PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Pedro Henrique Laranjeira Barbosa Sucessão Empresarial na Alienação do Estabelecimento Empresarial MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Pedro Henrique Laranjeira Barbosa Sucessão Empresarial na Alienação do Estabelecimento Empresarial MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, área de concentração Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Prof. Doutor Fábio Ulhoa Coelho. SÃO PAULO 2012 BANCA EXAMINADORA: ________________________________ ________________________________ ________________________________ LISTA DE SIGLAS CC - Código Civil CDC - Código de Defesa do Consumidor CF - Constituição Federal CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CTN - Código Tributário Nacional LRF - Lei de Recuperação de Empresa e Falência STF - Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJ/PR – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná TJ/RJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJ/SP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo TST - Tribunal Superior do Trabalho PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Aluno: Pedro Henrique Laranjeira Barbosa RESUMO A presente dissertação tem como escopo a discussão da sucessão empresarial na alienação do estabelecimento empresarial. Inicia-se o debate apresentando o assunto em seu contexto econômico. Após, passa-se à análise da definição de sucessão empresarial, com base na teoria geral do direito privado, mostrando-se, logo em seguida, o impacto que tem sobre o mercado de empresas. Verifica-se que no direito positivo brasileiro existe dois regimes jurídicos distintos do instituto. O primeiro tratase daquele estabelecido pelas regras jurídicas do Código Civil, tido neste trabalho como regime geral da sucessão empresarial. Já o segundo, definido pelas disposições da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, é o regime especial da sucessão empresarial. Por derradeiro, conclui-se o trabalho com uma crítica a ambos os regimes. Palavras-chave: Sucessão Estabelecimento; Trespasse. Empresarial; Reestruturação; ABSTRACT This paper have as it main topic the discussion about succession in asset purchase acquisitions with goodwill. It starts with the presentation of the subject within its economic background. After, it shows the definition of succession under the private law theory and its consequences in the market for corporate control. It appears that under the Brazilian law there are two legal doctrines of the institute. The first is established by the Civil Code, taken here as the general successor doctrine. The second, defined by the provisions of the Bankruptcy law is the special successor doctrine. Finally, the work concludes with a critique of both doctrines. Key-words: Successor doctrine; Restructuring; Asset Purchase; Goodwill. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................... 9 2. PRESSUPOSTOS DO TRABALHO....................................................... 13 2.1. SITUAÇÃO DO TEMA NO CONTEXTO ECONÔMICO .................... 13 2.2. NEGÓCIOS JURÍDICOS ENVOLVENDO A TRANSFERÊNCIA DE ATIVOS EMPRESARIAIS .................................. 18 2.3. O MERCADO DE EMPRESA E O TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ................................................... 21 3. DEFINIÇÃO DE SUCESSÃO EMPRESARIAL ...................................... 25 3.1. A SUCESSÃO NA TEORIA GERAL DO DIREITO PRIVADO ........... 25 3.1.1. Relação Jurídica: Sujeito, Posição Jurídica e Objeto ................. 25 3.1.2. Bens, Patrimônio e Noções de Ativo e Passivo.......................... 32 3.1.3. Aquisição de Direitos e Conceito de Sucessão .......................... 36 3.1.3.1. Sucessão Universal e Sucessão Singular .......................... 40 3.2. SUCESSÃO EMPRESARIAL ........................................................... 44 3.3. SUCESSÃO EMPRESARIAL E O MERCADO DE EMPRESAS ............................................................................................ 48 4. REGIME GERAL DA SUCESSÃO EMPRESARIAL.............................. 56 4.1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 56 4.2. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ............................................ 56 4.2.1. Noção, Conceito e Natureza Jurídica .......................................... 57 4.2.2. Elementos do Estabelecimento Empresarial ............................... 62 4.2.3. Trespasse do Estabelecimento Empresarial ............................... 63 4.3. SUCESSÃO NA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ........................................................................................ 64 4.3.1. Informações e Garantias Contratuais .......................................... 67 4.3.2. Eficácia do Negócio ..................................................................... 69 4.3.3. Sucessão nas Obrigações .......................................................... 71 4.3.4. Sucessão nos Créditos e Contratos ........................................... 77 4.3.5. Sucessão Trabalhista e Tributária .............................................. 82 5. REGIME ESPECIAL DA SUCESSÃO EMPRESARIAL ........................ 85 5.1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 85 5.2. HISTÓRIO ........................................................................................ 85 5.3. DIREITO BRASILEIRO ATUAL ........................................................ 87 5.3.1. Finalidades do Direito Falimentar e Recuperacional na LRF ....................................................................................................... 88 5.4. O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL NA LRF ........................... 95 5.5. SUCESSÃO NA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ....................................................................................... 98 5.5.1. Falência .................................................................................... 102 5.5.2. Recuperação Judicial ............................................................... 108 5.5.3. Credores com Garantias Vinculadas aos Bens do Estabelecimento ................................................................................. 113 5.5.4. A Hipótese do Artigo 140, §3º - Sucessão na Posição Jurídica do Contrato ........................................................................... 119 5.5.5. Passivo Trabalhista e Tributário .............................................. 120 5.5.6. Recuperação Extrajudicial ....................................................... 121 6. CONCLUSÃO ....................................................................................... 123 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 127 DOCUMENTOS CONSULTADOS ........................................................... 133 9 1. INTRODUÇÃO Nas operações de compra e venda de estabelecimento, um dos sérios questionamentos que renderam inúmeros debates no meio jurídico diz respeito à sucessão, pelo adquirente, no passivo do alienante. No Brasil, antes da entrada em vigor do CC de 2003 e da LRF, de 2005, não havia quaisquer previsões legais a respeito, a lei falimentar (Decreto-lei de n. 7.661/45) apenas determinava, no caso de ausência de ativos suficientes para arcar com o passivo do alienante, a necessidade do consentimento ou pagamento de todos os credores para realização da operação, sob pena de decretação da falência, além da perda do estabelecimento, pelo adquirente, em favor da massa falida para atender os credores. Desta forma, sob a vigência dos antigos diplomas, na hipótese de venda do estabelecimento empresarial, aplicar-se-ia simplesmente a teoria geral do direito privado e, portanto, a hipótese seria de sucessão singular, em que somente são transferidos ao adquirente os ativos, os bens formadores do complexo, deixando o passivo no patrimônio do alienante, ao menos era este o entendimento consolidado na doutrina 1. Todavia, o contrário ocorria com as dívidas e obrigações de natureza trabalhista e tributária. Seus respectivos normativos legais já tratavam da sucessão há muito tempo. A CLT trata deste tipo de situação em seu artigos 10 e 448, que estabelecem que qualquer mudança na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos e os contratos de trabalho dos empregados. Já o CTN, em seu artigo 133, determinou a responsabilidade subsidiária do adquirente pelas obrigações do alienante, desde que continue a exploração da mesma atividade e que o alienante deixe de exercer qualquer atividade no prazo de 06 meses. Portanto, em relação à estas obrigações, a regra geral sempre foi a presença da sucessão, mesmo nos casos falimentares, já que a lei falimentar não estabelecia nenhum regime diferenciado. 1 Era este o entendimento da doutrina comercialista majoritária na época: a completa ausência de sucessão nas dívidas e obrigações, uma vez que o estabelecimento se trata de uma universalidade de fato, composto por elementos do ativo patrimonial do empresário. Ver uma abordagem mais profunda no capítulo 3. 10 Apesar do protesto dos comercialistas, a jurisprudência dos tribunais competentes manteve firme este entendimento. Toda a situação gerava graves consequências para o mercado. A insegurança jurídica em que as partes se viam para realizar este tipo de transação comercial era uma delas, visto que existia a possibilidade do adquirente responder pelas obrigações e dívidas do alienante. Ademais, o custo da insegurança refletiu seriamente no fracasso do Decreto-lei de n. 7.661/45 em proporcionar ao mercado mecanismos seguros para o ambiente de compra e venda de empresas em dificuldades financeiras. Ora, quem se habilitaria a adquirir uma empresa, sabendo que responderá pelo passivo trabalhista e tributário, que muitas das vezes correspondem a maior parte das dívidas do empresário falido? O resultado: poucas operações eram realizadas, para não dizer nenhuma. A consequência da falta deste tipo operação e de um mercado para tais bens também lesavam os interesses dos credores, inclusive aqueles trabalhistas e tributários, que, embora detentores de privilégios no recebimento de seus créditos, pouco poderiam receber, pois o valor arrecadado seria, no máximo, apenas a somatória dos bens deteriorados (considerados individualmente) do patrimônio do falido. Fora do âmbito falimentar, a insegurança jurídica também trouxe consequências: ela aumentou o custo de transação entre as partes na grande maioria dos negócios, já que estas, na falta de dispositivos legais balanceado os riscos e benefícios presentes em suas atividades, necessitavam recorrer à custosos mecanismos extrajudiciais visando minimizar seus eventuais prejuízos e assegurar seus créditos. A partir do advento do CC e da LRF boa parte da insegurança ficou para trás, uma vez que hoje existem normas jurídicas disciplinando o assunto, não adentrando no mérito se as proposições foram elaboradas de maneira certa pelo legislador. A primeira delas foi a consagração do conceito de estabelecimento empresarial, tal como fora construído e defendido pela doutrina (art. 1.142 do CC). Outra inovação foi a previsão de normas atinentes aos negócios jurídicos envolvendo o estabelecimento (arts. 1.143 a 1.146 do CC). 11 O novo regime do trespasse trouxe inovações ao antigo entendimento doutrinário já consolidado: determinou a responsabilidade solidária do adquirente pelas dívidas do alienante, além de condicionar a eficácia do negócio ao consentimento ou pagamento de todos os credores. A inovação não passou despercebida pelo mercado, ainda mais em tempos de grande evolução econômica no país, em que efetivamente são concretizadas diversas operações de compra e venda de empresas. Entretanto, no que diz respeito a sucessão, ainda existem questões que, mesmo diante de sua regulação legal, encontram-se confusas e sem a solução apropriada, como por exemplo o caso do credor que não tinha seu crédito contabilizado pelo devedor. Como o direito comercial poderá corrigir estas externalidades e qual será impacto neste mercado em ascensão, são algumas das questões debatidas ao longo do presente trabalho. No ambiente falimentar a inovação se deu no sentido inverso. A LRF criou mecanismos jurídicos para conservar o estabelecimento empresarial e a atividade econômica em funcionamento do empresário em crise ou falido. Dentre estas medidas, pode-se citar o instituto jurídico da recuperação judicial, os mecanismos de alienação dos bens do empresário, visando a conservação do estabelecimento empresarial e a manutenção da empresa, e a expressa previsão de ausência de sucessão do adquirente do estabelecimento empresa. Ademais, a ausência de sucessão nas obrigações também foi extendida às dívidas trabalhistas, decorrentes de acidente de trabalho e tributárias, independentemente das normas previstas no CTN2 e na CLT. Em princípio, os vários mecanismos previstos na LRF têm por base os objetivos oriundos da eficiência econômica do procedimento falimentar, bastante discutidos e defendidos pela doutrina norte-americana, os quais visam, basicamente, a maximização dos valor do patrimônio do empresário, a otimização da distribuição deste valor entre os credores e, com isto, auxiliar no fomento do mercado de crédito e estimular o 2 O CTN teve suas disposições alteradas após o advento da LRF, principalmente o art. 133, que foi modificado em vistas ao atendimento dos princípios instituídos pela lei falimentar de 2005. 12 investimento em atividades econômicas. Como será exposto adiante, esta visão é de grande valia para a consolidação do mercado de compra e venda de empresas. Diante destas inovações, percebe-se que o legislador brasileiro instituiu dois regimes jurídicos distintos de sucessão empresarial nos negócios de trespasse: a) o geral, que é aquele estabelecido pelo CC e é aplicável nas situações do cotidiano dos empresários; e b) o especial, estabelecido pela LRF e que incide apenas nos casos em que o empresário está passando por dificuldades econômico-financeiras, culminando num procedimento de recuperação judicial ou falência. O presente trabalho tem como escopo estudar a sucessão empresarial nos casos de alienação do estabelecimento empresarial, tanto no âmbito do CC quanto no âmbito falimentar (LRF). Para tanto, será primeiramente situado o tema em seu contexto econômico e depois delimitado seu escopo no ambiente jurídico, com a análise dos negócios jurídicos que ocorrem na prática do mercado. Posteriormente, será debatida a questão sucessão nas operações de compra e venda de estabelecimento empresarial sob o regime geral da sucessão (regime do CC). A partir daí, apresentar-se-á como se dão estas operações no regime especial estabelecido pela LRF. Por fim, o trabalho será concluído realizando uma análise a respeito dos pontos positivos e negativos dos regimes jurídicos existentes, principalmente em razão das suas consequências no mercado, apontando a necessidade de mudanças, seja por parte do legislador, seja por parte dos operadores do direito, quando da interpretação e aplicação de tais normas. 13 2. PRESSUPOSTOS DO TRABALHO Para analisar e debater um instituto jurídico pertencente ao âmbito do direito comercial, como é o caso da sucessão empresarial, deve-se necessariamente contextualizá-lo com o ambiente econômico no qual está inserido, para uma melhor reflexão e compreensão da matéria. Fábio Nusdeo já discorreu sobre a íntima relação entre direito e economia, salientado que: “Por outro lado, a etimologia: oikos + nomos – expressões gregas, a primeira tem o significado de casa e a segunda de norma ou normatização - põe em realce um dado essencial da realidade econômica, nem sempre devidamente lembrado ou trabalhado. É o da íntima relação entre Direito e Economia. Mais do que íntima relação, trata-se, na verdade, de uma profunda imbricação, pois os fatos econômicos são o que são e se apresentam de uma dada maneira em função direta de como se dá a organização ou normatização – nomos – a presidir a atividade desenvolvida na oikos ou num dado espaço físico ao qual ela possa assimilar. E o nomos nada mais vem a ser do que normas ou regras, estas objetos da ciência do Direito.” 3 Desta forma, não seria de grande valia esta monografia caso, simplesmente, fosse exposto o que se entende por sucessão empresarial e se realizasse uma descrição das regras jurídicas que regulam o instituto, sem a devida análise crítica que demanda um trabalho de mestrado. Por isto, com base nesta perspectiva, este capítulo tem como objetivo situar a sucessão empresarial no contexto econômico e delimitar o escopo do trabalho. 2.1. SITUAÇÃO DO TEMA NO CONTEXTO ECONÔMICO 3 a NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 5 Ed. – São Paulo: RT, 2008, p. 29. 14 O Brasil vive hoje uma grande evolução econômica. O Goldman Sachs, em um estudo publicado em 2001 (o Building Better Global Economics BRICs4), já havia previsto que o país teria fundamental participação na economia mundial. O país atualmente, em conjunto com os outros considerados emergentes (aqueles quem formam o famoso BRICs), é um destino certo na rota dos investidores internacionais5. E qual foi o reflexo destes acontecimentos? A entrada do investidor estrangeiro trouxe novos competidores ao mercado, contribuindo, e muito, para o aumento das operações realizadas no âmbito do mercado de capitais nacional e na consolidação de 4 O’NEILL, Jim. Building Better Global Economics BRICs. In Global Economics Paper No: 66, Goldman Sachs: 2001. Disponível em: <http://www2.goldmansachs.com/our-thinking/brics/brics-reports-pdfs/buildbetter-brics.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2011. A previsão foi correta. Veja a breve análise feita pela importante revista de economia mundial The Economist, de novembro de 2009, na qual aponta que o Brasil decolou (Brazil Takes Off, em seu título original). Parte da reportagem está disponível em: <http://www.economist.com/node/14845197>. Acesso em: 12 jan. 2011. 5 Em matéria publicada no jornal Valor Econômico, de 08.11.11, foi divulgado que o Brasil recebeu em investimento estrangeiro direto (IED) no ano de 2011 um valor aproximado de R$60 bilhões, o que representa cerca de 5,4% da fatia mundial deste tipo de investimento. O Investimento Estrangeiro Direto (IED) ou Foreign Direct Investment (FDI) é: “(...) uma categoria de investimento que reflete o objetivo de de uma companhia domiciliada em uma economia (investidor direto) estabelecer um interesse duradouro em outra companhia (companhia diretamente investida), que é domiciliada em uma economia diferente daquela do investidor direto. O interesse duradouro implica na existência de uma relação a longo prazo entre o investidor direto e a companhia diretamente investida, bem como um grau significante de influência na administração da companhia. O domínio direto ou indireto de 10% ou mais do poder de voto de uma companhia domiciliada em uma companhia por um investidor residente em outra economia é evidência de tal relacionamento. Alguns estudiosos podem alegar que em alguns casos o domínio de uma porcentagem insignificante, como 10%, de poder de voto não levam ao exercício de qualquer influência significante enquanto, por outro lado, um investidor pode deter menos de 10%, mas possuir uma voz efetiva na administração. Não obstante, a recomendação metodológica não permite numa qualificação do limiar dos 10% e recomenda sua aplicação estrita para garantir consistência estatística entre países.” (OECD - Organization for Economic Co-Operation and Development. Glossary of Foreign Direct Investment Terms and Definitions. p. 7. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/56/1/2487495.pdf>. Acesso em 08 nov. 2011.) – Tradução livre de: “(…) a category of investment that reflects the objective of establishing a lasting interest by a resident enterprise in one economy (direct investor) in an enterprise (direct investment enterprise) that is resident in an economy other than that of the direct investor. The lasting interest implies the existence of a long-term relationship between the direct investor and the direct investment enterprise and a significant degree of influence on the management of the enterprise. The direct or indirect ownership of 10% or more of the voting power of an enterprise resident in one economy by an investor resident in another economy is evidence of such a relationship. Some compilers may argue that in some cases an ownership of as little as 10% of the voting power may not lead to the exercise of any significant influence while on the other hand, an investor may own less than 10% but have an effective voice in the management. Nevertheless, the recommended methodology does not allow any qualification of the 10% threshold and recommends its strict application to ensure statistical consistency across countries.” 15 vez do mercado de compra e venda de empresas6 no país ou, como também é denominado, fusões e aquisições (a expressão mais utilizada seria a do inglês: M&A Mergers and Acquisitions). Em resposta ao crescimento da economia, o meio jurídico nacional tem se esforçado e procurando estudar os novos fatos econômicos, dando sua contribuição ao desenvolvimento do país7. O direito comercial brasileiro vive um novo momento, centrado não apenas na análise dos institutos em sim mesmos, mas sim em sua interação com o mercado, com o ambiente no qual estão inseridos. Paula A. Forgioni, em sua obra sobre a evolução do direito comercial, destacou exatamente isso, afirmando que: “Temos um novo período de evolução do direito comercial, em que se supera a visão estática de empresa para encará-la, também, em sua dinâmica.” 8 Dentre os novos fatos vislumbrados na economia nacional, alguns chamam mais a atenção da literatura jurídica comercial. Recentemente, a dispersão acionaria é um daqueles que vem ganhando grande espaço nas análises e discussões entre os juristas, os agentes do mercado e os órgãos reguladores. Outro, e é sobre este que será dirigida a atenção nesta monografia, diz respeito ao mercado de empresas. O mercado de fusões e aquisições vem evoluindo no país desde o início da década passada e teve um boom em 2007, quando as operações de fusões e aquisições locais atingiram um recorde de transações 9, acompanhando o ritmo do 6 A palavra empresa aqui está figurada em seu sentido funcional, consoante o estudo de ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, n. 104, pp. 109-126, trad. Fábio Konder Comparato, do original Profili dell’impresa, in Rivista del Diritto Commerciale, 1943, v. 41, I. 7 Um exemplo contundente do esforço do meio jurídico para tentar dar suporte ao desenvolvimento econômico do país foi a criação do Novo Mercado da Bovespa, uma solução que, embora contratual, deu uma nova vida ao mercado de capitais brasileiro. (SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. a 3 . ed. Malheiros: São Paulo, 2006, p. 57). 8 FORGIONI, Paula Andrea. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao mercado. São Paulo: RT, 2009, p.100. 9 Segundo a pesquisa realizada pela Pricewaterhouse Coopers. Disponível em: <http://www.pwc.com/br/pt/estudos-pesquisas/assets/mea-fev-2011.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2012. Na pesquisa divulgada, verifica-se que em 2007 o número de transações anunciadas no mercado nacional foi de 722, um recorde, uma vez que a média para o início da década era cerca de 384 operações anunciadas ao ano. 16 mercado externo, demonstrando que o Brasil realmente faz parte da economia global, vivendo uma nova realidade. Após um pequeno enfraquecimento, pelo menos localmente, voltou a ter um ano bastante movimentado em 201010 e bateu novos recordes em 201111. E o que envolve este tipo de mercado? E, mais importante, qual a sua relação com o estudo da sucessão empresarial? As transações comerciais geralmente envolve a transferência de ativos. No caso das fusões e aquisições não é diferente. Os empresários não estão parados, muito pelo contrário, eles estão em movimento constante. Eles vão ao mercado diariamente buscar os elementos necessários que os possibilitem competir com os outros agentes, seja procurando a consolidação de sua posição, seja para encontrar um novo espaço de atuação. Celebram diversos tipos de negócios, como, por exemplo, compram novos equipamentos, imóveis, utilizam-se dos direitos intelectuais, admitem trabalhadores para formar um complexo industrial, atuar em um mercado ou, muitas das vezes, simplesmente vendem uma unidade de negócio, deixam de atuar em determinado feixe de mercado, entre outros. Entre estes estão aqueles que importam na mudança de sua estrutura, consistentes na compra ou venda de estabelecimentos, na aquisição do controle de outras companhias, realização de operações com valores mobiliários, reestruturação financeiras, operacionais, entre outros. Todas estas transações fazem parte, ainda que indiretamente, deste tipo de mercado12. 10 Idem. Em 2010, segundo a PwC, o número de operações anunciadas no mercado de M&A foi de 792, quebrando a marca atingida em 2007, antes da crise financeira mundial. 11 Idem. Internacionalmente a expectativa também é a mesma. As fontes especializadas apontaram que o ritmo das transações M&A já atingiram os níveis de 2008, pré-crise. Ver a matéria publicada pela Thomson Reuters em: <http://thomsonreuters.com/content/news_ideas/articles/financial/379492>. Acesso em: 13 fev. 2012. A KPMG divulgou estudo apontando novo recorde destes tipos de transações em 2011, onde o total nacional foi de 815 operações. Disponível em: <http://www.kpmg.com/BR/PT/Estudos_Analises/artigosepublicacoes/Paginas/Release-FusoesAquisicoes-2011.aspx >. Acesso em: 13 fev. 2012. 12 EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL, Daniel R. The Economic Structure of Corporate Law. Cambridge: Harvard University Press, 1996, p. 109 17 Dentre estas operações, verifica-se que algumas delas envolvem a aquisição, por um empresário, de uma empresa em funcionamento. Trazendo estas situações para o mundo jurídico, tais negócios poderão consistir em alguns já previstos pelo legislador brasileiro: a compra e venda de estabelecimento empresarial e a realização de algum tipo de operação societária: fusão, incorporação ou cisão. A realização de uma atividade econômica importa na existência de diversas relações jurídicas em que seu titular necessariamente participa. Desta forma, o comum é que o empresário participe de vários tipos contratuais, firmados com fornecedores, trabalhadores, investidores, consumidores, entre outros. Por conseguinte, um empresário ao adquirir um estabelecimento empresarial já em operação ou ao realizar uma operação societária irá se deparar com a seguinte situação: a existência de um complexo de relações jurídicas que diretamente têm por objeto o estabelecimento empresarial (os bens que formam este complexo) que deseja adquirir ou que compõe o patrimônio do empresário com o qual realizará uma das operações societárias13. Como será resolvida a questão destas relações jurídicas? Elas deixarão de existir ou continuarão existindo? Assumirá a titularidade de todos bens que compõem o estabelecimento empresarial, inclusive aqueles objetos de situações jurídicas existentes? Substituirá o alienante em todas as relações jurídicas em que este ocupa determinada posição jurídica? E finalmente, terá de arcar com o passivo do empresário que titulariza o estabelecimento ou com o passivo daquele com o qual deseja realizar uma fusão, incorporação ou cisão? Todas estas questões encontram resposta no estudo do instituto jurídico da sucessão empresarial. Ele tem impacto direto nas fusões e aquisições e, assim sendo, quando da elaboração, interpretação e aplicação de suas normas jurídicas, o legislador e o operador do direito devem estar atentos às consequências econômicas do referido instituto. Mais uma vez é válido trazer as lições de Fábio Nusdeo, que ao se referir à conexão entre a ciência do direito e a econômica, assevera: 13 Mais adiante neste trabalho verificar-se-á que as transações comerciais envolvendo o estabelecimento empresarial têm por objeto apenas o complexo de bens que o forma, ao contrário das operações societárias que possuem como objeto o patrimônio das companhias. 18 “Que os fatos econômicos dependem diretamente das instituições, ou seja, dos conjuntos de normas que os regem, parece indisputável. (...) A recíproca também é verdadeira: a pressão dos fatos econômicos e dos interesses a eles ligados tenderá a moldar a legislação ou a forma de sua aplicação a fim de torná-la conveniente a tais interesses, o que não implica, necessariamente, a ilegitimidade dos mesmos.” 14 Desta forma, ao longo do trabalho procurar-se-á explanar o instituto jurídico da sucessão empresarial, analisar as normas jurídicas referentes ao assunto, sua valoração em face do ambiente econômico que estão inseridas, principalmente no que tange a proporcionar uma maior segurança jurídica e reduzir os custos de transação em negócios jurídicos que sofram a influência do instituto, não só atendendo o interesse das partes diretamente envolvidas, mas dos interesses metaindividuais que gravitam em torno do negócio. 2.2. NEGÓCIOS JURÍDICOS ENVOLVENDO A TRANSFERÊNCIAS DE ATIVOS EMPRESARIAIS No Brasil, as operações envolvendo transferências de ativos empresariais são realizadas sob algumas formas jurídicas. A seguir está uma breve explanação a respeito de cada um deles, para, posteriormente, delimitarmos quais as formas que interessam ao presente trabalho. É possível realizar a operação sob uma simples compra e venda de ativos, onde o bem ou os bens vendidos (como, por exemplo, uma máquina industrial ou alguns veículos da frota) ao comprador não são suficientes para a caracterização de um complexo de bens tido como um estabelecimento empresarial, na dicção do art. 1.142 do CC, situação esta em que o vendedor continuará a explorar sua empresa, aqui em seu sentido jurídico. Neste caso, não há grandes preocupações quanto a possível 14 NUSDEO, Fábio. Op. Cit., p. 30. 19 insolvência do vendedor15 ou impacto no mercado, o que, por conseguinte, não desperta grandes interesses econômicos ou legais, escapando do tema desta monografia. O objetivo deste trabalho é estudar casos em que há troca de titularidade de um complexo de bens que formam o estabelecimento empresarial, tendo em vista suas consequências econômicas e legais em face dos diversos interesses que gravitam em torno da atividade econômica exercida pelo empresário. São os seguintes negócios jurídicos: alienação do estabelecimento empresarial e o trespasse durante um procedimento falimentar ou recuperacional. O primeiro negócio jurídico que será analisado é a aquisição de ativo empresarial considerado como um estabelecimento comercial, mais conhecido no meio jurídico nacional como trespasse. O legislador brasileiro regulou o assunto no CC, em seus artigos 1.142 e seguintes. Ele pode variar, constituindo, por exemplo, a venda de apenas uma das várias fábricas que uma companhia possui ou, mais complexa, envolvendo a venda de todos os seus ativos. Em ambos os casos, a sucessão empresarial ex lege estará presente. O artigo 1.146 do CC expressamente determina que o adquirente do estabelecimento responde solidariamente com o alienante pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados. Como este regime é aplicável a todas as operações de venda de estabelecimento, com exceção daquelas realizadas no âmbito falimentar, a hipótese será considerada como o regime geral da sucessão empresarial. Outro negócio é a transferência de unidades produtivas isoladas em casos de falência e recuperação de empresas. Em sua essência ele também é um trespasse. Mas o ato jurídico ocorre em razão de um procedimento de recuperação judicial ou falimentar e, por esta razão, está sujeito às normas jurídicas falimentares e não àquelas do CC, por isso trata-se do regime especial da sucessão empresarial. A LRF importou 15 Ressalvam-se aqui os casos de alienação fraudulenta de bens, nas quais são realizadas vendas de ativos com o intuito de fraudar os credores, situações estas em que a venda poderá ser desfeita segundo os ditames legais. 