IPI – crédito na aquisição de bens para ativo fixo ou para uso ou
consumo do estabelecimento industrial
Vittorio Cassone
Procurador da Fazenda Nacional
Professor Universitário
Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
Membro do conselho consultivo da
Academia Brasileira de Direito Tributário
1. Introdução
O presente estudo pretende demonstrar que, tanto na Constituição Federal de 1967/69,
quanto na vigente Carta de 1988 – e, via de conseqüência, a legislação infra-constitucional,
desde a Lei nº 4.502/64 até o atual regulamento do Imposto sobre Produtos
Industrializados (RIPI) aprovado pelo Decreto nº 2.367/98 -, o direito de crédito IPI ficou
sempre restrito aos insumos (matéria-prima, produtos intermediário e material de
embalagem) que integram fisicamente o produto industrializado – chamado crédito físico -,
não se estendendo ao chamado crédito financeiro – que conferiria direito de crédito sobre
aquisições de bens destinados ao ativo imobilizado e de uso ou consumo do estabelecimento
fabricante adquirente.
2. O direito de crédito financeiro do IPI
Com efeito, desde a lei orgânica do IPI - Lei nº 4.502/64, que dispõe sobre o imposto sobre
consumo, denominação que o art. 1º do Decreto-lei nº 34/66 passou para imposto sobre
produtos industrializados -, passando pela Constituição Federal, em momento algum o
direito de crédito financeiro do IPI foi previsto – como pretendem alguns.
Com efeito, dispunha a Constituição de 1967/69, no art. 23:
"§ 3º. O imposto sobre produtos industrializados será seletivo em função da
essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendo-se, em cada
operação, o montante cobrado nas anteriores."
A Constituição de 1988, no art. 153, manteve a mesma sistemática, ao estabelecer:
"§ 3º. O imposto sobre produtos industrializados:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação, com o montante cobrado nas anteriores."
Observe-se, pois a redação da Carta: o IPI será "não-cumulativo". De que forma? Como isso
se dá? O dispositivo prossegue: "compensando-se o que for devido em cada operação com
o montante cobrado nas anteriores". E qual o IPI que deve ser compensado? O IPI relativo a
operações objeto dos insumos (matéria-prima, produto intermediário e material de
embalagem) que compõem o produto industrializado, pois máquinas e equipamentos que
produzem o produto industrializado não compõem o produto resultante da industrialziação,
tendo em vista que a regra-matriz constitucional refere a imposto "sobre produtos
industrializados" (artigo 153, inciso IV), pelo que a Carta Magna não dá margem a nenhuma
alusão ou ilação a crédito financeiro, mas tão somente a crédito físico.
Percebe-se, então, que a estrutura da não-cumulatividade do IPI jamais sofreu alterações,
com bem explica ALCIDES JORGE COSTA que, em palestra do dia 15.10.96 no Tribunal de
Impostos e Taxas de São Paulo (Lei Complementar nº 87/96, co-edição TIT-SP e IOB, 1997,
p. 9/10), esclarece:
"Então, o que aconteceu no Brasil? O nosso velho imposto de consumo, hoje
IPI, já em 1958, copiou o modelo francês, mas limitou-se à regra do
chamado crédito físico. Quando veio o ICMS, de um lado por influência do
velho IVC, falou-se em imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias, o qual obviamente restringiu o campo. E, em segundo lugar,
influenciado pelo IPI, adotou-se também a chamada regra do crédito físico, com
a exclusão de todos os outros créditos." (grifamos)
No mesmo sentido posicionou-se EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO que, após discorrer
acerca da característica de seletividade e conceito de essencialidade, deixa bem clara a
exegese do princípio da não-cumulatividade do IPI em face do perfil constitucional (Linhas
Básicas do IPI. RDT. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 13/14, jul/dez-1980, pág. 199):
"A segunda característica que o § 3º do art. 21 empresta ao IPI é o fato dele
ser um imposto não cumulativo, abatendo-se em cada operação o montante
cobrado nas anteriores. A não cumulatividade é uma técnica de apuração do
quantum. O IPI funciona segundo uma técnica de confronto entre débitos e
créditos.
Aquele que produz um bem,, no momento em que dá saída a esse bem, está
obrigado a debitar o IPI segundo as suas tabelas de incidência, Mas a
Constituição exige que este débito seja compensado com os créditos dos
insumos, das matérias-primas, dos produtos intermediários que o produtor
adquiriu para produzir o bem ao qual ele está dando saída. O confronto entre
os créditos pelas aquisições de insumos, matérias-primas e produtos
intermediários, com os débitos dos produtos acabados é que vai atender ao
princípio da não- cumulatividade do IPI."
Em seguida, à pág. 200, o Prof. BOTTALLO arremata:
"A legislação ordinária, em termos de na- cumulatividade, adotou no Brasil o
princípio do chamado "crédito físico", o que significa que darão direito a
crédito somente aqueles materiais, mercadorias e produtos diretamente
vinculados à produção do bem por parte do industrial, não prestigiando uma
outra técnica de não cumulatividade que é a chamada do "crédito
financeiro" que leva em conta não apenas os insumos diretamente aplicados
na fabricação do bem mas também o custo desta fabricação,
independentemente deste custo referir-se a componentes que vão integrar
diretamente o produto final."
