“Recorremos ao workflow para executar mais de três milhões de tarefas” Paulo Espregueira Magalhães, Administrador da Modelo Continente Hipermercados, falou-nos da importância das TI e de workflow nas empresas A Modelo Continente Hipermercados (MCH) tem sido um dos exemplos a seguir a nível de informatização e de gestão de processos. Distinguida pela Workflow Management Coalition e pelo Workflow and Reengineering International Association como a melhor empresa europeia na aplicação de tecnologia Workflow aos processos de negócio, a empresa tornou-se numa referência para o mercado mundial. Em entrevista, Paulo Espregueira Magalhães, Administrador da MCH, revela-nos alguns dos segredos do sucesso e dá conselhos sobre como outras empresas podem seguir o caminho da MCH. Há quanto tempo é que a MCH se está a estruturar e organizar segundo uma lógica de processos? A transversalização pela digitalização de processos começou na Modelo Continente ainda na segunda metade da década de noventa. Curiosamente, a forma mais rápida de começar a transformação foi partindo da base, da plataforma de sistemas de informação. A teoria de “Arquitectura de Empresa” aponta para que tudo se desencadeie no sentido oposto, partindo do desenho e da organização dos processos de negócio. Os instrumentos e a informação alinham-se depois. O que aliás tem toda a lógica, especialmente quando se pode partir de uma base zero no que se refere ao próprio negócio. Mas quando se trata de aplicar uma mudança organizativa desta magnitude a um negócio existente e bem sucedido, ela tem que ser decomposta e deliberadamente estimulada. Por um lado, por se revestir de grande complexidade humana, organizativa e tecnológica. Mas, não menos importante, pelo risco de deterioração dos serviços prestados. Tem que se proceder iterativamente, projectando uma visão sólida e perseverando com passos seguros. Apesar de aparentemente contraintuitivo, é óbvio discernir o sentido prático da implementação de uma lógica de Entrevista - Cadernos link | N9 - Junho 2007 | 9 "É também verdade que o alargamento a toda a cadeia de valor da visão por processos e respectiva digitalização é uma tarefa interminável. As adaptações necessárias são constantes, provocadas pelas mudanças que ocorrem quer no interior, quer no exterior da empresa." processos, que comece pela adequação das fundações (ie. pela infra-estrutura de sistemas de informação). Quando a actividade do negócio é muito dependente das Tecnologias de Informação, não é possível mudar sem uma intervenção anterior nos próprios sistemas. Quais foram os passos mais significativos que contribuíram para esta mudança? Houve três fases distintas. A primeira iniciou-se com a assunção pelos sistemas de informação da Modelo Continente da necessidade de organizar e gerir os seus serviços por processo. O que se verificava, há cerca de dez anos, é que a arquitectura e serviços de sistemas replicavam integralmente o modelo funcional da organização da empresa. A função administrativa tinha o seu conjunto de aplicações informáticas que interfaceavam com as aplicações informáticas da função operação lojas que, por sua vez, interfaceavam com as aplicações da função logística e distribuição, etc. Começámos por aplicar a lógica de processo ao acompanhamento e suporte de dados pelos sistemas de informação a alguns processos muito dependentes de TI, nomeadamente o fecho mensal de contas e o aprovisionamento diário das lojas. Com 10 | N9 - Junho 2007 | Cadernos link - Entrevista bastante esforço – pelo movimento contra-a-corrente que isso então representava - e igual sucesso – porque, com a rotação da forma de actuar e pensar, se obtiveram resultados imediatos a todos os níveis: eficácia, motivação e possibilidade de evolução. A segunda fase consistiu na aplicação do workflow a processos de negócio. Começou-se aplicando uma lógica push a processos já estruturados, de natureza administrativa. As mudanças organizativas, de gestão mais difícil, são menores em processos que já estão documentados e têm uma natureza menos ambígua. Consequentemente, a probabilidade de sucesso é muito maior. Foi o que acabou por acontecer. Tivemos tempo para nos focarmos na estabilização e robustecimento da tecnologia subjacente à automatização de processos e esta foi-se entranhando na empresa. Actualmente, vivemos a terceira fase, que se caracteriza pela aplicação do workflow a qualquer processo de negócio, independentemente do seu carácter mais ou menos estruturado. E são os próprios responsáveis pela gestão ou execução das actividades que compõem os processos que, numa perspectiva pull, encomendam os serviços de digitalização à equipa de sistemas de informação. Com que facilidade é que a visão por processos tem sido alargada a toda a cadeia de valor, englobando os parceiros de negócio da MCH? É muito interessante constatar que o mais fácil na digitalização de processos é o extravasar das fronteiras da empresa. O que é natural, porque a organização das actividades de uma empresa por processo se destina precisamente a melhorar a interface com os agentes externos, tanto a montante, com os fornecedores e outros parceiros, como a jusante, com os clientes. As pontes para consolidar as ligações digitais estavam já construídas, precisavam apenas de optimização no tratamento dos conteúdos. A Modelo Continente foi pioneira na adopção de EDI para gerir o seu processo de aprovisionamento e pagamento. Adoptou, desde cedo, processos inter-empresa para correcção de diferenças