20 conceitos e lições do direito estrangeiro, principalmente o norte-americano, 16 incorporando as metas que uma legislação falimentar deve possuir : estabelecer um sistema no qual a insegurança jurídica e as incertezas econômico-financeiras sejam reduzidas, promovendo a eficiência e garantindo o tratamento justo e equitativo entre os interessados sobre o empresário insolvente. A alienação do estabelecimento empresarial sob o regime da LRF, segundo os ditames das normas jurídicas extraídas dos artigos 60, parágrafo único e 141, §1o., não importará em sucessão nas obrigações do devedor. Diferentemente do caso do parágrafo anterior, a sucessão empresarial estará expressamente excluída. Em princípio, tal norma jurídica pode soar como um sério problema aos credores do empresário insolvente. Contudo, a intenção do legislador foi justamente o contrário, procurou ele dar uma maior proteção aos credores. Fábio Ulhoa Coelho destacou essa importante inovação da legislação brasileira, salientando que: “A terceira alteração – esta, de suma importância – diz respeito à explicitação da inexistência de sucessão na hipótese de venda judicial da empresa do falido ou de suas unidades produtivas autônomas (LF, art. 141, II). Essa é a mudança que talvez desperte, de início, maior estranheza entre os profissionais da área. Não estamos acostumados com a ideia de separar a empresa em parte boa e ruim. O objetivo da separação é vender a parte boa para outro empresário, que tenha condições de fazê-la prosperar, e destinar ao pagamento dos credores o resultado dessa venda e da parte ruim. Parece injusto a muitos advogados de credores que o adquirente da empresa falida não assuma as obrigações do antigo titular. Parece-lhes que a negativa de sucessão seria regra prejudicial aos credores. Não é assim, contudo. A negativa de sucessão na venda judicial da empresa do falido é norma de proteção aos credores deste. (...) A separação da empresa falida em boa e ruim, garante a sobrevivência da unidade produtiva e o levantamento de mais recursos para o pagamento dos credores. Não significa que todos receberão integralmente seus créditos. A falência do devedor continua sendo um fator de prejuízo para os credores. Isso a lei nova não muda e não tem 16 A doutrina norte-americana já está bem desenvolvida quanto a uma forma de idealizar e aplicar o direito falimentar, merecendo, portanto, especial destaque e atenção às suas colocações e sugestões, pois estas possibilitarão a abordagem do sistema falimentar brasileiro em consonância aos ideais que o procedimento falimentar deve possuir. 21 mesmo como mudar. É fato da vida. O que ela procura alcançar, com a 17 mudança aqui apontada, é minorar o prejuízo dos credores.” Existem, ainda, as operações societárias, largamente utilizadas para realização de vários tipos de operações no âmbito das fusões e aquisições. Elas também importam na sucessão, entretanto, é de tipo distinto daquela incidente sobre os casos de alienação do estabelecimento comercial 18 . Todavia, não fazem parte do escopo proposto deste estudo. 2.3. O MERCADO DE EMPRESAS E O TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL No item 1.1. supra, o tema deste trabalho foi situado dentro do seu contexto econômico e, no item 1.2., foram elucidados os negócios jurídicos em que o instituto jurídico da sucessão empresarial ocorre dentro do escopo proposto. E, agora, é válido contextualizar os negócios jurídicos típicos submetidos aos regimes jurídicos geral e especial da sucessão com a prática negocial no mercado de empresas. Em uma primeira observação, principalmente pelo uso do linguajar jurídico nacional, como, por exemplo, o emprego do termo “trespasse” e da expressão “alienação de unidade isolada produtiva”, parece que os negócios jurídicos supramencionados não são utilizados com muita frequência pelos empresários em nosso país, não tendo qualquer relação direta com o mercado. Entretanto, a realidade é outra. Abre-se um parêntesis para relatar a prática dos agentes deste tipo de mercado, sejam advogados, contadores, auditores, empreendedores, gestores etc., não só no Brasil, mas internacionalmente falando, é a utilização de expressões em inglês (EUA) 17 COELHO, Fábio Ulhoa. Falências: Principais Alterações. Revista do Advogado, AASP, 83, setembro de 2005. 18 COMPARATO, Fábio Konder. Sucessão Empresarial. Revista dos Tribunais, v 747. São Paulo: RT, 1998, p. 793. 22 para representar os diversos tipos de negócios entabulados, muitos dos quais são importados da prática do direito norte-americano e, talvez por isso, mantida sua expressão em inglês. O uso do idioma original também é útil para evitar imperfeições quando da sua tradução, sendo, portanto, mais conveniente o emprego da expressão estrangeira. Deixando a questão do uso do idioma inglês de lado e voltando à prática brasileira, uma grande parte das operações que envolvem a transferência de ativos empresariais no país utiliza-se dos mecanismos jurídicos do trespasse e, desde 2005, das disposições e institutos da LRF, embora representados por outras palavras e expressões. As operações denominadas restructuring, ou em português reorganização/reestruturação, é um bom exemplo. Ela é utilizada para representar vários tipos de transações pelos empresários, desde uma restruturação financeira, operacional e até mesmo passando pela reorganização societária. O alcance da expressão está bem definido em um extenso estudo sobre as reorganizações realizado pelo Banco Mundial, intitulado de Corporate Restructuring: Lessons from Experience (em português: Reestruturação de Empresas: Lições da Experiência, tradução própria) publicado em 2005, que define a palavra restructuring como: “Reestruturação refere-se a vários processos relacionados em que são reconhecidos e alocados prejuízos financeiros, reestruturando as demandas financeiras de instituições financeiras e companhias e reestruturando as operações das instituições financeiras e companhias. Reconhecimento ou resolução envolve a alocação de prejuízos existentes e associados com a redistribuição de riqueza e controle. Prejuízos – isto é, diferenças entre o valor de mercado dos ativos e o valor das obrigações das instituições financeiras e companhias – podem ser alocados para os acionistas pela diluição, para os depositantes e credores externos pela redução (do valor presente) dos seus créditos, para os empregados e fornecedores pelo pagamento de menores vencimentos e preços, e para o governo – isto é, a sociedade em geral – através de maiores tributos, cortes de gastos ou inflação. Reestruturação financeira para as companhias pode tomar várias formas: renegociação de dívidas (aumento do prazo para pagamento), taxa de juros menores, troca de débito por participações societárias, remissão de dívidas, ligação dos pagamentos dos juros com o faturamento, e assim por diante. As principais intenções da reestruturação financeira são a separação e o tratamento apropriado das 23 empresas viáveis e não viáveis e a criação de corretos incentivos para realização da reestruturação operacional. A reestruturação operacional, um processo contínuo, inclui melhoras na eficiência e administração, redução de funcionários e salários, venda de bens (por exemplo, redução em subsidiárias), intensificar esforços no marketing, e assim por diante, na expectativa de melhores lucros e fluxo de caixa.” 19 Nos dizeres dos autores norte-americanos, o restructuring também pode significar uma reorganização operacional e uma das formas para realizá-la é “(...) a venda de ativos (por exemplo, redução em subsidiárias) (...)”, trazendo para o vocabulário jurídico, alienar parte do patrimônio do empresário, realizar o trespasse de um dos seus estabelecimentos ou de sua unidade isolada produtiva, se a alienação se der no curso de um procedimento falimentar ou de recuperação de empresas. A própria palavra aquisição, consoante utilizada pelos agentes do mercado e por veículos de imprensa, tem mais de um significado, podendo dizer respeito a mais de um tipo de negócio jurídico, distintos entre si. Uma companhia pode adquirir outra, consoante veiculado na mídia, mas tal negócio se deu mediante a realização de uma operação societária denominada de incorporação, que na definição da LSA, em seu artigo 267, tipifica esta operação como aquela “(...) pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”. Outro significado da palavra seria a alienação do estabelecimento empresarial de uma companhia à outra, sob os regimes do CC ou da LRF. 19 Tradução livre de: “Restructuring refers to several related processes recognizing and allocating financial losses, restructuring the financial claims of financial institutions and corporations, and restructuring the operations of financial institutions and corporations. Recognition or resolution involves the allocation of existing losses and associated redistribution of wealth and control. Losses - that is, differences between financial institutions’ and corporations’ market value of assets and nominal values of liabilities - can be allocated to shareholders by dilution, to depositors and external creditors by reduction (of the present value) of their claims, to employees and suppliers by payment of lower wages and prices, and to the government - that is, the public at large - through higher taxes, expenditure cuts, or inflation. Financial restructuring for corporations can take many forms: rescheduling (extension of maturities), lower interest rates, debt-for-equity swaps, debt forgiveness, indexing of interest payments to earnings, and so on. The main aims of financial restructuring are separating and treating appropriately viable and nonviable firms and creating the right incentives for operational restructuring. Operational restructuring, an ongoing process, includes improvements in efficiency and management, reductions in staff and wages, sales of assets (for example, reduction in subsidiaries), enhanced marketing efforts, and so on, with the expectation of higher profitability and cash flow.” POMERLEANO, Michael; SHAW, William. Corporate Restructuring: Lessons from Experience. Washington, USA: The World Bank, 2005, p. 12. 24 As reestruturações muitas vezes não seguem simplesmente algum dos tipos legais previstos, elas buscam alcançar determinados resultados utilizando-se de formas mais complexas, combinando os variados tipos em vista dos interesses em torno da operação. Aspectos jurídicos como a tributação, controle, a sucessão, a parte burocrática para formalizá-lo, principalmente na obtenção de documentos e consentimentos contratuais, são levados em conta para a formatação de cada negócio. O trespasse faz parte dos mecanismos utilizados em uma reestruturação, entretanto, como será visto mais adiante no que tange à sucessão, seus efeitos jurídicos podem se tornar um entrave para sua utilização. Esclarecida, portanto, que a prática negocial do mercado de empresas utiliza-se do trespasse, em suas diversas e criativas operações, bem como que a sucessão empresarial é um tema de grande importância, haja vista que tem influência direta na efetivação ou não das operações, passa-se agora ao estudo propriamente dito do tema proposto. 25 3. DEFINIÇÃO DE SUCESSÃO EMPRESARIAL 3.1. SUCESSÃO NA TEORIA GERAL DO DIREITO PRIVADO 3.1.1. Relação Jurídica: Sujeito, Objeto e Posição Jurídica A relação jurídica constitui, a priori, uma simples relação social entre dois homens. E para sua caracterização dentro do ordenamento jurídico, não basta ser apenas uma relação social entre homens, é necessário algo mais, a incidência da norma jurídica, como bem sintetizou Miguel Reale: “Quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida como sendo relação jurídica. Dois requisitos são, portanto, necessários para que haja uma relação jurídica. Em primeiro lugar, uma relação intersubjetiva, ou seja, um vinculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vinculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem consequências obrigatórias no plano da experiência. O trabalho do jurista ou do juiz consiste propriamente em qualificar juridicamente as relações sociais de conformidade com o modelo normativo que lhes é 20 próprio.” Trata-se de um dos mais importantes conceitos jurídicos da teoria geral do direito privado, constituindo um dos ângulos de apreciação do fenômeno jurídico como um todo. Importa na regulação do comportamento das pessoas no âmbito de sua convivência social, estabelecendo as posições jurídicas ativas e passivas em que elas se estabelecem nas situações que tomam parte. A relação jurídica é um conceito 20 a REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 214. No mesmo a sentido: AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 3 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 155. O doutrinador italiano Giuseppe Lumia, em sua obra Lineamenti di teoria e ideologia del diritto, de 1981, realiza uma análise sobre relação jurídica e direitos subjetivos, esclarecendo com precisão todos os elementos que giram em torno dela, por tal razão, será utilizado como base neste trabalho, principalmente sob a tradução de parte da obra realizada pelo doutrinador brasileiro Alcides Tomasetti Jr., LUMIA, Giuseppe. Lineamenti di teoria e ideologia del diritto. Milano: Giuffré, 1981, 3a. Ed. Tradução, com adaptações e modificações, das p. 102/123 por Alcides Tomasetti Jr., p. 1. Também será utilizada a tradução realizada por Denise Agostinetti, consoante a obra publicada pela Editora Martins Fontes: LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 26 elementar, em que estão fundados diversos outros conceitos jurídicos e complexos de normas estabelecidas, inclusive a sucessão, como será visto adiante. A estrutura básica da relação jurídica é composta dos seguintes elementos: sujeitos entre os quais a relação é instaurada, a posição que cada sujeito ocupa em razão do outro e o objeto em torno do qual a relação é estabelecida 21 . É sobre esta estrutura básica que será realizada uma breve análise deste instituto. A relação jurídica necessariamente estabelece-se entre sujeitos, não sendo possível a ausência destes, consoante explica Orlando Gomes: “(...) A existência de sujeito é logicamente necessária (...) até porque toda relação pressupõe dois termos e, em só havendo um, relação não há.” 22 . Entre os sujeitos estão as pessoas naturais. O ordenamento jurídico outorga esta qualidade ao ser humano. Também são considerados sujeitos as pessoas jurídicas, constituídas por um conjunto de pessoas naturais ou de bens23. 21 Carlos Alberto da Mota Pinto ainda cita outros dois outros elementos que fazem parte da estrutura da relação jurídica: “Toda relação jurídica existe entre sujeitos; incidirá normalmente sobre um objecto; promana de um facto jurídico ; a sua efectivação pode fazer-se mediante recurso a providências coercitivas, adequadas a proporcionarem a satisfação correspondente ao sujeito activo da relação, isto é, a relação jurídica está dotada de garantia. Sujeitos, objecto, facto jurídico e garantia são os quatro a elementos da relação jurídica.” PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 3 . Ed. a 12 . Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 168. 22 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 103. Em que pese sustentar a existência da relação jurídica entre somente mais de um sujeito, Orlando Gomes entende possível a existência de uma relação jurídica sem a inexistência de um outro sujeito, pois afirma que: “Quando o vínculo não se trava em termos de poder-dever, a relação jurídica não se forma com os mesmos elementos que estruturam as de natureza pessoal. Não há sujeito passivo e, portanto, sujeição propriamente dita, que só se verifica quando alguém tem de agir no interesse de outrem. Nos chamados direitos reais, a relação jurídica não emerge de uma relação humana, de um vinculo entre pessoas, mas, se apresenta como sujeição de uma coisa à vontade de uma pessoa. Trata-se, com efeito, de outro tipo de relação jurídica, na qual não há cogitar de sujeito passivo, justo porque não configura vinculo social entre homens. Nos direitos personalíssimos, também não se apresentam os termos subjetivos da relação jurídica de natureza pessoal. É por isso que entram na esfera dos poderes conferidos pelo ordenamento jurídico, que não têm como pressupostos relação social propriamente dita.” (GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 99). Em sentido contrário, Miguel Reale afirma que: “O que não se pode admitir é que a relação jurídica se estabeleça entre uma pessoa e uma coisa: só pessoas podem ser sujeitos de uma relação jurídica, e sem duas ou mais pessoas ela não se constitui.” (REALE, Miguel. Op. Cit., p. 220). 23 Ver OLIVEIRA, José Lamartine Côrrea de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. 27 Por sujeito de direito deve-se entender a pessoa que participa de uma relação jurídica. São sujeitos de direito aqueles entre os quais é possível a formação e constituição de uma relação jurídica. Esta qualidade de um sujeito é nomeada de personalidade jurídica. Em torno do sujeito e da personalidade, outros importantes conceitos estão presentes: capacidade jurídica, capacidade de agir, titularidade e legitimidade. Giuseppe Lumia explana seus conceitos e conexões da seguinte forma: “(...) a capacidade jurídica consiste na possibilidade abstrata de ser titular de posições jurídicas ativas e posições jurídicas passivas. A titularidade designa a pertinência de uma posição jurídica a um sujeito determinado ou determinável. Igualmente, a expressão ‘capacidade de agir’ refere a capacidade abstrata de exercício das posições jurídicas subjetivas, enquanto a legitimidade é o poder de exercitar uma determinada posição jurídica, que compete, concretamente, à pessoa que figura como o respectivo titular. Poderia dizer-se que a capacidade jurídica e a capacidade de agir estejam, correspondentemente à 24 titularidade e à legitimidade, como a potência está para o ato.” Um sujeito, ao participar de uma relação jurídica, pode ocupar posições jurídicas ativas ou passivas (capacidade jurídica, no campo abstrato, e titularidade, no caso em concreto), as quais pode vir a exercitar (capacidade de agir, no campo abstrato, e legitimidade, no caso em concreto), a partir daí indaga-se: o que vem a ser posição jurídica que o sujeito ocupa dentro de uma relação jurídica? Torquato Castro relata que a posição jurídica de cada sujeito é responsável por introduzir “(...) na situação - isto é, na relação jurídica - a relação normo-dispositiva entre sujeito e objeto.” 25 Importa, 24 LUMIA, Giuseppe. Op. Cit., 1981, p. 12. Giuseppe Lumia explica ainda que “(...) Pode, realmente, alguém ser titular de um direito, e, ao mesmo tempo, incapaz de exercitá-lo por si somente. É o caso dos menores e dos interditos, ou seja, de pessoas (naturais) total ou parcialmente incapazes de entender e de querer; são titulares de ‘direitos’ (posições jurídicas subjetivas ativas), mas não se acham em posição de exercitá-los. Aplica-se, nestes casos nos quais é absoluto o impedimento ao exercício, a figura da REPRESENTAÇÃO, por intermédio da qual outros sujeitos, designados (posições jurídicas passivas) próprios aos incapazes de agir, em nome e no interesse destes últimos.” (LUMIA, Giuseppe. Op. Cit., 1981, p. 5). 25 CASTRO, Torquato. Teoria da Situação Jurídica em Direito Privado Nacional: Estrutura, causa e título legitimário do sujeito. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 68. Nesta obra, Torquato Castro aborda a teoria da situação jurídica, em que a relação jurídica é entendida como uma espécie do gênero situação. Nas palavras do doutrinador: “(...) situação jurídica é a situação que de direito se instaura em razão de uma determinada situação de fato, revelada como fato jurídico, e que se traduz na disposição normativa de sujeitos concretos posicionados perante certo objeto; isto é, posicionados em certa medida de participação de uma res, que se define como seu objeto.” Para caracterizar a situação jurídica tida como relação jurídica, é necessário o aparecimento de um novo elemento, a relação entre dois sujeitos qualificados pela norma e atribuídos em posições jurídicas distintas em relação ao objeto de um situação 28 então, no “(...) termo que congrega em síntese todas as relações possíveis que cabem a um sujeito, dentro da unidade normo-dispositiva impressa pela norma a cada situação jurídica.” 26 A posição jurídica é o local, determinado pela norma jurídica, em que o sujeito encontra-se dentro da relação, em razão do objeto e em face do outro ou outros sujeitos da relação. Existem dois tipos de posições jurídicas elementares: a posição jurídica ativa e a posição jurídica passiva. A primeira é aquela posição em que o sujeito está na possibilidade de impor comportamentos ao outro sujeito, enquanto a segunda é aquela em que o sujeito tem a necessidade de se comportar de determinada maneira. Em razão dos tipos expostos no parágrafo anterior, Giuseppe Lumia elaborou um quadro relacionando todas as posições jurídicas elementares existentes dentro da relação jurídica. Para montá-lo, o jurista italiano partiu do conceito de normas de comportamento ou primárias (aquelas que possuem como objeto uma conduta) e de normas de competência ou secundárias (aquelas que possuem como objeto outras normas) 27. Em síntese, quanto às normas comportamentais, as posições jurídicas surgem a partir do momento em que uma conduta é imposta para um sujeito em razão do interesse de outro, aquele tem um dever de comportamento em face do último, o qual, de seu lado, possui uma pretensão relativa ao primeiro. Mediante uma operação de negação das posições apresentadas, obtêm-se outras duas posições, pois se um sujeito não pode impor a outro sujeito um determinado comportamento, isto significa que este último sujeito tem a faculdade de agir ou não de acordo com a vontade do primeiro, sujeito este que, portanto, não detém uma pretensão em relação ao outro. jurídica. Trata-se, portanto, de um tipo de situação jurídica em que existe um elemento a mais, a relação entre os sujeitos da situação. CASTRO, Torquato. Op. Cit., p. 75/77. 26 Ibidem, p. 97. 27 LUMIA, Giuseppe. Op. Cit., 2003, p. 105/108. LUMIA, Giuseppe. Op. Cit., 1981, p. 7/9. 29 Já no que diz respeito às normas secundárias, derivam destas as posições jurídicas que surgem da situação em que a vontade de um sujeito é vinculante para o outro, criando, modificando, transferindo ou extinguindo situações jurídicas em que está posicionado, afirma-se que o último está numa posição de sujeição em relação ao primeiro, o qual, por sua vez, estará em uma posição de poder formativo quanto àquele. Realizando-se a mesma operação de negação efetuada anteriormente, são verificadas outras duas posições, já que se o sujeito não possui poder formativo para criar, modificar, transferir ou extinguir situações jurídicas em que se encontra o outro, significa dizer que este ocupa uma posição de imunidade em relação àquele primeiro, que, por conseguinte, está numa posição de falta de poder em relação ao outro. O doutrinador italiano ainda sustenta que é possível um sujeito acumular mais de uma das posições jurídicas elementares mencionadas, dando forma ao que ele chama de posições jurídicas complexas. Fazem parte deste campo os chamados direitos subjetivos, que, na visão do autor, estão desta forma relacionados com as posições jurídicas: “A figura jurídica do Direito (em sentido) Subjetivo responde substancialmente a uma exigência de economia mental; não é mas do que uma fórmula abreviada - estenografia, por assim dizer - por intermédio da qual designa-se uma constelação de posições jurídicas subjetivas ativas elementares que se apresentam conjuntamente, sob uma mesma situação de titularidade, no comum das vezes. O direito subjetivo se identifica com a totalidade das posições jurídicas elementares que o constituem, e nelas se resolve sem nenhum resíduo.” 28 Por direito subjetivo entende-se “(...) o poder que a ordem jurídica confere a alguém de agir e de exigir de outrem determinado comportamento.” 29 O conceito é de vital importância na própria estrutura e definição da relação jurídica, Carlos Alberto da Mota Pinto afirma que: “Ao definirmos a relação jurídica, consideramo-la integrada por um direito subjetivo e por um dever jurídico ou por uma sujeição. São eles que 28 LUMIA, Giuseppe. Op. Cit., 1981, p. 10. 29 AMARAL, Francisco. Op. Cit., p. 183. 30 constituem a estrutura interna, o conteúdo da relação jurídica.” 30 Pontes de Miranda procurou solucionar as dúvidas existentes em torno da expressão, afirmando que: “Rigorosamente, o direito subjetivo foi abstração, a que sutilmente se chegou, após o exame da eficácia dos fatos jurídicos criadores do direito. A regra jurídica é objetiva e incide nos fatos; o suporte fáctico torna-se fato jurídico. O que, para alguém, determinadamente, dessa ocorrência emana, de vantajoso, é direito, já aqui subjetivo, porque se observa do lado dêsse alguém, que é o titular dele. A princípio os juristas trabalhavam com os conceitos, sem os precisar, e quase lhes bastava aludirem a estados: ‘tem direito’, ‘teve direito’, ‘terá direito’, ‘cessou o seu direito’. A despeito da sua extraordinária finura, os juristas romanos não desceram ao fundo dos problemas. Na linguagem comum, ‘direito’ tem sentidos múltiplos, dando ensejo, por vêzes, a equívocos. Não raro, tratando-se de dever moral, ouvimos que ‘A não tem direito de fazer isso’; ou, a respeito de alguém que deseja vender seus bens, que tem ‘direito de dispor do que é seu’. As leis mesmas cometem êsses erros, turbando a precisão técnica. Para o jurista, direito tem sentido estrito: é a vantagem que veio a alguém, com a incidência da regra jurídica em algum suporte fáctico. Na distribuição dos bens da vida, que é tôda feita pelas regras jurídicas, se excluímos a arbitrariedade, - cada posição de titular de vantagem, que se confere a alguém, é direito. Antes de cada direito, estêve, pois, a ordem jurídica, a lex, a regra: o mesmo étimo deu rex, rei, rego, regere, regula; o outro, 31 leg-, deu lego, legere, legio e lex. Regra, rei; ler, legião, lei.” Ele normalmente é classificado segundo os bens que visa proteger, dividindo-se em direitos e personalidade, de família e patrimoniais. Também é classificado em relação à sua eficácia, levando-se em consideração a possibilidade de poderem ser exercidos em face de todos os outros sujeitos, tidos como absolutos (como, por exemplo, os direitos de personalidade), sendo oponíveis somente em relação a alguns, denominados de relativos (o melhor exemplo aqui são os direitos de crédito). Diretamente relacionado com o direito subjetivo está o objeto da relação jurídica. Constitui-se no termo de referência exterior da relação jurídica, é o elemento em razão do qual os sujeitos são qualificados e posicionados pela norma jurídica. 30 31 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit, p. 168. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo V. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1955, p. 225/226. 31 Os poderes vinculados à posição jurídica ativa são, na grande maioria das vezes, realizados sobre um quid, isto é, todos os bens nos quais os poderes e faculdades atinentes ao direito subjetivo podem incidir.32 Mas não somente bens, conforme Giuseppe Lumia elucida: “(...) Tal objeto é constituído pelas vantagens (patrimoniais e não patrimoniais) que são o ponto de incidências dos interesses dos sujeitos da relação: tais vantagens podem consistir em bens ou serviços (prestações).”33 Podem ser objetos da relação jurídica todos os tipos de bens, serviços, prestações humanas, direitos e até mesmo a própria pessoa (quando se fala em direitos de personalidade).34 Deve-se atentar que ao se falar em conteúdo da relação jurídica, não se está tratando do seu objeto, mas sim de todos os poderes titularizados por um sujeito na posição jurídica ativa da relação e todos os deveres titularizados pelo sujeito ocupante da posição jurídica passiva na relação jurídica. Oscar Barreto Filho assinala a respeito do tema: “A doutrina estabelece a distinção entre ‘objeto’ e ‘conteúdo’ da relação jurídica. Objeto de direito é o interêsse, ou seja, aquilo que, em virtude do direito, podemos obter. Compreende-se, portanto, como direitos vários podem ter o mesmo objeto e conteúdos diferentes; assim, por exemplo, sôbre a mesma coisa, várias pessoas podem ser titulares, 32 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit., p. 330. 33 LUMIA, Giuseppe. Op. Cit., 2003, p. 116. 34 GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 103. AMARAL, Francisco. Op. Cit., p. 300. O autor destaca os conceitos clássico e moderno de objeto da relação jurídica: “A idéia clássica de objeto dos direitos identifica-o com as coisas materiais, segundo a concepção materialista dos juristas romanos que contrapunham o direito das pessoas ao direito das coisas. A concepção mais moderna considera como objeto da relação jurídica o comportamento, a atividade, a ação ou omissão dos sujeitos. Neste caso, objeto imediato da relação jurídica seria o comportamento do sujeito passivo, consistente em uma ação ou omissão, e objeto mediato, as coisas sobre que incide tal comportamento. A maioria dos juristas prefere, todavia, reservar o conceito clássico de objeto para os direitos reais e o conceito moderno para o direito das obrigações. Desse modo, objeto dos direitos reais seriam as coisas que se exercem, de modo direito e imediato, os poderes contidos na relação, e objeto das obrigações seriam as ações ou omissões do sujeito devedor.” AMARAL, Francisco. Op. Cit., p. 300. REALE, Miguel. Op. Cit., p. 220. 32 simultâneamente, de direitos de propriedade, de usufruto e de 35 servidão.” 3.1.2. Bens, Patrimônio e Noções de Ativo e Passivo Os bens podem ser objeto da relação jurídica, entretanto, deve-se esclarecer qual o exato sentido jurídico deste conceito. Entende-se por bem tudo aquilo que é passível de apropriação e dotado de valor econômico. Oscar Barreto Filho conceitua bens como: “Sob o ângulo jurídico, bens são valores materiais ou imateriais, que podem ser objeto de uma relação de direito. Compreendem, no seu significado, coisas corpóreas e incorpóreas, fatos e abstenções humanas (obrigações).” 36 Verifica-se que o CC de 2003 manteve a mesma noção de bem do código de 1916 (Livro II - “Dos Bens” - arts. 79 até 103), trazendo, contudo, uma inovação, estabeleceu como bem a energia com valor econômico (art. 83, I), que já era assim classificada pelo doutrina. Portanto, o legislador de 2003 nada mais fez do que privilegiar o conceito de bens amplamente utilizado e exposto pela doutrina majoritária. A teoria do direito privado utiliza-se da classificação dos bens para facilitar a aplicação das normas jurídicas, sendo que cada categoria de bem tem o seu regime próprio. Tradicionalmente, os bens são classificados da seguinte forma: a) quanto à sua natureza (que podem ser divididos em: corpóreos e incorpóreos, móveis e imóveis, fungíveis e infungíveis, consumíveis e inconsumíveis, divisíveis e indivisíveis, singulares e coletivos); b) quanto ao interesse relacionado ao sujeito da relação jurídica (públicos e privados); c) quanto aos outros bens (principais e acessórios); e d) quanto à sua 35 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. São Paulo: Max Limonad, 1969, p. 32. Neste mesmo sentido Carlos Alberto da Mota Pinto destaca: “Facilmente se distinguem, assim, as noções de objecto de u direito e de conteúdo do mesmo direito. O objecto é aquilo sobre que recaem os poderes do titular do direito. O conteúdo é o conjunto dos poderes ou faculdades que o direito subjetivo comporta.” PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit., p. 330. 