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O PLANO DE ENSINO DO GRÊMIO DE PROFESSORES PAULISTAS PARA
A PRIMEIRA REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA (1892-1896)
Lidiany Cristina De Oliveira Godoi
RESUMO
Este trabalho examina o Plano de Ensino de 1891, elaborado pelo Grêmio de professores da
Escola Normal de São Paulo e endereçado ao Governador do Estado, à época, Jorge Tibiriçá,
para a Primeira Reforma da Instrução Pública Paulista (1892-1896). Nesse momento
histórico, haviam sido ampliados consideravelmente os debates sobre a reforma do ensino,
seja na Câmara de Deputados, seja no Senado Estadual. O magistério paulista, procurando
afirmar-se enquanto categoria profissional e sentindo-se tão responsável pela educação quanto
o Governador, envia a este uma série de sugestões, que, em sua maioria, serão incorporadas
ao projeto que deu origem à reforma. Por outro lado, sua participação corrente nos assuntos da
instrução pública por meio do Conselho Superior levará a constantes agravos com o governo.
Isso acarretará na supressão do Conselho, em 1897. Uma análise do Plano de Ensino,
acrescida de relatórios, ofícios e correspondências diversas e da bibliografia que retrata o
período histórico em análise, permite compreender as visões de educação expressas pelo
Grêmio de professores, bem como o que considerava essencial para a instituição de um ensino
de qualidade e moderno. Sua participação política levará a que os professores elaborarem
propostas para além da organização escolar e que vão tratar de melhorias em suas condições
de trabalho, melhores salários e seguridade. Algumas delas, irão lhes possibilitar significativo
poder de decisão por um curto período, outras, serão desconsideradas. Entender suas
aspirações e sua relação com o Estado, nesse momento histórico, possibilita compreender os
avanços de uma categoria que é alçada a uma relevância social, mas que, ao mesmo tempo,
encontra certos limites para a participação no intrincado projeto republicano de escolarização
das massas.
Palavras-chave: Século XIX, Primeira República, Reforma da Instrução Pública Paulista,
Plano de Ensino de 1891, Grêmio de professores.
INTRODUÇÃO
A escolarização primária assiste, no final do século XIX, a uma considerável
expansão, acompanhando um cenário que se apresenta mundialmente em vários países, dada a
importância do desenvolvimento técnico-científico impulsionado pela Revolução Industrial. O
contexto de uma era tecnológica, em que a natureza da administração pública e privada,
ampliando suas atividades e promovendo o desenvolvimento de novos setores de serviços e
empregos exigia um maior uso social da leitura e da escrita (HOBSBAWM, 1988, p. 213)
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leva muitos países a implementraem reformas em seus sistemas de ensino com a finalidade de
ampliar a escolarização das massas. A necessidade de quadros de mão-de-obra cada vez mais
especializados também contribuiu, nesse momento, para a ampliação das investidas estatais
no ensino formal: Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Espanha, entre outros, procuraram expandir
a oferta de escolarização primária por meio das escolas reunidas1 ou centrais. A organização
do ensino primário estadunidense não se tornará excessão, e passará, por volta de 1860, por
um processo de reorganização e de ampliação da oferta de escolas em vários distritos
(SOUZA, 1998, p. 37-39).
No caso brasileiro, desde a segunda metade do Império, os debates acerca da instrução
elementar (como era chamada a escolarização básica), já vinham se tornando mais
recorrentes: professores, intelectuais, políticos e imprensa, voltavam suas atenções para o
campo da educação2. Com a Proclamação da República (1899), embora o Partido
Republicano sinalizasse em comícios e conferências a centralidade do tema em seus debates,
a interpretação da legislação brasileira desde o Ato Adicional de 1834 (o qual atribuía às
províncias a responsabilidade de legislar e promover a escolarização primária e secundária,
enquanto o ensino superior ficaria a cargo do Governo Imperial) manteve-se a mesma,
acompanhando o princípio da federação, ainda que este tenha sido objeto de disputa entre os
diferentes grupos que se uniram para o Quinze de Novembro. Os estados federados, por
conseguinte, implantaram seus sistemas educacionais em momentos diferentes. Em São
Paulo, embora a obrigatoriedade do ensino primário não fosse um consenso entre os
republicanos3, a Constituição Paulista de 1891 assim a definiu e, em 1892 tem início a
Primeira Reforma da Instrução Pública4, estendendo-se até o ano de 1896. Valendo-se de
5
experiências dos períodos anteriores, a
graduado, seriado
considerados, à época,
, o ensino
foram
s
.
