SENSO COMUM ESTEREÓTIPOS E CLICHÊS ORIGINALIDADE VERSUS ESTEREÓTIPO NA REDAÇÃO Perguntas que não querem calar: Originalidade e criatividade são importantes para uma boa redação? É possível um texto original? E se eu chegar à conclusão de que eu penso igual aos outros? Pensar igual não pressupõe reproduzir opiniões preconcebidas, tampouco utilizar clichês e estereótipos expressões por demais conhecidas e desgastadas- ou, ainda, imagens que revelam o modo de sentir de acordo com determinados valores culturais impostos, principalmente pelos meios de comunicação social. •Alguns exemplos de opiniões preconcebidas ou estereotipadas: Opiniões preconcebidas ou estereotipadas: LUGAR DE MULHER É EM CASA. HOMEM NÃO CHORA. O BRASIL NÃO TEM JEITO. TODO POLÍTICO É CORRUPTO. QUEM NÃO TEM TRABALHO VAI ROUBAR E MATAR PARA DAR O QUE COMER AOS FILHOS. •CLICHÊS OU LUGARES COMUNS: “ESTRADA DA VIDA” “SONHOS DOURADOS” “SELVA DE PEDRA” “BRASILEIRO NÃO DESISTE NUNCA” “IMPORTÂNCIA VITAL” “PERDA IRREPARÁVEL” “HUMILDE OPINIÃO” “SÓ O AMOR CONSTRÓI” “O BRASIL É UM PAÍS DE TODOS” “O TEMPO NÃO PARA.” “AGREGAR VALOR” Sem dúvida, você pode aumentar essa lista!!! Com sua capacidade de observação, selecione alguns lugares-comuns e alguns clichês e envie para [email protected] Opiniões preconcebidas, geralmente, expressam ideias formadas sem maior reflexão ou pouco conhecimento dos fatos em si, estabelecem julgamentos preconceituosos do tipo”mulher não sabe dirigir” e induzem a generalizações , tais como “Todo político é corrupto”. Nem toda opinião estereotipada é necessariamente falsa, mas o uso excessivo deixa de impressionar a sensibilidade e inteligência do interlocutor. O uso de clichês compromete a redação, pois fica claro que quem a escreveu preferiu utilizar expressões prontas; não teve o trabalho de procurar outra forma para organizar o raciocínio e a linguagem; achou mais fácil qualificar uma cidade como selva de pedra, por exemplo, do que enumerar características mais significativas. TODA UNANIMIDADE É BURRA. Nelson Rodrigues GENERALIZAÇÕES NÃO SÓ EXPRESSAM IDÉIAS CONFUSAS, COMO TAMBÉM CONCEITOS VAGOS E IMPRECISOS. IMAGENS OU ASSOCIAÇÕES ESTEREOTIPADAS: Exemplos: FÉRIAS (Lugares paradisíacos, algo inédito, aventuras, ou seja, imagens veiculadas pelos meios de comunicação. Férias em casa, lendo, jogando, visitando amigos e parentes, e outras coisas comuns são imagens raras, pois há a impressão de que esses atos são simples e pouco originais.) AMERICAN WAY OF LIFE VIAGEM DE QUINZE ANOS OBSERVE COMO OS AUTORES EXPRESSAM DE FORMA CRIATIVA E ORIGINAL SENTIMENTOS OU OPINIÕES A RESPEITO DE DETERMINADA IDÉIA: “Sei que a miséria é mar largo/Não é como qualquer poço” João Cabral de Mello Neto “Eu que detesto domingo por ser oco” Clarice Lispector “Deus é como a linha do horizonte sobre o mar/ Essa linha, na verdade, não existe, mas para os seus olhos, o mar acaba ali.” João Cabral de Mello Neto O senso comum tem conceitos certos e errados, verdadeiros e falsos. O mais nocivo desse modo de pensar é o preconceito – ideia ou conceito admitido previamente, antes de um exame racional, sem o mínimo espírito crítico. Os grupos sociais costumam ter preconceitos. Como as classes ricas no Brasil veem a classe pobre? Com humor irônico, Luis Fernando Verissimo finge assumir o que se diz do nosso povo, numa coletânea de preconceitos bem conhecidos, que são desumanos e falsos, quando ditos a sério. O POVO (...) “O povo se comporta mal em toda parte, não apenas no futebol. O povo tem péssimas maneiras. O povo se veste mal. Não raro, cheira mal também. O povo faz xixi e cocô em escala industrial. Se não houvesse povo, não teríamos o problema ecológico. O povo não