Capı́tulo 2 Geometria Euclidiana Euclides desenvolveu os conceitos e as relações existentes na Geometria Euclidiana com base em cinco proposições primitivas, conhecidas como axiomas ou postulados. Estas proposições foram definidas em termos de idéias bem familiares a todos: elas utilizam o conceito primitivo de ponto e as duas relações primitivas – a intermediação (um ponto pode estar situado entre dois outros pontos distintos) e a congruência (é possı́vel sobrepor as figuras geométricas, uma sobre a outra, de tal modo que haja uma correspondência biunı́voca entre todos os seus pontos) e são intimamente relacionados com os instrumentos que se utilizava para construir as figuras geométricas: régua e compasso. Postulado 1 : Pode ser desenhada uma linha reta conectando qualquer par de pontos. Postulado 2 : Qualquer segmento reto pode ser estendido indefinidamente pela linha reta. Postulado 3 : Dado um segmento reto, um cı́rculo pode ser desenhado tendo o segmento como raio e um dos seus extremos como o centro. Postulado 4 : Todos os ângulos retos ( π2 ) são congruentes. Postulado 5 : Se duas linhas intersectam uma terceira linha de tal forma que a soma dos ângulos internos em um lado é menor que dois ângulos retos, então as duas linhas devem se intersectar neste lado se forem estendidas indefinidamente. O quinto postulado é também conhecido como Postulado de Paralelismo. Até hoje não foi possı́vel prová-lo como um teorema. A Geometria 9 IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 10 para a qual são satisfeitos os cinco postulados é conhecida como Geometria Euclidiana; a Geometria que depende dos quatro primeiros postulados é denominada a Geometria Absoluta; e na Geometria Afim somente o primeiro, o segundo e o último postulados são relevantes. Observação 2.1 Uma referência para estudos mais avançados sobre o tópico: Introduction to Geometry de H.S.M. Coxeter, da coleção de Wiley Classics Library de 1989. 2.1 Construção de Figuras Geométricas Quando Euclides enunciou os seus postulados tinha em mente as figuras geométricas que podem ser construı́das com uso de réguas e compassos. A régua é um instrumento essencialmente para traçar retas; enquanto o compasso é utilizado para desenhar circunferências. Nesta seção daremos uma breve revisão de alguns métodos de construção clássicos. 2.1.1 Polı́gonos Regulares Polı́gonos regulares são polı́gonos com lados iguais. Euclides apresentou formas para construir 5 polı́gonos regulares: triângulo equilátero, quadrado, pentágono regular, hexágono regular, e um polı́gono regular de 15 lados. Um triângulo equilátero pode ser construı́do a partir da bissecação de um segmento com uso de um compasso. Euclides construiu um pentgono regular com base no fato de que o seu lado e a sua diagonal guardam a proporção 1: τ , onde τ é o golden ratio que satisfaz a equação 1 τ = , τ 1+τ ou seja, √ 1+ 5 τ= ≈ 1.618034 2 IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 11 τl τs τs s s l Uma outra descoberta interessante feita pelo artista italiano, Paccioli, é que τ é o raio da circunferência circunscrita de um decágono regular de lado igual a 1. Para obter um pentágono, basta ligar os vértices do decágono alternadamente. A partir destas figuras, pode-se construir polı́gonos com um número maior de lados, bissecando os lados. Gauss mostrou que um polı́gono de n lados pode ser sempre construı́do por este procedimento se os fatores primos ı́mpares de n são distintos números primos de Fermat Fk k Fk = 22 + 1 e o matemático Wantzel mostrou que esta é a condição necessária e suficiente. De acordo com a descoberta do Wantzel, prolı́gonos de 7 e 9 lados não podem ser construı́dos com réguas e compassos. Polı́gonos regulares idênticos podem ser justapostos para formar mosaicos regulares planares, comumente encontrados no revestimento de paredes e pavimentos. Só há três possı́veis {p,q} configurações, onde q é o número de polı́gonos de p lados em torno de cada vértice: {6,3}, {4,4} e {3,6}. Os pontos médios das arestas adjacentes a cada vértice do “mosaico” definem uma figura de vértice (representada em linhas pontilhadas). 