, as
consultas são divididas por cotas para cada UBS ou USF. Quando o coordenador
solicita agilidade nestas especialidades, segundo o servidor da SMS, é
descontado da cota da USF. Somando-se os fatos, corre-se o risco de estar
ocorrendo iniquidades.
Destacamos outro elemento que interfere nos encaminhamento, é o que foi
nomeado por uma usuária como bondade.
[...] meu esposo, ele consultou aqui, encaminharam ele e ele ficou
esperando, esperando. Ficou um ano, quase, esperando e o caso
dele era grave, [...] era para ele fazer um [cateterismo]. Era para
ele fazer lá, não conseguiram na universidade, não tinha vaga, [...]
76
aí passou seis meses o papel não valia mais, aí ele tinha que
consultar novamente, aí eu peguei fui à secretaria lá para
remarcar, daí a moça olhou o papel e disse: mas ele não pode
esperar, mais um ano! Daí ela ligou e falou com a, não sei, deve
ser enfermeira geral, nem sei o quem que é, sei que era uma
pessoa boa. Aí ela olhou tudo o que ele tinha naquele papel e ela
disse: vamos encaminhar direto para a universidade, ele tem que
ser atendido o mais rápido possível, não vai esperar, o problema
dele não é de espera, faz seis meses que ele está esperando para
fazer o cateterismo, agora ele leva mais seis meses por causa do
papel que venceu. Daí ela encaminhou direto, [...] no HUSM, [...] já
chamaram em seguida, não levou uma semana, [...] fizeram o
cateterismo, ele estava com duas veias entupidas, estava à beira
de um derrame. (Entrevista usuária Lúcia)
Outra possibilidade que pode ocorrer ao usuário no caminho para outros
pontos da RAS é a perda do pedido na USF estudada. Um exemplo foi a primeira
entrevista realizada com uma usuária que estava com um exantema em todo o
corpo e foi encaminhada para dermatologia. A entrevista aconteceu no dia
22/05/12. Quando fomos procurá-la para confirmar sua entrevista, em 18/07/12,
ela ainda aguardava ser chamada. Na USF não encontramos seu pedido, nem no
envelope “perdidos”. Sua possível alergia já havia melhorado, mas caso precise
novamente terá que consultar de novo para ser encaminhada novamente, pois
nunca seria chamada. Isso aconteceu com outros usuários gerando muitas
reconsultas.
Na recepção está ocorrendo o atendimento da fila inicial da
manhã, senhora quer pegar alguns encaminhamentos que foram
agendados. Sheilla procura num maço de encaminhamentos
presos com clipe. Pesquisadora: estes vocês avisaram que está
agendado? Sheilla: sim. Encontra um e o outro não e diz: vou
77
procurar nos envelopes, foi o José quem ligou, ele é meio confuso.
Senhora:
é
verdade.
Sheilla
não
encontra
nenhum
encaminhamento com o nome que a paciente procura. Senhora:
vou ter que consultar de novo? Sheilla: vai, aqui não está! Tratavase de um ultrassom para uma hérnia inguinal e consulta com
oftalmologista. (Diário de campo, 23/03/12).
Também a falta de informação gera idas e vindas do usuário. A equipe não
conhece os fluxos da RAS de Santa Maria, muito justificado por estar
recentemente trabalhando.
(Reunião de equipe) [...] pauta ACS Dani: não é nem uma, nem
duas pessoas que me reclamaram, foram várias, mas eu também
não sabia. Foram marcar exame na SMS precisa levar
comprovante de residência. Várias pessoas na reunião falaram
que também não sabiam. [...] ACS Jan conta do seu pai que tinha
encaminhamento para hematologia e foi informado pela USF que
deveria ir à SMS e na verdade era HUSM. Enfermeira Fernanda
diz que isso mudou há pouco e que não sabiam [...]. Fala também
que falta comunicação entre os serviços. (Diário de campo,
30/05/12)
Em consulta médica senhor entra e diz: só quero a receita.
Doutora, eu só pego insulina na Tuiuti (nome da rua da Farmácia
Central) e eles não me dão mais com essa receita. Médica
Marianne: não dá mesmo, de agosto (de 2011). Refere-se ao
tempo que os usuários podem usar a mesma receita, padronizado
em quatro meses. (Diário de campo, 13/03/12).
Paciente chega à recepção com a reclamação de que foi marcar o
encaminhamento para traumatologista na SMS, mas não quiseram
78
marcar porque não sabiam o motivo do encaminhamento (não
estava descrito no pedido). Sheilla fala com a Enfa Fernanda,
explica o acontecimento e elas resolvem que ele deveria consultar
com a médica Marianne para uma nova avaliação. Paciente se
queixa de dor no braço esquerdo e que às vezes nem força tem.
Sheilla diz: o senhor tem que explicar para a médica que tem que
fazer as especificações detalhadamente. (Diário de campo,
12/03/12).
Aqui vemos a inversão de papéis, é o usuário quem precisa orientar a
médica a preencher formulários que fazem parte de seu processo de trabalho.
Além de os usuários passarem pela experiência de seus encaminhamentos se
perderem ou de não receberem a informação correta sobre a forma de
atendimento na USF e nos demais pontos das RAS de Santa Maria, também em
questões clínicas isso ocorre.
Técnica de enfermagem Carolina atende senhora na sala de
verificação de sinais vitais, quando pergunta o motivo pelo qual
veio para consulta medica, a paciente responde: dor nos quadris,
olhando para mim (pesquisadora). Aproximo-me dela e ela repete
o que já havia contado para Carolina. Consultou pela dor no
quadril e quando foi fazer o Rx o pedido era de perna, diz não ter
adiantado nada. Ainda não pegou o resultado, mas veio pegar
outro pedido, agora de quadril. (Diário de campo, 27/03/12).
Além disso, o desencontro nas informações dentro da USF também causa
idas e vindas do usuário.
(Reunião de equipe) ACS Jan fala: [...] Eu oriento a pessoa,
disseram que o atendimento não fechava ao meio-dia. Veio a
pessoa aqui e disseram: quem está orientando assim? Tem
79
informação desencontrada. Coordenador Guimarães: eu acho que
temos que falar as mesmas coisas. (Diário de campo, 29/02/12)
Consulta médica: Paciente já entra na porta dizendo: mostrar
exame, e entrega para a médica um envelope. Médica Marianne:
isso aqui é agendado (nome da paciente). Era um check-up?
Paciente: sim, os exames que tu tinhas pedido. Médica Marianne:
os check-up estão sendo agendados, não te falaram? Paciente:
não, até eu estava na fila e até falei com o Guimarães
(coordenador), mas não me disse nada. (Diário de campo,
13/03/12)
Essa informação não está pactuada com toda a equipe, pelo menos a
recepcionista está informando outra coisa.
Senhora
pede
informação
sobre
consulta
para
mostrar
mamografia. Sheilla orienta para vir de manhã pegar ficha.
Pergunto: e o agendamento de quinta de tarde para mostrar
exames? Sheilla: não sei se a Marianne vai ficar, e se ela for
embora de uma hora para outra? A gente não sabe certo o dia
que ela vem. Não é melhor assim? Eu não ia gostar de estar
agendada e não ser atendida. (Diário de campo, 27/03/12)
A falta de padronização das informações também gera duplicidade de
condutas, ora o usuário pode, ora não.
Na recepção observo Sheilla atendendo uma senhora que
pergunta: e o meu encaminhamento para endocrinologista? Já faz
mais de ano que pedi. Sheilla: mas tu deixaste o teu pedido aqui,
o papel, não no caderno? Senhora: sim. Eu trouxe o papel para
cá. Sheilla: depois eu vejo para senhora, mas já que vai consultar
80
pede outro para a doutora que colocamos junto. (Diário de campo,
03/04/12).
Na recepção senhora com encaminhamento para dermatologia
fala: não lembro se já não tem um destes ai para mim. Sheilla: se
tiver não pode pedir de novo. Senhora: não lembro, mas se tiver
faz tempo. Sheilla: então deixa este. Preenche os dados e avisa
que telefonará quando for marcado. (Diário de campo,13/03/12).
Um dos fatos que estão relacionados com isso é a queixa da grande
demanda na USF, a equipe reconhece que a característica do atendimento é de
PA e não se USF, gerando para os usuários o desafio da acessibilidade ilustrado
com a referência ao tamanho da fila que aguarda para consultar no início da
manhã.
Na recepção chega uma moça e pergunta como ela pode fazer o
cadastro, que ela se mudou há pouco e precisa consultar para
conseguir um encaminhamento para dermatologista, tem uma
alergia não identificada. Sheilla pergunta o endereço e conclui que
é da microárea da ACS Natália, que também está na recepção.
Natália diz que aquele endereço está fora da área da ESF. Sheilla
diz: então tu tens que vir de manhã, a gente distribui as fichas às
8h, mas a fila já está...(faz sinal de contorno na USF), tem que vir
mais cedo. A moça faz uma expressão de quem não entendeu.
Pesquisadora: a tua casa não está no mapeamento da unidade
aqui, mas tu podes vir pegar ficha para consulta mesmo assim,
sem cadastro. Ela agradece e sai. (Diário de campo, 23/03/12)
(Reunião de equipe) Guimarães inicia uma fala sobre o excesso
de demanda na unidade: o que vamos fazer para segurar o povo?
Quando assumimos aqui eram agendadas oito consultas de
81
manhã e outras 15 atendida de tarde. Agora a dra nunca baixa de
15 de manhã e 15 de tarde, outro médico mais oito e outro mais
oito. Sempre as mesmas caras. Já posso dizer hoje quem vai
estar aqui segunda. Odontóloga: a gente sempre vai ter gente
sobrando, nunca vamos poder atender todo mundo. Técnica de
enfermagem Paula: está funcionando como PA. ACS Jan: a ideia
de agendamento é bom. As gurias antes (equipe anterior) faziam
acolhimento de manhã e de tarde agendamento. Enfa Fernanda: o
médico tem que fazer acolhimento junto. Enfa Tandara: se tiver
médico junto, podemos fazer. Guimarães: de manhã demanda
livre com acolhimento, e de tarde agendamento. Isso é do PSF,
não
está
em
discussão.
[...]
Eu
(pesquisadora)
falo da
necessidade de se saber qual é a população de abrangência, o
padronizado são duas consultas/habitante/ano, normalmente falta
consulta e não é demanda excessiva. Técnica de enfermagem
Carolina: mas a pessoa consulta na sexta e na segunda está de
volta. Pesquisadora: isso é outra coisa, precisa identificar o
problema, fazer projeto terapêutico singular, mas para a demanda
precisa atualizar o Siab. (Diário de campo, 29/02/12).
A equipe não se organizou para realizar acolhimento, mesmo com a
chamada demanda excessiva, a justificativa das enfermeiras é que precisam de
médico para legitimar a prática.
(Reunião de Equipe) Guimarães: as pessoas que vêm aqui no
posto têm que ser atendidas, não dá para mandar embora. [...]
ACS Jan: e acolhimento? Não dá para fazer? O (nome de um
médico) chega às 8h30min. Enfa Fernanda: se ele aceitar! (Diário
de campo, 02/05/12)
82
Percebemos que o coordenador insiste na ideia de agendamento e
acolhimento, bem como a ACS Jan. A equipe transforma o problema, ou seja, a
falta de acolhimento, em cobrança para as ACS orientarem o povo a não irem
para o HUSM.
(Reunião de equipe) Enfa Fernanda passa para outro ponto de
pauta e diz: hoje de manhã aconteceu de novo, não é a primeira
vez, hoje veio uma criança com dor de garganta, foi lá no HUSM e
disseram que não era para PA, chegou aqui às 10h e não tinha
mais médico. Neste momento chega o Guimarães. Enfa Fernanda
continua: tem que orientar o povo para não ir para o HUSM. ACS
Sarah: mas as pessoas vão lá porque são clientes. (Diário de
campo, 02/05/12)
No entanto, a questão é simplificada na discussão e ocorre um repasse de
responsabilizades, a equipe repassa para as ACS e estas para a população.
(Reunião de equipe) ACS Natália conta que fez uma VD a mulher
estava com dor, orientou a vir cedo para pegar ficha, mas agora
quando veio para a USF passou pela mulher na parada. Diz: vai
para o HUSM eu sei, é mais fácil, pode dormir de manhã.
Guimarães: só queria falar uma coisa, se vocês não botarem
ordem aqui, vão se incomodar. Tem que fazer agendamento. Se
continuar frouxo assim, vão se incomodar. ACS Natália defende
que a população gosta de fila, viu as pessoas na fila no domingo
no cartório e nem todo mundo trabalha para deixar para o
domingo. Foram várias manifestações neste sentido. Enfas dizem
que as pessoas agendadas não vêm e que a médica Marianne
não
quer
mais
agendamento
[...].
Guimarães
defende
o
agendamento dizendo que as pessoas vão ficar mais satisfeitas.
(Diário de campo, 02/05/12).
83
As ausências aos agendamentos podem estar relacionadas à falta de
vínculo. Pudemos ouvir de uma usuária que a escuta qualificada e o vínculo
determinam a continuidade do cuidado e ela não segue tratamento ao perceber
que não foi ouvida.
(Grupo na comunidade) Usuária fala que sente dor no pescoço e
amortecimento na mão, braço e lado esquerdo do rosto. Diz que
foi consultar no PA e o médico disse que era coluna, receitou
cinco injeções e ela não fez nenhuma porque não é da coluna, ela
sabe disso. (Diário de campo, 26/04/12).
Enquanto isso, a dinâmica escolhida pela equipe gera consultas médicas,
aumentando ainda mais a demanda à USF.
(Reunião de equipe) Guimarães: quero aproveitar que a dra está
aqui. Mostra um pedido de receita e diz que a pessoa consultou e
esqueceu-se de pedir a receita. Md Marianne: agora vai ter que
consultar de novo. (Diário de campo, 29/02/12).
Durante o período da tarde, a recepção não possui a iniciativa de oferecer
consulta de enfermagem enquanto a médica está na USF, gerando demanda para
consulta médica.
(Consultório médico) Seu José que estava na recepção, de
camiseta cavada e calção, abre a porta e diz: dra, a senhora
atende mais uma paciente no final, ela está bem mal. Médica: o
que ela tem? Seu José: não sei, mas ela disse que está mal.
Marianne: passa para uma consulta de enfermagem, olha para
Enfa Tandara (que também está no consultório) pergunta: tem
consulta de enfermagem? Enfa Tandara faz que sim com a
84
cabeça, médica repete: passa para a enfermagem. (Diário de
campo,15/03/12).
A consulta de enfermagem é uma das ações que as enfermeiras assumem
na USF prioritariamente para o pré-natal e para preventivo de câncer de colo e
mama. No entanto, observamos uma situação em que a enfermeira não ofereceu
a consulta para gestante que usa plano privado.
(sala de vacina) paciente grávida procura vacina antitetânica. Enfa
Tandara: Lembras quando fez a última antitetânica? Hepatite tu
fizeste? Gestante: hepatite eu fiz. Enfa Tandara: o médico te pediu
o exame para ver se estás imunizada contra hepatite? Gestante:
não, só pediu para fazer vacina do tétano e gripe. Enfa Tandara:
onde tu fazes o pré-natal? Gestante: na (nome do plano privado),
só me deu este papel porque pedi. Enfa Tandara pede exame
para verificar a imunidade da hepatite e explica para a paciente
autorizar na recepção e coletar na sexta de manhã. Pesquisadora:
tu estás fazendo (pré-natal) aqui também? Gestante: não.
Pesquisadora: não queres fazer o pré-natal aqui com a
enfermagem? Não é? (pergunto para a Enfa Tandara), até para
receber as orientações, também para acompanhar o bebe depois
aqui também. Enfa Tandara: qual braço tu preferes? Gestante:
esquerdo. Enfa Tandara: tu podes sentir dor depois nesse braço.
Enfa Tandara orienta a agendar o pré-natal com a enfermagem na
recepção. (Diário de campo, 03/04/12).
Em alguns momentos identificamos contradições no discurso da equipe.
Mesmo tendo a queixa do excesso de demanda não estimula a otimização da
consulta médica.
85
(Sala sinais vitais) Técnica de enfermagem Carolina verifica a PA
e diz: 120/80. Toma remédio? Senhora: Sim. Técnica: isso
significa que toma direitinho. Qual o motivo da consulta? Senhora:
tosse, chiado no peito, tenho bronquite asmática e dor de cabeça.
Ah, também quero pedir a receita. Senhora sai e a técnica diz: as
pessoas vêm consultar para dor e para receita e para mais outra
coisa...Pesquisadora: elas têm que aproveitar, usar só uma
consulta e resolver tudo! (Diário de campo, 29/03/12).
A incoerência também aparece quando para reduzir o trabalho dentro da
USF o protocolo clínico está valendo, quando é para chamar a população para um
evento, não.
(Reunião de equipe) Outro ponto: Técnica Carolina fala do HGT,
as pessoas vêm 3 a 4 vezes por semana para fazer, isso não é
necessário. Só para diabéticos, HGT não serve para diagnóstico.
Neste momento considero que a oferta sem critérios durante
eventos, tipo a feira da saúde, fica incoerente. Como queremos
que a população entenda que não é necessário se em alguns dias
é só entrar na fila e fazer? (Diário de campo, 23/05/12).
Outro fator que facilita o rompimento da continuidade do cuidado é a forma
como a equipe prioriza a utilização do prontuário de família. Quando alguém
procura atendimento na USF sem o número do prontuário, a recepção solicita que
o próprio usuário procure nos cadernos de cadastro das ACS, se não encontrar é
aberto novo prontuário.
Na recepção Sheilla faz um novo prontuário. Pergunto sobre o
cadastro no computador que fica na mesa da recepção no qual se
procuravam os nomes com facilidade. Ela responde que alguém
86
bagunçou tudo e ela tentou digitar de novo, mas não tem tempo
para isso e não terminou. (Diário de campo, 13/03/12).
(Reunião de equipe) Outro ponto da pauta: Enfa Tandara fala que
os pacientes estão chegando sem receita e sem prontuário, que
fica difícil para o médico prescrever. Fala para as ACS orientarem
que tragam a última receita ou o número do prontuário. ACS
Natália fala de caso que não havia registro no prontuário da
consulta anterior. Falo (pesquisadora) de caso que a pessoa tinha
cinco prontuários abertos, pois cada dia que vinha sem o número
era aberto um novo. [...]. Sugiro que a planilha do excel com o
cadastro deve voltar. ACS Natália sugere separar prontuários que
não foram encontrados por ACS para elas irem até a casa e
reforçar a importância deste número. Que ela anota em todos os
documentos, até em cartão de vacina. Diz: precisamos trabalhar
em equipe, vocês nos ajudam e nós ajudamos vocês. Enfa
Fernanda conta caso de paciente que chegou com PA 160/100
mmHg e não sabia que medicação tomava, não sabia o número
do prontuário, não sabia nada, assim fica difícil. ACS Sarah diz
que não acredita que as colegas não orientam. Enfa Tandara fala
que não é só orientar e sim conscientizar. ACS Jan conta de seu
pai, que tinha renovado a receita sem trazer a outra porque estava
tudo no prontuário, reforçando a importância do prontuário. (Diário
de campo, 23/05/12).
A decisão é novamente responsabilizar as ACS e não priorizar a
atualização do cadastro. A falta de priorização para atualizar o cadastro da
população de abrangência acaba interferindo na continuidade da atenção e o
usuário também é responsabilizado. A equipe não sabe qual é o quantitativo
populacional de sua área de abrangência, por problemas estruturais sim, mas
87
também por não estabelecer o objetivo de planejamento local. Como
consequência não compartilha da responsabilidade na continuidade do cuidado.
4.2.2 Participação do usuário na decisão do encaminhamento: negociação é
possível?
Para situar quem faz encaminhamentos na USF estudada primeiro
precisamos esclarecer que há a exigência da assinatura e carimbo no formulário
ser de profissional médico ou de odontólogo, no caso da saúde bucal. No entanto,
as enfermeiras também realizam encaminhamentos, principalmente para PA e
saúde da mulher.
Na recepção chega um senhor e pede para telefonarem para a
clínica de oftalmologia, no Itagiba. Diz que caiu massa fina no
olho. Conta que telefonou para lá, mas disseram que vocês que
precisam fazer o contato. Sheilla telefona e agenda consulta para
às 13h30min. Diz: precisa de encaminhamento, pede para a Enfa
Fernanda pegar com a Md Marianne. Senhor: só de tarde? Não
tem nenhum lugar que eu possa ir agora, está doendo muito.
Sheilla diz: vou pedir para a enfermeira passar um soro fisiológico.
[...] Enfermeira repassa para técnica de enfermagem, que solicita
esclarecimento sobre a técnica. Enfa Fernanda: passa soro com
uma seringa e fecha com gaze. Acompanhamos o senhor até a
sala de curativo. Técnica de enfermagem Carolina orienta e auxilia
uma acadêmica de enfermagem a realizar o procedimento. Oriento
(pesquisadora) o usuário que a gaze é para ele não movimentar o
olho e assim diminui a dor. Pergunto se melhorou. Ele diz que sim.
Técnica de enfermagem Carolina orienta-o a chegar à clínica às
13h. Pergunto se ele já está com o encaminhamento, pte diz que
sim. (Diário de campo, 23/03/12).
88
Ilustraremos como acontecem as decisões nos encaminhamentos a outros
pontos da RAS.