Desde 1890, quando da reforma da Escola Normal da Capital por Caetano de
Campos, o professorado paulista vinha se afirmando enquanto categoria profissional. Num
1
As escolas reunidas ou centrais consistiam no agrupamento em um só edifício de escolas antes isoladas (termo
que se referia, à época, a classes), ver Souza (1998).
2
Ver por exemplo: França (2004), sobre o pensamento de José Veríssimo e Paris (1980).
3
Ver: Moraes (2006).
4
A respeito da refoma paulista, ver: Antunha (1967), Degani (1973) e Reis Filho (1974).
5
iniciativa de Basedow, Campbel
p. 158-162).
-se como o fundamento de todo o conhecimento. Ver: Souza (1998a,
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momento em que a escolarização das massas torna-se um valor social, devido ao sufrágio
universal, uma necessidade econômica – dada a ampliação do mercado interno, que exigia os
conhecimentos básicos em leitura e escrita – e uma estratégia política para promover a
propaganda do regime republicano, os professores são alçados a um certo prestígio, sentindose tão responsáveis pela educação quanto o governador do Estado, à medida que
compreendiam seu
“
” Embora não se saiba precisar quantos
membros compunham o Grêmio, não seria incorreto sugerir que pudessem ser representativos
dos anseios do professorado paulista. Vários relatórios de inspetores, professores e diretores
enviados à Secretaria do Interior, nesse perído histórico, revelam uma afinidade de
concepções entre os professores da Capital e os dos diversos municípios do interior do Estado.
Sua participação, por meio do Grêmio de professores da Escola Normal, pode ser considerada
intensa nos primeiros anos da reforma. Isso se deveu, em parte, pelo fato de a reestruturação
da Secretaria Geral de Instrução Pública ter possibilitado o predomínio do professorado nas
decisões relacionadas à educação, pois constavam como membros natos do Conselho Superior
– órgão consultivo e deliberativo – o Secretário do Interior, o Diretor Geral da Instrução
Pública, o Diretor da Escola Normal da Capital e o Diretor da Escola Modelo e mais quatro
membros eleitos (REIS FILHO, 1981, p. 102). A impor
pelo Plano de Ensino sugerido pelo
de janeiro de 1891. Abaixo, reproduz-se a parte inicial do documento:
“
honra de apresentar-vos o presente trabalho, tendo unicamente em
Estado, escolas primarias,
(PLANO DE ENSINO, 1891, p. 1. Ordem 5.014)
O Plano, constando de vinte páginas, permite compreender algumas visões de
educação compartilhadas pelos professores, bem como propostas que foram objeto de
conflitos ou disputa entre os diferentes grupos que participaram do projeto reformador. A
passagem acima deixa entrever a importância que os professores atribuíam ao seu trabalho,
pois as propostas apresentadas seriam resultado de anos de prática no exercício da docência,
de suas observações e de repetidas experiências. Buscavam, nesse momento, adaptar o que
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liam a respeito dos modernos métodos de ensino de outros países à realidade do que
observavam no dia-a-dia. Pode-se dizer também que, ao lançarem mão do termo
”, associavam-no à responsabilidade do Estado para com a escolarização
“
primária. Essa questão, longe de ser um consenso, feria a alguns princípios compartilhados
por outros grupos, como, por exemplo, os afeitos a algumas concepções positivistas, as quais
caberia à família, em primeiro lugar, a responsabilidade pela educação dos filhos. Nessa linha
de pensamento, encontra-se a interessante opinião de um professor, à época, publicada no
mesmo ano em que o Grêmio elabora o Plano de Ensino: “
j
educação, destinada a prevalecer, será integral e há de ser fornecida pela família até os 14
anos e pelo poder espiritual; dos 14 aos 21.”(JOSÉ FELICIANO. DIÁRIO POPULAR. 8 de
jan. de 1891, apud: DEGANI, 1973, p. 29).