2.1.2 Sólidos Platônicos Poliedros regulares são sólidos que contém faces iguais, arestas iguais e (figuras de) vértices iguais. Tais poliedros são também “mosaicos” de polı́gonos regulares com a diferença de que ao colarmos as faces adjacentes forma-se uma figura fechada. Existem somente 5 possı́veis configurações, conheci- IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 12 das como sólidos platônicos: tetraedro ({3,3}), cubo ({3,3}), octaedro ({3,4}), dodecaedro ({5,3}) e icosaedro ({3,5}). O tetraedro é uma pirâmide triangular constituı́da por um polı́gono de 3 lados e 3 triângulos isósceles. Se os triângulos forem equiláteros, dizemos que o tetraedro é regular.O cubo é um prisma definido por dois quadrados conectados por 4 quadrados. O octaedro é um antiprisma construı́do com 2 polı́gonos regulares (4 lados) conectados por 8 triângulos isóseles. Quando os tringulos são equiláteros, o octaedro é regular. O dodecaedro é constituı́do através do “encaixe” de duas “tigelas” de base pentagonal rodeada de 5 outros pentágonos. Finalmente, o icosaedro é constituı́do por duas pirâmides pentagonais conectadas por 10 triângulos equiláteros. Ele é dual do dodecaedro, no sentido de que cada vértice do dodecaedro é o centróide de uma face (triângulo) do icosaedro. Paccioli descobriu que os vértices de um icosaedro são os vértices dos três retângulos posicionado mutuamente perpendiculares entre si. A altura e a largura do retângulo deve guardar a proporção de 1: τ . Este retângulo é conhecido como retângulo de outro. Observação 2.2 O artigo Platonic Solids, de Jim Blinn, publicado em IEEE CG & A, Dezembro, 1987, mostra como construir os 5 sólidos tendo somente 0, 1 e τ como coordenadas dos seus vértices. Aplicação 2.1 Em Modelagem Geométrica os sólidos platônicos são utilizados como primitivos, a partir dos quais são construı́dos modelos complexos. 2.2 Transformações Para descrever as manipulações sobre as figuras geométricas, é conveniente introduzir o conceito de transformação T : <n → <n para designar a correspondência biunı́voca entre os pares de pontos num plano (n=2) ou num IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 13 volume (n=3). Quando os membros de um par forem o mesmo ponto P, dizemos que P é um ponto invariante. O resultado de aplicações sucessivas, isto é concatenação, de um conjunto de transformações é chamado o produto das transformações. Pode-se considerar que o critério que distingue uma Geometria da outra é o grupo de transformações para as quais todos os seus postulados ou proposições se mantêm verdadeiros. Há duas classes (tı́picas) de transformações na Geometria Euclidiana: isometrias e semelhaças. 2.2.1 Isometria A isometria ou congruência é uma transformação que preserva as medidas e a forma; isto é, dados dois pares de pontos (P, P 0 ) e (Q, Q0 ), então P Q = P 0 Q0 . Dizemos que P Q e P 0 Q0 são dois segmentos congruentes. Existem quatro tipos de isometrias, sob os quais a relação de congruência entre as figuras é invariante: • reflexão para a qual os pontos invariantes são todos os pontos do “espelho”; Pontos invariantes espelho • rotação em torno de um ponto P , tendo P como ponto invariante – é equivalente ao produto de reflexões em torno de espelhos que se intersectam no mesmo lugar geométrico; IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 14 Ponto invariante • translação ou deslocamento paralelo, sem pontos invariantes – é equivalente ao produto de reflexões em torno de espelhos paralelos; • glide que consiste no produto de uma reflexão em torno de uma linha e uma translação ao longo desta mesma linha. Exercı́cio 2.1 Qual é o produto