(consulta médica) Mulher: Quero consultar com oftalmologista,
meus óculos quebraram. Precisa renovar a receita, não adianta
fazer outro. Médica faz o encaminhamento sem falar nada, não
pergunta quando foi a última consulta, apenas fornece o
formulário.
Também
não
orienta
como
proceder
com
o
encaminhamento. (Diário de campo, 01/03/12).
(consulta médica) Médica olha o prontuário, abre exame, resultado
de um ultrassom. Diz: é só um lipoma, só tirar, não precisa se
atacar. Médica faz encaminhamento. Senhor: as pessoas falam
que quando tira vem mais... Médica interrompe e diz: nada a ver,
se vem mais é porque ia vir. Senhor: qual dia que vai ser dra? Eu
vou viajar. Médica: não sei lhe dizer, vai ser agendado. Senhor:
ah, tem que agendar? Médica entrega o encaminhamento e diz:
isso aqui tu agendas ali na frente e esse aqui (exame) tu mostras
quando te chamarem. Senhor sai sem fazer mais nem uma
pergunta. (Diário de campo, 01/03/12).
Nestes casos as decisões são unilaterais, ou seja, ou o usuário ou a médica
decidem o que precisa ser realizado. Na entrevista a médica esclarece como isso
ocorre.
[...] existem pacientes que chegam e querem e tu tentas explicar
que não precisa e o paciente até se ofende: “como? se é para
todos, como é que eu não posso?” Às vezes eu crio certos
subterfúgios para explicar. A pessoa diz: “ah eu preciso de um
cardiologista”. Por que tu queres um cardiologista? “Ah. porque eu
nunca fui a um cardiologista, e eu tenho 22 anos e de vez em
89
quando me arde o peito antes de uma prova não sei o que”. Aí tu
tens que explicar: “olha, tu não precisas, assim, assim, assado e
tal, tem muita gente que precisa mais do que tu, tu podes muito
bem tratar na Unidade Básica e tal, ou procurar a rede particular,
se tu realmente queres (fala com ênfase) um atendimento
especializado, mas eu não vou te encaminhar porque eu vou
atravancar o sistema se eu ficar encaminhado gente assim. Agora
se a pessoa insiste demais aí eu já começo a dizer: “olha, tu tens
que ver que aqui neste campo onde diz história clínica eu vou
colocar a tua história e a pessoa que vai decidir se tu vai ganhar
ou não esta consulta ela decide por gravidade, por idade, e tu vai
esperar, esperar e não vai vir.” Aí eu já digo: se tu queres
realmente tu procuras outros meio porque pela referência e
contra-referência com esta tua queixa eu não consigo nada para ti,
aí a pessoa se conforma mais. [...] Porque dizer que tu não vais
encaminhar porque tu não queres encaminhar é complicado, mas
a gente tem que fazer isso, a gente não pode encaminhar todo
mundo que quer ser encaminhado, porque isso entope o sistema e
não flui. Daí no fim nós, os médicos da Atenção Básica, acabamos
sendo os responsáveis pelo sistema estar intruncado. Aí já não é
mais só o problema de não ter atendimento suficiente, mas se
todo mundo que quer, for encaminhado, nunca vai ter profissional
suficiente para toda demanda. [...] não pode ser quem quer, tem
que ser quem precisa. (Entrevista Md Marianne).
Contudo, sabemos que o critério técnico, destacado pela médica, em
alguns momentos não é levado em consideração, como já foi relatado. Vale refletir
sobre isso, pois no final das contas a decisão de quem chegará primeiro é da
recepção ou do coordenador, que não é técnica.
Quando debatemos a questão da participação do usuário na decisão do
encaminhamento durante a entrevista, todos os trabalhadores concordam que isso
90
pode fazer a diferença na adesão à proposta terapêutica, as ACS, inclusive, citam
exemplos de como isso acontece.
[...] tu sabes que já me aconteceu isso, de eu ir às casas e me
dizem “Ah eu fui lá me queixei de tal coisa para doutora e ela me
encaminhou para isso, o que tem a ver?” [...] não tinha me dado
conta
disso
[...],
que
isso
influencia
deles
não
se
responsabilizarem, não valorizarem aquela consulta. [...] Agora me
fez me dar conta do que já está acontecendo mesmo, já senti no
meu trabalho, mas eu não tinha me dado conta disso ai, é
verdade. (Entrevista ACS Natália).
[...] entra a relação entre o médico e o paciente que não tem
(silêncio) muitas vezes tu entras, ele não te olha nos olhos [...]
volto contar a história da minha lá, ela chega aqui e diz: ah, eu
preciso
de
um
cardiologista,
ele
simplesmente
dá
o
encaminhamento. Ele não a questiona: mas qual é o seu sintoma?
(Entrevista ACS Jaqueline).
[...] no meu conhecimento empírico do dia a dia, aparece, é bem
melhor ele estar de frente com o problema dele e ele participar,
porque ele decidiu, porque se ele tem que tomar tal medicação,
ele está sabendo, ele é corresponsável por aquilo que ele esta
decidindo. (Entrevista ACS Sarah).
[...] porque se tu dás um encaminhamento para pessoa e diz: “tu
precisas ir neste medico” e não disse por que, quais as
consequências de não ir, “olha, se demorar muito o que pode
acontecer contigo”; “se tu não tomar o remédio e não te cuidar tu
vai morrer”. Se tu não entrares na cabeça da pessoa e conseguir
colocar lá dentro as causas, as consequências de ir ou não ir, de
91
se tratar ou não se tratar, a pessoa não está nem ai, ela pega
aquele papel, dobra, põe no bolso e vai embora. Então tu tens que
conseguir entrar na cabeça do paciente explicar e fazer com que
ele saia daqui entendendo qual é a situação dele, por que que ele
está sendo encaminhado e qual é a consequência de ele não
aceitar isso, tem que ter esta sinergia com o paciente se não, não
funciona. (Entrevista Md Marianne).
[...] cabe ao profissional no momento da consulta discutir,
empoderar, como é que tu vais fazer isso? Tu vais conscientizar:
olha, na mamografia deu B Rads 4, tu tens que fazer um exame
complementar e o exame é tal, tu vais ter que ir para saúde da
mulher. É esse o caminho, tu vais discutir junto com ela. Tu vais
fazê-la ter consciência do que está acontecendo, acho que
quando tu pedes qualquer exame tu tens que dizer o porquê tu
estás pedindo, se não, não tem objetivo, [...] fazer o usuário
entender [...] na hora que tu explicas, tu tens que saber se ele
entendeu, tu podes só explicar e ele não entender. Pesquisadora:
como é que é na tua experiência isso assim? (silêncio) de
perceber esse entendimento? Enfa Tandara: quando eu vejo
assim que o paciente não entendeu, eu peço para ele explicar, eu
digo: agora tu vai me explicar o que tu vais fazer, e aí às vezes ele
se perde nessa explicação a aí eu vejo que ele se perdeu, então
muitas vezes eu dou por escrito; chamo algum outro familiar;
marco retorno; isso é outra coisa, tu pediste exame, nunca mais,
tu não dizes quando ele tem que retornar. Não, tu tens que dizer
que ele tem que retornar daqui um mês, daqui 15 dias, se não
também isso fica muito superficial, ele não sabe quando ele vai
voltar, isso acontece bastante com as gestantes, elas saem da
consulta e estava acontecendo que elas não estavam agendando,
não se dão conta de que tem retornar (Entrevista Enfa Tandara)
92
Se considerarmos o discurso, podemos afirmar que a equipe conta com a
participação do usuário na decisão de sua proposta terapêutica. Nos encontros
entre trabalhador e usuário observados, a escuta da perspectiva do usuário,
condição inicial para a participação, nem sempre ocorre.
(consulta médica) Paciente se queixa de falta de ar, sensação de
sufoco e dor no peito quando caminha um pouco e diz: será que
não dá para encaminhar...Médica interrompe e diz: deve ser
sedentarismo. (Diário de campo, 01/03/12)
(consulta médica) Senhor entra acompanhado pelo filho. Médica:
check-up (nome do usuário)? Senhor: só check-up. Médica
olhando os exames: glicose chegando no limite, colesterol alto,
triglicerídeos horrivelmente alto, soro lipêmico. Senhor: o que
significa isso? (com expressão de assustado). Médica: separaram
a parte branca da parte vermelha do teu sangue, colocaram a
parte branca na geladeira e ele endureceu, virou gordura. Tu já
tomas remédio? Senhor: só a sinvastatina. Médica: a sinvastatina
não age sobre os triglicerídeos, vamos ter que atacar isso
também. Tu tomas muito leite? Leite de manhã, mais alguma vez
no dia? Senhor: não. Médica: como é o teu café da manhã?
Senhor: café mesmo, preto, gosto de chá. Médica: o que tu estás
pesando agora? Senhor: não sei (visivelmente acima do peso).
Médica: vou te mandar para a nutricionista! Para ti não enfartar
(nome)!
Senhor:
que
tipo
de
comida
que
aumenta
os
triglicerídeos? Médica: gordura. Senhor: só gordura? Médica:
gordura e doce! Diminuir a gordura e fazer exercícios. O que tu
fazes? Senhor: sou pedreiro, mas eu vou e volto de bicicleta, faço
1 hora, meia hora de bicicleta todo o dia. [...] Vai mudar a
sinvastatina? Médica: vou ter que te dar outro! Só que não tem
93
aqui. Senhor: é caro? Tem naquela farmácia do governo? Médica:
vamos ver. Médica me pergunta: será que o Lipex tem pelo SUS?
Falo (pesquisadora) das medicações de alto custo que o estado
fornece, não sei qual é o que está na lista, mas posso ver isso.
Médica pergunta: como faz para conseguir remédio na 4ª
Coordenadoria? Explico (pesquisadora). Médica consulta no
celular o preço do Liponon, diz que está R$ 25,00 a caixa com 30
comprimidos. Médica orienta ao paciente como encaminhar. Diz:
vou colocar um ano aqui (na receita), tu levas lá na 4ª, a receita, o
laudo, os exames, faz um processo, vão te dar uns papeis, tu
trazes aqui para eu preencher. Senhor: a nutricionista tem que
marcar? Médica: é! Fala e anota o CID 10. Feito, agora sim.
Senhor: como é que é o nome que eu vou ter que ir lá? Escreve
atrás para mim. Explicamos a localização da 4ª CRS. Senhor sai.
(Diário de campo, 15/03/12).
O usuário demonstra querer saber mais sobre seu problema de saúde, mas
recebe pouca informação. O encaminhamento para a nutricionista não foi
orientado, nem negociado e a conversa na consulta rumou para a medicação.
Observamos que durante atendimento odontológico são informadas ao
usuário as possiblidades existentes, permitindo sua participação na decisão da
conduta a seguir.
(Consulta odontológica) Odontóloga Thaisa: o senhor ainda tem
condições de manter seus dentes, essa doença dá para parar,
mas ainda tem que vir várias vezes. Estou retirando tártaros, esse
dente aqui não vai dar para tirar porque se eu retirar ele vai cair. O
meu conselho é que o senhor extraia, mas o senhor é quem
decide, mas não é bom deixar, aqui tem bactéria, mais cedo ou
mais tarde ele vai cair, mas é o senhor quem decide. [...] Depois
do exame, odontóloga pergunta: O senhor tem alguma dúvida?
94
Quer me perguntar alguma coisa? Senhor: não, é que eu já estou
velho, não é? Só conservar assim, ir levando, não é dra?
Odontóloga: trás sua escova na próxima consulta dentro de um
saquinho. Senhor: a gente sabe, mas sabe como é, a gente
realmente tem que escovar mais. Odontóloga: às vezes é o jeito.
Senhor sai. Eu (pesquisadora) tenho a sensação que ele não
aceitou muito bem a proposta, parece que prefere ficar como está.
(Diário de campo, 12/03/12).
A aceitação da proposta de conservar os dentes está relacionada à visão
que o usuário possui sobre o futuro de sua dentição, que é diferente da
odontóloga e isso pode definir a continuidade do cuidado.
(Consulta odontológica) Odontóloga Thaisa: anotei aqui que é
uma extração do lado de cá e vamos continuar a limpeza. O que o
senhor acha? Senhor: aham. Odontóloga: se puder ficar em
repouso, é que acabam ficando resíduos por isso é importante a
limpeza periódica. Vamos ver sua PA. (Diário de campo,
17/04/12).
Momentos como esses, em que o usuário foi convidado a participar da
decisão do seu cuidado foram raros. Uma das características da organização do
trabalho da equipe é o fato de que não é priorizada a privacidade do encontro,
com exceção da coleta de citopatológico, na qual a sala é chaveada. No
consultório odontológico visualizamos a preocupação da equipe de saúde bucal
em garantir esse espaço
A dentista já estava atendendo e na porta tem dois bilhetes que
dizem: “NÃO BATER NA PORTA, ESTAMOS EM CONSULTA.
PARA FALAR COM A DENTISTA OU AUXILIAR AGUARDE A
SAÍDA DO PACIENTE” e outro “SR. USUÁRIO: SÓ AGENDAMOS
95
UM HORÁRIO PARA CADA PESSOA. SEM EXCESSÕES.
AGRADEÇO A COMPREENSÃO.” Considero a privacidade da
consulta, seja qual profissional for, muito importante. Não há
privacidade em muitas situações já observadas. (Diário de campo,
17/04/12)
Portanto, triangulando as informações de pouca privacidade, falta de escuta
e concepção generalizada que a equipe possui dos usuários, mesmo com o
discurso de que é necessária a participação do usuário, a negociação e a tomada
de decisão compartilhada fica prejudicada.
4.2.3 Usuário encaminhado à RAS: fatores que interferem nesse caminhar
A ESF deveria preocupar-se com o andamento do usuário da RAS de Santa
Maria, pois disso depende a continuidade do cuidado. A preocupação da equipe
poderia proporcionar com equidade e integralidade. Partimos da avalição que a
equipe faz da RAS de Santa Maria.
Ao falar sobre as potencialidades, a equipe, no geral, teve dificuldade de
apontá-las. Mesmo a pergunta ser feita antes das dificuldades, o que mais ocorreu
foi falar primeiro destas.
O que tem de bom? (silêncio) O que eu posso te dizer? (silêncio)
eu acho (silêncio) tem até, tem até bastante coisa boa, não vou
dizer que não tenha. (Entrevista ACS Natália).
O fato de ser uma cidade universitária e possuir o HUSM como referência
para a alta complexidade com facilidade de acesso; a capacidade instalada dos
serviços de saúde, com exames diagnósticos sem limitações e a presença dos
ACS foram as principais potencialidades apontadas.
O rol de dificuldades elencados pelos trabalhadores durante as entrevistas
pode ser dividido em estruturais e relacionais. Quanto à estrutura apontam a
96
dificuldade no agendamento das cirurgias e a falta de especialistas, principalmente
neurologistas e cardiologistas, que apresentam uma demanda crescente devido
ao envelhecimento populacional; o tempo longo de espera para o usuário
conseguir os encaminhamentos; disputa público-privado; ausência de protocolos
para os encaminhamentos e falta fortalecimento da AB. Nos aspectos relacionais
são apontados a falta de atenção da gestão para com a AB; a falta de
comunicação da ESF com a SMS (referem que deixou de funcionar, antes existia);
a equipe não conhecer sua área de abrangência; os profissionais da USF não se
interessam pelo acompanhamento do usuário; o retorno da especialidade, a
chamada contra-referência, não acontece; apoio matricial das especialidades na
USF também não ocorre; a população da área de abrangência não possui vínculo
com a equipe da USF, não é acolhida; a equipe desconhece a RAS, não sabe
para onde encaminhar.
O usuário que chegará num tempo aceitável para o caso dele é o que
conhece seus direito e sabe lutar por eles ou os que conhecem caminhos mais
curtos. As ACS utilizam expressões marcantes para exemplificar isso.
Não vai por critério técnico, vai por amizade, amanhã depois o
cara pode me servir ou eu devo um favor para ele; acontece
bastante isso ai; [...] então a pessoa quanto mais humilde ela for,
menos chance ela tem de conseguir [...] por ele ser humilde ele já
não tem coragem, tem vergonha de chegar e pedir, vai dizer “não,
mas vai ficar chato, eu vou incomodar” e já o outro que já é mais
destrinchado, digamos assim, mais cara de pau ele já chega, já
vai “Ai fulano depois te faço outro favor”; é uma troca de favores
digamos assim que ocorre bastante. [...] E o direito vai para o lixo
[...] Eu oriento muito os meus sobre os direitos que eles têm,
vocês têm direito, cidadãos, pagadores de impostos, têm que
correr atrás, tudo sempre usando a educação em primeiro lugar e
procurar pelas leis o que tem o nosso direito, daí a minha
97
orientação é passada por essas, mas eu vejo muito isso ai, muito
troca de favores [...] um jeitinho brasileiro. (Entrevista ACS Natália)
[...] a gente sabe que existe, que existe coisas de tu arrumares as
consultas, sei de gente que consegue, sempre tem uma
apadrinhagem [...] sempre tem, na saúde pública sempre tem, dá
um jeitinho sabe? A gente sabe que se conseguem as coisas
(silêncio) e que daí os mais humildes, imagino, aqueles que
precisam mesmo, não conseguem né? E aquele que tem um bom
relacionamento, uma conversa com padrinho, isso é em todas as
repartições. (Entrevista ACS Jaqueline)
Pesquisadora: tem alguém que chega primeiro, que chega num
termo aceitável no caso dele? De resolver o problema dele? ACS
Sarah: vamos colocar em percentual imaginário? uns 5%, dos
100. Pesquisadora: o que esse 5% faz de diferente para chegar?
ACS Sarah: apadrinhagem? Apadrinhagem, essa é a real. Eu
conheço a Fulana e a Fulana vai arrumar para mim antes, porque
eu a conheço. Infelizmente. É só assim. [...] eu acho ruim. Eu acho
muito ruim porque daí aquela pessoa que não é, ela não é
partidária ela vai fica na fila e [...] fica esperando. Isso que eu
enxergo na rede e é a verdade. (Entrevista ACS Sarah)
Um fato identificado que ajuda o andar do usuário na rede é quando a ACS
assume para si a responsabilização da entrega do encaminhamento agendado.
Nesses casos quando a ACS descobre que o usuário não poderá comparecer à
consulta, ela providencia a substituição por outro usuário.
[...] na maioria das vezes eu levo, porque nesse já “levar o
agendamento” eu não encaro isso, tem quem diga: “Ah, já não é
atribuição da agente de saúde”; eu uso como atribuição, eu tomei
98
isso por mim, que aí eu já aproveito e o conscientizo da
importância de ele ir naquela consulta; então aquilo eu tomo como
orientação para ele, porque nosso trabalho, o que que é?
Orientação né? Então, eu levo e digo assim: “Olha passei no posto
e vi, como eu ia passar aqui”, eu o faço entender que eu não levei
exclusivamente para ele; mas no fundo eu levei. Eu sei, para mim,
que eu levei porque eu quero conscientizar ele de que ele tem que
ir naquela consulta, a importância daquela consulta, a importância
de não faltar porque está tirando o lugar de outras pessoas; se
ele não quer, eu peço que diga para mim, eu trago o
encaminhamento de volta, coloco ali que ele não aceitou e já
passo para outra pessoa; [...] eu faço muito isso, tanto que eu sou
referência nisso que eles passam “se algum desistir tu te lembra
de mim” e eu lembro, anoto na minha agenda; [...] muitos pegam
aqui sem eu saber, que avisam por telefone, e quando eles não
vão eles já dão um jeito de me ver, se eu passo na casa e não
chego eles me chamam: “tu levas de volta e passa para outro”,
eles já tem essa preocupação, muitas famílias eu já consegui
passar isso, poucos são os que desistem (Entrevista ACS Natália)
[...] Às vezes [...] eles não vão porque não estão com os exames
em mãos para levar para o médico. Daí a gente passa para outra,
para outro paciente, a gente não perde, [...] eu consigo com as
colegas, eu entro em contato com as gurias, com as agentes de
saúde e pergunto: ah, não estão precisando de um cardiologista?
Ou ligo aqui no posto, nunca, nunca ficou assim sem ir, eu procuro
fazer isso, passar para a Andréia (ACS), para qualquer uma das
gurias. [...] Porque a gente está sempre procurando saber, como é
que está, quem é que vai, quem é que não vai. Bom, os meus eu
sei, os que são encaminhados eu sei, porque a gente está
99
praticamente todos os dias na rua, porque eu faço às vezes duas
ou três visitas no mês. (Entrevista ACS Jaqueline)
Outro usuário que chegará no tempo aceitável são os casos urgentes. A
equipe se mobiliza para encaixar nos serviços de referência os pacientes que são
avaliados e tecnicamente se define por prioridade.
[...] tem assim maneiras de colocar através dos contatos pessoais
da gente dentro do universitário (HUSM) é a única maneira de se
encurtar o caminho é esse, tem que ligar para o universitário, tu
conheces um residente, tu conheces um médico, tu conheces
alguém que trabalha lá dentro, uma enfermeira e a gente
consegue pular algumas etapas burocráticas e encaixar este
paciente mais rapidamente. Pesquisadora: nesses casos o critério
é técnico? Md Marianne: É por gravidade da patologia, pelo risco
que a patologia está apresentando para o paciente. (Entrevista Md
Marianne).
O interesse do profissional, a comunicação entre os profissionais dos
diversos serviços e a responsabilização do ACS facilita a vida do usuário para ele
chegar ao encaminhamento. Entretanto, em alguns momentos os usuários não
conseguem ser ouvidos e a urgência não é atendida.