36 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 33. Neste sentido: BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil Comentado. V. 1. 11a. Ed. Atualizada por Achilles Bevilaqua e Isaias Bevilaqua. Rio de Janeiro: Forense, 1956; MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo II. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1955, p. 9. 33 comercialização 37. A noção de bem e suas classificações interessam para determinar o que compõe o estabelecimento empresarial, conceito este que será exposto no próximo capítulo. O patrimônio por sua vez pode ser entendido como uma universalidade de direito (conceito presente no artigo 91 do CC) e, assim, definido como o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico e pertencentes a uma pessoa, porém, distinto destas 38 . A definição econômica também é importante para o direito, em que ele é caracterizado como o ativo, reduzindo-se o passivo, se existente39. Por ativo deve ser entendido o conjunto de direitos que compõe o patrimônio (apenas direitos patrimoniais, contudo as expectativas de direito dotadas de valor econômico e aquelas situações nas quais há lesão em direitos personalíssimos, pois geram direito à indenização e, desta forma, passíveis de ser apreciadas economicamente, também podem fazer parte), já o passivo é definido como o conjunto de obrigações, como assim leciona Pontes de Miranda: “Ao conceito de conjunto de direitos, pretensões, ações e exceções, que enchem o patrimônio, e se diz ativo, opõe-se o conceito de passivo, que é o conjunto de deveres, obrigações e situações passivas das ações e exceções, patrimoniais. O passivo apenas diminui (=ameaça diminuir) o patrimônio, ou êsse se diminui pela prestação que o titular faz com algum ou alguns de seus elementos, ou pela execução forçada, a 40 começar pela penhora.” . 37 AMARAL, Francisco. Op. Cit., p. 304. 38 COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., p. 793. 39 O direito pode se valer deste conceito, principalmente quando está tratando de normas jurídicas atinentes à proteção dos credores, em que o ativo patrimonial livre é aquele que realmente interesse na garantia destes. Neste sentido: MIRANDA, Pontes de. Op. Cit. Tomo V, 1955, p.372; e BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 48 e 51. Sylvio Marcondes escreve que: “Na unicidade das relações ativas e passivas do titular do patrimônio é que se encontra, precisamente, o princípio fundamental de toda organização do crédito, de vez que, por efeito dela, o devedor responde, por suas obrigações, com todos os seus bens, os quais constituem, assim, a garantia dos credores.” MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 126. 40 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., Tomo V, 1955, p. 377 e 393. 34 Três são as características principais do patrimônio: unidade do conjunto de direitos e obrigações de uma pessoa41, sua natureza econômica e sua vinculação a um sujeito. Entretanto, tais características não impõem quaisquer restrições à possibilidade de uma pessoa possuir mais de um patrimônio além daquele geral, denominado de especial ou separado 42. O patrimônio especial ou separado, destacando-se daquele geral, constitui um conjunto de relações destinadas para fins específicos, afetados por uma norma jurídica, um bom exemplo para este estudo esta no patrimônio da massa falida, que nas palavras de Oscar Barreto Filho: “Trata-se, com efeito, de uma certa massa destacada do patrimônio do devedor, compreensiva de direitos e obrigações, sujeitos à execução coletiva e destinada ao fim da sua liquidação para satisfação dos credores.” 43 Pontes de Miranda cita o exemplo da herança, asseverando que “(..) há os patrimônios separados, tal como a quota herança, que se não ‘funde’, completamente, no patrimônio do herdeiro e fica como trecho de outro colorido no patrimônio do herdeiro e 41 Mauro Brandão Lopes considera a unidade do patrimônio sua principal característica, destaca o doutrinador: “(...) a unidade do patrimônio nessa pertinência total a uma única pessoa se prende a aspecto que lucidamente ressaltam tanto Sylvio Marcondes como Oscar Barreto Filho - o nexo interno segundo o qual o titular responde por todas as suas obrigações com todos os seus bens, a que aqui agora se reduzem direitos. Este nexo estabelece verdadeira unidade do patrimônio, (...); nesse nexo, com inegável acerto, vê Sylvio Marcondes a razão primordial para que se considere o patrimônio como universalidade de direito, ao observar que o vínculo indicado, que é ‘o princípio fundamental de toda a organização de crédito’, ‘infunde ao patrimônio o caráter de universalidade de direito’ (...) Mas o nexo interno da garantia encontra a razão de sua existência no caráter dinâmico inerente a todo patrimônio, mais ou menos acentuado conforme a atividade do titular, de modo que é preciso de início configurar esse cárater dinâmico. (...) Esse caráter do patrimônio, como categoria de direito, marca-o como entidade homogênea, na qual se situam sucessivos negócios jurídicos em função dos quais ele se transforma, com incessante entrada e saída de novos valores ativos e com concomitante criação e desaparecimento de valores passivos; marca-o como entidade homogênea de necessária consistência interna já que todos os negócios que determinam a sua transformação se prendem à atividade do mesmo titular, i.e., obedecem a objetivos que lhe dão essa consistência, porque por mais variados que sejam têm eles próprios o seu critério unificador.” LOPES, Mauro Brandão. A Cisão no Direito Societário. São Paulo: RT, 1980, p. 183/186. 42 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., Tomo V, 1955, p. 377 e 378. Neste sentido AMARAL, Francisco. Op. Cit., 330. MORAES FILHO, Evaristo de. , V. I....p. 145/146. 43 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 55. 35 como a própria herança que se pode distinguir das quotas e dos patrimônios dos herdeiros.” 44 Existem várias doutrinas discutindo a natureza jurídica do patrimônio. Apesar da existência dessas diferentes correntes, percebe-se que a noção de patrimônio mais aceita na doutrina hoje conjuga alguns aspectos das diversas teorias, entretanto, os debates em torno da natureza do patrimônio não vêm a interessar nesta monografia, pois conforme bem elucidou Oscar Barreto Filho: “Como se verifica, trata-se, no fundo, de uma questão de palavras; uma vez reconhecido que, no patrimônio de uma pessoa, pode haver acervos ou massas de bens, susceptíveis de responsabilidades por certos compromissos, exclusivos ou preferenciais, tanto faz chamá-los ou não de patrimônios separados: as consequências jurídicas que disse dimanam serão as mesmas. Temos por assentado, com Paulo Cunha, que não se pode deixar de distinguir certos agrupamentos dentro da totalidade das relações jurídicas de carácter pecuniário de uma pessoa; neste sentido, é lícito afirmar que cada pessoa pode ter mais de um patrimônio. E, mais, que o patrimônio de uma pessoa, sendo divisível, é suscetível de repartir-se em várias universalidades, de direito, distintas uma das outras. Não se pode negar a evidência de que o conjunto dos bens de uma pessoa pode ser subdividido, para efeitos de responsabilidades por dívidas, em diversas massas de bens, sujeitas a regimes de responsabilidade 45 diferentes (os regimes matrimoniais, a herança). ” Além do mais, a questão a respeito da sucessão na alienação de ativos empresariais considerados como um estabelecimento empresarial (conceito diferente de patrimônio) tem regras jurídicas específicas, que escapam das normas gerais sobre patrimônio, pertencentes à teoria geral do direito privado. Portanto, as definições e debates a respeito das características e natureza do patrimônio, bem como suas consequências em relação à sucessão, não são de fundamental importância para nosso estudo, servindo apenas para traçar as linhas básicas e gerais do direito privado. 44 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., Tomo V, 1955, p. 377. 45 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 56/57. 36 O que importa aqui é que o patrimônio da pessoa, dotado das suas três características principais, responde integralmente por suas obrigações, constituindo a garantia dos credores46. No caso de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada (limitadas e anônimas), é constituído um patrimônio especial ou separado, formado pelas contribuições dos investidores, que passará a ser o patrimônio da pessoa jurídica, estando, pela determinação da norma jurídica, a responsabilidade dos investidores limitada àquela contribuição efetuada47, ao contrário daquelas sociedades onde a responsabilidade é ilimitada, em que a norma jurídica não limita a responsabilidade dos investidores ao patrimônio separado ou especial, respondendo os investidores com todo o seu patrimônio 48. Quanto às responsabilidades das pessoas jurídicas envolvidas em operações de transferência de ativos empresariais, as questões que surgem são o tema deste estudo e, portanto, tentar-se-á solucioná-las nos capítulos a seguir. 3.1.3. Aquisição de Direitos e Conceito de Sucessão 46 É o que determina o art. 591 do Código de Processo Civil, que possui a seguinte redação: “Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.” Neste sentido: MARCONDES, Sylvio. Op. Cit., São Paulo: Saraiva, 1977, p. 126. 47 48 É a regra expressamente prevista no artigo 1.052 do CC. É válido destacar os benefícios da limitação da responsabilidade dos sócios. Robert Clark entende que de fato benefícios existem, sustentando seu ponto de vista sob 03 (três) diferentes razões: “Primeiro, responsabilidade limitada constantemente troca riscos por uma melhor forma de responsabilidade por eles, e isso produz ganhos pelas trocas. (...) Segundo, responsabilidade limitada elimina a possibilidade de incorrência em grandes custos de transação (...) principalmente por custos de transação em contratos de empréstimo: os custos da avaliação do crédito e os custos da execução (...) A limitação de responsabilidade do sócio à vezes limita os investidores de pagarem pelos custos total das externalidades da atividade econômica.” Tradução livre de: “First, limited liability often shifts risk to a better risk bear, and this produces gains from trade. (...) Second, limited liability eliminates the possibility of the incurrence of the huge transactions costs (...) greatly to kinds of transaction costs of contracting about loans: the costs of credit evaluation and the costs of enforcement (...) Shareholder limited liability sometimes keeps the investors from paying the full costs of the enterprise’s external effects.” CLARK, Robert. Corporate Law. New York: Aspen Publishers, Inc., 1986, p. 6/7. 37 A aquisição de um direito é a união da pessoa a determinado direito subjetivo. Contudo, nem sempre o momento da aquisição corresponde ao nascimento de um direito (aquisição originária), pois este já pode existir, sendo apenas transmitido ao seu novo titular (aquisição derivada). Naquele tipo de aquisição não há relação de causa entre o direito do seu atual titular e aquele do antecessor, ao contrário da aquisição derivada, em que necessariamente existe um vínculo de causalidade entre o direito do sucedido e o direito do sucessor. Na originária, o direito subjetivo é adquirido sem quaisquer ônus, uma vez que nasceu ali, encontrando-se em sua plenitude, já a derivada, o direito é transferido com seu respectivo conteúdo e encargos 49. Pontes de Miranda ao destacar o seu entendimento a respeito de aquisição de direitos, realiza a distinção entre as duas espécies de aquisição, originária e derivada, bem como diferencia esta última em dois subtipos: “O suporte fáctico pode ser sòmente composto de fatos do mundo, ou de fatos do mundo mais fatos jurídicos. No primeiro caso, - atrás do suporte fáctico, não há direitos; no segundo, - há pelo menos uma relação jurídica. Se o fato jurídico é o cerne do suporte fáctico, entre a nova relação jurídica e a anterior há relação causal, como entre o suporte fáctico do fato jurídico nôvo e o suporte fáctico do fato jurídico anterior. Se o suporte fáctico do fato jurídico, de que nasce o direito, pretensão, ação ou exceção, é sem ligação com outro fato jurídico, diz-se que é originária a aquisição. Se existe a relação causal, diz-se derivada. (...) A aquisição originária é a aquisição por uma ou mais pessoas, sem qualquer alusão a outra pessoa. A aquisição é derivada é de pessoa a pessoa, ou, se a lei o permite, sem mudança de pessoa. Às vezes, de direito existente surge outro (o dono da árvore adquire os frutos, o dono da terra adquire a árvore); porém, de regra, a aquisição derivada suscita a sucessão, e a ligação de direito a direito não é derivação com sucessão: uma pessoa substitui-se a outra, na relação jurídica (sucessão translativa); ou a outra pessoa passa elemento do direito de 50 outra (sucessão constitutiva).” 49 50 MORAES FILHO, Evaristo de. Op. Cit., v. I, p. 45. MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., Tomo V, 1955, p. 14. Carlos Alberto da Mota Pinto esclarece também o relacionamento entre entre os suportes fáticos, mesmo na situação de existência de um direito, afirmando que: “(...) quando o direito anterior exista, o direito não foi adquirido por causa desse direito, mas apesar dele.” PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit,, p. 360. 38 Portanto, a aquisição de direito derivada pode ser subdivida em constitutiva e translativa. A última, o tipo mais comum, é aquela em que o direito adquirido por uma pessoa é exatamente o mesmo daquele que lhe transpassou. Diferentemente, a constitutiva se dá quando parte do direito do sucedido, podendo esta parte ser constituída de alguns direitos ou apenas elementos de um direito, é transmitido ao sucessor, culminando num novo direito ao chegar às mãos deste. Carlos Alberto da Mota Pinto caracteriza este tipo como: “Na aquisição derivada constitutiva o direito adquirido filia-se num direito (mais amplo: cfr. supra) do anterior titular. Forma-se à custa dele, limitando-o ou comprimindo-o. Mas não preexiste como entidade autónoma e específica na esfera jurídica dessa pessoa. É o caso de o proprietário dum prédio constituir (por venda, etc.) um servidão ou outro direito real – de gozo ou de garantia – a favor de outrem.” 51 Os direitos subjetivos, uma vez adquiridos, circulam livremente entre as pessoas “(...) valendo como verdadeiros títulos patrimoniais, convertíveis a valores econômicos (...)” 52 , e, desta forma, são transmitidos de pessoa a pessoa. São as situações de aquisição derivada, sejam translativas, sejam constitutivas, que também são denominadas de sucessão. O conceito clássico de sucessão vem de Savigny, que assinala como sendo aquelas situações em que há substituição de um sujeito na relação jurídica existente, havendo necessariamente um vínculo entre sucedido e sucessor 53 . O que interessa para a definição do instituto é, consoante assinala Pontes de Miranda: “O serem o mesmo o direito do sucessor e do sucedido, ou parte dêle, ou ser daquele composto com elementos dêsses, é que define a sucessão.” 51 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit., p. 362 e 363. 52 MORAES FILHO, Evaristo de. Op. Cit., p. 49. 53 54 Utilizando-se também da mesma SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Sistema do Direito Romano Atual. Tradução de Ciro Mioranza. Ijui: Ed. Unijui, 2004, p. 51 e 52. Esta continua sendo a definição base para designar o fenômeno jurídico. Fábio Konder Comparato assim entendeu, dispondo que: “O termo jurídico de sucessão, em seu sentido mais geral, designa a substituição do sujeito de uma relação jurídica, ou de um conjunto de relação jurídicas.” COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., 793. 54 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., 1955, p. 23. 39 noção, Carlos Alberto da Mota Pinto conceituou a sucessão como: “(...) o subingresso de uma pessoa na titularidade de todas as relações jurídicas ou determinada ou determinadas relações jurídicas de outrem.”55 Evaristo de Moraes Filho, amparado principalmente nas lições de Savigny, Carnelutti, Messineo, Dernburg, Windscheid, entre outros, elencou os elementos que necessariamente devem estar presentes para a sucessão restar caracterizada: “a) existência de uma relação jurídica; b) substituição de um sujeito por outro, que toma o seu lugar; c) permanência da relação; d) existência de um vínculo de causalidade entre as duas situações.” 56 Com efeito, estes são os requisitos essenciais para a transmissão de direitos e obrigações. Em relação ao primeiro elemento, este não desperta grandes debates, visto que somente existem direitos subjetivos e obrigações em situações jurídicas tidas como relação jurídica. No que se refere à substituição do sujeito, o novo substituirá o antigo na exata posição jurídica subjetiva que este ocupava na determinada ou determinadas situações jurídicas, sendo possível a modificação dos sujeitos tanto no lado ativo (direitos) como no passivo (obrigações) ou, ainda, no contrato como um todo 57 . A permanência da relação, como terceiro requisito, tem por base o próprio ordenamento jurídico, que demanda uma valoração jurídica da conexão entre o direito do sucedido e do sucessor, em que as discussões em torno da mudança da relação jurídica (se tratase de uma nova relação ou não) dão lugar à imposição realizada pela norma jurídica ao tratar com a mesma identidade a situação anterior e a posterior. Por fim, o último elemento, o direito transmitido ao sucessor deve estar fundado no direito do antecessor, sendo sua causa e o efeito daí derivado, a existência daquele está pautada neste e, portanto, submetido a todos os encargos e limitações existentes no anterior. 55 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit., p. 365. 56 MORAES FILHO, Evaristo de. Op. Cit., p. 63. 57 Adiante será visto, item 3.1.3.2., algumas formas típicas de substituição na parte subjetiva da relação jurídica, consoante previsto no ordenamento jurídico nacional, sendo elas: a cessão de crédito, assunção de dívida e a cessão de contrato. 40 Portanto, trata-se a sucessão de um modo de transmissão de direitos e obrigações; é o fenômeno jurídico no qual um sujeito de direito, ocupando determinada posição jurídica subjetiva em uma ou mais relações jurídicas, transmite para outro sujeito sua posição ou posições dentro desta mesma relação ou relações e, consequentemente, os direitos e/ou obrigações a ela atrelados, inclusive os acessórios e garantias que os acompanham. Deve-se alertar que não só direitos são possíveis de sucessão, as obrigações, como, por exemplo, as dívidas, também podem ser traspassadas, como assente na doutrina moderna. Um negócio típico em que há sucessão em um ônus é a assunção de dívida (conforme preceitua o artigo 299 do CC). Neste o terceiro assume a posição jurídica do devedor na relação jurídica creditória. Por fim, cumpre realizar sua distinção com uma figura também típica do direito das obrigações, a novação. Para Orlando Gomes: “Novação é a forma de extinção de uma obrigação pela formação de outra, destinada a substituí-la. (...) Constitui-se nova obrigação, exatamente para extinguir a precedente. Nisso consiste, com efeito, a novação.”58 Ela exige a presença de uma relação de obrigação, a constituição de uma nova situação obrigacional e o animus novandi, isto é, a intenção de contrair nova relação jurídica. Pode ser objetiva, quando se forma um nova obrigação para extinguir e substituir à antiga, ou subjetiva, em que na nova relação, criada para pôr termo à anterior, existe a modificação nos titulares da posição jurídica ativa ou passiva da antiga. Aqui normalmente está a confusão em torno dos institutos, já que a sucessão também importa na alteração na titularidade das posições ativas e/ou passivas, entretanto, da mesma relação jurídica, ao contrário da novação, em que há contração de uma nova situação jurídica, distinta daquela, e, desta forma, extingue-se os acessórios e as garantias da antiga. 3.1.3.1. Sucessão Universal e Sucessão Singular 58 a GOMES, Orlando. Obrigações. 7 . Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 163. 41 A doutrina costuma classificar diferentes tipos de sucessão. A sucessão pode ser: a) constitutiva ou translativa, sendo a primeira aquela que ocorre nas situações de aquisição derivada translativa (mesmo direito e mesmo conteúdo), enquanto a segunda se dá nos casos de aquisição derivada constitutiva (está filiado no direito do sucedido, contudo, não preexiste na esfera patrimonial deste, surge já na esfera patrimonial do sucessor); b) causa mortis, em que fato jurídico que originou a sucessão foi a morte de uma pessoa, ou inter vivos, que tem por base um fato jurídico acontecido entre vivos; c) legal, quando é estabelecida pela norma jurídica positiva ou convencional, nos casos em que as partes livremente dispõe em negócios jurídicos a respeito da sucessão; e, por último, d) universal ou singular, esta é a classificação que mais nos interessa, sendo apreciada com um pouco mais profundidade. A sucessão é tida como universal quando há aquisição de todo ou parte de um patrimônio, tendo, portanto, por objeto uma universalidade de direito, transmitindo-se em conjunto a responsabilidade pelo ativo e passivo; ela ocorre somente por força de norma jurídica 59, como, por exemplo, na sucessão causa mortis. A justificativa para esta imposição se dá devido a consideração de que o patrimônio é a projeção da personalidade da pessoa, impossível de se desagregarem, salvo pela incidência da norma jurídica 60. No campo do direito comercial, são exemplos de sucessão universal as operações societárias (fusão, incorporação e cisão). Já a sucessão a título singular, ou particular, se dá quando há transmissão de determinada ou determinadas posições jurídicas subjetivas, ativas e/ou passivas, existentes nas relações jurídicas obrigacionais. Ocorre normalmente em razão da transferência de bens, créditos, obrigações ou de cessão de contrato, por força de lei ou mediante convenção. No ordenamento jurídico pátrio, são previstas alguns tipos de transpasse de posições jurídicas subjetivas elementares: a cessão de créditos e a assunção de dívida. 59 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit .,Tomo V, 1955, p. 48. 60 COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., p. 793. 42 A primeira é a transmissão da posição jurídica subjetiva ativa em determinada relação obrigacional, estando prevista nos artigos 286 até 298 do CC. Já a assunção de dívidas é o traspasse da posição jurídica subjetiva passiva de uma situação jurídica obrigacional, estabelecida nos artigos 299 a 303 do CC. A sub-rogação é outro instituto que importa na sucessão, visto que há manutenção da relação jurídica, existindo apenas a modificação do sujeito titular da posição jurídica, transferindo-se, portanto, todos os acessórios e garantias que a compõem. Normalmente se dá na transferência de créditos (artigo 349 do CC), assemelhando-se à cessão de crédito, porém, a principal diferença entre as duas é que a sub-rogação pressupõe o pagamento do cedente pelo terceiro 61 , que assume a respectiva posição. A opinião dominante na doutrina é que no caso de transmissão de direitos, não haverá traspasse das obrigações do sucedido 62 . Porém, existem exceções a este entendimento. As partes podem convencionar nos negócios jurídicos, juntamente com a transpasse de direitos, a sucessão nas obrigações 63 . A lei também estabelece tratamento diferenciado para certos casos de transmissão de direitos, um deles é objeto de nosso estudo, a alienação do estabelecimento empresarial como será visto adiante. Válido citar, ainda, aquelas obrigações vinculadas diretamente à propriedade ou posse, as chamadas obrigações propter rem, em que a relação jurídica está diretamente vinculada, pela norma, à propriedade ou posse de bem material, implicando na transferência da dívida ao sucessor ou na sua responsabilidade pelo adimplemento da obrigação. 61 GOMES, Orlando. Op. Cit., 1988, p. 140. 62 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit ., Tomo V, 1955, p. 49. 63 Assim como na transmissão de direitos, pode a norma jurídica impor determinadas condições para que seja efetivada a sucessão nas dívidas, tal como se vê naquela extraído do art. 299 do CC, que regula a assunção de dívidas e determina o consentimento expresso do credor para que ocorra a transmissão da obrigação. 43 A sucessão na posição jurídica subjetiva de um contrato 64 , embora não prevista no sistema jurídico pátrio de maneira geral, é plenamente cabível e bastante utilizada 65. Figura que se opera com a transmissão da posição jurídica subjetiva complexa de parte dentro de uma relação jurídica, com o consentimento da outra, para um terceiro. O negócio jurídico a ela vinculado é, geralmente, a “cessão de posição contratual “ ou “cessão de contrato”. Também é possível a sub-rogação em uma posição jurídica subjetiva complexa, culminando nos mesmos efeitos da cessão contratual, porém, a modificação na relação neste caso é imposta pela lei 66. Por derradeiro, Luiz Gastão Paes de Barros Leães destacou em seu estudo sobre aquisição de ativos empresariais as principais diferenças entre os dois tipos de sucessão: “Por consequência, a sucessão universal é distinta da sucessão singular, na medida em que (1o) na primeira, a sucessão implica no desaparecimento do autor primitivo, já que não pode haver transmissão do patrimônio sem a extinção do respectivo sujeito, enquanto, na segunda, a sucessão nas posições ativas e passivas, singularmente consideradas, implica na permanência do autor da transmissão; e (2o), 64 COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., p. 795. Um extenso estudo a respeito deste tipo de negócio jurídico foi feito por Carlos Alberto da Mota Pinto, descrevendo-o como aquele que: “(...) o meio dirigido à circulação da relação contratual, isto é, a transferência ex negotio por uma das partes (cedente), com consentimento do outro contratante (cedido), para um terceiro (cessionário), do complexo de posições ativas e passivas criadas por um contrato.” PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de Contrato: Contendo Parte Tratando a Matéria Conforme o Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 60 e 61. Orlando Gomes caracteriza o contrato como: “(...) na cessão de contrato, transferem-se todos os elementos ativos e passivos que correspondem, num contrato bilateral, à posição da parte cedente”. GOMES, Orlando. Op. Cit., 1988, p. 256. 65 Um caso bastante utilizado é a cessão de contratos de mútuo realizadas no âmbito do Sistema o Financeiro de Habitação (SFH), possibilidade esta prevista expressamente no artigo 1 . da Lei de n. 8.004, de 1990. Outra situação é a cessão da locação, conforme determinado no artigo 13 da Lei de n. 8.245, de 1991. O próprio CC trata da hipótese na regulação do contrato de seguro (artigo 785). O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente manifestou-se quanto ao referido instituto jurídico, sustentado que: “(...) a falta de previsão da cessão de contrato na legislação brasileira não impede o reconhecimento da admissibilidade da figura no direito pátrio. Fundamento para a admissão da cessão de contrato no sistema jurídico brasileiro reside, fundamentalmente, no princípio da autonomia da vontade, hoje também chamado de princípio da autonomia privada. (...) observados os limites existentes em razão da função social do contrato, é lícito às partes a estipulação de contratos atípicos, dentre os quais pode ser inserida a cessão de contrato (...)”. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº a 0120392-91.2008.8.26.0000. 5 . Câmara de Direito Privado. Relator: Heloisa Helena Franchi. 14 de dezembro de 2011. Disponível em: <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 25 fev. 2012. 66 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit., 1985, p. 70/71 e 433. 44 na primeira, ou seja, na sucessão universal, ocorre a transferência uno actu da totalidade do patrimônio (ou de uma cota-parte dele) para uma ou várias pessoas, enquanto, na segunda, ou seja, na sucessão particular, transfere-se ao sucessor uma ou várias relações jurídicas, isoladamente consideradas, em uma ou múltiplas transmissões.” 67 Todavia, a lição de Luiz Gastão Paes de Barros Leães deixou de observar que existem hipóteses de sucessão universal sem a extinção do sujeito transmitente. O que define a sucessão como universal não é a extinção do sujeito antecessor, mas sim a transmissão de um complexo de relações jurídicas pertencentes a uma pessoa, o patrimônio, nos exatos termos da norma jurídica que venha a incidir sobre o fato. A cisão parcial é uma operação societária, prevista no art. 229 da LSA, em que apenas parcela do patrimônio de uma companhia é vertida para outra sociedade, constituída para tal fim ou já existente, conservando o restante do patrimônio. Existe aqui o traspasse de patrimônio, conforme a previsão legal e, portanto, é hipótese de sucessão universal, mesmo sem a extinção da companhia vertente 68. A par destas ideias gerais pertencentes à teoria geral do direito privado, é possível iniciar o estudo da sucessão empresarial nos casos de alienação dos ativos empresariais considerados como um estabelecimento comercial. 3.2. SUCESSÃO EMPRESARIAL A sucessão empresarial já foi situada dentro do contexto econômico em que ela está presente. Agora, com as noções técnico-jurídicas devidamente apresentadas e estabelecidas, é possível definir a sucessão empresarial. Trata-se do fenômeno jurídico que ocorre em determinados momentos da existência do empresário, em que ele é substituído por outro em uma ou mais relações jurídicas. Pode ocorrer nas seguintes situações: a) transferência de ativos, como 67 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Aquisição de Ativos e Assunção de Passivos Empresariais. Revista de Direito Mercantil, n. 118. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 238. 68 Ver item “3.2.” adiante e nota de rodapé de n. 69. 45 veículos, imóveis, máquinas, direitos, créditos, entre outros, individualmente ou conjuntamente, ou ainda, obrigações e contratos; b) transpasse do estabelecimento empresarial, durante o exercício normal da empresa ou mesmo no bojo de um procedimento falimentar ou recuperacional; e c) transmissão de todo ou parcela de seu patrimônio, mediante a realização das operações societárias de fusão, incorporação e cisão. A noção de “sucessão de empresas”, expressão largamente utilizada tanto pela doutrina 69 quanto pela jurisprudência 70 , refere-se aos fatos jurídicos descritos nas alíneas “b” e “c” do parágrafo anterior, contudo, carece de precisão técnico-jurídica para retratar o fenômeno. Analisando cada termo separadamente, chega-se a conclusão que ela indica a sucessão de atividades econômicas e não o transpasse de patrimônio ou estabelecimento de um empresário ao outro, em que há a continuidade da atividade exercida. Pela teoria da empresa adotada no ordenamento jurídico pátrio, esta é atividade e não sujeito de direito71. Sendo assim, o termo jurídico correto para a hipótese de troca de titularidade do patrimônio ou do estabelecimento é “sucessão empresarial” ou mesmo “sucessão de empresários”. Quanto ao caso da alíena “a”, trata-se também de hipótese de sucessão empresarial, porque verifica-se a substituição de um empresário por outro em relações jurídicas. Entretanto, não desperta grandes debates, visto que não haverá a sua substituição no exercício da empresa, mas sim apenas a modificação da titularidade de certos bens, créditos ou dívidas, não trazendo grandes impactos econômicos ou legais. Destarte, a expressão deve ser reservadas às situações em que ocorre a mudança na titularidade de uma empresa e que se dá nas hipóteses das alíneas “b” e “c”. 