de duas rotações em torno de dois pontos distintos com ângulos opostos (α e -α)? Exercı́cio 2.2 Uma translação pode ser expressa como o produto de duas reflexões/espelhamentos. Neste caso, qual deve ser a posição dos dois espelhos utilizados para reflexões? Exercı́cio 2.3 Quais são os pontos invariantes de uma rotação e de uma reflexão? Exercı́cio 2.4 Qual é o produto de duas glides cujos eixos são perpendiculares? IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 15 As isometrias que preservam a orientação das figuras são denominadas isometrias diretas. Rotações e translações são as isometrias diretas. As isometrias que invertem a orientação das figuras são chamadas isometrias inversas ou indiretas. Reflexões e glide são isometrias indiretas. Exercı́cio 2.5 Se I é uma isometria inversa, então o produto de duas isometrias I é uma translação. A aplicação de isometria de uma figura geométrica sobre ela mesma é uma simetria. Um polı́gono regular de n lados é, por exemplo, uma figura simétrica obtida com rotações de ângulos de 2π n de uma “parte básica” da figura. Aplicação 2.2 A combinação de isometrias nos permite criar a partir de um mesmo padrão distintas figuras geométricas. Este princı́pio é muito utilizado para aumentar a eficiência do processo de modelagem geométrica. Ele nos garante que somente as partes básicas (padrões) de um objeto precisam ser efetivamente modeladas, como ilustram os seguintes casos. Padrão Padrão (a) (b) Aplicação 2.3 Um caleidoscópio é constituı́do com base no princı́pio das múltiplas reflexões de uma mesma figura pra formar um objeto simétrico. Exercı́cio 2.6 Dados dois espelhos formando um ângulo de Qual é o número de imagens visı́veis formadas por eles? 2.2.2 1800 n entre si. Semelhança As proposições da Geometria Euclidiana não são violadas se a escala das figuras geométricas for alterada. Duas figuras são ditas semelhantes, se todos os ângulos correspondentes são, direta ou opostamente, iguais e todas as distâncias são multiplicadas por um mesmo fator de escala λ. A transformação que leva uma figura a uma figura semelhante é uma semelhança e o fator λ é conhecido como razão de semelhança (ratio of magnification). Quando λ > 0, a transformação é direta; ela é inversa ou indireta se λ < 0. Entre as transformações semelhantes, temos: IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 16 1. homotetia que preserva os ângulos e a “forma” nas transformações. Os sentidos das linhas podem ser iguais ou opostos. Neste caso, dizemos que as figuras são homotéticas ou homólogas, isto é, além de serem semelhantes, são semelhantemente dispostas no plano (ou no espaço). Uma homotetia é exatamente definida se for especificado o seu efeito sobre dois pontos distintos. 2. rotação homotética é o produto de uma homotetia e uma rotação. 3. reflexão homotética é o produto de uma homotetia e uma reflexão. Exercı́cio 2.7 Qual é o inverso da homotetia O(λ)? Exercı́cio 2.8 Qual é o produto de duas homotetias, O(λ1 ) e O(λ2 ) ? Observação 2.3 Com uso de réguas, pode-se construir uma figura F semelhante à figura F 0 com uma razão de semelhança igual a λ, seguindo o seguinte procedimento: 1. Considere um ponto O fixo; 2. Trace retas entre O e os pontos da figura F 0; 3. Para cada ponto X0 de F 0, marque um ponto X sobre a reta OX, tal que OX0 = λOX. C F C´ B D D´ O F´ A´ B´ A Este procedimento pode ser adapatado a construção homotética (com razão de semelhança igual a λ de uma circunferência de raio C0P 0 com centro em C0 a partir de uma outra de raio CP : 1. Considere um ponto fixo O; 2. Trace uma reta que passe por O e C e uma reta que passe por O e P ; 3. Marque um ponto C0 sobre a reta OC, tal que OC0 = λOC. 4. Marque um ponto P 0 sobre a reta OP , tal que OP 0 = λOP . IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 17 P’ P C O C’ O1 Aplicação 2.4 Em torno de 1630, Christoph Scheiner inventou com base no princı́pio de homotetia um instrumento conhecido como pantógrafo para fazer cópias, reduzidas ou ampliadas, de uma figura. A’ A O B P P’ C Exercı́cio 2.9 Explique o funcionamento de um pantógrafo. Aplicação 2.5 Em Modelagem Geométrica, o método de construção de figuras homotéticas é amplamente utilizado para determinar, por exemplo, diferentes escalas de um mesmo padrão de objeto e geração de imagens de tamanhos distintos. 