Pesquisadora: E a urgência, tu não achas que as pessoas aqui de
dentro se agilizam mais para conseguir os encaminhamentos?
ACS Natália [...] acredito que isso aconteça também, isso é visto,
mas assim, às vezes falta ouvir melhor a pessoa que precisa
urgente, às vezes a gente tem que interferir [...] eu interfiro muito
nos meus porque às vezes eles vêm aqui e chega [...] no balcão,
[...] e a pessoa que está ali não dá muito ouvido e acha que
aquela pessoa está fazendo fita; ai eu vou à casa e vejo a
100
situação; eu retorno e digo: “Mas olha aqui”, “Ah, mas não me
falaram nada Natália”. “Não, tentaram falar, mas não foi ouvido”.
Então eu me faço ouvir já por ser trabalhadora aqui [...].
(Entrevista ACS Natália).
Na entrevista, a usuária corrobora a informação fornecida pela ACS,
acrescida pelo fato de passar por descrédito.
[...] um dia passei mal, senti muita dor, fui ao posto ali e disseram
que não havia mais ficha, na tarde do mesmo dia fui para o HUSM
e ligaram para a USF e informaram que eu não havia passado ali.
Tanto passei que fiz o HGT, deu 300, disseram que estava bom e
registraram no meu cartão. Ainda bem que fiz o HGT, assim tive
como provar que estive sim no posto, se não a gente passa por
mentirosa. (Entrevista usuária Daiane)
A usuária sente que suas informações podem passar por falsas, ou seja, a
experiência que os profissionais nem sempre acreditam no que o usuário está
falando, já revelada na pesquisa. Uma ACS também contou que se tornou a
balizadora entre o falso e o verdadeiro.
[...] tem aquele ditado antigo [...]: “o justo paga pelo pecador”.
Assim como tem um que, infelizmente, vem com uma mentira, tem
aquele que vem com uma verdade e às vezes não é bem
escutado porque o outro já veio e mentiu [...] às vezes eu digo
assim: se chegar lá e tiver alguma dúvida pede para eles me
ligarem. E peço para as gurias: chegou da minha área na dúvida
vocês me liguem, como já houve casos de me ligarem “Ah, é
assim, assim” “não isso não é verdadeiro” ou de me ligarem e “sim
é verdadeiro e o pior que é isso ainda” [...] (Entrevista ACS
Natália).
101
Acompanhar o andamento do usuário na RAS foi uma preocupação da
pesquisa, para isso perguntamos quando o trabalhador ficava sabendo que o
usuário conseguiu chegar ao destino do encaminhamento. As ACS responderam
que a VD facilita esse acompanhamento, os demais profissionais dependem da
informação do usuário ou do ACS.
[...] nós, agentes de saúde, só ficamos sabendo porque a gente
vai na casa e pergunta, ou eles mesmos, antes da gente
questionar, eles já falam [...] (Entrevista ACS Natália)
[...] devido à visita domiciliar, mas tu nunca tens uma contrareferência, de vinda de lá para cá não. [...] Mas tu tens que correr
atrás. O agente tem que correr atrás. Para saber se ele foi, para
saber se ele conseguiu, em que pé está. Aquela visita domiciliar
[...] (Entrevista ACS Sarah)
[...] este retorno até eu tenho bastantinho assim, [...] eles voltam
dizendo, “olha esta receita aqui foi o médico que me deu, que
disse que é isso, isso, aquilo”. Eu não tenho nada por escrito, mas
os pacientes me relatam como foi a consulta o que que o médico
achou que é ou o que não achou, e a receita que ele mandou
porque sou eu quem vai renovar estas receitas. [...] o que é
resolvido na consulta com o especialista e não é necessidade de
acompanhamento às vezes eu nunca mais fico sabendo a não ser
que eu pergunte, que eu lembre, olhe prontuário e pergunte: “ah
como é que foi aquela tua consulta no dermatologista?” Ai a
pessoa me diz, tomou o remédio e resolveu. Agora, se não resolve
eles voltam aqui [...] mas não existe uma contra-referência, eu
referencio, mas eu não recebo de volta contra-referência.
(Entrevista Md Marianne)
102
As enfermeiras vivem a mesma situação, de não receber retorno dos
encaminhamentos que estão sob sua responsabilidade, mas admitem que
precisam buscar ativamente por eles.
[...] a gente encaminha, por exemplo, algum preventivo que deu
alterado, a gente encaminha para saúde da mulher muitas vezes a
gente não tem um retorno, [...] poucas que vêm aqui com uma
contra-referência. [...] a mamografia, casos que a gente viu que
tem um nódulo ou que a mamografia deu alterada, a gente não
está tendo retorno dessas mamografias, por isso que eu vejo que
está isolada, [...] (Entrevista Enfa Tandara)
[...] a gente pensou em fazer um livro e colocar o nome do usuário
foi encaminhado para que serviço, para depois da consulta,
porque a gente já tem a data da consulta, ligar, como é que foi, o
que está precisando, para ter um retorno, por que isso está se
perdendo [...]. (Entrevista Enfa Tandara).
[...] eu imaginaria assim, [...] tu dares andamento num caso e dar o
prazo que aquilo teria para ser resolvido [...] não é simplesmente
tu chegas aqui a pessoa numa situação difícil “Ah, vai a tal lugar” e
tu nunca mais vai lá perguntar se o Fulano foi, se está sendo
atendido, se está fazendo o tratamento, simplesmente o paciente
não retorna e tu não ires atrás, ver se aquilo está andando; eu
acho que está faltando, [...] supervisão nisso ai, uma cobrança
“Vamos ver, eu encaminhei isso, vamos ver se está funcionando”
[...] (Entrevista ACS Natália)
103
Percebemos que o coordenador, além de viabilizar os encaminhamentos,
em alguns casos ele também obtém o retorno, pois é procurado para os próximos
passos, ou seja, outro encaminhamento ou exames.
Pergunto para o Guimarães sobre o senhor que foi encaminhado
para angiologista, com suspeita de úlcera arterial. Ele responde
que consultou com o vascular que disse que era do osso, como é
o nome mesmo? Pesquisadora: osteomielite. Guimarães: isso
mesmo,
o
médico
da
vascular
o
encaminhou
para
o
traumatologista. (Diário de campo, 30/03/12)
A maior queixa da equipe é a falta da contra-referência. Durante o período
de observação noticiamos o nascimento da construção de algumas redes, como a
de proteção à infância, relatada no próximo item e também linhas de cuidado a
partir do HUSM, no protagonismo da Residência Multiprofissional Integrada do
Sistema Público de Saúde (RMPISPS).
A Enfa Fernanda conta que a enfermeira do 3º andar HUSM
(projeto transferência do cuidado da residência multiprofissional)
telefonou para ela passando o caso da senhora que foi
encaminhada pela USF e passou por uma amputação no halux,
solicitando curativo domiciliar. (Diário de campo, 16/05/12)
[...] agora que o HUSM está ligando para agendar as puericulturas
e as consultas do puerpério. Pesquisadora: como assim? Enfa
Tandara: as gestantes vão para lá, no CO, fazem o parto lá e acho
que vão para o segundo andar, de lá ligam para cá para agendar o
retorno. Pesquisadora: agendar com vocês, antes de dar alta?
Enfa Tandara: isso, antes de dar alta [...] não estava acontecendo,
acho que a residência que está fazendo. (Entrevista Enfa
Tandara)
104
Movimentos como esse reforçam que a continuidade do cuidado é possível
e que sim, está ligada às relações estabelecidas. Destacamos também o papel da
universidade neste caso, reinventando maneira de construir o SUS, mesmo que
depois da formação.
4.2.4 Modo de gerenciar influenciando na autonomia e responsabilidade dos
trabalhadores
Como já destacamos, a atual equipe é recente e a gestão da SMS possui
uma visão generalizada acerca da capacidade das novas equipes concursadas,
no que tange a habilidade de trabalhar em ESF.
Faz pouco tempo que estas equipes estão atuando, não podemos
ainda, acho cedo, para fazermos uma avaliação. Elas estão se
ambientando com a comunidade, porque não é fácil, conhecer a
comunidade, saber como funciona. Eles passaram por uma
semana de capacitação, foi pouco tempo, mas como eu disse,
eles já chegaram preparados, são especialistas, sabem o que
devem fazer. (Sérgio)
O modo de gerenciar a USF pode estar relacionado com o modo como os
trabalhadores assumem sua responsabilidade e sua autonomia, desencadeando
processos de desequilíbrio destas forças. Em alguns momentos observamos que
a equipe não possui autonomia, por exemplo, para iniciar a reunião de equipe que
acontece todas as quartas-feiras à tarde. Neste horário a USF não atende o
público.
Estão todos sentados na sala de espera. [...] São 12h15min, toda
a equipe está na sala, conversando paralelamente. Estão faltando
a médica Marianne e a Técnica de enfermagem Paula (que está
105
em treinamento de sala de vacina). Odontóloga Thaisa pergunta: a
reunião é só conosco? Respondem que sim. [...]. Uma acadêmica
de enfermagem brinca: então, vamos começar? Eu como
enfermeira...(risos). Pergunto (pesquisadora) o que estamos
esperando? Enfermeira Fernanda: o Guimarães (coordenador).
(Diário de campo, 04/04/12)
As reuniões de equipe são utilizadas pelo coordenador prioritariamente para
repassar decisões da gestão, fazer cobranças e disparar assuntos relacionados à
organização da equipe, sem aprofundamento.
Coordenador Guimarães inicia a reunião informando que amanhã
o horário volta ao normal: 8h-12h e 13h-17h. (Diário de campo,
29/02/12).
Coordenador Guimarães fala: tenho que contar para vocês, a
Brigada Militar foi me buscar de madrugada porque o ar
condicionado estava ligado.
ACS Natália: o motor do dentista
também (ar comprimido). Guimarães: eu dou um auxilio, não sou
técnico, mas quando é queixa é comigo. (Diário de campo,
29/02/12)
Em reunião de equipe, coordenador conta que telefonaram para
ele ‘xingando’ a unidade, o paciente tinha vindo três vezes e não
tinha conseguido consultar, e ligaram da USF. Ligaram da unidade
para ‘xingar’ a unidade (repete). (Diário de campo, 02/05/12)
Identificamos um modo de gerenciar baseado na crítica e na cobrança,
desqualificando a equipe. Ao mesmo tempo, o tom de cobrança também está
presente na relação do Secretário Municipal de Saúde para com o coordenador.
106
[...] em conversa com o coordenador falo que um paciente de um
bairro do outro lado da cidade havia feito um curativo porque a
UBS de referência não o atendeu, devido a uma reforma.
Coordenador conta que o (nome do secretário) o ‘xingou’ porque
não tinha ninguém da USF estudada na missa para comemorar o
aniversário dele, e que: da UBS referência do paciente tinha a
médica fulana, e mais não sei quem, agora vou dizer isso para ele,
nós atendemos quem eles não atendem. (Diário de campo,
23/03/12)
O modo de gerenciar do coordenador se distancia da coerência. Vimos ser
pauta constante de suas reclamações a questão do cumprimento do horário, mas
ao mesmo tempo é permissivo, não enfrentando questões de difícil abordagem
como o horário médico.
Chegamos a USF e minutos após ouvimos o coordenador irritado
falando que iria abrir o posto às 9h já que ninguém chega no
horário, pergunta: e as enfermeiras? A Enfa Fernanda aparece e
diz: eu estou aqui. Coordenador: e a outra? Enfa Fernanda
responde: precisou se ausentar, tinha compromisso. Coordenador
fala que na terça-feira saiu exatamente às 8h e não tinha chegado
ninguém para atender, técnica de enfermagem Paula dá uma
risadinha e fala que ele se enganou [...], ele reitera e sai de perto.
(Diário de campo, 09/03/12)
(Em reunião de equipe) Guimarães: tem que organizar para o
outro médico (trata-se de disponibilizar sala para um clínico que
iniciaria atendimento à tarde). Médica Marianne fala: já fizemos
isso, eu chego às 13h até às 15h e o (nome do médico) chega às
15h, mas isso não registra em ata, é por baixo dos panos.
Coordenador não fala nada. (Diário de campo, 29/02/12)
107
Em outro momento o coordenador cobra o cumprimento do horário da
médica, mas sem a presença dela, relativizando sua responsabilidade sobre isso.
(Reunião de equipe) Coordenador Guimarães: outra coisa a
Marianne (médica) recebe 8hs pagas por dia. [...] Explica a
situação do vínculo empregatício da médica, diz que ela era
contratada por seis meses, o contrato terminou e ela ficou pela
Protege, que paga por hora, 8hs por dia. Enfa Fernanda: quem vai
falar com ela? Guimarães: eu posso falar com ela junto com
vocês, vocês são do PSF, eu não sou, vamos aproveitar, fazer
planejamento, essas coisas que é de PSF e vocês sabem mais
que eu. (Diário de campo, 02/05/12)
O cumprimento do horário é relativizado por todos os membros da equipe.
A própria reunião de equipe que teria o horário até às 16h, normalmente terminava
bem antes, caracterizando um horário de folga.
Depois da reunião, todos saem às 14h15min. (Diário de campo,
25/04/12)
Nos dias que chegamos essa semana sempre as acadêmicas
chegam antes das técnicas e das enfermeiras, que falam que é
culpa do trânsito. (Diário de campo, 09/03/12)
Uma característica considerada ‘normal’ pelos outros membros da equipe é
o atraso da médica e também a saída mais cedo. Como o processo de trabalho
dela envolve predominantemente a realização de consultas, quando estas
terminam, ela deixa a USF.
108
Na recepção um paciente pergunta para a Sheilla se a consulta
vai demorar, responde que sim, pois a médica chega às 9h15min
e tem todos os idosos na frente. (Diário de campo, 09/03/12)
Médica Marianne atendeu de manhã e saiu às 10h30min. (Diário
de campo, 04/04/12)
(Final de consulta médica) Pesquisadora: terminou? Médica diz:
sim, terminou. São 14h50min. [...] (Diário de campo, 08/03/12)
A equipe sente-se assediada moralmente pelo coordenador que por vezes
foi alertada que estaria em estágio probatório, ou seja, a “estabilidade” do
concurso público ainda não estava concretizada. O coordenador perde com isso
sua autoridade na equipe e seu modo de gerenciar, que combina pressão,
cobrança
de
horário
e
ao
mesmo
tempo
permissivo
e
não
se
correspesponsabiliza, pode influenciar na organização do processo de trabalho,
comprometendo-o.
Em reunião de equipe Enfa Tandara fala de uma atividade
realizada em uma comunidade rural da área de abrangência da
USF. Coordenador fala: a doutora atendeu só duas ou três
pessoas. Tem que fazer, mas tem que levar gente. Fazer ir gente,
se não a gente gasta um horror. Enfa Tandara: se são poucas
pessoas que moram lá, se atender três está bom. (Diário de
campo, 29/02/12)
No dia em que a atividade seria realizada ouvimos um diálogo revelador do
autoritarismo do coordenador na gerência da USF e também a falta de
planejamento de equipe.
109
Na recepção, uma mulher pede para consultar à tarde e a Sheilla
antes de responder fala para a Enfa Tandara: o Guimarães pediu
para a médica não ir ao grupo de tarde. Enfa Tandara diz: tudo
bem então. Pergunto se é o grupo que foi discutido na reunião de
equipe, ela diz que sim, que é na (nome da comunidade), uma
comunidade rural, com poucos moradores e que o coordenador
não deve ter votantes lá, por isso ele não quer a médica vá.
Pergunto se a população havia sido avisada que a médica não
estaria atendendo na USF. Ela diz que não e que realmente vai
encher de gente para consultar e o coordenador não vai gostar.
(Diário de campo, 13/03/12)
A equipe não demonstra autonomia para sustentar a participação da
médica no grupo e, ao mesmo tempo, não planeja previamente a saída da médica
da USF. Com isso, o que resta é acatar a decisão do coordenador, mesmo a
enfermeira considerando isso uma escolha eleitoreira, revelando que o modo de
gerenciar
interfere
no
processo
de
trabalho
da
equipe,
gerando
desresponsabilização. A relativização do horário pode ser uma das consequências
disso.
Chegamos à USF às 13h 45min [...]. Fomos até a recepção e nos
informaram que não havia agenda para enfermeiras na tarde. [...]
(Diário de campo, 08/03/12)
São 14h50min. Fomos para a sala de reuniões estavam a
odontóloga, a ACD, a técnica de enfermagem Carolina, alguns
residentes, depois chega a enfermeira Tandara. A ACD comenta
que com este calor não dá para trabalhar. Fala-se de outros
assuntos. A enfermeira Tandara diz: hoje é dia da mulher e
resolvemos não abrir agenda, só por hoje, nós merecemos. (Diário
de campo, 08/03/12)
110
A questão não é só cumprimento da carga horária, mas o quanto a equipe
está comprometida com a proposta de ESF. A avaliação realizada por uma das
ACS em uma reunião de equipe pode contar como isso está acontecendo,
ACS Jaqueline fala que em Santa Maria tudo é faz de conta, faz
de conta que tem estratégia, faz de conta que a estratégia
funciona, faz de conta e não existe nada. Aqui não existe ESF, os
médicos não fazem ESF. (Diário de campo, 13/06/12).
Ela refere-se ao fato de ter outros quatro médicos “realizando consultas” na
USF, além da médica que tem 40 horas semanais, dois clínicos gerais, um
pediatra e um ginecologista. No entanto, sentem-se sem respaldo de equipe.
Questionada sobre a inserção da USF na RAS de Santa Maria, outra ACS
responde com uma analogia.
[...] sabe aquelas rede de pescar quando passa um peixe bem
grande, como é que ela fica? Furada (risos), assim que eu
enxergo. Porque não tem resolução dos casos. A grande maioria
não tem resolução. [...] fica só na primeira telinha da rede. Tu
fazes a visita e o paciente precisa de mais alguma coisa, e não
desenvolve o caso. [...]. Eu estou de agente de saúde já desde
bastante tempo [...]. Porque a rede não precisa ter todos os
outros, não precisa ter a complexidade que tem, mas se tiver uma
ponta da rede que seja bem tramadinha, ela funciona. O que eu
quero dizer com isso? Traduzindo. Se eu tivesse um enfermeiro de
perfil, se eu tivesse um técnico de perfil, um médico de perfil, essa
parte da rede funcionaria e não precisaria ir para algo mais
complexo para levar meu paciente. [...]. Aqui já solucionaria. Daí tu
dizes assim: já teve isso? Sim, teve sim, existiu sim essa rede que
não precisava passar muito para os outros tudo. Tinha resolução,
111
em outras palavras, tu tinhas prazer em trazer um caso porque ele
era resolvido a tempo, o que eu quero dizer com “a tempo”, de não
estourar no HUSM, de alta complexidade, de não estourar. Porque
tu estás vendo que vai acontecer, mas tu não consegues fazer. A
prevenção, a orientação e a informação tu fazes, mas aquela parte
fica falha, bem falha. (Entrevista ACS Sarah)
A ACS fala de situações que são trazidas para a equipe e sentem que os
casos não são acolhidos e não há corresponsabilização, deixando as ACS
sozinhas na condução. Ao realizarmos VD com as ACS são revelados mais
detalhes dessa questão.
No caminho a ACS Sandra agradece muito por termos realizados
as VD com ela, fala que já havia pedido ajuda, mas as enfermeiras
não saem da unidade. Conta de uma gestante, [...] é HIV positiva,
o primeiro filho já está com a doença também, mas na outra
gravidez a enfermeira (que atuava há época) ficava no pé da
paciente, foi até à Casa 13 de maio (referência para gestantes HIV
positivas) confirmar se ela estava indo. Já a atual enfermeira não
sai muito da unidade, o que dificulta o cuidado a essas pessoas.
Ela cuida quando não comparecem na consulta, fica preocupada,
mas não sai para averiguar realmente a situação e por isso
telefona para as agentes. Fica muita responsabilidade para as
agentes. (Diário de campo, 27/04/12)
ACS Jaqueline: é difícil trabalhar assim, sem assistência da
enfermeira, a Fernanda não gosta de grupo. [...] perguntei por que
ela não vinha nos meus grupos, que se fosse problema de carro
meu marido podia buscá-la, ou o coordenador traz também, não
precisava estragar o carro dela. Ela falou olhando no meu olho:
Jaqueline eu não gosto de grupo. (Diário de campo, 23/04/12)
112
Surgem questões como o perfil profissional, mas também o coeficiente de
responsabilização da ACS e a falta de retaguarda sentida por elas. A condução de
uma situação trazida por outra ACS em reunião de equipe corrobora com os
diálogos acima.
(Reunião de equipe) [...] ponto de pauta da ACS Dani: tenho uma
grávida assim, senti uma pobreza extrema, está passando fome, a
família desunida por causa das necessidades, mãe recebe
aposentadoria, mas é pouco, irmão drogado, rouba as coisas para
vender. Ela faz programa (se prostitui). Estava com uma baita
infecção, corri a manhã inteira para conseguir um carro para levar
ela no PA, liguei para o Samu, o médico foi estúpido comigo,
disseram que não podiam fazer este papel de transportar, por
necessidade social, como ela estava sentindo dores há uma
semana, não era urgência. Falei que estava com sangramento, o
médico me disse que isso não colocava a mãe em risco, por isso
não podiam atender. Consegui um carro com um vizinho para
levá-la ao Centro Obstétrico (CO) do HUSM, mas graças a Deus
era só infecção. Conta que conseguiu um pacote de massa e um
de feijão para ela dar comida para as crianças, tem dois filhos
pequenos. ACS ficou com os filhos da gestante enquanto ela foi
ao HUSM. A ACS Sarah assume a condução do caso e diz: vamos
por parte, alimentação tem no (nome de um centro espírita da
área), tem a pastoral. Seu (nome do líder da pastoral) faz este tipo
de corrida. ACS Dani diz que ele não estava em casa. ACS Sarah
continua: tem a (informa nome e o endereço) que dá sacolão, tem
o CRAS, fala com a Assistente Social (nome). Enfim, orienta a
ACS Dani os caminhos para conseguir alimento, transporte. Mas
diz que deve informar a grávida e não fazer por ela. Alguém bate
na porta dos fundos e a conversa ruma para outros assuntos [...].
