CLÁUDIA GISLENE BIOLO MORAIS Co-autor: Profº Drº Paulo Ricardo Ross – UFPR Colaboradores: Professores participantes do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná (PDE) – 2007/2008 A INTERDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CURITIBA 2008 “A sabedoria... talvez alguém pudesse caracterizar a sabedoria num sentido geral, como uma consciência compreensiva capaz de perceber as relações, as conexões que existem entre as coisas (...) a sabedoria é um estado de conhecimento pelo qual se é capaz de ver, ao mesmo tempo, a substancialidade das coisas e o nexo com que estão unidas, isso é, a dinâmica da existência. É contemplar os dois lados ao mesmo tempo, é uma perspectiva mais totalizadora, mais completa.” Dalai Lama, 1995, quando questionado sobre o que é sabedoria. 2 PREFÁCIO Tendo em vista a diversidade presente na Educação Especial, é necessário que o professor esteja em uma busca constante de novos métodos, estratégias e recursos que melhor se adaptem às diversas formas de aprender e que possam favorecer a aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais. De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001, p. 29): as dificuldades de aprendizagem na escola apresentam-se como um contínuo, compreendendo desde situações mais simples e/ou transitórias...até situações mais complexas e/ou permanentes que requerem o uso de recursos ou técnicas especiais para que seja viabilizado o acesso ao currículo por parte do educando. Atender a esse contínuo de dificuldades requer respostas educativas adequadas, que abrangem graduais e progressivas adaptações de acesso ao currículo, bem como adaptações de seus elementos. Com relação a isso, o próprio termo “necessidades educacionais especiais” pressupõe que o aluno não deve se ajustar a padrões de normalidade para aprender, e sim que a escola se adapte para atender à diversidade dos alunos, para que possam se desenvolver e aprender. No caso das pessoas com deficiência intelectual, devemos nos lembrar que elas se desenvolvem e aprendem de uma forma diversificada. Mas isso não quer dizer que não possam ter um potencial que pode vir a se expressar mediante o uso de métodos adequados e recursos pedagógicos adaptados que estimulem e potencializem seu aprendizado. Por esse motivo, os professores de alunos com deficiência intelectual, nessa busca por estratégias de aprendizagem significativas que se adaptem às características dos alunos e sua forma de aprender, e visando seu acesso ao currículo, lançam mão da interdisciplinaridade, trabalhando com os conteúdos de forma integrada. Esses professores percebem, na prática, que o trabalho interdisciplinar contribui para a aprendizagem dessa clientela. Diante dessa realidade, e para sua melhor sistematização, é necessária a teorização dessas práticas interdisciplinares utilizadas pelos professores, visto que não se tratam de estratégias metodológicas mecanicistas, puramente pragmáticas, voltadas apenas à utilidade prática do conhecimento. Ao contrário, a interdisciplinaridade tem princípios teóricos que a regem. O objetivo desse trabalho é, portanto, favorecer a teorização e sistematização, pelos professores tanto do ensino especial quanto do ensino comum, de estratégias de aprendizagem interdisciplinares utilizadas em sala de aula com alunos com deficiência intelectual em processo de alfabetização e letramento. O material pretende potencializar os conhecimentos dos professores acerca do tema, contribuindo para sua compreensão teórico-metodológica e para a organização de práticas interdisciplinares no trabalho com alunos com deficiência intelectual que estejam em processo de alfabetização e letramento. Sem a pretensão de esgotar, no entanto, temas tão amplos como a interdisciplinaridade, a alfabetização e o letramento de alunos com deficiência 3 intelectual, este trabalho visa favorecer a capacidade reflexiva do professor sobre suas práticas, no sentido de identificar e valorizar outros procedimentos que possam diversificá-las, bem como suscitar no mesmo a necessidade de ler e pesquisar mais sobre elas. Cláudia Gislene Biolo Morais 4 SUMÁRIO 1 O QUE SIGNIFICA TEORIZAR A PRÁTICA?...........................……….... 1.1 POR QUE TEORIZAR AS PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES?........ 5 5 2 QUEM SÃO OS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL?............ 8 3 COMO OS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL DESENVOLVEM E APRENDEM? ............................................................... SE 10 4 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: DOIS PROCESSOS QUE CAMINHAM JUNTOS................................................................................... 15 5 O CURRÍCULO.......................................................................................... 5.1 ALGUNS ASPECTOS CONCEITUAIS................................................... 5.2 O QUE SE ENTENDE POR CURRÍCULO ABERTO E FLEXÍVEL?...... 22 23 24 6 A INTERDISCIPLINARIDADE DO CONHECIMENTO............................... 6.1 O QUE É?................................................................................................. 6.2 O QUE NÃO É.......................................................................................... 6.3 POR QUÊ?................................................................................................ 26 26 28 29 7 COMO TRABALHAR COM O CONHECIMENTO DE FORMA INTERDISCIPLINAR?..................................................................................... 34 7.1 O CURRÍCULO INTEGRADO................................................................... 34 7.2 ALGUMAS ESTRATÉGIAS E MODALIDADES INTERDISCIPLINARES................................................................................... 35 8 COMO AVALIAR?........................................................................................ 50 9 COMO O PROFESSOR PODE SE TORNAR UM MEDIADOR DA APRENDIZAGEM?.......................................................................................... 52 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 55 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 56 5 1 O QUE SIGNIFICA TEORIZAR A PRÁTICA? “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. (...) Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” Paulo Freire, 2001 Sabemos que nós, professores, precisamos teorizar a nossa prática que, sem a teoria, pode ficar muito limitada e não nos propiciar as reflexões de que necessitamos. Mas, afinal, o que significa teorizar a prática? De acordo com Stenhouse, citado por Hernández e Ventura (1998, p. 16), “teorizar significa (...) incrementar o sentido profissional do professorado, na medida em que se torna mais crítico e abre sua disposição de aprender a partir de seu próprio trabalho.” Com base na idéia do autor, pode-se dizer, então, que à medida que o professor teoriza sua prática, abre as portas para que aprenda com ela e para que desenvolva um trabalho de qualidade. A teorização pode contribuir para que o professor conheça melhor seus alunos e suas aptidões, para que possa elaborar novas expectativas, analisar criticamente seu planejamento, rever decisões tomadas, tendo, dessa forma, mais elementos para organizar sua prática. Teorizar a prática pode ser, portanto, várias coisas: articular a teoria à prática, buscar fundamentos teóricos que embasem a prática, pesquisar sua própria prática pedagógica em sala de aula. Pode ser, também, e principalmente, refletir, questionar sobre a prática e aprender com ela. Beyer (2006, p.12) bem definiu a necessidade de aproximação entre a teoria e a prática, quando afirmou que a prática educativa com os alunos com necessidades especiais demanda muitas revisões por parte dos educadores, tanto as de natureza pragmática, situadas nos diversos aspectos que mobilizam o cotidiano escolar, como as de natureza teórica. É a aproximação entre teoria e prática que pode qualificar a educação de qualquer grupo de alunos. Por que teorizar as práticas interdisciplinares? Você, professor de sala de aula, em cujas mãos está a responsabilidade de organizar e promover o processo de ensino-aprendizagem, precisa de embasamento teórico para sistematizar a sua ação e refletir sobre ela, a fim de que possa sentir mais segurança em sua prática e desenvolver um trabalho de qualidade. Por esse motivo, faz-se necessária a teorização das práticas interdisciplinares utilizadas em sala de aula, através de, entre outras formas, 6 pesquisa bibliográfica e análise dos fundamentos teóricos que as embasam, de forma a dar respaldo ao professor para que as sistematize na escola. Vários estudiosos defendem a importância da articulação entre a teoria e a prática interdisciplinar em sala de aula. Klein (in FAZENDA, 1998, p. 119), por exemplo, faz referência ao resultado de alguns estudos realizados sobre o ensino interdisciplinar, em que se constatou um grande número de “práticas intuitivas” que “surgem como intuição ou modismo, sem regras ou intenções claras.” Diversas pesquisas na área realizadas por Ivani Fazenda (1991, p. 126) apontam para uma riqueza de práticas interdisciplinares que os professores experienciam intuitivamente. No entanto, segundo a autora, os insights intuitivos atrofiam quando abandonados ao senso comum. Há que pesquisar a própria prática empírica, para que se possa analisá-la, interpretá-la e redimensioná-la a partir de um substrato teórico consistente. A esse respeito, Klein (in FAZENDA, 1998, p. 125) acrescenta que “boas práticas, tanto disciplinares quanto interdisciplinares, dependem do conhecimento da literatura pertinente.” A autora reflete que os professores devem se tornar “profissionais que refletem”, num processo de “reflexão-emação”. E explica: “Como as situações com que lidam outros profissionais, os professores trabalham em contextos de complexidade, incerteza, singularidade, instabilidade e conflito de valores.” Portanto, “...precisam de uma epistemologia da prática marcada pela união reflexiva de pensar e fazer.” Severino (in FAZENDA, ibid., p. 38) chama a atenção para a ruptura que pode ocorrer entre o discurso teórico e a prática real do professor, o que, segundo o autor, compromete sua atuação, uma vez que não consegue se dar conta do mecanicismo de sua prática e da necessidade de sua contínua avaliação, podendo cair na rotina e dogmatismo. O autor aponta para a importância da relação do conhecimento com a prática humana, e, portanto, do vínculo do conhecimento pedagógico com a prática educacional. E justifica: “Ora, a função do conhecimento é substantivamente intencionalizar a prática; ele é a única ferramenta de que dispomos para tanto.” Para Severino, portanto, o saber é o instrumento para o fazer, ou seja, permite que o fazer tenha uma intencionalidade, um sentido, e deixe de ser mecânico. E conclui: A explicitação e o delineamento da intencionalidade constituem o fruto primacial da atividade teórica para a prática, exatamente em decorrência do fato de que a prática humana, em geral, e a prática educacional, em particular, não podem ser práticas puramente mecânicas e transitivas. Daí a grande contribuição do saber também para o fazer pedagógico e para o poder educacional. Como se vê, para o autor, a intencionalidade é fator essencial na prática interdisciplinar: “a prática da interdisciplinaridade, em qualquer nível (...) depende radicalmente da presença efetiva de um projeto educacional centrado numa intencionalidade definida com base nos objetivos a serem alcançados pelos sujeitos educandos.” (ibid., p. 40). Outro autor que também identifica a intencionalidade como fator primordial para o trabalho interdisciplinar é Tavares (in FAZENDA, p. 34), quando afirma que “o que caracteriza uma prática interdisciplinar é o sentimento intencional que ela carrega. Não há interdisciplinaridade se não há intenção consciente, clara e objetiva por parte daqueles que a praticam.” 7 Portanto, é importante que o professor teorize as práticas interdisciplinares que utiliza em sala de aula, fundamentando-as e refletindo sobre elas, para que não permaneça apenas no empirismo, mas tenha claro quais são suas intenções ao integrar os conhecimentos. Além disso, o professor deve teorizar sua prática interdisciplinar para que não permaneça apenas no pragmatismo ou em experiências do senso comum, mas também possibilite ao aluno o acesso ao conhecimento científico. Quando nós, professores, ao propormos e realizarmos com nossos alunos uma atividade, discutimos com eles a sua finalidade, as intenções, estamos teorizando a prática junto aos alunos. Lenoir (in FAZENDA, 1998, p. 48-49), constata que há duas tendências distintas da interdisciplinaridade na educação: a primeira perspectiva, epistemológica, é ligada ao saber científico, e a segunda perspectiva, instrumental, é voltada ao saber útil, aplicável e, ao contrário da primeira, refere-se mais a uma categoria de ação do que de conhecimento. Porém, segundo o autor, é importante que essas duas visões, que parecem contraditórias, sejam preservadas e mantidas, pois não são excludentes, mas sim se complementam. E justifica: É conveniente manter intimamente ligada essa dupla visão de interdisciplinaridade, epistemológica e prática, de maneira a evitar divagações tanto do tipo idealista, que negligencia toda ancoragem na realidade escolar, como do tipo técnicoinstrumentalista, em que a finalidade, a pertinência e o valor serão medidos pelo sucesso imediato. Dessa forma, o autor defende os dois aspectos do ensino interdisciplinar: o epistemológico, ligado ao conhecimento científico, e o pragmático, ligado a questões da prática. Portanto, o trabalho interdisciplinar pressupõe, ao mesmo tempo, aspectos pragmáticos, ligados ao senso comum dos alunos, a suas experiências, à resolução de problemas do seu cotidiano, e a aspectos epistemológicos, relacionados ao conhecimento científico e à apropriação do saber historicamente acumulado. Quanto a esses dois aspectos do ensino interdisciplinar, Fazenda (1991, p. 17) chama a atenção para a importância de que os educadores não deixem de lado os conhecimentos tradicionalmente sistematizados e organizados, partindo para uma exploração indiscriminada de conhecimentos do senso comum. Porém, ressalta que, no ensino interdisciplinar, ambos - conhecimento do senso comum e conhecimento científico – devem se interpenetrar: (...) o pensar interdisciplinar parte do princípio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. Tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhecimento, deixando-se interpenetrar por elas. Assim (...) aceita o conhecimento do senso comum como válido, pois é através do cotidiano que damos sentido às nossas vidas. Ampliado através do diálogo com o conhecimento científico, tende a uma dimensão utópica e libertadora, pois permite enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo. Quando incentivamos o aluno com deficiência intelectual a trazer para a sala de aula sua realidade, seus conhecimentos sobre determinado assunto, suas experiências, dando a ele oportunidade de relatar experiências vividas ou observadas no seu cotidiano, estamos valorizando e levando em consideração seu conhecimento do senso comum. Resta, assim, construir a ponte que liga o 8 senso comum do aluno ao saber científico, o que fazemos quando ampliamos seu conhecimento, o aprofundamos, introduzindo, a partir do que ele traz e acredita, o conhecimento cientificamente comprovado. Enfim, conhecimento científico e conhecimento do senso comum, epistemologia e pragmatismo, teoria e prática, o saber e o fazer... Seja qual for a terminologia que utilizemos para tais dicotomias, sabemos que são as duas dimensões do conhecimento. Então, acaso podemos dissociá-las em nossa práxis pedagógica? SUGESTÕES PARA ENRIQUECER SUA PRÁTICA A seguir, são apresentados relatos de alguns professores, com relação à seguinte questão: Em sua prática pedagógica, como você articula o conhecimento do senso comum trazido pelo aluno e o conhecimento científico ensinado na escola? Exemplifique com uma situação vivenciada em sala de aula. 1) “Utilizo o conhecimento de senso comum para a partir dele introduzir o conhecimento teórico. Num projeto realizado com uma turma de alunos de idade acima de 14 anos sobre a preservação do meio ambiente, busquei através de roda de conversas e passeios pelo bairro da escola saber o que a turma conhecia a respeito do assunto. Com esses dados elaboramos um projeto no qual tínhamos um problema a ser resolvido: A conscientização da coleta e separação do lixo. Como a maioria não sabia ler nem escrever, sugeri vários tipos de pesquisas: entrevistas, reportagens assistidas na TV, livros, revistas, fotos, figuras, toda informação trazida pelo aluno foi valorizada. Foi muito interessante pois todos puderam participar, inclusive os pais e a comunidade. A prefeitura limpou o rio ao lado da escola, forneceu os dias de coletas de lixo. Finalizamos o projeto plantando árvores refazendo a vegetação ciliar. Hoje, trabalho com crianças de 1,5 a 3 anos, criando situações de aprendizagem através do brincar, um instrumento que nos dá inúmeras possibilidades de ensinar e avaliar. E à criança permite aprender prazerosamente, brincando. Valorizo muito a aprendizagem através do lúdico, embasado pela teoria que possibilita ao educador e ao aluno reflexões sobre a prática.” 2) “Acredito que a bagagem cultural do aluno trazido de casa é muito importante para transformá-la em conhecimento cientifico. Atualmente trabalho, em um período, em uma das APAEs de Curitiba. Produzimos duas FEIRAS DE PRODUÇAO DO CONHECIMENTO, uma por semestre. Trabalhamos com o conhecimento que o aluno tem, por exemplo, sobre o destino do lixo e construímos um conhecimento cientifico que de maneira comprovada, se jogarmos lixo no fundo do quintal ou rua, se ocorrer chuva a água ficará parada dentro de garrafas, latas, pneus, etc., o mosquito AEDES AEGYPTI irá se procriar e em função disso poderá causar a doença chamada DENGUE.” 3) “Na prática de Educação Física os alunos trazem em sua bagagem brincadeiras cantadas, recreativas e modalidades esportivas vivenciadas desde a infância, porém cabe ao professor, aproveitando o conhecimento de senso comum por parte do aluno aperfeiçoar as brincadeiras utilizando-se do conhecimento científico através de regras e a realização das atividades corretamente.” (Professores participantes do Grupo de Trabalho em Rede do PDE, 2007). 9 2 QUEM SÃO OS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL? “(...) a pessoa com deficiência não é inferior aos seus pares, apenas apresenta um desenvolvimento qualitativamente diferente e único.” Marques, 2001 Primeiramente, é necessário fazer algumas considerações com relação ao termo empregado: O termo “deficiência intelectual” corresponde ao termo “deficiência mental”. Atualmente, há uma tendência mundial em se substituir o termo deficiência mental por deficiência intelectual, por este ser mais apropriado que aquele, pois se refere especificamente ao funcionamento do intelecto e não ao funcionamento da mente como um todo, como sugere o termo “mental”. (FERNANDES, p. 90). VOCÊ SABIA? Essa expressão foi oficialmente utilizada em 1995, quando a Organização das Nações Unidas realizou em Nova York o simpósio “Deficiência Intelectual: Programas, Políticas e Planejamento para o Futuro” (Paraná, 2006a, p.1) No entanto, a maioria dos autores ainda utiliza o termo deficiência mental. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999, p. 26), os deficientes mentais se caracterizam por registrar um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação; cuidados pessoais; habilidades sociais; desempenho na família e comunidade; independência na locomoção; saúde e segurança; desempenho escolar; lazer e trabalho. De forma semelhante, a Associação Americana de Retardo Mental – AAMR (2006), define deficiência mental como ...funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, auto-cuidados, vida doméstica, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. Fierro (in COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995, p. 232) utiliza o termo “atraso mental” e, também de forma semelhante, se refere a ele como uma “limitação na capacidade não somente de conhecimentos escolares, mas também de conhecimentos sociais e da vida diária.” Percebe-se que em todas essas definições não se focaliza apenas o déficit cognitivo da pessoa com deficiência ou sua condição orgânica, mas se articula aspectos cognitivos e funcionais, levando em conta também critérios de interação do sujeito nos diferentes contextos sociais. 