2.3 Geometria Analı́tica O estudo de figuras geométricas com uso de ferramentas algébricas através do estabelecimento da relação das suas coordenadas por equações é conhecida por Geometria Analı́tica. Esta Geometria é também conhecida por Geometria de Coordenadas, já que as figuras são modeladas por um conjunto de pontos representados por uma lista de n valores denominados coordenadas. Quando n = 2 as figuras são imersı́veis num plano e n = 3, imersı́veis num espaço tridimensional. Embora a idéia de “equacionar” a Geometria e solucionar os problemas geométricos com uso de técnicas algébricas remonta aos tempos dos egı́pcios, quem desenvolveu a idéia, de forma sistemática, e a transformou numa ciência independente foi René Descartes. Na seção 2.3.1 apresentaremos duas formas para representar numericamente os pontos no espaço. Em seguida, mostraremos nas seções 2.3.2 e 2.3.3 como descrever o lugar IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 18 geométrico dos pontos das figuras geométricas no espaço com uso destas coordenadas. Finalmente, apresentaremos as transformações como operadores algébricos na seção 2.3.4. 2.3.1 Coordenadas Descartes propôs representar os pontos de uma curva planar pelas distâncias (x e y) entre os pontos em duas direções, X e Y , não paralelas e deu uma interpretação geométrica às funções. Isaac Newton estendeu a definição, permitindo que estas distâncias assumam valores negativos. O termo “coordenadas” só foi utilizado pelo Leibniz, quase um século depois, para denominar estas distâncias! O conjunto de direções orientadas (eixos) constitui um sistema cartesiano para estas coordenadas. Quando os eixos forem perpendiculares entre si, dizemos que as coordenadas são ortogonais ou retangulares; senão elas são chamadas oblı́quas. Y Y x y y x X X (a) Retangulares (b) Oblı́quas Para tratar problemas de isometrias e semelhanças que tem um ponto invariante, o uso de coordenadas polares (r, θ) para cada ponto P é, em geral, mais adequado. Estas coordenadas são definidas em relação a um ponto fixo O, conhecido como pólo, (r = OP ) e uma direção inicial OX (θ = ângulo entre OP e OX). Quando O e OX corresponderem, respectivamente, à origem e ao eixo X de um sistema cartesiano retangular, as coordenadas cartesianas retangulares deste sistema e as polares se relacionam através das expressões x = rcosθ y = rsenθ. x P r y θ O X IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 19 Com uso das coordenadas polares, podemos derivar as condições algébricas da colinearidade de três pontos O = (0, 0), P1 = (r1 , θ1 ) e P2 = (r1 , θ2 ). Caso estes três pontos não forem colineares, a área do triângulo A(OP1 P2 ) A(OP1 P2 ) = 1 1 r1 r2 sen(θ2 − θ1 ) = r1 r2 (senθ2 cosθ1 − cosθ2 senθ1 ) 2 2 que, em coordenadas cartesianas (de um sistema com a origem em O e o eixo inicial coincidente com o eixo X), equivale a 1 1 x1 y1 . (x1 y2 − x2 y1 ) = 2 2 x2 y 2 Consequentemente, para um triângulo qualquer P1 P2 P3 , podemos determinar a área do triângulo pelo determinante x1 y 1 1 1 x 1 − x3 y 1 − y 3 1 = x2 y2 1 , 2 x2 − x 3 y 2 − y 3 2 x3 y3 1 se fixarmos o pólo em P3 e escolher como o eixo inicial um eixo paralelo ao eixo X do sistema cartesiano retangular. Daı́, podemos concluir que a condição necessária e suficiente para que três pontos sejam colineares é que o determinante seja diferente de zero. Exercı́cio 2.10 Determine a área de um triângulo cujos vértices são (0, 0), (3, 3) e (1, 6). Observação 2.4 Para um mesmo conjunto de pares de coordenadas, podemos representar diferentes objetos geométricos em distintos sistemas cartesianos. 