Atenção: As opiniões contidas neste artigo reflectem apenas a visão do autor. Não devem, em circunstância alguma, substituir a consulta de um médico ou profissional de saúde. Não enverede por qualquer dieta ou plano alimentar, sem consultar primeiro o seu médico. A Questão proteica. Ácidos aminados ou armadilhados? Qual a quantidade de proteína certa para atletas de força e culturistas? Abordar esta questão não é um assunto fácil. Tenho a certeza que mesmo depois deste artigo, o leitor continuará com dúvidas. Muito provavelmente chegará à conclusão de que não existem respostas exactas, pois estas dependem em grande medida de princípios de individualidade bioquímica, traços genéticos etc. Não é nossa intenção porém, transformar este artigo numa leitura extensiva de bioquímica proteica, assim como também acreditamos, de que não é este tipo de informação que o leitor procura. Na eventualidade de estarmos errados, por favor utilize como referência a já extensa literatura científica disponível sobre esta temática. No entanto, antes de avançarmos para a grande questão acima, vamos tentar perceber o que é uma proteína. Parece-vos justo? As proteínas estão intrinsecamente ligadas a todas as formas de vida. Para ser mais exacto o aparecimento de vida no nosso planeta, está directamente ligado aos aminoácidos (constituintes das proteínas). Estes quando ligados entre si, em longas cadeias peptídicas, formam proteínas que rodam e estabelecem ligações num espaço tridimensional, gerando assim centros que facilitam as reacções bioquímicas da vida. [1] As proteínas são por isso na sua essência, compostos orgânicos de estrutura complexa e elevado peso molecular, constituídas por aminoácidos condensados em cadeia. Os aminoácidos que constituem as proteínas são apenas 20 (actualmente fala-se em 21 devido ao facto do aminoácido selenocisteína depender de um codão específico). Todos os aminoácidos presentes nas proteínas apresentam-se sob a forma estereoisométrica L (levógiro). Em palavras simples, falamos de um macronutriente que é constituído por aminoácidos ligados por pontes de Hidrogénio (H) e Nitrogénio (N). Por esta razão 16% das proteínas são constituídas por N. As proteínas, são activas do ponto de vista biológico no organismo tendo todas elas funções especificas: de estrutura, informação, transporte, sinalização, resposta imunitária, catálise etc. Todas as enzimas são proteínas. Elas têm um papel importante, como catalisadoras de várias reacções bioquímicas e processos metabólicos que irão afectar a homeostase. [2] Em relação aos péptidos--» Foi convencionado de que cadeias de aminoácidos com massa molecular inferior a 10 000 Daltons, seriam classificadas como péptidos. Estes poderiam ser classificados de forma simplista, como aglomerados de aminoácidos mais pequenos do que uma proteína. Em teoria, os aminoácidos não contribuem significativamente para a produção de energia durante o exercício. Os músculos utilizam maioritariamente, hidratos de carbono (CHO), gorduras (sob a forma de ácidos gordos) e ácido acetoacético. [5] Apesar de tudo, quando necessário, os aminoácidos das proteínas podem ser utilizados para produzir glicose, piruvato e vários compostos intermediários do ciclo de Krebs. Recentemente, a elevada concentração de Ureia no suor e de Alanina nos músculos dos atletas, levou os cientistas a repensar a contribuição dos aminoácidos como fonte energética. Isto porque a ureia e a alanina são resultantes da desaminação/conversão das proteínas. [11] Os aminoácidos mais oxidados neste propósito são: os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA’s--»Leucina, Isoleucina e Valina), Alanina, Aspartato e Glutamato. [11] A Alanina sem o radical amina origina piruvato, que por sua vez irá ser utilizado no ciclo da Glicose-Alanina para produzir energia, sendo esta uma das principais vias da Gluconeogénese. [11] Como já deverá ter percebido por esta altura, quando vamos mais fundo em relação às proteínas, DNA e Genética, até uma vulgar questão como: “O que apareceu primeiro, a galinha ou o ovo?” se poderá transformar num paradoxo aos olhos de um Bioquímico. Esta poderia facilmente ser convertida no seguinte paradoxo científico: “Que biomoléculas surgiram primeiro, as proteínas ou os ácidos nucleicos?”