10 Muitos pesquisadores abordaram o tema da pessoa com deficiência intelectual. Inhelder, da linha de Piaget, desenvolveu um estudo com pessoas com deficiência intelectual, e concluiu que elas não teriam condições de atingir uma condição cognitiva como as demais pessoas, apontando, primeiro, para o progresso intelectual mais lento desses sujeitos e, segundo, para a restrição evolutiva dos mesmos, ou seja, a aquisição de, no máximo, uma capacidade cognitiva operatória concreta. Também utilizou os conceitos de oclusão operatória (interrupção do crescimento intelectual) e viscosidade cognitiva (enrijecimento gradual da capacidade cognitiva). (BEYER, 2006, p. 10) Porém, segundo Fernandes, apesar de a deficiência intelectual, determinada por patologias e síndromes, impedir que a pessoa atinja as funções psicológicas superiores ou níveis mais complexos de elaboração mental (memória, raciocínio lógico, abstração), essa condição limitante não pode ser encarada de forma determinista, em razão de pesquisas na área de neuropsicologia que apontam para a plasticidade cerebral. O que é? Plasticidade cerebral é o fenômeno em que os circuitos cerebrais lesionados ou disfuncionantes podem ser substituídos por circuitos vizinhos intactos, em maior ou menor grau, dependendo da especialização da área afetada por diferentes deficiências ou danos neurológicos. (COSTA, 2000) Mantoan (apud MARQUES, 2001, p. 81) resume da seguinte forma os aspectos estruturais e funcionais dos sujeitos com deficiência intelectual: • os deficientes mentais configuram uma condição intelectual análoga a uma construção inacabada, mas , até o nível em que conseguem evoluir intelectualmente, essa evolução se apresenta como sendo similar a das pessoas normais mais novas; • embora possuam esquemas de assimilação equivalentes aos normais mais jovens, os deficientes mentais mostram-se inferiores às pessoas normais, em face da resolução de situações-problema, ou seja, na colocação em prática de seus instrumentos cognitivos; • apesar de se definir por paradas definitivas e uma lentidão significativa no progresso intelectual, a inteligência dos deficientes mentais testemunha uma certa plasticidade ao reagir satisfatoriamente à solicitação adequada do meio. Podemos concluir que, no contexto escolar, mediante procedimentos adequados do professor para abordar os temas de estudo, esses alunos podem evoluir cognitivamente. 3 COMO OS ALUNOS COM DESENVOLVEM E APRENDEM? DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SE “A singularidade do desenvolvimento da pessoa com deficiência está nos efeitos positivos da deficiência,ou seja, nos caminhos encontrados para a superação do déficit.” Marques, 2001 11 Muitos de nós, professores que trabalhamos com alunos deficientes intelectuais, sempre nos perguntamos: De que forma posso trabalhar com este ou aquele conteúdo para que meu aluno aprenda? Qual método utilizar? Quais recursos? Mas, será que já nos perguntamos: Como o deficiente intelectual aprende? Como desenvolve suas estruturas cognitivas? Com o intuito de tentar responder esses questionamentos, serão feitas, a seguir, algumas considerações sobre o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual, à luz do interacionismo de Piaget e Vygotsky. Os interacionistas contestam o inatismo. O conhecimento e a aprendizagem, sob o ponto de vista interacionista, provêm da ação, da transformação, e não da contemplação passiva. Tanto Piaget quanto Vygotsky concebem a criança como um ser ativo e atento, que é capaz de criar hipóteses sobre o seu ambiente, agindo sobre o objeto de conhecimento. (PALANGANA, 1994, p. 125) Portanto, o termo interação pressupõe que o conhecimento tem origem na ação – do sujeito sobre o meio e vice-versa. Piaget parte do princípio de que o conhecimento não é construído apenas a partir do sujeito ou do objeto, mas sim da interação entre estes dois pólos. De acordo com ele, o desenvolvimento cognitivo depende de quatro fatores básicos: • o fator biológico ou de maturação; • o exercício e a experiência física, adquiridos na ação sobre os objetos ; • as interações e transmissões sociais; • o fator de equilibração das ações. De acordo com sua teoria, o desenvolvimento cognitivo se dá por meio do desequilíbrio e equilibrações constantes, através de dois mecanismos, o de assimilação e o de acomodação, em que a criança, ao aprender, combina os fatores de ação externa com os fatores de organização interna, inerentes à sua estrutura cognitiva. (PALANGANA, ibid., p. 70) As crianças, dessa forma, aprendem modificando velhas idéias que têm e não acumulando informações, ou seja, constroem seu conhecimento em relação com o que já conhecem. Por esse motivo, se desenvolvem de dentro para fora, com sua própria organização, e não de fora para dentro. No enfoque piagetiano, a condição intelectual do deficiente mental dificulta a sua interação com o meio na construção do conhecimento, pois suas limitações interferem no seu processo de adaptação, gerando assimilações deformantes, que vão redundar em débitos cognitivos nos estágios seguintes de desenvolvimento (MARQUES, 2001, p. 80). No entanto, Barbel Inhelder, após realizar estudos sobre o raciocínio de deficientes intelectuais com base na teoria de Piaget sobre os estágios de desenvolvimento do ser humano, constatou que a hierarquia da construção dos conceitos é a mesma em pessoas com e sem deficiência intelectual, ou seja, que o deficiente intelectual passa pelos mesmos estágios de desenvolvimento da criança sem deficiência, porém com lentidão. Além disso, não chegam ao período operatório formal, podendo estacionar no operatório-concreto. 12 O que é? Estágios do desenvolvimento, segundo Piaget: 1) Período sensório-motor (do nascimento aos 2 anos): neste período a função semiótica está ausente, ou seja, a criança ainda não representa mentalmente os objetos e sua atividade intelectual é de natureza sensorial e motora; 2) Período pré-operacional (dos 2 aos 7 anos): a principal característica deste período é o aparecimento da função simbólica ou semiótica e a emergência da linguagem; 3) Período operatório-concreto (dos 7 aos 12 anos): a criança começa a realizar operações mentalmente e não mais apenas através de ações físicas como fazia nos estágios anteriores; 4) Período operatório formal – (dos 12 anos em diante): neste período, a criança desenvolve as operações de raciocínio abstrato. É aqui que têm início os processos de pensamento hipotético-dedutivos. (PULASKY, 1986). Porém, de acordo com sua teoria, a ordem ou seqüência em que as crianças atravessam essas etapas é sempre a mesma, variando apenas o ritmo com que cada uma adquire as novas habilidades, em função das diferenças individuais e do meio ambiente (ibid., p. 19-20). Vygotsky (2000, p. 116) também constatou, com base em seus estudos, que as crianças deficientes intelectuais não são muito capazes de ter pensamento abstrato. Porém, demonstrou que o sistema de ensino baseado somente no concreto não ajuda essas crianças a superarem suas deficiências, além de reforçá-las, quando acostumam as crianças apenas ao pensamento concreto. De acordo com o autor, as crianças com deficiência, quando deixadas a si mesmas, nunca atingirão formas de pensamento abstrato. O papel da escola deve ser, então, o de empurrá-las nessa direção, de forma que o concreto seja apenas um ponto de apoio para o desenvolvimento do pensamento abstrato. Batista e Mantoan (2006, p. 18) esclarecem que o atendimento educacional para esses alunos deve privilegiar o desenvolvimento e a superação daquilo que lhe é limitado e, para isso, “o contato direto com os objetos a serem conhecidos, ou seja, com sua ‘concretude’ não pode ser descartada, mas o importante é intervir no sentido de fazer com que esses alunos percebam a capacidade que têm de pensar, de realizar ações em pensamento”. É necessário dar condições a eles para que desenvolvam seu cognitivo, estimulando-os por meio da resolução de situações-problema. Marchesi e Martín (in COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995, p. 26-27) fazem referência à teoria dos processos metacognitivos, de acordo com a qual o específico da inteligência é a capacidade de auto-regular a própria aprendizagem, para que o aprendiz possa generalizar ou transferir uma aprendizagem a novas situações. Toda aprendizagem pressupõe generalizar o conhecimento anterior. Os autores salientam que os alunos com atrasos de aprendizagem têm essa capacidade de generalização ou transferência limitada, em razão da dificuldade em planejar e regular seus processos de conhecimento. A escolarização tem como principal objetivo que os alunos aprendam a aprender, que se dêem conta do que sabem e do que não sabem, e que saibam como e onde obter a informação necessária. Se esta é uma meta para qualquer aluno, ela assume uma importância muito maior para aqueles cuja deficiência consiste (...) na incapacidade de desenvolver, por si mesmos, os processos que lhes permitam regular sua aprendizagem. Como conseqüência, a intencionalidade que caracteriza a educação escolar deve manifestar-se, no caso dos alunos com necessidades educacionais especiais, em uma clara intervenção dirigida a ensinar aos alunos estratégias de controle de seus processos cognitivos. (MARCHESI e MARTÍN, id.) 13 Dessa forma, os processos interativos e a mediação do professor adquirem grande importância no ensino aos alunos com deficiência intelectual, pois “o processo de internalização, a passagem do plano interpsicológico ao intrapsicológico, que em outros indivíduos ocorre de uma maneira até certo ponto espontânea, exige uma clara intervenção intencional e planejada no trabalho com estes outros alunos [com deficiência intelectual]” (ECHETA e MARTÍN, in COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, ibid., p. 40) Isso vem de encontro ao conceito da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, em que, por meio das mediações, o aluno é estimulado a desenvolver seu potencial intelectual. O que é? Zona de desenvolvimento proximal Segundo Vygotsky, há dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real, que é determinado por aquilo que a criança pode realizar de forma independente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por aquilo que ela pode realizar sob a orientação de adultos ou a colaboração de seus companheiros. A distância entre esses dois níveis é o que se chama de zona de desenvolvimento proximal. Enquanto que o nível de desenvolvimento real de uma criança “define funções que já amadureceram, ou seja, os produtos finais do desenvolvimento (...) a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação”. (VYGOTSKY, 2000, p. 112) De acordo com essa teoria, a criança tem latentes capacidades e potencialidades para realizar determinadas tarefas, embora as efetive mediante a colaboração e intervenção de adultos ou crianças mais experientes. É a partir desse contato ou interação com o meio social que ela constrói seu conhecimento e passa a desempenhar as tarefas de forma independente. Vygotsky, cuja teoria sócio-histórica em que o processo de construção do conhecimento ocorre através da interação do sujeito com o ambiente, defende a idéia de que as pessoas com deficiência devem participar ativamente da vida social, pois a condição fundamental para que se desenvolvam são suas interações sociais no grupo. Segundo o autor, as deficiências afetam principalmente as relações sociais da criança, pois podem gerar um impacto no meio, e dependendo das mediações que ela estabelece com seu ambiente, pode desenvolver sentimentos positivos ou negativos. Os aspectos afetivo e cognitivo se interinfluenciam e influenciam as funções psicológicas superiores, como memória, abstração, percepção. Dessa forma, o meio social pode facilitar ou dificultar o desenvolvimento da pessoa com deficiência. Porém, Echeta e Martín (ibid., p. 36-40) advertem que o tipo de organização da classe e de sua interação depende do professor e das estratégias que desenvolve, o que gera determinados tipos de relações psicossociais, ou seja, processos cognitivos, afetivos e motivacionais entre os alunos e entre estes e o professor, os quais são potencializados por meio de estratégias cooperativas, em que sejam formados grupos heterogêneos de alunos unidos pelo mesmo objetivo de alcançar uma meta ou recompensa comum, e que se constituem em experiências especialmente valiosas para a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos com necessidades especiais: são exatamente os alunos com necessidades especiais que costumam ter grandes dificuldades para estabelecer relações sociais positivas com seus colegas, com as 14 implicações negativas que isto tem na aprendizagem, exceto, ou em menor grau, quando as tarefas acadêmicas comuns são realizadas em regime de interação cooperativa. Ross, em seu artigo Conhecimento e aprendizado cooperativo na inclusão (2004, p. 204) faz referência à necessidade da organização de práticas cooperativas no processo de inclusão de alunos com deficiência, que valorizem as diferenças e possibilidades de cada um. De acordo com o autor, a aprendizagem depende da oportunidade de experiências sociais, dos vínculos e desafios oferecidos, das interações e mediações organizadas: “o aprender tem uma dimensão individual que se processa coletivamente. O sujeito só aprende na relação com o outro. A aprendizagem é sempre mediada por instrumentos, signos e procedimentos que possibilitam relações entre os sujeitos e objetos e entre os sujeitos.” (ROSS, ibid., p. 207) A respeito do processo de inclusão educacional do aluno com deficiência intelectual e da forma como vem ocorrendo, é preciso considerar que os obstáculos são maiores do que no caso de outras deficiências, pois suas condições de acessibilidade não dependem de fatores apenas físicos ou de linguagem diferenciada, mas de uma mudança em relação à forma como o conhecimento é tratado na escola, de como se contemple a aprendizagem da diversidade dos alunos, bem como da adequação de práticas pedagógicas desenvolvidas (FERNANDES, p. 99) Para Batista e Mantoan (2006, p.18), a acessibilidade, para a pessoa com deficiência mental, ao contrário do que acontece em outras deficiências, não depende de suportes externos a ela, mas tem a ver com a mudança de uma posição passiva diante da aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber. Diante disso, é essencial que o professor, na educação da criança com deficiência intelectual, crie situações que envolvam sua participação ativa na execução das ações ou façam parte da experiência de vida dela. A seguir, são apresentadas outras sugestões de práticas pedagógicas voltadas às necessidades dos alunos com deficiência intelectual: • Adotar metodologias de ensino diversificadas, que contemplem estilos de aprendizagem variados; • Solicitar informações ou atuações com ordens claras e em seqüência, ao invés de instruções gerais, longas e pouco precisas; • Favorecer a experiência direta, juntamente com a mediação de um professor ou colega mais experiente; • Priorizar atividades de duração breve, com objetivos distintos e hierarquizados conforme as possibilidades de desempenho do aluno; • Flexibilizar o tempo de realização das tarefas, respeitando-se o ritmo do aluno; • Alternar trabalhos individuais e em grupos; • Estimular a demonstração de habilidades e talentos que extrapolem o conhecimento formal, em tarefas que exijam trabalhos em cooperação e ajuda mútua; • Reorganizar a posição das carteiras, de modo a facilitar a interação de todos os alunos; 15 • Avaliar o progresso diário do aluno, sua aprendizagem, utilizando suas próprias produções como parâmetro, diversificando as atividades de avaliação. (RODRIGUES, apud FERNANDES, ibid., p. 101-102) Vygotsky (apud MARQUES, ibid., p. 85), propõe uma visão qualitativa do desenvolvimento da criança com deficiência, em detrimento da visão quantitativa. Não devemos medir o desenvolvimento do aluno deficiente intelectual, com o propósito de compará-lo quantitativamente ao de outros alunos, dada sua singularidade e diversidade na forma de ser, de aprender e de se desenvolver, nem tampouco limitar seu ensino. Ao contrário, devem ser dadas inúmeras oportunidades e possibilidades para que se expresse, desenvolva seus potenciais, supere suas limitações. É através do ensino interdisciplinar que podemos oferecer a esse aluno um leque de oportunidades e possibilidades para que se desenvolva e aprenda. SAIBA MAIS A contribuição da Teoria das Inteligências Múltiplas A Teoria das IM, como é chamada, foi criada por Howard Gardner. A essência dessa teoria é respeitar as diferenças entre as pessoas, as múltiplas variações em suas maneiras de aprender, os vários modos pelos quais elas podem ser avaliadas. (GARDNER, in ARMSTRONG, 2001, p. 6). O autor agrupa as capacidades das pessoas em oito categorias ou “inteligências”: 1) Inteligência Lingüística – capacidade de usar as palavras de forma efetiva, oralmente ou por escrito; 2) Inteligência Lógico-Matemática – capacidade de usar os números de forma efetiva e para raciocinar bem; 3) Inteligência Espacial – capacidade de perceber com precisão o mundo visuo-espacial; 4) Inteligência Corporal-Cinestésica – perícia no uso do corpo todo para expressar idéias e sentimentos e facilidade no uso das mãos para produzir ou transformar coisas; 5) Inteligência Musical – capacidade de perceber, discriminar, transformar e expressar formas musicais; 6) Inteligência Interpessoal – capacidade de perceber e fazer distinções no humor, intenções, motivações e sentimentos das outras pessoas, podendo influenciá-las em suas ações; 7) Inteligência Intrapessoal – capacidade de autoconhecimento; 8) Inteligência Naturalista – perícia no reconhecimento e classificação das espécies do meio ambiente. Foi incluída também, recentemente, a Inteligência Existencial, que corresponde à preocupação com as questões básicas da vida. A teoria das IM contribui com a educação no sentido de sugerir aos professores que adequem o ensino às características dos alunos, expandindo seu repertório de técnicas, instrumentos e estratégias. Armstrong (2001, p. 7), especialista da educação especial, aplicou a teoria nesta área, com base nos muitos talentos que via nas crianças com deficiências. Segundo ele, a teoria das IM tem amplas implicações para a educação especial porque ao se focalizar um amplo espectro de capacidades colocam-se as incapacidades em um contexto mais amplo, e os professores começam a perceber os alunos com necessidades especiais como pessoas por inteiro, que possuem força em muitas áreas de inteligência. Esse é o paradigma de crescimento, que pode orientar nosso trabalho no sentido de que não consideremos essas crianças em termos de déficit, mas de suas possibilidades. O autor sugere que os professores ensinem os alunos em um âmbito interdisciplinar, pois a teoria das IM proporciona um contexto para estruturar currículos temáticos e integrados. O professor, ao escolher um conteúdo, área, tema ou objetivo, pode desenvolver pelo menos 16 oito maneiras de ensiná-lo, de forma que as atividades ativem as oito inteligências e aproveitem os talentos de todas as crianças, como no exemplo do quadro abaixo. Perguntas de Planejamento de IM Lingüística Como posso usar a palavra falada ou escrita? Naturalista Como posso introduzir a consciência ecológica, seres vivos e fenômenos naturais? Lógico-Matemática Como posso introduzir números, cálculos, lógica, classificações ou habilidades de pensamento crítico? OBJETIVO Intrapessoal Como posso evocar memórias pessoais ou deixar os alunos escolherem? Espacial Como posso usar recursos visuais, visualização, cor arte ou metáfora? Musical Como posso introduzir a música ou os sons ambientais ou explicar pontos importantes numa estrutura rítmica ou melódica? CorporalCinestésica Como posso envolver todo o corpo ou usar experiências práticas? Interpessoal Como posso fazer com que os alunos compartilhem coisas com os colegas? Quadro adaptado de ARMSTRONG, 2001, p. 66. Para saber mais sobre a Teoria das Inteligências Múltiplas aplicada à Educação Especial, leia: ARMSTRONG, T. Inteligências múltiplas na sala de aula. Porto Alegre: ARTMED, 2001. 