69 A expressão é utilizada principalmente na doutrina trabalhista, tendo em vista a noção de empresa adotada pela CLT, figurando no sentido subjetivo da classificação Alberto Asquini, isto é, sujeito de direito. 70 Expressão utilizada em: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial de n. 949117. Primeira Turma. Relator: Ministra Denise Arruda. Brasília, 01 de dezembro de 2009. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 02 fev. 2012; e Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Embargos de Declaração em Recurso de Revista de n. 35200-90.2001.5.01.0063. Relator: Ministra Rosa Maria Weber. Brasília, 09 de dezembro de 2010. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 02 fev. 2012. 71 ASQUINI, Alberto. Op. Cit., p. 105/126. 46 No que se refere à sucessão nos casos de alienação do estabelecimento empresarial, verifica-se que tal situação está regulada pelo CC, em seus artigos 1.144 a 1.149, bem como na LRF em seus artigos 60 e 141. Antes de referidas legislações, não havia regras jurídicas expressamente prevendo a existência ou não da sucessão neste tipo de negócio jurídico, a solução a respeito do assunto, na época, coube à doutrina e à jurisprudência. Ambas as situações são o escopo desta monografia e serão debatidas especificadamente nos capítulos seguintes. Entretanto, devem ser separados os casos que serão estudados nos capítulos seguintes, daquelas situações de sucessão ocorridas nas operações societárias. Nestas, a lei estabelece que a transmissão operada tem como objeto o patrimônio das sociedades e, desta forma, a sucessão presente é a do tipo universal. O fato jurídico aqui é a transferência de um complexo de relações jurídicas pertencentes a uma companhia, envolvendo todos os seus ativos e passivos, isto é, uma universalidade de direito, ou parte dela no caso da cisão, e não o traspasse somente de bens, créditos, obrigações, que constituem hipóteses de sucessão singular. A LSA prevê a sucessão universal nas operações societárias em seus artigos 227, 228 e 229 72. A doutrina comercialista é unânime em entender que as disposições da LSA dizem respeito à sucessão universal. Transcreve-se a opinião de Modesto Carvalhosa, que de acordo com a posição dominante, esclareceu, a respeito das operações de incorporação e fusão: 72 A LSA dispõe que: “Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. § 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.” 47 “A incorporação leva à sucessão universal, compreendendo, portanto, todos os direitos, obrigações e responsabilidades da incorporada pela incorporadora. (...) A sucessão universal não comporta nenhum vício eventual. Muito pelo contrário, ela decorre da continuidade das obrigações e dos direitos que são agregados à incorporadora, assim como das responsabilidades que daí decorrem. (...) A fusão leva à sucessão universal, compreendendo, portanto, todos os direitos, obrigações e responsabilidades das sociedades fundidas, assumidas pela sociedade constituída como resultado do negócio. (..) A sucessão universal não pressupõe nenhum defeito jurídico na liquidação dos créditos, como dá a entender o art. 218. Muito pelo contrário, a sucessão, no caso de fusão, decorre da continuidade das obrigações e dos direitos que compõem o patrimônio transferido para a nova sociedade.”73 No que diz respeito à cisão, Mauro Brandão Lopes, em seu trabalho específico sobre o tema, valendo-se do conceito de unidade econômica, concluiu que a transferência operada é de parte do patrimônio da companhia cindida: “ (...) não se cuida de determinar a natureza do estabelecimento em um ou outro sistema jurídico, mas de buscar o caráter da ‘parcela de patrimônio’ em que se baseia a nova operação de direito societário. Este carácter, indicado já na análise do sistema americano, com a corroboração de outros, é a de unidade econômica em funcionamento, ao qual se deve acrescentar no sistema brasileiro, como se vai mostrar, a característica de patrimônio separado, seja na titularidade de companhia beneficiária, seja já na titularidade da companhia transmitente. (...) Mas a unidade econômica como patrimônio separado tem importância inegável na cisão: a sua característica básica é o seu nexo de garantia, que leva consigo ao se transferir a outra companhia, tornando desnecessário o instituto da solidariedade, já que as dívidas se transferem juntamente com a totalidade de seu único patrimônio garantidor, sem deixar com a anterior companhia titular credor algum que tenha a sua garantia no patrimônio transferido.” 74 73 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 4o. Volume. 4a. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271 e 292. Neste mesmo sentido COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., p. 798. 74 BRANDÃO LOPES, Mauro. Op. Cit., p. 271 e 289. Também opinando pela existência de sucessão universal nos casos de cisão: COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., p. 798. Modesto Carvalhosa também compartilha de tal visão, apontando que: “A parcela do patrimônio atribuída a sociedade novas ou existentes dá-se a título universal, ainda que avaliada pelo seu valor líquido, para o efeito de subscrição no capital nestas. Serão assim transferidos valores ativos e passivos, ou seja, ocorrerá uma 48 Portanto, hipótese de sucessão universal, já que é o patrimônio, ainda que seja parcela (patrimônio separado) deste na cisão parcial, que será transmitido à outra companhia. Remete-se ao que foi dito alhures, item “3.1.3.1”, na crítica à opinião de Luiz Gastão Paes de Barros Leães quanto à sucessão universal ter como característica principal a extinção do sujeito sucedido, haja vista que o que define este tipo de sucessão é determinação pela norma e possuir como objeto o patrimônio, não importando se o sujeito deixará de existir ou não. 3.3. SUCESSÃO EMPRESARIAL E O MERCADO DE EMPRESAS Anteriormente fora afirmado, quanto ao estudo e debate de temas pertencentes ao direito comercial, que os seus institutos devem ser apreciados em razão do contexto econômico no qual estão inseridos. Não é diferente o caso da sucessão empresarial, já que é um fenômeno jurídico existente no mercado de empresas. Tendo sido situada no ambiente econômico (item “2.3” supra), deve-se agora analisar diretamente quais os efeitos e impactos que causa nas fusões e aquisições. A transação comercial geralmente envolve a transferência de ativos entre dois ou mais empresários. No caso das fusões e aquisições, o ativo envolvido será a empresa de um deles. E o que leva os empresários a realizarem tais operações? Normalmente, são os motivos econômicos que levam à sua efetivação, estando entres os principais: o mercado pelo controle de companhias75, aspectos atinentes às economias de escala e de foco, sinergias, participação no mercado, diversificação, aquisição de novas tecnologias, necessidades de reestruturação financeira, operacional, entre outros 76. transmissão conjunta de ativos e de passivos. Essa sucessão se dá pelo regime da sucessão universal.” CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit., p. 314. 75 O mercado pelo controle de companhias ou, como é chamando pela doutrina norte-americana, o corporate control transactions, envolve não só operações de compra de controle societário de companhias, mas também fusões, incorporações, cisões, aquisições de ativos empresariais, emissões de valores mobiliários. EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL, Daniel R. Op. Cit., p. 109. 76 CARNEY, William J. Mergers and Acquisitions. 2ed. New York: Foundation Press, 2007 p. 29/42. 49 Os fundamentos expostos também estão por trás do crescimento do mercado interno de fusões e aquisições, consoante relatado no capítulo 2 deste trabalho. O ingresso do capital estrangeiro proporcionou e até mesmo obrigou os empresários a realizarem pesados investimentos em sua estrutura, visando competir num mercado com novos agentes, fato este que contribuiu para o aumento das operações de fusões e aquisições no país. Antes de responder a questão relativa à sucessão empresarial, de qual o seu papel neste tipo de mercado, é válido realizar alguns apontamentos sobre as negociações presentes no referido ambiente. Nestas transações comerciais, os empresários, partindo de um daquelas razões anteriormente mencionadas, fazem um questionamento de vital importância para a consecução do negócio: a operação agregará valor à empresa? Conseguirá atingir seus objetivos econômicos com ela? 77 Aqui cabe, desde logo, alguns esclarecimentos sobre o valor de uma empresa. A concepção do valor de uma empresa varia conforme o ponto de vista. A companhia é, geralmente, um combinado de vários ativos, contudo, o valor dela nem sempre é simplesmente o conjunto destes ativos somados, reduzindo-se seu passivo. Diversos fatores, que variam consoante os interesses envolvidos na avaliação, são levados em consideração na hora de realizar o cálculo do valor. O resultado da conta não será o mesmo para duas situações distintas, justamente porque aqueles fatores irão divergir. A concepção do valor para um acionista de uma companhia brasileira, quando este exerce seu direito de retirada, nos termos do artigo 137 da LSA, será aquele tido como book value, ou valor patrimonial, sendo calculado com base no patrimônio líquido da sociedade, isto é, é calculado em razão dos registros dos ativos e passivo constantes nos livros contábeis da companhia da sociedade 78 . Diferente será o valor da 77 GILSON, Ronald J.; BLACK; Bernard S. The Law and Finance of Corporate Acquisitions. 2ed. New York: The Foundation Express, 1995, p. 253. 78 Ressalva-se os casos em que o estatuto da companhia estipular o valor econômico para reembolso, respeitadas as disposições do artigo 45 e parágrafos da LSA. 50 companhia considerado como valor de mercado (o total market value), no qual se utiliza os valores das suas ações e outros valores mobiliários emitidos e negociados no âmbito do mercado de capitais. Outro, ainda, poderá ser aquele bastante utilizado como base em operações de aquisições, o total business value, conhecido no Brasil como valor econômico, em que uma das formas de calcular o valor da companhia utiliza o método do fluxo de caixa descontado, em que a empresa é avaliada segundo o valor presente dos futuros fluxos de caixa gerados pelos seus ativos, descontada uma taxa a título de custos do capital disponível 79. Para se chegar ao valor da companhia, de acordo com um dos parâmetros rapidamente expostos no parágrafo anterior, vários aspectos estão envolvidos na equação a ser elaborada, tais como operacionais, administrativos, contábeis, financeiros, jurídicos, entre outros. As informações disponíveis às partes também afetam diretamente esses fatores. As tratativas da operação normalmente evoluem em fases, em que as informações detidas, além daquelas já disponíveis no mercado, são gradativamente reveladas pelas partes, principalmente no que diz respeito às do vendedor. Neste contexto, são realizadas inúmeras análises, procedimentos como a auditoria contábil, o valuation80 e a legal due diligence81 são três ferramentas que os empresários e seus colaboradores valem-se para verificar o valor da empresa. A par dos dados, as partes envolvidas no negócio conseguirão vislumbrar se a operação irá adicionar valor a elas, dando, por conseguinte, “sinal verde” à sua execução. As negociações sobre aquisições normalmente estão centradas na quantia a ser paga pelo comprador ao vendedor. Efetuadas todas aquelas análises e ante a discrepância de informações detidas por cada uma das partes, o valor obtido por elas 79 As formas expostas sintetizam superficialmente as diversas abordagens para verificar o valor de uma empresa, como bem exposto por RATNER, Ian; STEIN, Grant; WEITNAUER, John C. Business Valuation and Bankruptcy. New Jersey: John Wiley & Sons, 2009, p. 25/38. 80 A expressão valuation é mencionada aqui como o procedimento realizado a fim de verificar o valor de uma companhia. 81 A expressão legal due diligence significa a auditoria jurídica realizada em razão de operações de fusões e aquisições. 51 em relação ao negócio será distinto, o que contribuirá diretamente no preço a ser pago pelo adquirente em potencial. Dentre os aspectos jurídicos que influenciam diretamente o valor da empresa e, por conseguinte, o preço que será pago, encontramos um, que embora não faça parte do direito societário (estruturador da forma jurídica do negócio), é extremamente relevante: a sucessão empresarial. E por quê? Qual seria seu impacto em negócios envolvendo a compra e venda de ativos? Resgata-se o conceito de sucessão empresarial, em que esta é o fenômeno jurídico que se dá quando o empresário é substituído por outro em uma ou mais relações jurídicas que compõem seu patrimônio. Geralmente, tais situações ocorrem quando há transferência de ativos durante o exercício normal da empresa ou mesmo durante um procedimento falimentar ou recuperacional. A responsabilidade pela sucessão é computada pelas partes do negócio juntamente com os diversos fatores envolvidos na operação; seu custo influenciará diretamente o valor da operação e o preço a ser pago pelo comprador, por esta razão, é um dos aspectos que tem contribuição direta na consecução ou não da transação. Um exemplo desta influência pode ser apresentado desde logo, imagine que uma companhia brasileira, detentora de um grande complexo industrial situado no Brasil, empregadora de aproximadamente mil funcionários, atravessa um momento de baixa liquidez, não conseguindo arcar com a maior parte de seus débitos de curto prazo (fornecedores, empregados e investidores que não são sócios, como os bancos). A situação gera desconforto em possíveis investidores (sejam aqueles que visam deter parte do capital social sejam aqueles que deteriam outras formas de crédito em face da sociedade), tornando muito caro ou inacessível o crédito disponível no mercado, colocando a companhia em crise financeira. Sem caixa para fazer frente aos débitos e tampouco com mecanismos para suprir, ainda que momentaneamente, o problema, ela fatalmente terá de renegociar as dívidas com cada um dos seus credores, visando modificar o prazo e a forma de pagamento, procedimento este que agregará mais 52 custos ao estado crítico da sociedade82. Com o passar do tempo, a situação apenas se deteriora, cumulando com novos problemas, desta vez em relação aos débitos de longo prazo (principalmente mutuantes). Diante deste quadro, os diretores da sociedade não vêm outra solução a não ser elaborar e submeter um plano de recuperação judicial à aprovação da assembleia geral. Dentre o conjunto de medidas previstas no plano, e uma das principais, está a venda de uma das plantas83 do complexo industrial da sociedade, a qual poderá gerar caixa suficiente para dar fôlego financeiro à companhia. Aprovado o plano pela assembleia geral e, posteriormente, pelos credores, o processamento da recuperação é deferida pelo juízo competente, sendo a planta colocada à venda. Caso a LRF não contemplasse a ausência de sucessão nas obrigações, o possível arrematante da planta estaria sujeito a responder pelos débitos da companhia em recuperação84 (principalmente os trabalhistas e tributários). Tendo o adquirente a possibilidade de responder pelas dívidas da companhia devedora, estas estariam, portanto, computadas na equação que determinaria se a operação iria agregar valor ou não à sua empresa e, por conseguinte, no preço que pagaria pela planta. Normalmente, esta situação resultaria na falta de interessados na aquisição do ativo, o que acarretaria a inviabilidade da recuperação da companhia em crise e, como consequência, a manutenção da atividade econômica geradora de riquezas e bem estar social 85. 82 A negociação envolve custos, pois possivelmente a sociedade terá de contratar os serviços de agentes especialmente para auxiliar as companhias na transação, como os advogados e auditores externos; se o credor já ajuizou um pedido de execução, as custas processuais ou arbitrais, entre outros. 83 Neste momento não se utiliza as expressões mencionadas nos dispositivos legais. A explanação a respeito do que vem a ser uma planta e de outros conceitos, inclusive os utilizados pela legislação nacional serão objeto de estudo do capítulo 4 e 5. 84 Como será visto no capítulo 5, o Decreto-lei n. 7.661/45 não regulava a recuperação de empresas e também não continha qualquer previsão sobre a existência ou não de sucessão nos casos de realização do ativo durante o procedimento falimentar. Todavia, o que se quer destacar é a que completa ausência de dispositivos legais a respeito da existência ou não de sucessão do arrematante dos ativos nas obrigações da falida ou da recuperanda, pode comprometer a venda dos ativos, trazendo inúmeros prejuízos aos próprios credores e à sociedade em geral (ver capítulo 4, item 4.1). 85 Adiante será exposto com mais detalhes a visão renovada de importantes conceitos no direito comercial, que tem como foco não só os interesses dos sócios, mas também de terceiros, com foco no bem estar social. Além disso serão expostos os objetivos que todo o procedimento falimentar e recuperacional devem visar, baseados no princípio da eficiência econômica de suas disposições oriundas 53 O exemplo acima, ainda que simples, evidencia uma situação típica no país, ainda que a legislação brasileira tenha sido alterada (a LRF possui expressa previsão de ausência de sucessão do adquirente nas obrigações do devedor), o mercado continua ainda extremamente receoso quanto à possibilidade da aquisição de distressed assets86 no Brasil.87 Nos países desenvolvidos, como Estados Unidos, ao lado de alguns países europeus, o mercado deste tipo de ativo é bem mais avançado, por vantagens em suas legislações e aplicação pelos juízes 88 . O problema será examinado mais adiante, quando for tratado especificamente do impacto da sucessão empresarial em seu regime especial. Outro problema pode ser suscitado a fim de demonstrar as consequências da sucessão empresarial no mercado, referente às externalidades negativas da atividade econômica desenvolvida pelo empresário. No exercício de qualquer atividade econômica existirá sempre uma equação formada entre os custos e benefícios que gera à sociedade. Como bem afirmou Fábio Ulhoa Coelho, dita equação: “(...) nem sempre é equilibrada. Alguns agentes econômicos podem usufruir mais benefícios que os custos despendidos, para outros o inverso, ensejando o que tecnicamente se denomina "externalidade" ou ‘deseconomia externa’. Note-se que por agentes econômicos se compreende aqui um conjunto bastante amplo de pessoas, abrangente não apenas dos empresários - que organizam e dirigem atividades econômicas de produção ou circulação de bens ou serviços -, mas de todas as pessoas com uma função qualquer na economia. A noção envolve, portanto, também consumidores, trabalhadores, o próprio estado etc. (...) Externalidade é todo efeito (negativo ou positivo) que uma pessoa produz sobre a atividade econômica, a renda ou o bem-estar de outra, do direito falimentar norte-americano, que possui como ideia principal o alcance de dois objetivos: Ex Ante Efficiency e Ex Post Efficiency. 86 A expressão distressed assets é utilizada neste estudo com o seguinte significado: ativos depreciados em razão da situação de crise de seu titular. 87 A situação é tema de uma reportagem realizada pela revista Capital Aberto, na qual agentes do mercado expõem suas inseguranças quanto à compra de ativos de sociedades com problemas financeiros. AMANTES da desgraça. Capital Aberto. Ano 8, Número 96. Ago. 2011. 88 POMERLEANO, Michael; SHAW, William. Op. Cit., p. xlv. 54 sem compensar os prejuízos que causa nem ser compensada pelos benefícios que traz.”89 Do ponto de vista jurídico, a externalidade interessará na medida em que a sociedade da época demandar uma solução para o problema, devendo o direito criar mecanismos, mediante a imputação de direitos e obrigações, para a realização da compensação entre os agentes econômicos, processo este tido com a internalização das externalidades.90 A influência das externalidades e da sua internalização tem grande relevância no estudo da sucessão empresarial. Suponha que uma companhia brasileira (“X”), que tem como objeto social a construção de eletrodomésticos, tais como geladeiras, fogões etc., realize a venda de todos os seus ativos, sendo posteriormente dissolvida. A adquirente (“Y”) destes ativos, também uma companhia brasileira exploradora da mesma atividade, continua a operar o estabelecimento adquirido. Antes da efetivação da venda, contudo, houve um problema com um dos lotes de fogões modelo “F”, em que uma das tubulações de condução do gás de cozinha está deteriorada, resultando no vazamento de gás, mas tal problema não foi detectado na época de sua fabricação. Posteriormente à venda dos ativos de X (já dissolvida) à Y, estando esta já no efetivo domínio do estabelecimento, um consumidor, o qual adquiriu um dos fogões F daquele lote defeituoso, mas que nem X e tampouco Y sabiam da existência do defeito, vem a sofrer sérios danos advindos do defeito do produto. Em seguida, vários outros consumidores, também compradores do mesmo fogão F, também sofrem graves danos pelos defeitos de fabricação. O montante dos prejuízos chega a uma quantia relevante em relação ao preço pago pelos ativos. Segundo o CDC, o fabricante responde pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos na fabricação de seus produtos (art. 12). O CC disciplina a alienação do estabelecimento empresarial, determinando que o alienante responda solidariamente com o adquirente pelos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados (art. 1.146). Houve sucessão empresarial referente a esta relação jurídica? Como o direito trata deste tipo de 89 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, V. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 33. 90 Idem, Ibidem, p. 34 e 35. 55 internalização? Y poderá ser demandado pelos danos ocasionados aos consumidores? Terá o direito de regresso face à X? Y, em prevendo o caso em contrato, ficará resguardada em relação à X, quando esta já estiver dissolvida? Em Y respondendo integralmente pelo defeito, qual o impacto que terá sobre a compra e venda dos ativos? Será que a previsão de sucessão nos débitos da companhia adquirida interessa ao mercado? Ou é uma norma que, embora bem intencionada, não trouxe boas consequências às fusões e aquisições? É possível citar outros tipos de problemas em casos de compra e venda de ativos empresariais envolvendo a chamada sucessão empresarial, seja em casos de falência e recuperação de empresas ou durante o exercício normal da atividade pelo empresário, todavia, as duas situações expostas já evidenciam que a sucessão pode vir a representar um elevado custo no negócio, estando este tipo de custo intrinsecamente ligado às normas jurídicas do direito comercial. Não só o valor de uma empresa é afetada pela sucessão empresarial. Ela também poderá refletir sobre a estrutura jurídica dada ao negócio. Nos Estados Unidos, por exemplo, a ausência de sucessão nas dívidas do alienante tem relevância na hora de definir a forma com que se dará a reorganização societária. Quando da análise do regime geral da sucessão empresarial na alienação do estabelecimento, será um pouco mais detalhada esta questão. Verifica-se, portanto, a conexão entre o instituto jurídico da sucessão e os aspectos econômicos dessas operações no mercado. De um lado, os conceitos e mecanismos econômicos utilizados em situações de aquisições de ativos sofrem impacto direto da sucessão, ou melhor, do seu custo. De outro, as proposições jurídicas devem levar em conta, quando de sua valoração e aplicação, os aspectos econômicos em torno dos negócios de compra e venda de ativos, tanto em situações normais quanto em situação de crise econômico-financeira. 56 4. REGIME GERAL DA SUCESSÃO EMPRESARIAL 4.1. INTRODUÇÃO Foi com o CC que o Brasil passou a ter um normativo legal a respeito da alienação do estabelecimento empresarial, com referida proposição buscou-se proporcionar ao mercado de empresas a segurança jurídica que há tanto tempo era esperada. Sem dúvidas, foi elogiável a intenção do legislador em tratar da matéria. Entretanto, o diploma legal inovou em determinados aspectos, como, por exemplo, previu a sucessão nas dívidas do alienante, justamente o contrário do que já estava há longo tempo assentado no entendimento doutrinário do direito comercial pátrio, isto é, a completa ausência de sucessão em obrigações do sucedido. A preocupação com a sucessão empresarial, apesar de ser uma matéria não pertencente ao direito societário, está sempre presente nas elaborações de formas de realocação dos recursos patrimoniais e empresariais, como, por exemplo, no restructuring e em situações de concentração econômica. Sua presença é fator preponderante para a efetivação das operações. Tendo em vista que o trespasse é uma das formas utilizadas para realização de reestruturação e, assim sendo, quaisquer alterações em sua disciplina legal resultará diretamente na adoção desta técnica ou de outras em seu lugar, afetando a circulação de riquezas e, mesmo que indiretamente, o desenvolvimento econômico do país. Portanto, o enfoque deste capítulo é a análise do regime geral da sucessão empresarial e quais as consequências que as disposições trouxeram para o mercado de empresas. 4.2. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL NO CÓDIGO CIVIL 57 4.2.1. Noção, Conceito e Natureza Jurídica Sob a vigência do Código Civil de 1916 não haviam quaisquer normas jurídicas diretamente destinadas ao tratamento do estabelecimento empresarial (comercial na época) e dos negócios jurídicos a ele vinculados. Não que inexistisse referências legais ao instituto, pelo contrário, alguns diplomas mencionavam esta forma de combinação do capital, trabalho e organização, como o Código Comercial, ao se referir a casa de comércio em suas regras sobre os livros de escrituração comerciais (artigo 18); o Decreto-lei de n. 7.661/45, citando o estabelecimento em diversos de seus artigos; o CTN, ao normatizar as responsabilidades tributárias na sua aquisição (artigo 133); a própria CF de 1988 traz a noção quando trata do ICMS em seu artigo 155, §2o; o CDC ao dispor sobre o direito do consumidor desfazer o negócio concretizado fora do estabelecimento (artigo 49); entre outros. A caracterização da azienda91 no Brasil coube à doutrina comercialista e à jurisprudência, que por várias décadas debateram e discutiram o assunto, determinando seu conceito, natureza jurídica, composição, extensão e limites. Oscar Barreto Filho procurou ditar uma teoria jurídica do estabelecimento comercial. Após realizar um apanhado da situação no direito europeu, partindo das características observadas nestes sistemas jurídicos e na doutrina nacional, conceituou o estabelecimento no direito pátrio como: “Nessa conformidade, parece lícito admitir, segundo o consenso geral, que o estabelecimento comercial: 1o., é um complexo de bens, corpóreos e incorpóreos, que constituem os instrumentos de trabalho do comerciante, no exercício de sua atividade produtiva; 2o., não se configura como o complexo de relações jurídicas do comerciante, no exercício do comércio, e, portanto, não constitui um patrimônio comercial distinto do civil; 3o., é formado por bens econômicos, ou seja, por elementos patrimoniais, sendo duvidoso se compreende elementos pessoais; 4o., é uma reunião de bens ligados por uma destinação unitária que lhe é dada pela vontade do comerciante; 5o., apresenta um caráter instrumental em relação à atividade econômica exercida pelo comerciante. 91 É o termo utilizado no direito italiano para se referir ao estabelecimento e aqui dotado como sinônimo. 58 Diante dessas características, obtém-se a seguinte definição de estabelecimento comercial, que pode ser adotada como hipótese de trabalho: complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil.” 92 E logo adiante, também depois de detida verificação das diversas teorias existentes nos ordenamentos jurídicos europeus, Oscar Barreto Filho compreendeu a natureza jurídica do estabelecimento no âmbito das universalidades de fato. Em síntese, partindo da noção partilhada entre as várias opiniões sistematizadas de que o estabelecimento pode ser entendido como um bem ou um complexo de bens, posicionou-se junto à teoria do objeto da relação jurídica, entendendo que o estabelecimento é uma universalidade. Tal entendimento se deu a partir da existência de um vínculo entre os elementos do estabelecimento, pois são organizados e coordenados pelo homem em função de uma destinação econômica, atuando como uma verdadeira unidade, devendo, desta maneira, ser considerado pelo direito como uma coisa unitária, distinta de seus elementos e, portanto, universalidade, de fato, pois justamente sua função em comum é realizada não no âmbito jurídico, mas sim pelo homem. 93 Este já era o entendimento traçado por José Xavier Carvalho de Mendonça, que explicava a natureza do referido instituto sob a teoria das universalidades: 92 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 75. Waldemar Ferreira também era adepto da teoria, afirmando que: “O estabelecimento é, em suma, a universalidade de bens constituintes do organismo por via do qual o comerciante exercita sua função medianeira entre produção e consumo.” FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, v. 6. São Paulo: Saraiva, 1962, p. 53 e 54. 93 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p.98 a 109. Pontes de Mirada, por seu turno, acreditava tratar-se o estabelecimento (ou empresa ou fundo de empresa, pois conceitos semelhantes) de uma universalidade de direito, expondo que: “Diante das regras que o Código Civil acolheu, não se pode negar que a emprêsa seja universalidade, pois estão satisfeitos todos os pressupostos. A definição mesma da emprêsa claramente o diz: soma de coisas, direitos, pretensões, ações e exceções, mais circunstâncias de fato (goodwill) que se organizam, sob titularidade comum, em unidade. (...) Na emprêsa, que é universalidade de direito, há mais do que no patrimônio, que também é universalidade de direito, e mais do que na universalidade de fato: quanto àquele, porque se incluem nela as oportunidades ou probalidades, como a clientela, a fama, a propaganda, e pois a emprêsa é mais do que a soma dos direitos: quanto a essa, porque há, na emprêsa, coisas (direitos de propriedade) e direitos.” MIRANDA, Pontes. Op. Cit., tomo V, 1955, p. 366. Entretanto, mais a frente em seu tratado, relata serem desnecessárias as discussões em torno de ser universalidade de fato ou de direito, pois o que importa é tratar a empresa como uma universalidade. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, tomo XV. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1971, p. 366. 59 “O estabelecimento comercial é simples universalidade de fato. Êsse conjunto de coisas, criado, constituído e dirigido pela vontade do homem, apresenta caráter próprio, distinto dos seus elementos componentes, ainda que êstes não se constituam de coisas materiais, podendo, como tal, ser objeto de atos jurídicos. Mas cada um dos elementos, que o formam, conserva sua individualidade. Por meio dêsse agrupamento de valores, procura-se realizar o fim comum. Eis como se compreende a sua unidade, tendo-se em vista sua destinação. O estabelecimento comercial não tem, pois, existência autônoma: é uma coisa. Variável na sua composição, mantém-se, não obstante, sempre o mesmo, apesar das mudanças ou transformações por que passam os seus elementos, à medida das conveniências do exercício do comércio.” 