Biblioteca para a Primeira Infância – Ler é Saber
Ivani Capelossa Nacked, Roseli Mônaco
Modalidade: Relato de Experiência
Instituto Brasil Leitor
Resumo:
O Brasil é um país com grande diversidade cultural e diferenças sociais abissais,
onde a leitura não se constituiu como um valor social e está sempre desagregada
das políticas públicas contribuindo, assim, para o arrastamento interminável da
iniqüidade social e cultural da criança e sua família.
O Instituto Brasil Leitor está presente em grande parte do território nacional com
projetos de leitura e entre eles, a Biblioteca para a Primeira Infância. É um
espaço que tem a finalidade de apoiar ações de leitura para crianças de 0 a 6
anos por meio da interação entre livros, brinquedos e brincadeiras. Este projeto
consiste em implantação da Biblioteca e formação inicial e continuada da equipe
de profissionais e famílias da Instituição. A perspectiva teórica do projeto é de
que as crianças são ativas, pesquisadoras, construtoras de sua própria cultura e
com direitos.
Palavras-chave:
professores
Letramento,
Ludicidade,
Aprendizagem,
Formação
de
Texto:
As mudanças ocorridas no cotidiano infantil nos dias atuais diminuem as
possibilidades de lazer e descanso das crianças e consequentemente o tempo e
espaço para leituras e brincadeiras. O Projeto Biblioteca para a Primeira Infância
do Instituto Brasil Leitor em consonância com o artigo 31 da Convenção dos
Direitos da Criança que reconhece o direito da criança ao descanso, lazer, e
participação na vida cultural tem como objetivo propiciar um espaço em que a
criança, desde os primeiros meses de vida, possa aprender a ouvir, interagir,
pensar, investigar, comunicar-se e explorar o mundo ao seu redor a partir das
vivências ocorridas no âmbito da leitura e do lúdico. Dessa forma, este projeto é
pautado em dois conceitos: a associação do ler com o brincar e a leitura de
mundo da criança pré-existente à palavra escrita. Leitura de mundo, aqui, implica
a vivência do dia a dia do sujeito e as relações sociais que se estabelecem no seu
contexto cultural, fator importante para o desenvolvimento das práticas sociais de
leitura.
Dessa forma, o Projeto Ler é Saber entende que existem diferentes formas de
leitura para além da palavra escrita e que o cotidiano da criança é preenchido por
essas diversas situações de leitura.
O projeto é formado por meio da junção de acervos de livros, CDs, DVDs, móveis
(feito de madeira certificada e fórmica de material reciclado), jogos e brinquedos
artesanais, minuciosamente selecionados, formação inicial e continuada da
equipe de profissionais da Instituição e familiares das crianças. A implantação
desses espaços exigiu um longo estudo sobre um processo que não se realiza
sem que a família e educadores entendam a importância das práticas sociais de
leitura desde o nascimento da criança, a importância do lúdico e como tudo isto
está inserido na biblioteca. Nesse processo, esses atores são encorajados a
participar do desenvolvimento da linguagem da criança, do letramento e do
crescimento integral dela, entendendo sua participação nesses estágios. A
formação inicial
acontece, de forma lúdica, com todo o corpo educativo da
instituição, junto aos familiares e tem duração de 8 horas, com um trabalho
conceitual sobre o que é leitura, leitura na primeira infância, apoio técnico sobre o
livro e planejamento de atividades na Biblioteca.
Show Room da Biblioteca Primeira Infância
A implantação do espaço da biblioteca conta com aproximadamente 720 itens no
seu acervo composto por móveis especiais, livros e brinquedos promovendo a
interação entre o Ler e o Brincar.
Acervos da Biblioteca – Livros associados a brinquedos e móveis
Educadoras explorando os acervos da Biblioteca
A Biblioteca para primeira infância, além de ser um espaço de aprendizagem
lúdico e interativo, proporciona ao educador explorar inúmeras atividades
que contribuem ainda mais para o desenvolvimento sociocognitivo e
psicomotor da criança.
O projeto tem uma abordagem teórica interdisciplinar, considerando várias
perspectivas, tais como a da psicologia do desenvolvimento Infantil (nas esferas
cognitivas e histórico-culturais); a pedagógica (referente à aprendizagem e
letramento); antropológica e sociológica da infância (no que diz respeito à
concepção de criança como ator social com enfoque na participação infantil); e
assuntos referentes à biblioteconomia. A perspectiva antropológica vê a criança
como agente social, competente, criativo e produtor de mudança social. Essa
perspectiva mostra que a criança é (re)produtora de cultura em seu contexto.