17 4 ALFABETIZAÇÃO CAMINHAM JUNTOS E LETRAMENTO: DOIS PROCESSOS QUE “O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam.” Vygotsky, 2000 Vimos que os alunos com deficiência intelectual, apesar de suas diferenças estruturais no desenvolvimento e apropriação do conhecimento, podem progredir cognitivamente. Muitos até podem ser alfabetizados e letrados. Mas, o que significa estar alfabetizado e letrado, nos dias de hoje? Basicamente, significa a aquisição das habilidades da leitura e da escrita, bem como seu uso em práticas que envolvam essas habilidades. No entanto, ambos os processos – de alfabetização e letramento – são distintos entre si e têm suas especificidades. Enquanto que a alfabetização compreende a aprendizagem inicial da leitura e da escrita, e tem como especificidade o domínio do código, das relações entre o sistema fonológico e o sistema gráfico, o letramento compreende o domínio das habilidades de leitura e de escrita necessárias para a participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita. (SOARES, 2004, p. 67) A alfabetização se refere ao saber ler e escrever e o letramento ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita. Como se vê, são processos interdependentes, que ocorrem simultaneamente, e não devem ser dissociados. Isso porque a entrada da criança no mundo da escrita ocorre simultaneamente por ambos – pela aquisição do sistema convencional de escrita (alfabetização) e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (letramento). De acordo com Soares (ibid., p. 14), alfabetização e letramento não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonemagrafema, isto é, em dependência da alfabetização. Porém, a autora ressalta que os dois processos envolvem conhecimentos e habilidades específicos, e, portanto, procedimentos de ensino diferenciados: enquanto o letramento envolve a imersão das crianças na cultura escrita, sua participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito, a alfabetização envolve atividades de consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema-grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Alguns autores dividiram o processo de desenvolvimento da leitura e da escrita em fases, estágios ou períodos, quanto à seqüência em que ocorre sua 18 aquisição pela criança. Esses modelos de estágios, apesar de diferirem em alguns aspectos, têm um princípio em comum: a existência de um estágio inicial não-analítico visual que evolui para uma fase fonológica em que a criança compreende como funciona o sistema de escrita, ou seja, as regras de correspondência grafema-fonema, ou letra-som. SAIBA MAIS Segundo Frith (apud GUIMARÃES, 2005, p. 61), o desenvolvimento da leitura e da escrita ocorre em três fases: 1ª) Fase logográfica, em que a criança ainda não é capaz de analisar as palavras e utiliza uma estratégia logográfica que permite que ela reconheça, instantaneamente, algumas palavras familiares; 2ª) Fase alfabética, em que se destaca a compreensão do princípio alfabético, pois a criança passa a compreender que tanto o som das letras quanto sua posição na palavra são fundamentais em cada palavra, adquirindo, assim, as habilidades fonológicas que tornam possível primeiro a escrita, depois a leitura de palavras, com o emprego das regras de correspondência grafema-fonema; 3ª) Fase ortográfica, em que são desenvolvidas habilidades ortográficas visuais, que permitem um reconhecimento automático das palavras por meio da análise de suas unidades, sem que haja necessidade de conversão fonológica. Ferreiro (1995, p. 18-29) distingue os seguintes estágios na evolução da escrita infantil: 1) Pré-silábico - corresponde aos períodos de distinção entre o modo de representação icônico e o não-icônico, e da construção de formas de diferenciação (quanto aos eixos qualitativo e quantitativo). Nesse estágio a criança começa a distinguir entre “desenhar” e “escrever”, depois constrói formas de diferenciação entre as escritas de acordo com critérios quantitativo (estabelece a quantidade de letras que deve ter a escrita para que diga algo) e qualitativo (quanto à variação de letras). Porém, a criança ainda não atenta para as diferenças ou semelhanças entre os significantes sonoros da escrita. 2) Silábico - a criança presta atenção às partes sonoras do significante, ou seja, começa a descobrir que as partes da escrita (suas letras) podem corresponder à quantidade de partes que se reconhece nas palavras faladas, utilizando, então, em sua produção escrita, uma letra para representar cada sílaba. 3) Silábico-alfabético - intermediário entre a hipótese silábica e a alfabética, ou seja, a criança começa a produzir sua escrita de forma que ora representa as sílabas ora os fonemas. 4) Alfabético - a criança é capaz de estabelecer de forma sistemática correspondência entre os grafemas e fonemas. Entretanto, de acordo com Guimarães (ibid., p. 86), a fase alfabética não pode ser considerada o ponto final da aprendizagem da escrita, porque a criança aqui se depara com problemas ortográficos pelo fato de não existir, em nossa língua, uma correspondência biunívoca e recíproca entre fonema e letra. Assim, quando a criança compreende que uma letra pode ter diversos sons, assim como um som pode ter diversas letras, ela terá chegado à hipótese ortográfica da escrita. Quanto ao aprendizado da leitura e da escrita por alunos com deficiência intelectual, algumas pesquisas vêm indicando que esses alunos vivenciam processos cognitivos semelhantes aos das crianças ditas normais. Figueiredo e Gomes (2006, p. 26), ao realizarem um trabalho de análise desse processo em alunos com deficiência intelectual, obtiveram dados que revelaram que estes alunos, na tentativa de compreender a escrita, percorrem processos semelhantes àqueles identificados em alunos sem deficiência, referentes às etapas descritas por Ferreiro. Salientam que as estratégias de ensino para esses alunos podem ser as mesmas utilizadas com os alunos ditos normais, com a ressalva de que seu ritmo de aprendizagem é diferenciado, pois requerem um período mais longo para a alfabetização. 19 Conhecer as características individuais dos alunos e a forma como eles aprendem pode fornecer ao professor subsídios para a escolha de métodos e técnicas mais adequadas a esses alunos, de forma a potencializar a aprendizagem da leitura e da escrita. Atualmente, as estratégias metodológicas usadas na alfabetização dividem-se em: 1) Métodos fonéticos ou sintéticos, que partem dos elementos mais simples e abstratos da linguagem - grafemas (letras ou conjunto de letras) e fonemas (seus sons correspondentes) - para chegar aos elementos mais complexos - palavras e frases. Dentre os métodos sintéticos encontram-se o método alfabético, o método fônico, fonológico ou fonético, e o método silábico. (CITOLER e SANZ, in BAUTISTA, 1997, p. 128) 2) Métodos globais, ideovisuais ou analíticos que partem do todo, das estruturas mais complexas da linguagem (palavras, frases ou textos) para chegar à decomposição (em grafemas e fonemas). Dentre esses métodos encontram-se: a) o método de leitura ideográfico de Decroly - elaborado a partir de seu trabalho com crianças deficientes, tem como princípio a globalização, porque a criança, ao aprender, não percebe fatos isolados, mas sua totalidade (quando aprende a ler, a compreensão visual dos sinais gráficos, a expressão verbal, a associação dos sons com sua representação gráfica, a expressão escrita e a ortografia desses sinais formam um único todo). Parte do pressuposto de que a frase, ou a palavra significativa é o concreto e simples para a criança, e as sílabas, letras ou sons é o que constituem o abstrato, por não terem significado. Decroly empregava Centros de Interesse para a alfabetização, em que as frases ou palavras, além de serem significativas, eram associadas a um tema mais abrangente e a outras matérias do programa (Currículo integrado). (FEIL, 1986, p. 37-40) b) o método natural de Freinet - visa integrar a escrita e a leitura na vivência individual e coletiva das crianças, tendo como ponto de partida sua expressão livre nas mais diferentes formas (produção oral, desenho, escrita), para que passem da expressão oral para a expressão escrita de forma natural. São oferecidas às crianças oportunidades múltiplas e variadas de interagir com a língua escrita em contextos sociais de uso. (SANTOS, 1991, p. 212) 3) Métodos mistos, em que nem um nem outro método é aplicado na sua forma mais pura, mas são usados em conjunto, combinando os processos de análise e síntese. A abordagem construtivista para a alfabetização, baseada na teoria de Piaget, de acordo com Ferreiro (1995, p. 29-30), não se constitui em um método de ensino, mas em práticas, em que se estimula a criança a realizar produções escritas espontâneas em forma de conjuntos de palavras, as quais servem como ponto de partida para que o professor interprete e compreenda seu processo de construção da língua e a fase em que está, e elabore uma intervenção adequada à natureza do processo de sua aprendizagem. Essas práticas incidem não em dar inicialmente todas as chaves do sistema alfabético, mas em criar condições para que a criança as descubra por si mesma. 20 Alguns autores (CITOLER E SANZ; SANCHEZ; CAPOVILLA; GUIMARÃES) defendem que os métodos fonéticos são mais adequados para crianças com dificuldades de aprendizagem, por permitirem um trabalho sistemático de consciência fonológica e correspondência entre grafemafonema. O QUE É? Consciência fonológica é a habilidade de discriminar e manipular os segmentos que compõem a fala (rimas, aliterações, sílabas e fonemas). De acordo com Capovilla (2002, p. 81), há muitos estudos que relacionam a habilidade de estar atento aos sons da fala, ou seja, a consciência fonológica, ao sucesso na aquisição da leitura e escrita. De acordo com esses autores, essas crianças apresentam na sua maioria problemas no processamento fonológico, ou seja, têm dificuldade em discriminar, segmentar e manipular, de forma consciente, os sons da fala, e por isso precisam de atividades sistemáticas de segmentação de palavras em sílabas e em fonemas. Capovilla (ibid., p. 17) também indica o método multissensorial para crianças que apresentam problemas de leitura e escrita, o qual teve início com Maria Montessori, e busca combinar diferentes modalidades sensoriais (auditiva, visual, cinestésica e tátil) no ensino da linguagem escrita, de forma a estabelecer a conexão entre aspectos visuais (a forma ortográfica da palavra), auditivos (a forma fonológica) e cinestésicos (os movimentos necessários para a escrita), visando facilitar a leitura e a escrita. Coll (2000, p.133), ao se referir ao tratamento das diferenças individuais na escola, defende que “um ensino verdadeiramente individualizado, que leva em consideração essas diferenças, deve renunciar a prescrever um método de ensino único aplicável a todos os alunos.” De acordo com o autor, a individualização do ensino consiste, em primeiro lugar, na individualização dos métodos de ensino. Para Soares (ibid., p. 15), conciliar as duas dimensões da aprendizagem da língua escrita (alfabetização e letramento) e suas muitas facetas, implica reconhecer a diversidade de métodos e estratégias para o ensino de um e de outro. Sendo assim, de acordo com a autora, “não há um método para a aprendizagem inicial da língua escrita, há múltiplos métodos, pois a natureza de cada faceta determina certos procedimentos de ensino, além de as características de cada grupo de crianças, e até de cada criança, exigir formas diferenciadas de ação pedagógica.” Klein (2000, p. 17), com base em estudos de Vygotsky sobre a teoria da zona de desenvolvimento proximal e da interação social para a aprendizagem, apresenta uma proposta de alfabetização que tem como elemento norteador o texto oral e escrito, como unidade de sentido da língua, e que permite que se trabalhe de forma simultânea com os processos de alfabetização e letramento. Para a autora, o que importa, na alfabetização, é a apropriação do código escrito enquanto veículo de significação. No entanto, é no contexto do texto que se constrói (ou reconstrói) a significação das palavras, bem como as significações resultantes das relações entre elas. Essa proposta se contrapõe a métodos que privilegiam o domínio do sistema gráfico em detrimento do seu significado, e que tenham como elemento norteador a letra, a sílaba ou a palavra descontextualizada. Pressupõe que a aprendizagem da língua escrita é processual, e não ocorre 21 por etapas, em que seus conteúdos são trabalhados de forma fragmentada e desconexa entre si. Isso porque tendo como ponto de partida um texto que tenha sentido para o aluno, a língua escrita pode ser ensinada através da articulação de seus diversos fundamentos e conteúdos, em uma totalidade. O texto como uma unidade discursiva permite que se trabalhem, de forma contextualizada, conteúdos relativos tanto à textualidade quanto a codificação/decodificação. Klein (ibid., p. 47) deixa claro que o que se propõe é que “o trabalho de alfabetização deverá dar conta das duas questões: a questão da codificação/decodificação, propriamente dita (isto é, identificação das letras e das sílabas, seus valores fonéticos, o emprego dos sinais de acentuação, cedilha, etc.) e a questão das relações textuais (coerência, coesão, concordância, etc.)”. O código, assim, não é considerado um aspecto irrelevante ou secundário da escrita, mas sim um aspecto fundamental, e sua sistematização adquire importância, através de atividades de codificação/decodificação de letras, sílabas, famílias silábicas, juntamente ao trabalho com o texto. Dessa forma, o ensino da língua abrange quatro práticas articuladas a partir do texto: • Leitura e interpretação; • Produção de textos orais e escritos; • Análise lingüística; • Atividades de sistematização para o domínio do código. (KLEIN, ibid., p. 52) De acordo com esta proposta, o professor não deve seguir um método apenas, mas lançar mão de uma diversidade de metodologias e estratégias, que conduzam os alunos à apropriação da escrita alfabética, não os abandonando à sorte de adivinhar por si as relações existentes na nossa língua. De acordo com Klein (ibid.), “a relação entre a palavra falada e a palavra grafada é estabelecida por uma convenção puramente arbitrária, de sorte que se essa relação não for explicitada, dificilmente será apreendida pelo aluno.” Por isso, é necessário, neste momento da alfabetização, que o professor seja um mediador, que ajude os alunos a compreenderem a lógica dessas relações arbitrárias. VOCÊ SABIA? O processo de aquisição das habilidades de leitura e escrita pela criança, de acordo com Vygotsky (2000, p. 139-157), tem início antes de sua entrada na escola, quando já lida com situações de representação, tendo como base a fala. No início, a criança utiliza como meio de representação o gesto, em seguida utiliza o jogo e o brinquedo de faz de conta para representar algo, e, depois, representa objetos e situações pelo desenho, que já é uma forma de linguagem escrita. A partir daí, passa do desenho de coisas para o desenho de palavras, de forma natural. Porém, nesse ponto ela se depara com as relações arbitrárias de nossa língua. Klein (2003, p. 35) esclarece o que acontece: enquanto o desenho é uma representação de primeira ordem, que nos remete imediatamente à percepção da relação entre o grafismo e o objeto desenhado, a escrita é uma representação de segunda ordem, desde que, neste caso, o grafismo não se identifica imediatamente com a coisa que simboliza, mas com um elemento mediador que é a palavra oral. É necessário que a criança compreenda que podemos representar algo por meio de símbolos que não tenham semelhança com a coisa representada. Daí a importância de se trabalhar, no início, com várias formas de representação, e, posteriormente, realizar um trabalho direcionado à compreensão das relações entre a fala e a escrita. 22 Além da mediação do professor, é de grande importância também a interação da criança com outras mais experientes, o que vem de encontro à teoria da zona de desenvolvimento proximal. É através da mediação do professor e, muitas vezes, interação com os companheiros, que a criança vai compreendendo, no início, as relações entre a oralidade e a escrita e, mais adiante, todos os demais elementos de nossa língua. Diante disso, vale ressaltar que práticas em sala de aula que incentivem o trabalho coletivo e cooperativo entre crianças em diferentes níveis podem ser positivas para a aprendizagem. E mediante a utilização de uma variedade de textos tanto orais quanto escritos, a escrita passa a ter significado para as crianças e torna-se relevante, desde que passa a atender a uma necessidade, a necessidade de se comunicar. As Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (PARANÁ, 2006d, p. 21), a respeito do estudo da língua na escola, consideram importante a relação com sua função social. De acordo com essas diretrizes, a ação pedagógica com a língua deve privilegiar o contato real do aluno com a multiplicidade de textos produzidos e os diversos tipos de gêneros que circulam socialmente: “toda reflexão com e sobre a língua (...) somente tem sentido se considerar, como ponto de partida, a dimensão dialógica da linguagem, presente em atividades que possibilitem aos alunos e professores, experiências reais de uso da língua materna.” De acordo ainda com essas Diretrizes, os conceitos de texto e de leitura não se restringem à linguagem escrita, mas abrangem, além dos textos escritos e falados, a integração da linguagem verbal com as outras linguagens, como as artes visuais, a música, o cinema, a fotografia, o vídeo, a televisão, o rádio, os quadrinhos, a multimídia, enfim, todas as formas infográficas ou qualquer outro meio linguageiro criado pelo homem. E acrescentam: No processo de ensino e aprendizagem da língua, assumem-se o texto verbal – oral ou escrito – e também as outras linguagens, tendo em vista o multiletramento, como unidade básica, que se manifesta em enunciações concretas, cujas formas se estabelecem de modo dinâmico com experiências reais de uso da língua. (PARANÁ, ibid., p. 23) São sugestões de alguns tipos de textos, de uso social, que podem ser trabalhados com os alunos: • Narrativas (histórias; contos de fadas; histórias do folclore, lendas; histórias de vida; “casos” da vida cotidiana). • Poemas (para serem aprendidos de cor, para serem recitados ou lidos silenciosamente). • Receitas de cozinha (receitas simples e econômicas podem eventualmente ser preparadas na escola). • Lista (de compras, de coisas a fazer, de heróis favoritos, de personagens, de meninos e meninas, de brincadeiras, etc.). • Quadrinhos (crianças não só lêem, mas produzem suas próprias histórias). • Letras de músicas. • Bilhetes, cartas e telegramas. • Convites (para festas escolares, exposições, reuniões de pais). • Cartazes, textos de propaganda (para promover campanhas). 23 Agendas e diários. Textos didáticos (de Português, Matemática, Ciências, etc.). Reportagens (sobre o que está acontecendo na escola, no bairro, na cidade, no Brasil, no mundo). • Relatórios de visita ou de pesquisa. • Documentos da vida cotidiana. • Normas e instruções (como montar um brinquedo, organizar um jogo, etc.). (CARVALHO, 2005) O ensino da língua permeia o de outras áreas do conhecimento, quando, no âmbito de outras disciplinas, e dependendo dos temas, conteúdos ou objetivos propostos, os alunos são desafiados a construir narrativas, elaborar textos tanto orais quanto escritos, bem como explorar diferentes gêneros textuais. Os alunos com deficiência intelectual podem narrar situações e fatos vividos ou imaginados, descrever figuras, cenários, caracterizar personagens, etc., estando todas estas atividades contextualizadas. Dessa forma, nós, professores, podemos organizar práticas interdisciplinares, realizando um trabalho em que todas as áreas do conhecimento tenham como eixo central a alfabetização e o letramento: ao trabalharmos com o texto nas demais áreas do conhecimento, estamos, ao mesmo tempo, explorando os elementos da língua, alfabetizando e letrando. Assim, é importante ressaltar que no trabalho interdisciplinar desenvolvido com alunos deficientes intelectuais em processo de aquisição da língua escrita devemos utilizar diversos gêneros textuais e variadas formas de procedimento que se adaptem às suas necessidades e possibilitem o desenvolvimento de suas potencialidades, através da oralidade, leitura e escrita, visando tanto à alfabetização quanto ao letramento. • • • VOCÊ SABIA? • De acordo com alguns estudos realizados sobre a forma como lemos, existem duas rotas para a leitura: a rota fonológica, indireta ou não lexical e a rota lexical, direta ou visual. • A rota fonológica faz decodificação da escrita, ou seja, a pronúncia da palavra é construída segmento a segmento, por meio da correspondência grafofonêmica, antes que se possa ter acesso ao significado. • A rota lexical faz reconhecimento visual direto de palavras já conhecidas, resgatadas a partir do léxico, que é uma espécie de dicionário mental que permite compreender o que está escrito. A rota lexical implica a leitura das palavras de um modo global e permite ao leitor o acesso imediato ao significado do que está sendo lido antes mesmo de sua pronúncia. • Enquanto os métodos fonéticos e sintéticos baseiam-se na via fonológica de leitura, os métodos analíticos e globais baseiam-se na via lexical. • Na leitura lexical, o acesso se dá pela porta visual, enquanto que na leitura fonológica, o acesso é pela porta auditiva. (CAPOVILLA, 2002, p. 76-78) • As duas vias – lexical e fonológica – são utilizadas simultaneamente e ambas são necessárias a um leitor para a análise de qualquer símbolo, de forma a chegar ao seu significado. (SÁNCHEZ, in COLL; PALACIOS; MARCHESI, 1995, 105) 24 Para saber mais sobre letramento, acesse o site http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf Para sugestões de projetos interdisciplinares na Alfabetização, acesse o site http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/16711.pdf Para sugestões de práticas interdisciplinares na Alfabetização e Educação Física, acesse o site http://www.efdeportes.com/efd74/alfab.htm ou leia: GOMES, N. M. e ALMEIDA, M. A. Atividades recreativas, alfabetização e deficiência mental. Sertanópolis: Grafcel, 2001. 