94 A compreensão do instituto nestes termos foi compartilhada pela doutrina majoritária no direito pátrio 95. Todavia, como destaca Fábio Ulhoa Coelho, da discussão sobre a natureza do estabelecimento, apenas três pontos são importantes: “Da rica discussão, basta apenas destacar três pontos essenciais: 1o.) o estabelecimento empresarial não é sujeito de direito; 2o.) o estabelecimento empresarial é uma coisa; 3o.) o estabelecimento integra o patrimônio da sociedade. Esses tópicos são suficientes para a completa e adequada compreensão do instituto e dispensam maiores considerações sobre o infértil debate acerca da natureza do estabelecimento empresarial.” 96 Foi esta linha de pesquisa, inspirada diretamente no direito italiano 97 , que orientou a sistemática do instituto no país. O CC tratou do estabelecimento em seu 94 a a MENDONÇA, Jóse Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. V. 1 . parte. 6 . Ed. posta em dia por Roberto Carvalho de Mendonça. Rio de Janeiro: Livraria Freitas de Barros, 1959, p. 16. 95 Além dos autores mencionados, é possível citar Rubens Requião, que corroborando os mesmo argumentos, preleciona: “Somos da opinião que o estabelecimento comercial pertence à categoria dos bens móveis, transcendendo às unidades de coisas que o compõem e são mantidas unidas pela destinação que lhes dá o empresário, formando em decorrência desta unidade um patrimônio comercial, que deve ser classificado como incorpóreo. O estabelecimento comercial constitui, em nosso sentir, im bem incorpóreo, formado por um complexo de bens que não se fundem, mas mantém unitariamente sua a individualidade própria.” REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, v. 1. 27 . Ed. Atualizada por Rubens Edmund Requião. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 284. No mesmo sentido BULGARELLI, Waldirio. Sociedades Comerciais: sociedades civis, sociedades cooperativas, empresas, estabelecimento a comercial. 8 . Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 323 a 326. 96 97 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 101. O Codice Civile italiano dá a noção da azienda em seu art. 2.555: “L'azienda è il complesso dei beni organizzati dall'imprenditore (2082) per l'esercizio dell'impresa”. 60 artigo 1.142, tal como o Codice Civile, definindo-o como: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.” 98 Não se confunde com o sujeito de direito, empresário, e tampouco com o conceito de empresa, haja vista a teoria da empresa adotada no ordenamento jurídico nacional, na qual empresa é a atividade econômica exercida pelo empresário 99. Trata-se sim de um objeto de direito, uma universalidade, formada por um conjunto de bens, porém, distinto destes, que são devidamente organizados pelo empreendedor para a consecução de uma finalidade produtiva em comum, fazendo parte de seu patrimônio. Não é necessário que o empresário seja proprietário de cada um dos bens do conjunto, bastando ter sua livre disponibilidade (através de direito real ou obrigacional) 100 , pois o que interessa para caracterizá-lo é função econômica unitária. Salienta-se, ainda, o seu caráter dinâmico, pois diariamente o empreendedor vai ao mercado realizar algum tipo de transação comercial, que normalmente envolve a aquisição e a venda de bens, culminando com a entrada e saída de elementos do estabelecimento, fato este que não descaracteriza a sua unidade, daí seu dinamismo. Outros aspectos do instituto advêm de seu tratamento como universalidade: um deles é o goodwill ou fundo de empresa ou, ainda, aviamento, de extrema relevância no mercado de empresas. Trata-se do sobrevalor atribuído ao grupo de bens devidamente articulados para a execução da empresa, que pode ser também traduzido na habilidade para auferir maiores lucros do que aqueles advindos dos bens sem a devida organização 101 . A qualidade do estabelecimento em produzir resultados ao seu titular é 98 A LSA trata o estabelecimento como fundo de comércio, quando estabelece o regime contas da companhia seu artigo 179, VI: “VI – no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido.” 99 Ver nota de rodapé de n. 71. 100 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte Especial – Do Direito de Empresa, a v. 13. 2 . Ed. Coordenador: Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 635. 101 Black’s Law Dictionary. Brian A. Garner, Editor in Chief. 8th. Ed. St. Paul: West Group, 2004, p. 715. 61 de suma importância nas transações envolvendo ativos empresariais, visto que, por exemplo, uma das maneiras utilizadas para calcular seu valor é medindo sua a capacidade de gerar fluxo de caixa no futuro, chegando-se ao seu valor econômico, conforme apontado anteriormente (item “3.3”). Não só o mercado reconhece este fato pertinente ao estabelecimento, tal situação também é abrigada pelo direito, sendo um dos fundamentos principais da proteção dada à azienda. Um exemplo está na lei do inquilinato (Lei de n. 8.245, de 1991), em que o empresário inquilino possui o direito à renovação do contrato, visando manter o local em que está estabelecido, protegendo o referido aspecto econômico, já que em muitas situações o ponto ou os pontos detidos pelo empresário são de suma importância para captação de clientela e geração de fluxo de caixa. Em conexão íntima com o goodwill está a clientela, que também não é um elemento pertencente ao estabelecimento ou ao patrimônio do empresário, apenas uma qualidade, tal qual o primeiro. Ela é definida como o conjunto de pessoas que mantêm relações comerciais com o empresário habitualmente. A ligação entre ambos se deve ao fato que a mais-valia do estabelecimento também é afetada pelo número de clientes com os quais o empreendedor consegue atrair e manter 102 . Existem mecanismos de proteção à clientela e conforme estabelecido no artigo 22 da lei de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, em especial sobre a concorrência (Lei de n. 8.884, de 1994)103. Outro fato que está relacionado diretamente com a característica da universalidade do estabelecimento e, por isso, distinto dos bens que o compõem, é de ser considerado uma coisa, suscetível de titularidade pelo empresário que o explora, podendo, desta forma, ser objeto de negócios jurídicos, nos ditames do artigo 1.143 do 102 CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit., 2005, p. 623. Oscar Barreto Filho destaca a interação entre os dois: “(...) ora que a clientela é o resultado do aviamento, ora que o aviamento é resultado da clientela. O que ocorre, em verdade, é a interação mútua dos dois atributos do estabelecimento.” BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 180. 103 Já foi sancionada e publicada a Lei de n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, que revogou a maior parte do referido diploma, que entrará em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação. 62 CC, que determina: “Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.” 4.2.2. Elementos do Estabelecimento Empresarial Os elementos que compõem a azienda são de natureza corpórea e incorpórea. Os primeiros são aqueles que são objeto de domínio: a matéria-prima, máquinas, veículos, mobiliário, mercadorias e todos os demais necessários para a consecução da atividade. Já no que diz respeito aos bens incorpóreos, estes são formados pelas marcas, títulos de estabelecimento, insígnias, outros elementos de identificação, bens industriais, tais como patentes de invenção, modelo de utilidade, o registro de desenho industrial, o ponto empresarial, também devem ser incluídos os direitos patrimoniais inerentes ao funcionamento do estabelecimento na exploração da empresa, e, por fim, os contratos de trabalho 104. Dúvidas pairam acerca dos imóveis. Parte da doutrina, como Oscar Barreto Filho, Waldemar Ferreira e Waldirio Bulgarelli considerando os imóveis integrantes do estabelecimento empresarial. De outro lado temos a opinião de Rubens Requião, sustentando, em síntese, que os imóveis não fazem parte dele, haja vista que se trata de uma coisa móvel, não podendo, desta maneira, o elemento imóvel entrar em sua constituição 105 . Todavia, não há impeditivos legais para o ingresso do bem imóvel à composição do estabelecimento. Como bem mencionou Oscar Barreto Filho , embora se referindo a sistemática de 1916, esta não sofreu alterações pelo CC capazes de alterar o entendimento abaixo transcrito: “Em princípio, o estabelecimento é uma universidade mobiliária, quando constituído exclusivamente por bens móveis. No entanto, o fundo será 104 BARRET FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 232 e 233; MORAES FILHO, Evaristo. Op. Cit., v.2, p. 203; REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 295 e CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit., 2005, p. 659/660. 105 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 292. 63 sujeito ao regime jurídico dos bens imóveis, quando na sua composição incluir terrenos, edifícios e construções, aos quais se aderem, por acessão intelectual, as pertenças aplicadas em sua exploração industrial (Código Civil, art. 43, III)” 106 - artigo 79 do CC. Por fim, vale destacar a possibilidade do empresário possuir mais de um estabelecimento. Necessário se faz, então, verificar qual deles é o principal. Para a lei processual (CPC), basta conter a referência nos documentos societários de qual é a sede estatuária. A discussão ganha relevância jurídica quando é necessário determinálo nos casos de falência e recuperação 107 . O critério apontado é o da chefia, da administração efetiva, local onde é o governo de sua atividade, o centro de decisões e que também onde é elaborada toda a contabilidade e ficam os livros obrigatórios. Os demais estabelecimentos podem receber diversas denominações, tais como filiais, sucursais, agências, entre outros. Como será visto adiante, a existência de mais um estabelecimento tem impacto em aspectos importantes no estudo da sucessão. 4.2.3. Trespasse do Estabelecimento Empresarial Através da breve análise sobre a definição e características do estabelecimento empresarial, em que ficou estabelecido que corresponde à uma coisa unitária, distinta dos elementos que o compõem, é possível afirmar que ele pode ser objeto de negócios jurídicos, entre eles a cessão de sua titularidade, o trespasse108. Além da antiga 106 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 201. Utilizando-se da mesma fundamentação: GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. São Paulo: RT, 2007, p. 562 e 563. Entendendo pertencer os imóveis ao estabelecimento: FERREIRA, Waldemar. Op. Cit., p. 100. Vale destacar uma decisão da CVM, sob a relatoria da Diretora Norma Jonssen Parente, que considerou o imóvel parte do estabelecimento, salientando: “(...) No caso concreto, esses fatores de produção estão representados justamente pelo imóvel, conjuntamente com a usina e demais pertenças. Diante desses fatos, é necessária a conclusão de que a compra e venda em questão não se caracteriza como um empreendimento imobiliário, mas sim como a alienação de um estabelecimento empresarial. (...)”. CVM – Processo de n° RJ 2003/5639 – Relator: Norma Jonssen Parente – Data de Julgamento: 18/11/2003. Disponível em <www.cvm.gov.br>, acesso em 31 de outubro de 2011. 107 A importância desta discussão no âmbito da LRF é tratada no item “5.3” infra. 108 BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 185/206. 64 concepção doutrinária e a prática já consagrada, a própria lei prevê a hipótese de negócios envolvendo universalidades de bens (artigo 90, parágrafo único do CC). O contrato de trespasse é caracterizado pela alienação do estabelecimento de um empresário para outro. Trata-se de um contrato bilateral, comutativo, que possui como objeto a venda de um bem, a azienda, e sujeito às regras particulares ao negócio (1.144 e ss. do CC), bem como aquelas referentes aos contratos de compra e venda 109, significando que o vendedor responderá pela evicção e os vícios redibitórios. Para produzir seus efeitos, faz-se necessário sua averbação junto ao registro do empresário, bem como sua publicação no imprensa oficial (art. 1.144 do CC), nos moldes do art. 1.152 do CC. E, na hipótese de existir um imóvel parte do complexo, deverá ser respeitada a necessidade de instrumento público para sua devida transferência junto ao registro de imóveis competente. O empresário ao verificar uma oportunidade de expandir sua atividade ou em face de necessidades de reestruturação financeira, operacional, entre outros motivos, poderá optar pelo caminho da compra e venda de empresas. Nessas situações, em razão do direito pátrio, o empreendedor e seus auxiliares se veem diante de alguns negócios jurídicos para implementar suas ambições: as operações societárias, o trespasse de estabelecimento (tanto submetido ao regime geral ou ao regime especial) e a simples compra e venda de ativos que não representam aquela unidade, cada qual com suas peculiaridades. O estudo é destinado à questão da sucessão nos casos de trespasse do estabelecimento empresarial, sendo, portanto, as atenções dirigidas exclusivamente para estes casos. 4.3. SUCESSÃO NA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL 109 Neste sentido: FÉRES, Marcelo Andrade. Estabelecimento Empresarial: Trespasse e Efeitos Obrigacionais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 46. 65 Anteriormente, foi realizada a fundamentação jurídica do instituto da sucessão empresarial, bem como determinou-se sua situação no contexto econômico. Também se deu o trabalho de definir o estabelecimento empresarial conforme as normas extraídas do CC, ficando caracterizado como uma universalidade, uma coisa sucessível de titularidade e, portanto, a possibilidade de ser objeto de negócios jurídicos, no caso em debate, o trespasse. É tempo de adentrar na discussão relativa ao fato jurídico da sucessão ocorrida nos casos de alienação do estabelecimento. No direito norte-americano, por exemplo, uma das principais vantagens de se realizar uma reorganização sob a forma de compra de ativos, “asset purchase” 110 , podendo os ativos representar um estabelecimento empresarial (no caso da compra envolver o goodwill), em relação à típica “merger”111 (fusão), é que o adquirente não assume o passivo da alienante, salvo algumas exceções 112 . No direito italiano, ao contrário, dá-se a sucessão em ambos os casos 113. Como fora visto anteriormente (item “3.2” supra), na hipótese de fusão, incorporação ou cisão haverá a sucessão universal, em que o alienante é sucedido pelo adquirente em todo o ativo e passivo de seu patrimônio. Porém, quando está em pauta a alienação do estabelecimento, a situação fática é outra. Retomando as características da sucessão particular, foi visto que esta é a transmissão de posições jurídicas subjetivas ativas e/ou passivas nas relações jurídicas, por ato inter vivos, que normalmente ocorre nos casos de alienação de bens, cessão de crédito, assunção de dívidas e até mesmo o traspasse de uma posição jurídica subjetiva complexa em um contrato, mediante a cessão contratual. Também foi esclarecido que quando se tratar de transpasse de direitos, não há sucessão nas 110 Segundo o Model Business Corporation Act uma companhia poderá vender todos ou, substancialmente todos, os seus ativos com ou sem a presença do goodwill, conforme seu §12.02, American Bar Association, 2010. 111 Conforme as disposições do Model Business Corporation Act, §11.02, Op. Cit., p. . 112 GILSON, Ronald J.; BLACK; Bernard S. Op. Cit., p. 1507. O que interessará para este estudo são as fundamentações em torno das destas, que serão discutidas mais adiante. 113 O Codice Civile italiano estabelece a sucessão em seus artigos 2.504 e 2.560. 66 obrigações do sucedido, salvo convenção ou incidência de norma jurídica em sentido contrário. Diante do entendimento do estabelecimento como uma universalidade, um conjunto de bens, e não um patrimônio, conclui-se que no trespasse, estar-se-á ante um caso de sucessão particular, em que somente existe sucessão nas relações obrigacionais que têm como objeto o estabelecimento ou os bens que o formam, não havendo, portanto, sucessão nas obrigações do alienante, salvo imposições legais e convencionais. A partir dessa constatação, a doutrina comercialista, quando ainda em vigência o código civil de 1916, adotou e aplicou a teoria geral do direito privado nos negócios jurídicos de trespasse de estabelecimento, culminando com a ausência de sucessão nas obrigações do alienante, já que do tipo singular ou particular 114. Em relação à certas obrigações, contudo, a lei já determinava sua transmissão ao adquirente, mais precisamente os débitos trabalhistas, tributários e os relativos aos direitos propter rem. Quanto ao restante, a regra era da ausência da sucessão. Não só a sucessão nas obrigações era motivo de inseguranças, os créditos titularizados pelos empresários também eram motivos de debate. Alguns doutrinadores entendiam os direitos como elementos do estabelecimento e, desta forma, a sucessão dar-se-ia com o negócio, observando-se apenas as disposições gerais da cessão do crédito, outros já não, subordinando a transmissão à vontade das partes. Mesma sorte seguiam os contratos em que o sucedido era parte, principalmente aqueles de 114 MORAES FILHO, Evaristo de . Op. Cit., p. 138. Oscar Barreto Filho descreveu o instituto em face do direito brasileiro na época: “Em nosso sistema jurídico, na falta de disciplina legal específica, a construção dogmática dos efeitos jurídicos do trespasse deve apoiar-se na teoria geral das obrigações, sem esquecer as peculiaridades decorrentes da unidade funcional do estabelecimento. (...) O direito brasileiro, em princípio, não prevê a transferência de dívidas a título singular operada por força de lei; (...) A sucessão nos débitos ope legis é um efeito necessário da sucessão a título universal (herança, incorporação ou fusão de sociedades) quando ocorre a transmissão global do património de um sujeito para outro sujeito.” BARRETO FILHO, Oscar. Op. Cit., p. 221 e 228. Neste sentido: SÃO PAULO. a Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 0035341-25.2002.8.26.0000. 12 . Câmara do Extinto o 1 . TAC. Relator: Matheus Fontes. São Paulo, 03 de setembro de 2002. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 16 out. 2011. 67 exploração do estabelecimento. O reflexo de tudo isto era a insegurança jurídica das partes na negociação e concretização do negócio, visto que o adquirente encontrava-se na situação de ser responsabilizado por todo passivo do alienante, sem a devida transmissão dos elementos do estabelecimento que davam ao conjunto aquele sobrevalor, o goodwill, responsáveis por, de certa forma, justificar a transação comercial. O CC alterou totalmente o panorama. Inspirado diretamente no direito italiano, passou a tratar expressamente da alienação do estabelecimento e seu efeitos obrigacionais. Desta forma, ainda que se trate de um caso de sucessão singular, as consequências jurídicas da venda do estabelecimento estão estipuladas na lei. 4.3.1. Informações e Garantias Contratuais Aqui é o espaço ideal para tratar de alguns dos efeitos que a sucessão empresarial tem sobre o mercado de empresas. Anteriormente, foi vislumbrado que a sucessão empresarial tem reflexo direto no valor de uma empresa, no preço que será pago pelo estabelecimento do alienante, bem como na estrutura jurídica da operação a ser realizada em vistas dos interesses e desejos das partes. A questão da sucessão no passivo é aquela que mais preocupa, porém a transmissão dos ativos, principalmente direitos, também é relevante, e dependem das informações e declarações dadas pelo empreendedor sucedido e também da investigação que deve ser realizada pelo adquirente. A prática do mercado consiste na elaboração de um anexo contratual, para uma maior segurança na relação, em que são descritos todos os débitos, valores e seus respectivos credores, bem como os ativos que serão transpassados no negócio, conhecidas como Disclosure Schedules. Estes documentos estão conectados diretamente às declarações e garantias prestadas pelo alienante no corpo do contrato, as chamadas representation and warranties. Tratam-se estas de disposições contratuais que visam fornecer ao empresário adquirente segurança quanto ao que esta assumindo na transação, seja referente aos elementos que compõem o 68 estabelecimento, seja em relação às obrigações do vendedor, ganhando, assim, relevância na determinação do preço do negócio.. Também dão base ao futuro e eventual direito de indenização daquele em face deste último, quando elas não corresponderem a realidade ou deixarem de noticiar determinada situação, em que a difícil prova de comprovar quaisquer outros fatos atinentes ao negócio caberá ao vendedor. Podem, ainda, dar base à possibilidade de resilição contratual por uma das partes, conforme estipulada nos contratos indenizatórias de grande valor 115 . Normalmente estão vinculadas a multas 116 Todavia, não só destas declarações se valem os agentes do mercado, soma-se a estas a due diligence, procedimento este utilizado para coletar informações a fim de constatação da real situação jurídica, econômica e financeira do vendedor e/ou do comprador, quando se está em pauta o pagamento com ações deste, que, no caso do negócio prosseguir, serão de alguma maneira incluídas nos contratos. As cláusulas contratuais elaboradas com base nas análises efetuadas não podem ser objeto de defesa pelo comprador ou vendedor em face de credores que venham a demandá-los por dívidas que no contrato foram atribuídas para determinada parte, haja vista a imposição legal da sucessão nas obrigações pelo adquirente e manutenção da responsabilidade do vendedor pelo prazo estipulado. Nesta situação, a parte prejudicada deverá se valer dos mecanismos judiciais de indenização, fundamentados na alocação dos riscos e prejuízos estabelecidos contratualmente. Desta forma, os mecanismos mencionados constituem-se ferramentas essenciais às partes na negociação da operação, a fim de realizar a distribuição dos riscos e eventuais prejuízos que ambas possam vir a sofrer. Como não há no direito pátrio quaisquer normativos legais tratando de maneira específica sobre essas previsões contratuais e seu efeitos, eventuais litígios em razão de seus termos deverão 115 Normalmente estas cláusulas recebem o nome de MAC (Material Adverse Change) clauses. WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel de.; WAISBERG, Ivo. Fusões, Incorporações e Aquisições – Aspectos Societários, Contratuais e Regulatórios. In WARDE JR., Walfrido Jorge (coord.). Fusão, Cisão, Incorporação e Temas Correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. 116 CARNEY, William J. Op. Cit., p. 163/164. 69 ser resolvidos com base nas cláusulas gerais da boa-fé, e todos os seus deveres acessórios, na função social do contrato, nos termos dos artigos 421 e 422 do CC, nas causas de anulabilidade dos contratos, como o vício de consentimento, conforme as disposições do artigo 171 do CC ou, ainda, em razão dos vícios redibitórios, tendo em vista que trata-se da compra e venda de bem, de acordo com o artigo 441 e ss. do CC. Entretanto, não existindo quaisquer disposições contratuais em relação a determinado débito, às partes caberá pleitear eventual indenização com base na distribuição legal das responsabilidades pelas obrigações no trespasse, principalmente na existência ou não da escrituração de suposto débito, e também fundadas na cláusula geral da boa-fé e seus deveres acessórios, na função social do contrato, nas causas de anulabilidade dos contratos, como o vício de consentimento ou, ainda, em razão dos vícios redibitórios. Por fim, anota-se que a principal diferença na indenização de eventuais prejuízos nos casos de existência ou não de previsão contratual é a distribuição do ônus da prova, que irá variar conforme o caso. 4.3.2. Eficácia do Negócio O CC passou a subordinar a eficácia do negócio jurídico ao consentimento dos credores, consoante o artigo 1.145: Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação. Tendo em vista a ausência de regramento antes do advento do CC, não havia necessidade do consentimento, expresso ou tácito, e tampouco o pagamento de todos credores do alienante. Todavia, o Decreto-lei 7.661/45, previa que, no caso de ausência de ativos suficientes para arcar com o passivo do alienante, a necessidade do consentimento ou pagamento de todos os credores para realização da operação, sob pena de decretação da falência, além da perda do estabelecimento, pelo adquirente, 70 em favor da massa falida para atender os credores. Aliás, verifica-se que esta norma jurídica foi mantida também na LRF, sob as regras dos artigos 94, III, c e 129, VI. No regime atual, vislumbra-se que somente no caso em que não restarem bens suficientes para arcar com seu passivo ou não houver o pagamento de todos os seus credores, é que o empresário, que deseja transpassar seu estabelecimento, deverá contar com a anuência dos credores, tácita ou expressa, até 30 (trinta) dias após sua notificação. A situação do pagamento de todos os credores não é tão comum, principalmente quando se está diante de uma atividade econômica de porte, existindo diversas relações jurídicas obrigacionais e que importam num passivo considerável, sendo que muitas delas para pagamento em um extenso prazo. Sendo assim, o eventual pagamento de todo os credores inviabilizaria o negócio. Porém, existindo outros bens que garantam as obrigações, normalmente quando se está em face de uma companhia de grande porte, detentora de vários estabelecimentos, em tese, não haverá prejuízos aos credores e, portanto, eficaz será o negócio em face de todos eles. O que a norma extraída do artigo 1.145 quer é tutelar os interesses dos credores não abrangidos pela disposição do artigo 1.146 (sucessão nas obrigações escrituradas do alienante) e por outras regras previstas em diferentes diplomas legais, tais como o credor trabalhista, tributário, com garantias reais, haja vista a sucessão singular legal do adquirente nestas obrigações. Tratam-se daqueles que possuem créditos em face do alienante, mas não vinculados ao estabelecimento transpassado e/ou não escriturados. Desta forma, em havendo o esvaziamento do patrimônio do empresário alienante em razão do trespasse, apenas estes credores poderão utilizar-se da proteção trazida pela norma, obter a declaração da ineficácia do negócio em virtude da ausência de seu consentimento, expresso ou tácito. Veja que esta interpretação encontra fundamento no fato de que o novo titular, diante da imposição normativa de transmissão das obrigações do alienante, responderá pelas dívidas com aquele mesmo conjunto de bens que já serviam de garantia, não existindo, portanto, para os credores beneficiados pela sucessão legal qualquer 71 prejuízo, motivo pelo qual não é possível a utilização por estes da proteção trazida no artigo 1.145 do CC. Ademais, impor ao adquirente a obtenção do consentimento de todos os credores para eficácia do negócio, indiscriminadamente, implicaria em desnecessário aumento dos custos de transação, que, por si só, poderia inviabilizar o negócio jurídico por completo. Ela poderá ser declarada no bojo de simples execução, ou mesmo em outros mecanismos jurídicos, tais como na fraude contra credores (artigo 158 e ss. do CC), no pleito de falência (artigo 94, III, c da LRF) e na ação revocatória (artigo 129, VI da LRF). Sendo assim, a utilização dos mecanismos, inclusive os previstos na LRF, deverá estar em consonância com a norma do CC, pois somente os credores não abrangidos pela sucessão legal é que terão interesse de agir em face do desmantelamento do patrimônio do alienante. Nos primeiros casos, a ineficácia alcançará tão somente as partes envolvidas nos respectivos processos judiciais, já no segundo, sua ineficácia estará subordinada as regras da anulabilidade dos negócios jurídicos, e, no que diz respeito à ação revocatória, reputar-se-á ineficaz em face da massa falida. Ressalta-se o interesse dos credores, inclusive aqueles beneficiados por sucessão legal, neste último caso, visto que a ineficácia da alienação em face da massa falida poderá reduzir o valor do estabelecimento e, desta forma, a garantia anteriormente existente. 4.3.3. Sucessão nas Obrigações Cinge-se à questão da sucessão nas obrigações se, cumprido os requisitos de eficácia do trespasse, o empresário adquirente do estabelecimento sucede o alienante nas suas obrigações, assumindo, desta forma, a posição jurídica subjetiva passiva nas dívidas. O artigo 1.146 do CC que trouxe a norma não traz a clareza necessária, consoante se observa de sua redação: 72 Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento. São as situações jurídicas em que a outra parte do contrato já cumpriu seu dever, restando apenas o débito a ser adimplido por parte do titular do estabelecimento. Caso contrário, em havendo obrigações por ambas as partes contratuais, deve-se partir para o disposto no artigo 1.148 do CC, cessão de contrato. Percebe-se a intenção da proposição em vincular o adquirente do estabelecimento ao pagamento das dívidas, desde que estas estejam regularmente contabilizadas, bem como estabelecer uma solidariedade entre aquele e o alienante. Qualquer relação obrigacional está fundamentada na prestação patrimonial de uma parte à outra, isto é, a sujeição do patrimônio do devedor à satisfação do débito. O que caracteriza uma obrigação solidária passiva é, segundo Orlando Gomes: “Estabelecida a solidariedade passiva, pela vontade das partes, ou por lei, o credor tem o direito a exigir e receber de qualquer dos devedores a dívida em comum.”117 Sendo assim, adquirente e alienante estão na posição de codevedores solidários nessas relações obrigacionais, podendo os credores dirigirem-se tanto ao primeiro quanto ao segundo na cobrança de seus créditos. Existe, por conseguinte, a intenção de dar uma ampla proteção aos credores, já que podem se direcionar ao patrimônio do sucessor, agora na titularidade do estabelecimento, conjunto de bens este que já servia de garantia àqueles, bem como ao restante dos ativos do sucedido, que continuará como obrigado dentro do prazo assinalado. 118 117 118 GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 81. Marcelo Andrade Féres aponta uma imprecisão terminológica do artigo 1.146 do CC, asseverando que: “A legislação criou, assim, uma co-responsabilidade solidária efêmera. Ela acabou qualificando o adquirente do estabelecimento como responsável pelas dívidas pretéritas, a título solidário, ao lado do devedor original que continua obrigado pelo prazo de um ano contado de acordo com a regra acima citada. (...) Portanto, no contexto ulterior ao referido prazo ânuo, o art. 1.146 do Código Civil de 2002 proclama a figura de um adquirente responsável pelas dívidas regularmente contabilizadas, sem, contudo, estipular um obrigado por esses mesmos débitos. Em verdade, após o decurso do lapso temporal assinalado pela norma, apenas o adquirente do estabelecimento pode ser responsabilizado pelas dívidas contraídas antes do aperfeiçoamento do negócio, ou seja, pode-se dizer que, na pessoa do 73 A assunção legal das dívidas do empresário sucedido pelo empresário adquirente do estabelecimento se dá unicamente em relação aos débitos regularmente escriturados, conforme previsto na norma, devendo estar atendido, portanto, o enunciado nos artigos 1.179 e seguintes do CC, que normatizam a contabilidade do empresário. Quanto às companhias ou sociedades empresárias de grande porte, a escrituração dos débitos deve observar as disposições do artigo 177 da LSA. Diante da ausência de previsão legal, os registros podem estar contidos tanto nos livros obrigatórios quanto nos facultativos. A contabilidade do empresário, principalmente quando se está falando do exercício de empresas de maior porte, variam de acordo com a centralização ou não de sua administração, podendo constar de registros tanto no estabelecimento principal quanto naqueles considerados secundários. Por tal razão, os débitos poderão constar em registros arquivados junto primeiro, quando este for objeto do negócio jurídico. Se a operação se der em relação a uma das filiais, os registros poderão estar tanto no estabelecimento principal, nos casos de administração e contabilidade centralizada, bem como na contabilidade das filiais, já que a lei não faz distinção entre os livros, se obrigatórios ou facultativos. A sucessão nas obrigações diz respeito apenas àquelas referentes ao funcionamento do estabelecimento a ser adquirido e não todas as relações obrigacionais em que o alienante seja titular da posição jurídica passiva, por isso, a importância do local da escrituração dos débitos. Não faria sentido a sucessão do adquirente em todas as obrigações do transpassante, inclusive as que não digam trespassário, reúnem-se as qualidades de devedor e responsável. (...) Parece que o Código Civil procede a um progressivo deslocamento das dívidas para a pessoa do adquirente da azienda. A vontade final dele é que a obrigação e responsabilidade convirjam no trespassário. Contudo, é estabelecida uma situação intermediária, na qual ambas as partes do trespasse posicionam-se como co-responsáveis, de modo a evitar qualquer sorte de oposição dos credores ao negócio. ‘FERES, Marcelo Andrade. Op. Cit., p. 111/114. Na opinião da jurisprudência majoritária, o adquirente do estabelecimento é parte legítima para responder as dívidas anteriores ao negócio, desde que devidamente escrituradas, dando guarida à opinião exposta neste estudo, como assim entenderam os seguintes julgados: SÃO PAULO. Tribunal de a Justiça. Apelação de n° 9175222-19.2006.8.26.0000. 