113
Iniciam outra pauta e eu (pesquisadora) digo: espera aí, tem uma
gestante nesta história, pelo que foi falado está com infecção. É
urinária? Se for isso configura risco gestacional. Enfa Fernanda
diz: sim!? (com expressão: e dai?) ACS Dani diz que ela foi
orientada a usar um creme vaginal. Concluímos que não é
infecção urinária então. Acadêmica fala que ela não pode fazer
programa (prostituir-se), tem que fazer alguma coisa. ACS Dani
diz que sim, mas ela precisa de dinheiro para sustentar os filhos.
Acadêmica diz que tem que orientá-la a trabalhar em outra coisa.
Enfermeira Tandara diz: não entendo porque as pessoas
procuram problemas, já não bastam os que têm! Passou-se para
outro ponto da pauta (Diário de campo, 23/05/12)
Desta observação podemos apreender que quem conduziu as informações
na questão social, foi outra ACS. Isso pode ser explicado pelas experiências
adquiridas nos anos de trabalho da ACS, que conhece a área de abrangência e é
líder comunitária. Já a ACS Dani não trabalhava como ACS antes do concurso de
2008. Outra consideração é que as enfermeiras não se somam a elas para a
condução do caso, nem pela questão clínica. Não surgiu nenhuma proposta de VD
pela enfermeira ou de agendamento de consulta de enfermagem, confirmando o
sentimento das ACS. Cabe ressaltar, no entanto, que isso não significa que a
gestante não está fazendo o Pré-natal, pelo contrário, durante a pesquisa
podemos identificar que as enfermeiras acompanham todas as gestantes,
intercaladamente com consulta médica.
Percebemos isso também num momento que pode ser caracterizado como
o início da construção de uma rede de proteção à criança e adolescente que sofre
violência doméstica. O Conselho Tutelar (CT) foi chamado para esclarecer seu
processo de trabalho e para definir ações a serem tomadas. Avaliando a reunião
no diário de campo revelamos o sentimento provocado pela experiência.
114
[...] Percebo que as ACS não contam com as enfermeiras,
desconsiderando a opinião delas, as pessoas que menos falaram
na reunião foram as enfermeiras, as técnicas de enfermagem e a
equipe saúde bucal, caracterizando que o “problema é das ACS”.
(Diário de campo, 20/06/12).
Por outro lado a equipe também se sente sozinha, desprotegida e sem
respaldo da gestão. Depois da reunião citada acima, em conversa com a
enfermeira Tandara, também avaliando a reunião, ela conta-nos que a odontóloga
não queria ir à reunião, pois “não dizia respeito à saúde bucal. Enfermeira Tandara
diz que então ela também não vai!” (Diário de campo, 20/06/12). Com isso
podemos pensar no sentimento de abandono e solidão que a equipe vive. Essa é
a realidade vivida neste tempo de coleta de dados nesta USF que é justificada
pelas opções que a gestão está fazendo na coordenação da ESF em Santa Maria.
Através da análise dos ofícios recebidos percebemos, por exemplo, que a
coordenação específica para a ESF foi nomeada somente em 01 de julho de 2012,
ou seja, deste o ingresso dos profissionais concursados não havia uma pessoa
específica para o cargo o que dificulta a gestão das USF, considerando a
complexidade que elas comportam. A falta de escuta e da singularização de cada
USF pela gestão é sentido pela equipe.
(Reunião de equipe) Enfa Tandara: o remapeamento primeiro. Fui
numa reunião na SMS na sexta, entreguei o que vocês tinham
passado na semana passada e a (nome) me disse que não queria
aquilo, ela queria o CD com o Siab digitado, ela pensou que nós
tínhamos o Siab instalado. Eu disse para ela, olha nós não temos
nem computador, que dirá o Siab. Ela disse que não sabia que
não tínhamos. ACS Sarah: eles sempre não sabem nada. (Diário
de campo, 02/05/12)
115
ACD Maria: [...] tem [...] pedidos que a gente faz aqui, uma cortina,
não sei se [...] tivesse [...] alguém para tratar, alguém só para
cuidar do USF seria melhor. Pesquisadora: Vocês se sentem
soltos? ACD Maria: É (silencio) eu acho que é. Quase todos nós
aqui reclamamos quase sempre a mesma coisa, parece que a
gente não é ouvido. O fotopolimerizador ficou seis meses sem vir
para unidade, e a gente ligando para todo mundo e tendo que
ouvir tudo quanto é coisa, sempre empurrando e mandando os
pacientes embora ou (tínhamos que) fazer um ionômero porque
não tinha, em dente incisivo central, e tu bates nesse tipo de
coisa, não tem o que se fazer. (Entrevista ACD Maria).
Evidenciamos um imbricamento de várias situações que pode estar
determinando
estes
sentimentos
na
equipe,
e
também
identificamos
consequências disto, numa relação dialógica, profundamente relacionada com a
continuidade do cuidado na RAS de Santa Maria. Um fato que exemplifica isso foi
quando vimos que havia um encaminhamento para oncologia em um envelope
com o rótulo “diversos” na pasta que armazena os encaminhamentos.
Perguntamos para a Enfa Tandara se a oncologia não é direto no Serviço de
Referência no HUSM. Ela respondeu que se informaria. Uma semana depois
perguntamos para Sheilla na recepção.
[...] Pergunto se não é direto no HUSM. Ela me responde que sim,
mas que não foi ela quem recebeu o encaminhamento. Pego o
envelope para ver se ainda está ali, pois já havia passado isso
para a Enfa Tandara. Estava. Um encaminhamento com data de
13/01/12, feito por uma médica de outra USF, mas de um paciente
da área de abrangência da USF estudada, com diagnóstico de
câncer de próstata, com cirurgia realizada há quatro meses,
apresentando dor. Pergunto para Sheilla: e daí? Sheilla me
responde que ela não vai fazer nada. Pesquisadora: eu vou
116
telefonar para o HUSM. Pego o encaminhamento telefono para
oncologia, me certifico que o paciente não está vinculado ao
serviço, ou seja, ainda não foi atendido. O coordenador
Guimarães me pergunta o que está havendo, explico, ele diz: isso
que me deixa triste. Telefona para o celular do paciente, que
estava no encaminhamento, e passa a orientação que eu havia
recebido do HUSM. Minutos depois uma familiar vem até a USF
buscar o encaminhamento e a oriento: levar o encaminhamento
com cópia dos exames até a oncologia do HUSM que eles
agendarão a consulta. O pedido ficou três meses parado na USF,
com descrição da patologia, ou seja, o critério técnico poderia ser
avaliado, priorizado. Volto a falar com a Sheilla sobre isso e ela
me diz: Denise eu não vou fazer as tarefas dos outros, não posso
fazer tudo, isso é função das enfermeiras. Relata que quando ela
não está o Seu José e o Seu Guimarães fazem a maior confusão.
Exemplifica me mostrando um bloco de pedidos de Raios X que
haviam sido agendados nas férias dela e que não foram avisados
os pacientes. Ela nem sabe o que fará agora. (Diário de campo,
09/03/12).
Neste dia o sentimento, gerado pela pesquisa, foi de indignação,
perplexidade. Como a equipe não se envolve com os encaminhamentos, é
possível que um espere pelo outro e que ninguém faça. A questão é discutir como
o usuário fica nesse processo? A seguir apresentaremos o eixo temático que
dialoga com essa questão, sempre destacando a continuidade do cuidado ao
usuário na RAS de Santa Maria.
117
4.2.5 Usuário generalizado, desrespeitado
Este eixo temático procurará apresentar momento em que os usuários
tornam-se generalizados pela equipe, que desconsidera sua singularidade.
Presenciamos uma situação que há um entendimento de que todos são iguais,
gerando desresponsabilização.
[...] Vou até a recepção pegar uma folha de prontuário e vejo a
Enfa Fernanda atendendo uma senhora que queria trocar a
apresentação do antibiótico (ATB). Tratava-se de sua filha de 24
anos que havia consultado naquela manhã e recebeu a prescrição
ATB comprimidos e a mãe fala que precisa ser solução, pois a
filha não consegue deglutir o comprimido. O ATB é amoxacilina +
clavulanato 500mg 1 comp 8h/8h. A enfermeira primeiramente fala
que não pode trocar porque não sabe a dosagem equivalente da
solução. Digo baixinho para ela que isso não é problema, pois é
só dar 10 ml da solução de 250 mg. Ela então fala que precisa
pegar nova receita. A mãe diz: não pode me dar só um vidro,
amanhã eu venho pegar ficha de novo e troco a receita. Enfa
Fernanda: não posso fornecer ATB sem receita, amanha (pois na
quarta a tarde não tem atendimento e são 11h e não tem mais
nenhum médico na USF) a senhora vem e pega a medicação.
Pergunta o que a filha tem. A senhora responde que está com o
ouvido vazando. Digo baixinho para a Enfa Fernanda: tu vais
deixar ela mais 24 horas sem ATB, eu tenho filho, sei como é isso.
Uma acadêmica de enfermagem foi até a farmácia, encontrou a
medicação solicitada e está como frasco na mão. A Enfa
Fernanda concorda em fornecer e pede para a senhora voltar no
outro dia pegar a receita, pois vai ficar devendo. Depois que a
senhora sai a Enfa Fernanda diz: não posso me conformar que
uma pessoa de 24 anos não consegue engolir um comprimido!
118
Pesquisadora: conheço pessoas que não conseguem, fazer o
quê? (Diário de campo, 16/05/12)
(Reunião de equipe) ACS Jaqueline fala de outro caso de crianças
em situação de maus tratos e que o Conselho Tutelar deixo-as
com uma pessoa doente sem condições de ficar com as crianças.
Outra que a mãe a chamou de velha chata, que fica enchendo ela
para dar de mamar para o filho. [...] Algumas ACS falam que tinha
fazer anticoncepcional injetável em todas estas mulheres.
Pesquisadora: generalizar não é legal. ACS Sarah concorda
comigo. ACS Dani diz: se eu fosse presidenta decretava isso.
(Diário de campo, 30/05/12)
Algumas verbalizações da equipe sugerem o grau de desqualificação ao
qual o usuário é submetido.
Uma usuária chega ao balcão e pergunta: vai demorar muito para
a dentista atender? Sheilla: logo, logo. Depois que a usuária sai,
se volta para mim e diz: essa é “tam-tam”. (Diário de campo,
12/03/12)
Após uma consulta de enfermagem para prevenção de câncer de
colo uterino e mama, na qual a senhora fez várias perguntas e
falou de vários dos seus problemas, Enfa Fernanda diz: mas essa
paciente é hipocondríaca. Pesquisadora: [...] acho que ela merecia
um PTS. Ver psicóloga, algum acompanhamento maior. (Diário de
campo, 23/03/12)
A ACS Jaqueline em sua entrevista exemplifica que está faltando à equipe
um olhar singularizado.
119
Olha, vou te contar, tem uma senhora na minha área que ela
inventou tudo que foi doença, ela foi em tudo, ela foi em
angiologista, ela foi no cardiologista, ela foi no neurologista, ela foi
no da tireóide, agora ela quer um otorrino [...]. É porque ela não
tem uma ocupação. É isso que vejo que o posto falha, é que eles
não oferecem nada, o PSF não oferece nada, não oferecem um
grupo, não oferece uma recreação, não oferece nada para esse
tipo de pessoa, [...] eu me preocupo com ela, ela é viúva, ela ficou
viúva bem nova, ela não faz nada na vida dela, [...] E eu me
preocupa assim, se aqui o PSF, fizesse algum grupo. Alguma
coisa, mas não tem, não tem uma estrutura [...]. (entrevista ACS
Jaqueline)
A questão é discutir a relação que existe entre a desquilificaçao do usuário
e a falta de singularização. Quando para a equipe o problema é que o usuário está
errado, ela não se mobiliza para resolver o caso.
(Intervalo de consulta médica) Entra Enfa Tandara e fala de uma
gestante que foi visitada pela ACS Andréia, está tonta, usa
captopril, hidroclorotiazida, obesa. Médica: paciente está aqui ou
em casa? Enfa Tandara: em casa, a Andréia está aqui.
Encaminho para o CO? É alto risco mesmo! Não veio na última
consulta, não fez o ultrassom. Médica: é daquelas? Enfa Tandara:
é. Falei para ela na última consulta que ela tinha muitos filhos, não
deste jeito, mas falei, ela disse: eu quero! [...] Mais tarde, Enfa
Tandara retorna ao consultório e diz: liguei para aquela gestante,
ela me disse que passou. Sugiro uma VD. Enfa Tandara diz: mas
ela também tem que vir, não veio na consulta. (Diário de campo,
15/03/12)
120
Comento que a caderneta de vacina está bem completa agora,
tem tudo. Enfa Tandara: só pena que não leem. Muito poucos
leem. (Diário de campo, 03/04/12)
Enfa Fernanda comenta que cinco crianças faltaram à consulta do
(nome do pediatra), como precisam né? Enfa Tandara reforça:
como precisam! (ironizando) (Diário de campo, 26/04/12)
Enfa Fernanda conta para Enfa Tandara de uma paciente da área
da ACS Natália, (nome da paciente) só veio em fevereiro e agora
queria mostrar os exames e consultar. Falei que não é bem assim,
tem que comparecer nas consultas. Pesquisadora: não é aquela
que a Natália disse que é usuária de drogas? Enfa Fernanda não
dá importância para o que falo. (Diário de campo, 26/04/12)
No caso acima, a ACS, em outro momento, revelou preocupação com essa
gestante, pois ela não estava conseguindo vir a USF devido ao seu ritmo de vida.
Quando a gestante vai até a USF, a preocupação das enfermeiras é submetê-la
às rotinas, sem considerar sua história de vida. A expectativa da equipe é que os
usuários sejam todos iguais: tenham poucos filhos, quando tiverem, compareçam
às consultas, leiam tudo o que os serviços de saúde oferecem.
(Consulta médica) Senhor: minha consulta hoje é rapidinha. Tive
infarto há um ano. Minha pressão está muito baixa, deu 60/40,
depois ela viu de novo e deu 70/40. Vim caminhando até aqui, não
deu 5 min e ela verificou, imagina se estou quieto, paradinho. Md:
tu tomas remédio para pressão alta? Senhor: enalapril, (médica o
interrompe) Md: tem que diminuir os remédios. Senhor: tomo um
horror de remédio. [...] Md: quando vai de novo lá? No
cardiologista? Senhor diz que vai de 2 em 2 meses. Md: vou te dar
uma carteirinha, tu vais medir várias vezes, tu vais levar para ele.
121
Senhor fica em silêncio, depois fala da mãe que também tinha a
mesma coisa. Md olha exames, diz que EPF 3 amostras não deu
nada. Pergunta quando foi a última vez que fez hemograma?
Senhor: Faz um ano. Volta a dizer que toma um horror de
remédios. Md: os remédios estão garantindo tua vida, se quer
estar vivo não é demais, pensa por este ângulo. Senhor conta os
medicamentos que está tomando e diz que não está reclamando.
Md insiste: o que te custa tomar. Eu também tomo de manhã óleo
de coco, óleo linoleico, colágeno, de meio dia tomo (cita todos
novamente), de noite tomo (cita todos novamente) e eu estou
reclamado? Não, se são para minha saúde eu tenho que tomar.
Senhor diz que estomago dói se não toma o omeprazol, levanta e
pergunta: então quando eu tiver as pressões eu trago aqui? Md:
não, tu levas para o teu cardiologista. Eu não tenho segurança
para mexer na tua medicação. Afirma que sua alteração sem
conhecimento do quadro total poderá comprometer a parte
arterial.
Médica
não
orientou
nenhum
caminho
para
o
cardiologista, não forneceu encaminhamento. (Diário de campo,
01/03/12).
Comparar um tratamento pós-infarto a um estético, em nossa opinião, é
ironizar a ignorância do usuário. Ao contrário, se a médica usasse do seu saber
fazer para esclarecer os benefícios trazidos pela medicação prescrita pelo
cardiologista, aumentaria o grau de autonomia do usuário e o auxiliaria a manter o
tratamento.
Acompanhamos a Enfa Tandara na conversa com a Md Marianne
sobre a anemia persistente da gestante. Enfa Tandara: é uma
gestante, 32,5 semanas, desde o inicio anêmica, tem cansaço,
falta de ar. Tem um ultrassom com peso de 1622g, a altura uterina
está 26. Médica faz sinal de desaprovação. Diz: depois nasce um
122
natimorto. [...] Enfa Tandara: ela diz que fuma de brincadeirinha.
[...] Md: Fuma de brincadeirinha (ironizando). Pesquisadora
(tínhamos acompanhado a consulta de enfermagem): ela falou
frescura não é Enfa Tandara? Enfa Tandara: sim. Pesquisadora:
foi quando tu perguntaste o que ela comia, ela diz que come
frescuras, bobagens. Enfa Tandara: ah, então era isso. (Diário de
campo, 26/03/12).
No final do turno observamos as enfermeiras comentando o caso. Dizem
que a gestante já havia tratado verminose e VDLR durante a gestação, que
somente agora havia negativado, e que a maior preocupação era essa. Enfermeira
Fernanda fala que desde a primeira consulta orientou-a que o sulfato ferroso é
para ser tomado com suco e “ela se faz de desentendida” ao que a outra
enfermeira concorda.
Em entrevista a ACS Jaqueline verbaliza o que está
faltando à equipe.
Pesquisadora: os nossos profissionais de saúde, aqui dentro da
ESF, o que podiam fazer de diferente para ajudar nesse
caminhar? ACS Jaqueline: (silêncio) Bom, essas coisas que me
deixam bem confusa, porque tu tens que em primeiro lugar tem
que conhecer a realidade das pessoas, conhecimento assim aqui
dentro do posto é difícil. (entrevista ACS Jaqueline)
Em alguns momentos o usuário também é submetido a um juízo de valor.
Consideramos que isso impede o acolhimento pela equipe, pois quando a questão
moral não está em jogo, a mesma pessoa da equipe acolhe.
(Na recepção, 15h) Chega uma mãe cujo filho estava com febre e
vômito desde manhã. A Enfa Fernanda fala que a médica não
atende mais que as 15 fichas e que nem adianta insistir. Afirma
também que é desleixo da mãe, tem o dia todo para fazer algo
123
para a criança melhorar e só agora, 15h, aparece na USF.
Pesquisadora sugere consulta de enfermagem ou encaminhar
para PA. Enfa Fernanda não me responde e sai. A mãe também
vai embora. (Diário de campo, 19/04/12)
Eram 16h10min e as consultas com um dos médicos clínicos
ainda não haviam terminado. Chega um rapaz, pergunta sobre
atendimento médico. Enfa Fernanda: o que houve contigo?
Rapaz: enfiei um prego no meu pé há 20 dias. Enfa Fernanda:
qual tua agente comunitária? Rapaz: é que não moro aqui, só
trabalho, tomei este remédio (cefalexina) e a médica lá cortou,
mas acho que cortou pouco, agora tem uma bola e dói muito.
Pesquisadora: e a antitetânica? Rapaz: estou fazendo, me
disseram para fazer. Enfa Fernanda: ah, tu estás fazendo todas,
Carolina (técnica) leva ele para o curativo já vou lá. Chegamos à
sala
de
curativo,
Técnica
de
enfermagem
Carolina
está
examinando o pé e diz: tem uma bola dura aqui, parece
que...como a gente diz? Enfa Fernanda: sai pus? Técnica Carolina
aperta um pouco e diz: sai sim. Rapaz: a médica cortou muito
pouco, acho que ainda ficou coisa lá dentro. Pesquisadora: deve
ter ficado um corpo estranho e o organismo está reagindo, e
encapsulou. Técnica Carolina: isso, isso que eu queria dizer. Enfa
Fernanda: tu vens amanhã de manhã e pega uma consulta para
médico, tem que chegar 7h30min. Começa às 8h, mas sempre
tem fila, mas amanhã tem dois médicos, tu vais conseguir. (Diário
de campo, 29/03/12).
Neste caso, o usuário morava fora da área de abrangência, já havia
extrapolado o horário de atendimento da USF e mesmo assim a enfermeira e a
técnica atenderam e deram uma resposta ao caso.
124
(Consulta médica) Entra a paciente acompanhada do marido,
médica fala: diga? Senhora: exames nossos...Md: são check-up
os dois? Sra: sim. Olhando os exames Md diz: tu estás com um
pouco de anemia. Sra: anemia (risos). Md: glicose, colesterol,
triglicerídeos estão bons, tireoide funciona bem, urina está bom, o
resto está bom. Prescreve em silêncio, depois diz: tu vais tomar
por três meses um comprimido longe das refeições. Sra: mas
como posso estar fraca com todo este tamanho? Md: gordura não
é saúde, ao contrário, é doença. Como é tua alimentação? Come
muita massa, batata, tens que comer frutas, verduras, carne, leite.