5. O CURRÍCULO “(...) currículo não é algo frio e descontextualizado, ao contrário, é algo vivo feito por gente para gente e, assim, precisa ser visto enquanto ação.” Silva, 2006 Para se falar na interdisciplinaridade, que é uma forma de organização curricular, é necessário abordar o tema do currículo na Educação Especial. Muito se fala sobre o direito de acesso ao currículo pelas pessoas com deficiência intelectual, como assegura a lei 9.394/96, art. 59, capítulo V: “Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades.” Atualmente, com a política da inclusão, à Educação Especial vem sendo conferido um sentido distinto do que tinha no decorrer de sua história, quando se apartava do contexto geral da educação - seus interesses, objetivos e discussões acerca do conhecimento escolar e sua organização curricular. Agora, como uma modalidade da educação escolar, vinculada à Educação Comum, vê resgatado o sentido pedagógico de suas práticas e deve garantir aos educandos o acesso aos conteúdos escolares formais. (PARANÁ, 2006b, p. 36) Isto implica em como a Educação Especial pode se organizar, através de métodos, técnicas e recursos específicos, para atender ao aluno com deficiência intelectual, de forma a garantir seu acesso ao currículo. Mas o que é o currículo? Alguns aspectos conceituais O currículo pode ser entendido como projeto que preside as atividades educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores, que são diretamente responsáveis pela sua execução. Para isso, o currículo proporciona informações concretas sobre que ensinar, quando ensinar, como ensinar e que, como e quando avaliar. (COLL, 2000, p. 45) 25 De acordo com essa definição, o currículo abrange dois aspectos que se relacionam entre si: o projeto e sua aplicação. Faz parte do primeiro aspecto o componente que explicita as intenções do projeto, seus objetivos e conteúdos – o que ensinar. Já o segundo aspecto abrange os três componentes restantes, que se referem ao plano de ação, de aplicação do projeto - quando ensinar, como ensinar, e o que, como e quando avaliar. O currículo se efetiva no projeto político pedagógico da escola, que retrata as características da mesma, suas intenções e propósitos. Para Silva (2006, p. 31), “o desenvolvimento do currículo implica um caminho de mão dupla, sendo que de um lado encontra-se quem planeja (o professor) e, de outro, para quem algo é planejado (o aluno).” A autora enfatiza a necessidade de se contemplar a subjetividade dos envolvidos nesse processo, ou seja, a do professor que organiza o currículo e a do aluno, para quem ele é organizado, considerando também o contexto no qual estão inseridos. De acordo com essa visão de currículo, a Educação Especial deve levar em conta essa contextualização, focalizando sua atenção, ao mesmo tempo, no currículo comum e nas possibilidades de oferecer respostas à diversidade educacional presente na escola. Sobre isso, o documento de Leis de Diretrizes e Bases Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001, p. 57) determina que a busca da construção curricular deve ser entendida como aquela garantida na própria LDBEN, complementada, quando necessário, com atividades que possibilitem ao aluno que apresenta necessidades educacionais especiais ter acesso ao ensino, à cultura, ao exercício da cidadania e à inserção social produtiva. De acordo com esse documento, atender as dificuldades de aprendizagem presentes na escola requer respostas educativas adequadas, as quais abrangem graduais e progressivas adaptações de acesso ao currículo, bem como adaptações de seus elementos. Isso pressupõe que a escola deve ajustar-se para atender às necessidades particulares de aprendizagem dos alunos, através da adaptação curricular, para que o acesso ao currículo seja adequado às condições dos mesmos. Segundo Pinheiro (2007, p. 23), apesar da evolução do aluno com deficiência mental apresentar as mesmas etapas do desenvolvimento de uma criança comum, o déficit de sua estrutura intelectual pode apresentar uma imaturidade cognitiva, psicológica, social e outras, quando comparado a uma criança de uma mesma faixa etária. Desse modo, deve-se considerar cada aluno como dotado de características singulares e com necessidades educativas específicas, exigindo, portanto, planejamento de ensino individualizado, condizente com suas reais capacidades de aprendizagem. Portanto, faz-se necessária a construção de um currículo aberto e flexível. O que se entende por currículo aberto e flexível? 26 O currículo da escola pode se caracterizar como um currículo aberto ou fechado. De acordo com Coll (ibid., p. 121), no currículo fechado os componentes curriculares – objetivos, conteúdos, atividades de ensino e de aprendizagem, atividades de avaliação, critérios de avaliação - estão fixados e predeterminados com independência dos alunos e dificilmente poderá responder à diversidade dos mesmos. O currículo aberto ou flexível permite atenção à diversidade, pois favorece a possibilidade de adequação e ajuste do ensino às características dos alunos, permitindo as adaptações curriculares. São características desse tipo de currículo: • Contemplar as necessidades educativas dos alunos; • Dar atenção à diversidade na aula; • Estimular a heterogeneidade; • Favorecer a individualização e a socialização do ensino; • Potencializar processos de colaboração reflexiva entre os profissionais; • Desenvolver intervenções pedagógicas para os alunos com necessidades educativas especiais em uma dimensão mais cognitiva. (TORRES GONZÁLEZ, 2002, p. 128) Quanto às adaptações curriculares, pode-se dizer que consistem em uma estratégia de ação docente para detalhar com precisão para onde e como dirigir a ajuda que os alunos necessitam e que se fundamentam, portanto, nos seguintes critérios: a) o quê o aluno deve aprender; b) como e quando aprender; c) que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem; d) o quê, como e quando avaliar o aluno. (PINHEIRO, ibid., p. 23) Em síntese, quatro pontos devem ser levados em consideração na operacionalização das adaptações curriculares: 1) A decisão da necessidade de adaptações não é individual, mas sim responsabilidade de todos os envolvidos, sendo que o aluno também precisa ser ouvido sempre que possível, pois sabe do que precisa e o que deseja; 2) A elaboração de uma adaptação curricular é um processo a ser pensado e programado, através do trabalho cooperativo e com base no currículo regular; 3) O foco de interesse deve estar centrado no potencial, não no déficit do aluno; 4) O processo de avaliação deve ser reorientado, do aspecto somativo e intraindividual para o aspecto formativo e interindividual. (SILVA, 2006, p. 67) A adaptação curricular abrange dois aspectos - as adaptações tanto dos elementos do currículo quanto dos meios de acesso ao currículo por parte do aluno. As adaptações de acesso ao currículo envolvem a disponibilização de recursos especiais, materiais ou de comunicação que facilitem aos alunos o acesso ao currículo. Algumas adaptações de acesso ao currículo para alunos com deficiência intelectual são sugeridas pelos PCNs (ibid., p. 47): ambientes de aula que favoreçam a aprendizagem, como atelier, cantinhos, oficinas, etc.; 27 desenvolvimento de habilidades adaptativas (sociais, de comunicação, cuidado pessoal e autonomia). As adaptações nos elementos curriculares são modificações realizadas na programação dos objetivos, conteúdos, metodologia, atividades, critérios e procedimentos de avaliação para atender às diferenças individuais (TORRES GONZÁLEZ, ibid., p. 164-165). Contudo, Pastor e Torres (apud FERNANDES, p. 24) advertem que “adaptar não é recortar, porque o que recortamos são possibilidades para o futuro.” Não se deve esvaziar os conteúdos, com base em uma baixa expectativa da aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. Ao contrário, as adaptações devem focalizar as capacidades, o potencial, a zona de desenvolvimento proximal e não as deficiências e limitações do aluno. Sobre isso, Batista e Mantoan (2006, p. 13) lembram que ensinar é um ato coletivo, em que o professor disponibiliza a todos um mesmo conhecimento, enquanto aprender é uma ação individual e heterogênea, e regulada pelo sujeito da aprendizagem. Se levarmos em consideração esses preceitos, seremos capazes de mudar as concepções e práticas das escolas, que poderão se tornar mais inclusivas. De acordo com Batista e Mantoan (id.), o que caracteriza a educação inclusiva não é o “ensino diversificado” para alguns, mas sim a “diversidade de atividades” referentes a um mesmo conteúdo curricular. Sendo assim, a aula inclusiva é a que visa responder à diversidade de estilos de aprendizagem na sala de aula, contemplando a participação de todos os alunos na construção do conhecimento. E para que isso ocorra, é necessário que o professor conheça e leve em consideração as características individuais de cada um de seus alunos – suas habilidades, necessidades, interesses, experiências, etc. - para que possa planejar diversas atividades que abranjam os diferentes estilos de aprendizagem. (FERREIRA, in RODRIGUES, 2006, p. 231) Entretanto, mudar as concepções e práticas da escola implica em mudar também a forma de avaliar, substituindo a avaliação classificatória pelas avaliações diagnóstica e formativa, as quais, estando incorporadas ao processo de ensino-aprendizagem, possam contemplar a diversidade e permitir uma visão mais ampla e subsídios para orientar as ações do professor e a atividade dos alunos. Algumas características de uma educação que pretenda atender a diversidade são assinaladas por Munõz e Maruny (apud TORRES GONZÁLEZ, ibid., p. 148): 1. Considerar os objetivos como elementos indicativos de referência, que tendem à consecução de capacidades, e não como componentes de um programa fechado. 2. Articular conteúdos do currículo a centros de interesse e macroatividades que tenham sentido e sejam motivadores para os alunos. 3. Possibilitar a participação efetiva dos alunos no processo de tomada de decisões referentes aos conteúdos, atividades, normas de trabalho, estilos de aprendizagem, etc. 4. Desenvolver atividades de auto-avaliação que permitam valorizar os progressos e os obstáculos além da avaliação dos próprios professores. 28 5. Estabelecer mecanismos para o acompanhamento do processo de aprendizagem por intermédio das equipes docentes. 6. Planejar uma estrutura organizativa flexível na aula e no ciclo, que estimule relações de comunicação e permita diferentes modalidades de trabalho (individual, cooperativo). 7. Confeccionar materiais didáticos multimídia, que aliem o uso de diferentes linguagens e recursos da comunicação. 8. Articular os recursos da escola e da comunidade com a programação didática. 9. Flexibilizar a organização do espaço e do tempo da aprendizagem para adequá-los aos ritmos, necessidades e motivações reais do grupo e dos alunos considerados individualmente. Enfim, a flexibilidade e a abertura do currículo devem caracterizar, ao mesmo tempo, seu processo de planejamento, desenvolvimento e avaliação, de forma a atender a diversidade dos alunos. O currículo organizado de forma interdisciplinar torna-se aberto e flexível, pois viabiliza um trabalho diferenciado, de acordo com as características – ritmo, interesses e necessidades - dos alunos, de forma a atender a diversidade. Por esse motivo, quando utilizamos práticas interdisciplinares estamos trabalhando com práticas inclusivas. 6 A INTERDISCIPLINARIDADE DO CONHECIMENTO “(...) se cada matriz curricular representa um tecido coeso, as disciplinas são as linhas que o tecem.” Maheu O que é? Interdisciplinaridade: palavra que, apesar de tão utilizada e difundida nos meios educacionais, muitas vezes acaba sendo também confundida com práticas que não lhe correspondem. Por esse motivo, para que o professor possa pôr em prática a interdisciplinaridade, precisa ter claro, primeiramente, o que é. Pode-se dizer que a interdisciplinaridade contraria a fragmentação do conhecimento em que as disciplinas escolares são trabalhadas de forma isolada, como diz Maheu: a transcendência dos limites disciplinares do conhecimento é condição fundamental ao olhar abrangente da interdisciplinaridade. A gênese do saber interdisciplinar repousa na idéia de relação entre as partes de um dado conhecimento. Sendo assim, o conceito de interdisciplinaridade está atrelado ao de disciplina, pois para que haja interdisciplinaridade, é preciso que haja disciplinas. E quanto ao termo disciplina, Santomé (1998, p. 55) o define como “uma maneira de organizar e delimitar um território de trabalho, de concentrar a 29 pesquisa e as experiências dentro de um determinado ângulo de visão.” Segundo o autor, por esse motivo que “cada disciplina nos oferece uma imagem particular da realidade, isto é, daquela parte que entra no ângulo de seu objetivo.” Neste caso, disciplina é, portanto, uma parte do todo mais complexo que é o conhecimento. Falar sobre interdisciplinaridade pressupõe falar, também, sobre globalização do conhecimento e currículo integrado, pois são temas que caminham juntos e estabelecem entre si uma relação; pois a interdisciplinaridade é uma forma de organização e trabalho com o currículo globalizado ou integrado. O termo globalização está fundamentado em razões de caráter psicológico relacionadas com a estrutura cognitiva e afetiva da criança e, em conseqüência, está relacionado com uma forma metodológica específica de organizar o ensino para facilitar sua aprendizagem e desenvolvimento (ibid., p. 33). Sua base está em uma pedagogia centrada nas características do desenvolvimento dos alunos, suas necessidades e interesses. O termo integração ressalta a unidade entre as diferentes disciplinas e formas de conhecimento nas instituições escolares, pois significa “a unidade das partes, que seriam transformadas de alguma maneira. Uma simples soma ou agrupamento de objetos distintos ou de partes diferentes não criaria necessariamente um todo integrado” (PRING, apud SANTOMÉ, ibid., p. 112) Além disso, o trabalho com o currículo integrado ou currículo globalizado parte da idéia de que, como expressou Santomé (ibid., p. 25) “o currículo pode ser organizado não só em torno de disciplinas, (...) mas de núcleos que ultrapassam os limites das disciplinas, centrados em temas, problemas, tópicos, instituições, períodos históricos, espaços geográficos, grupos humanos, idéias, etc.” Sobre as propostas baseadas na globalização e interdisciplinaridade atualmente, Hernández (1998, p. 34-38) constata que “quando se fala de globalização (...), o eixo é a busca de relações entre as disciplinas no momento de enfrentar temas de estudo.” E mais adiante completa: “Todas essas propostas (...) baseiam-se na idéia de integração de conhecimentos, na importância de levar em conta o mundo de fora da escola e considerar a realidade dos alunos.” Todavia, é importante aclarar um ponto: na interdisciplinaridade, essa integração entre as disciplinas do currículo ocorre na forma de inter-relações entre elas, complementaridade, sem que se perca, no entanto, a especificidade do objeto de estudo de cada uma. Na prática, poderíamos dizer que, dessa forma, os professores proporcionam aos alunos uma aprendizagem simultânea de saberes comuns a duas ou mais disciplinas integradas. Para Severino (in FAZENDA, 1998, p. 42), a interdisciplinaridade é um “processo integrador, articulado, orgânico, de tal modo que, em que pesem as diferenças de formas, de meios, as atividades desenvolvidas levam ao mesmo fim. Sempre uma articulação entre totalidade e unidade.” E se formos em busca da definição de interdisciplinaridade no dicionário, iremos encontrar: "relação entre as disciplinas, evidenciada por uma abordagem pedagógica particular. Abordagem de ensino em torno de um tema ou de um projeto que serve ao estudo de algumas ou várias disciplinas integradas [… ].” (SMIRNOV, 1983) 30 Ferreira (in FAZENDA, 1991) vai a origens mais remotas para analisar o sentido do termo. Segundo a autora, sua origem vem da civilização grega do século VI a.C. , quando o mundo e seus elementos eram vistos de forma holística, como uma unidade, e não havia vários conhecimentos, mas “o conhecimento”, segundo o qual o universo era um todo, do qual fazíamos parte. Pouco a pouco, no mundo ocidental, foi-se perdendo a noção de unidade universal, que começou a se fragmentar e a dar origem à multiplicidade de ciências. O termo interdisciplinaridade vem resgatar essa visão holística do conhecimento, pois o prefixo latino inter significa troca, reciprocidade, disciplina significa ensino, instrução, ciência, e o sufixo latino dade tem a propriedade de substantivar os adjetivos, atribuindo-lhes o sentido de ação, qualidade, estado ou modo de ser. “Logo, a interdisciplinaridade pode ser compreendida como sendo um ato de troca, de reciprocidade entre as disciplinas ou ciências – ou melhor, de áreas do conhecimento.” A autora considera, ainda, que a interdisciplinaridade é uma atitude, uma externalização de uma visão de mundo holística. Sendo assim, se interpretamos o termo ao pé da letra, podemos concluir que a interdisciplinaridade é mais uma questão de atitude e de ação, do que de conhecimento. Essa é a opinião de Tavares (in FAZENDA, 1991, p. 29), quando menciona que a interdisciplinaridade pressupõe “uma mudança de atitude frente ao conhecimento, uma substituição da concepção fragmentária para a unitária do ser humano.” E acrescenta: “Além de uma atitude de espírito, a interdisciplinaridade pressupõe um compromisso com a totalidade.” Para a autora, a interdisciplinaridade também pode ser entendida como um projeto de envolvimento que parte do individual para o coletivo, pois há a necessidade de que professores e alunos trabalhem unidos, se conheçam e se entrosem para, juntos, vivenciarem uma ação educativa mais produtiva. Isso porque uma ação pedagógica interdisciplinar requer, antes de mais nada, uma atitude interdisciplinar. Portanto, a interdisciplinaridade faz-se, antes, entre os indivíduos para, depois, ser feita entre as disciplinas. (MAHEU) Na opinião de Bochniak (in FAZENDA, ibid., p. 130), a interdisciplinaridade é categoria indispensável para se repensar o processo de educação na sociedade atual. A autora expressa, em síntese, alguns pontos que definem o trabalho interdisciplinar na escola, como: • disposição ao desafio de superar visões fragmentadas das disciplinas; • disposição em romper barreiras entre teoria e prática; • preocupação com a formação da visão de totalidade do homem; • disposição a, mais do que ensinar e aprender um conhecimento, fazer, no cotidiano, este conhecimento; • motivação a grandes desafios que vão se realizando a partir do cotidiano, através de pequenos passos; • desafio de desenvolver o espírito crítico do aluno, exercitando-o na escola, e também o do professor; • disposição a, desde a pré-escola, ensinar e/ou aprender, com os alunos, dos alunos e/ou para os alunos, o que é pesquisar, sem admitir barreiras estabelecidas e consagradas entre níveis de ensino e tipos de escolas; • propósito de explorar as atividades cotidianas desenvolvidas na escola, bem como a multiplicidade de relações que se estabelecem, para 31 programá-las mais adequadamente, modificá-las, e realizá-las de forma sempre mais consciente. O que não é: • • • • • • Uma visão fragmentada do conhecimento e do ser humano; Dicotomia entre teoria e prática; Uma apresentação linear, descritiva e expositiva sobre um tema, sem problemas e sem um fio condutor; Uma apresentação de matérias escolares, de forma fragmentada; Uma atividade em que o professor dá as respostas sobre o que já sabe, como detentor do saber; Pensar que os alunos devam aprender o que queremos ensinar-lhes, sem levar em conta o que lhes interessa aprender. SAIBA MAIS Intra, pluri, multi, trans e interdisciplinaridade As disciplinas podem estabelecer diferentes formas de relação entre si, como: • Multidisciplinaridade – mera justaposição de diferentes conteúdos de disciplinas distintas, com a intenção de esclarecer alguns dos seus elementos comuns, porém sem nenhuma preocupação de integração, sendo que cada disciplina tem objetivos próprios; • Pluridisciplinaridade – pequena cooperação entre as diferentes disciplinas, troca de informações e acumulação de conhecimentos, porém não existe uma coordenação, os objetivos ainda são distintos; • Intradisciplinaridade – estabelecimento de relações entre uma matéria (disciplina-mãe, matriz) e demais disciplinas aplicadas. A intradisciplinaridade corresponde às relações intrínsecas entre a matéria e as disciplinas que derivam da primeira; • Interdisciplinaridade – trabalho de integração, cooperação e troca das diferentes áreas do conhecimento, aberto ao diálogo e ao planejamento. Neste caso há uma coordenação que integra objetivos, atividades, procedimentos, planejamentos. Implica na vontade e compromisso de elaborar um contexto mais geral, no qual cada uma das disciplinas passa a depender umas das outras. É o resultado da articulação entre duas ou mais disciplinas com objetivos pedagógicos comuns. Nessa perspectiva, a unidade do saber se realiza na especificidade de cada uma das disciplinas; • Transdisciplinaridade – é o nível superior da interdisciplinaridade, em que a integração chega a um nível tão alto que desaparecem os limites entre as diversas disciplinas, e é impossível distinguir onde começa e onde termina uma disciplina. A finalidade a ser atingida é comum a todas as disciplinas. (NOGUEIRA, 2001, p. 140) Por quê? Por que a proposta de trabalho interdisciplinar? O que justifica essa forma de se trabalhar com os conhecimentos? Será que a interdisciplinaridade contribui para a aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual? As formas de desenvolvimento curricular interdisciplinares são justificadas e legitimadas, em geral, mediante argumentos psicológicos, epistemológicos, sociológicos, ou com a conjunção de vários deles. Os argumentos psicológicos, com base nas teorias de Dewey, Piaget e Vygotsky, que evidenciam a importância da ação e da experiência para a construção do conhecimento, abordam aspectos sobre a idiossincrasia da psicologia infantil, a prioridade de atender às necessidades e interesses das 32 crianças, o papel da experiência na aprendizagem e os processos na aprendizagem. Algumas teorias psicológicas defendem também o caráter “sincrético” ou global da percepção infantil, ou seja, que as crianças “não captam inicialmente as coisas pelos seus detalhes e partes isoladas (que vão unindo até obter uma imagem de um objeto), mas, pelo contrário, pela sua globalidade.” Essa teoria se opõe ao método analítico-sintético de acordo com o qual a soma e a associação de percepções simples levam a conceitos mais amplos e universais (SANTOMÉ, 1998, p. 35) A psicologia piagetiana vem de encontro a essa forma de organização da aprendizagem, pois para Piaget a aprendizagem ocorre através de processos de equilibração, em que os conflitos cognitivos ou desequilíbrios são os motores das aprendizagens, e o organismo apenas assimila a informação que estiver ligada aos seus interesses e às possibilidades cognitivas oferecidas pelos esquemas anteriormente construídos. Sob esse ponto de vista, só as questões interessantes e motivadoras têm a possibilidade de gerar conflitos cognitivos e, consequentemente, aprendizagens. Para Piaget, a motivação é sobretudo intrínseca e não extrínseca, ou seja, o sujeito aprende e forma seus conhecimentos porque se interessa por eles. E o trabalho por projetos interdisciplinares pode propiciar a motivação pela aprendizagem, justamente por permitir um ensino contextualizado e maior liberdade para selecionar questões de estudo e pesquisa mais familiares e assuntos ou problemas mais interessantes para os alunos com deficiência intelectual. Santomé (ibid., 40) destaca a importante contribuição de Vygotsky com sua teoria histórico-cultural em que ressalta o papel decisivo desempenhado pelos adultos, pelo meio social e pela instrução na aprendizagem e desenvolvimento humanos, e a teoria da zona de desenvolvimento proximal. Neste caso, a interação social intencionada, as intervenções pedagógicas que os adultos devem planejar e colocar em prática, as experiências de aprendizagem baseadas nos conhecimentos já assimilados pelos alunos e aproveitando seus conceitos espontâneos são requisitos indispensáveis para estimular a zona de desenvolvimento proximal e facilitar a aprendizagem. A perspectiva de Ausubel sobre a aprendizagem significativa, de acordo com a qual a aprendizagem ocorre quando as novas informações e conhecimentos podem relacionar-se com aquilo que a pessoa já sabe, é mais um argumento que fundamenta o currículo integrado, pois quanto maior for a compartimentação dos conteúdos, mais difícil será sua compreensão e significatividade. (SANTOMÉ, id.) A contribuição de Ausubel baseia-se na forma como as pessoas aprendem e reconstroem seu conhecimento e sobre as estratégias didáticas que facilitam esse processo. O resultado de suas pesquisas são o de que um ensino mais receptivo, reduzido a dimensões expositivas leva a uma aprendizagem memorística ou repetitiva, ao passo que estratégias pedagógicas destinadas a favorecer a aprendizagem por descoberta autônoma leva à aprendizagem significativa. Com relação a essa perspectiva, Hernández e Ventura (1998, p. 57) fazem referência a Coll, segundo o qual o princípio de globalização traduz a idéia de que a aprendizagem não se realiza por uma simples adição ou acumulação de novos elementos à estrutura cogniscitiva do aluno. Essa visão 33 assume, pelo contrário, que as pessoas estabelecem conexões a partir dos conhecimentos que já possuem e, em sua aprendizagem, não procedem por acumulação, e sim pelo estabelecimento de relações entre as diferentes fontes e procedimentos para abordar a informação. E Santomé (1998, p. 41) completa: “quando quem aprende encontra conteúdos quase sem sentido, ligados arbitrariamente entre si e difíceis de relacionar com os conteúdos de sua atual estrutura cognitiva, ocorre uma aprendizagem memorística.” Daí a importância de não se fragmentar os conteúdos, mas sim de criar situações de ensino e aprendizagem em que os conteúdos culturais relevantes selecionados no projeto interdisciplinar sejam contextualizados e possam interagir e propiciar processos de reconstrução a partir do que já existe nas estruturas cognitivas dos alunos. Além disso, “é preciso levar em consideração as peculiaridades cognitivas dos que aprendem, conhecer e partir dos seus conceitos espontâneos e implícitos para gerar as adequadas contradições ou conflitos cognitivos capazes de obrigar cada estudante a substituir ou reconstruir suas idéias para enfrentar os novos desafios que o envolve.” (ibid., 43) Enfim, quanto mais geral e amplo for o conteúdo a ser trabalhado maiores serão as possibilidades de o mesmo ser significativo e motivador para os alunos. Para Coll (2000, p. 142), esta é a razão intrínseca pela qual devemos tentar fazer com que a aprendizagem escolar seja sempre a mais globalizadora possível, pois, quanto mais globalizado for o aprendizado, maior será sua significatividade, mais estável sua retenção e maior sua transferência e funcionalidade. De acordo com Kilpatrick (1974, p. 74) a aprendizagem só se dá quando suas leis são observadas, sendo elas: 1º) Precisamos praticar o que queremos aprender. Porém, não é tudo que praticamos que aprendemos; apenas o que é bem sucedido. “O aprendizado segue a direção estabelecida pelo desejo, propósito ou intenção de quem aprende.”(ibid., p. 69-70); 2º) Para que os alunos possam exercitar as qualidades desejadas, precisam ser colocados em situação de vida real. “As melhores condições para o aprendizado apresentam-se quando o professor e os alunos cooperam com a mesma intenção e quando a colaboração e o esforço são julgados pela maneira por que apareceu, na vida coletiva, em vez de o serem pela influência de qualquer palavra de autoridade externa.” (ibid., p. 70); 3º) Os alunos necessitam ter a experiência real em situação social, ou seja, a aplicação do aprendido, para que possam fazer a transferência de um conhecimento a uma nova situação. Por esse motivo, quanto mais a vida escolar se aproximar da vida exterior, melhor. 4º) Aprendemos por associação e não de forma isolada, ou seja, não aprendemos uma só coisa de cada vez, mas sempre muitas ao mesmo tempo. “Qualquer trabalho, de qualquer natureza, apresenta fases variadas e tem variadas conexões. A cada uma dessas fases ou conexões, disposições emocionais ficam mais ou menos associadas. Muito do que aprendemos se dá, assim, simultaneamente.” (ibid., p. 72). Em suma, para o autor, o propósito e o desejo dos alunos determinam sua aprendizagem, quando eles, ativamente, intentam projetos que sintam como seus. No seu ponto de vista, aprender as matérias quando elas se 34 tornam necessárias propicia maior desenvolvimento do que dá-las antes que se tenham tornado necessárias. Portanto, o impulso da ação de aprender surge de dentro, pois damos maior importância ao que fazemos ativamente, pela iniciativa criadora. Por esse motivo, a escola precisa oferecer aos alunos oportunidades para a experiência ativa e de caráter social, possibilitando aos mesmos que compartilhem suas experiências ao se reunirem em empreendimentos comuns para fins educativos. (ibid., p. 78-79) Nogueira (2001, p. 89) também destaca alguns pontos importantes no processo educacional, que, de acordo com ele, a prática de projetos viabiliza, a saber: • aprendizagem significativa; • aprendizagem individual e não coletiva; • múltiplas interações do aluno com o meio, com outros indivíduos e com o objeto do qual pretende se apropriar, no seu processo de construção do conhecimento; • pluralidade das inteligências e a consideração que o sujeito possui um espectro de competências a ser desenvolvido. Para o autor, os projetos possibilitam que se trabalhe os conteúdos de forma focada nas características individuais dos alunos, percebendo individualmente as diferentes formas de aprender, os diferentes interesses, e as dificuldades e potencialidades de cada um. Além disso, propiciam uma riqueza de materiais, experiências e vivências. O autor constata também que o trabalho por projetos, por permitir a aprendizagem experienciada, com interação, partindo do simples para o complexo, com resolução de situaçõesproblema, pode favorecer a formação integral do sujeito, que vai além do aspecto cognitivo. Ele se baseia na teoria das Inteligências Múltiplas, de Gardner. Na opinião de Gardner (1995 p. 16), “o propósito da escola deveria ser o de desenvolver as inteligências”. O autor defende a noção de uma escola centrada no aluno. E justifica: “nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades; nem todos aprendem da mesma maneira.” Sobre o método de projetos na escola, o autor chama a atenção para dois aspectos que, de acordo com ele, caracterizam qualquer tipo de projeto e devem ser observados: o fato de que o projeto revela alguma coisa sobre o aluno (suas potencialidades, limitações, idiossincrasias e perfil cognitivo), e também o fato de que o projeto envolve a cooperação com outros alunos, professores e especialistas de fora, assim como o uso de outros tipos de recursos. De acordo com Klein (in FAZENDA, 1998, p. 117), o que justifica currículos baseados em problemas é o fato de que “a vida (...) é ‘naturalmente’ interdisciplinar, portanto, a educação interdisciplinar reflete o ‘mundo real’ de maneira mais eficiente do que a instrução tradicional.” Enfoques de problemas, temas e projetos oferecem um “quociente de realidade mais alto” ao enfatizar que o mundo real opera como um todo e não em aulas isoladas com disciplinas divididas. Lenoir (in FAZENDA, ibid., 64-65) questiona a forma de ensino disciplinar, que dificulta o trabalho dos professores primários, a quem chama de generalistas, os quais intervêm em diversos campos disciplinares. 35 Alguns estudos também argumentam que os alunos, neste tipo de ensino, apresentam algumas características positivas à aprendizagem, como: - Ficam mais motivados e engajados em pensamentos de nível mais alto, pois são mais capazes de lidar com questões e problemas complexos, estabelecer conexões e lidar com a contradição; - Demonstram mais criatividade, atenção e melhor assimilação em virtude das múltiplas conexões. (KLEIN, ibid., p. 118) Além disso, pesquisas do cérebro relacionadas à aprendizagem contextual relatam que “integrar o aprendizado sobre um tema central parece favorecer um desenvolvimento do pensamento crítico maior do que o possibilitado pelas mesmas experiências curriculares sem um requisito integrador.” (id.) Contudo, de acordo com Bartoszeck (2007, p. 3), a pesquisa em neurociência não introduz novas estratégias educacionais, mas fornece razões concretas porque certas abordagens e estratégias educativas são mais eficientes que outras para promover a aprendizagem. O autor faz referência a algumas delas quando, com base em estudos de Rushton & Larkin, estabelece uma relação entre os princípios da neurociência sobre como o cérebro aprende e as estratégias que podem ser criadas no ambiente de sala de aula: Princípios da neurociência Ambiente de sala de aula 1. Aprendizagem & memória e emoções ficam interligadas quando ativadas pelo processo de aprendizagem. Aprendizagem sendo atividade social, alunos precisam de oportunidades para discutir tópicos. Ambiente tranqüilo encoraja o estudante a expor seus sentimentos e idéias. Aulas práticas/exercícios físicos com envolvimento ativo dos participantes fazem associações entre experiências prévias com o entendimento atual. Ajuste de expectativas e padrões de desempenho às características etárias específicas dos alunos, uso de unidades temáticas integradoras. Estudantes precisam sentir-se “detentores” das atividades e temas que são relevantes para suas vidas. Atividades pré-selecionadas com possibilidade de escolha das tarefas, aumenta a responsabilidade do aluno no seu aprendizado. Situações que reflitam o contexto da vida real, de forma que a informação nova se “ancore” na compreensão anterior. Promover situações em que se aceite tentativas e aproximações ao gerar hipóteses e apresentação de evidências. Uso de resolução de “casos” e simulações. Propiciar ocasiões para alunos expressarem conhecimento através das artes visuais, música e dramatizações. 2. O cérebro se modifica aos poucos fisiológica e estruturalmente como resultado da experiência. 3. o cérebro mostra períodos ótimos (períodos sensíveis) para certos tipos de aprendizagem, que não se esgotam mesmo na idade adulta. 4. O cérebro mostra plasticidade neuronal (sinaptogênese), mas maior densidade sináptica não prevê maior capacidade generalizada de aprender. 5. Inúmeras áreas do córtex cerebral são simultaneamente ativadas no transcurso de nova experiência de aprendizagem. 6. O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses. 7. O cérebro responde, devido à herança primitiva, às gravuras, imagens e símbolos. (BARTOSZECK, ibid., p. 4) 36 Como se vê, todas as estratégias sugeridas pelo autor são práticas que ocorrem naturalmente no trabalho interdisciplinar. De acordo, ainda, com o autor, “é preciso aprofundar o estudo de ambientes educativos não tradicionais, que privilegiem oportunidades para que os alunos desenvolvam entendimento, e que possam construir significado a partir de aplicações no mundo real.” Sendo assim, também as contribuições da neurociência aplicadas à educação, com relação à forma como se aprende e as estratégias que facilitam a aprendizagem, são favoráveis ao ensino integrado e interdisciplinar. Enfim, o ensino interdisciplinar pode fazer a diferença para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual, por permitir, dentre outras coisas, que ele não permaneça em uma posição passiva, mas participe ativamente de seu processo de aprendizagem. VOCÊ SABIA? • O movimento interdisciplinar surgiu na Europa (França e Itália) em idos dos anos 60, mesma época dos movimentos estudantis franceses de cunho marxista, que reivindicavam mudanças estruturais nas instituições escolares. • O aumento de interesse pelo ensino interdisciplinar ocorreu juntamente com uma mudança na maneira de pensar o ensino e a aprendizagem. • Já no final do século XIX, com a chamada “revolução copernicana na educação”, dá-se início na escola o movimento denominado “a escola centrada na infância”, a partir de pesquisas no âmbito da psicologia e medicina acerca do comportamento infantil, o que gera a elaboração de novas propostas educacionais e favorece o aparecimento de diferentes concepções sobre a infância que repercutem nas teorias e práticas pedagógicas, voltadas agora à criatividade e à liberdade de expressão. • No início do século XX, há um movimento pedagógico que promove a necessidade de uma educação centrada na infância, que, como reação aos discursos pedagógicos caracterizados pelo academicismo e memorização de conteúdos, pretende colocar o aluno como centro do discurso curricular, ou seja, dar atenção prioritária às peculiaridades do desenvolvimento infantil, a suas necessidades e interesses. É a pedagogia do interesse e da significatividade. • Estudos realizados comprovavam que o caráter global da percepção infantil da realidade condiciona seu desenvolvimento. Isso quer dizer que as crianças não captam inicialmente as coisas pelos seus detalhes e partes isoladas, mas, ao contrário, pela sua globalidade. O pedagogo Ovide Decroly propõe, então, o termo globalização, que correspondia aos termos também utilizados na época sincretismo e esquematismo, que se opunha à metodologia então operante na época, a analítica-sintética. • O movimento pedagógico a favor da globalização e interdisciplinaridade, que coincidiu com os discursos de Dewey e Kilpatrick a respeito da reconsideração da função da educação, nasceu também de reivindicações progressistas de grupos ideológicos que lutavam por uma maior democratização da educação e da sociedade. • No Brasil, foi a década de 80 um período de discussão sobre a interdisciplinaridade e sua ocupação nas ciências humanas e na educação. Diversas práticas interdisciplinares já se desenvolviam, então, em algumas instituições de ensino. • É neste século que a defesa da interdisciplinaridade adquire maior rigor e justificativa porque o mundo em que vivemos atualmente é um mundo global, no qual tudo está relacionado e nenhum aspecto pode ser compreendido de maneira adequada isoladamente. 37 Para saber mais sobre interdisciplinaridade (estudos sobre o tema, pesquisas realizadas, artigos e livros publicados, notícias e eventos), acesse os sites: • http://www.pucsp.br/gepi/index.html • http://www.redebrasileiradetransdisciplinaridade.net/ ou leia: • FAZENDA, I. C. A. (org.). Didática e interdisciplinaridade. São Paulo: Papirus, 1998. • FAZENDA, I. C. A. (org.). Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1991. 7 COMO TRABALHAR INTERDISCIPLINAR? COM O CONHECIMENTO DE FORMA “Nada existe em caráter permanente, a não ser a mudança.” Heráclito, 501 a. C. O currículo integrado A interdisciplinaridade na escola deve ocorrer em três planos: 1- A interdisciplinaridade curricular, que é o primeiro nível da interdisciplinaridade escolar, o ponto de partida para que haja interdisciplinaridade didática e pedagógica, e que consiste no estabelecimento de ligações de interdependência, convergência e complementaridade entre as diferentes disciplinas escolares do currículo, a fim de lhe fornecer uma estrutura interdisciplinar. Klein (in FAZENDA, ibid., p. 116) propõe currículos flexíveis em sua estrutura, baseados em temas e problemas, para que os professores possam abordar temas importantes e pontuais, de forma integrada. A autora sugere que, no ensino fundamental, seja identificado um tema, um assunto, uma área, um evento, uma questão, um problema ou uma experiência central como foco dominante do currículo. 