35 . Câmara de Direito Privado. Relator: Manoel Justino Bezerra Filho. São Paulo, 16 de agosto de 2010. Disponível em <www.tjsp.jus.br>, acesso em: 16 a out. 2011; PARANÁ. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 603048-4. 10 . Câmara Cível. Relator: Albino Jacomel Gueiros. Curitiba, 12 de novembro de 2009. Disponível em <www.tjpr.jus.br>, acesso em: 16 out. 2011; RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° a 0008935-44.2011.8.19.0000. 18 . Câmara Cível. Relator: Celia Meliga Pessoa. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2011. Disponível em <www.tjrj.jus.br>, acesso em: 16 out. 2011; 74 respeito ao estabelecimento objeto de alienação, tendo em vista que os interesses destes credores estarão resguardados em face dos outros estabelecimentos 119. Ante a disposição legal, os débitos não constantes da escrituração do alienante ou não expressamente assumidos pelo adquirente, não poderão ser objeto de sucessão por este último 120 , salvo as obrigações de natureza trabalhista, tributária e de propter rem. Para o credor a descoberto restará a cobrança em face do empreendedor sucedido, as disposições falimentares, além de dispor do mecanismo da fraude contra credores para buscar a satisfação de seu crédito, tal qual como foi exposto no item “4.3.1.” acima. Destaca-se que a publicação ventilada, já referida no art. 1.144, tem como função aqui a contagem do prazo da responsabilidade solidária do empresário alienante pelos créditos vencidos, de 01 (um) ano. Nada impede que as partes façam a previsão no instrumento de trespasse sobre a responsabilidade de cada uma a respeito de cada débito, tal como fora salientado no item “4.3.1” supra, realocando os riscos e eventuais prejuízos entre elas. Salienta-se, contudo, que as disposições contratuais somente terão validade e eficácia entre sucessor e sucedido, a fim de dar base a pedidos de indenização, não tendo valor em relação aos credores, alheios ao contrato de trespasse. Diante da posição hipossuficiência de alguns credores em face do titular do estabelecimento, a jurisprudência tem imposto a sucessão nas obrigações do sucedido. Um destes casos são os relativos ao direito do consumidor. Sustentam as decisões que o consumidor que sofre danos e prejuízos não pode deixar de ser ressarcido em razão da personalidade jurídica do fornecedor, com base na teoria da disregard doctrine 119 Ressalvam-se aqui as hipóteses de fraude, em que os credores poderão utilizar os mecanismos da fraude contra credores e aqueles previstos na LRF para assegurar o recebimento de seus créditos. 120 a Neste sentido: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação de n° 9085804-02.2008.8.26.0000 . 11 Câmara de Direito Privado. Relator: Rômolo Russo. São Paulo, 08 de março de 2012. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 26 mar. 2012; e SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação de n° a 0027004-77.2005.8.26.0344 . 33 Câmara de Direito Privado. Relator: Cristiano Ferreira Leite. São Paulo, 04 de abril de 2011. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 06 abr. 2012. 75 prevista no artigo 28, §5o do CDC.121 São situações em face de instituições financeiras sob o regime de liquidação extrajudicial, entretanto, tal entendimento pode facilmente ser transplantada para simples casos de trespasse de estabelecimento, ante a norma extraída do CDC, que consoante o entendimento do Desembargador Ricardo Negrão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em voto proferido na análise de transferência de ativos de bancos em liquidação, pode ser tida como: “(...)Reconhecida a aplicação da legislação consumerista, consigna-se ser possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade “sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (art. 28, § 5o, CDC). (…) Isto posto, independentemente da espécie de reestruturação organizacional da sociedade em liquidação ou da natureza da transferência de seu patrimônio à agora agravante, é esta responsável civilmente por danos causados anteriormente ao “contrato de compra e venda de ativos e passivos”, ressalvado o direito de regresso previsto contratualmente.” O critério exposto pelo julgador não é aquele a respeito da escrituração ou não do débito, mas sim unicamente as disposições do CDC. A imposição da responsabilidade para solver a obrigação de ressarcimento ao consumidor existe independentemente das disposições legais do CC. Resgatando o exemplo mencionado no item “3.3” supra: “Suponha que uma companhia brasileira (“X”), que tem como objeto social a construção de eletrodomésticos, tais como geladeiras, fogões etc., realize a venda de todos os seus ativos, sendo posteriormente dissolvida. A adquirente (“Y”) destes ativos, também uma companhia brasileira exploradora da mesma atividade, continua a operar o 121 O CDC determina que: Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (…) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Neste sentido: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 0142262a 90.2011.8.26.0000. 19 Câmara de Direito Privado. Relator: Ricardo Negrão. 22 de novembro de 2011. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 06 abr. 2012; SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de a Instrumento de n° 0144180-32.2011.8.26.0000. 19 Câmara de Direito Privado. Relator: Ricardo Negrão. 26 de março de 2012. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 06 abr. 2012; PARANÁ. a Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 656345-5. 5 . Câmara Cível. Relator: Adalberto Jorge Xisto Pereira. Curitiba, 11 de maio de 2010. Disponível em <www.tjpr.jus.br>, acesso em: 06 abr. 2012. 76 estabelecimento adquirido. Antes da efetivação da venda, contudo, houve um problema com um dos lotes de fogões modelo “F”, em que uma das tubulações de condução do gás de cozinha está deteriorada, resultando no vazamento de gás, mas tal problema não foi detectado na época de sua fabricação. Posteriormente à venda dos ativos de X (já dissolvida) à Y, estando esta já no efetivo domínio do estabelecimento, um consumidor, o qual adquiriu um dos fogões F daquele lote defeituoso, mas que nem X e tampouco Y sabiam da existência do defeito, vem a sofrer sérios danos advindos do defeito do produto. Em seguida, vários outros consumidores, também compradores do mesmo fogão F, também sofrem graves danos pelos defeitos de fabricação. O montante dos prejuízos chega a uma quantia relevante em relação ao preço pago pelos ativos. Segundo o CDC, o fabricante responde pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos na fabricação de seus produtos (art. 12). O CC disciplina a alienação do estabelecimento empresarial, determinando que o alienante responda solidariamente com o adquirente pelos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados (art. 1.146). Houve sucessão empresarial referente a esta relação jurídica? Como o direito trata deste tipo de internalização? Y poderá ser demandado pelos danos ocasionados aos consumidores? Terá o direito de regresso face à X? Y, em prevendo o caso em contrato, ficará resguardada em relação à X, quando esta já estiver dissolvida? Em Y respondendo integralmente pelo defeito, qual o impacto que terá sobre a compra e venda dos ativos? Será que a previsão de sucessão nos débitos da companhia adquirida interessa ao mercado? Ou é uma norma que, embora bem intencionada, não trouxe boas consequências às fusões e aquisições?”122 No caso exposto existem externalidades da atividade desenvolvida pela companhia “X” culminando com graves prejuízos aos consumidores. O CDC expressamente prevê que a personalidade jurídica pode ser desconsiderada sempre que se tornar um entrave ao ressarcimento dos danos experimentados pelos consumidores (artigo 28, § 5°). A responsabilidade da adquirente na situação apresentada advém do fato de que a obrigação nasceu após a atividade já estar devidamente sob a titularidade desta (fato danoso ocorreu posteriormente ao trespasse do estabelecimento). Verifica-se que houve a manutenção da mesma atividade empreendida, bem como a continuação na produção daquele tipo de produto, sendo assim, a companhia que adquiriu o estabelecimento assumiu a posição de fornecedor na relação jurídica com o consumidor. Sob a perspectiva exposta pelo julgado acima transcrito, a personalidade 122 Ver página 54. 77 jurídica do fornecedor não pode ser um entrave ao ressarcimento dos consumidores, portanto, o adquirente responde pelos danos causados, sejam ocorridos antes ou depois do transpasse dos ativos empresariais. A aplicação deste raciocínio jurídico também é base da sucessão empresarial no campo do direito do trabalho e tributário, cada qual com sua respectiva norma jurídica (CLT e CTN, ver item “4.3.5” abaixo), ainda que referente unicamente as obrigações já existentes. De suma importância para as partes, desta forma, é a prevenção com absoluto cuidado cláusulas contratuais alocando os riscos de contingências, principalmente em torno de direitos do consumidor, para eventual indenização futura, se for o caso. A internalização será imposta pelos tribunais, cabendo as partes determinar qual a melhor maneira de realizá-la. Por derradeiro, é válido mencionar os casos em que há confusão patrimonial entre dois empresários, nos quais há utilização dos mesmos bens, endereço, a continuação da atividade, muitas das vezes com quadro societário parecidos ou comuns. Alguns julgados têm considerado que estes casos impõem a caracterização de um trespasse de fato e, consequentemente, a caracterização da sucessão empresarial, imputando ao sucessor a responsabilidade pelas obrigações do sucedido, aplicando as disposições do CC sobre o trespasse 123. 4.3.4. Sucessão nos Créditos e Contratos A cessão de crédito trata-se de um negócio jurídico em que o credor transfere a outrem a sua posição ativa na relação jurídica 124 . Nos casos de alienação do estabelecimento empresarial, o CC prevê: 123 Neste sentido: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 0243483a 19.2011.8.26.0000. 16 Câmara de Direito Privado. Relator: Jovino de Silo. 08 de fevereiro de 2012. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 26 mar. 2012. 124 GOMES, Orlando. Op. Cit., 1988, p. 204. 78 “Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente.” Primeiramente deve-se ter em mente que são hipóteses em que apenas resta o cumprimento contratual pela outra parte que não o titular do estabelecimento, caso contrário, em havendo obrigações de ambas as partes na relação, a situação se enquadrará no artigo 1.148 do CC, transmissão do contrato, haja vista tratar-se de posição jurídica subjetiva complexa. A sucessão nos créditos se dá naquelas relações jurídicas que tem por base a exploração, ainda que indireta, das atividades econômicas desenvolvidas no estabelecimento. Aplica-se a espécie as disposições comuns relativas à cessão de crédito (286 a 298 do CC), visto trataram-se do mesmo negócio, porém, com disposições especiais quando do transpasse do estabelecimento. Os créditos são transmitidos automaticamente ao sucessor, que assumirá a posição jurídica ativa pertinente, independentemente de previsão no contrato, pois deve-se entender como uma contrapartida da sucessão nas obrigações do vendedor 125, salvo nos casos em que a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor se opuserem à cessão. A eficácia da cessão tem início com a publicação da trespasse, ao contrário do que prevê as disposições da transmissão de crédito comum, que determina a notificação pessoal do devedor. O devedor de boa-fé que paga o sucedido, ficará exonerado da obrigação, restando ao adquirente obter a correspondente indenização junto ao traspassante do ativo. O alienante responde pela existência dos créditos, de acordo com a regra geral da cessão de crédito (arts. 295 e 298), porém, não pela solvência do devedor, salvo ajuste diverso pelas partes no contrato de trespasse. Caberá, desta forma, às partes 125 Alguns doutrinadores ainda entendem não operar a cessão automática dos créditos: CARVALHOSA, Modesto. Comentários...., p. 662 e 663. Porém, tal entendimento não é de ser aceito, uma vez que a transferência dos créditos funciona como uma espécie de contraprestação às dívidas assumidas. FÉRES, Marcelo Andrade. Op. Cit., 138 e 139. REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 289. 79 estabelecerem contratualmente disposições sobre problemas oriundos da cessão, principalmente por parte do comprador, já que a lei não estabelece a responsabilidade do cedente pela eventual insolvência do devedor. Assim como na sucessão nas obrigações, poderão as partes estabelecer ajustes em sentido contrário à disposição legal, determinando à cessão de apenas alguns créditos, entretanto, válidos apenas entre alienante e adquirente, não sendo possível sua oposição em face de terceiros. No que diz respeito à sucessão em contratos, determina o art. 1.148 do CC: “Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a subrogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.” Portanto, a sub-rogação do adquirente nos contratos referentes à exploração da atividade empresarial vinculada ao estabelecimento é a regra geral. Trata-se da sucessão nas posições jurídicas subjetivas complexas ocupadas pelo alienante em contratos de fornecimento, não apenas de posições jurídicas subjetivas ativas ou passivas, como assim foi explanado supra (item “3.1.1”)126, por imposição legal e não pelas disposições do negócio jurídico, por isso sub-rogação e não cessão127. Contudo, deve-se diferenciar a situação dos contratos previstas no artigo 1.148 daquelas situações de transmissão das obrigações (artigo 1.146) e da cessão nos créditos (artigo 1.149). As últimas dizem respeito apenas às situações de traspasse de posições jurídicas subjetivas elementares, passivas ou ativas, respectivamente, não envolvendo a posição jurídica subjetiva complexa, a qual é composta tanto por posições jurídicas ativas e passivas. Estas são as situações dos contratos que não tiveram as obrigações recíprocas inteiramente cumpridas por nenhuma das partes e, assim, são objeto de incidência da norma extraída do artigo 1.148. 126 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. Cit., 1985, p. 233 e ss. 127 Ibidem, p. 433. 80 Não são transferidos aqueles contratos de caráter pessoal, como assim determinados nos artigos 247, 248 e 249 do CC. O terceiro poderá rescindir contratual se ocorrer justa causa, que deverá ser realizado em até 90 dias da publicação da transferência. Por justa causa deve-se entender aquelas situações que, pela mudança dos sujeitos no contrato, verifica-se uma alteração objetiva que importaria ou na modificação dos termos contratuais ou no desfazimento do contrato 128. Tal fato se dá porque o empresário, no dinamismo do mundo empresarial, celebra e mantém uma rede de relacionamentos com diversos agentes do mercado, que, por óbvio, destina-se ao desenvolvimento de sua atividade. Boa parte destas relações jurídicas estão de alguma maneira atreladas ao funcionamento do estabelecimento, já que este, além de ser uma ferramenta utilizada pelo empresário para consecução de sua empresa, tem como característica principal o potencial de gerar fluxo de caixa 129 . Sendo assim, retirar estes direitos 130 de sua composição significaria a não proteção do goodwill e a clientela, ou seja, as qualidades fundamentais daquela universalidade seria perdida. É possível mencionar como exemplo os contratos de franquia, fundamentais para que aquele conjunto de bens devidamente coordenados mantenham-se gerando riquezas. O de locação empresarial, uma vez que o ponto empresarial pode representar aspecto fundamental para a lucratividade da atividade ou não. Outro caso seria daqueles fornecedores de insumos às montadoras de veículos, pois em várias situações uma pequena indústria de autopeças está diretamente vinculada por um ou poucos contratos com algumas montadoras, relações jurídicas estas que garantem o 128 CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit., 2005, p. 658. FÉRES, Marcelo Andrade. Op. Cit.,p. 81. 129 Ressalta-se que o critério do potencial de geração de fluxo de caixa é de extrema relevância para as avaliações de empresa no âmbito das fusões e aquisições. Trata-se de uma das formas de auferir o valor econômico dela, consoante foi brevemente comentado no item “3.3” supra. 130 Tratam-se de posições jurídicas subjetivas ativas complexas em uma relação jurídica (item “3.1.1” supra). Rubens Requião defende que os contratos não fazem parte do estabelecimento, conforme REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 292/293. 81 funcionamento de todo o seu complexo industrial e geração de lucros ao seu titular. Um fato que se tem visto com frequência na atualidade são as compras de empresas do setor de tecnologia, em virtude de patentes, licenças, direitos de softwares entre outros, pois de nada adiantaria a compra do estabelecimento, sem os contratos ou direitos integrados ao mesmo. Nestas hipóteses, caso seja considerado que os tais ativos não integram o estabelecimento, importaria na total perda de goodwill e o desestímulo ao uso deste negócio jurídico. Interessante caso foi um julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que, embora no âmbito recuperacional, entendeu pela transmissão dos contratos de concessão celebrados por companhia aérea em recuperação, e seus respectivos direitos, ao sucessor, uma vez que integrantes do estabelecimento (ou unidade produtiva isolada, nome dado ao estabelecimento pela LRF). Transcreve-se parte do voto relator, sob a lavra do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, destacando os direitos como parte integrante do complexo traspassado: “(…) Evidentemente, não poderia a Pantanal alienar os slot’s, mas, segundo decorre do art. 50, inciso VII, da Lei n° 11.1’01/2005, o trespasse do estabelecimento é um dos meios de recuperação judicial. Ademais, a teor do art. 1.148 do Código Civil, salvo disposição em contrário, a transferência importa sub-rogação’ do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, exatamente como o caso dos contratos que integram o estabelecime’nto da Pantanal. Anote-se que o enunciado 64 do CEJ consigna que: ‘A alienação do estabelecimento empresarial importa, como regra, na manutenção do contrato de locação em que o alienante figurava como locatário, entendimento perfeitamente aplicável aos contratos de concessão de espaços aeroportuários. (…)”131 Os contratos de trabalho, embora submetidos à legislação trabalhista (ver item “4.3.3” abaixo), podem seguir a mesma sorte, já que são integrantes do estabelecimento. Apesar das obrigações oriundas destes contratos serem um dos motivos de preocupação constante neste tipo de operação, podem representar também um fator preponderante para a geração de riquezas da unidade. Pense na situação de 131 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 994.09.316372-9. Câmara Reservada à Falência e Recuperação de Empresas. Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças. 26 de fevereiro de 2010. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 26 mar. 2012. 82 empresas de publicidade e design, onde o intelecto das pessoas que ali trabalham é de extrema valia para geração de melhores resultados. As normas atinentes à sucessão nos contratos de fornecimento (art. 1.148 do CC) e a cessão de crédito (sucessão nas posições jurídicas ativas na relação obrigacional, nos termos do art. 1.149 do CC) revelam a intenção do legislador em assegurar o transpasse de posições jurídicas em relações que dão guarida ao funcionamento do estabelecimento empresarial e um dos seus atributos fundamentais, o aviamento. Normalmente existe a previsão nos contratos de exploração que quaisquer alterações no titular do estabelecimento e da empresa, importariam em motivo de rescisão contratual. Tais situações representam um sério problema, pois, como visto, os pactos podem representar o principal motivo por aquele sobrevalor pago pela adquirente, desta forma, tem lugar a responsabilidade do empresário transmitente perante o adquirente pela ausência das características funcionais do estabelecimento, pois sem o elemento contrato, todos os bens restantes não teriam aquela capacidade de geração de riqueza, que determinou o preço do estabelecimento. Resta, ao adquirente, nestes casos, buscar eventual indenização com base nos preceitos das cláusulas gerais e enriquecimento sem causa. 4.3.5. Sucessão Trabalhista e Tributária O passivo trabalhista e tributário possuem normativos específicos quanto à sucessão do adquirente nas obrigações, não se submetendo ao regime geral da sucessão previsto no CC. Quanto ao primeiro tipo, determinam os artigos 10 e 448 da CLT132, que a quaisquer modificação na estrutura jurídica da empresa, não afetarão os direitos 132 Prevê o artigo 10°. da CLT: “Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.” Já o artigo 448 dispõe que: “Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.” 83 adquiridos e os contratos de trabalho dos respectivos empregados. A CLT adotou o sentido subjetivo de empresa, nos termos da lição de Alberto Asquini, estabelecendo em seu artigo 2o. o empregador como “empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço”. Contudo, a doutrina e jurisprudência destacam que não se trata de mero erro ou impropriedade no uso do termo, o que realmente a lei busca é a vinculação do empregado à atividade exercida pelo empresário133. Adota, desta forma, o critério da continuidade da empresa e a manutenção dos elementos do estabelecimento como uma unidade para o exercício daquela. Responde o sucessor adquirente do estabelecimento, tendo de arcar com todo o passivo existente, mantendo-se intacto os contratos em vigor134. A sucessão nas dívidas tributárias decorre da incidência da norma jurídica extraída do artigo 133 do CTN135, que determinou a responsabilidade do sucessor pelas dívidas do empresário alienante, desde que haja continuação da empresa exercida por este. Porém, estabeleceu duas situações distintas de sucessão: a) responderá integralmente pelas dívidas, caso o alienante deixe de explorar alguma atividade; e b) 133 MALLET, Estevão. Anotações Em Torno da Sucessão de Empresas no Direito do Trabalho. In WARDE JR., Walfrido Jorge. Op. Cit., p. 290. 134 Neste sentido: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de a Revista de n. 69500-69.2005.5.17.0006. 1 . Turma. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, em 11 de outubro de 2011. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 18 jan. 2012. Fábio Konder Comparato entende diferentemente, sustentando que: “No segundo caso, a transferência do estabelecimento acarreta a sucessão nos contratos de trabalho existentes na data em que se aperfeiçoou essa transferência: o adquirente do fundo de negócio não é sucessor do precedente empregador (sucessor da empresa), mas sim, unicamente, dos contratos de trabalho dos empregados que se encontravam no estabelecimento cedido, no momento da transferência deste.” COMPARATO, Fabio Konder. Op. Cit., p. 798. 135 O artigo 133 do CTN determina: “Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.” 84 responderá subsidiariamente pelas dívidas, caso o sucedido continue a explorar uma empresa ou inicie nos 6 meses seguintes ao negócio do trespasse 136. Ressalta-se que a presença destes dois tipos de sucessão representa, muitas das vezes, os principais passivos que um empresário, sendo que as disposições contratuais para ressarcimento de eventuais prejuízos são de extrema importância para as partes contratantes do trespasse. 136 Neste sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial de n. 613.605/RS. Segunda Turma. Relator: Ministro Castro Meira, em 21 de junho de 2005. Disponível em: <www.stj.jus.br> . Acesso em: 18 jan. 2012. 85 5. REGIME ESPECIAL DA SUCESSÃO EMPRESARIAL 5.1. INTRODUÇÃO A nova LRF contemplou o que há muito o mercado vinha demandando, um instrumento capaz de possibilitar mecanismos para a preservação da atividade empresária desenvolvida pelo empresário em crise. Será concentrada a exposição nos aspectos que interessam ao presente trabalho. Uma das principais inovações foi a expressa previsão de ausência de sucessão do arrematante do estabelecimento nas obrigações do devedor, em destaque as de natureza trabalhista e tributária. Neste capítulo será analisada a sucessão empresarial em casos de compra e venda de estabelecimentos empresariais sob a LRF. 5.2. HISTÓRICO O Brasil durante muito tempo ficou a mercê de uma legislação falimentar arcaica e problemática. O Decreto-lei de n. 7.661/45, o antigo texto legal sobre falências, como salientou o Deputado Osvaldo Biolchi, relator do projeto de lei que originou a LRF: “(...) encontrava-se completamente defasada em relação à atual ordem econômica e à própria realidade do País. Nossa legislação pode ser considerada uma das mais antigas do mundo, se levarmos em conta o prazo de sua vigência, e também a qualidade encerrada deixava muito a desejar no âmbito do procedimento judicial. Enquanto no Brasil o tempo médio de um processo era de 12 anos, no Japão é de 6 meses, na Inglaterra é de 1 ano, na Argentina de 2,8 anos, e na Índia de 11,3 anos.”137 Sob a égide do antigo decreto-lei, o mercado se deparava com um sério problema: como retirar uma empresa da titularidade de um empresário em crise e 137 Apresentação da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência, n. 11.101, de 2005. 86 mantê-la funcionando, viável economicamente e fonte produtora de trabalho e riqueza, sem normas jurídicas que assegurassem aos interessados sua aquisição sem ter de arcar com o passivo de seu atual titular? A solução teria de ser dada ou pelo legislador, mediante a alteração do texto legal, ou pela doutrina e a jurisprudência, quando da interpretação e aplicação das normas jurídicas extraídas do antigo diploma. A doutrina bem que tentou, transcrevemse as lições de Rubens Requião, salientando que não haveria sucessão de quaisquer tipos na realização do ativo: “A doutrina não tem dúvida em afirmar que a falência, levada a termo, põe fim à empresa e extingue, se o empresário for sociedade comercial, a personalidade jurídica. É, pois, um dos modos judiciais de dissolução e liquidação de sociedade comercial. (...) Em face desses princípios, a alienação do estabelecimento comercial, seja por leilão público ou por propostas, seja pela constituição de nova sociedade pelos credores, ou cessão, não importa a transferência de seus ônus para o adquirente. Surgirá, sempre, novo empresário que encetará, pela sua atividade, nova empresa. Apesar de tão lógicas e precisas conclusões, os tribunais trabalhistas passaram a considerar existente a sucessão entre a empresa falida e o adquirente do estabelecimento, que assim responderia pelos encargos sociais dos antigos empregados. Essa jurisprudência espúria ignora a rescisão dos contratos de trabalho dos empregados da empresa falida e a sua habilitação no processo respectivo.”138 Porém, ante a interpretação e aplicação do normativo legal na forma com que realizava a Justiça do Trabalho, bem como a falta de normativos jurídicos em leis especiais (tal qual a inexistência de dispositivos no CTN e CLT), não houve solução para o problema. A consequência era a paralisação da empresa, a perda de valor dos seus ativos, a demissão dos trabalhadores e a falta de pagamento dos credores, 138 o a REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar, 1 . Volume. 16 Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 321/322. Neste mesmo sentido Miranda Valverde, o qual sustentou que: “o adquirente do estabelecimento comercial ou industrial é, segundo a jurisprudência do trabalho, um sucessor do falido. (...) Admitindo-se que o conceito de sucessão seja, como realmente é, mais extenso no direito do trabalho que no direito comum, todavia não nos parece acertada a jurisprudência trabalhista, visto que a falência é, sem dúvida, causa de rescisão dos contratos de trabalho. Estes se liquidam na conformidade dos preceitos que regulam o caso de falência do empregados (...)”. VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, V. III. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 720. 87 inclusive os de natureza trabalhista e tributária. Portanto, o procedimento falimentar antigo correspondia à uma perda para a sociedade em geral, pois o diploma legal conduzia à aplicação de suas normas jurídicas no sentido exatamente oposto ao que todo procedimento falimentar deve visar: a manutenção da empresa viável, fonte produtora de riqueza e trabalho, atendendo sua função social. 5.3. DIREITO BRASILEIRO ATUAL Embora tratar-se de um projeto de lei de 1993139 e somente ter sido sancionado em 2005, o novo diploma trouxe importantes inovações para o mercado brasileiro. Dentre as principais, a maior foi a instituição da Recuperação Judicial, que se trata de um mecanismo judicial, tendo por objetivo “(...) viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (art. 47 da LRF). A LRF trouxe um rol exemplificativo contendo alguns meios para se obter a recuperação judicial do devedor (art. 50). Tratam-se de hipóteses para realização da reestruturação das atividades do empresário devedor, mediante operações envolvendo: a) reestruturação do poder de controle; b) reestruturação financeira; c) reestruturação econômica; d) reestruturação administrativa; e) reestruturação societária; e f) reestruturação complexa140. Dentre os meios de reestruturação econômica, aparece expressamente, no inciso VII, a opção do trespasse de estabelecimento. No âmbito falimentar, a LRF também tratou de prever formas de realização do ativo do empresário falido e dentre elas está presente a venda do estabelecimento 139 140 Projeto de Lei de n. 4376, de 22 de dezembro e 1993. LOBO, Jorge. Comentários aos artigos 35 ao 69. In TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Org.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 195/201. 