sabe comer. O povo tem gosto deplorável. O povo é insensível. O povo é vulgar. A chamada explosão demográfica é culpa exclusivamente do povo. O povo se reproduz numa proporção verdadeiramente suicida. O povo é promíscuo e sem-vergonha. A superpopulação dos grandes centros se deve ao povo. As lamentáveis favelas que tanto prejudicam nossa paisagem urbana foram inventadas pelo povo, que as mantém contra os preceitos da higiene e da estética. Responda, sem meias palavras: haveria os problemas de trânsito se não fosse pelo povo? O povo é um estorvo. É notória a incapacidade política do povo. O povo não sabe votar. Quando vota, invariavelmente vota em candidatos populares que, justamente por agradarem ao povo, não podem ser boa coisa. (...) “Todos dizem da violência do rio,mas ninguém diz das margens que o oprimem” GRANDE QUALIDADE DE VIDA (João Ubaldo Ribeiro) Antigamente, não havia qualidade de vida. Quer dizer, não se falava em qualidade de vida. Agora só se fala em qualidade de vida e, em matéria de qualidade de vida, sou um dos sujeitos mais ameaçados que conheço. Na verdade, me dizem que venho experimentando uma considerável melhora de qualidade de vida, mas tenho algumas dúvidas. Minha qualidade de vida, na minha modesta opinião pessoal, não tem melhorado essas coisas todas, com as providências que me fazem tomar e as violências que sou obrigado a cometer contra mim mesmo. Geralmente suporto bem conversas sobre qualidade de vida, mas tendo cada vez mais a retirar-me do círculo ou recinto onde me encontro, quando começam a falar nela. (...) Fui criado, por exemplo, com comida frita na banha de porco ou, mais tarde, na gordura de coco. Meus avós, todos mortos depois dos noventa (com exceção do que só comia o saudabilíssimo azeite de oliva – e ele morreu de AVC) comiam banha de porco e torresmo regularmente, mas, claro, ainda não tinham sido informados de que se tratava de prática mortal. Aliás, comida saudável, que se ensinava nos manuais até para crianças, era composta de leite integral, ovos, pão (com manteiga), carne vermelha ou peixe –frito, então, era uma maravilha para estômagos delicados - frutas e legumes à vontade. Depois disso, até atingirmos a atual qualidade de vida, fulminaram o leite. Alimento completo, passou a ser encarado com desconfiança,(...). O ovo sofreu ataque violentíssimo, assim como o açúcar , (...). (...) Mas ninguém pode viver de capim, de maneira que, relutantemente, deixam a gente comer uma coisinha qualquer, contanto que não ultrapasse o limite de calorias e não ingiramos o proibido e, mesmo assim, com restrições. Peixe cozido ou grelhado, por exemplo, geralmente pode, mas paira sobre seu infeliz consumidor a ameaça de que não esteja fresco ou esteja contaminado por metais pesados e pelo lixo que jogam em rios e mares. Peito de frango(...) também assusta, por causa dos hormônios que dão às galinhas e das neuroses que elas desenvolvem, nascendo sem mãe e sendo criadas em cubículos em que mal podem se mexer, a ponto de serem debicadas, para não se autodevorarem histericamente.(...) (...) Fumar, não mais, (...). Beber, esqueça, (...). Restam também os exercícios. Fico felicíssimo, quando suando e bufando no calçadão, sinto o ar fresco invadir os pulmões (preferia logo uma tenda de oxigênio), as pernas doendo e a certeza de que minha qualidade de vida vai cada vez melhor. (...) Ou seja, temos que nos dedicar o tempo todo a manter nossa qualidade de vida. Mas, aqui entre nós, se vocês no futuro virem um gordão tomando caldinho de feijão com torresmo no boteco, depois de um chopinho, e o acharem vagamente parecido comigo, talvez seja eu mesmo, sofrendo de uma pavorosa qualidade de vida. A