Por sua vez, ALIOMAR BALEEIRO também não deixa dúvidas sobre a impossibilidade do
crédito financeiro (Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Forense, 10ª ed. 1991, p.
207/208), após discorrer sobre a técnica designada pelos franceses como valeur ajoutée.
Com efeito, BALEEIRO ressalva apenas a possibilidade de crédito em relação aos produtos
intermediários "consumidos imediata e integralmente" durante o processo produtivo, ao
asseverar:
"A França adotou essa política nas reformas de PINAY e LANIEL, colhendo
elogios do prof. LAUFENBURGER. C. SHOUP a aconselhou ao Japão. Alguns
Estados norte-americanos a empregaram nos impostos de venda, permitindo
a dedução dos impostos relativos aos "ingredientes", que entram na
composição do produto final.
A não-cumulatividade é regra constitucional em relação ao IPI
(diferentemente do ICM, condicionado pela lei) e, assim, não pode ser
limitada pelo legislador e muito menos pelo regulamento. Faz com que o IPI
só incida sobre o acréscimo do valor ou preço introduzido pela nova operação,
abatido o imposto pago por todos os componentes, sejam matérias-primas,
sejam produtos intermediários consumidos na produção.
Parece-nos inconstitucional o art. 32, I, do RIPI (Dec, 70.162/1972),
na cláusula que limita o crédito do imposto pago nas operações anteriores só
aos produtos intermediários "consumidos imediata e integralmente" na
industrialização. A cláusula fere a não-cumulatividade e há intermediários que
se consomem lentamente ou mesmo se integram no produto final (p. ex., os
corpos moedores de cimento)." (grifamos)
E é exatamente nesse sentido que o Colendo Supremo Tribunal Federal tem decidido, na
medida em que, nas várias questões a ele submetidas, ora deferiu o direito de crédito tão
somente em relação a bens intermediários (isto é importante observar) que gradativamente
se consomem durante o processo de industrialização, ora indeferindo em relação a outros
bens, como o decidido nos RREE 96.934-MG e 96.643,STF, 2ª Turma, ambos relatados pelo
Min. Décio Miranda (RTJ 103/1290 e RTJ 107/732), na ementa:
"Tributário. IPI. Produtos intermediários que se consomem na fabricação de
cimento.
A palavra consumidos, no art. 32, I, do Regulamento, Decreto nº 70.162/72,
indica a absorção do produto em termos relativos consideráveis, e não o mero
desgaste paulatino de parte da instalação, como o revestimento térmico que
se substitui de três em três anos."
"Tributário. ICM. Não cumulatividade. Materiais refratários, utilizados na
indústria siderúrgica, que se consomem no processo de fabricação, ainda que
não se integrando no produto final. Interpretação, pelo acórdão recorrido, da
Lei do Estado de Minas Gerais n] 6.763, de 26-12-75, e de seu Decreto
Regulamentar, em ofensa à competência tributária do Estado-membro,
prevista no art. 23, II, da Constituição. Recurso do Estado de Minas Gerais
não conhecido."
No mesmo sentido tem decidido o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (Resp 30.938/92-PR,
Relator Min.Humberto Gomes de Barros – DJU de 07.03.94, p. 3628 – Internet), na
ementa:
"Tributário. IPI. Princípio da não-cumulatividade. Telas e feltros. Fabricação
de papel.
I – A dedução do IPI pago anteriormente somente poderá ocorrer se se trata
de insumos que se incorporam ao produto final ou, não se incorporando, são
consumidos no curso do processo de industrialização, de forma imediata e
integral.
II. Telas e feltros empregados no processo de fabricação de papel e celulose.
Inexistência do direito ao crédito do IPI."
3. Conclusão
Em face do exposto, percebe-se que não procede a exegese que confere direito de crédito
do IPI nas aquisições de bens destinados ao ativo fixo ou para uso ou consumo, direito de
crédito que o STF (e o STJ) tem deferido tão somente em relação a determinada categoria
de produtos intermediários (materiais refratários, lixas, rebolos, telas, feltros e outros da
mesma natureza).
E, assim decidindo, deram ao princípio da não-cumulatividade interpretação conforme a
Constituição, pois, a teor dos esclarecimentos retrorreferidos prestados pelo Professor
ALCIDES JORGE COSTA "o IPI, já em 1958, copiou o modelo francês, mas limitou-se à regra
do chamado crédito físico", não tendo havido nenhuma alteração constitucional, da
Constituição de 1967/69 para a de 1988, tampouco a legislação infraconstitucional tem
assegurado o crédito financeiro em objeto.
Essa a razão pela qual, nem a doutrina majoritária, tampouco a jurisprudência, em
momento algum conferiram, como regra geral, direito de crédito financeiro do IPI, e isso
desde a década de 1960 até os dias atuais – embora não seja defeso à lei ordinária
conceder incentivo fiscal dessa natureza.
Imperioso, destarte, concluir-se no sentido de que, por qualquer ângulo que se examina a
questão, não é possível aceitar-se a tese segundo a qual a Constituição de 1988, em face
do princípio da não-cumulatividade, quanto ao IPI, conferiu direito de crédito financeiro, ou
seja, crédito pelas entradas em estabelecimento industrial, de bens destinados ao Ativo
Imobilizado, ou para uso ou consumo do estabelecimento industrial adquirente.
São Paulo, 27 de janeiro de 2001.
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IPI – crédito na aquisição de bens para ativo fixo ou para uso ou