Sra: mas é isso que eu como, não como muita massa. [...]
usuários saem. Médica diz: não posso acreditar que ela come o
que diz que come, anêmica, sobre peso e não gosta de massa?
Isso é resultado de calorias vazias. (Diário de campo, 15/03/12).
A médica não acredita na usuária, mais uma vez ocorre a desconsideração
da história de vida, outras possibilidades de alimentação que estejam
determinando o sobre peso e a anemia não são trabalhados. O padrão de
relacionamento da equipe para com os usuários que não se encaixam nos
“normais” é sugestivo de que não possibilite a participação destes nas decisões
sobre a proposta terapêutica, desencadeando processos de submissão, de
abandono do tratamento e de fragmentação do cuidado.
125
Ninguéns (Pense de novo)
Ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e
mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais
da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
(Texto de Eduardo Galeano)
126
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO
(...) pode vir a suceder que nós,
criaturas humanas que nos pusemos a
agir como habitantes do universo,
jamais cheguemos a compreender, isto
é, a pensar e falar sobre aquilo que, no
entanto, somos capazes de fazer.
(ARENDT, 2001, p.11)
Para realizar a análise e discussão dos dados optamos por destacar temas
que permearam os eixos temáticos dos resultados. Assim, agrupamos em itens
assuntos transversais que surgiram nos dados. Precisamos, no entanto,
esclarecer que a discussão apresentada nessa tese não encerra todos os temas
levantados nos resultados. Outras construções são possíveis e farão parte da
linha de pesquisa da pesquisadora.
Antes de iniciar a apresentação dos eixos de discussão, gostaríamos de
apontar que alguns aspectos que emergiram na pesquisa, como a questão do
modelo tecnoassistencial, no que tange a dicotomia do cuidado e o papel do
enfermeiro, foram encontrados também na pesquisa acadêmica de mestrado
(SCHIMITH, 2002). Podemos afirmar que o desafio continua mesmo passado 10
anos.
5.1 O que aprender com o processo de implantação da ESF em Santa Maria?
Analisar o processo de implantação da ESF em Santa Maria remete a
necessidade de aprendermos com ele. Acreditamos que deixar a história falar já é
uma forma de utilizar o contexto local, de Santa Maria, para que não se repitam
equívocos e apostas que já se sabem pouco eficientes e eficazes. Precisamos
reativar a memória para que não se percam os aprendizados; torna-las “pública”
no sentido dado por Hannad Arendt, “que tudo o que vem a público pode ser visto
e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência –
aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos – constitui a realidade”
(ARENDT, 2001, p. 59).
127
Constatamos que a primeira gestão da ESF em Santa Maria fez uma
opção por um modelo, com projeto pensado e estudado, sabia onde queria
chegar. Isso desencadeou todo o envolvimento dos trabalhadores e da gestão,
inclusive do executivo, determinando um movimento exuberante, como relatado
nas entrevistas. Entre as características do modelo escolhido pela gestão estava a
participação ativa de todos os atores envolvidos, para tanto, baseou-se no
dispositivo da cogestão. Essa proposta de gestão pressupõe a participação ativa
dos trabalhadores, gestores e usuários, inclui o modo de pensar e fazer coletivos,
evitando excessos corporativos. Para que aconteça a gestão participativa, o
Ministério da Saúde propõe a criação de espaços nos quais as decisões são
tomadas, os colegiados gestores (CAMPOS, 1998, BRASIL, 2004). Mais do que
elencar aqui os elementos deste dispositivo, queremos destacar que se embasa
na máxima de que a “transformação radical não pode ter, na liderança, homens do
quefazer e, nas massas oprimidas, homens reduzidos ao puro fazer”,
esclarecendo que o quefazer envolve teoria e prática, ação e reflexão, transformar
o mundo (FREIRE, 1987, p. 70).
Mesmo a primeira gestão tendo elegido a cogestão como um dispositivo,
não identificamos nos discursos, a instituição dos colegiados, isso pode explicar
algumas falas que apontaram para a falta de diálogo. A cogestão aconteceu
associada à educação permanente, ou seja, as equipes participaram ativamente
de seu processo educativo, definindo seu processo de trabalho com a participação
da comunidade. A educação permanente (EP) prevê a inclusão do cotidiano no
aperfeiçoamento que deve ser técnico, social, crítico, ativo e político. Representa
uma inovação, que para impactar na qualidade dos serviços de saúde, deve
“incidir sobre o seu cotidiano, os processos de trabalho, as relações entre os
trabalhadores das equipes que prestam os serviços, e destes com os usuários”
(FRANCO, CHAGAS, FRANCO, 2012, p. 46). Todavia, todo o investimento
realizado por esta gestão foi com trabalhadores sem concurso público e
apostando na ESF separadamente da AB, deixando claro a dicotomia ESF e AB,
comprometendo a proposta de reorganização deste nível de atenção, o que
postergou, até o presente tal objetivo.
128
A característica do processo desencadeado na implantação da ESF não
perdurou por todo o governo. Vimos a atuação do MPT exigindo a demissão dos
trabalhadores com contrato terceirizados, mas não conseguiu evitar os contratos
emergenciais que foram renovados, na nossa opinião, mais do que deveriam. Os
últimos dois anos da primeira gestão da ESF a precarização do trabalho
determinou um desinvestimento, tanto na gestão, quanto nos trabalhadores. E o
concurso público das equipes, com exceção dos ACS, não foi realizado. Esse
resultado converge para o encontrado na região do nordeste brasileiro, na qual a
desprecarização do trabalho foi apontada como desafio (ROCHA et al., 2008).
É inegável a presença marcante da comunidade e dos trabalhadores na
primeira gestão da ESF, caracterizando uma gestão participativa, sem, no entanto,
envolver algumas corporações. Podemos analisar que, enquanto estava
acontecendo, a gestão participativa ou não foi valorizada e reconhecida ou foi
limitada, sem abranger todos os envolvidos. No entanto, após a ausência de
possiblidade de participação foi sentida sua importância, como relatam os
entrevistados. Lembrando que “o significado das relações cotidianas revela-se não
na vida do dia-a-dia, mas em feitos raros, tal como a importância de um período
histórico é percebida somente nos poucos eventos que o iluminam” (ARENDT,
2001, p. 52).
A segunda gestão optou pela não realização imediata do concurso,
fragilizando ainda mais o trabalho nas equipes. Destacamos que essa gestão
desencadeia outra dicotomia entre os trabalhadores de saúde, agora AB e PA,
contrariando os princípios do SUS e do trabalho em rede, pois a defesa da
complementariedade é condição para avançarmos na garantia da integralidade
(CHIESA, FRACOLLI, BARBOSA, 2007). Os entrevistados e os materiais do CMS
revelam que a nova gestão instala na SMS um modo de gerir que envolve
cobrança,
partidarismo,
desconhecimento
e
abandono,
não
prima
pela
participação da população nas conferências e não respeita o CMS. Mais uma vez,
os feitos históricos também não permitiram a restruturação da AB. As
consequências disso, para a população das áreas de cobertura da ESF e para as
equipes, mesmo não sendo foco da pesquisa, surgiram nas falas dos gestores
129
entrevistados e também é possível identificar na equipe estudada. Apontamos
como desafios para essa gestão, que foi reeleita, alguns fatores que implicam na
governabilidade da saúde, dentre eles destacamos o reconhecimento do controle
social, a mobilização dos trabalhadores de saúde na defesa do SUS e uma
proposta concreta para a pasta da saúde no município. Acreditamos que a opção
política de fortalecimento de outras portas do sistema, como o PA, tidas como
populistas, ou atenção primária para pobres (CAMPOS, 2008), contradizem as
diretrizes do SUS que tem investido na organização a partir da AB (BRASIL 2010,
2011a, 2011b).
O atendimento em PA, sem desconsiderar sua importância na RAS,
caracteriza-se pela atenção ao quadro agudo, sem vínculo, baseado na queixaconduta. Já quando a RAS possui a AB como porta de entrada é possível avaliar o
quanto a RAS está respondendo ao imperativo de ser adequada para “evitar,
minimizar ou mesmo interromper a evolução de um processo saúde-doença”,
promovendo e mantendo a saúde, garantindo “diagnóstico e tratamento oportuno
em tempo e com a tecnologia disponível na porta de entrada do sistema, tenha
sido adequadamente complementado na rede de serviços de saúde” (TANAKA,
2011, p 933, grifo nosso).
Outro aspecto que emergiu dos dados é a postura dos trabalhadores de
saúde de Santa Maria. Por um lado, justificado pela forma como foram tratados
pela gestão, diferenciando UBS de USF e mais recentemente AB de PA.
Precisamos reconhecer que a falta de atitude dos trabalhadores de saúde de
Santa Maria no sentido que foi revelada na pesquisa é uma força social e política
que está fazendo acontecer. O fato de não se posicionar, de não ter a defesa do
SUS, favorece que a cada governo tudo se reinicie, fragiliza a categoria e
representa um projeto. A mudança necessária aqui é usar a potência existente no
grupo e transformar a realidade a partir de uma ferramenta que utilize a pedagogia
da implicação, proporcionar momentos que facilite ao grupo a interrogação do seu
processo de trabalho, mediados por uma proposta clara da integralidade do
cuidado (MERHY, 2005), pois apenas o sujeito implicado pode ser o sujeito da
mudança (FRANCO, CHAGAS, FRANCO, 2012, p. 12).
130
Convergindo para esta análise, podemos dizer que
“a soberania de um grupo de pessoas cuja união é mantida, não
por uma vontade idêntica que, por um passe de mágica, as
inspirasse a todas, mas por um propósito com o qual concordaram
e somente em relação ao qual as promessas são válidas e têm o
poder de obrigar, fica bem clara por sua inconteste superioridade
em relação à soberania daqueles que são inteiramente livres,
isentos de quaisquer promessas e desobrigados de quaisquer
propósitos” (ARENDT, 2001, p. 256-257).
Implicados e fortalecidos os trabalhadores da AB de Santa Maria precisam
definir qual a perspectiva de AB que se filiam. Quem trabalha no SUS precisa
disputar uma cesta ampla de ações, favorecendo o atendimento das necessidades
de saúde da população, sendo complementada pela RAS. Sabemos, entretanto,
que o rumo que a construção tomará está diretamente relacionado às várias
forças políticas e ao momento histórico de cada local (GIOVANELLA, 2008), e
também com as promessas e propósitos que o grupo de trabalhadores
assumirem.
É perceptível que em cada instância tem uma gama de atores que
precisam estar envolvidos: na gestão municipal, gestores, trabalhadores da saúde,
governo; nas universidades, professores, graduandos, pós-graduandos, gestores;
na comunidade, líderes comunitários, cidadãos, usuários dos serviços; conselho
municipal de saúde. Reconhecemos que há disputas de projetos e que estes são
quem definem a complexidade da produção social (CONILL, 2008), mas
precisamos que eles se apresentem para a luta e que a possibilidade de diálogo
seja construída sempre.
Uma proposta que facilita estes diálogos, aproxima e integra os diferentes
segmentos e amplia as discussões são os colegiados de gestão nos territórios.
Podemos citar o município de Volta Redonda, Rio de janeiro, como uma
experiência exitosa neste aspecto (OLIVEIRA et al., 2012). Acreditamos que a
gestão colegiada favorece a construção de um espaço na organização municipal
que incentiva os servidores “a agirem tecnicamente como facilitadores na criação
131
de alternativas de ações inovadoras, visando à melhoria na qualidade do serviço
prestado” (DUARTE SILVA et al, 2012, p. 342-3).
O processo da ESF de Santa Maria revela que em cada troca de governo
tudo inicia novamente. Aqui foram elencados alguns aspectos do contexto da ESF
em Santa Maria que são ricos de aprendizados. A questão da gestão do trabalho e
as escolhas (ou ausência delas) na gestão da saúde aparecem como fragilidades
da ESF no município, e são seus principais obstáculos.
5.2 Barreiras à continuidade do cuidado
Este eixo temático de discussão pretende debater os principais entraves da
continuidade do cuidado encontrados na pesquisa, lembrando que “o acesso aos
serviços de saúde é um pré-requisito para a continuidade do cuidado e que a
coordenação do cuidado é um agente facilitador” (CUNHA, GIOVANELLA, 2011,
p. 1031).
Observamos que há filas no início da manhã, consideradas pela equipe
como demanda exagerada, que são consideradas barreiras à acessibilidade.
Segundo Starfield (2002, p. 219), “a acessibilidade possibilita que as pessoas
cheguem aos serviços. Ou seja, este é um aspecto da estrutura de um sistema ou
unidade de saúde e este aspecto é necessário para se atingir a atenção ao
primeiro contato”. A autora também esclarece que a acessibilidade não é uma
característica apenas da AB, pois todos os níveis de serviços devem estar
acessíveis. No entanto, a AB sendo considerada no Brasil a porta de entrada
principal dos serviços, e a ESF como modelo preferencial para este nível de
atenção, a acessibilidade possui requisitos específicos, considerada o elemento
estrutural necessário. “Para oferecê-la, o local de atendimento deve ser facilmente
acessível e disponível; se não, a atenção será postergada, talvez a ponto de afetar
adversamente o diagnóstico e manejo do problema” (STARFIELD, 2002, p. 225226).
Verificamos a postergação da atenção na falta de resolubilidade dos
problemas de saúde trazidos principalmente pelas ACS. Essas trabalhadoras
132
referiram que quando a equipe não se mobiliza para resolver o problema, o caso
acaba necessitando de um serviço de alta densidade tecnológica. Entendemos
que isso pode ser traduzido como falha na acessibilidade. Estas mesmas ACS já
vivenciaram realidades diversas com outras equipes, quando em conjunto
procuravam conhecer o contexto da população e as relações sociais nele
estabelecidas. Em outra pesquisa realizada na mesma USF, com a equipe inicial
da ESF de Santa Maria, essa reconhecia que apenas suas ações, isoladas, não
seriam eficazes na solução de problema complexos. Outros serviços, capazes de
agregar mais elementos para o cuidado demandado, eram procurados. As ACS,
possivelmente, ao referirem que um dia foi diferente, lembram que os
trabalhadores da ESF formavam “uma estrutura de ações conjuntas, procurando
atuar a partir de diversas frentes, de maneira a problematizar também o contexto
no qual os usuários estavam inseridos, potencializando a eficácia de suas ações”
(MATTIONI, BUDÓ, SCHIMITH, 2011, p. 266).
A presente pesquisa tem foco na construção da continuidade do cuidado, e
aposta na RAS para garantir a integralidade da atenção, a partir da AB que está
mais direcionada à universalidade do sistema de saúde (TANAKA, 2011). As
barreiras
apontadas na
pesquisa
remetem-nos a
afirmar
que
tanto a
universalidade quanto a integralidade do SUS estão prejudicadas.
Os dados revelaram também que não há priorização de registros no
prontuário e no Siab. Podemos afirmar que são barreiras relacionadas à
acessibilidade organizacional, compreendida como “obstáculos que se originam
nos modos de organização dos recursos de assistência à saúde” (FEKETE, 1997,
p.7). O conceito de “utilização dos serviços de saúde” auxilia a analisar o
componente relacional que existe nesta classificação de acessibilidade. Pode ser
entendido como “resultante da interação do comportamento do indivíduo que
procura cuidados e do profissional que o conduz dentro do sistema de saúde”.
Portanto, o comportamento do usuário é “geralmente responsável pelo primeiro
contato com os serviços de saúde”, e os trabalhadores de saúde são
“responsáveis pelos contatos subsequentes” (TRAVASSOS, MARTINS, 2004, p.
133
190). Reforçamos, assim, a implicação necessária dos trabalhadores da ESF para
a continuidade do cuidado.
A acessibilidade organizacional pode estar na entrada ou no interior da
Unidade de Saúde (FEKETE, 1997). Na recepção da USF estudada podemos
indicar que ocorre falta de padronização de atendimento o que gera dificuldade de
acessibilidade para alguns usuários. No interior da USF, identificamos que o
usuário não é singularizado no seu problema; também, formulários de
encaminhamentos perdidos, gerando atraso na consulta; e ainda, a equipe não
conhece os fluxos da RAS de Santa Maria, são fatores que interferem na
assistência ao usuário dentro da USF. Esta observação implica dizer que os
obstáculos não se limitam ao contato inicial com a USF, mas podem seguir-se
dentro dela e nos demais níveis do sistema.
Retomando a não priorização dos registros, acrescentamos que, além de
não favorecer ao planejamento local (ELIA, NASCIMENTO, 2011), não possibilita
a continuidade informacional, no que tange ao “desenvolvimento e/ou implantação
de novas tecnologias de informação por parte da gestão municipal”. As etapas de
registro,
processamento
e
disponibilização
das
informações
em
saúde,
possibilitada pelos instrumentos citados, somente são suficientes e confiáveis se
houver responsabilidade dos trabalhadores, “posto que a fonte do dado é quase
sempre o paciente em seu contato com a equipe de saúde” (CUNHA,
GIONANELLA, 2011, p. 1039).
Ainda sobre as barreiras na continuidade do cuidado, chama atenção o
pedido da equipe para as ACS orientarem os usuários a não procurarem o PS do
HUSM para tratamento de agravos passíveis de intervenção na USF. Significa
dizer que a USF, nestes casos, não é reconhecida como primeira porta de
entrada, e remete-nos a afirmar que esse serviço não se constitui como fonte
regular de cuidados para alguns usuários da população adstrita, ou seja, a
utilização da unidade é considerada como simples restrição de opções. A questão
de fundo parece-nos ser a construção de vínculo, que possibilita a criação de
“uma relação pessoal estreita e duradoura entre o profissional de saúde e o
usuário”, “facilitando a continuidade do tratamento, e, consequentemente, evitando
134
consultas e internações desnecessárias” (OLIVEIRA et al, 2012, p. 305). Ou seja,
a falta de vínculo e o não reconhecimento da USF como primeiro contato “poderia
implicar a não adesão às recomendações terapêuticas” (CUNHA, GIONVANELLA,
2011, p. 1038). A associação destes componentes pode nos auxiliar a
compreender o absenteísmo nas consultas com especialistas. Precisamos lembrar
que a equipe está atuando há pouco tempo, e esse é um fator importante para
construção do vínculo.
Estudos internacionais corroboram com a necessidade da continuidade do
cuidado, indicam que é tão benéfico para o usuário quanto para o sistema de
saúde (CHENG, HOU, CHEN ,2011). E apontam que identificar lacunas pode
ajudar
a
buscar
melhoras
nos
mecanismos
utilizados
(ROULEAU,
FELDMAN, PARENT, 2009).
Os trabalhadores ainda indicaram a oferta insuficiente de atenção
especializada e o desafio da interação entre a AB e especialistas, convergindo
com outra pesquisa (GIOVANELLA et al., 2009). As autoras defendem a
superação da hierarquização e do isolamento entre AB e atenção especializada.
Para avançarmos na construção da RAS de Santa Maria faz necessário
objetivar alguns elementos revelados nesta pesquisa. A complementariedade da
rede, na qual “cada nó (serviço de saúde) deve ser capaz de ofertar a densidade
tecnológica necessária para cumprir suas funções específicas” (TANAKA, 2011), é
um deles, superando a fragmentação entre os serviços e potencializando a AB
como centro ordenador e integrador das redes (GIOVANELLA et al., 2009).
Destacar a construção de redes micropolíticas (FRANCO, 2006) que
germinaram durante a coleta de dados é um ponto positivo que precisa ser
valorizado, por exemplo, o projeto da RMPISPS e as articulações da USF com o
CT. Pensar a AB como ordenadora da RAS remete-nos a esclarecer que a saúde
não pode ficar isolada, a intersetorialidade é imprescindível para a resolução de
casos complexos, como vimos nos resultados. Esse assunto não será abarcado
neste momento, mas cabe dizer, que defendemos a construção de múltiplas redes
com a inclusão de diversos serviços, tanto intrasetor quanto intersetor, como
assistência social, justiça, educação, cultura e trabalho (TANAKA, 2011).
135
Essa pesquisa não se constituiu como uma proposta de avaliação da ESF e
tampouco de avaliação de efetividade da rede, porém foi possível identificar
alguns fatores que atravessam a movimentação do usuário na RAS de Santa
Maria, discutidos a seguir, que compõe aspectos da avaliação (TANAKA, 2011).
Queremos destacar que a complexidade apontada na pesquisa precisa fugir
da armadilha que leva ao modelo do dano, que significa ter a capacidade de
explicar o que e porque não é possível enfrentar obstáculos quando surgem
(VALENTINI, 2001), e apostar na recuperação da esperança, tornando-a mais
ativa e mais ambígua. Para Santos (2009, p. 36), a esperança reside na
“possibilidade de criar campos de experimentação social onde seja possível
resistir localmente às evidências da inevitabilidade, promovendo com êxito
alternativas que parecem utópicas em todos os tempos e lugares”. Complementa
afirmando que
“é esse o realismo utópico que preside às iniciativas dos grupos
oprimidos que, num mundo onde parece ter desaparecido a
alternativa, vão construindo, um pouco por toda parte, alternativas
locais para tornarem possíveis uma vida digna e decente”.
Essas alternativas, mesmo que tímidas, foram registradas na pesquisa.
5.3 Gestão do trabalho: implicações para a continuidade do cuidado
Vimos nos resultados apresentados nos eixos temáticos que o modo de
organizar e coordenar o processo de trabalho da equipe estudada influencia na
continuidade do cuidado. Uma interligação de fatores pode estar conectada de
forma cíclica, ou seja, condicionando e determinando uns aos outros.