diferença é grande. Tanto eu quanto vocês vamos morrer do mesmo jeito, mas vocês, depois da excelente qualidade de vida que estão desfrutando aí com sua rúcula com suco de brócolis, vão ter uma ótima qualidade de morte, falecendo em perfeita saúde e eu lá, no meu velório, com um sorriso obeso e contente no rosto dissoluto. (in O Globo de 06/7/2003) A DIETA DAS MOSCAS Baixas calorias aumentam a vida. Qual vida? (Arthur Dapieve) Raras páginas de jornais e revistas são tão instrutivas quanto as dedicadas à Ciência. Elas nos informam de onde viemos e para onde, com toda probabilidade iremos. Das savanas pré-históricas da África ao brejo do aquecimento global. No meio do caminho, numa semana, descobre-se que tocar saxofone pode desencadear acidentes vasculares cerebrais. Na semana seguinte, que os golfinhos são seres maquiavélicos e traiçoeiros. Todos os dias, constatamos que estamos vivos, como indivíduos e como espécie, por sorte. Cada vez mais, os laboratórios se debruçam sobre nossa alimentação cotidiana, sempre errada, sempre errada. Não passa refeição sem que mude o cardápio cientificamente correto. Sábado passado, por exemplo, li que cientistas britânicos estudaram 7.492 moscas de fruta, comparando os efeitos de dietas de baixa caloria sobre o seu ciclo de vida. Segundo a última revista “Science”, os insetos que tiveram sua alimentação restrita viveram o dobro, ou seja, cerca de 90 dias, dos que se fartaram de bananas ou cocôs. (Ignoro, devo salientar, se a mosca de fruta, com esse nome limpo na praça, pratica a coprofagia. No entanto, informarme melhor seria arriscar-me a perder a piada.) Pesquisas anteriores já relacionaram baixas calorias com altas expectativas de vida. (...) O pulo-do-gato dos britânicos se dá é na descoberta de que, não importa a que altura da vida se imponha restrição calórica à mosca, os efeitos benéficos sobre sua longevidade ainda se farão sentir. Quer dizer, a mosca que sempre comeu seu cocozinho espartanamente no final das contas bateu a caçoleta com a mesma idade da mosca que fez todas as m.....- mas, prudente, no fim da vida se arrependeu e segurou a onda. A Ciência parece ter reescrito, em seus próprios termos, a fábula da cigarra e da formiga. Gostaria de saber se esse aspecto da pesquisa também se aplicaria a humanos. O sujeito A passa a vida ruminando alfafa, grãos, iogurte natural, coisinhas verdes. Morre, sei lá, com 80 anos. O sujeito B passa a vida traçando picanha, pizza, chope gelado, provolone à milanesa. Em tese, morreria aos 40 anos. Para chegar aos 80 anos do cultor da temperança, quando ele teria de se arrepender da esbórnia e das calorias sem comer mosca? Aos 39? O fato de essa ser minha idade é mera coincidência, claro. Falando sério. Desconfio da obsessão por uma vida saudável porque desconfio que “vida saudável” seja uma contradição em termos. Sem falar da própria caixinha de surpresas de cada código genético, há tanta hostilidade no planeta – vírus invisíveis, balas perdidas, acidentes de trânsito, atentados terroristas, catástrofes naturais- que levar uma existência comedida não garante longevidade a ninguém. As moscas dobraram seu ciclo porque viviam em circunstância controladas, num laboratório, sem passarinhos, lagartixas, papa-moscas, papéis pega-moscas, inseticidas ou chinelos por perto. Preocupa-me, portanto, que “vida saudável” nem sempre seja sinônimo de “vida feliz”. De alguma forma, esta está ao nosso alcance, independentemente do inferno que são os outros, do tempo que nos seja concedido viver, por Deus e/ou nossos genes (risque de acordo com sua crença). (...) (in O Globo, 26/9/2003) *coprofagia: alimentação dos animais que se nutrem de excremento.