Compra e venda de bens
de consumo: âmbito de
aplicação objectivo e a
noção de conformidade
Direito do Consumo
16 de Novembro de 2009
Âmbito de aplicação
objectivo
DL 67/2003
O revogado n.º 2 do art. 1.º
O presente diploma é aplicável, com as necessárias
adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de
consumo a fabricar ou a produzir (caso de produtos
naturais agricolas) e de locação de bens de consumo


Contratos de empreitada
Contratos de locação
O actual n.º 2 do art. 1.ºA
O presente decreto-lei é ainda aplicável, com as necessárias
adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de
um contrato de empreitada ou de outra prestação de
serviços, bem como à locação de bens de consumo
 Contratos de empreitada
 Outras prestações de serviços
 Contratos de locação
Calvão da Silva assimila à venda (com entregas
fraccionadas ou repartidas), os fornecimentos
duradouros, continuados, reiterados ou
periódicos de bens de consumo como água, gás,
electricidade, leite, pão, jornais, revistas, etc.
Excluídos do âmbito de aplicação
Contratos de mera reparação, conservação ou
manutenção de bens de consumo que o
consumidor já possua, bem como as demais
prestações de serviços – mesmo as relativas aos
bens de consumo vendidos ou fornecidos,
designadamente os serviços de pós-venda e de
assistência e manutenção para o período ulterior
à conclusão do contrato –, com excepção dos
serviços de instalação da coisa vendida ou
fornecida (art. 2.º, n.º 4)

O que muda com a expressão ou de
outra prestação de serviços ?
Por exemplo, se um automóvel é reparado e, no
âmbito da reparação, o profissional coloca uma
peça nova, por exemplo, um novo farol, aplicase o 67/2003?
Sim, uma vez que se trata de um bem de consumo
fornecido no âmbito de um contrato de
empreitada ou de outra prestação de serviços.
Locação de bens de consumo
Aluguer de longa duração
Ex.: Automóveis



Leasing ou Locação financeira mobiliária ou
imobiliária
Responsável: vendedor ou empreiteiro e não o
locador
Locação-venda
Objecto da venda: móveis e imóveis
A Directiva 1999/44/CE comporta:
 Bens móveis corpóreos
Exclui:
 Bens objecto de venda judicial
 Fornecimento de água e gás quando não forem
postos à venda em volume determinado, ou em
quantidade determinada
 Fornecimento de electricidade
O DL 67/2003:
 Bens imóveis
 Não realizou qualquer das exclusões
mencionadas na Directiva
 Animais defeituosos
 As coisas em segunda mão adquiridas em leilão,
mesmo que o consumidor-comprador tenha
estado presente
“E, porque a venda é o arquétipo dos contratos
onerosos (art. 939.º do CC), este regime especial
da compra e venda deve aplicar-se também à
troca ou permuta de bens de consumo” (Calvão
da Silva)
Note-se que aos “bens vendidos por via de
penhora ou qualquer outra forma de execução
judicial” não se aplica DL 67/2003, apesar de se
reconhecer ao comprador ou adjudicatário
direito à garantia legal nas vendas forçadas, tal
como nas vendas voluntárias
O regime especial do CC

Credores como garantes do comprador ou adjudicatário
de coisa onerada em vendas forçadas
A garantia contra vícios do direito e a garantia contra os
vícios da coisa merecem idêntico tratamento, eadem ratio:
contrapartida do preço pago pelo comprador e
recebido pelo credor ou credores nas vendas forçadas
de bens por via «de penhora ou qualquer outra forma
de execução judicial» (art. 1.º, n.º 2, al. b), primeiro
travessão, da Directiva)
A conformidade
Art. 2.º, n.º 1
O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que
sejam conformes com o contrato de compra e venda

Alguma doutrina tem considerado que a Directiva 1999/44/CE não
poderia abarcar a situação da venda de bens onerados (art. 905.º),
uma vez que os remédios nela previstos como a reparação e a
substituição da coisa seriam completamente incompatíveis com
esta figura. Menezes Leitão diz-nos que “a definição de
reparação constante do art. 1.º, n.º 1 f) da Directiva: “em caso de
falta de conformidade, a reposição do bem de consumo em
conformidade com o contrato de compra e venda” parece
adequada a abranger a expurgação dos ónus ou encargos a que se
refere o artigo 907.º, pelo que consideramos pelo menos
duvidosa essa exclusão. Em qualquer caso, em face do art. 2.º do
DL 67/2003, parece-nos claro que a venda de bens onerados
constituirá uma hipótese de desconformidade”
Noção de conformidade
“Conformidade é uma relação deôntica entre duas
entidades, a relação que se estabelece entre algo como é
e algo como deve ser. Há portanto muitas modalidades
de conformidade, variáveis consoante a natureza das
entidades (o referente e a referência) que estejam em
relação do ser com o dever ser. Neste caso –
conformidade da coisa com o contrato – o referente é o
objecto no acto de execução, a referência é o contrato,
por si e incluindo em si várias remissões. Se o objecto
na execução for como deve ser, há conformidade; se o
objecto na execução não for como deve ser, há falta de
conformidade ou desconformidade”
Padrões de conformidade