2.3.2 Retas e Cônicas Por homotetia, os pontos sobre uma reta que passa pela origem e pelo ponto (a, −b) satisfazem a relação linear y a = , x −b ou seja, ax + by = 0. As retas que não passam pela origem também seguem esta relação linear, bastando transladá-la de forma que um dos seus pontos (x1 , y1 ) coincida com a origem y − y1 a = . x − x1 −b IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 20 Fazendo c = −ax1 − by1 obtemos ax + by + c = 0 (2.1) ou x y c + =− , b a ab a partir da qual é possı́vel derivar que todos os pontos sobre as retas que cortam os dois eixos nos pontos (p, 0) e (0, q) satisfazem a equação x y + = 1. p q Utilizando Eq. 2.1, podemos verificar com uso de números o paralelismo de duas retas (quando elas tem a mesma razão ab ) e a interseção de duas retas (a solução de um sistema de duas equações lineares do tipo Eq. 2.1). Se b 6= 0, podemos explicitar a coordenada y em termos de x, isto é, y= −(ax + c) , b (2.2) que é bastante conveniente para plotar os pontos da reta – basta selecionar um intervalo apropriado de coordenadas x. Tanto na Eq. 2.1 como na Eq. 2.2 está integrada a noção da disposição da reta em relação ao sistema cartesiano. Os coeficientes a e b indicam a inclinação da reta em relação aos seus eixos. Em algumas aplicações, é irrelevante esta disposição relativa da figura geométrica. Uma representação que permite focar somente nas caracterı́sticas intrı́nsecas da figura geométrica, independente do sistema escolhido, é exprimir as coordenadas de uma reta que passa pelo ponto (x0 , y0 ) de direção (dx , dy ) em função de um parâmetro t por meio das equações paramétricas x = x0 + dx t y = y0 + dy t. (2.3) Observação 2.5 Em Modelagem Geométrica, os três tipos de representações de uma reta são conhecidos, respectivamente, por representação implı́citca (Eq. 2.1), explı́cita (Eq. 2.2 – observem que o gráfico desta função é uma reta) e paramétrica (Eq. 2.3 – observem que os pontos (x(t), y(t)) definem uma reta). Dados um foco O (ponto fixo) e uma diretriz d~ (reta fixa), as cônicas, ou seções cônicas, são lugares geométricos dos pontos que distam do foco vezes da reta DX. Dependendo do valor de distinguimos IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 21 elipse , quando < 1, parábola , quando = 1, hipérbole , quando > 1. d~ L P A A d~ d~ L L P P O O A O (a) Elipse (b) Parábola (c) Hipérbole Em termos de coordenadas polares, temos para cada ponto P = (r, θ) r = OP = (LA − rcosθ) Como OL = LA, que denotaremos por l, segue-se que r = OP = l − rcosθ. Se o ponto O e a reta OX coincidirem com a origem e o eixo X de um sistema cartesiano, a equação cartesiana de uma cônica é x2 + y 2 = (l − x)2 (2.4) Se 6= 1, podemos dividir a expressão por a = (1 − 2 ) e, após algumas manipulações algébricas, obter (x + a)2 y 2 + =1 a2 la Deslocando a origem O para o ponto (−a, 0) e definindo b2 = |la| = |1 − 2 |a2 , podemos reduzir a expressão algébrica de uma elipse ( < 1) em x2 y 2 + 2 =1 a2 b (2.5) x2 y 2 − 2 = 1. a2 b (2.6) e de uma hipérbole ( > 1) em Para parábolas ( = 1), Eq. 2.4 se reduz em 1 x2 + y 2 = (l − x)2 → y 2 = 2l( l − x). 2 IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) Se refletirmos os pontos em relação à reta x = padrão de uma parábola y 2 = 2lx. 1 4 l, 22 chegamos à expressão (2.7) Exercı́cio 2.11 O que é uma circunferência? E uma seção cônica? Descreva o lugar geométrico dos seus pontos com o uso de coordenadas cartesianas. Exercı́cio 2.12 Mostre que x= 1 − t2 1 + t2 y= 2t 1 + t2 é uma alternativa representaçào paramétrica para x = cosθ y = senθ de uma circunferência de raio igual a 1. Qual é a relação entre t e θ? Aplicação 2.6 Antes da descoberta de NURBS (non-rational uniform BSplines, são