2- A interdisciplinaridade didática que, tendo por objetivo articular os conhecimentos a serem ensinados e inserí-los nas situações de aprendizagem, trata da planificação, organização e avaliação da intervenção educativa. 3- A interdisciplinaridade pedagógica, que diz respeito à colocação da interdisciplinaridade didática em prática, levando em conta algumas variáveis que interagem na dinâmica de uma situação real de ensino-aprendizagem. (LENOIR, in FAZENDA, 1998, p. 63). A interdisciplinaridade no plano pedagógico requer que se conceba situações de aprendizagem que façam sentido aos alunos, apoiadas sobre preocupações e situações de sua vida, sobre suas interrogações, concepções, práticas cotidianas e espontâneas, e que lhes permitam agir e refletir sobre sua ação e seus resultados. Santomé (1998, p. 187) propõe que sejam explorados com os alunos questões, temas e problemas importantes que se encontram além dos limites 38 convencionais das matérias e áreas do conhecimento tradicionais, respeitandose seus conhecimentos prévios, necessidades, interesses e ritmos de aprendizagem. Ele destaca a possibilidade do currículo globalizado e interdisciplinar de agrupar uma ampla variedade de práticas educacionais desenvolvidas na escola: concepções amplas do currículo (...) oferecem maiores vantagens. Entre outras razões, porque além de oferecermos um guia aberto para a intervenção educativa, incluem as aprendizagens que os alunos efetuam à margem das intenções do corpo docente, quer seja pelas relações de comunicação estabelecidas com seus pares, com os professores e os adultos, quer seja pelo acesso a uma maior variedade de recursos (livros, filmes, laboratórios, oficinas, visitas, excursões, etc.) que lhes proporcionam possibilidades de aprendizagem que não podemos prever totalmente. (ibid., p. 28) Portanto, pode-se dizer que as práticas interdisciplinares abrem um leque de possibilidades que podem enriquecer e até mesmo ultrapassar os conteúdos previstos no currículo. Por esse motivo, o currículo estruturado numa perspectiva interdisciplinar é flexível. Algumas estratégias e modalidades interdisciplinares Klein (in FAZENDA, 1991, p. 119-123), com base em uma vasta literatura sobre o ensino interdisciplinar, conclui que um dos fatores básicos do ensino interdisciplinar é uma pedagogia apropriada. De acordo com a autora, não existe uma pedagogia interdisciplinar única, porém registros de práticas de professores revelam que os mesmos se valem de pedagogias inovadoras que promovam o diálogo, a colaboração, a capacidade de colocar e resolver problemas, e o cultivo de “atitude interdisciplinar”. Além disso, o aprendizado baseado na prática e na descoberta, assim como jogos e dramatização encorajam as conexões e desenvolvem o pensamento crítico. São usadas também conferências e grupos de discussão. São várias as formas de se trabalhar com as áreas do conhecimento utilizando estratégias interdisciplinares. Segue aqui a apresentação de algumas modalidades que permitem ao professor o trabalho com os conteúdos e áreas do conhecimento de forma interdisciplinar. No entanto, é preciso esclarecer que, apesar de serem nomeadas de forma distinta, e cada uma ter algumas características próprias que as definem, essas modalidades têm o mesmo princípio, que é o do currículo integrado, e podem se mesclar naturalmente no momento de se trabalhar a interdisciplinaridade dos conhecimentos, de forma que uma justifica a utilização da outra. A) Centros de interesse O precursor dos centros de interesse foi o pedagogo Ovide Decroly, que colocou em prática a psicologia de John Dewey, cujos princípios básicos são: • A educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida ulterior; • O que deve determinar um modelo educacional são os interesses da infância e a necessidade de ação no meio. 39 Portanto, ambos propõem que o ensino seja apropriado aos interesses e necessidades da criança, e cujo ideal seja aproximar da vida a escola e ensinar a criança a agir, agindo. VOCÊ SABIA? Decroly iniciou seu método com crianças com deficiência, criando a “escola para a vida, pela vida”, para que essas crianças encontrassem um meio organizado, estimulante e adequado às suas necessidades e interesses. (FEIL, 1986, p. 33) Essa proposta metodológica tem como característica principal a globalização, que, de acordo com Decroly, é a única via da aprendizagem, pelo fato de a criança, com sua visão sincrética, não perceber fatos isolados, e nem perceber as coisas em seus detalhes, mas na sua totalidade. Para Decroly, que questiona a divisão do ensino por disciplinas, a globalização é um caminho natural para apreender o conhecimento. Para ele, o ensino fragmentado não favorece o desenvolvimento da inteligência e não permite o conhecimento da realidade viva, total, reduzindo a aprendizagem a uma transmissão isolada, podendo levar a criança a perder o interesse pela escola. São propostos quatro critérios a serem seguidos pelo projeto curricular da educação infantil e ensino fundamental: 1. O estudo da realidade, apresentada aos alunos de forma global, a partir da escolha de uma idéia-eixo, um centro de interesse que unifique e dê sentido a essa globalidade. 2. A elaboração de propostas de tarefas que partam de um contato com a vida cotidiana, que despertem o interesse da criança e provoquem o trabalho espontâneo. 3. A necessidade de compreensão da vida individual e social, baseada na solidariedade. 4. A necessidade de a escola propiciar o desenvolvimento integral da personalidade individual e social da criança. (SANTOMÉ, 1998, p. 193). Os centros de interesse, como o próprio nome sugere, é uma estratégia metodológica em torno de centros de interesse significativos, baseados nos interesses infantis, que, por sua vez, estão condicionados pelas necessidades naturais da criança (fisiológicas, psicológicas e sociais), que se agrupam em quatro blocos: 1. Necessidade de alimentar-se e de respirar, à qual se une a necessidade de limpeza. 2. Necessidade de lutar contra a intempérie. 3. Necessidade de defender-se contra os perigos e inimigos diversos. 4. Necessidade de agir e trabalhar solidariamente, de ter lazer e de melhorar, à qual se acrescenta necessidade de luz, descanso, solidariedade e de ajuda mútua. (DECROLY apud SANTOMÉ, ibid. 194) Os princípios que caracterizam o método de Decroly são: • O fim da educação – respeito à criança, cuja realidade, interesse e capacidade definirão o fim da educação. Portanto, de acordo com Decroly “a escola há de ser para o menino, e não o menino para a escola.” • A liberdade – é preciso permitir à criança autonomia, para que aprenda a buscar soluções para seus problemas e conhecimento por si, pois comunicar conhecimentos e impor disciplina não leva à aprendizagem. 40 A individualidade – a liberdade torna-se possível mediante a atividade pessoal, diferenciada, sem que se perca, porém, o contato com o coletivo da classe. • A intuição – a criança só aprende quando pode intervir livre e diretamente na realidade. Por esse motivo o ensino deve ser através do contato direto com a coisa em estudo, para que a criança possa ver, tocar, cheirar, analisar. E para despertar a observação na criança e pôr em plena atividade os sentidos, Decroly recorre à natureza. Ao invés de valer-se de recursos artificiais, propõe que se busquem as relações nos seres vivos, nos elementos naturais. • O tema central – a criança desenvolve, por si mesma, e de forma sistemática, o estudo da vida física e dos caracteres psíquicos, suas necessidades dominantes e suas relações com a sociedade onde vive. • A atividade da criança – este princípio se fundamenta no fato de que a criança tem por característica o movimento, e seus interesses dominantes são o brinquedo e o jogo, através do qual pode aprender a resolver problemas, desenvolver o raciocínio e a reflexão. De acordo com esse método, a atividade lúdica deve fazer parte do programa escolar, tendo as seguintes funções: incentivar, através do brincar, o aparecimento de outros fins mais conscientes em atividades que exigem maior esforço e perseverança, ocorrendo, assim, a transição da brincadeira para o trabalho; favorecer a atividade intelectual e psicomotora; facilitar a aquisição e repetição de certos conhecimentos. As brincadeiras e jogos educacionais, para Decroly, não se constituem em lições por si mesmos, não são suficientes para ensinar, mas devem ser apenas um momento do aprendizado e devem ser utilizados de maneira adequada. (FEIL, ibid., 3436) Partindo desses princípios, e visando o desenvolvimento integral do aluno, as atividades escolares são organizadas em torno das necessidades, através de centros de interesse, que servem de nexo de união entre as matérias, sem que haja a divisão por disciplinas. O trabalho com os alunos, com relação a atividades, horário, espaço, não é realizado em um âmbito muito limitado. Porém, há que ter um planejamento, que pode ser para a semana, o mês, o ano, para que se possa criar um meio para o trabalho. E esse meio inclui o ambiente externo, natural e social, levando em consideração que a sala de aula deve estar organizada de tal forma que as crianças possam agir, trabalhar espontaneamente e circular livremente, e onde as tarefas são realizadas seguindo três etapas: 1. Observação: nesta etapa os alunos entram em contato direto com objetos, seres vivos, fatos ou acontecimentos, não através de observação passiva, mas através da ação. Recomenda-se que se tenha na escola elementos da natureza, seres vivos e que se planejem excursões e visitas. Para Decroly, é melhor proporcionar à infância um contato direto com a realidade, não através de mediações como as imagens, o vocabulário. De acordo com ele, o trabalho mental superior realiza-se melhor por meio da comparação de coisas e fatos presentes, ou seja, começa-se pelas diferenças, para que depois sejam ressaltadas as semelhanças. 2. Associação: é o momento mais importante do trabalho educacional. Através dos exercícios de associação os conhecimentos adquiridos na fase de observação podem ser ampliados. Esses exercícios podem ser • 41 divididos em quatro grupos: os que se referem à geografia, a objetos e fatos considerados do ponto de vista de sua situação no espaço; os que se referem aos conteúdos de história, que pretendem examinar a realidade do ponto de vista temporal, estabelecer associações temporais a fim de relacionar e comparar os fenômenos atuais com outros já passados; os que se referem à tecnologia e exame da utilização e aplicação industrial ou caseira das matérias-primas e seus derivados; os que se referem à associação de causa e efeito, ou seja, ao “por que” e “como” dos fenômenos. 3. Expressão: nesta etapa os conhecimentos adquiridos podem ser expressos, ou de forma concreta, através de trabalhos manuais, dança, pintura, etc., ou de forma abstrata, através da linguagem, leitura, escrita, canto. Quanto aos recursos e materiais didáticos, devem ser vivos, recolhidos pelos próprios alunos, e possibilitar a classificação, ordenação, interpretação. Um dos recursos considerados como auxiliares na metodologia de Decroly são os jogos educacionais. E quanto ao tipo de brinquedos e materiais mais adequados para brincar, são recomendados formas vivas da realidade, ou os que melhor satisfazem à fantasia infantil, podendo ser matérias-primas cuja forma e uso possam ser modificados conforme as necessidades do momento. B) Projetos A prática de projetos na escola foi introduzida em 1918, quando Kilpatrick levou à sala de aula as contribuições de Dewey sobre a “escola ativa”, recebendo o nome de “método de projetos”, cujo ponto de partida deriva da filosofia: Por que não fazer dentro da sala de aula o que se faz continuamente na rua, no ambiente natural verdadeiro? Kilpatrick (1974, p. 77) defendia uma nova espécie de aprendizado, que não se baseasse em respostas preestabelecidas, mas em métodos de ação, em situações novas. Para que isso acontecesse, considerava algumas condições, dentre as quais a de que a escola deve ser penetrada de vida, e de que deve ser um ambiente propício a experiências e à atividade dos alunos. E de acordo com o autor, essas experiências devem ser previstas e dominadas, e não dispostas arbitrariamente, pois “a existência de um programa de matérias, de antemão fixado, tanto restringe a ação do professor, como limita a dos alunos.” Assim, os projetos, como uma forma de integração curricular, eram propostas de problemas interessantes da vida cotidiana dos alunos, a serem resolvidos em equipe (Santomé, 1998, p. 203). Porém, o termo “projetos” utilizado em diferentes momentos da história da educação e em diferentes lugares, às vezes, não quer dizer a mesma coisa. Os significados que os projetos de trabalho adquirem e suas características têm relação com a visão da escola e da educação com a qual estão vinculados. É importante também ressaltar que muitas vezes encontramos, na literatura, o emprego de expressões variadas para se referir a projetos, como método ou metodologia de projetos, projetos de trabalho, pedagogia de projetos, projetos curriculares, projetos temáticos, trabalho por temas, pesquisa do meio, etc. No entanto, todas essas expressões, embora apresentem variações de contexto e de conteúdo, referem-se a uma maneira de estruturar 42 as diferentes áreas do conhecimento ou disciplinas, ou seja, uma forma de integração curricular. Behrens (2006, p. 33) atenta para o significado do termo projeto desígnio, intenção, alvo, planejamento, finalidade e programa - além do que a significação de projetos nas variadas línguas converge para o termo proposição. Fazenda (1991, p. 17) também destaca o caráter de proposição do projeto, quando afirma: Um projeto interdisciplinar (...) consegue captar a profundidade das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. Nesse sentido, precisa ser um projeto que não se oriente apenas para o produzir, mas que surja espontaneamente, no suceder diário da vida, de um ato de vontade. Nesse sentido, ele nunca poderá ser imposto, mas deverá surgir de uma proposição, de um ato de vontade frente a um projeto que procura conhecer melhor. De acordo com esse ponto de vista, um projeto é algo que está por vir, que vai ser construído. Todo projeto é antecedido de um sonho em forma de uma necessidade, um interesse, uma vontade de conhecer mais e investigar sobre um tema ou assunto. (NOGUEIRA, 2001, p. 90) Kilpatrick, ao propor o método de projetos, defendia que, nessa forma de trabalho, as experiências educacionais não podem ser ordenadas antecipadamente, e que os estudantes é que têm de elaborar seus próprios projetos. Já para Santomé (ibid., p. 206), o projeto deve ser de acordo com os interesses dos alunos, mas também deve gerar novos interesses, deve ser prazeroso e educacional ao mesmo tempo, de forma que dê continuidade ao aprendizado. Por esse motivo, o projeto deve ter caráter ativo e interativo. Ativo no sentido de possibilitar ao aluno que saia da posição passiva de mero receptor do conhecimento. Interativo por permitir múltiplas interações do aluno tanto com o objeto de conhecimento quanto com os demais alunos. Além disso, também é importante que se leve em consideração fatores como a contextualização e o respeito aos conhecimentos prévios dos alunos, suas necessidades, interesses e ritmos de aprendizagem. De acordo com Behrens (ibid., p. 43), essa metodologia supera a perspectiva de acumulação e memorização de informações, desde que enfoca a aprendizagem significativa e o conhecimento em constante transformação. Para Hernández (1998, p. 64), os projetos de trabalho não são um método nem pedagogia, mas uma concepção da educação e da escola e estão atrelados a uma mudança na educação, pois supõem “um enfoque do ensino que trata de ressituar a concepção e as práticas educativas na escola”. Sob este ponto de vista, o sentido e finalidade do trabalho com projetos vai além de uma metodologia apenas. É um meio que permite aos profissionais da educação repensar e refazer a escola, buscando alternativas de renovação e inovação pedagógicas em sala de aula. Com relação aos motivos por que isso pode acontecer, o autor esclarece: “Os projetos de trabalho implicam um olhar diferente do docente sobre o aluno, sobre seu próprio trabalho e sobre o rendimento escolar.” Por meio dos projetos é possível: 43 • • • • • Reorganizar a gestão do espaço, do tempo, da relação entre professores e alunos, e do saber escolar (aquilo que se deve ensinar e como ensinar); Revisar a organização do currículo por disciplinas; Levar em conta conhecimentos que circulam fora da escola, que vão além do currículo básico; Valorizar a figura do professor como facilitador da aprendizagem; Aproximar-se da identidade dos alunos e favorecer a construção da subjetividade. Quanto à elaboração dos projetos, sugere-se a integração curricular: - correlacionando diversas disciplinas; - através de temas, tópicos ou idéias; - em torno de uma questão da vida prática e diária; - a partir de temas e pesquisas decididos pelos estudantes; - através de conceitos; - em torno de períodos históricos e/ou espaços geográficos; - com base em instituições e grupos humanos; - em torno de descobertas e invenções; - mediante áreas do conhecimento. (SANTOMÉ, ibid., p. 206-209) Etapas do projeto: Segundo Nogueira (2001, p. 95), as etapas de um projeto seguem a linha de raciocínio do indivíduo. Sendo assim, elas podem seguir, de forma natural, a seguinte seqüência: 1) Escolha do tema O ponto de partida para a realização de um projeto é a escolha do tema, que pode ser realizada de acordo com alguns critérios – que leve em consideração os interesses dos alunos e que, ao mesmo tempo, tenha relação com os trabalhos e temas precedentes, para que permita aos alunos estabelecer novas formas de conexão com a informação. 2) Planejamento Consiste na estruturação do que vai ser realizado no projeto. Nesta etapa, o professor: - especifica o fio condutor que permitirá a aplicação do projeto em outros temas ou problemas, estabelecendo uma referência curricular do que se vai ensinar através dos projetos; - prevê as possíveis relações interdisciplinares; - realiza uma previsão dos conteúdos (conceituais, procedimentais e atitudinais), das atividades e fontes de informação necessárias. É interessante, neste momento do planejamento, envolver os alunos, de forma natural, questionando-os a respeito de suas vontades e interesses. Em síntese, essa etapa pode envolver os seguintes questionamentos: • O quê? (sobre o que irá ser falado/pesquisado? O que será feito neste projeto?); • Por quê? (Por que tratar sobre este tema? Quais são os objetivos?); 44 Como? (Como realizar este projeto? Como operacionalizar? Como dividir as atividades entre os membros do grupo? Como apresentar o projeto?); • Quando? (Quando serão realizadas as etapas planejadas?); • Quem? (Quem realizará cada uma das atividades? Quem se responsabilizará pelo que?); • Recursos? (Quais serão os recursos materiais e humanos necessários para a realização do projeto?). Considerando o caráter flexível dos projetos, o planejamento não precisa ser considerado como algo rígido, ou, como diz Nogueira, algo “engessado”. Ele servirá como norte para a realização das atividades, e poderá ser alterado no decorrer da execução, sempre que se fizer necessário ao bom andamento do processo. • 3) Execução e realização Nesta etapa coloca-se em prática tudo o que foi planejado. É a fase das múltiplas interações, produção e criação, em que todos os recursos devem estar à disposição dos alunos. Nogueira (ibid., 101) salienta o valor do intercâmbio entre projetos e os recursos tecnológicos, principalmente a informática. O computador pode ser um recurso importante no trabalho com projetos, desde que possa ser utilizado pelo aluno como uma ferramenta para sua aprendizagem, de forma integrada com outras atividades pedagógicas. Assim, as atividades realizadas no computador devem estar relacionadas aos conceitos trabalhados também de outras formas, com outros materiais e recursos pedagógicos e podem estimular a aplicação e aquisição dos mesmos pela criança. Dessa forma, pode ocorrer a transição de uma atividade concreta, de maior significado para a criança, para uma conceituação abstrata. A utilização de softwares educacionais também pode trazer contribuições ao trabalho com projetos, pois apresentam os conteúdos trabalhados de forma estimulante e interativa. Há inclusive softwares que permitem que o professor crie e elabore atividades com o uso de sons, músicas e imagens, para trabalhar temas ou conteúdos de forma interdisciplinar, sendo que as atividades podem ser adaptadas ao nível de aprendizagem dos alunos. De acordo com Valente (1995, p. 12), o computador, como ferramenta, pode ser adaptado aos diferentes estilos de aprendizado, aos diferentes níveis de capacidade e interesse, às diferentes situações de ensino-aprendizado. Mas o computador pode ser mais do que uma ferramenta. Ele pode oportunizar a autonomia, promover a construção do conhecimento pelo aluno e facilitar seu processo de expressão e comunicação. Segundo o autor, “quando o aprendiz está interagindo com o computador ele está manipulando conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento mental.” A postura do professor nesta fase é, ao mesmo tempo, a de facilitador e de membro ativo e participante do grupo, ou seja, “não daquele que dá, mas sim daquele que propicia.” (NOGUEIRA, ibid., p. 102). 