Qualidade

Quantidade

Quando e Onde

O quê e Como
O reverso da conformidade é a desconformidade
ou falta de conformidade, isto é, a divergência
entre a qualidade que tem e a qualidade que
devia ter a coisa prestada
 Unificar: o defeito, que englobava, mas
distinguia, vícios da coisa (ocultos ou aparentes)
e falta de qualidades (peius), ambos, por sua vez,
distintos da diferença de identidade (aliud pro
alio) e da insuficiência da quantidade (minus).
A garantia de conformidade imposta ao vendedor
implica uma alteração muito significativa no
regime da compra e venda de bens de consumo,
uma vez que vem relegar a solução tradicional
do caveat emptor: cabe ao vendedor o ónus da
prova, de acordo com as regras gerais, de ter
cumprido essa obrigação de entrega de um bem
conforme.
Presunção de não conformidade (n.º
2 do art. 2.º )
1.º - qualidades especialmente acordadas no contrato, incluindo
aquelas que, por referência, resultem de:
a) descrição (feita pelo vendedor), amostra ou modelo (apresentado
pelo vendedor) e/ou
b) indicação de uso específico pelo consumidor e/ou
2.º - qualidades que, não sendo especialmente referidas no contrato:
c) sejam adequadas às utilizações habituais de bens do mesmo tipo
e/ou
d) sejam esperadas, atendendo à natureza do bem e a declarações
públicas promovidas pelo vendedor ou pelo produtor através de
publicidade ou de rotulagem.
A teoria moderna assenta (...) na ideia de que «as
declarações (directas ou indirectas) relativas às qualidades
da coisa não representam meros enunciados descritivos»,
antes são «determinações preceptivas». A coisa pode ser
até «amostra de si mesma» (Ferreira de Almeida)



Estes factos não são cumulativos.
Apenas é necessário que se verifique algum
destes factos para que logo se presuma a não
conformidade com o contrato.
Se as circunstâncias do caso tornarem algum ou
alguns dos elementos manifestamente
inapropriado, continuarão a aplicar-se os
restantes elementos que constituem a presunção.
Determinação das qualidades da
coisa




o próprio acordo contratual, devidamente interpretado e
composto por todas as referências descritivas e qualificativas da
coisa, nas quais se contam remissões para amostras ou modelos e
informações pré-contratuais de inserção imperativa;
a lei, quando disponha, de modo supletivo ou imperativo, sobre
as características do objecto contratual fornecido, incluindo as
que respeitem à segurança dos bens;
os usos, linguísticos ou normativos, a partir dos quais se
deduzem as utilizações, as qualidades e os desempenhos a que se
referem as als. c) e d) do artigo 2.º, n.º 2 do DL 67/2003;
as mensagens publicitárias e os rótulos que se refiram a bens do
mesmo tipo do bem fornecido.
A alínea a) do artigo 2.º, n.º 2



Declarações do vendedor e não de terceiros
A descrição do vendedor ou a comparação com
a amostra é suficiente para determinar a
presença das qualidades mencionadas pelo
vendedor ou constantes da amostra, mesmo que
essas situações tenham apenas acontecido na
fase pré-contratual
Estes elementos integram o conteúdo do
contrato
A alínea b) do artigo 2.º, n.º 2


Quando o bem de consumo não é idóneo para o
uso específico (expresso ou tácito) a que o
consumidor o destine e do qual tenha informado
o vendedor quando celebrou o contrato e que o
mesmo tenha aceite
Assim, podemos dizer que a destinação da coisa
a um fim específico integra o contrato
A alínea c) do artigo 2.º, n.º 2