88 empresarial, filiais ou unidades produtivas e dos bens que integram um dos estabelecimentos do devedor, consoante dispõe os artigos 140, 141 e 142 da LRF. A partir destas previsões legais, é que será feita a exposição deste trabalho. Portanto, será abordada a questão da sucessão empresarial nas operações envolvendo o trespasse de estabelecimento no âmbito da recuperação judicial e no âmbito da falência. Entretanto, antes de adentrar em tal discussão, deve-se apresentar, ainda que de forma breve, quais são os fins e os princípios norteadores que a LRF estabeleceu ao direito falimentar e recuperacional brasileiro, pois eles terão influência direta quando da realização das operações de reestruturação econômica do devedor, na recuperação judicial, e na forma de realização do ativo, quando do procedimento falimentar. 5.3.1. Finalidades do Direito Falimentar e Recuperacional na LRF Antes de tratar diretamente da sucessão empresarial em procedimentos de falência e recuperação, faz-se necessário trazer à discussão os nortes e as finalidades buscados pelo direito falimentar, dentre eles os fins que o procedimento previsto nos artigos 47 e seguintes da Lei n. 11.101, de 2005, almeja alcançar ou, ao menos, deveria ter como foco. A partir desta visão, verificar-se-á que boa parte dos fundamentos utilizados pelo legislador em sua proposição jurídica tem relação direta com o fenômeno da sucessão empresarial. A LRF teve como inspiração ideias da legislação estrangeira, principalmente norte-americana, esta pautada nos princípios da análise econômica do direito, principalmente no da eficiência econômica. Jorge Lobo destaca esta característica, afirmando que ela faz parte do instituto da recuperação judicial. O doutrinador vai mais longe ao incluir a recuperação sob a disciplina do direito econômico, salientando que: “Para mim, a recuperação judicial da empresa é um instituto de Direito Econômico, pois não se pauta pela ideia de Justiça, mas de eficácia 89 técnica numa zona intermediária entre o Direito Privado e o Direito Público (...)” Com efeito, a recuperação judicial da empresa é um instituto de Direito Econômico, porque suas normas não visam precipuamente realizar a ideia de justiça, mas sobretudo criar condições e impor medidas que propiciem à empresas em estado de crise econômica se reestudarem, ainda que com parcial sacrifício de seus credores (...)”141 Não entrando no debate a respeito de ser ou não um instituto jurídico pertencente ao campo do direito econômico, já que não é o foco do trabalho, a citação é válida para destacar que as ideias oriundas da ciência econômica possuem vital importância na elaboração e aplicação das normas jurídicas atinentes ao direito falimentar como um todo. Em que pese à lei de falências 142 ser recente no ordenamento jurídico pátrio, muito já se debate a respeito da necessidade da realização de inúmeras alterações em seu texto, principalmente dentro do instituto jurídico da recuperação de empresas, quando mais não se propõe uma radical transformação no direito falimentar brasileiro, inspirada principalmente pelas sugestões de reforma da doutrina especializada do direito falimentar norte-americano. 143 A doutrina norte-americana já está bem desenvolvida quanto a forma de idealizar e aplicar o direito falimentar, merecendo, portanto, especial destaque e atenção às suas colocações e sugestões, pois estas possibilitarão a abordagem neste trabalho do 141 LOBO, Jorge. Op. Cit., p. 173/176. 142 A nova lei de falência e recuperação de empresas brasileira teve grande inspiração na legislação do direito norte-americano, consoante explanado na exposição de motivos da própria lei. 143 É válido mencionar, apenas a título de curiosidade, que nesse sistema jurídico existem alguns trabalhos, realizados por juristas de renome no campo do direito comercial, propondo o término da bankruptcy da maneira como é amplamente conhecida mundialmente. Douglas G. Baird e Robert K. Rasmussen são dois autores que têm este entendimento e que publicaram um trabalho entitulado de 8 “The End of Bankruptcy” , no qual fazem um apanhado de toda história do direito falimentar americano, apontando todas as falhas existentes no sistema atual, o qual, segundo eles, consiste basicamente em um leilão de ativos do empresário. BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The End of Bankruptcy. John M. Olin Law & Economics Working Paper No. 173. Disponível em <ssrn.com/abstract_id=359241>. Acesso em: 10 fev. 2011. 90 sistema falimentar brasileiro em consonância aos ideais que o procedimento recuperacional deve possuir. O estudo parte da ideia base de que o procedimento recuperacional tem como questão fundamental determinar se aquele conjunto de bens, pertencentes ao empresário em situação de crise, deve ou não continuar sob domínio deste. 144 Na doutrina nacional percebe-se que já vêm sendo incorporadas as lições do direito estrangeiro mencionado. Fábio Ulhoa Coelho, é um daqueles doutrinadores que aponta neste sentido. O referido doutrinador busca a solução para criação e aplicação das normas da recuperação de empresas na corrente da análise econômica do direito145, partindo da premissa que caberia apenas ao mercado, isto é, à iniciativa privada buscar soluções para a crise da empresa e não ao juiz, ficando reservado ao judiciário apenas o poder de garantir o regular funcionamento do livre mercado, atuando para corrigir os problemas e distorções do sistema econômico.146 Fábio Ulhoa Coelho finaliza seu raciocínio concluindo que: 144 BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Op. Cit., p. 8. 145 O presente trabalho não tem como escopo a discussão do que se entende como análise econômica do direito ou quaisquer debates em torno de sua utilidade para a ciência jurídica, mas tão somente sua aplicação dentro do campo do direito falimentar e recuperacional. 146 COELHO, Fábio. Op. Cit., p. 120. Destaca-se que, em sua conclusão, o jurista, inspirado na ampla experiência e estudos da doutrina norte-americana, ainda faz uma sugestão de como todo o procedimento falimentar, inclusive a recuperação de empresa em crise, deveria se dar no direito brasileiro. Em breve síntese, o procedimento seria iniciado com a declaração pelo empresário de cessação dos pagamentos e subseqüente convocação dos credores para a realização de uma assembléia geral de credores , na qual seria apresentado um plano, cabendo a possibilidade da realização, pelos credores, de uma auditoria no devedor. A decisão na assembléia ficaria submetida ao princípio majoritário, obrigando a todos os credores. No caso de não aceitação do plano, aí seria instaurado um processo judicial, no qual instituições financeiras seriam convidadas a formular uma oferta pública de aquisição dos créditos, uma espécie de mercado das obrigações de empresas em crise. Caso a maioria dos credores vendessem seus créditos, os outros teriam de se submeter a proposta realizada pelo devedor. Ao contrário, em não havendo propostas de instituições financeiras ou em os credores não tendo se interessado pela venda, bem como diante da inexistência de qualquer investidor para adquirir a empresa, seria determinada pelo juízo a liquidação por falência, ante a falta de soluções do mercado. Por fim, a liquidação utilizaria de um mecanismo de ofertas pelos ativos do falido, sendo realizada a venda para a melhor oferta, destacando-se pela possibilidade de não paralisação do negócio, mesmo em estado de liquidação e, em não havendo propostas, o destino dos bens seriam a doação às entidades beneficentes. Idem, Ilidem, p. 121/123. 91 “Se é essa a premissa, conclui-se que o direito falimentar deve passar por profundas alterações, norteadas pela equação do law as market mimicker, desenvolvida pela análise econômica do direito. Em termos gerais, quando a empresa está em crise - econômica, financeira ou patrimonial -, o direito deveria simplesmente regular o procedimento extrajudicial, iniciado e desenvolvido pelo próprio devedor, de cessação de pagamentos.” 147 As soluções elaboradas e fundadas na ideia de redução dos custos de transação e eficiência econômica, no campo do direito falimentar, são aquelas que revelam as melhores formas para tratar e, em determinados casos, sanear a situação de crise experimentada pelo empresário, além do que poderão atender os inúmeros interesses que gravitam em torno da atividade econômica desenvolvida. Sendo assim, em que pese a LRF estabelecer um papel ativo ao poder judiciário na condução dos procedimentos de recuperação e falimentar, não se atendo tão somente a regular um procedimento extrajudicial, é possível aplicar algumas diretivas deste tipo de pensamento à aplicação da LRF, consoante se vislumbrará a seguir. Esta forma de visualizar o direito recuperacional é muito bem apresentada pelo jurista norte-americano Lucian Ayre Bebchuck, que explanou a importância da eficiência no procedimento de bankruptcy, inclusive na reorganization do famoso Chapter 11 do US Bankruptcy Code 148 . Tomando a eficiência como fundamental, ele aponta dois objetivos principais a serem perseguidos pelas normas do direito falimentar, traduzidos pelas expressões Ex Ante Efficiency e Ex Post Efficiency, as quais podem ser entendidas como eficiência antes (ex ante), durante (ex post) e posteriormente (ex post) ao procedimento recuperacional. Segundo o jurista norte-americano, a Ex Post Efficiency significa a maximização do valor dos ativos do empresário submetido ao procedimento recuperacional ou falimentar, isto é, é desejável que o total dos ativos do empresário alvo, aqueles que todos os participantes tomarão proveito, sejam maximizados. Para isso se faz 147 148 Ibidem, p. 120. O Chapter 11 trata de uma forma de recuperação da empresa em crise na legislação dos Estados Unidos da América, previsto no US Bankruptcy Code (Código de Falências dos EUA). 92 necessário a menor dissipação de valor possível durante todo o procedimento, resultado que será obtido através da diminuição do tempo de duração do processo como um todo e dos custos direta e indiretamente relacionados.149 A razão é simples. O que se pretende mediante o procedimento falimentar é conseguir a satisfação de todos os credores (aqui inclusas todas as classes de credores) e, quem sabe, até mesmo a satisfação dos interesses do empresário em crise e/ou de seus sócios. Sendo assim, a situação ex post deve estar consubstanciada no alcance do maior valor possível que se pode obter com os ativos do empresário para futuro proveito dos participantes do plano. 150 No que diz respeito à Ex Ante Efficiency, esta também deve ter em vista a otimização do proveito futuro do valor total dos ativos do empresário em crise. Importa aqui estabelecer mecanismos que: a) propiciem o alcance do maior valor que se 149 Nas palavras do autor norte-americano: “Ex post efficiency = maximization of the value of the reorganized company. Ex post, given that the company has entered insolvency proceedings, It is desirable, other things equal, that the total value of the assets - the total value that will be distributed among the participants - will be maximized. There are two elemets to this objective. First, as little value as possible should be dissipated during the reorganization process; to this end, it is desirable to minimize the time that the process will take and the direct and indirect costs incurred during this process. Second, when the reorganization process ends, the company’s assets should be allocated to their highest-valued use.” Ibidem, p. 831. O jurista, ainda, aponta ineficiências do reorganization process previsto no Chapter 11, que são de valia para este estudo. Destaca Bebchuk: “(i) The dissipation of value during the process: The reorganization process under the existing bargaining-based rules take substancial time (see e.g., Lopucki and Whitford, 1990; Weiss, 1990). During this time, substancial value might be dissipated. To begin with, the Chater 11 process involves substancial administrative costs (see Cutler and Summers, 1988). Second, and more importantly, the company under reorganization might incur substancial ‘indirect’ costs from functioning inefficiently during the lengthy reorganization process. Because the managers might not face good incentives and market discipline, management decisions during the process are likely to be distorted. And potential business partners may be reluctant to deal with the company, or. may demand especially favorable terms, as long as the insolvency cloud hovers above the company. The indirect costs are large because of the substantial delay produced by the bargaining process. (ii) Potential inefficiencies in the structure emerging out of the process: There are reasons to suspect that inefficiency costs might be incurred even after the bargaining process ends, because the structure emerging out of the process might not be optimal. For example, White (1994) suggests that the existing process is baised in favor of continuation - that is, the company is likely to continue as a going concern even if the most efficient route would be liquidation. This argument is consistent with the empirical evidence that companies emerging out of reorganization often go through another financial restructuring within the subsequent few years (see Hotchkiss, 1995).” BEBCHUK, Lucian A. Op. Cit., p. 832. 150 HART, Oliver. Different Approaches to Bankruptcy. Harvard Institute of Economic Research, Discussion Paper n. 1903, 2000, p. 1/2. 93 poderia obter com os ativos do empresário; e b) prevejam e assegurem como será a participação de todos os envolvidos no procedimento recuperacional ou falimentar. 151 O que o autor procura evidenciar com a Ex Ante Efficiency é que a lei falimentar também deve ter em vista os momentos anteriores ao início do procedimento, isto é, a eficiência do regramento legal fora do contexto falimentar ou recuperacional, no exercício da empresa em situações normais. Isto significa que a lei deve estimular comportamentos adequados na administração da atividade empresarial e pelos agentes do mercado, já que quaisquer distorções, seja por parte dos empresários, seja por parte dos agentes, poderá vir a comprometer a divisão e maximização do valor total Ex Post. 152 Percebe-se, pois, que a maximização do valor do patrimônio do devedor e sua posterior distribuição (Ex Post) têm relação direta com o momento anterior (Ex Ante) 153. A fim de propiciar um campo de negociação melhor, atendendo os diversos interesses que gravitam em torno da atividade empresária, o estímulo da lei deve se dar nos seguintes direcionamentos, conforme bem sintetizou Eduardo Secchi Munhoz: “Em termos ex ante, portanto, a Lei Falimentar deve buscar soluções que: (i) fomentem o mercado de crédito; (ii) estimulem o empreendedorismo responsável; (iii) inibam comportamento leniente na concessão de financiamento.” 154 O respeito ao estabelecido nos contratos celebrados entre devedor e credores e a ordem de classificação dos créditos no momento do pagamento, nos termos 151 Segundo Bebchuck: “Ex ante efficiency = optimal division of total value. From an efficiency perspective, what matters is not only that the total bankruptcy value will be as large as possible but also how this value will be divided among the participants.” Ibidem, p. 831. 152 HART, Oliver. Op Cit., p. 4/5. 153 Novamente nas palavras do doutrinador estado unidense: “This ex post division has important ex ante consequences. In particular, to induce participants to provide finance to the company ex ante, it is desirable that, in the event of ex post insolvency, the value will be divided according to the distribution that was agreed upon contractually.” Ibidem, p. 831. 154 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Comentários aos artigos 55 ao 69. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. De Moraes (Cord.).Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: RT, 2005, p. 36. 94 estabelecidos pela lei, são bons exemplos de normas jurídicas falimentares que criam a Ex Ante Efficiency, pois na medida em que aquelas determinações contratuais e legais são respeitadas num futuro e eventual processo de recuperação ou até mesmo na situação de quebra do devedor, recebendo o credor a sua respectiva parte do valor total do patrimônio do devedor (Ex Post Efficiency), de acordo com o que foi contratado e segundo a ordem legal, a tendência natural é a diminuição do valor do crédito no mercado, atendendo uma importante diretriz que o regramento legal falimentar deve visar. O atendimento a este dois fatores fundamentais também traz a concretização aos princípios estabelecidos na CF, mais precisamente em seu art. 170, aqueles orientadores da ordem econômica nacional, como a busca pelo pleno emprego, valorização do trabalho humano, função social da propriedade e, consequentemente da função social da empresa e da livre iniciativa. Vale destacar a opinião de Manoel de Queiroz Pereira Calças: “Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do país, deve ser preservada sempre que for possível. O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170,III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavra: função social da empresa. O mesmo dispositivo constitucional estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas. (...) Na senda da velha lição de Alberto Asquini, em seu clássico trabalho sobre os perfis da empresa, que ensinou ser a empresa um fenômeno poliédrico, não se pode confundir o empresário ou a sociedade empresária (perfil subjetivo) com a atividade empresarial ou organização produtiva (perfil funcional), nem com o estabelecimento empresarial (perfil objetivo ou patrimonial). Nesta linha, busca-se preservar a empresa como atividade, mesmo que haja a falência do empresário ou da sociedade empresária, alienando-a a outro empresário, ou promovendo o trespasse ou o arrendamento do estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios 95 empregados, conforme previsão do art. 50, VIII e X, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências.” 155 Em que pese às críticas lançadas pela doutrina a respeito do direito falimentar brasileiro, alguns mecanismos possuem como escopo à eficiência Ex Ante e Ex Post do procedimento. É possível vislumbrar as noções expostas no texto do artigo 47 da lei de falências, que estabelece as diretrizes e os objetivos principais da falência e da recuperação judicial no direito brasileiro, além de outros dispositivos. Todavia, é necessário analisar se a interpretação e aplicação destas normas estão em consonância com os objetivos mencionados ou, do contrário, não dão guarida ao alcance destes e, consequentemente, deixam de atender os objetivos anteriormente traçados. Como o presente estudo é destinado ao debate da sucessão empresarial nos casos de alienação de ativos empresariais, a análise da aplicação dos fins e do princípio norteador da LRF, conforme exposto, ficará restrita ao escopo proposto. 5.4. O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL NA LRF A noção de estabelecimento empresarial adotado na LRF, em uma primeira análise, pode parecer um pouco confusa, tendo em vista a forma com que a expressão “empresa” foi empregada, além de se utilizar das expressões “filiais” e “unidades produtivas isoladas” nos dispositivos relacionados à operação de trespasse: arts. 60, 140, e 141. Deve-se, portanto, esclarecer qual o real sentido das expressões utilizadas. No que se refere à expressão “empresa”, a LRF reconhece a diferença entre o que o CC distingue em empresário, empresa e estabelecimento, isto é, realiza a distinção entre sujeito de direito, atividade e objeto de direito, e, portanto, pode-se 155 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. A nova lei de recuperação de empresas e falências: repercussão no direito do trabalho (Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005). Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. N. 4. out/dez 2007. 96 concluir que adotou a teoria da empresa consagrada pelo CC, ao contrário do que acontecia sob vigência do decreto anterior.156 O artigo 140 estabelece que a realização do ativo será através da alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco, ou, de suas filiais ou unidades produtivas isoladas. A LRF não está tratando a empresa como objeto de direitos, está tratando-a como atividade, e no exercício desta atividade, o empresário detém seu património formado pelos estabelecimentos, filiais ou unidades produtivas isoladas, se assim não fosse, não se utilizaria destas expressões para expor a forma de realização do ativo e, tampouco, teria, no art. 50, VII, utilizado a expressão estabelecimento empresarial. Quanto às expressões “filiais” e “unidades produtivas isoladas”, estas são as que despertam mais a atenção. Elas possuem vinculação direta com a noção e conceito do que vem a ser estabelecimento, conforme o entendimento já sedimentando no meio jurídico nacional, acolhido pelo CC. Resgata-se o conceito de estabelecimento anteriormente exposto, podendo ser definido como “(...) todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.” (art. 1.142 do CC), consoante já lecionava Oscar Barreto Filho.157 A partir deste entendimento, a doutrina destacou que o empresário pode possuir mais de um estabelecimento, nos termos das palavras de Oscar Barreto Filho: 156 Neste sentido são os entendimentos de LOBO, Jorge. Op. Cit., p. 234/235; e MUNHOZ, Eduardo Secchi. Op. Cit., p. 294/295. Em não concordando com esta posição, estão: Rachel Sztajn, que entende que a palavra empresa no artigo 140 foi empregado da seguinte maneira: “Note-se que há imprecisão terminológica que é causa de estranheza: a palavra ‘empresa’, empregada no sentido de complexo de estabelecimentos e como objeto de direito.”; e no que diz respeito ao art. 141: “A palavra ‘empresa’ aparece novaente empregada como definidora de um centro de imputação de direitos, poderes, faculdades, deveres e obrigações.” SZTAJN, Rachel. Comentários aos artigos 139 ao 167. In TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Org.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495 e 503. Seguindo Rachel Sztajn, temos BERNARDI, Ricardo. Comentários aos artigos ao 147. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. De Moraes (Cord.).Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: RT, 2005, p. 477/478. 157 Ver item 4.2. supra. 97 “Admite-se, ao contrário, uma pluralidade de estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, tendo em vista a possível diversidade de objeto ou de localização. (...) A multiplicidade de estabelecimentos decorre, analisado o ponto de vista econômico, da expansão da êmpresa imposta pela concorrência, que exige, de um lado, o aperfeiçoamento da técnica e o aumento do volume de produção, e, de outro lado, o atendimento racional das necessidades do mercado de consumo. Cada estabelecimento constitui uma unidade técnica, porém se submete à orientação geral ditada pela unidade econômica da êmpresa. Além disso, os estabelecimentos se sujeitam sempre à vontade de seu titular, que lhes imprime unidade de direção.” Tal noção já foi exposta anteriormente, quando da análise do estabelecimento sob a égide do CC158. Importa apenas resgatar que todos os estabelecimentos têm sentido equivalente, e são meros desmembramentos do patrimônio da pessoa jurídica. Diferenciando-se, contudo, um deles, que será tido como o principal, pois é neste que se encontra os órgãos de administração do empresário, dos outros, considerados como estabelecimentos secundários, e também chamados de filiais, sucursais, agências. Na aplicação das normas jurídicas da LRF, a diferenciação entre os estabelecimentos aparentemente ganha certa relevância, porém, não é o caso. As noções a respeito do estabelecimento expostas neste item são suficientes para analisar as regras que são objeto da discussão. Os arts. 60, 140 e 141 a LRF fazem referência às expressões “estabelecimentos em bloco”, “filiais” e “unidades produtiva isoladas”. A primeira não é geradora de quaisquer dúvidas, trata-se de todos os estabelecimentos que fazem parte do patrimônio do empresário. A expressão “filiais” refere-se aos estabelecimentos empresariais do patrimônio do empresário, considerados individualmente. A última expressão talvez fosse aquela que criaria algum debate no meio jurídico, já que se trata de novidade em textos legais, entretanto, observando-se o entendimento já transcrito de Oscar Barreto Filho, verifica-se que cada estabelecimento do empresário corresponde a uma “unidade técnica”, que tem como atribuição certos poderes, em 158 a Ver item 4.2. supra. BULGARELLI, Waldirio. Sociedades Comerciais. 8 Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p 329 e 330. 98 razão de sua especialização, fato o qual se deu pela necessidade de separação das funções de administração e o aperfeiçoamento da técnica atinentes à empresa explorada pelo empresário159. Vale, ainda, a crítica a respeito das expressões utilizadas, conforme asseverou Eduardo Secchi Munhoz: “Para finalizar, cumpre observar que a redação do dispositivo, ao mencionar ‘unidade produtiva’ ou ‘filiais’, não adotou a melhor técnica, na medida em que essas expressões não possuem um significado jurídico próprio; melhor seria o emprego da expressão estabelecimento, cujo conceito foi amplamente desenvolvido pela doutrina, encontrandose positivado no art. 1.142 do CC.”160 Portanto, todos os negócios previstos na LRF, tanto nas disposições atinentes ao procedimento recuperacional quanto nas regras que dizem respeito ao processo falimentar, ao elencarem a hipótese de alienação da empresa, mediante transferência de seus estabelecimentos em bloco, filiais ou unidades produtivas isoladas, querem apontar que tal negócio jurídico tem por objeto um estabelecimento empresarial, nos termos do art. 1.142 do CC, e, desta forma, são aqueles considerados como trespasse. 5.5. SUCESSÃO NA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL O CC estabelece em seu artigo 1.143 a possibilidade do estabelecimento empresarial ser objeto de negócios jurídicos. Entre estes encontra-se o trepasse, que corresponde à alienação do estabelecimento empresarial. No caso deste tipo de negócio ser realizado durante a vida ordinária do empresário, o regime que deverá ser seguido é aquele previsto no próprio CC, que estabelece a necessidade de autorização dos credores ou seu pagamento para eficácia do trespasse (art. 1.145). Também determina a existência de sucessão nas obrigações contabilizadas do empresário alienante. Além destes preceitos, também se aplicarão os dispostos nos artigos 10 e 448 da CLT, bem como o disposto no artigo 133 do CTN. Portanto, a regra geral nas 159 Ibidem, p. 332 e 333. SZTAJN, Rachel. Op. Cit., p. 495 e 497. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de a Falência e Recuperação de Empresa. 26 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 289. 160 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Op. Cit., p. 295. 99 situações de alienação do estabelecimento empresarial é a da sucessão do adquirente nas dívidas, nos termos já estudados e debatidos no capítulo 4. Agora, se o negócio é realizado em sede de recuperação judicial ou falência, a LRF contempla outro regime jurídico a ser aplicado, que tem por objetivo estimular a possibilidade de venda do estabelecimento pelo devedor, alcançando, no primeiro caso, o objetivo de superação da crise econômico financeira do devedor e satisfação dos credores e, no segundo caso, no que tange à satisfação de todos os seus credores. A norma jurídica extraída dos arts. 60 e 141, que estabelece a completa ausência de sucessão nas dívidas do empresário em crise ou falido, é exemplo da consecução de tais objetivos. Conforme exposto anteriormente, os objetivos fundados na eficiência do procedimento falimentar, da maneira como apresentada no direito norte-americano, são de extrema valia para aplicação da legislação falimentar brasileira. Os objetivos da Ex Post Efficiency e a Ex Ante Efficiency são intrinsecamente relacionados e almejam a maximização do valor do patrimônio do devedor, a otimização de sua divisão entre todos os participantes (Ex Post) e aos estímulos que a lei deve realizar em períodos de inexistência do procedimento falimentar (Ex Ante), visando soluções que desenvolvam e fomentem o mercado de crédito, com a redução do custo do crédito, criação de um ambiente propício a grandes investimentos e o estímulo ao empreendedorismo responsável, atendendo, desta forma, os diversos interesses que gravitam em torno da atividade empresária. Tais objetivos foram incorporados na LRF em seus diversos mecanismos, atendendo um dos princípios norteadores da lei, estabelecido em seu art. 47, que prevê: “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. 100 Um dos mecanismos, que tem como objetivo a eficiência econômica e que, portanto, visa o atendimento do princípio da preservação da empresa é a expressa previsão de ausência de sucessão empresarial nos casos de alienação de estabelecimento empresarial também deve ser considerado como uma forma de busca pela eficiência econômica. O atendimento dos objetivos da eficiência é muito fácil de ser vislumbrada nesta previsão normativa, basta comparar a atual situação vivida no Brasil daquela experimentada quando ainda em vigência o Decreto-lei de n. 7.661/45. Eduardo Secchi Munhoz resumiu a realidade daquela época: “A orientação adotada no regime anterior revelava que o legislador não distinguia empresa de empresário, punindo-se a primeira pelas obrigações inadimplidas pelo segundo. O modelo adotado conduzia a um jogo em que todos perdiam; em vista da sucessão tributária e trabalhista, a unidade produtiva não era alienada, comprometendo-se a manutenção dos empregos e o pagamento de novos tributos; o próprio pagamento das obrigações inadimplidas pelo empresário anterior era impossibilitado, já que não se levantavam os recursos que agora poderão ser auferidos com a alienação.”161 Também devem ser transcritas as palavras de Amauri Mascaro Nascimento, jurista especializado no direito do trabalho, que também apontou esta razão de ser dos dispositivos legais em discussão: “a medida destina-se a um fim econômico: permitir que haja interessados na aquisição do patrimônio do falido e desse modo 161 Ibidem, p. 294. Aliás, tal justificativa foi exposta no relatório do Senador Ramez Tebet, relator do projeto no Senado. Ele enfatizou que: “Ao estabelecer a oferta para a compra da empresa, os interessados evidentemente levam em consideração todos os fatores que levam a diminuir o valor do negócio. Se a empresa oferecida leva consigo a carga de obrigações tributárias anteriores à venda, não pode haver dúvidas de que o mercado não negligenciará essa informação e o valor oferecido naturalmente sofrerá a redução correspondente às obrigações transferidas ao arrematante. No entanto, como essas obrigações estão cercadas de incertezas quanto ao seu valor, é bastante comum que a estimativa quanto a esta dívida potencial seja superestimada. Com isso os valores de venda podem ser sistematicamente rebaixados. Como é a venda dos ativos, em conjunto ou em separado, que garante os créditos trabalhistas e tributários, é do interesse do fisco e dos trabalhadores que o valor da venda seja maximizado. Assim, embora pareça contrário à instituição, a sucessão não traz vantagens aos cofres públicos ou aos trabalhadores.” Relatório apresentado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal por ocasião da análise do PLC 71 de 2003. 