A coordenação da unidade e da SMS, com as características revelados na
pesquisa, tratando problemas graves com críticas rasas e sem aprofundamento,
pode estar produzindo uma equipe que não se responsabiliza por algumas
questões (que ficam com o comando do coordenador). A retroalimentação disso
se dá no reforço do autoritarismo do coordenador. Ainda, as ACS sentem-se sem
136
respaldo da equipe e esta, por sua vez, sente-se abandonada pela gestão. Uma
verdadeira roda viva.
Não é recente a discussão teórica de que o modo de gerir o trabalho em
saúde necessita descobrir múltiplas combinações de forças da autonomia e da
responsabilidade no trabalho, reconhecendo o paradoxal antagonismo entre elas
(CAMPOS, 1997). A proposta parte da constatação que o trabalhador precisa ter
liberdade, mas para o trabalho ter eficácia e eficiência é imprescindível que tenha
também a capacidade de se responsabilizar pelos problemas dos outros. Para
definir os ângulos de transversalidades destas diretrizes, o autor propõe que
sejam usados três critérios balizadores das combinações. O primeiro deles seria a
capacidade de produzir saúde que, no caso da ESF, está explicito em seus
objetivos (BRASIL, 2010), mas sabemos que a transformação de objetivos em
prática, não se dá por normas e sim no cotidiano do trabalho (FRANCO, CHAGAS,
FRANCO, 2012), visível nos resultados desta pesquisa. Neste caso, seria
“omissão condenável não apontar caminhos alternativos de mudança” (CAMPOS,
1997, p. 233).
O segundo critério seria a viabilidade técnica, financeira e política da
proposta, discutida em outros trabalhos (BORGES, BAPTISTA, 2010) e o último, a
realização profissional e financeira dos trabalhadores. A realização profissional
passa pela aproximação do trabalhador à Obra, conceituada por Campos (1997,
p.235) como o reconhecimento do resultado do trabalho, tanto pelo trabalhador
quanto pelo usuário e sociedade. O respeito público, que torna mais satisfatório o
trabalho, seria o resultado de reaproximar o trabalhador de sua Obra,
principalmente,
com
“liberdade
criadora
e
a
delegação
ampliada
de
responsabilidade aos profissionais”. No que tange a questão clínica, o vínculo
entre profissional e paciente seria imprescindível.
Trazemos aqui o conceito de vínculo longitudinal, elaborado por Cunha,
Giovanella (2011, p. 1038), como a relação terapêutica estabelecida entre
trabalhador e usuário da equipe, na qual há o reconhecimento e utilização da UBS
como fonte regular de cuidado ao longo do tempo. Para tanto, algumas condições
são necessárias para que se estabeleça, por exemplo, a questão do vínculo
137
empregatício, trabalhado acima. Outra condição é a ascensão do usuário ao
status de sujeito, pois como diz Campos (1997), o vínculo só é possível entre dois
sujeitos, esse tópico será tratado adiante.
Nesta perspectiva, foi possível identificar na USF estudada que o vínculo se
estabelece de forma intencional, com alguns sim, com outros não. E que os
trabalhadores, por vezes, também não são reconhecidos como sujeitos. Em outra
pesquisa, as autoras revelaram que para os usuários a ESF ora acolhe, vincula,
ora não (NERY et al, 2011), indicando convergência dos resultados. Evidenciamos
com isso, que esse tema permanece como desafio da gestão da ESF.
Retomando, então, a gestão na saúde na AB, que pretenda gerar o
resultado de produzir saúde, precisa pautar o tema da autonomia e
responsabilidade do profissional, aproximando-o de sua Obra, favorecendo a
construção de vínculo longitudinal. Portanto, a baixa responsabilização e
autonomia da equipe com seu processo de trabalho, somada a falta de estrutura
das USF de Santa Maria, como por exemplo, a ausência de trabalhador específico
para a recepção e equipe com pouco conhecimento sobre a RAS, podem estar
gerando iniquidades aos usuários da área de abrangência.
Cabe ressaltar que autonomia do trabalhador pressupõe liberdade, não no
sentido de independência do ser humano, mas ao contrário, podemos pensar na
acepção de que para o ser humano ter liberdade, a consequência é de que “não
pode contar consigo mesmo nem ter fé absoluta em si próprio (e as duas coisas
são uma só)” (ARENDT, 2001, p.256). Podemos dizer, então, que para se ter
autonomia é necessário contar com os outros, nas palavras de Arendt, pela alegria
de conviver em grupo, “num mundo cuja realidade é assegurada a cada um pela
presença de todos”.
Outro desafio para a gestão do trabalho, que foi revelado na pesquisa, é
que a equipe simplifica assuntos como a ausência de acolhimento na USF que
gera procura no HUSM, transformando isso em cobranças para as ACS, que
repassam para a população. O não enfrentamento da complexidade gera a
transferência de responsabilidade, e vice versa, o repasse se responsabilidade
para alguém que não pode ser o único sujeito da ação, não permite o
138
enfrentamento da complexidade. Neste sentido, Bauman nos diz que “quando a
complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está
mais à mão como sendo causa das incertezas e ansiedades modernas”
(BAUMAN, 2003, p.4).
Analisar a simplificação que a equipe faz acerca da peregrinação do usuário
que busca em outro serviço de saúde a solução para seu problema, mesmo
morando na área de abrangência de uma ESF, no caso um serviço de PS, remetenos a inferir que a USF não está sendo reconhecida como fonte principal do seu
cuidado, discutida no item acima. Ainda podemos analisar que, ao simplificar,
encontrando um bode expiatório para o problema, a equipe se exime de constituirse como referência para as ACS, para os usuários e para a coordenação. Uma
das questões que podem estar interferindo nesse processo é que a equipe não
conhece a área de abrangência, por estar há pouco tempo trabalhando, mas
também por não assumir um pressuposto básico da ESF e da AB que é a
territorialização (BRASIL, 2011a). Não conhecendo o território, dificulta o
estabelecimento de vínculo com a comunidade, não possibilita o reconhecimento
dos determinantes do processo saúde-doença e da singularidade sócio histórica.
Com isso pode reduzir as práticas em saúde ao modelo tradicional e não
incorporar o paradigma da promoção e da participação da comunidade. Faz-se
necessário reconhecer
“às múltiplas forças e fluxos que perpassam os territórios e
interagem de forma diferenciada sobre eles, condicionando e
determinando novas formas de adoecer e de morrer que se
traduzem em graves e complexas repercussões a serem
resolvidas pelo SUS e pela sociedade” (SANTOS, RIGOTTO,
2011, p. 395).
Admitindo a historia da gestão da ESF em Santa Maria contada neste
trabalho, afirmamos que isso não depende exclusivamente da equipe, é premente
que se constitua como uma diretriz municipal da ESF com a criação de espaços
para que seja desenvolvida a capacitação das equipes e espaços no processo de
trabalho destas, para ser executado. A territorialização possibilita às equipes o
139
exercício da participação comunitária, porém ainda precisamos construir o
comprometimento com as escolhas realizadas em conjunto.
É importante trazer para a discussão, que para a equipe sentir-se realizada,
as ações propostas sejam assumidas pela comunidade, por exemplo, ao se
decidir efetuar grupos de promoção da saúde haverá uma redução de ofertas
clínicas na USF. Para realizar esse tipo de pactuação, é imprescindível que a
equipe exerça poder na USF. Nas palavras de Hannah Arendt (2001, p. 212):
“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se
divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são
brutais, quando as palavras não são empregadas para velar
intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados
para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades”.
A autora fala em “potencial de poder”, considerando que o poder não é uma
entidade imutável, “o poder passa a existir entre os homens quando eles agem
juntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam”. Segue dessa
afirmativa que o poder pode ser dividido, sem ser reduzido. A alternativa ao poder
é a força, que por sua vez não pode ser dividida, somente controlada e “superada
pelo potencial de poder da maioria”. A força pode destruir o poder, mas nunca
substitui-lo, “daí resulta a combinação política, nada incomum, de força e
impotência” (ARENDT, 2001, p.214). Tomando esses conceitos como base,
podemos afirmar que para produzir saúde precisamos construir o potencial de
poder da equipe, não como trabalhadores que trabalham lado a lado, mas
reconhecendo a presença do outro, na perspectiva da pluralidade humana.
Neste sentido, precisamos lembrar que a produção de saúde sendo um
“produto” da ação e do discurso, é “ainda menos duráveis e mais fúteis que o que
produzimos para o consumo. Sua realidade depende inteiramente da pluralidade
humana, da presença constante de outros que possam ver e ouvir e, portanto,
cuja existência possamos atestar” (ARENDT, 2001, p.106). Reforçamos assim, a
necessidade de agir em conjunto, com a participação de todos, incluindo a
comunidade. A consequência do reconhecimento à pluralidade, segundo Arendt
140
(2001, p. 256), é “a impossibilidade de permanecer como senhores únicos do que
fazem, de conhecerem as consequências de seus atos e de confiarem no futuro”.
A
transformação
da
realidade
depende
desta
integração
com
a
comunidade, pois Freire (1987, p. 14) nos indica que quando se é comprometido
com a libertação do ser humano, não se pode temer enfrentar, nem temer ouvir,
nem temer o desvelamento do mundo. O trabalhador de saúde comprometido com
a comunidade,
“Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele,
de que resulta o grande saber de ambos. Não se sente dono do
tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com
eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar.”
Na ausência de diálogos, pactos e, podemos dizer, confiança de uns nos
outros, surgem caminhos alternativos para possibilitar a continuidade do cuidado,
como por exemplo, a “via coordenador” para acessar a RAS de Santa Maria.
Interpretamos esse fato como o “jeitinho brasileiro” cunhado por DaMatta (2001),
que representa o modo que utilizamos para navegar socialmente no Brasil, diante
da regra ou lei que diz que diz “não pode”. Aqui notamos que entra em ação
quando o setor público falha, no caso a regulação, tornando a fila e a espera
impraticáveis. O interessante é que a equipe também lança mão desta via quando
avalia que a situação é urgente ou, poderíamos sugerir, quando se sensibiliza com
o caso, indicando que é necessário estratégias diferentes das disponíveis. Alguns
membros da equipe avaliam como “apadrinhagem” num sentido depreciativo,
principalmente quando isso não passou por sua decisão, quando é algo externo. O
que é feito e decidido pela equipe não entra nesta classificação.
O desafio que fica nesta situação é colocar o princípio da equidade em
ação, estabelecendo critérios transparentes e públicos para decidir as prioridades
que asseguram o acesso a RAS, como já acontece em alguns municípios
brasileiros. A disponibilidade das informações e ter transferência com elas
possibilita que a regulação e continuidade do cuidado aconteçam (GIOVANELLA
et al, 2009).
141
Tratando com transparência, o jeitinho brasileiro, poderia ser utilizado pelos
trabalhadores de saúde, de maneira implicada, para defender a integralidade da
atenção. Permitir a todos conhecer os critérios remete-nos à esfera pública, no
sentido dado por Arendt (2001, p. 60) quando diz que “a presença de outros que
veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e
de nós mesmos”. Com a segurança dada pela publicidade e pela implicação,
poderíamos definir os casos que chegariam primeiro, considerando questões
técnicas sim, mas também a subjetividade e a singularidade da cada sujeito, pois
“a singularidade de cada pessoa transcende a soma de suas qualidades”
(ARENDT, 2001, p. 222).
A transparência do jeitinho brasileiro para a condução de equidade pode ser
interpretada como a saída da obscuridade e entrada na esfera pública, precisa
estar exposta para que possa “adquirir alguma forma de existência”. Entretanto,
não podemos confundir com bondade, pois essa qualidade é exclusiva da esfera
privada, segundo Arendt (2001, p. 85). Para a autora, “no instante em que uma
boa obra se torna pública e conhecida, perde o seu caráter específico de bondade,
de não ter sido feita por outro motivo além do amor à bondade” (p.86). Para
explicar a razão disso, utiliza-se de Maquiavel, quem para ela, melhor percebeu as
qualidades destrutivas da bondade. Considera que tanto a maldade quanto a
bondade não podem tornar-se públicas porque
“a maldade que deixa seu esconderijo é impudente e destrói
diretamente o mundo comum; a bondade que sai do seu
esconderijo e assume papel público deixa de ser boa: torna-se
corrupta em seus próprios termos e levará essa corrupção para
onde quer que vá” (ARENDT, 2001, p. 88).
Traduzindo para a realidade estudada, podemos dizer que responsabilizarse pela necessidade de cada caso, prescinde do estabelecimento de critérios
definidos e construídos com a participação da população, publicamente. Do
contrário,
tornar-se-ia
favorecimento
de
uns
em
detrimento
de
outros,
contradizendo o próprio sentido da bondade. Portanto, não estamos falando de
bondade, mas de compromisso público com a produção de saúde e construção de
142
cidadania. Nas palavras de Freire (1987, p. 81) “a distribuição de benesses para
uns e de dureza para outros, são formas de dividir para manter a ordem que lhes
interessa”.
A dificuldade revelada nesta pesquisa para implementar este compromisso
seria a implicação da gestão e dos trabalhadores, o que representa um grande
desafio à gestão do trabalho. Ficou evidente que a equipe não assume o
compromisso com os encaminhamentos e também com os casos trazidos pelas
ACS, embora verbalize uma autocrítica. Por outro lado, o modo de agir do
coordenador da USF combina alguns elementos que, como já foi dito, não
colabora para essa implicação. É importante lembrar que nossa ação revela quem
somos e, ao mesmo tempo, não somos capazes de nos auto visualizarmos, ou
seja, os outros sabem quem somos por meio da observação de nossas ações,
mas nós mesmos não sabemos, de antemão, quem estamos revelando, como se
olhássemos por sobre nossos ombros (ARENDT, 2001).
Para explicar esse fenômeno da não responsabilização, Bauman (2001,
p.31) teoriza sobre os efeitos da pós-modernidade sentido na sociedade, que ele
chama de “sociedade da modernidade líquida”. Concorda com Giddens que diz
que “somos “seres reflexivos” que olhamos de perto cada movimento que
fazemos, que estamos raramente satisfeitos com seus resultados e sempre
prontos a corrigi-los”. O que Bauman acrescenta, que pode explicar a realidade
estudada, é que não alcançamos “os complexos mecanismos que conectam
nossos movimentos com seus resultados e com o que os determinam, e menos
ainda às condições que mantêm esses mecanismos em ação”.
O autor argumenta que a sociedade contemporânea é uma sociedade de
“indivíduos livres”, não deixou de ser crítica, mas deu “um sentido inteiramente
novo e inventou um modo de acomodar o pensamento e a ação críticas”,
aproximando a sociedade moderna do “padrão do acampamento”. Neste padrão:
“O lugar está aberto a quem quer que venha com seu trailer e
dinheiro suficiente para o aluguel; os hóspedes vem e vão; nenhum
deles presta muita atenção a como o lugar é gerido, desde que haja
espaço suficiente para estacionar o trailer, as tomadas elétricas e
143
encanamentos estejam em ordem e os donos dos trailers vizinhos
não façam muito barulho e mantenham baixo o som de suas TVs
portáteis e aparelhos de som depois de escurecer. Os motoristas
trazem para o acampamento suas próprias casas equipadas com
todos os aparelhos de que precisam para a estada, que em todo
caso pretendem que seja curta. Cada um tem seu próprio itinerário
e horário. O que os motoristas querem dos administradores do lugar
não é muito mais (mas tampouco menos) do que ser deixados à
vontade. Em troca, não pretendem desafiar a autoridade dos
administradores e pagam o aluguel no prazo. [...] Se se sentirem
prejudicados, podem reclamar e cobrar o que lhes é devido – mas
nunca lhes ocorreria questionar e negociar a filosofia administrativa
do lugar, e muito menos assumir a responsabilidade pelo
gerenciamento do mesmo.” (BAUMAN, 2001, p. 31-32)
Esse novo padrão de comportamento da sociedade líquida, ao contrário da
modernidade pesada/sólida/condensada/sistêmica, veio instituir uma “crítica ao
estilo consumidor”, em oposição a “critica ao estilo produtor” (p.33) que seguia o
“modelo da casa compartilhada” (p.32). O autor define os dois tipos de sociedade
e cita duas características que tornam a modernidade atual nova e diferente. A
primeira é que há um colapso na antiga ilusão moderna de que a sociedade, em
algum momento, será justa, boa e sem conflitos, que haverá “um fim no caminho
em que andamos”; “do completo domínio sobre o futuro – tão completo que põe
fim a toda a contingência, disputa, ambivalência e consequências imprevistas das
iniciativas humanas (p.37)”. A segunda característica é a “desregulamentação e a
privatização das tarefas e deveres modernizantes”. O que era considerado “uma
tarefa para a razão humana, foi fragmentado (“individualizado”)”. Essa realocação
do discurso foi da “sociedade justa” para o dos “direitos humanos”. Como
consequências tivemos um Estado mais leve, que se livrou de seus deveres
“emancipatórios”, ficando somente com o “dever de ceder a questão da
emancipação às camadas média e inferior”, a quem foi relegado todo o peso da
modernidade atual (p.38).
144
Destacamos
que
“a
“individualização”
consiste
em
transformar
a
“identidade” humana de um “dado” em uma “tarefa” e encarregar os atores da
responsabilidade de realizar essa tarefa e das consequências (assim como dos
efeitos colaterais) de sua realização” (BAUMAN, 2007, p.40). A concepção da
individualização na sociedade, e não difere da equipe da USF estudada, transfere
para o indivíduo a responsabilidade por tudo o que lhe acontece, mesmo que isso
seja produzido socialmente. Nas palavras do autor: “riscos e contradições
continuam a ser socialmente produzidos; são apenas o dever e a necessidade de
enfrentá-los que estão sendo individualizados” (p.43). Considera que não temos
escolha, que a individualização é uma fatalidade, mas “toda a elaboração sobre os
meios de enfrentar seu impacto, parte do reconhecimento desse fato”. No entanto,
“a principal contradição da modernidade fluída – contradição que, por tentativa e
erro, reflexão crítica e experimentação corajosa, precisamos aprender a manejar
coletivamente” é o abismo entre o direito à autorealização e a capacidade de
controle das situações sociais (p.47).
Ainda, “os homens e mulheres são naturalmente tentados a reduzir a
complexidade de sua situação a fim de tornarem as causas do sofrimento
inteligíveis e, assim, tratáveis”. Considera que “nosso tempo é propício aos bodes
expiatórios” (BAUMAN, 2001, p.48). Podemos, com isso, explicar o cotidiano da
equipe estudada, que se utiliza do padrão do acampamento quando não assume a
responsabilidade pelos casos e, simbolizada pelo fato de a médica utilizar seu
celular que “traz tudo o que precisa” para não precisar reivindicar ao coordenador.
Pode ser visto também na historia da ESF em Santa Maria quando os gestores
referem à falta de atitude dos trabalhadores da AB.
A individualização dos problemas produzidos socialmente e a busca por um
bode expiatório para problemas complexos também pode ser explicada por essa
construção teórica. Com isso revelamos como a macroestrutura se manifesta na
condução dos casos e encaminhamentos para outros pontos da RAS. Os
trabalhadores sofrem e produzem a macroestrutura da sociedade líquida, gerando
a tradução da saúde como bem de consumo, em oposição à proposta de saúde
como bem de uso, direito de cidadania.
145
Numa sociedade dominada pelo consumo, os laços humanos se fragilizam,
considerando que “ao contrário da produção, o consumo é uma atividade solitária”
e a produção requer cooperação.
“No caso de tarefas mais complexas que envolvem a divisão do
trabalho e demandam diversas habilidades especializadas que
não se encontram em uma só pessoa, a necessidade de
cooperação é ainda mais obvia; sem ela, o produto não teria
chance de surgir. É a cooperação que transforma os esforços
diversos e dispersos em esforços produtivos.” (BAUMAN, 2007,
p.189)
Uma das atividades humanas mais complexas é justamente a produção de
saúde. Portanto, apontamos com isso, uma necessidade emergente na sua
condução, aprender a navegar na liquidez da sociedade e construir, ainda que
temporariamente, cais que possibilitem segurança aos trabalhadores, usuários e
gestores.
Neste meio complexo de relações, a negociação e a tomada de decisão
compartilhada não possui espaço para acontecer, e, portanto, não é o que
interfere no caminhar do usuário na RAS. Podemos resumir, sem diminuir ou
simplificar, que a questão da gestão do trabalho está diretamente relacionada com
a continuidade do cuidado. Precisamos estudar novos modos de gerir o trabalho
na sociedade da modernidade líquida e contradizer a tese de que a academia não
está mais interessada “na tarefa de ilustração e de elevação espiritual do povo. Os
intelectuais pararam, em grande parte, de se definir pela responsabilidade que têm
para com "o povo", a nação e a humanidade” (BAUMAN, 2003, p. 7). Estamos sim
na busca por caminhos que nos levem a produzir saúde e felicidade aos usuários,
trabalhadores e gestores do SUS.
Com esta intencionalidade, precisamos embarcar numa nova ética, que não
seja colonizada pela ciência, mas que assuma o princípio da responsabilidade.
Este princípio reside “na preocupação ou cuidado que nos coloca no centro de
tudo o que acontece e nos torna responsáveis pelo outro, seja ele um ser humano,
um grupo social”. “A nova ética não é antropocêntrica, nem individualista, nem
146
busca apenas a responsabilidades pelas consequências imediatas. É uma
responsabilidade pelo futuro” (SANTOS, 2009, p. 112).