. [3] Os atletas têm necessidades proteicas mais elevadas? A primeira questão a ter que ser levantada, é de que forma o treino influencia as necessidades fisiológicas de energia e nutrientes. Estas por sua vez terão implicações na composição corporal (% de massa gorda, muscular e óssea), na regulação dos mecanismos de feedback hormonal e regulação do metabolismo de substratos, e nos vários estados patológicos que são afectados pela % de massa gorda, ingestão de nutrientes e outros factores relacionados. A segunda questão, é de que forma o status nutricional influencia a performance antes, durante e após a competição. [4] As necessidades de macronutrientes vão depender grandemente do tipo de treino (sistemas energéticos dominantes) e da composição corporal do atleta (sobretudo a massa magra do atleta). Pensar que os requerimentos proteicos são mais elevados nos atletas, é uma ideia bastante atractiva. A investigação científica, de facto mostra elevados níveis de oxidação do esqueleto carbónico dos aminoácidos durante o exercício. Esta situação ainda se torna mais evidente na ausência de CHO. Então, o que nos diz a ciência sobre isto? E o que fazem os Culturistas? A literatura científica recomenda: Fonte 1: [4] Actividades de endurance: 1.2 a 1.4g kg/dia Força e treino de potência: 1.6 to 1.7g kg/dia Sedentários: 0.8 to 1.0g kg/dia Fonte 2: [6] 0.9 a 1.2g de proteína por libra (pound) de peso corporal como ideal para atletas de força. Nesta fonte a recomendação proteica é muito mais elevada (aproximadamente de 1.9 a 2.6g kg/dia ). Outros estudos que avaliaram os requerimentos proteicos em atletas: [6] Fern: Protocolos-» 3.3g kg/dia e 1.3g kg/dia. Conclusão: O protocolo de 3.3g kg/dia, levou a ganhos mais elevados de massa muscular. Tarnopolsky et al: Protocolos-» 0.9g kg/dia, 1.4g kg/dia e 2.4g kg/dia. Conclusão: Aumento da síntese proteica no protocolo de 1.4g kg/dia Vs 0.9g kg/dia. Não se verificaram ganhos adicionais no protocolo de 2.4g kg/dia. Lemon et al: Protocolos-» 1.8g kg/dia. Conclusão: necessário para manter o balanço positivo de nitrogénio. Forslund et al: Protocolos-» 1.0g kg/dia e 2.5g kg/dia. Conclusão: 2.5g kg/dia levou a um balanço positivo de nitrogénio (maior retenção de nitrogénio), e a um balanço negativo de gordura. Fonte 3: [7] Indivíduos envolvidos em treinos de resistência necessitam de 1.2g kg/dia a 1.4g kg/dia de proteína. Se envolvidos em treino de força, de 1.6g kg/dia a 1.7g kg/dia. Fonte 4: [8] Adultos sedentários: 0.8g kg/dia Atleta recreativo adulto: 1.0 a 1.4g kg/dia Treino de resistência (manutenção): 1.2 a 1.4g kg/dia Treino de resistência (aumento da massa muscular): 1.4 a 1.8g kg/dia Treino de endurance: 1.2 a 1.4g kg/dia Treino intermitente de alta intensidade: 1.2 a 1.8g kg/dia Desportos limitados ao levantamento de pesos: 1.4 a 2.0g kg/dia Bom, parece evidente que mesmo a ciência não tem uma posição consensual no que toca à quantidade de proteína necessária para atletas, sobretudo no que toca aos atletas de força. Uma vez que as proteínas são constituídas por aminoácidos (como explicado anteriormente), não faria mais sentido utilizar a massa magra como referencia ao invés do peso corporal (que inclui a massa magra, gordura, água, massa óssea, etc)? Tenho a certeza que o tecido adiposo não tem os mesmos requerimentos proteicos do que o tecido muscular (até porque o musculo é constituído por filamentos proteicos