Por outro lado, a atmosfera compartilhada era a de que a escolarização possibilitaria a
civilização das massas e ao progresso do país. Num momento de forte crença no saber
científico como hieraquicamente superior aos demais, acreditava-se que esse tipo de saber
seria motor do desenvolvimento. Esta visão decorria, por sua vez, de algumas teorias
cientificistas que passaram a vigorar no Brasil, por volta de 1870, como por exemplo, o
Positivismo, o Evolucionismo e o Darwinismo Social. Muitos educadores, políticos e
intelectuais passaram, então, a incorporar discursos
s evolucionistas
l (SCHWARCZ, 1993). De acordo com Monarcha (2010, p. 34), por esse
período, nasciam os saberes especializados. Também se consolidavam um domínio disciplinar
positivo e instrumental voltados aos estudos sobre a infância, na convergência entre médicos e
educadores. S
“
”
prevenção dos males sociais. Na quarta página do Plano de Ensino, pode-se visualizar a visão
clássica de ciência, pois, as experiências dos professores teriam sua autoridade apoiada sobre
“
” do conhecimento científico.
“Assim, resultados philosóficos estabelecidos pelos maiores pensadores de
nosso seculo, maximas da sciencia administrativa e medidas suggeridas pela
prática de ensino, militam em favor do plano que a comissão vos apresenta
(...) (PLANO DE ENSINO, 1891, p. 4. Ordem 5.014)
Uma análise da estrutura desse documento pode trazer indícios sobre as preocupações
postas naquele momento para os professores em ordem de importância: nas primeiras quatro
páginas, uma espécie de preâmbulo, o enfoque centra-se na parte da organização e divisão de
poderes para a nova estrutura de ensino. Um dos primeiros pontos abordados é o da
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necessidade de criação de um Conselho Diretor, o que, por sua vez, seria essencial para que
que tomasse medidas de acordo com a realidade escolar e para que os professores sentissemse representados em seus anseios, e ainda, essencial para que houvesse uma distribuição mais
democrática de poderes.
“
”
enquanto a “ação pertence a um só”, os professores delimitam claramente o que seria de ação
do Executivo e o que não seria. De fato, com a reforma, reestrutura-se, nos anos de 1893, o
antigo Conselho Superior de Ensino, já existentente desde o Império6, agora denominado
Conselho Superior de Instrução Pública. Como órgão consultivo das instâncias superiores,
teria importantes funções deliberativas a respeito das operacionalidade das normas e
regulamentos da instrução pública (REIS FILHO, 1974, p. 35), além da liberdade de intervir
em várias questões relacionadas ao ensino primário e secundário públicos e ao privado. A
Primeira Reforma da
Instrução Pública Paulista foi a seguinte: Secretaria do Interior (responsável pela
regulamentação, fiscalização e execução das normas); Conselho Superior (órgão colegiado
consultivo, com funções deliberativas), Diretor Geral da Instrução Pública (para execução dos
serviços), Inspetores de Distrito (para inspeção) e Câmaras Municipais (estas últimas,
excluídas na subordinação hierárquica, eram solicitadas no auxílio de questões relacionadas
ao ensino, como por exemplo, nomear comissões examinadoras para a escolha de professores
que pretendiam ocupar cadeiras vagas nas escolas dos municípios) (Op. cit.). Como se pode
observar, ao Conselho Superior era atríbuido um forte poder decisório, estando ele
imediatamente abaixo da Secretaria do Interior, órgão máximo no tocante às decisões no
campo da educação. Esta organização administrativa recém-criada no Estado não esteve
isenta de conflitos e, provavelmente, houve agravos entre os membros do Conselho e
Secretaria do Interior e entre esta e outros órgãos, ao passo que, em 1893, pela Lei n. 169 (de
7 de agosto), são modificadas algumas disposições, de sorte que o Secretário do Interior,
passa a ser membro nato do Conselho Superior e seu Presidente, e o Diretor Geral da
Instrução Pública, o vice, acentuando, assim, o controle do Conselho nas mãos do governo. O
projeto do Deputado Alfredo Pujol, apresentado à Câmara de Deputados no ano de 1897
fornece alguns indícios quando, nesse mesmo ano, ao abrir os trabalhos da Assembleia,
afirmava que em seu projeto achava-se consubstanciado
S
“
6
“
”
” (DEGANI, 1973, p.