5.4 Colonialismo e a negação da pluralidade humana
Neste capítulo pretendemos discutir as interfaces que resultam das
relações entre trabalhadores e usuários da USF estudada, bem como, a
concepção que o trabalhador possui de quem é o usuário que usa seu serviço,
tendo presente que a gestão de SMS também apresenta uma visão generalizada
sobre as equipes. A problematização desta questão visa iluminar pistas das
possibilidades de transformação deste panorama, já tão sinalizado na área da
saúde. Sendo assim, precisamos tratar este tema com a inclusão de toda a
sociedade e não apenas da equipe pesquisada, portanto, falaremos de “nós” e
não “deles”.
Já destacamos na fundamentação teórica que nos dispomos a traduzir os
inimigos do acesso equânime, por isso destacamos aqui o colonialismo de que
estão submetidos, tanto usuário quanto trabalhadores, interferindo nas práticas em
saúde. Os resultados deixam claro que a equipe possui uma visão normalizada
dos usuários adstritos, na qual todos precisam se comportar da mesma maneira,
além de revelar nos seu discurso rótulos para designar usuários - tam-tam;
daquelas; desleixada – exigindo dos usuários um padrão de comportamento.
Santos (2009, p. 30) destaca que “estamos tão habituados a conceber o
conhecimento como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os outros” que
se torna difícil reconhecer o outro na condição de sujeito.
Corroborando, precisamos ter claro que cada pessoa é única e deve ser
reconhecida como tal nas ações de saúde, pelo fato que
“embora o mundo seja terreno comum a todos, os que estão
presentes ocupam nele diferentes lugares, e o lugar de um não
pode coincidir com o de outro, da mesma forma como dois objetos
não podem ocupar o mesmo lugar no espaço” (ARENDT, 2001, p.
67).
147
A pluralidade humana, defendida pela autora, embasa nossa defesa de que
somos singulares na diferença, segue disso que o trabalhador da saúde não pode
ocupar o lugar do usuário na decisão por sua vida e que isso não o autoriza a
subjugá-lo. O sujeito possui uma explicação para seu adoecimento e para sua
vida, cabe ao profissional saber escutar e considerar estes elementos na
construção de um PTS (OLIVEIRA, 2010). Podemos dizer que a construção de um
projeto, que tenha inclusive seu objetivo decidido coletivamente, elimina da ação
em saúde a prescrição, no sentido dado por Freire (1987, p 18), é um ato
autoritário, “uma imposição da opção de uma consciência a outra”, uma
consciência estranha, no caso da saúde, a consciência do profissional da saúde
para o usuário. Aqui temos que lembrar que não estamos falando exclusivamente
da prescrição de medicamentos, ato restrito a alguns profissionais, mas de todas
as “recomendações” prescritas.
Destacamos que, para o projeto ser decidido com a participação do usuário,
necessitamos exercitar a escuta, como mediadora do diálogo, que só é possível
entre iguais. Quando o trabalhador se considera dono do saber, não permite que o
diálogo aconteça e acaba por oprimir. Freire (1987) nos diz que colocar obstáculos
ao diálogo transformando o sujeito em coisa, é objetivo do opressor.
A pesquisa revela que há uma relação dialética entre oprimido/opressor, em
que alguns atores se revessam na função um do outro, destacando que o
opressor habita o oprimido (FREIRE, 1987). Lembramos que a possibilidade de
revelação desta relação se dá pelo fato de que é “na ação e no discurso” que o ser
humano mostra quem é, revelando “ativamente suas identidades pessoais e
singulares, e apresentando-se no mundo humano, enquanto suas identidades
físicas são reveladas”. Esta revelação de “quem” alguém é “está implícita em tudo
o que se diz e faz” (ARENDT, 2001, p. 192).
Com esse entendimento, cabe-nos refletir que “somente na medida em que”
nos descubramos “hospedeiros” do opressor poderemos “contribuir para o
partejamento da pedagogia libertadora”. Num primeiro momento a tendência é, ao
invés de lutar pela libertação, o oprimido transforma-se em opressor, condicionado
pela experiência de vida (FREIRE, 1987, p.17).
148
“A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação,
pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”,
não teria significação. Esta somente é possível porque a
desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é
porém destino dado, mas resultado da “ordem” injusta que gera a
violência dos opressores e esta, o ser menos” (FREIRE, 1987,
p.16).
Podemos dizer, portanto, que a humanização do trabalho na saúde passa
pela necessidade de revertermos a ordem injusta que nos fala Freire. Por
exemplo, revertermos o ‘ser menos’ de usuários que têm, em uma USF, seu
desconhecimento ironizado e sua historia de vida desconsiderada; e também os
trabalhadores de saúde que estão submetidos a uma gestão autoritária. Os
últimos transformam a relação opressora a que estão submetidos em uma relação
opressora para com os primeiros. “Introjetam a “sombra” dos opressores e
seguem suas pautas” com medo da liberdade, pois esta expulsaria a sombra,
criando
um
vazio,
que
deveria
ser
preenchido
com
a
autonomia
e
responsabilidade, sem o que não serão livres (FREIRE, 1987, p.18). Superar a
situação opressora é imprescindível para lutar para o ser mais, humanizando
usuário e trabalhador, pois a desumanização também aflige o opressor pelo
motivo de oprimir.
Cabe aqui, baseando na proposta de Freire (1987), apontar alguns
elementos para a superação da relação desumanizante na saúde. A primeira já foi
citada, a de que o oprimido precisa reconhecer que mantem uma relação dialética
com o opressor, mas também o opressor precisa reconhecer-se como tal. No
entanto, mesmo sofrendo com esse reconhecimento, não basta para que se
solidarize com o oprimido, é necessária a verdadeira solidariedade, que só
acontece quando “seu gesto deixa de ser piegas e sentimental, de caráter
individual, e passa a ser um ato de amor àqueles” (p.20). Não é na abstração que
se desenvolve a solidariedade, é no ser humano concreto, no usuário não
acolhido, no vínculo não construído, no trabalhador que não se autogoverna. Atuar
em situação concreta evita que afirmemos sumariamente que o ser humano é
149
livre, que pode fazer suas escolhas, sem nada fazermos para objetivar essa
afirmação. Para além do reconhecimento, imperioso se faz que partamos para a
práxis libertadora, para o ‘ser mais’. Portanto, a subjetividade não pode estar
dissociada da objetividade, sob pena de ambas perderem a importância e caírem
num simplismo ingênuo.
Corroborando, Santos (2009, p. 81) diz que a solidaderiedade é o
conhecimento adquirido “no processo, sempre inacabado, de nos tornarmos
capazes de reciprocidade através da construção e do reconhecimento da
intersubjetividade”. A proeminência da solidariedade transforma a comunidade “no
campo privilegiado do conhecimento emancipatório”. A comunidade “é um campo
simbólico em que se desenvolvem territorialidades e temporalidades específicas
que nos permitem conceber o nosso próximo numa teia intersubjetiva de
reciprocidades”.
A realidade objetiva não é obra do acaso, é sim fruto da ação humana,
também não se transforma por acaso, é tarefa histórica e humana. O maior
desafio, segundo Freire, é fazer a emersão da realidade domesticadora, que só é
possível por meio da práxis autêntica, que opera numa relação dialética entre
ação e reflexão, sempre ocorrendo simultaneamente, pois a ação só é humana
quando não se dicotomiza da reflexão, atuando sobre o mundo para transformá-lo.
Para isso faz-se necessário a inserção crítica, que foge do subjetivismo e
objetivismo, que tentamos esquematizar abaixo, evitando o imobilismo.
150
Figura 2 – Unidade dialética da Subjetividade - Objetividade
O subjetivismo reinterpreta a realidade, tornando-a falsa e o objetividade
sem a subjetividade, é objetivismo. A imobilidade ocorre quando o subjetivismo
cria uma realidade imaginária, sobre a qual é impossível agir. A inserção crítica,
que é a própria ação, não pode ocorrer sem a dialeticidade subjetividadeobjetividade. Essa unidade dialética gera “um atuar e pensar certos na e sobre a
realidade para transformá-la”. Tanto mais “as massas populares desvelam a
realidade objetiva e desafiadora sobre a qual devem incidir sua ação
transformadora, tanto mais se “inserem” nela criticamente” (FREIRE, 1987, p. 22).
Para inserir-se criticamente, existem dificuldades de matriz antidialógicas
apontadas pelo autor, que aqui trataremos das que surgiram na pesquisa.
No obstáculo ao diálogo, já citado, toda palavra imposta é uma palavra
falsa, de caráter dominador. Também estão neste rol de dominação, a prescrição,
o rotulização, o “depósito”, a condução, a manipulação, não podem fazer parte da
práxis transformadora. O diálogo com as massas oprimidas, diz Freire (1987), é
condição para a revolução autêntica, é o que difere dos golpes militares. No
entanto,
“nem todos temos a coragem deste encontro e nos enrijecemos no
desencontro, no qual transformamos os outros em puros objetos.
151
E, ao assim procedermos, nos tornamos necrófilos em lugar de
biófilos. Matamos a vida, em lugar de alimentarmos a vida. Em
lugar de buscá-la, corremos dela” (p. 73).
Discutir esses aspectos nas práticas de saúde é crucial pelo motivo mesmo
de suas finalidades, é contraditório pensar que nós que optamos pelo cuidado do
outro podemos estar “matando a vida” no momento em que não permitimos que o
diálogo aconteça, sua participação, sua libertação. Entretanto, dialeticamente, o
trabalhador de saúde pode se constituir em uma “lúcida liderança” que é capaz de
transformar a realidade, pois ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho,
o ser humano se liberta em comunhão. Essa liderança não se autonomeia, ela se
“autentica na sua práxis com a do povo, nunca no des-encontro ou no dirigismo”
(FREIRE, 1987, p. 73, grifo do autor).
Por traz da falta de diálogo pode estar o mito de que as pessoas são
ignorantes, que quem sabe são os trabalhadores de saúde, porém estes não
podem cair no mito da “absolutização da ignorância”, no qual, alguém decreta que
o outro é ignorante. Com o decreto feito, o que foi percebido em alguns momentos
da pesquisa, distanciam-se das pessoas que são considerados coisas,
desqualificadas. Considerando o outro como ignorante,
“se reconhece e à classe a que pertence como os que sabem ou
nasceram para saber. Ao assim reconhecer-se tem nos outros o
seu oposto. Os outros se fazem estranheza para eles. A sua
passa ser a palavra “verdadeira”, que impõe ou procura impor aos
demais. E estes são sempre os oprimidos, roubados de sua
palavra” (FREIRE, 1987, p. 75)
A consequência da estranheza é a descrença, muito salientada na
pesquisa, em que os trabalhadores não acreditam nos usuários, estes por sua vez
sabem disso e as ACS, por vezes, se colocam como porta vozes, intermediando o
diálogo. A descrença que o trabalhador sente pelo usuário, neste caso, pode
tornar o diálogo impossível (FREIRE, 1987).
Salientamos que as ACS são protagonistas da dialogicidade entre usuários
e equipe, quando conseguem estabelecer vínculo com responsabilização com a
152
população de sua área de abrangência, solidarizando-se com cada sujeito, mesmo
que muitas de suas ações sejam realizadas sem o respaldo da equipe. Uma
destas ações é a entrega do encaminhamento e a permuta da consulta entre
usuários que estão aguardando sua vaga; outra é a interlocução com a equipe
quando o usuário não conseguiu ser escutado. Corroborando com esse resultado,
podemos dizer, com respaldo em Santos (2009), que não existe um único caminho
para a transformação social, convivemos com uma sociedade que é ao mesmo
tempo autoritária e libertária; e como sendo várias as formas de opressão e
dominação também são várias as formas de resistência e os agentes
protagonistas.
Outra caraterística antidialógica, destacada por Freire (1987) é a invasão
cultural, muito frequente entre os profissionais da saúde possuidores que somos
de conhecimento técnico, que muitas vezes se impõe ao conhecimento popular. O
autor argumenta que a sociedade, nela incluída a família e a escola, somado a
uma posição classista, podem estar produzindo em grande parte dos profissionais
a adesão a uma ação antidialógica. Baseados nesta convicção acreditam que
precisam “transferir”, “levar” ou “entregar” seu conhecimento aos usuários, como
promotores do povo, nas palavras de Freire. Consideram absurda a necessidade
de consulta-los para as ações educativas, muito menos respeitar sua visão de
mundo, agindo como dominadores.
Quando os invadidos expressam alguma atitude que pode ser interpretada
como recusa da invasão, visto na pesquisa como as ausências nas consultas, nos
agendamentos, nos que não cumprem com a orientação dada pelos profissionais,
são vistos por estes como “preguiçosos”, “mal-agradecidos”. O que precisamos
problematizar aqui é a relação existente entre o fracasso das ações propostas
pelos profissionais e ato violento da invasão, numa relação não simplificada de
causa e consequência, mas complexa.
No entanto, precisamos esclarecer que a ação cultural de caráter
dominador nem sempre é exercida deliberadamente, os trabalhadores de saúde
são igualmente seres humanos dominados, sobredominados na própria altura da
opressão. Romper com o padrão de dominação para os profissionais não é nada
153
fácil, pois que renunciar a ele significa morrer um pouco (FREIRE, 1987). A
liderança revolucionária, diz Freire, precisa problematizar estas e outras
dificuldades com os oprimidos a fim de que possamos avançar no ideário da
transformação social, proposta pela promoção da saúde.
A ideia de promoção da saúde está relacionada ao conceito positivo de
saúde, relacionado ao patamar de promoção da vida que necessita de políticas de
Estado, mas também da autonomia e singularidade dos sujeitos. Promoção
envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a
multiplicidade dos condicionantes da saúde, vai além de uma aplicação técnica e
normativa. Destacamos que neste conceito está implícita a construção de
capacidade de escolha, bem como a utilização do conhecimento para atentar para
as diferenças e singularidades dos acontecimentos (CZERESNIA, 2009).
Além disso, a promoção da saúde possui potencial pode superar a
educação bancária e o behaviorismo5, pois sabemos que não respondem às
relações complexas do processo saúde-doença. Carvalho e Gastaldo (2008)
esclarecem o tema do empoderamento propondo que o psicológico, que
reconhece a importância do agenciamento humano, deve ser associado ao
empoderamento social que “procura destacar a importância de buscarmos
enfrentar as raízes e causas da iniquidade social”. Chamam a atenção para o
cuidado que devemos ter com as estratégias e ações utilizadas, porquanto podem
ser reducionistas levando “à culpabilização das vítimas de mazelas sociais ao
hiperdimensionar a responsabilidade individual sobre os problemas de saúde”
(p.2.032). Na AB o tema do empoderamento também se aplica aos trabalhadores
de saúde que tendem a se alienar nas tarefas técnicas, necessitando de
estratégias para autonomizar (CHIESA, FRACOLLI, BARBOSA, 2007), como
vimos no eixo da gestão do trabalho.
Para finalizar esta discussão acerca da existência do colonialismo nas
relações gestão/equipe/usuários ressaltamos que o fato de ser uma realidade
5
Neste sentido, Hannah Arendt nos lembra de que “a triste verdade acerca do behaviorismo e da
validade de suas ‘leis’ é que quanto mais pessoas existem, maior é a possibilidade de que se
comportem e menor a possibilidade de que tolerem o não-comportamento” (2001, 53).
154
brasileira, mesmo que revelada a partir de um estudo de caso em uma ESF, mas
mesmo assim generalizável pela exemplificação (SANTOS, 2009), revela um
sistema no qual “as relações são mais que mero resultado de ações, desejos e
encontros individuais”. Uma vez que, “aqui entre nós elas se constituem, em
muitas ocasiões, em verdadeiros sujeitos das situações, trazendo para elas o seu
ponto de vista. Um ponto de vista, claro está, que sintetiza sempre as posições de
quem está engajado na própria relação” (DAMATTA, p. 63-64, 2001).
Assim, podemos dizer que o ponto de vista, ou a ideologia, que molda as
relações reveladas na pesquisa vão além dos sujeitos envolvidos. Precisamos
refletir sobre isso no processo de formação, construindo saberes que promovam
solidariedade, pois “o saber enquanto solidariedade visa substituir o objeto-para-osujeito pela reciprocidade entre sujeitos” (SANTOS, 2009, p.83).
155
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este espaço será usado para, além de retomar os principais resultados,
evidenciar a finalidade deste estudo que não se restringe a indignar-se ao
descrever o que está estabelecido em Santa Maria no que diz respeito ao
processo de implantação da ESF e ao complexo contexto das relações em uma
USF. Tampouco a proposta não é cair na armadilha do denuncismo que se
contenta em mostrar as injustiças a que estamos expostos na saúde. A intensão é
apontar para uma revolta sim, mas que tenha capacidade de instigar uma
organização coletiva que seja proativa, que não apenas justifique o que está dado,
mas proponha formas de enfrentá-lo. Atrever-nos a sonhar, a alimentar uma
utopia, a perseguir um bem maior, coletivo, solidário e emancipador.
Reforçamos aqui que a pesquisa não nos deixa fora ou ao lado do contexto,
mas sim inseridos e responsáveis pela construção de novos caminhos e
possibilidades.
Com o processo de implantação da ESF em Santa Maria apreendemos que
as escolhas da gestão, ou a proposta de governo, são os disparadores para a
melhoria ou degradação do SUS. Conhecer os propósitos do SUS é condição para
sua implementação, identificando sua complexidade com as inúmeras interfaces
que precisam ser abordadas na gestão municipal. A ESF iniciou no município de
forma vivaz, com uma gestão participativa, envolvendo CMS, poder legislativo,
comunidade, universidade e os trabalhadores. A pergunta que fica é: por que não
teve força para continuar? Alguns elementos foram destacados na pesquisa, como
a forma de contratação dos trabalhadores, a não instituição dos colegiados
gestores e a dicotomia ESF versus AB.
A ESF continuou no governo seguinte com a tarefa de cumprir a exigência
do MPT, encerrando o contrato dos trabalhadores terceirizados, não só na ESF,
mas em outros serviços da saúde. O impacto desta demissão em massa não pode
ser negado, mas é agravado com as novas escolhas. As equipes atuaram de
forma desprotegida, seja na questão trabalhista, seja no acompanhamento das
práticas de saúde. O concurso público aconteceu em 2011 e até então as ACS, já
156
concursadas anteriormente, e a população adstrita ficaram sujeitas as várias
trocas de equipe, o que pode explicar algumas questões reveladas nas equipes
estudadas. Outra escolha foi a dicotomia AB versus PA, comprometendo uma
defesa cara para o SUS que é a integralidade.
Surge na pesquisa ainda a desvalorização da pasta da saúde, com os
servidores sem plano de carreira, cargos e salário, mas também sem uma postura
consciente de defesa do SUS. Consideramos que foi possível identificar a
complexidade que é fazer gestão municipal do SUS em Santa Maria, que possui
uma grande capacidade instalada na média e alta densidade tecnológica, mas que
ainda não sedimentou a AB como porta preferencial dos cidadãos.
Ponderamos que o percurso pelo qual caminhou a ESF está refletido no
cotidiano da USF estudada, com imbricamentos importantes que precisam ser
enfrentados, sob pena de tornar ineficaz e ineficiente a reestruturação do modelo
de atenção. Iniciamos com a função que exerce “a porta” num serviço de saúde. A
recepção foi uma fragilidade identificada pela falta de profissional específico e em
tempo integral para este local, o que leva a divergências de informações. Somada
ao fato de equipe não conhecer os fluxos, é definidora de algumas peregrinações
do usuário. Indicamos que esta função deveria ser uma preocupação constante
das equipes e da gestão, pois o “como” a população está sendo recebida nas
portas dos serviços pode determinar a confiança e a acessibilidade ao serviço.
Evidenciamos que a acessibilidade organizacional apresenta fragilidades,
dentre as quais destacamos a não resolução de casos trazidos pelas ACS ou
identificados pela equipe, sugerindo a simplificação da complexidade. A ausência
de planejamento local, com registros básicos da ESF sendo relegados, também é
um problema a ser enfrentado. Ainda, a população, em alguns casos, não
reconhece a ESF como fonte principal de cuidado, gerando não adesão à
proposta terapêutica, o que pode explicar o absenteísmo às consultas
especializadas. No entanto, coerente com o referencial teórico que utilizamos, em
meio ao aparente caos a que está submersa a ESF, emergem possibilidade de
organização de redes micropolíticas.
157
No eixo de discussão que abordou a gestão do trabalho procuramos
traduzir construções teóricas importantes para o cotidiano das equipes. A roda
viva de abandonos identificada é alimentada pela equipe que não se
responsabiliza (tratada como um fenômeno da pós-modernidade) e pela gestão
que não permite o autogoverno dos trabalhadores, gerando falta de respaldo às
ACS. O desconhecimento do território, entendido como processo e não estanque,
a ausência de diálogos com a comunidade e a falta de singularização dos usuários
como partes integrantes da gestão do trabalho, indicam a complexidade e a
premência deste tema. Em meio a esse contexto, abre espaço para ações que
pertencem ao jeitinho brasileiro de resolver problemas, prejudicando a equidade
no acesso a outros pontos da RAS. Defendemos a transparência, a publicização e
a construção coletiva de critérios, técnicos e singulares, a serem utilizados pelas
as equipes no intuito de instituir novas maneiras para buscar a integralidade da
atenção e regular a RAS.