utilizadas as funções implı́citas de segunda ordem ax2 + 2bxy + cy 2 + 2dx + 2ey + f = 0 para representar as cônicas nos sistemas de modelagem geométrica, como CAD/CAM/CAE. Esta expressão pode ser derivada das Eqs. 2.5 ou 2.6 se deslocarmos o centro da cônica para um ponto diferente da origem. Observação 2.6 Para a maioria dos casos, as formas paramétricas mais convenientes da elipse, parábola e hipérbole são, respectivamente, 1. x = acos(t) y = bsen(t), 2. x = 2lt2 y = 2lt, 3. x = acosh(t) y = bsenh(t) Exercı́cio 2.13 Dadas as três representações (algébricas) de uma circunferência de raio 1: 1. x2 + y 2 = 1 p 2. x = ± 1 − y 2 3. x = cosθ y = senθ IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 23 Determine, quando possı́vel, a derivada em cada ponto da curva. Os resultados são iguais? Observação 2.7 O lugar geométrico de uma circunferência de raio igual a 1 é x2 + y 2 = 1. Em representação paramétrica equivale a x = cosθ e y = senθ, ou seja, as coordenadas dos pontos correspondem exatamente aos valores das funções de seno e de cosseno. Observação 2.8 Vale a pena conferir o sı́tio http: // turnbull. mcs. st-and. ac. uk/ ~history/ Curves/ Curves. html para ver as curvas mais famosas. 2.3.3 Sólidos São considerados sólidos os objetos que tem volume diferente de zero. Estes objetos são descritı́veis num sistema cartesiano tridimensional, definido pelos três planos axiais perpendiculares entre si XY , Y Z e XZ, de tal forma que cada ponto possa ser representado por três distâncias, denominadas coordenadas: x, em relação ao plano Y Z, y, em relação ao plano XZ, e z, em relação ao plano XY . O ponto onde estes três planos se encontram é a origem O do sistema cartesiano (tridimensional) e as retas onde os pares de planos {XY, XZ}, {XY, Y Z} e {Y Z, XZ} se encontram são, respectivamente, os eixos X, Y e Z deste sistema. Y XY YZ z x O y X Z XZ Dada uma semi-reta definida parametricamente x = At; y = Bt; z = Ct, (2.8) de forma que A2 + B 2 + C 2 = 1 e t seja a distância do ponto (x, y, z) em relação à origem, o conjunto de semi-retas x = A0 u; y = B 0 u; z = C 0 u, que satisfaz a seguinte equação linear AA0 + BB 0 + CC 0 = 0 → (AA0 + BB 0 + CC 0 )u = Ax + By + Cz = 0 IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 24 define um plano perpendicular à semi-reta dada pela Eq. 2.8 passando pela origem (0, 0, 0). Se o plano não passar pela origem, podemos transladar um dos seus pontos (x1 , y1 , z1 ) para a origem, isto é, A(x−x1 )+B(y−y1 )+C(z−z1 ) = Ax+By+Cz−(Ax1 +By1 +Cz1 ) = Ax+By+Cz−D = 0. Rearrumando a expressão na forma x y z + + = 1, D/A D/B D/C pode-se ver que o plano intercepta os eixos X, Y e Z em p = r=D C. D A, q= D B e Exercı́cio 2.14 Dada a equação de um plano 3x + y − 1.5z + 7 = 0. Qual é o vetor normal deste plano? Em quais pontos o plano corta os eixos X, Y e Z do sistema de referência? Dois planos são paralelos se eles só diferem no termo D e dois planos não paralelos sempre intersectam numa reta que é a solução do sistema de equações lineares correspondentes a estes dois planos. Uma equação f (x, y, z) = 0 que relaciona as coordenadas x, y e z usualmente representa implicitamente uma superfı́cie. Duas equações representam, em conjunto, uma curva (de interseção das duas superfı́cies). As superfı́cies quádricas são primitivas geométricas presentes em diversos sistemas de CAD/CAM/CAE e Computação Gráfica. Elas são análgoas às cônicas que vimos na Seção 2.3.2: são funções de grau 2 e suas seções planares são cônicas. Dentre as superfı́cies quádricas temos, em representação implı́cita, elipsóide : x2 a2 + y2 b2 + z2 c2 =1 hiperbolóide de uma folha : x2 a2 x2 a2 hiperbolóide de duas folhas : parabolóide elı́ptica : x2 a2 + parabolóide hiperbólica : y2 b2 x2 a2 y2 b2 + − − y2 b2 − = 2z − y2 b2 z2 c2 = 2z =1 z2 c2 =1 IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) cone elı́ptica : x2 a2 cilindro