de conferência e aplicação automática de receitas comerciais. Do lado dos clientes, investiu continuamente na melhoria do processo de sugestões e reclamações. É também verdade que o alargamento a toda a cadeia de valor da visão por processos e respectiva digitalização é uma tarefa interminável. As adaptações necessárias são constantes, provocadas pelas mudanças que ocorrem quer no interior, quer no exterior da empresa. No capítulo da integração externa, estamos hoje a investir na consolidação da factura electrónica – onde fomos também pioneiros -, e na recolha e partilha digital de informação de natureza técnica e comercial. Do lado dos clientes, introduzimos com sucesso o workflow na gestão dos serviços pós-venda e estamos a afinar a lógica de processo multi-canal na gestão do comércio online. Como é que as TI têm respondido a estas mudanças e como é que tem contribuído para agilizar a organização? Adaptando, por um lado, a sua organização, através da criação e desenvolvimento de competências e tecnologias relacionadas com processos e a sua digitalização, investindo, por outro lado, em conhecer cada vez melhor o negócio e, como corolário, conseguindo que lhe seja reconhecido o papel de integrador de funções de negócio, de muito maior valor e importância do que a perspectiva “comoditizada” de integrador de sistemas. "O jogo da conquista de eficiência nunca acaba. Há sempre algo que podemos fazer mais rápido, mais simples, ou melhor. O negócio de retalho, em especial quando aposta em variedade e volume, assenta numa série de processos penosos de articulação do mundo físico com o mundo da informação." Recentemente a MCH tem recebido várias distinções internacionais de excelência pela sua abordagem aos processos. Quais os próximos passos e os desafios que uma organização como a MCH tem pela frente? Em 2006, fomos distinguidos pela Workflow Management Coalition e o Workflow and Reengineering International Association como a melhor empresa europeia na aplicação de tecnologia Workflow aos processos de negócio. O reconhecimento do trabalho realizado foi importante, em particular por criar uma referência e revelar que a estratégia e ritmo de implementação impressos não nos deixam ficar mal. Mas mais importante que esse reconhecimento, é o podermos perceber no dia-a-dia da nossa actividade que esta lógica de processo é irreversível e está montada de forma sustentável. Actualmente, gerimos dezenas de processos em modo digital. Milhares de colaboradores da Modelo Continente interagem na sua actividade diária por esta via. Em 2005, o número de tarefas executadas com recurso a tecnologia workflow foi de cerca de dois milhões. Um ano depois, cresceu para três milhões. O jogo da conquista de eficiência nunca acaba. Há sempre algo que podemos fazer mais rápido, mais simples, ou melhor. O negócio de retalho, em especial quando aposta em variedade e volume, assenta numa série de processos penosos de articulação do mundo físico com o mundo da informação. O nosso desafio pode definir-se como o de incorporar mais inteligência de negócio nos sistemas de informação. Esta visão centrada nos processos representa uma diferenciação e uma vantagem competitiva da MCH, ou é uma exigência do próprio mercado? O nosso marketing mix baseia-se em preço, variedade e experiência de compra. Sendo assim, tudo o que contribua para mais eficiência, directamente traduzível em melhores preços, e para mais qualidade de serviço, melhora a nossa posição competitiva. A digitalização de processos, através do workflow, tem dado contributos nos dois domínios. Mas, trata-se apenas de uma vantagem temporal. A necessidade de colocarmos tudo em questão é incessante. Como é que considera que o RFID vai revolucionar os processos logísticos nos próximos tempos? E quando é que prevê que o consumidor venha ele próprio a interagir com produtos com tags RFID? Defendo que uma das maiores, se não a maior, revolução no mundo do retalho de bens de consumo foi desencadeada pelo código de barras e pelas tecnologias de scanning associadas. Sem ele, seria impensável, por exemplo, conjugar livre-serviço, variedade e velocidade de lançamento de novos produtos de consumo. A subtileza, adicionada pelo RFID, de transformar a identificação dos artigos e dos seus suportes de transporte (e.g. caixas e paletes) de passiva em activa, dará origem a uma revolução de, pelo menos, igual importância. No limite, às cadeias de aprovisionamento tradicionais sucederão redes de comercialização, depósito e encomenda, integradas e lubrificadas por novos agentes de informação e logística. Ainda mal começámos, no entanto. No retalho, está quase tudo por fazer nos planos tecnológicos, dos processos intra e inter-empresa e dos modelos organizativos. A logística dá os primeiros – tímidos – passos. As experiências efectuadas com a primeira geração tecnológica (GEN1) do RFID foram um fracasso e na articulação necessária entre fornecedores e retalhistas não se conhecem ainda casos sustentados de sucesso. A jusante, para que o RFID chegue aos produtos de baixo preço, são necessárias reduções substanciais de custo e desenvolvimentos tecnológicos que tornem eficiente a sua incorporação nas embalagens. Questões de segurança e salvaguarda da privacidade ainda implicam exigências não totalmente esclarecidas. Tudo isto me leva a concluir que se pode hoje fazer exactamente a mesma previsão de há uns sete anos: “dentro de dez anos teremos RFID nos produtos”. ‹› Entrevista - Cadernos link | N9 - Junho 2007 | 11