Este Conselho fora criado pela Lei no. 81, em 6 de abril de 1887, composto de nove membros (DEGANI, 1973,
p. 71).
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79). O Secretário do Interior, à época, Dino Bueno, em um relatório enviado ao Presidente do
Estado, também desfere duras críticas ao órgão, afirmando:
forçoso convir que salvo o projeto de regulamento das escolas
…
fosse declarar
ó
…
outras medidas de ordem adminsitrativa, o que, atenta mesmo a natureza
coletiva do Conselho e a peridiocidade das reuniões, não raro impedem ou
demoram a ação do governo (REL. 15 de mar. de 1897apud: DEGANI,
1973, p. 106-107).
“…
Dino Bueno também se referira à acertada decisão do Presidente, em sua visão, de ter
suprimido o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública no ano anterior, pois seu antecessor
teria lhe dito, em relatório, que “
”
j
D
“
público” (Op. cit., p. 107). De acordo com Tavares (2004, p. 24), os anos que se seguiram à
implantação da reforma paulista foram marcados por mudanças, conflitos e adaptações à nova
organização administrativa, gerando, por conseguinte, muitas tensões. O autor atenta para o
fato de, em vários momentos, as funções deliberativas e executivas se sobrepuseram umas as
outras, gerando algumas confusões e, em outros, grupos políticos dos municípios procuraram
burlar a burocracia dos órgãos públicos estaduais para fazer valer seus interesses. O fato é
que, ao ser extinto o Conselho Superior, os anseios e aspirações do magistério paulista
sofreram um duro golpe, obstando a possibilidade de um planejamento coletivo que não
estivesse condicionado às mudanças de governo.
A fiscalização do ensino é o segundo assunto tratado no Plano, as três páginas
dedicadas ao tema sugerem detalhadamente quais seriam as funções dos inspetores de distrito
e do inspetor geral - a maior parte delas incorporadas ao projeto da reforma. Uma das
preocupações centrais do professorado paulista era a formação docente. O Artigo 5o. do Plano
expressa esta intenção, pois caberia ao Inspetor Geral, dentre outras funções, convocar
anualmente os professores da Capital e dos municípios do interior para expor-lhes os
programas, bem como enviar-lhes obras clássicas de ensino, cuidando para que fossem
estudadas, além de promover conferências públicas sobre assuntos da educação. Tarefas
claramente impossibilitadas dado o exíguo número de inspetores e as atribuições
administrativas e técnicas que lhes foram sendo atribuídas após a extinção do Conselho
Superior e da Diretoria Geral. Contando o Estado com trinta Inspetores de Distrito e mais o
Inspetor Geral nos anos iniciais da reforma, passa, a partir de 1896, a ter número de dez
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inspetores. O Grêmio também ressaltava a importância de o trabalho de fiscalização ser
realizado por professores normalistas, pois, em sua na visão: “
é mais competente
para fiscalisar os trabalhos de uma profissão do aquelle q
”
(PLANO DE ENSINO, 1891, p. 2. Ordem 5.014).
As propostas contidas nas páginas dedicadas à organização do ensino foram as que
estiveram mais próximas do formato dado a reforma. Os professores sugeriram para a
instrução elementar, a reunião das escolas de primeiro a terceiro graus em um só edifício, as
“
- ly
” As de primeiro grau compreenderiam os estudos
preliminares, as de segundo, o estudo mundo, e as de terceiro grau: o estudo do homem e da
sociedade. Interessante observar a introdução de disciplinas científicas no estudo do homem
em relação com os outros animais (escala zoológica). No terceiro ano, uma formação cívica é
objeto de preocupação do professorado: estudos da pátria, da Constituição recém-elaborada,
“
iros cé
”
B
ó
Proclamação da República. Nos estudos do mundo, ressaltava-se a história da América desde
a sua descoberta e a história européia, nos termos das conquistas imperiais, além da biografia
“
”
republicanos a instituição de uma cultura cívica. De acordo com Carvalho (2006, p. 10-11), a
elaboração do imaginário constitui-se como uma prática comumente usada em qualquer
regime político, principalmente em momentos de mudança social e política, ou ainda, de
redefinição de identidades coletivas. Os símbolos e mitos, por possuírem muitas vezes um
caráter difuso, podem tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses, de aspirações
“
”
“
”
Da mesma maneira, os ritos cívicos, como as comemorações do dia da Independência (1822)
e da Proclamação da República (1889), da figura do herói Tiradentes, do culto à bandeira e ao
hino nacionais, juntamente com a transmissão de uma história hagiográfica - baseada nos
feitos dos grandes heróis e homens públicos – poderia contribuir para que a escola primária
trouxesse unicidade e identidade a um regime político resultado de diferentes visões e facções
ideológicas e sem a efetiva participação popular.