Nesse sentido, as crianças são co-construtoras da cultura, do conhecimento e de
sua identidade. Dessa forma, a infância é uma construção social estruturada pela
e para a criança nas relações sociais. A infância também é biológica, mas a
maneira como é compreendida é determinada socialmente. São atores sociais
que participam, constroem suas vidas e influenciam a vida dos outros que os
cercam. Elas possuem voz própria e são capazes e competentes na sua relação
com o mundo. A perspectiva antropológica da importância de tornar presente a
voz da criança, e seu saber cotidiano, apropria-se da linguagem e compreende as
condições da dimensão humana. Essa perspectiva leva em consideração as
condições de vida da criança, pesquisa a diversidade, o cotidiano escolar, o
cotidiano familiar, as práticas pedagógicas e as interações. Além disso, concorda
com os princípios das teorias histórico-culturais e interacionista, compreendendo
a criança como um ser social que, na interação com a cultura, amplia suas
capacidades cognitivas, afetivas e sociais. A abordagem sociológica, com o
conceito da participação infantil (SARMENTO, 2008), indica que, no processo de
socialização da criança, devem ser considerados os processos de apropriação,
reinvenção e (re) produção das crianças. Dessa forma, a sociologia da infância
propõe observar como as crianças negociam, compartilham e criam sua própria
cultura na interação entre elas e com os adultos. (ALMEIDA, 2011). A psicologia
cognitiva, com enfoque no desenvolvimento do pensamento e nas relações com
os objetos, tem como principal representante Jean Piaget. Este autor traz grandes
contribuições para a compreensão dos processos de aquisição da linguagem,
pois sua perspectiva permite estudar a interação dos objetos com atividades de
leitura e momentos em que as crianças realizam experimentações,
potencializando suas funções psicológicas superiores. Essas experimentações
fortalecem o desenvolvimento leitor desde a primeira infância e mostram como o
livro deve ser parte permanente da vida da criança, desde seu nascimento por
possuir imagens que elas associam com o mundo real. Outro autor, Jerome
Bruner, parte do princípio que aprendizagem é um processo ativo e, dessa forma,
os sujeitos constroem novas idéias. Sua perspectiva dá ênfase nas habilidades
das crianças em usar estruturas lingüísticas na comunicação de necessidades,
desejos e intenções. Para este autor, aprender a falar não é somente aprender
palavras ou sua sintaxe, mas aprender como realizar coisas com elas. Dessa
forma, a estrutura gramatical está relacionada com primeiras brincadeiras e
rotinas das crianças. A perspectiva histórico-social de Vygotsky (1989) relata que
as relações sociais entre o sujeito e o mundo exterior possibilitam o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A principal colaboração
dessa perspectiva para os estudos sobre aquisição de linguagem reside na visão
de que a criança, ao agir sobre a realidade, apropria-se de elementos naturais,
transformando-os em objetos humanos, na forma de idéias, conhecimentos e
imagens. Nesse contexto, falar com bebês ajuda-os a ouvir como a linguagem é
colocada em sentenças, colaborando para suas futuras escritas e leituras.
Procura-se ainda a pertinência de autores que abordam os temas: letramento,
ensino-aprendizagem, papel do mediador na leitura, conceitos de biblioteconomia,
literatura e outros assuntos que se fizerem necessários para valorizar a riqueza
da diversidade dos modos de agir e pensar da criança.
Nossa experiência está pautada em oito anos de estudos e implantação de 80
bibliotecas (fev/2014) distribuídas em seis estados brasileiros (São Paulo, Goiás,
Pernambuco, Paraná, Sergipe e Minas Gerais), distribuídas em 35 cidades.
Foram formados aproximadamente 2000 profissionais e famílias e 30.000
crianças beneficiados com o projeto.
Com base nessa experiência pelo país adentro, iniciamos em 2012, um projeto de
pesquisa: “Contribuições da Interação entre o ler e o brincar para os
processos de aprendizagem da criança, nos aspectos sócio-cognitivos”.
Nessa pesquisa, partimos do pressuposto de que a criança é um agente ativo na
construção de seu conhecimento, é pesquisadora de seu próprio contexto de vida
e de que aprende por meio de interações com pessoas, com objetos e com o
meio. Dessa forma, O Projeto Biblioteca Primeira Infância propicia e intensifica
essas interações. O Instituto Brasil Leitor realiza esta pesquisa centrada nessa
temática e nos modos como essas ações acontecem. Término previsto no
segundo semestre de 2014. Em 2013, fomos convidados a apresentar a
Biblioteca para Primeira Infância – Ler é Saber e a Pesquisa, durante a
Conferência Internacional “Prepare for Life! - Raising Awareness for Early
Literacy Education” (Prepare-se para a vida! - Sensibilização para a educação e
letramento), que aconteceu em março, em Leipzig, na Alemanha. Os eixos
temáticos dentro dos parâmetros sociais que foram abordados por nós, nessa
conferência foram: 1. A biblioteca introduz um conceito novo, da interação entre o
ler e o brincar, que reconhece que a percepção de mundo pela criança, precede a
da palavra escrita.
2. A importância da formação de educadores e pais para entendimento como um
espaço holístico incentiva a associação do ler e do brincar e o desenvolvimento
leitor através da linguagem e letramento.
3. Empoderar a criança e encorajar professores e pais para tornarem-se parceiros
no processo de aquisição de linguagem e alfabetização.
Em conclusão, a Biblioteca permite o desenvolvimento do potencial integral da
criança, por meio das interações com o outro (criança/criança, adulto) com o
ambiente e materiais e com os elementos de natureza e a da família. Esse
contexto ativa a criança a ser agente da sua própria cultura, além de ser um
importante espaço que fornece cenários para a mediação entre as relações
humanas e materiais.
Bibliografia:
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