4) Depuração 45 Esta fase é de autocrítica e auto-avaliação, de análise e reflexão de tudo que foi realizado na fase anterior, com o objetivo de depurar e melhorar os processos. Pode ocorrer de forma simultânea com a fase da execução. 5) Apresentação e exposição É quando os alunos podem expor suas descobertas, hipóteses, criações e conclusões. A apresentação oral favorece as áreas lingüística e interpessoal. Porém, os alunos podem apresentar seus projetos de diferentes formas, como encenações, feiras, música, dança, desenho, escrita, etc. Neste momento, o professor pode realizar a avaliação das aquisições dos alunos. 6) Avaliação Nos projetos de trabalho, são realizadas avaliações contínuas, com base em situações reais, exposições interativas ou em forma de portfólios, que envolvem os alunos na avaliação de seu próprio progresso. C) Unidades didáticas integradas As unidades didáticas integradas são projetos ou propostas curriculares mais concretas e delimitadas que, a longo prazo, na medida em que são construídas e postas em prática, podem servir de base para agrupamentos que facilitam a elaboração de projetos curriculares integrados de maior alcance. (SANTOMÉ, 1998, p. 223) Portanto, pode-se dizer que a unidade didática integrada é uma forma de se trabalhar os projetos interdisciplinares abrangendo um determinado número de áreas do conhecimento ou disciplinas, destinadas a cobrir um período temporal relativamente curto. Santomé sugere alguns passos a serem seguidos para a elaboração de unidades didáticas integradas: Diagnóstico prévio O projeto da unidade didática deve partir de três tipos de diagnóstico: • O diagnóstico dos alunos, quanto a sua idade e grau de desenvolvimento, suas aptidões, habilidades e contexto sócio-cultural em que estão inseridos, pois a análise desse contexto oferece a identificação do seu nível cultural e de suas expectativas, o que permite que a proposta esteja relacionada à sua vida cotidiana; • O diagnóstico de quais são as experiências e conhecimentos prévios sobre o tema ou tópico que servirá de eixo estruturador da unidade didática; • O diagnóstico da instituição escolar, quanto a suas normas, recursos, atividades já planejadas ou previstas que possam ser realizadas como estímulo ou recurso para tópicos, e da comunidade local, quanto a seu meio natural e social e seus recursos. Metas educacionais 46 Esta fase diz respeito ao estabelecimento de conhecimentos, procedimentos e valores sobre os quais se deseja incidir, e também quais serão as experiências e áreas do conhecimento implicadas, de maneira que as mesmas ampliem os conhecimentos, valores e atitudes anteriores, para as etapas educacionais posteriores, num contínuo. Em nível de planejamento do currículo e desenvolvimento das aulas, as diferentes áreas do conhecimento devem entrelaçar-se, complementando-se para propiciar um trabalho de construção do conhecimento. Porém, não é necessário que se insira todas as áreas do conhecimento ou disciplinas em um mesmo tópico, podendo-se trabalhar apenas com aquelas que têm uma implicação mais natural, pois as questões devem surgir naturalmente, sem forçá-las. Dependendo da necessidade, pode-se também trabalhar com várias unidades simultaneamente, o que favorece que se atendam os interesses de um maior número de alunos, e em um período relativamente curto de tempo. Seleção do tópico a pesquisar Na seleção dos tópicos, devem ser observados os seguintes critérios: • A relação do tópico com a vida cotidiana dos alunos, para que a unidade didática seja interessante; • A proposta deve ser interessante também para a equipe docente, que exerce influência decisiva no estímulo aos alunos; • A contribuição do tópico para o desenvolvimento de conhecimentos dentro da perspectiva do currículo integrado; • O valor do tópico como preparação para a vida desses alunos. Elaboração de um plano de pesquisa Uma das técnicas para o planejamento de uma unidade didática integrada é a elaboração de uma matriz de conteúdos, que ajuda a visualizar a potencialidade do tópico selecionado e evita que algum aspecto das finalidades e conteúdos seja esquecido. Além disso, também pode ser um recurso para a avaliação contínua, através do qual o professor pode ir realizando um acompanhamento das tarefas. Para a elaboração das matrizes, a unidade didática pode ter um título geral e vários subtópicos diversificados, vinculados à temática. Antes de propor um determinado assunto, é preciso desmembrar o tema, constatando as possibilidades de trabalho que o mesmo permite. Uma forma de se conseguir subtemas sobre o tema geral, para se chegar a uma idéia mas completa dessa realidade é através de um turbilhão de idéias. Se, por exemplo, queremos trabalhar com o tema “animais”, anotamos em cartões todas as questões relacionadas com este tema. Após esse turbilhão de idéias inicial, alguns autores elaboram as “redes” ou “teias de aranha” de subtemas que formam a unidade, e que podem coletar de maneira esquemática as principais possibilidades oferecidas por cada tema de trabalho (atividades, idéias, conhecimentos, procedimentos e valores), agrupando-as por relações de proximidade temática, como o exemplo do quadro abaixo (adaptado de SANTOMÉ, ibid., 235). 47 Projeto de trabalho sobre “Animais” Insetos Invertebrados Revestimento do corpo Pelo ANIMAIS Revestimento do corpo Pele Escamas Escudos Reprodução Vivíparos Habitat Terrestre e Aquático Répteis Mamíferos Habitat Terrestre Reprodução Ovíparos Vivíparos Ovivíparos Vertebrados Aves Anfíbios Revestimento do corpo Penas Locomoção Voadores Não voadores Reprodução Ovíparos Peixes Revestimen to do corpo Escamas Placas Pele Reprodução Ovíparos Vivíparos Ovivíparos Revestimen to do corpo Pele Habitat Aquático e terrestre Reprodução Ovíparos Vivíparos Água doce Água salgada Habitat Aquático 48 Recursos e estratégias didáticas A variedade de recursos disponíveis no decorrer do trabalho com as unidades didáticas pode levar a uma variedade mais ampla de tarefas de ensino e aprendizagem, ao passo que uma pobreza de recursos favorecerá a pouca diversidade nas tarefas escolares. É importante que a escola, na sociedade atual, com tantas e diversas fontes de informação, não ignore este fato e se valha de tais recursos com os alunos, ajudando-os a compreender de maneira crítica a informação que continuamente lhes é oferecida. Sobre este tipo de recurso, Santomé (ibid.) ressalta que a pesquisa é um dos recursos mais idiossincráticos para o desenvolvimento do currículo integrado. E sugere que se parta de algum problema ou questão cuja solução é necessária, se promova uma metodologia de pesquisa para que os alunos possam localizar e analisar a informação para a solução do problema. Para isso, é necessário que os alunos desenvolvam algumas habilidades, como: definir um tema sobre o qual informar-se, localizar, selecionar, organizar e avaliar a informação, e apresentar resultados. Trabalho em equipe A unidade didática integrada deve propiciar aos alunos a troca de experiências através da discussão, da conversa, do debate, de experiências de simulação, etc., para que aprendam a trabalhar em equipe e a cooperar. Além disso, é na discussão e troca de opiniões diferentes entre os integrantes de um grupo que surgem os conflitos sócio-cognitivos, que se constroem e reconstroem conhecimentos, que se passa de um conhecimento subjetivo, pessoal, para outro mais objetivo. As tarefas escolares dentro de um modelo integrador evitam a transmissão de conhecimentos como é feito na educação mais tradicional, pelo fato de partir do conhecimento prévio dos alunos e de favorecer os trabalhos em equipe e as trocas de informações, contribuindo, assim, para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral dos estudantes. É importante que o professor leve em consideração alguns critérios para selecionar atividades em sala de aula. Algumas das atividades mais convenientes para as situações de ensino e aprendizagem são aquelas que: • Permitam que os alunos tomem decisões com relação ao seu desenvolvimento; • Ajudem os alunos a desempenhar um papel ativo, como pesquisar, expor, observar, entrevistar, participar de simulações, etc.; • Estimulem os alunos a se engajarem na pesquisa das idéias, na aplicação de processos intelectuais em problemas pessoais e sociais; • Comprometam os alunos com a realidade (tocar, manusear, aplicar, examinar, coletar materiais, etc.); • Reúnam alunos com diferentes interesses e níveis de capacidade (tarefas como imaginar, comparar, classificar ou resumir não impõem normas de rendimento únicas); • Estimulem o aluno a aplicar processos intelectuais a novas situações ou contextos; 49 • • • Exijam que os alunos reescrevam, revisem e aperfeiçoem seus esforços iniciais; Dêem oportunidade aos alunos de planejar com outras pessoas e participar de seu desenvolvimento e resultados; Permitam a acolhida de interesses dos alunos para que eles se comprometam pessoalmente. (SANTOMÉ, ibid., p. 245) Avaliação e apresentação do trabalho realizado Nas avaliações convém prestar atenção a questões como a utilização do conhecimento disponível, a compreensão das idéias básicas dos temas que estão sendo ou foram trabalhados, o domínio conceitual, a elaboração de idéias, a capacidade de relacionar idéias, etc. Uma das estratégias para obter informações acerca dos aspectos do desenvolvimento, dos conhecimentos, procedimentos e valores que estão sendo construídos é o preenchimento periódico de fichas com as atividades realizadas por cada aluno durante a unidade didática. Outra forma de acompanhar o progresso dos alunos, especialmente com relação aos conceitos implicados na unidade didática, são os mapas conceituais, que servem para realizar um resumo final do que se aprendeu. Mapa conceitual referente à água Água É necessária para seres vivos Muda estado Formada por moléculas Por exemplo Plantas líquido sólido gás Estão em movimento Por exemplo animais Provocado por calor Como no lago Como gelo Como vapor da chaleira Por exemplo Meu cachorro Quadro adaptado de Santomé, 1998, p. 262. Ao final, os resultados da unidade didática podem ser expostos para contemplação das pessoas que dela participaram, das famílias e demais colegas e professores da escola. D) O ciclo de aprendizagem 50 Ciclo de Aprendizagem é um modelo instrucional a partir do qual podem ser desenvolvidas atividades de uma determinada unidade de ensino. Foi adaptado por Gioppo, com base no Ciclo 5E de Aprendizagem (LLEWELLYN, in GIOPPO, 2006, p. 8). O Ciclo de Aprendizagem passou a ser denominado de 5E porque se desenvolve em cinco estágios, compostos por inúmeras atividades de ensino e de avaliação, e que são: • Envolvimento (Engage); • Exploração (Explore); • Explicação (Explain); • Elaboração ou Aprofundamento (Elaborate ou Extend); • Avaliação (Evaluate). (id., p. 8) Envolvimento Avaliação Ciclo de aprendizagem Elaboração ou Aprofundamento Exploração Explicação Quadro adaptado de GIOPPO, 2006, p. 8. O que justifica sua utilização, segundo a autora, é que, o fato de se aceitar, hoje em dia, a concepção de que se aprende os conteúdos construindo, reconstruindo ou desconstruindo os conhecimentos, comparando os novos com os anteriormente adquiridos, requer a implementação de um amplo repertório de metodologias e estratégias de ensino e avaliação que se complementem. Parte-se do pressuposto que a avaliação é parte indissociável do ensino que se realiza de forma contínua ao longo do processo de aprendizagem. De acordo com Gioppo (ibid. p. 8-9), em cada etapa do ciclo a avaliação tem uma finalidade específica: a) avaliação diagnóstica: identificar e analisar os conhecimentos que os alunos possuem quanto aos conteúdos relativos ao tema a ser desenvolvido; b) avaliação formativa: coletar dados a respeito do progresso e dificuldades de aprendizagem dos alunos e orientar o trabalho do professor; c) avaliação somativa: avaliar o alcance dos objetivos pelos alunos ao final do ciclo. 51 Sendo assim, a avaliação, no Ciclo, é um processo contínuo, que ocorre em cada uma de suas etapas, para avaliar não só a aprendizagem do aluno, mas também a adequação das estratégias de ensino que foram utilizadas. Portanto, sob essa perspectiva, a avaliação escolar no ciclo tem duas funções: possibilitar o ajuste das metodologias e estratégias de ensino às características dos alunos e determinar em que medida os objetivos do planejamento de ensino foram alcançados. (ibid., p. 6) A autora sugere duas formas de avaliação que poderão ser utilizadas em todas as etapas do ciclo: o portfólio e a observação. O Ciclo de Aprendizagem pode ser uma forma de trabalhar com as áreas do conhecimento de forma integrada, seja por projetos ou parte de um projeto, quando se organiza os conteúdos em unidades temáticas integradas, para serem trabalhados em um prazo relativamente mais curto. De acordo com Gioppo (2007, p. 8), “quando os professores planejam unidades de ensino envolvendo os cinco estágios do ciclo de aprendizagem, os alunos movem-se de experiências concretas para a compreensão do assunto estudado até chegar à aplicação dos princípios.” A autora descreve da seguinte forma os cinco estágios do Ciclo: 1) Envolvimento Nesse estágio, o professor prepara os alunos para a aprendizagem, criando oportunidades para a mesma: avalia os conhecimentos dos alunos e explora suas experiências anteriores sobre o assunto, para que tragam, para o nível da consciência, o que eles têm de forma não sistematizada. Para isso, o professor deve buscar despertar e captar a atenção dos alunos de várias maneiras, como por exemplo, fazendo demonstrações ou estimulando a discussão de temas que interessem a eles. Também são propostas de estratégias para este estágio a apresentação de imagem, solicitação de um desenho, leitura de um texto sobre o assunto para ser discutido com a turma. A discussão dos eventos gera interesse e curiosidade nos alunos, cria expectativas a respeito do tema, à medida que gera uma desestabilização ou desequilíbrio, pois as observações apresentadas pelo professor geralmente não coincidem com os conhecimentos dos alunos, o que gera questionamentos. Portanto, o estágio de Envolvimento do Ciclo de Aprendizagem pode fornecer meios para que o professor reconheça as crenças e entendimentos dos alunos e propicie a eles instrumentos para “cruzar as fronteiras” entre as culturas, apresentando uma forma de pensar da ciência, ou seja, para que transite entre sua cultura (conhecimentos, valores e atitudes que traz de casa, da família e de seu grupo social) e a cultura científica (conhecimentos, valores e atitudes da ciência que aprende). (GIOPPO, 2006, p. 58-60) Por esse motivo, a avaliação realizada nesse estágio é a diagnóstica. 2) Exploração O estágio de Exploração é o momento de engajar os alunos em investigações. De forma cooperativa, poderão coletar evidências, dados, fazer anotações, organizar as informações, compartilhar essas observações. 52 Nesse estágio, ao contrário do que acontece em uma aula expositiva, que tem início com exposições, conceitos, explicações, não se explora conceitos, mas outras formas de se pensar sobre o assunto, explorando o mesmo. Podem-se realizar atividades externas, que envolvam o aluno fisicamente, como saída de campo, estudo de meio, visita, atividades práticas. Além disso, no desenvolvimento das atividades de investigação, podem ser designados papéis para cada aluno nos grupos, ou deixá-los escolher seus papéis de acordo com suas habilidades e interesses, como o de anotador, coletor de materiais, leitor, coordenador do grupo. De acordo com Gioppo (2007, p. 12), este estágio oferece a oportunidade de compartilhar os diferentes entendimentos dos alunos e ampliar as perspectivas da turma como um todo, desde que a mesma pode construir uma experiência comum e coletiva, enquanto investigam. A avaliação, neste estágio, é formativa e deve ser feita no sentido de verificar de que forma o aluno está explorando o conteúdo e se o professor deve modificar seu planejamento. 3) Explicação O estágio de Explicação consiste na ampliação das informações sobre o assunto, às quais os alunos tiveram acesso na fase exploratória. Para sua implementação, o professor deve pedir aos alunos que, a partir dos dados coletados anteriormente e do que aprenderam durante o estágio de exploração, iniciem a fase de reflexão, interpretando e analisando os dados. O professor leva em consideração, nesse momento, as experiências e conhecimentos dos alunos, anteriormente identificados, para explicar os conceitos e tentar trazer à tona outras concepções diferentes daquelas aceitas e que não foram abordadas nos dois estágios anteriores, como por exemplo, concepções de culturas diferentes das dos alunos. Dessa forma, o professor inicia a explicação dos conceitos associados à exploração utilizando uma linguagem simples, da realidade dos alunos, e vai introduzindo alguns detalhes, um vocabulário apropriado e definições, para que os mesmos assimilem os conhecimentos a partir da explanação do professor. Isso pode ser feito por meio de aulas expositivas, recursos audiovisuais, recursos on-line, programas de computador, etc. Neste estágio os alunos devem trabalhar para: a. Assimilar e acomodar novas informações (que devem fazer sentido para eles); b. Construir novos significados a respeito do que está sendo estudado, a partir das experiências vivenciadas. (GIOPPO, 2006, p. 103) A avaliação, neste estágio, é formativa, pois consiste em investigar a construção de conceitos pelos alunos e verificar a eficiência das atividades planejadas e desenvolvidas para o alcance dos objetivos propostos. 4) Elaboração ou Aprofundamento Durante este estágio, o professor ajuda os alunos a reforçarem os conceitos apreendidos, possibilitando que eles apliquem os conhecimentos obtidos a novas situações do cotidiano, fora da sala de aula. 53 De acordo com Gioppo (2007, p. 17), a utilização dos novos conhecimentos na resolução de problemas reais do cotidiano dos alunos, que afetam suas necessidades, desejos e interesses, faz com que eles participem efetivamente no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Neste estágio, a avaliação é formativa. 5) Avaliação A avaliação deve ocorrer em cada etapa do Ciclo e não apenas ao final. No entanto, neste estágio, o professor faz o fechamento da unidade. Nesta ocasião, o professor pode comparar os conceitos identificados no estágio de Envolvimento com os entendimentos construídos durante e após o desenvolvimento das atividades de outros estágios. Além disso, pode-se também possibilitar aos alunos que avaliem a sua aprendizagem e façam conexões entre o conhecimento anterior e os conhecimentos construídos durante os demais estágios do Ciclo, de modo a permitir a aplicação desses conhecimentos a novas situações para resolução de problemas. (GIOPPO, 2006, p. 139-140) Sugere-se que a avaliação final seja em forma de construção de portfólio, que permite que tanto professor quanto aluno avalie o resultado de cada etapa do ciclo. Para saber mais sobre os Centros de Interesse, http://www.centrorefeducacional.com.br/decroly.html acesse o site Para saber mais sobre projetos, leia: • HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre, Artmed, 1998. • HERNÁNDEZ, F. e VENTURA, M. A Organização do Currículo por Projetos de Trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. • NOGUEIRA, N. R. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. 