elı́ptico : + y2 b2 x2 a2 25 = z2 + y2 b2 =1 Algumas destas, como elipsóide e parabolóide elı́ptica, podem ser obtidas com o giro das cônicas em torno do eixo de simetria, portanto ela são também conhecidas como quádrica de revolução. Exercı́cio 2.15 Esboce a forma de cada classe das superfı́cies quádricas dadas. Aplicação 2.7 A forma implı́cita das superfı́cies quádricas é apropriada para classificação de pertinência dos pontos (< 0, dentro, =, sobre e >, fora), determinação da distância de um ponto em relação a ela e determinação das interseções de raios (retas). Cychosz e Waggenspack apresentaram um algoritmo eficiente de interseção de raios com superfı́cies quádricas definidas na forma geral f (x, y, z) = ax2 + 2bxy + 2cxz + 2dx + ey 2 + 2f yz + 2gy + hz 2 + 2iz + j = 0 que em notação matricial (ou forma quadrática) a b c d x b e f g y f (x, y, z) = x y z 1 c f h i z d g i j 1 . Os algoritmos de renderização baseados no paradigma ray-tracing e muitos algoritmos de determinação dos volumes dos sólidos tem como núcleo a determinação de interseção, como ilustram as seguintes figuras. Na figura (a) mostra a determinação de um ponto visı́vel e na figura (b) o cálculo do volume de um sólido através do somatório dos volumes “infinitesimais” (linhas sólidas). Implicitamente um raio (ou seja, uma reta) é representado como interseção de dois planos, G1 (x, y, z) = 0 e G2 (x, y, z) = 0. Determinar a interseção deste raio com uma superfı́cie implı́cita F (x, y, z) = 0 seria determinar a solução de um sistema de equações (muitas vezes, não lineares) composto por G1 (x, y, z) = 0, G2 (x, y, z) = 0 e F (x, y, z) = 0. Em Modelagem Geométrica, uma solução mais elegante e eficiente seria reduzir o problema de três variáveis em um problema de uma só variável, substituindo a representação paramétrica do raio (x(t), y(t), z(t)) na função F (x, y, z) = 0, ou seja fazendo F (x(t), y(t), z(t)) = 0. IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 26 Fonte Luminosa Pointo Visível Pixel (a) Ray tracing (b) Determinação do volume Aplicação 2.8 A forma paramétrica das superfı́cies quádricas é muito útil para sua visualização. Sendo o domı́nio dos parâmetros uma área quadrada, pode-se amostrar sistematicamente os pontos das superfı́cies varrendo a área nas duas direções a intervalos regulares ou irregulares. A representação paramétrica das superfı́cies quádricas mencionadas anteriormente é: elipsóide : x = acos(θ)sen(α), y = bsen(θ)sen(α), z = cos(α), com 0 ≤ θ ≤ 2π e 0 ≤ α ≤ 2π. hiperbolóide de uma folha : x = acos(θ)cosh(α), y = bsen(θ)senh(α), z = csenh(α), com 0 ≤ θ ≤ 2π e −π ≤ α ≤ π. hiperbolóide de duas folhas : x = ±acosh(α), y = bsen(θ)senh(α), z = ccos(θ)senh(α), com 0 ≤ θ ≤ 2π e −π ≤ α ≤ π. parabolóide elı́ptica : x = aαcos(θ), y = bαsen(θ), z = α2 , com 0 ≤ θ ≤ 2π e 0 ≤ α ≤ αmax . parabolóide hiperbólica : x = aαcosh(θ), y = bαsenh(θ), z = α2 , com −π ≤ θ ≤ π e αmin ≤ α ≤ αmax . cone elı́ptica : x = aαcos(θ), y = bαsen(θ), z = cα, com 0 ≤ θ ≤ 2π e αmin ≤ α ≤ αmax . cilindro elı́ptico : x = acos(θ), y = bsen(θ), z = α, com 0 ≤ θ ≤ 2π e αmin ≤ α ≤ αmax Um poliedro convexo é uma região do espaço limitada por um número n finito de planos Ai x + Bi y + Ci z − D = 0, i = {1, · · ·, n}, ou seja, é o conjunto de pontos que satisfazem o seguinte sistema de inequações A1 x + B1 y + C1 z − D ≤ 0 A2 x + B2 y + C2 z − D ≤ 0 A2 x + B2 y + C2 z − D ≤ 0 ... An x + Bn y + Cn z − D ≤ 0 IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 27 Exercı́cio 2.16 Represente todos os pontos delimitados pelo seguinte objeto geométrico (1,1,1) (0,0,0) Uma outra classe de objetos, reconhecida pelo seu potencial em modelar objetos orgânicos ou “amorfos” (às vezes, conhecidos por soft objects), é a classe de metaballs ou blobby objects. A idéia básica é combinar n funções implı́citas simples fi (x, y, z) e utilizar as isosuperfı́cies s da