contrácteis a actina e a miosina). Talvez fizesse mais sentido utilizar a massa magra para calcular a necessidade de aminoácidos… É perigosa uma dieta hiperproteica? Os efeitos adversos duma dieta hiperproteica, resumem-se sempre a Doença Cardiovascular (CVD), disfunção renal e hepática, perda de Cálcio (Ca +) e desidratação. Todavia, todos estes efeitos adversos parecem ter sido um pouco exagerados com excepção à desidratação. Numa recente revisão literária, a National Academy of Sciences e a Harvard School of Public Health, concluíram que as dietas hiperproteicas não aumentam o risco de doença coronária. Sobre a questão da disfunção hepática e renal, nenhum estudo até ao momento demonstrou estes efeitos, como consequência duma dieta hiperproteica em indivíduos saudáveis. Devemos então assumir que indivíduos saudáveis sem predisposição para doença hepática ou renal, poderão ingerir as quantidades de proteína recomendadas pela ciência, nas ditas dietas hiperproteicas. [8] Sobre a perda de Ca+, é evidente que uma elevada ingestão proteica irá aumentar a acidez urinária. Perante esta situação, o Ca + é utilizado (sendo maioritariamente libertado pelos ossos) para tamponar a carga ácida. O nosso corpo utiliza Ca + para produzir HCO3 (bicarbonato renal), de forma a poder tamponar por exemplo uma eventual acidose sanguínea (o nosso sangue terá que ter um pH entre 7.35 a 7.40, e isto não é negociável!). Portanto, quem ingere alimentos ácidos ou acidificantes em excesso, fica aqui com uma pista sobre o destino do seu Ca+. Bem, voltando à questão da dieta hiperproteica… Apesar de ser razoável acreditar numa eventual perda de Ca +, com base nos mecanismos explicados anteriormente, todos os estudos que demonstram perda de Ca+ com base numa dieta hiperproteica, têm as suas imprecisões. Apresentam amostras demasiado reduzidas, erros metodológicos e o uso de elevadas doses de formas purificadas de proteína. [9] Também é do conhecimento geral, que o conteúdo de fosfato presente nos alimentos ricos em proteína (assim como suplementos contendo Ca + e Fósforo) combate este possível efeito. O grande paradoxo nesta questão do Ca +, é de que alguns estudos demonstram que uma ingestão proteica baixa, poderá levar à perda de massa óssea. [10] Sobre a desidratação, bom é sabido que o Ciclo da Ureia processa o N dietético, levando ao aumento da excreção de água através do sistema urinário. Logo, uma elevada ingestão de aminoácidos, poderá levar a uma maior excreção de água. Isto poderá ser dramático para os atletas, uma vez que uma desidratação de apenas 3% é suficiente para comprometer seriamente a performance. É absolutamente necessário verificar a ingestão de água num atleta com uma dieta hiperproteica. Que fazem os culturistas no que toca à ingestão proteica? Os Culturistas (BB), ingerem muito mais proteína do que as referências científicas. Alguns livros de culturismo falam em valores na ordem dos 2.2 a 5.5g kg/dia. [12]. É muito comum ouvirmos estes valores informalmente dos BB. Mas porquê estes valores? Nunca se esqueçam que os culturistas utilizam o método científico mais antigo do mundo, ou seja tentativa e erro. Se pensarmos um pouco, este não é muito diferente daquilo que é feito no laboratório. Talvez a principal diferença seja que no laboratório usamos bata branca, luvas, máscara etc. tudo muito fashion. Então o que explica esta elevada ingestão proteica por parte dos BB? Como se explica a ausência de disfunção renal e hepática em alguns casos, mesmo com ingestões na ordem dos 5 e 7g kg/dia? O uso de hormonas esteróides e outras hormonas anabólicas poderão justificar esta ingestão? Bom… sim. Claro que podem! O uso destas hormonas leva a uma elevada retenção de N e a um maior aumento da massa muscular magra. Regra geral os BB têm muito mais massa muscular do que os restantes atletas, fruto