Na busca por respostas aos pressupostos da pesquisa encontramos um
padrão de relacionamento colonialista, no qual nem trabalhador e tampouco
usuário é reconhecido como sujeito. Defendemos o respeito à pluralidade humana
que nos permite sermos singulares na diferença e não nos permite assumirmos o
lugar do outro, ou seja, trabalhador de saúde não pode falar e decidir pelo usuário.
A escuta torna-se imprescindível, com a participação do usuário sendo estimulada
deliberadamente, para promover a fuga à opressão. Vimos que existe uma relação
dialética entre oprimido/opressor que está comprometendo a humanização na
saúde, para isso defendemos que precisamos sair do imobilismo, refletindo sobre
isso, mas também agindo. Significa agir na realidade concreta para transformá-la,
apostar no trabalhador de saúde com a esperança de uma liderança que defenda
a vida.
É preciso inverter a ordem da invasão cultural para a da promoção da
saúde, ou seja, sairmos da posição que sabemos o que é melhor para a vida do
outro e defendermos a participação consciente deste nos rumos de sua saúde e
da saúde de sua comunidade. Para isso, faz-se necessário que se respeite e
estimule a capacidade de escolha dos sujeitos, sem hiperdimensionar a dimensão
158
individual no adoecimento e principalmente sem culpabilizá-lo. É importante
destacar aqui o protagonismo das ACS que fazem a intermediação entre a
comunidade e a equipe, fazendo-se ouvir, cumprindo com o papel da
dialogicidade, e sendo decisivas na continuidade do cuidado.
A participação da população, no intuito de transformar a AB mais
democrática, é a efetivação dos colegiados gestores nas UBS, aproximando oferta
e demanda e equacionando os devidos encaminhamentos. No entanto, de nada
resolve a institucionalização de espaços se antes não reconhecermos o usuário
como sujeito do processo.
Em Santa Maria a gestão da AB necessita ser estudada, trabalhada e
construída para avançarmos na consolidação deste lugar, como um espaço que
acolhe, vincula, resolve os problemas de saúde e se responsabiliza com o acesso
do usuário a outros pontos da RAS. Uma gestão da AB que a capacite a assumir a
ordenação da RAS, pois é principalmente na AB que o vínculo é possível, na
perspectiva que se pode conhecer o que os usuários necessitam, fazendo
pactuações com a gestão municipal na luta pela garantia da continuidade do
cuidado.
Esse
estudo
mostrou
que
as
equipes
da
ESF
necessitam
de
acompanhamento continuado e sistemático de educação permanente, que é um
dos papéis que cabe à universidade, lugar de onde falamos. Fazer pesquisa e
produzir conhecimento que se insira em uma teoria crítica exige que estejamos
comprometidos com o objeto de nossos estudos, não só para detectar problemas,
mas também para nos somarmos a construção de caminhos possíveis.
Destacamos que uma pesquisa sempre apresenta limites, com essa não
poderia ser diferente. Consideramos que o grande volume de dados coletados
impediu o aprofundamento nas discussões de todas as possiblidades de
abordagem. Para isso, constituímos um banco de dados que será objeto de
análises futuras. Outro limite, que tem relação com este, é o fato de sermos
enfermeiras, pesquisadoras e professoras da enfermagem, e identificando as
lacunas destes profissionais na produção de saúde, precisamos destacar essa
questão na formação dos acadêmicos. Tal opção revelou-se um vazio na pesquisa
159
que precisa ser assumido, com a intencionalidade de que possa ser trabalhado o
mais breve possível.
Diante de tudo o aqui foi tratado, considerando os resultados, a análise e
discussão, fica evidente que o desafio para a mudança não é tarefa para poucos
ou alguns. Precisamos tornar público estes resultados para que sensibilizemos
algumas instituições e corporações a assumirem seus papéis na construção do
SUS. Queremos destacar a premência do envolvimento dos conselhos
profissionais, do MPT, do MPF, da UFSM, de outras instituições de ensino, do
legislativo e da imprensa, como formadora de opinião. Este estudo pode ser base
para desencadear no município de Santa Maria uma avaliação do Sistema
Municipal de Saúde baseado em redes, na qual sejam evidenciadas as lacunas de
ofertas, os fluxos e os tempos de espera a que os usuários estão submetidos para
avançarmos em sua efetivação.
Foi possível nesta tese comparar os discursos disponíveis, hegemônicos e
contra hegemônicos, analisando os vazios que produzem. Possibilitou captar
silêncios, necessidades e desejos dos usuários, que muitas vezes não são
escutados, dos trabalhadores de uma USF e identificar alguns inimigos da
continuidade do cuidado. Retomando os pressupostos temos que reconhecer que
a negociação e a tomada de decisão compartilhada entre trabalhadores e usuários
para realização do encaminhamento não foi possível identificar, faltando
evidências para sua comprovação. O encaminhamento, na maioria das vezes, foi
uma decisão unilateral, ou do usuário ou do trabalhador, mas nos dois casos o
usuário se encontra solitário na busca pelo acesso.
Pode ser que esse tema da decisão compartilhada seja muito pouco
trabalhado na formação em saúde, e prescinde de uma discussão anterior que é
pano de fundo para que essa aconteça, que é a questão de descolonizarmos
nossas mentes e reconhecermos a beleza da singularidade de cada sujeito. De
qualquer modo, cabe-nos a responsabilização de torná-las pauta constante na
graduação e pós-graduação em saúde, bem com na educação permanente.
160
7 ANEXOS
161
162
163
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Abstract
IS IT COLONIALISM OR SOLIDARITY IN THE RELATIONS
BETWEEN HEALTH WORKS AND USERS? Implications for
continuity of the care
This research is inserted in the theme of comprehensive care of the Unified Health
System, contemplating the issue continuity of care in the Health Care Networks
and having as object the relations that are established in a Family Health Unit of
the city of Santa Maria, Rio Grande do Sul. The objectives were: to analyze the
process of implementation and monitoring of the Family Health Strategy in Santa
Maria; to understand the relation between workers and users during the care
practices realized in a Family Health Unit of the city of Santa Maria, relating them
to the effective continuity of care in the Health Care Network of the Unified Health
System (UHS). It is a social research, with qualitative methodological approach.
The objectives of this thesis were developed in two stages. For the first objective,
the data collection was conducted through document analysis and semi-structured
interviews with managers. We analyze the resolutions, minutes and documents of
the Municipal Health Council. The interviews were realized with 16 managers,
indicated intentionally, starting with the Municipal Health Secretary which
implemented the Family Health Strategy. The presentation of results was
organized in themes: The Primary Care in Santa Maria before the implementation
of Family Health Strategy, "was how the strategy began in Santa Maria: the
presence of UHS in people's lives"; The transition in exchange of management;
New management: is it new choices? and Challenge to explain the ups and downs
of the Family Health Strategy in Santa Maria. The second objective had the case
study as methodological reference. The analysis unit was a Family Health Unit of
the city of Santa Maria. The data collection happened for participant observation,
direct and unstructured, semi-structured interviews, analysis of documents and
records. The research subjects were health workers and users. The analysis was
guided for the data collection, mediated by theoretical orientation and premises
172
established. The following themes presented the results: The different ways that
the user is subject in Health Care Network; The user participation in the decision of
referral: is it possible negotiation?; Use refereed to the Health Care Network:
factors that affect this to walk; the manage mode influencing in the autonomy and
responsibility of workers; User generalized, disrespected. We learn that the
choices of management or the proposed of government are need for improvement
or degradation of the Unified Health System. The course of the Family Health
Strategy is reflected in daily of the teams, with intends that must be coped to
become ineffective and inefficient the restructuration of care model. We advocate
the transparency, publicity and the collective construction of criteria, technical and
unique, to be used for teams in order to develop new ways to seek the
comprehensive care and regulate the Health Care Network. It is need to reverse
the pattern of relationship between users and workers, going from colonialism to
the
solidarity
and
of
cultural
invasion
to
the
health
promotion.
Keywords: patient participation; continuity of patient care; unified health system;
delivery of health care.
173
APÊNDICES
174
Apêndice A - Roteiro de entrevista
1- Identificação
Data de Nascimento:
Sexo ( )feminino ( )masculino
Cargo exercido na gestão:
Tempo que está/esteve no cargo:
Formação:
2- Temas
Atenção básica e ESF
Implantação e acompanhamento da ESF: locais, distribuição
Relação CMS – SMS - equipes
Critérios de seleção dos profissionais
Educação permanente
Como a gestão acompanha a atuação das equipes
175
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Projeto de Pesquisa: PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA – RIO
GRANDE DO SUL – BRASIL
Coordenação da Pesquisa: Profª Enfª Msc Maria Denise Schimith
Endereço para contato: Rua João Goulert, 519. Camobi, Santa Maria – RS. CEP:
97.105-220
Acadêmicos Pesquisador:
Endereço para contato:
Para contato com o Comitê de Ética da UFSM: Avenida Roraima, 1000 - Prédio
da Reitoria - 7° andar - sala 702. Cidade Universitária - Bairro Camobi, 97105-900
Santa
Maria
RS.
Tel.:
(55)
32209362
email:
[email protected].
Caro participante da pesquisa:
 Você está convidado a participar desta pesquisa, na qual irá participar de uma
entrevista de forma totalmente voluntária.
 Antes de concordar em participar desta pesquisa, é importante que você
compreenda as informações e instruções contidas neste documento.
 O pesquisador deverá responder todas as dúvidas, antes de você decidir-se a
participar.
 Você tem o direito de desistir de participar da pesquisa a qualquer momento,
sem nenhuma punição e sem perder os benefícios aos quais tem direito.
Sobre a pesquisa:
A pesquisa tem como objetivos compreender o processo de implantação e
implementação da Estratégia Saúde da Família no município de Santa Maria;
descrever as resoluções e atas do Conselho Municipal de Saúde no que tange à
ESF, desde 2004; identificar a percepção dos gestores municipais da saúde a
cerca do processo de implantação e implementação da ESF desde sua origem;
relacionar alguns indicadores do Pacto da Atenção Básica com o processo de
implementação da ESF em Santa Maria. Sua participação nesta pesquisa
consistirá em responder a uma entrevista semi-estruturada com perguntas abertas
dando liberdade ao entrevistado em discorrer sobre o tema em questão. As
entrevistas serão gravadas em áudio mp3 e, após sua transcrição serão
analisadas e categorizadas conforme o objetivo proposto pela pesquisa. Para a
realização da entrevista, será mantido em segredo o seu nome e nenhuma
informação será divulgada que possa identificá-lo, preservando assim, o total
anonimato do participante.
Sobre a legislação vigente em pesquisa:
 Benefícios: com a realização da pesquisa pretendemos contribuir nas áreas de
ensino, pesquisa e serviços de saúde, na perspectiva de resgatar a história da
ESF em Santa Maria, da qual você foi sujeito.
.
176
 Riscos: a participação na entrevista não representará risco de ordem física para
você. No entanto, caso ocorra mobilização de sentimentos negativos,
indesejáveis, poderá se retirar da pesquisa em qualquer momento.
 Sigilo: as informações fornecidas por você serão confidenciadas e de
conhecimento apenas do pesquisador responsável. Após a transcrição das falas, o
material será destruído. O se nome não será divulgado e você não será
identificado em nenhum momento, mesmo quando os resultados desta pesquisa
forem divulgados em qualquer forma.
Desde já, agradeço pela colaboração.
DATA: ___/___/____
_______________________________
Maria Denise Schimith
Coordenadora da Pesquisa
177
APÊNDICE C – Termo de Confidencialidade
Projeto de Pesquisa: PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA – RIO
GRANDE DO SUL – BRASIL
Pesquisadora responsável: Maria Denise Schimith
Acadêmicos Pesquisadores:
Instituição/ Departamento: Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Centro
de Ciências da Saúde (CCS), Departamento de Enfermagem.
Telefone para contato: (55) 3226-3551- 8403-2310
As pesquisadoras do presente projeto se comprometem a preservar a
privacidade dos gestores do município de Santa Maria, cujos dados serão
coletados através de entrevistas semi-estruturadas. Concordam, igualmente, que
estas informações serão utilizadas única e exclusivamente para execução do
presente projeto.
As informações somente poderão ser divulgadas de forma anônima e serão
mantidas gravadas em arquivos de mp3, por um período de dois anos sob a
responsabilidade da pesquisadora Maria Denise Schimith. Após este período, os
dados serão destruídos. Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da UFSM em ___/___/______, com o número do
CAAE____________.
Santa Maria, _______de_______________ de 2011.
Maria Denise Schimith
Pesquisadora Responsável
SIAPE 230602
178
APÊNDICE 1 – Roteiro para observação de Prática de cuidado
Data:
Horário:
Prática de cuidado:
Trabalhador(es) envolvido(s):
Qual é a demanda de encaminhamento?
Quem faz a sugestão do encaminhamento?
Qual a participação do trabalhador na decisão?
Qual a participação do usuário na decisão?
Como ocorreu a decisão?
Houve negociação e como ela se deu?
Quais foram as orientações para o usuário atingir o objetivo do encaminhamento?
Que caminhos foram sugeridos? Falar com quem? Procurar que órgão?
Como ocorre o acompanhamento dos usuários na RAS de Santa Maria?
179
APÊNDICE 2 – Roteiro para observação de reuniões
Data:
Horário:
Reunião:
Trabalhador(es) envolvido(s):
Objetivo da reunião :
Quem está presente?
Qual a pauta estabelecida?
Quem participa efetivamente (pede a palavra, sugere...)?
Quais são os assuntos acrescentados pelos participantes?
De que maneira a RAS foi abordada?
180
APÊNDICE 3- Roteiro para entrevista com trabalhador de saúde.
Projeto de Pesquisa: Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma
Unidade Saúde da Família: a construção da rede de atenção à saúde.
Data da entrevista:
3- Identificação
Nome..................................................................................Codinome:..................
Data de Nascimento:
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Cargo exercido na USF:
Tempo que está no cargo:
Grau de instrução:
Titulação:
Profissão:
Pós graduação ( ) sim ( ) não Qual(is)?
4- Questões abertas
Como esta USF se articula com os demais pontos da RAS?
Quais são as potencialidades da RAS de Santa Maria?
Elenque dificuldades enfrentadas para realizar os encaminhamentos para a RAS
de Santa Maria.
Como o usuário chegará ao destino previsto no encaminhamento?
Quem chegará num período aceitável de tempo de espera para cada caso?
Quais os fatores que interferem neste caminhar?
Quando você fica sabendo que o usuário conseguiu chegar ao destino do
encaminhamento?
Como você entende a participação da ESF na função de coordenação do cuidado
atribuído a Atenção Básica?
Como a formação poderia influir neste processo?
Sugestões para a pesquisa:
181
APÊNDICE 4- Roteiro para entrevista com o coordenador da USF.
Projeto de Pesquisa: Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma
Unidade Saúde da Família: a construção da rede de atenção à saúde.
Data da entrevista:
1- Identificação
Nome..................................................................................Codinome:..................
Data de Nascimento:
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Cargo exercido na USF:
Tempo que está no cargo:
Grau de instrução:
Titulação:
Profissão:
Pós graduação ( ) sim ( ) não Qual(is)?
2- Questões abertas
Como esta USF se articula com os demais pontos da RAS?
Quais são as potencialidades da RAS de Santa Maria?
Elenque dificuldades enfrentadas para realizar os encaminhamentos para a RAS
de Santa Maria.
Como o usuário chegará ao destino previsto no encaminhamento?
Quem chegará num período aceitável de tempo de espera para cada caso?
Como o senhor consegue realizar os encaminhamentos antes do “tempo” da
RAS?
Quando você fica sabendo que o usuário conseguiu chegar ao destino do
encaminhamento?
Como você entende a participação da ESF na função de coordenação do cuidado
atribuído a Atenção Básica?
Sugestões para a pesquisa:
182
APÊNDICE 5- Roteiro para entrevista com usuário.
Projeto de Pesquisa: Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma
Unidade Saúde da Família: a construção da rede de atenção à saúde.
Data da entrevista:
1- Identificação
Nome..................................................................................Codinome:..................
Data de Nascimento:
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Grau de instrução:
Profissão:
2- Questões abertas
Conte-me sobre o que fez você procurar a USF São José?
Como foi a decisão de ser feito este encaminhamento?
Você sabe por que precisa este encaminhamento?
Quais as orientações recebidas do trabalhador de saúde sobre como atingir o
objetivo do encaminhamento?
Elenque dificuldades que enfrentará para conseguir chegar ao destino do
encaminhamento para a RAS de Santa Maria.
Como você chegará ao destino previsto no encaminhamento? Que outros
caminhos? Quem pode ajudar?
Como você chegará num período aceitável de tempo de espera para seu caso?
Na sua opinião/experiência como o trabalhador da USF pode ajudar neste
caminhar?
Depois que atingir ao objetivo do encaminhamento (consulta com especialista,
exames etc) quais serão os próximos passos?
Sugestões para a pesquisa:
183
APÊNDICE 6 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Título do Projeto: Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma
Unidade Saúde da Família: a construção da rede de atenção à saúde.
Você está convidado a participar desta pesquisa, na qual irá participar de uma
entrevista e de observação de forma totalmente voluntária. Antes de concordar em
participar desta pesquisa, é importante que você compreenda as informações e
instruções contidas neste documento. Proponho-me a responder todas as dúvidas,
antes de você decidir-se a participar. Você tem o direito de desistir de participar da
pesquisa a qualquer momento, sem nenhum prejuízo e sem perder os benefícios
aos quais tem direito.
A
pesquisa
tem
como
objetivos
compreender
as
relações
entre
trabalhadores e usuários durante as práticas de cuidado realizadas em uma
Unidade de Saúde da Família do município de Santa Maria, relacionando com a
efetivação da continuidade do cuidado na Rede de Atenção à Saúde do Sistema
Único de Saúde (SUS); identificar a participação dos diferentes atores sociais
envolvidos nos encaminhamentos dos usuários para outros pontos de atenção da
RAS; conhecer a percepção dos trabalhadores da ESF a cerca da função de
coordenação do cuidado atribuído a Atenção Básica e refletir sobre o processo da
formação dos profissionais de saúde no que tange a habilitação desta
competência.
As entrevistas serão gravadas em áudio mp3 e, após sua
transcrição serão devolvidas para sua avaliação. As observações serão realizadas
durante os encontros entre uma pessoa da comunidade e um profissional de
saúde da Estratégia Saúde da Família e também nas reuniões que algum membro
da equipe participar. Será mantido em segredo o seu nome e nenhuma
informação será divulgada que possa identificá-lo, preservando assim, o total
anonimato do participante. A principal pesquisadora é Maria Denise Schimith que
poderá se encontrada na Universidade Federal de Santa Maria situada à Avenida
Roraima, 1000. Prédio 26, sala 1305a. Camobi, Santa Maria – telefones (55)
3220-8263.
184
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética desta pesquisa
entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de
São Paulo, Rua Botucatu, 572 - 1º andar conj 14: tel 55 (11) 5571-1062 / 55 (11)
5539-7162.
Entendi as informações que li ou que você leu para mim sobre a minha
participação no estudo Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma
Unidade Saúde da Família: a construção da rede de atenção à saúde. Eu
conversei com a pesquisadora sobre a minha decisão em participar neste estudo.
Compreendi para que serve este trabalho e como ele será realizado. Entendi
também que a minha participação não terá nenhum custo e que o meu nome não
aparecerá em nenhum momento garantindo que as pessoas que lerem o trabalho
não saibam que fui eu que dei as informações. Assim, concordo ser entrevistado e
observado e sei que poderei desistir de participar da pesquisa a qualquer
momento antes ou durante da mesma, sem qualquer forma de prejuízo.
CIENTE:
DATA: ___/___/____
_____________________________
Assinatura do(a) Participante
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e
Esclarecido deste participante.
______________________________
Coordenadora da Pesquisa
DATA: ___/___/____
185
APÊNDICE 7 – Termo de Confidencialidade
Projeto de Pesquisa: Relações entre trabalhadores de saúde e usuários em uma
Unidade Saúde da Família: a construção da rede de atenção à saúde.
Pesquisadora responsável: Maria Denise Schimith
Endereço: Rua João Goulart, 519. Camobi, Santa Maria, Cep 97.105-220.
Instituição/ Departamento: Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Centro
de Ciências da Saúde (CCS), Departamento de Enfermagem.
Escola Paulista de Enfermagem (EPE). Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP)
Telefone para contato: (55) 3027-1200 e (55) 8403-2310
Local da coleta de dados: Unidade Saúde da Família São José – Santa Maria
A pesquisadora do presente projeto se compromete a preservar a
privacidade dos trabalhadores de saúde e usuários da Unidade de Saúde da
Família São José, Santa Maria, RS, cujos dados serão coletados através de
entrevistas, observação direta, busca em documentos e em registros. Concorda,
igualmente, que estas informações serão armazenadas em um banco de dados
utilizado única e exclusivamente para pesquisas.
As informações somente poderão ser divulgadas de forma anônima e serão
mantidas gravadas em arquivos de mp3, sob a responsabilidade da pesquisadora,
em arquivos de seu computador pessoal, no endereço de sua residência. Após a
pesquisa os dados serão utilizados no banco de dados da pesquisadora. Este
projeto de pesquisa foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
UFSM em ___/___/______, com o número do CAAE____________ e pelo Comitê
de ética em Pesquisa da UNIFESP em ___/___/______, com o número do
CAAE____________.
Santa Maria, _______de_______________ de 2011.
___________________________
Maria Denise Schimith
Pesquisadora Responsável
Matrícula 2306023
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Colonialismo ou Solidariedade nas relações entre trabalhadores de