A reforma acabou adotando as séries graduadas de ensino, adicionando a quarta série
como compreendendo a instrução elementar. No ano de 1893, foram criados, por lei, os
chamados grupos escolares, os quais compreendiam o agrupamento em um só edifício das
escolas (classes) isoladas dos municípios. Anterior a esse momento, as escolas do período do
Império funcionavam geralmente em paróquias, em cômodos alugados ou na casa dos
mestres-escola (SOUZA, 1998a, p. 122). Edifícios especialmente voltados para a escola
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primária foi uma preocupação do Grêmio e também compartilhada no período por alguns
intelectuais e políticos (BUFFA; ALMEIDA PINTO, 2002). No artigo 57, os professores
“
ó
j
”
L N
DE ENSINO, 1891, p. 18. Ordem 5.014). Embora tenham sido construídos alguns edifícios
suntuosos para grupos escolares no início da reforma, muitas escolas acabaram funcionando
em locais precários, como é o caso das escolas isoladas que continuaram a existir
paralelamente aos grupos escolares, destinadas, em sua maioria, às crianças oriundas do
campo. As escolas isoladas acabaram sendo divididas em escolas intermédias, escolas
provisórias, escolas ambulantes e escolas noturnas. Os grupos escolares, concentrados nas
áreas urbanas, eram regidos por professores normalistas em sua maior parte, possuíam
melhores materiais didáticos e uma estrutura arquitetônica mais elaborada. As escolas
intermédias eram regidas por professores não normalistas, habilitados através de exame. Já as
escolas provisórias eram regidas por professores interinos, habilitados por concurso perante os
inspetores de distrito. Se os professores se tornassem diplomados, estas escolas passariam a
preliminares. Nas escolas ambulantes, as quais funcionavam em localidades de baixa
densidade populacional, o professor se deslocava de uma região à outra para ministrar o
ensino. As escolas noturnas, por sua vez, destinavam-se aos alunos do sexo masculino,
maiores de dezesseis anos. Com exceção dos grupos escolares, estas outras modalidades de
escola primária apresentavam um currículo reduzido (REIS FILHO, 1981, p. 119-121). As
escolas noturnas haviam sido sugeridas pelo Grêmio no artigo 37, evidenciando a
preocupação com uma instrução básica para os trabalhadores maiores de dezesseis anos.
Na impossibilidade de apresentar todos os pormenores do Plano de Ensino
incorporados pela reforma paulista de 1892, alguns com mais, outros, como menos
modificações, seria interessante destacar o que os professores sugeriam a respeito de suas
condições de trabalho. O Governador do Estado, por exemplo, ao definir os vencimentos do
corpo docente deveria ter a ciência de que os valores deveriam garantir aos professores “a
necessária independência para a posição social que ocupam” (PLANO DE ENSINO, 1891, p.