Quando os bens não forem aptos às utilizações
normalmente dadas a bens do mesmo tipo,
independentemente do fim específico referido
pelo comprador
Havendo uma pluralidade de utilizações
habituais, parece os bens terão de ser idóneos
para todas elas
A alínea d) do artigo 2.º, n.º 2
Quando os bens de consumo não mostrarem as
qualidades e o desempenho habituais nos bens
do mesmo tipo e que o consumidor pode
razoavelmente esperar, considerando a natureza
do bem e, eventualmente, as declarações
públicas sobre as suas características específicas
feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo
representante, nomeadamente na publicidade ou
rotulagem.
“razoáveis expectativas” do
consumidor médio
A natureza do bem e as declarações públicas
sobre as características concretas feitas pelo
vendedor, pelo produtor ou seu representante –
representante económico, distribuidor oficial –,
designadamente na publicidade ou na rotulagem


Quanto à natureza do bem relevará a sua idade,
o facto de a coisa ser nova ou usada, pouco ou
muito usada, assim como os diferentes preços
por que sejam oferecidos bens do mesmo tipo
dotados das características imprescindíveis à sua
utilização habitual, presumindo-se
contratualmente queridos só os bens que entrem
no mesmo escalão de preço da aquisição
São os critérios cumulativos ?
NÃO
Menezes Leitão
SIM
Mota Pinto
Calvão da Silva
Ferreira de Almeida
Sara Larcher
Mota Pinto

Entende que a introdução da expressão e visou
limitar o critério das expectativas razoáveis pelo
da habitualidade do desempenho do bem,
evitando-se assim que o consumidor que visa
uma utilização incomum do bem possa criar
expectativas razoáveis apenas com base na
publicidade e na rotulagem
Calvão da Silva


Defende a cumulação argumentando que as versões
inglesa e alemã utilizam a conjunção copulativa e
No mesmo sentido, a própria natureza cumulativa das
presunções, a mostrar a sobreposição normal dos critérios que lhes
servem de pressuposto – por exemplo, a conformidade com
a amostra coincidirá em regra com as qualidades e o
desempenho habituais de bens do mesmo tipo, que o
consumidor pode razoavelmente esperar; o uso
específico corresponderá correntemente à utilização
habitualmente dada aos bens do mesmo tipo

“Mas se a declaração pública feita por vendedor, produtor
ou seu representante (...) foca e exalta uma característica
concreta exclusiva de certo produto (qualidade não habitual,
portanto, nos bens do mesmo tipo ou categoria: por
exemplo, carro gasta 5 litros aos 100 Km, quando o
tipo da viatura a que pertence faz em média 10 litros)
(...), o consumidor tem razões para justificadamente confiar
nessa declaração-informação e pode razoavelmente esperar essa
qualidade ou atributo no caso concreto apesar de não
habitual nos automóveis do mesmo tipo ”
Ferreira de Almeida

Mensagem publicitária: emitida pelo vendedor ou pelo
produtor (requisito subjectivo) e se referir a
características concretas de bens do mesmo tipo
daquele que é objecto do contrato (requisito objectivo).
Discute se, além disso, a Directiva impõe, como
requisito autónomo, a criação no consumidor de uma
expectativa razoável ou se, para o efeito, é suficiente
que, no momento da celebração do contrato, o
consumidor não conhecesse ou não devesse conhecer a
desconformidade.

Como os consumidores tomam as suas decisões
de compra mais em função das declarações
públicas do fabricante ou do vendedor do que
em declarações privadas deste, a solução
coerente consiste pois em responsabilizar o
vendedor também pelas qualidades divulgadas
pela publicidade
Sara Larcher


Tendo em conta o elemento histórico e outras
versões linguísticas da Directiva
Temos que ter presentes os princípios que
enformam a publicidade, nomeadamente a
veracidade, fiabilidade e lealdade. Assim, se o
consumidor acreditou na publicidade feita para
um determinado bem, e adquiriu esse bem, joga
apenas, e a favor do consumidor/comprador a
segunda hipótese do art. 2.º, n.º 2, al. d)
Menezes Leitão



Por razões de protecção do consumidor
“se o consumidor poderia razoavelmente esperar em
face da natureza do bem e das declarações públicas do
vendedor, produtor ou representante sobre ele, que ele
teria certas qualidades e desempenho não parece que
possa excluir-se a presunção de falta de conformidade
apenas com base no critério da habitualidade das
qualidades e desempenho dos bens do mesmo tipo”
“O argumento literal parece inaceitável num texto com
versões oficiais em tantas línguas e é claramente
reversível” (cfr. versões francesa e italiana)
Caso Prático
Imaginemos a seguinte mensagem publicitária:
“Com a SuperTV vê filmes como no cinema: a
mesma qualidade de som!”. António, que
adquiriu o respectivo aparelho, pretende alegar
falta de conformidade: não vê os filmes como
no cinema, o sistema de som da televisão tem
uma qualidade muito inferior à daquele
Art. 2.º, n.º 4 da Directiva 1999/44/CE
As declarações públicas deixam de vincular o vendedor se
este demonstrar que:
a) não tinha conhecimento nem podia razoavelmente ter
conhecimento da declaração em causa;
b) até ao momento da celebração do contrato a declaração
em causa fora corrigida; e
c) a decisão de comprar o bem de consumo não poderia
ter sido influenciada pela declaração em causa