3 ed. São Paulo: Érica, 2001. Para experiências com projetos, acesse os sites: • http://www.unesp.br/prograd/PDFNE2003/A%20resignificacao%20do%20ensi nar.pdf • http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/defmental.pdf 8 COMO O PROFESSOR PODE SE TORNAR UM MEDIADOR DA APRENDIZAGEM? “Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu,...” F.Pessoa / Alberto Caeiro 54 Considerando que você, professor, é a peça chave para que se concretize o trabalho de caráter interdisciplinar na escola, é importante uma reflexão sobre seu papel. A atividade de integração dos conhecimentos não é uma tarefa fácil para os professores. É algo difícil de realizar e exige, além de uma vontade de praticar a interdisciplinaridade, uma atitude de investigação por parte dos professores, de colaboração e de trabalho em equipe, com metas comuns a serem alcançadas. Além de barreiras a nível material, institucional e de conhecimento, algumas barreiras a nível pessoal também podem impedir a prática interdisciplinar, como por exemplo a insegurança do professor e a questão de sua formação tradicional, pautada na fragmentação do saber, que se reflete em seu trabalho em sala de aula. A atitude interdisciplinar requer a superação do ensino tradicional, dividido em disciplinas desconexas entre si. No entanto, na opinião de Fazenda (1991, p. 121), para que haja práticas interdisciplinares, mais importante que a modificação na estrutura curricular, faz-se necessária uma modificação nas pessoas, ou seja, uma abertura na forma de conceber a educação e compreender a cultura. Por esse motivo, pode-se dizer que a interdisciplinaridade é uma filosofia de trabalho, uma questão de postura e atitude, que requer convicção, vontade de inovar, de trabalhar de forma diferente da tradicional, de romper paradigmas. No trabalho interdisciplinar, o professor muda sua postura de protagonista do conhecimento, detentor do saber e se converte em aprendiz dos temas que irá estudar com os alunos e também das maneiras de abordálos. E diante desse seu novo papel, ele se torna um guia, um mediador ou problematizador da relação dos alunos com o conhecimento, que se preocupa mais com seu processo de aprendizagem do que com o produto final. Aqui, pode ocorrer uma confusão quanto ao papel do professor, como se fosse, agora, menos importante, desde que ele não é mais o centro do processo de ensino-aprendizagem. Porém, o que ocorre é que o papel do professor, ao contrário, adquire maior importância ainda, pois ele se converte no elemento motivador dos processos de ensino e aprendizagem, e deve levar os alunos a pensar e questionar as idéias, dando-lhes confiança em suas próprias capacidades e demonstrando interesse real por todo o trabalho que realizam. As intervenções do professor e as interações que estabelece com os alunos exercem uma influência decisiva no estímulo aos alunos quanto à realização das tarefas. Seu entusiasmo com o trabalho que está sendo realizado pode gerar um clima emocional propício para que as atividades geradas em sala de aula resultem interessantes e valiosas do ponto de vista educacional. (SANTOMÉ, 1998, p. 229) Além disso, o trabalho interdisciplinar exige muito mais do professor dinamismo e observação, pois este deve estar sempre atento a tudo e a todos: o planejamento e a organização dos espaços, materiais e atividades exige, por parte do professor, uma contínua observação e avaliação de tudo o que acontece na sala de aula. 55 É sua função organizar um ambiente de ensino e aprendizagem com flexibilidade, adequado às necessidades e interesses dos alunos, e com materiais com possibilidades de estímulo. Aqui já não é mais sua função determinar, definir o que deve ser observado pelos alunos, mas aclarar suas dúvidas e conclusões, motivar suas associações. (SANTOMÉ, id.) De acordo com Nogueira (2001, p. 148), faz parte da atitude interdisciplinar conceber o aluno como possuidor de um espectro de competências ou inteligências ávidas a serem desenvolvidas. Para o autor, o professor, para trabalhar com a concepção da pluralidade das inteligências, deve estar constantemente atento aos alunos, para que possa aproveitar as oportunidades de mediar as possíveis conexões entre as múltiplas inteligências. Contudo, convém ressaltar que é importante também que o professor tenha conhecimento. Peña (in FAZENDA, 1991, p. 61) enfatiza a necessidade de que as aulas sejam permeadas pela inserção de vivências práticas à teoria apreendida, para o que é necessário que o professor se aproprie do conhecimento científico para poder organizá-lo e articulá-lo. Nesse sentido, Santomé (ibid., p. 253-254) reconhece que planejar e desenvolver um trabalho interdisciplinar “pressupõe uma figura docente reflexiva, com uma bagagem cultural e pedagógica importante para poder organizar um ambiente e um clima de aprendizagem coerentes com a filosofia subjacente a este tipo de proposta curricular.” Para o autor, é imprescindível que a equipe da escola esteja em um contínuo questionamento e reflexão em torno das diferentes práticas e conteúdos escolares. Por esse motivo, recomenda que, para que os professores se aperfeiçoem, aprendam a agir de modo mais reflexivo, crítico e eficaz, sejam também pesquisadores em suas salas de aula. Além disso, pode-se dizer que, por esses e outros motivos, a interdisciplinaridade pode ser uma estratégia para o aperfeiçoamento do professor, pois estimula sua competência e abre possibilidades para que reorganize o saber e produza um novo conhecimento. Alguns autores até concordam que uma das maneiras mais eficientes de preparar professores é engajando-os no ensino interdisciplinar, por meio do aprendizado em colaboração. Stenhouse (apud SANTOMÉ, ibid., p. 213), quando se refere à prática interdisciplinar, afirma: “os estudantes beneficiam-se com os currículos, não tanto porque modificam sua instrução cotidiana, mas porque eles melhoram os professores.” Mediante alguns estudos, foram identificadas no professor que realiza o trabalho interdisciplinar capacidades como: • Estimular a colaboração e a participação de todos na sala de aula; • Saber respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem; • Detectar os interesses ou temas que possam problematizar os alunos; • Garantir o direito de cada aluno a ser escutado, respeitado e valorizado; • Modular os estímulos, propostas, procedimentos e atividades sugeridas na dinâmica de sala de aula; • Saber aproveitar os erros dos alunos para revisar o trabalho realizado e criar as condições para que estes possam detectar seus próprios erros e aprender a corrigí-los; • Estar disposto para ajudar; 56 Criar ambientes agradáveis e descontraídos; Valorizar as idéias criativas; Prestar atenção ao pensamento dos alunos e aceitar suas decisões; Estimular a ação; Recorrer a perguntas e problemas abertos; Ser acessível. (SANTOMÉ, ibid.) O mesmo autor também associa a interdisciplinaridade ao desenvolvimento de alguns traços da personalidade do professor, tais como a flexibilidade, confiança, paciência, intuição, pensamento divergente, capacidade de adaptação, sensibilidade com relação às demais pessoas, aceitação de riscos, aprender a agir na diversidade, aceitar novos papéis, etc. E, por último, identifica o que não é o professor interdisciplinar: não é apressado, não pressiona os alunos sem lhes dar tempo para pensar, decidir, planejar, refletir, e não lhe interessa demonstrar que sempre tem razão e que sabe tudo. • • • • • • SUGESTÕES PARA ENRIQUECER SUA PRÁTICA Alguns professores relataram suas experiências e práticas interdisciplinares na Educação Especial: 1) (...) foi uma experiência muito prazerosa para mim enquanto professora e cheia de descobertas para os alunos. O relato se destina a exemplificar a aula de Ciências cujo conteúdo estruturante “animais – vida e reprodução”, oportunizou às crianças mais do que simplesmente o conteúdo e sim a descoberta propriamente dita. No decorrer da aula, ao explorarmos grande parte do mundo animal, suas respectivas características e formas de reprodução, um aluno me pergunta como é que uma borboleta nasce. Então passamos a contemplar a situação proposta pelo menino de 10 anos da classe especial. Elaboramos pesquisas inicialmente partindo de coletas de informações reconhecendo o que os alunos conheciam sobre a borboleta. Após passamos para a pesquisa em livros didáticos que falavam sobre as espécies borboletas. Como na sua maioria os alunos ainda não sabem ler, eu dirigia a pesquisa de leitura e todos contemplavam a minha oralidade, onde debatemos e contextualizamos o assunto. Num segundo momento foi oportunizado aos alunos um vídeo educativo da Série TV cultura que enfocava uma história divertida sobre o nascimento da borboleta. Levantamos os pontos importantes da história e a seqüência dos acontecimentos quanto à relação do processo de transformação (metamorfose) pelo qual a borboleta passa antes de ser o que realmente é. Como em nossa escola temos a oportunidade de utilizarmos a internet, os alunos se apropriaram da pesquisa on-line como mais um recurso para pesquisar o tema em questão. Foi explorado ainda o processo de transformação pelo qual passam vários outros animais e o próprio ser humano nas distintas fases da vida: adolescência, adulto. A pesquisa finalizou com exposições dos dados coletados onde foram expressos desenhos produzidos pelos alunos, atividades de escrita, cartazes com recorte e colagem expondo as idéias, a síntese oral de cada um, retomando os processos da aula, e a seqüência de informações destacando o que cada qual compreendeu.” 2)“Trabalho um conteúdo em todas as áreas do conhecimento. Exemplo: ‘alimentação.’ Português- leitura de várias tipologias textuais, interpretação oral e escrita e produção de texto. Ciências - a função dos alimentos para o desenvolvimento do nosso corpo (Saúde). Geografia - em qual região do nosso país, estado ou município, determinados alimentos são produzidos. História - a evolução dos alimentos através do tempo e setores da nossa economia (setor primário, secundário e terciário). Matemática - pesquisa de preços de frutas para fazermos uma salada de frutas, fração, classificar os tipos de frutas, conceitos de dúzia, quilograma, etc. Artes - leitura plástica de uma obra de arte, onde o corpo de um homem é todo feito de legumes, verduras e frutas e confeccionar animais com alimentos.” 57 3) “Trabalhando com mini-mercado em sala de aula: A estratégia contempla colocar à disposição dos alunos embalagens de produtos que encontramos no supermercado (alimentos, higiene, limpeza, etc.). De preferência estas embalagens são trazidas pelos próprios alunos. Procuro oportunizar visitas ao supermercado para conhecer, identificar (por rótulos) e localizar produtos conhecidos, seus preços e sua utilidade. Em sala de aula montamos um verdadeiro supermercado, simples é claro, com o que conseguimos. Porém proponho aos alunos várias dinâmicas: que selecionem e classifiquem por utilidade, por gênero, ordenando os produtos coerentemente. Procuro trabalhar os rótulos (marcas diferentes), preços diferentes, utilidade etc. Esta atividade é realizada frequentemente. Outro ponto importante da atividade se refere à questão de que todos os dias os alunos recebem no final da aula uma moeda de cinco, dez, vinte e cinco ou cinqüenta centavos (material em EVA ou cópia que encontramos nas lojas populares de 1,99) que são depositadas em um cofrinho aberto. Após o término da semana eles contam as moedas com o meu auxílio e trocam por uma cédula também imitativa, porém muito parecida com a verdadeira. Eles utilizam o dinheiro para fazer compras fictícias. A cada dois meses tenho o auxílio da direção da escola que me fornece materiais (lápis, cadernos, borrachas, doces, frutas, etc.) para um mini-mercado verdadeiro na sala de aula, onde os alunos compram de verdade com o dinheiro que ali vale mesmo. Às vezes vamos ate o supermercado de verdade e efetivamos uma compra para a escola (do que a escola precisa no mês). A aula é muito atrativa para os alunos e não fica na mera mecanização (...) Aqui são trabalhados conceitos matemáticos, as letras a partir dos rótulos, também a socialização, etc.” (Professores participantes do Grupo de Trabalho em Rede do PDE, 2007). 9 COMO AVALIAR? Considerando que o trabalho interdisciplinar implica inovação na educação com relação aos conhecimentos e às formas de ensiná-los e aprendê-los, no que se refere à forma de avaliação não poderia ser diferente. O trabalho com o currículo de forma interdisciplinar pressupõe uma mudança no papel da avaliação e na forma de avaliar, pois a avaliação passa a fazer parte do processo de aprendizagem dos alunos. De acordo com Hernández (1998, p. 94-96), os três tipos de avaliação inicial, formativa e somativa - com suas distintas funções, podem estar presentes no decorrer do trabalho interdisciplinar, em vários momentos. Quando se tenta recolher evidências sobre as formas de aprender dos alunos, seus conhecimentos prévios, seus erros e preconcepções, para um planejamento posterior ou até como ponto de partida para iniciar um projeto, a avaliação é inicial. A avaliação formativa permite ajustes constantes entre os processos de ensino e de aprendizagem, com o fim de ajudar os alunos a progredirem. A avaliação somativa, ao permitir reconhecer se os estudantes alcançaram os resultados esperados, se constitui na síntese de um tema. Porém, é necessário que nós, professores, repensemos tanto nossa concepção de avaliação, quanto os métodos de avaliar, que devem agora estar voltados às novas formas de aprendizagem. Segundo Nogueira (2001, p. 165), “ao admitirmos a abordagem e as possibilidades de mediar processos de desenvolvimento das múltiplas 58 inteligências, teremos também que repensar em novas formas de avaliação, não tão quantitativas e mais qualitativas.” Mediante as mudanças que tem sido propostas na educação com a prática da interdisciplinaridade, faz-se necessário rever a função que deve ter a avaliação no processo de ensino-aprendizagem, que deve ser a de entender, interpretar, mais do que medir. É necessário, portanto, converter a avaliação numa peça-chave do ensino e da aprendizagem que possibilite aos docentes pronunciar-se sobre os avanços educativos dos alunos e, a esses, contar com pontos de referência para julgar onde estão, aonde podem chegar e do que vão necessitar para continuar aprendendo. (HERNÁNDEZ, ibid. p. 97) E é essa função que adquire a avaliação quando são realizadas avaliações contínuas, com base em situações reais, em exposições interativas ou em forma de portfólios, que envolvem os alunos na avaliação de seu próprio progresso. O portfólio é uma estratégia de avaliação utilizada quando se trabalha com projetos, que permite ao aluno a reconstrução e reelaboração do seu processo de aprendizagem. Ele se constitui em um conjunto de documentos, registrados e organizados em forma de caixa, pasta ou Cd-Rom, que proporcionam evidências do conhecimento que foi sendo construído e das estratégias utilizadas para aprender. Essa coleção de itens revela, conforme o tempo passa, os diferentes aspectos do crescimento e do desenvolvimento de cada criança. (SHORES e GRACE, 2001, p. 43). Por esse motivo, a utilização do portfólio como recurso de avaliação tem como base a idéia da natureza evolutiva do processo de aprendizagem. E o que o caracteriza como modalidade de avaliação é o processo constante de reflexão, pois dá a oportunidade aos professores e alunos de refletirem sobre o desenvolvimento dos alunos e suas mudanças ao longo do processo. O portfólio, por ser resultado da participação ativa do aluno, em que ele próprio seleciona e organiza as melhores amostras de seu trabalho para fazer parte de sua coleção, possibilita sua auto-avaliação, ou seja, que avalie sua aprendizagem, seus progressos e dificuldades. O critério utilizado para avaliar os portfólios é o diálogo entre o professor e o aluno, para que este possa organizar suas produções. Nesse processo, o próprio aluno analisa continuamente as atividades desenvolvidas e em desenvolvimento e registra suas percepções e seus sentimentos. Essa análise leva em conta o que ele já aprendeu, o que ainda não aprendeu, os aspectos facilitadores e os dificultadores do seu trabalho. (VILLAS BOAS, apud BEHRENS, 2006, p. 105) Mas o processo de montagem do portfólio pode ser tanto um modo de ensinar quanto de avaliar, pois a utilização do portfólio pode ter duas finalidades: a de avaliação processual e a de registro do processo metodológico. É, portanto, um processo ao mesmo tempo metodológico e avaliativo. Daí o seu caráter de avaliação que faz parte do processo de ensinoaprendizagem. No trabalho com projetos, a entrega do portfólio pode constituir a produção final, referente à etapa de apresentação e exposição. Porém, Behrens (ibid., p. 109) lembra que o professor, quando trabalha com projetos, pode não optar pela utilização do portfólio para procedimentos 59 educativos ou avaliativos. Neste caso, mesmo não optando pelo portfólio, a avaliação precisa ser proposta de maneira contínua e gradual. Nogueira (ibid., p. 105), com base em Gardner, sugere como ferramenta de avaliação o Processofólio, que, de acordo com ele, diferente de um Portfólio que coleta os melhores momentos de um processo, o Processofólio coleta todos os momentos. O autor julga encontrar no processofólio a melhor forma de avaliar e propiciar a auto-avaliação qualitativamente e continuamente durante e no final de um projeto. Para saber mais sobre Portfólio, leia: SHORES, E.; GRACE, C. Manual de Portfólio: um guia passo a passo para o professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS A alfabetização e o letramento são processos complexos, que abrangem vários fatores envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita, e que não encerram um fim em si mesmos, pois são um meio para continuar aprendendo na escola e na vida. A pessoa alfabetizada e letrada pode, por meio da leitura e da escrita, se apropriar de outros conhecimentos. Sendo assim, a área da língua pode propiciar relações interdisciplinares entre as demais áreas do conhecimento, desde que permeia todas elas. De acordo com as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (PARANÁ, 2006c, p. 22), a língua é o meio e o suporte de outros conhecimentos, por isso “pode-se entender que as práticas da linguagem, como fenômeno de uma interlocução viva, perpassam todas as áreas do agir humano, potencializando, na escola, a perspectiva interdisciplinar.” O trabalho com a alfabetização e o letramento e outras áreas do conhecimento numa perspectiva interdisciplinar se constitui em práticas muito ricas com os alunos deficientes intelectuais, principalmente porque favorecem um ensino contextualizado e significativo. Além disso, considera-se que: • O trabalho interdisciplinar na Educação Especial pode ser um método diferenciado que favoreça o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual, por permitir formas variadas de abordagem dos conceitos e conteúdos trabalhados, o acesso a um grande número de recursos e alternativas de envolvimento e interação, bem como a adequação das atividades ao nível intelectual de cada um; • O ensino interdisciplinar pode promover a interação entre os alunos nos trabalhos em grupo, o que pode propiciar a colaboração e a aprendizagem a partir das trocas com os demais; • A forma de se trabalhar as várias áreas do conhecimento por projetos interdisciplinares na Educação Especial pode permitir que o professor tenha como ponto de partida um tema significativo, da realidade e do interesse do aluno, o que pode favorecer a sua motivação para a aprendizagem; 60 E também o fato de possibilitar ao aluno o acesso e interação com uma riqueza de recursos de que a escola pode dispor pode influenciar de maneira positiva em seu processo de aprendizagem. Por esses e outros motivos, verificamos que a interdisciplinaridade na Educação Especial contribui para o aprendizado dos alunos com deficiência intelectual. Sendo assim, é importante que nós, professores, estejamos dispostos a organizar práticas interdisciplinares com esses alunos, para o que precisamos de todo nosso conhecimento e também muita criatividade. Esperamos que este material venha contribuir com o trabalho desses professores que realmente aceitam o desafio de, a cada dia, renovar sua forma de atuar em sala de aula, inovar seu jeito de ser e de fazer as coisas, enfim, mudar seus paradigmas. • 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ARMSTRONG, T. Inteligências múltiplas na sala de aula. Porto Alegre: ARTMED, 2001. ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE RETARDO MENTAL. Retardo Mental: definição, classificação e sistema de apoio. ARTMED, 2006. BARTOSZECK, A. B. Material didático ainda não publicado utilizado no Curso de Neurociência e Educação. Curitiba: UFPR, 20/09 a 29/11/2007. BATISTA, C. A. 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