16. Ordem 5.014). Após dez anos de trabalho, o docente deveria receber o acréscimo
correspondente a um quarto de seus vencimentos, para o período de quinze anos, a terça parte
e, para o período de vinte anos, a metade. No artigo 17, tem-se que o professor não poderia
perder seu cargo em hipótese alguma, quando eleito pela vontade popular, poderia, no
máximo, ser dispensado do exercício, enquanto vigorasse o mandato. Caso uma escola fosse
suprimida, o professor teria o direito de escolher outra, sendo garantida a igualdade de
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categoria. Também deveria ser livre a permuta entre escolas. Muitos ofícios enviados ao
Conselho Superior de Instrução Pública e, posteriormente, à Secretaria do Interior irão se
referir a remoção dos professores para outras escolas, alguns motivados por conflitos no
interior dessas instituições onde ministravam suas disciplinas. Vale pensar, para esse
momento histórico, que os professores, especialmente os dos grupos escolares, ao depararemse com um Estado mais fiscalizador de seu trabalho e dos métodos dos quais se valiam e as
novas relações que se estabelecem, quando passam a ter que trabalhar juntos em um mesmo
edifício acrescido do fato de que, pela primeira vez na escola primária pública, é instituída a
figura do diretor não estiveram isentos de discordâncias e conflitos (SOUZA, 1998a). A esse
respeito, seria interessante destacar o caso ocorrido no grupo escolar de Botucatu, no ano de
1902, segundo o inspetor Mário de Arantes. O professor Eloy Tobias Ferreira de Aguiar,
responsável pelas atividades de ginástica e exercícios militares da seção masculina, teria se
desentendido com um aluno durante os exercícios. Procurando detalhar o ocorrido, o inspetor
afirma que :
Apesar de ser tal facto de mínima importancia, entendo que devo
comunicar-vos, com o fim de prevenir denuncias em que a contra a
directoria do Grupo, em vista da tensão que reina aqui entre facções
políticas que pretendem influir na vida do Grupo. (REL., 1902. Ordem
5.002).
Ainda com relação ao papel dos professores, expresso no Plano de Ensino, vê-se que o
documento também traz elementos interessantes para se pensar nos deveres que os
professores julgavam essenciais serem transformados em lei, como por exemplo, a
obrigatoriedade de o professor adjunto (auxiliar) exercer a função de secretário da escola ou o
fato de, caso um professor não requisitasse, no prazo de trinta dias, a sua remoção para uma
outra escola, quando da supressão desta, perderia, por conseguinte, o direito ao seus
vencimentos. Na impossibilidade momentânea de verificar em que medida as sugestões dos
professores relativa as suas condições de trabalho foram incorporadas à reforma paulista7,
cabe ressaltar o fato de que tinham a consciência da centralidade de seu trabalho na
materialização daquela, o que os leva a expressar o seu pensamento e o que entendiam ser
necessário para a modernização da escola primária: a valorização de seu trabalho, era,
portanto, um ponto essencial.
7
A pesquisa de doutorado está em andamento, portanto, ainda não se tem dados mais concretos relativos a esse
aspecto.
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CONSIDERAÇÕES
Segundo Reis Filho (1974, p. 48), o Plano de Ensino enviado a Presidente do Estado
no ano de 1891, embora que representasse o pensamento dominante entre os líderes do
magistério, não teria sido provido de nenhuma justificativa ou fundamentação. O presente
texto, opondo-se a esta ideia, evidenciou importância daquele documento nesse momento
histórico: à medida em que a educação sinaliza certo valor social e que o Estado passa a se
responsabilizar pelo ensino primário, os professores, conscientes da importância de seu papel,
procuram participar ativamente desse processo. A participação, no entanto, que não esteve
desprovida de conflitos e obstáculos, sejam no exercício cotidiano de seu trabalho, sejam com
relação a nova estrutura administrativa recém-criada. A despeito de muitos pontos
relacionados à organização da escola primária terem sido incorporados ao projeto reformador,
os professores, ao tentar alçar vôos maiores, encontram limites impostos pelo governo.
Considerando que o modelo de escola primária criado com a República, no Estado de São
Paulo, possui elementos que sobrevivem até os dias presentes, acredita-se ser importante
entender a visão dos professores naquele momento histórico, expressa no Plano de Ensino,
pois poderia fornecer algumas ferramentas analíticas para que se compreenda os problemas e
contradições presentes na escola contemporânea.
FONTES CONSULTADAS
1891. Ordem 5.014. Plano de Ensino. Proposta da Comissão de Professores Públicos para a
Reforma da Instrução Pública Paulista ao Governador do Estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá
(05 de jan. de 1891).
1897. Ordem 4.978. Ofício da Câmara Municipal de Guarulhos ao Conselho Superior (22
de jan. de 1896).
1902. Ordem 5.002: Relatório do inspetor escolar Mário de Arantes ao Inspetor Geral do
Ensino, Mário Bulcão (18 de jun. de 1902).
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