A garantia de conformidade nos bens
objecto de instalação


O art. 2.º, n.º 4 vem estabelecer uma extensão da
garantia de conformidade a prestar pelo
vendedor aos bens objecto de instalação
Abrange situações de prestações de serviços
conexas com esse bem, tais como a instalação
pelo vendedor ou a prestação de informações
sobre o modo de proceder a essa instalação
Exclusão da garantia de
conformidade (art. 2.º, n.º 3)
Quando, no momento em que é celebrado o
contrato, o consumidor tiver conhecimento da
falta de conformidade ou não puder
razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos
materiais fornecidos pelo consumidor

Momento relevante para a verificação
da conformidade


A conformidade deve verificar-se no momento em que
a coisa é entregue ao consumidor
No entanto, o art. 3.º, n.º 2 vem consagrar uma
presunção de que as faltas de conformidade que se
verifiquem num prazo de dois ou de cinco anos a
contar da data da entrega de coisa móvel corpórea ou
de coisa imóvel, respectivamente, já existiam nessa data,
a não ser que essa presunção seja incompatível com a
natureza do bem ou com as características da falta de
conformidade
A Problemática do Risco
Conforme resulta do art. 3.º, n.º 1, a conformidade
deve verificar-se no momento em que a coisa é
entregue ao consumidor, o que implica passarem
a correr por conta do vendedor os riscos
relativos a defeitos da coisa ocorridos entre a
venda e a entrega ao consumidor
Sara Larcher
Considera acertada a adopção da regra da
Directiva tendo em conta as compras e vendas
transfronteiriças. É natural que o risco da
entrega do bem adquirido, conforme ao
contrato, recaia sobre o vendedor. Assim,
enquanto o consumidor não receber os bens
adquiridos, o risco deverá ser totalmente
suportado pelo vendedor

O considerando 14 da Directiva parece colocar-se
contra esta interpretação ao mencionar que “as
referências à data da entrega não implicam que
os Estados membros devam alterar as suas
normas sobre transferência do risco”
Sara Larcher

Defende que o considerando 14 prevê que os
Estados-membros não se encontram obrigados
a alterar o regime geral do risco, o qual se
manterá em vigor, naturalmente, para todos os
contratos não abrangidos pela Directiva
Menezes Leitão
Parece dificilmente compatível com o art. 3.º, n.º 1, da
Directiva considerar-se que correria por conta do
consumidor o risco de avaria de uma televisão, que
sofre um curto-circuito devido a uma sobrecarga de
corrente eléctrica no estabelecimento do vendedor,
após ter sido vendida e antes de entregue (por exemplo,
no curto período em que o consumidor se desloca a ir
buscar o carro para a transportar), “e entre o
considerando (14) e a imposição do art. 3.º, n.º 1, da
Directiva haverá que dar prevalência a esta última”
Calvão da Silva
“E não existe qualquer contradição entre o considerando 14 e o art.
3.º, n.º 1 da Directiva, porque diferentes os problemas a que se
reportam. Com efeito, uma coisa é a responsabilidade do
vendedor pelos vícios ou defeitos da coisa existentes no
momento da sua entrega ao consumidor (...) Outra coisa
bem diferente é a impossibilidade do cumprimento da obrigação de
entrega conforme, pontual, em todos os termos devidos, em
virtude do perecimento ou deterioração da coisa por caso fortuito
ou força maior (...)”
Assim, A, profissional, vende um automóvel a B,
consumidor, que só por conveniência pessoal o não
recebe no momento da conclusão da venda. Se o
automóvel perecer por caso fortuito antes da entrega, o
risco corre por conta do adquirente, tendo de pagar o
preço, se ainda o não tiver feito, ou podendo o
vendedor retê-lo, se já tiver cumprido (art. 796.º, n.º 1).
B levante adiante o automóvel: pela não conformidade,
existente já na conclusão da venda ou surgida até à
entrega, responde o vendedor (arts. 3.º, n.º 1, do DL e
da Directiva).

Download

Compra e venda de bens de consumo