combinação F (x, y, z) = n X fi (x, y, z) = s (2.9) i=1 para descrever a geometria de um objeto. Em analogia à fı́sica das cargas elétricas, as n funções implı́citas correspondem aos campos escalares gerados pelas n primitivas. Na proposta original de Blinn em 1982, o campo escalar de cada primitiva é constituı́do pelas isosuperfı́cies esféricas e decaem exponencialmente à medida que se afaste da primitiva. Para delimitar a influência de uma primitiva, Wyvill e outros propuseram uma função de decaimento de suporte limitado R, ou seja a influência fi da parimitiva i em cada ponto (x, y, z) é dada por −4 r6 r4 22 r 2 ( 9 ) R6 + ( 17 9 ) R4 − ( 9 ) R2 + 1, se0 ≤ r ≤ R fi (r) = 0, seR < r, onde r é a distância do ponto (x, y, z) em relação à primitiva. Exercı́cio 2.17 Dadas duas primitivas localizadas em P1 = (0, 0, 0) e P2 = (3.0.0) com o raio de influência máximo igual a R1 = 1.5 e R2 = 2. Esboce a forma do objeto representado pelo nı́vel 1. F (x, y, z) = 0.8, 2. F (x, y, z) = 0.2. IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 2.3.4 28 Transformações Por simplicidade, só apresentaremos as principais idéias de equacionamento das transformações que ocorrem na Geometria Euclidiana 2D. A extensão para 3D segue a mesma linha de raciocı́nio. Seja um ponto P = (r, θ) em coordenadas polares, ele é transformado em • (r, θ + α) após uma rotação de ângulo α em torno de O. • (r, θ + π) após uma meia-volta em torno de O. • (r, −θ) após uma reflexão em torno da direção OX • (r, 2α − θ) após uma reflexão em torno da direção θ = α. • (µr, θ) após uma transformação homotética. • (µr, θ + α) após uma rotação homotética em torno de O. • (µr, 2α − θ) após uma reflexão homotética em torno da direção θ = α. Exercı́cio 2.18 O conceito convencional de mudança de escala em Computação Gráfica é similar ao da homotetia? Justifique. Exercı́cio 2.19 Exprime uma homotetia O(λ) em termos de coordenadas cartesianas retangulares. Exercı́cio 2.20 Mostre que, em termos de sistema cartesiano geral, um ponto (x, y) é transformado em • (−x, −y) por uma rotação de 1800 . • (λx, λy) por uma homotetia com a razão de semelhança λ • (x + a, y) por uma translação na direção do eixo X. Exercı́cio 2.21 Mostre que, em termos de sistema cartesiano retangular, um ponto (x, y) é transformado em • (x, −y) por reflexão em relação ao eixo x • (y, x) por reflexão em relação à reta x = y • (x + a, −y) por um glide em relação ao eixo x IA841 — notas de aula — FEEC — 2o SEM/2006 (Ting) 29 • (λx, λy) por uma homotetia Se o pólo O e a direção inicial coincidir, respectivamente, com a origem e o eixo X do sistema cartesiano, podemos derivar as expressãoes em coordenadas cartesianas. Por exemplo, para a rotação de ângulo α em torno de O, um ponto (x, y), com x = rcos(θ) e y = rsen(θ), é transformado em x0 = rcos(θ + α) = r(cos(θ)cos(α) − sen(θ)sen(α)) = xcos(α) − ysen(α) y 0 = rsen(θ + α) = r(cos(θ)sen(α) + sen(θ)cos(α)) = xsen(α) + ycos(α), e para uma transformação homotética x0 = µrcos(θ) = µx y 0 = µrsen(θ) = µy. Exercı́cio 2.22 Simplifique a equação da seguinte cônica por meio de uma adequada rotação 4x2 + 24xy + 11y 2 = 5. Translação ou deslocamento é uma transformação sem ponto invariante. Ela pode ser decomposta como deslocamentos em cada uma das coordenadas, ou seja, para cada ponto (x, y) as coordenadas do novo ponto são obtidas por x0 = x + ∆x y 0 = y + ∆y, onde ∆x e ∆y correspondem, respectivamente, montantes de movimento na direção dos eixos X e Y , respectivamente. Exercı́cio 2.23 Dados os vértices de um triângulo: P1 = (2, 4, 1), P2 = (4, 6, 1) e P3 = (2, 6, 1) e a reta y = 12 (x + 2). Quais são as coordenadas do triângulo depois da sua reflexão em torno da reta? Usando a notação matricial, ta ranslação, a homotetia, a rotação e a reflexão podem ser reescritas, respectivamente, em: P0 = P + T , (2.10) P 0 = SP , (2.11) P P 0 0 = RP , (2.12) = MP . (2.13)