do tipo de treino e dieta rigorosa que praticam (nem todos os BB utilizam hormonas, atenção!). Poderá ser esta a razão? Novamente, sim! Faz sentido aumentar a ingestão de aminoácidos, quando se possui muita massa muscular, de forma a garantir um balanço de N positivo. Os BB justificam estas elevadas ingestões, afirmando que quando reduzem estes valores, apresentam uma elevada perda de massa muscular, fará isto sentido? Veremos… Como explicar a ausência de efeitos secundários em indivíduos, que têm uma elevada ingestão proteica e não usam fármacos? (eu próprio ingiro cerca de 3g kg/dia, não utilizando fármacos e não apresento qualquer sinal de stress renal ou hepático nas análises). Talvez o mesmo motivo que explica o meu caso, possa explicar o dos culturistas usando drogas ou não. Esta será a parte complicada… Como já foi explicado anteriormente as enzimas (que são proteínas), têm um papel fundamental na regulação do metabolismo. Na minha opinião esta inconsistência das dietas super hiperproteicas, poderá ser explicada pelo modelo da demanda metabólica adaptativa do Prof. Millward. [13] Este modelo sugere que o corpo promove as adaptações fisiológicas necessárias, de forma a se adaptar quer a ingestões baixas, quer elevadas. Segundo o mesmo, estas adaptações ocorrem muito lentamente, do ponto de vista enzimático. Este poderá ser o motivo, que leva a que indivíduos que fazem dietas hiperproteicas durante vários anos (geralmente atletas de força e culturistas) notem a tal perda de massa muscular quando reduzem a ingestão proteica. A explicação é simples, como resposta à elevada ingestão proteica, ocorre uma super regulação (aumento) das enzimas que oxidam as proteínas. Esta dinâmica enzimática mantém-se elevada, mesmo quando a ingestão proteica é reduzida, o que leva a um efeito catabólico pronunciado. As enzimas infelizmente não conseguem acompanhar esta redução de ingestão. Os mecanismos de controlo enzimático (modulação alostérica), não são assim tão perfeitos em relação ao tempo. Resumindo, que quantidade de proteína é ideal para atletas e culturistas? Vou ter que vos dar a resposta mais comum em ciência… Depende… no entanto parece-me razoável valores na ordem de 1.8 a 2.0g kg/dia para um atleta de força sério, livre da utilização de fármacos. Filipe Teixeira, P-PTS, TBI-CSN Resp. Técnico/Technical Manager-Body Temple, Lda Director-The Tudor Bompa Institute, Portugal International Director-Nutrition & Performance Department of TBI. TBI-Certified Sports Nutritionist Referencias bibliográficas: [1] Shils, Maurice et al (2006). Modern Nutrition in Health and Disease. China: Lippincott Williams & Wilkins. [2] Médart, Jacques (2007). Guia Prático Climepsi da Nutrição 1ª edição. Portugal: Climepsi Editores [3] Campos, Luis S. (2009). Entender a Bioquímica 5ª Edição. Portugal: Escolar Editora [4] Caballero et al (2009). Guide to Nutritional Supplements. USA: Elsevier [5] Hall, John E. (2011). Guyton and Hall Textbook of Medical Physiology 12th Edition. EUA: Saunders Elsevier [6] Ivy, John et al (2004). Nutrient Timing: The future of Sports Nutrition. USA: Basic Health Publications, Inc. [7] Lemon, PWR (1998). Effects of exercise on dietary protein requirements. Int J Sports Nutr. 8(4): 426-47. [8] Antonio, Jose et al (2008). Essentials of Sport Nutrition and Supplements. USA: Humana Press. [9] Ginty, F. (2003). Dietary Protein and bone health. Proc Nutr Soc. 62(4): 867-876 [10] New, SA (2004). Do vegetarians have normal bone mass? Osteoporos Int. 15(9): 679-678. [11] Devlin, Thomas M. (2011). Textbook of Biochemistry with clinical correlations 7th Edition. USA: Wiley [12] Rea, Author (2002). Chemical Muscle Enhancement. USA: BodyBuilders Desk Reference [13] Millward DJ (2001). Protein and amino acid requirements of adults: current controversies. Canadian J App Physiol 26: S130-S140