101 promover o levantamento de recursos em dinheiro para pagamento dos credores, inclusive trabalhistas.”162 Amador Paes de Almeida aponta neste mesmo sentido, enfatizando que: “No que concerne, porém, à sucessão trabalhista, o propósito do legislador foi o de viabilizar a recuperação judicial da empresa, ou ensejar, na falência, meios efetivos de realização do ativo. A rigor, (e esse era um dos inconvenientes da legislação anterior), ninguém se dispõe a adquirir estabelecimentos ou unidades produtivas isoladas, com o risco de responder por débitos, inclusive encargos 163 trabalhistas, que tornem economicamente inviável a aquisição.” Com efeito, a aquisição do estabelecimento empresarial, em sede de recuperação judicial e falência, está livre de quaisquer obrigações e ônus do empresário em crise ou falido, justamente para fornecer ao mercado uma solução que maximize o valor do patrimônio do devedor e sua melhor divisão entre os credores daquele (Ex Post Efficiency) além de, ao mesmo tempo, estimular investimentos em atividades econômicas e fomentar o mercado de crédito, ante a queda dos custos de transação (Ex Ante Efficiency). Ora, se a LRF não tivesse contemplado esta previsão normativa, fatalmente o entendimento jurídico consolidado em razão das disposições do diploma legal anterior seria mantido, fato este que culminaria na impossibilidade de venda do estabelecimento empresarial com um valor maximizado, ou da própria alienação, e, consequentemente, deixaria de atender o interesse dos credores no procedimento falimentar, inclusive os trabalhadores e o fisco, bem como, indiretamente, estaria contribuindo para o aumento dos custos de transação e o custo do crédito no mercado interno. Esta concessão da norma jurídica da LRF trata-se, portanto, de exceção à regra geral de sucessão nos casos de alienação de estabelecimento empresarial e, por isso, deverá ser interpretada de maneira restrita, não admitindo-se quaisquer interpretações extensivas, em nome do princípio da hermenêutica: interpretam-se as exceções restritivamente. Serão agora debatidas as aquisições do estabelecimento empresarial nos procedimentos de falência e recuperação judicial separadamente, pois existem 162 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Falências, recuperação de empresas e o direito do trabalho. In: Revista Legislação do Trabalho. v.69. n. 8. São Paulo: LTR, 2005. p. 903/909. 163 ALMEIDA, Amador Paes de. Op. Cit., p. 341. 102 diferenças nos dispositivos legais referentes a cada espécie no que diz respeito à sucessão empresarial. 5.5.1. Falência O procedimento falimentar visa o pagamento de todos os credores. Para alcançar este objetivo, conforme foi relatado anteriormente, é necessário que existam normas jurídicas que auxiliem na maximização do valor do patrimônio do devedor e sua otimização na hora de sua distribuição entre todos os credores. A questão a respeito do valor da empresa e o impacto da ausência de sucessão no procedimento falimentar será examinada mais adiante. Aqui será apenas debatido como a LRF estabelece a realização do ativo do empresário falido e em quais hipóteses estar-se-á diante da situação de completa ausência de sucessão nas obrigações deste. A LRF estabelece em seu artigo 140 como se dará a realização do ativo na falência, que ao contrário do que determinado na hipótese de recuperação judicial, necessariamente será realizada em uma das seguintes formas: “Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados. § 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais de uma forma de alienação. § 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores. 103 § 3o A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos específicos.” Percebe-se que a LRF determina que no momento da realização do ativo deverá ser seguido, inclusive, a ordem das formas sugeridas para de alienação dos ativos do empresário falido. Tal razão se dá pela possibilidade de se alcançar o maior valor por estes ativos. Na realização da venda da empresa do falido na primeira hipótese, como o conjunto de todos os seus estabelecimentos empresariais em bloco, o valor a ser alcançado poderá ser maior do que nas outras hipóteses, porque, ao se considerar o conglomerado dos estabelecimentos, se está alienando na realidade a unidade produtiva que representa a empresa, formada por todos estes estabelecimentos para, ao menos teoricamente, otimizar sua eficiência e produção e, por conseguinte, aumentar sua participação no mercado e produção mais rápida de resultados efetivos, situação esta que representa um acréscimo do sobre valor sobre os bens, presente aqui a noção do goodwill. Como bem sintetizou Rachel Sztajn: “Quem adquire o todo, como se explicou antes, considera que é mais valioso haver para si uma organização, uma unidade composta de partes que se entrelaçam, se encadeiam, enfim, mantêm entre si vínculos que aumentam a eficiência operacional (...)”164. Contudo, é de se ressaltar que, embora não se verifique opiniões expressas neste sentido por parte da doutrina, a venda em bloco dos estabelecimentos do falido nem sempre precisa englobar todos os seus estabelecimentos, isto é, a alienação em bloco dos estabelecimentos não é sinônimo de venda de todos aqueles que compõe o ativo do empresário falido. Pode o adquirente em potencial ter interesse em parte dos estabelecimentos, pois entende que os outros não correspondem a eficiência empresarial que procura, representando apenas custos desnecessários, todavia, em relação ao restante, acredita que estão posicionados e conectados de maneira a lhe dar a vantagem econômica que almeja com a aquisição, estando disposto, portanto, em 164 SZTAJN, Rachel. Op. Cit., p. 495. 104 adquirir parte dos estabelecimentos, que também terão na composição do seu valor a presença do goodwill. Não havendo interessados na aquisição dos estabelecimentos em bloco, partese para a próxima forma de alienação, que diz respeito à alienação do estabelecimento empresarial, ou, nas palavras da LRF, das “filiais” e “unidades produtivas isoladas”. Aqui se considera o desmembramento da unidade tida como empresa, e privilegia a ideia do estabelecimento empresarial como unidade técnica e autônoma de produção. Na concepção do legislador, tal forma de alienação não atingirá o valor da alienação em bloco, mas poderá obter um valor maior do que a soma dos valores dos bens que compõem o estabelecimento, com efeito, haja vista a existência do sobre valor daquele complexo de bens (goodwill). Por fim, a terceira e a quarta hipótese dizem respeito à alienação dos bens que compõe o ativo patrimonial do falido, sem se considerar as noções de empresa e de estabelecimento. Não há o Goodwill e, portanto, o valor a ser alcançado, a princípio, seria menor do que na alienação de blocos de estabelecimentos utilizados na empresa ou dos estabelecimentos considerados individualmente. Interessam a primeira e a segunda hipótese, pois são casos de aquisição de estabelecimento empresarial, foco deste trabalho. A norma jurídica determina a completa ausência de sucessão do adquirente nas obrigações do alienante nestas hipóteses. Ela é extraída do artigo 141 da lei, que possui o seguinte texto: “Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. § 1o O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; 105 II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. § 2o Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.” A primeira conclusão que se pode chegar ao notar o texto legal é a presença dos objetivos traçados pelo princípio da eficiência econômica no procedimento falimentar: o Ex Ante e o Ex Post Efficiency. Tanto a previsão de sub-rogação dos credores no produto da realização do ativo, observada a ordem de preferência do art. 83, como a ausência de sucessão nas obrigações do devedor, são mecanismos previstos pela LRF que visam a maximização do valor dos ativos do falido, sua otimização na distribuição entre os credores (respeito às garantias e cláusulas contratuais), culminando com o incentivo ao investimento, o empreendedorismo responsável e a redução do custo do crédito.165 No que diz respeito específico à norma jurídica que determina a ausência de sucessão nas obrigações do falido na alienação do estabelecimento empresarial, ao contrário do que dispõe o CC, esta também da sua contribuição à eficiência do procedimento falimentar. O texto legal dispõe que não haverá sucessão nas obrigações do devedor, incluindo aquelas de natureza tributária, decorrentes das leis trabalhistas e de acidentes do trabalho. A doutrina é majoritária que não existe sucessão em quaisquer tipos de obrigação, como assim afirma Fábio Ulhoa Coelho: “Na nova lei falimentar, uma das hipóteses de negativa expressa de sucessão do adquirente de empresa explorada pelo falido empresário individual ou por sociedade empresária falida liga-se à aquisição da empresa em qualquer modalidade de venda ordinária, isto é, em hasta pública (leilão, propostas ou pregão). 165 A doutrina debate a questão do crédito trabalhista preceder aos créditos de garantia 106 Desse modo, o adquirente da empresa por meio ordinário de realização do ativo não é, por força expressa de previsão legal, sucessor do falido.”166 Rachel Sztajn entende um pouco diferente, ela descreve a norma que se extraí da LRF da seguinte maneira: “A exclusão expressa de sucessão do adquirente pelas obrigações do falido em virtude de aquisição de bens da massa em hasta pública há de ser entendida dentro dos limites fixados e com a preservação das garantias conferidas anteriormente aos credores titulares de privilégios e prioridades. Ressalta, no texto, a expressão inclusive as (grifo meu), para enfatizar que sobretudo estas obrigações estão excluídas porque não gozam de jus in re. Outro entendimento implica fazer das regras de direito privado letra morta. Embora a presente lei seja especial em relação ao previsto no Código Civil, à falta de expressa previsão relativamente à sua inaplicabilidade, a regra de hermenêutica determina que as provisões da norma geral sejam obedecidas.”167 Entretanto, não se pode concordar com a opinião de Rachel Sztajn. O texto legal, ao mencionar que “(...) o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor (...)” não deixa margem para a interpretação que a jurista deseja, que estão excluídas do alcance da norma dali extraída as obrigações que gozam de jus in re. Os credores com garantia real serão abordados mais adiantes, contudo, no que se refere à alienação do estabelecimento empresarial, todos os bens que o compõe serão vendidos e transmitidos ao adquirente, inclusive aqueles gravados por direitos reais de garantia. O adquirente assumirá o estabelecimento livre de quaisquer ônus, de qualquer natureza. A razão deste entendimento está na necessidade da maximização dos valores do ativo do falido para sua, posterior, distribuição aos credores. Existindo este tipo de ônus ao adquirente, ou de quaisquer tipos, o valor pago pelo estabelecimento fatalmente seria diminuído, pois 166 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 367. Partilham do mesmo entendimento: ALMEIDA, Amador Paes de. Op. Cit., p. 289; BERNARDI, Ricardo. Op. Cit., p. 483. PACHECO, José da Silva. Processo de a Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 3 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 402/403. Quanto às obrigações trabalhistas, o STF julgou uma ADIN (ação direta de inconstitucionalidade), sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, no que diz respeito à previsão de ausência de sucessão nos créditos trabalhistas, entendendo que não há quaisquer inconstitucionalidades na LRF, no que diz respeito às previsões de seus arts. 60, parágrafo único e 141, II. 167 SZTAJN, Rachel. Op. Cit., p. 506. 107 a sucessão estaria computada na hora de avaliar a compra e, portanto, no preço a ser pago, caso, ainda, existisse a intenção de compra do complexo. Sendo assim, a interpretação proposta por Rachel Sztajn não atendem aos objetivos da LRF. A norma jurídica extraída do art. 141 impõe a ausência da sucessão em todas as obrigações do falido, não importando sua natureza. A sucessão somente estará presente nas hipóteses de fraudes. São os casos de aquisição do estabelecimento empresarial por: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. Fabio Ulhoa Coelho destaca que aos credores caberá, ainda, após o encerramento da falência, demonstrar que o adquirente visou fraudar os interesses dos credores, intentar ação individual em face do adquirente, buscando a desconsideração de sua personalidade jurídica, para responsabilizar o agente ou controlador da falida 168. Interessante será o caso das obrigações que surgem após a realização do negócio no âmbito falimentar ou recuperacional, como no exemplo trazido no item “3.3” supra e discutido no regime geral da sucessão (item “4.3.3” acima), a respeito dos danos experimentados pelo consumidor após a realização do transpasse. A LRF exclui a sucessão pelas obrigações existentes do sucedido, entretanto, não existe a ressalva para as futuras. No exemplo, os danos foram causados após a realização do trespasse, isto é, a obrigação surgiu somente após e desta forma, consoante a jurisprudência existente nas hipóteses de liquidação extrajudicial de instituições financeiras e as razões lá expostas, o adquirente também responderá pelos prejuízos causados ao consumidor. Sendo assim, também deverá ser objeto de cuidadosa previsão no instrumento contratual da compra e venda do estabelecimento, ainda que durante o procedimento falimentar ou recuperacional. 168 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 368. Neste sentido: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 47 4.061-4/5-00. Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais. Relator: Silvio Marques Neto – São Paulo, 30 de janeiro de 2008. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 10 out. 2011. 108 5.5.2. Recuperação judicial Trata-se a recuperação judicial de um mecanismo legal que “(...) tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”, nos termos do art. 47 da LRF. A LRF prevê alguns mecanismos para se alcançar os fins enunciados no art. 47, e todos eles estão norteados pela eficiência econômica e seus objetivos Ex Ante e Ex Post, nos termos já apresentados anteriormente. O mecanismo que interessa agora e que contribuem para o atendimento destes objetivos são aqueles previstos nos arts. 50 e 60, parágrafo único. O art. 50 sugere algumas formas para que o empresário em crise supere esta situação. Dentre elas encontra-se no inciso VII o trespasse do estabelecimento empresarial. Nos casos de realização deste tipo de negócio, sob o regime da recuperação judicial, tal como estabelecido no processo falimentar, não há sucessão do adquirente nas obrigações do empresário em crise, de qualquer natureza, inclusive trabalhistas e decorrentes de acidente de trabalho169. Ainda mais porque este continuará a existir, sendo possuidor de patrimônio próprio, responsável pelos pagamentos dos débitos e, ao menos em teoria, com capacidade econômico-financeira, mediante a utilização do instituto da recuperação judicial. Diz o art. 60: “Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.” 169 MUNHOZ, Eduardo S. Op. Cit., p. 295. Neste mesmo sentido ALMEIDA, Amador Paes de. Op. Cit., p. 341/343. LOBO, Jorge. Op. Cit. p. 236/241; COELHO, Fabio Ulhoa. Op. Cit., p. 172. BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência Comentada. 4a. Ed. São Paulo: RT, 2007. 109 A previsão expressa de ausência de sucessão é um dos mecanismos utilizados pelo legislador para dar cumprimento ao princípio norteador da recuperação judicial, exposto no artigo 47, estando, desta forma, atendendo os objetivos que todo o procedimento falimentar e recuperacional devem visar: eficiência econômica antes, durante e posteriormente ao processo judicial. Veja-se que, ao contrário do que possa parecer numa primeira análise, com a venda dos estabelecimentos comerciais, não haverá empobrecimento do empresário em crise. Ao contrário, passará ele a contar com o benefício de ter um bem que até então era ilíquido, vulnerável, transformado em dinheiro à disposição dos credores. Analisando com um pouco mais de cuidado, a norma estabelece a necessidade do cumprimento de alguns requisitos para excepcionar o adquirente do estabelecimento da regra geral de sucessão nas aquisições deste tipo de complexo. São eles: a) a previsão no plano de recuperação – e, por óbvio, a aprovação pela AGC e homologação pelo juiz -; b) tiver por objeto o estabelecimento empresarial ou, conforme as expressões utilizadas pela lei, “filiais” ou de “unidades produtivas isoladas do devedor”; e c) alienação realizada nos termos do art. 142: hasta pública. A venda do estabelecimento que não cumprir com quaisquer destes requisitos, importarão na aplicação da regra geral de sucessão do adquirente do estabelecimento empresarial, consoante os termos do CC, CTN e CLT, e, portanto, existindo a transmissão das obrigações do devedor, assim como naqueles casos previstos no art. 141, § 1º, também se seguirá a sucessão no passivo do empresário em crise. A jurisprudência está se consolidando nos termos expostos. Transcreve-se um julgado que demonstra este entendimento, sob a relatoria do Desembargador Manoel de Pereira Calças, que no seu voto deixa claro que: “(...) Fica esclarecido que as alienações judiciais autorizadas, a serem realizadas em hasta pública, será feita com incidência dos artigo 60, parágrafo único e 141, inciso II, observada a restrição do § 1o do art. 141, todos da Lei no 11.101/2005, suprimida, portanto, de qualquer ônus ou sucessão tributaria ou trabalhista (legislação do trabalho e decorrentes de acidente de trabalho, mercê do que, desnecessária a 110 apresentação de quaisquer certidões negativas, tudos nos termos do plano aprovado pela Assembléia Geral de Credores.”170 Abre-se um parêntesis aqui para mencionar a respeito da exigência das certidões negativas de débitos tributários. Parte da doutrina entende ser requisito a exigência das certidões negativas de débitos tributários, conforme determina o art. 57. Fazem parte desta corrente autores como Jorge Lobo171 e José da Silva Pacheco172. Entretanto, diante das deficiências ainda existentes para realizar o parcelamento das dívidas, bem como na obtenção das próprias certidões173, a aplicação deste dispositivo legal inviabilizaria o instituto da recuperação judicial. Sendo assim, os tribunais, majoritariamente têm entendido pela dispensa na apresentação das certidões negativas de créditos tributários 174 . Sendo assim, a ausência de certidão negativa de débito 170 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração de n° 624.330-4/2-01. Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais . Relator: Manoel Pereira Calças. São Paulo: 30 de janeiro de 2008. Disponível em <www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 10 out. 2011. 171 LOBO, Jorge. Op. Cit. p. 223/224. 172 PACHECO, José da Silva. Op. Cit., p. 198. 173 o o Não foi editada qualquer lei a fim de atender o disposto no art. 155-A, §3 e 4 do CTN, que determina a edição de lei específica para dispor sobre o parcelamento do devedor em recuperação judicial. Eduardo S. Munhoz bem concluiu que: “(…) é de se concluir que dificilmente, ante a falta de um sistema especial de parcelamento, será possível que ela obtenha as certidões negativas desses débitos no prazo máximo de 150 ou 180 dias, de modo a ter a sua recuperação atendida pelo juiz (…)”. MUNHOZ, Eduardo S. Op. Cit., p. 281. Inclusive, existe uma decisão do STJ, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, no qual este o o sintetiza os problemas da falta da lei específica determinada pelo art. 155-A, §3 e 4 do CTN. Ver: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial de n. 844279/SC. Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 05 de fevereiro de 2009. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 out. 2011. 174 As seguintes decisões do TJ/SP entenderam pela dispensa das certidões negativas de débito tributário: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA 2011/0073401-0. Segunda Seção. Relator: Luis Felipe Salomão. Brasília, 14 de março de 2012. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 06 abr. 2012. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 516.982-4/2-00. Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais. Relator: Manoel Pereira Calças. São Paulo, 30 de janeiro de 2008. Disponível em <www.tjsp.jus.br>, acesso em outubro de 2011; SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n° 605.1474/6-00. Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais. Relator: Lino Machado São Paulo: 05 de maio de2009. Disponível em <www.tjsp.jus.br>, acesso em outubro de 2011. Aliás, este é o entendimento pacificado nesse Tribunal. Em sentido contrário: PARANÁ. Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração de n. 767595-4/01. 17a. Câmara Cível. Relator(a): Fabian Schweitzer. Curitiba, 21 de julho de 2011. Disponível em <www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 11 out. 2011. 111 tributário não é documento indispensável para o deferimento e processamento do plano de recuperação judicial. Voltando ao caso da sucessão, dentre os requisitos legais, pode surgir uma questão: a utilização pelo texto legal apenas das expressões “filiais” ou “unidades produtivas isoladas”, evita que possa ser realizada uma alienação de estabelecimentos em bloco, tal qual a previsão do art. 140, I? Em caso de resposta positiva, prevendo o plano a alienação de estabelecimentos em bloco, o adquirente sucederá o alienante em suas obrigações, ante o descumprimento da LRF e a aplicação da regra geral de sucessão prevista no CC, CLT e CTN? Jorge Lobo defende que: “(...) se a alienação não tiver sido de estabelecimento, mas da empresa, de seu core business, (...) há sucessão universal e deve-se aplicar, quando se tratar de obrigações e dívidas em geral, o regime instituído pelo art. 1.146 do Código Civil (...)” 175. O entendimento do autor é de ser seguido. A recuperação judicial é uma ferramenta criada pela lei para auxiliar o empresário em crise econômico-financeira a superar esta situação, isto é, não se trata de um mecanismo de liquidação e dissolução e consequente término da atividade econômica exercida por aquele empresário. O mecanismo legal para a liquidação e dissolução judicial de um empresário que não pode ser salvo é a falência e não a recuperação. Contudo, a venda de parte dos estabelecimentos de uma companhia exploradora de múltiplos objetos sociais, que compõem apenas uma de suas unidades econômicas distintas, transferindo para outra administração, que talvez possa vir a otimizar seus resultados, enquadra-se nos objetivos da LRF e seus princípios norteadores, devendo, por isso, a operação estar devidamente incluída na hipótese do art. 60, parágrafo único. Não se pode é esvaziar o patrimônio do empresário, realizando sua liquidação e deixando-o sem quaisquer complexo de bens capaz de exercer sua empresa. Veja-se a propósito os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho: 175 LOBO, Jorge. Op. Cit., p. 239/240. 112 “Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, operase uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para seus credores” 176 O emblemático caso da Varig representa a venda de uma unidade econômica de uma grande companhia aérea, viável economicamente para o juízo falimentar. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aplicou o regime especial de sucessão empresarial, como estabelecido no art. 60, parágrafo único da LRF. Transcreve-se a ementa de um dos vários julgados sobre o caso: E M E N T A: Agravo Inominado. Art. 557 do C.P.C. Embargos de Declaração que teve o seu seguimento negado. VARIG S/A. VIAÇÃO AÉREA RIO GRANDENSE, NORDESTE LINHAS AÉREAS E RIO SUL LINHAS AÉREAS S/A. R. Decisão a quo que não reconheceu ser a VRG (Arrematante) sucessora das obrigações trabalhistas anteriores de responsabilidade das Empresas em Recuperação Judicial.I ) Leilão da VARIG que envolveu unidade produtiva, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. Exegese do artigo 60 parágrafo único da Lei n.° 11.101/05. II ) Plano de Recuperação representa novação de créditos, obrigando todos os credores a receberem seus créditos na forma da vontade soberana dos credores. Exegese do artigo 59 da Lei 11.101/05.III ) Empresas Recorridas que tiveram a sua Recuperação Judicial deferida. R. julgado a quo que apreciou a questão com absoluta judiciosidade e percuciência, trazendo ela o precípuo escopo do novo Instituto da Recuperação Judicial, sendo digna de prestígio.IV ) Aspecto de âmbito nacional e social. Inteligência dos arts. 47, 48 e 49 caput e §§ 2° e 5° da Lei n°. 11.101 de 09.02.2005 (Nova Lei de Falências). V ) Ausência de qualquer omissão, obscuridade e/ou contradição no V. Acórdão, para justificar a interposição de Embargos Declaratórios. Evidentemente inconformismo dos Embargantes com a solução dada pelo Colegiado, que deve ser enfrentada em sede própria. Impertinência dos Embargos, autoriza a aplicação do art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal. Tese supra é a mesma do V. Aresto proferido 176 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., 2005, p. 116/117. 113 pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal, apreciando Agravo do § 1° do art. 557 do Digesto Processual, interposto no Mandado de Segurança n ° 425/00.VI ) Negado Provimento177. 5.5.3. Credores com Garantias Vinculadas aos Bens do Estabelecimento Os bens formadores do estabelecimento podem ser objeto de relações jurídicas tidas como garantias reais, em que a obrigação está diretamente conectada com o bem, sendo que na eventual modificação subjetiva da situação jurídica de titularidade do bem, não há alteração naquela outra (garantia real), operando-se apenas a sucessão do novo titular à posição jurídica respectiva. São relações deste tipo as de hipoteca, penhor, fideicomisso, alienação fiduciária em garantia e cessão fiduciária. Elas podem ser definidas segundo as lições de Pontes de Miranda 178 , diferenciando-se os direitos reais em garantia e os direitos reais de garantia. Estes são aqueles direitos que estabelecem uma garantia ao credor sobre um bem do devedor, porém, em que não há a transferência de propriedade do bem. Como exemplo são os direitos de penhor e hipoteca. Já os direitos reais em garantia são uma garantia que também recai sobre um bem ou bens de propriedade do próprio devedor, mas que passam, em virtude da garantia, ao patrimônio do credor, sendo que, com a quitação da obrigação, a propriedade retorna ao patrimônio do devedor. É a chamada propriedade resolúvel trazida pelo CC (Lei n. 10.406/2002) em seu artigo 1.361. A alienação fiduciária em garantia constitui um exemplo. A LRF, em suas disposições a respeito da recuperação judicial, prevê regimes distintos para cada um dos diferentes tipos de garantia. Para aqueles contratos tidos como “em garantia” a lei estabeleceu o disposto no §3o. do artigo 49, já para aqueles 177 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento de n. 0030639-89.2006.8.19.0000. Quarta Câmara Cível. Relator: Des. Reinaldo P. Alberto Filho. Rio de Janeiro, 10 de julho de 2007. Disponível em <www.tjrj.jus.br>. Acesso em: 10 out. 2011. 178 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, tomo XXI. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1965, p. 353. 114 instrumentos caracterizados como “de garantia” o diploma determinou as regras do §5o. do artigo 49179. Exposto o conceito básico das garantias, devemos trazer os conceitos mais específicos a fim de caracterizar os contratos enumerados no artigo 49 da Lei n. 11.101/2005, principalmente aqueles excluídos da recuperação. Por alienação fiduciária em garantia entende-se, segundo Orlando Gomes: “(...) o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire em ‘confiança’ a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação, ou lhe seja pedida a restituição.” 180 Jorge lobo conceitua a cessão fiduciária em garantia de recebíveis como: “(...) Isto posto, adentrando na controvérsia, entendo que cessão fiduciária em garantia de recebíveis é a transferência, limitada e resolúvel, que faz o devedor-fiduciante ao credor-fiduciário, do domínio e posse direta, mediante tradição efectiva, de direitos creditórios oriundos de títulos de crédito próprios e impróprios ou de contratos em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do credor-fiduciário com a liquidação da dívida garantida e a reversão imediata e automática da propriedade ao dever-fiduciante uma vez satisfeito o débito.” 181 Portanto, a cessão fiduciária em garantia de direitos creditórios trata-se também de uma modalidade de direito real em garantia, tal como a alienação fiduciária. 179 Determina a LRF: Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. (…) § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. (…) § 5o Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4o do art. 6o desta Lei. 180 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 8a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 325. 181 LOBO, Jorge. Op. Cit., p. 190. 115 Ambas, em tese, estão fora da recuperação judicial, por força das disposições do artigo 49 da LRF e, desta forma, submetidas exclusivamente às disposições da Lei de n. 4.728/65 e de n. 9.514/97 e do Decreto-lei de n. 911/69. Trata-se da famosa “trava bancária”, como ficou popularmente conhecida no mundo jurídico. Muitas vezes, o empresário está em uma situação em que a maior parte de seus ativos encontram-se entregues aos credores de créditos com garantias fiduciárias. Num quadro como este, a exclusão deste tipo de credor dos efeitos da recuperação judicial já não mais corresponderia ao atendimento dos objetivos de eficiência propostos, pois aquele credor poderá, sozinho e sem nenhuma possibilidade de obstrução legal, utilizar-se de suas prerrogativas, única e exclusivamente, para atendimento de seus interesses em detrimento de todos os participantes da recuperação judicial. Desta forma, quanto à cessão fiduciária em garantia, a aplicação das normas em debate deve ser realizada mediante a utilização de interpretação sistemática e teleológica, conforme sustentado por Eduardo Secchi Munhoz: “Assim, seja porque decorre de interpretação sistemática e teológica dos § § 3o e 5o. do art. 49, seja porque consentânea com os Princípios Informadores do processo de recuperação judicial, a orientação mais adequada parece ser a de que os créditos objeto de cessão fiduciária não se sujeitam à continuidade da empresa, mas, desde que essenciais à continuidade da empresa, devem ser depositados em conta vinculada à recuperação, durante o prazo de 180 dias de suspensão das ações e execuções contra o devedor. Ainda, a substituição de garantias prevista no §5o do art. 49 para a hipótese de penhor de crédito também pode ser aplicada à cessão fiduciária, dada a natureza fungível do bem objeto da garantia.”182 Por esta interpretação, o poder de barganha que ficaria na mão de um credor ou grupo de credores com tais prerrogativas será diminuído, possibilitando o atendimento dos objetivos da eficiência na recuperação de empresas. 182 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Op. Cit., p. 46. Neste sentido: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 994.09.031051-9. Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Relator: Elliot Akel; São Paulo, 06 de outubro de 2009. Em sentido contrário Fábio Ulhoa Coelho entende que: “Convém acentuar que essa restrição ao direito constitucional de propriedade titulado pelo credor fiduciário - no caso de posse direta de bens essenciais, assegurada ao devedor nos 180 dias seguintes ao deferimento do processamento da recuperação - não se aplica no caso de cessão fiduciária de direitos creditórios, por não serem os créditos sucessíveis de ‘posse’. COELHO, Fábio Ulhoa. A Trava Bancária. In Revista do Advogado, n. 105. Associação dos Advogados de São Paulo, 2009, p. 62. 116 Neste caso, os credores com créditos garantidos mediante a cessação fiduciária de recebíveis continuariam não se submetendo ao procedimento recuperacional, porém, no caso de bem essenciais ao exercício da empresa, estariam submetidos ao período de suspensão das execuções descritos no § 4o. do artigo 6o. da lei falimentar (como já acontece com créditos garantidos mediante alienação fiduciária), sendo que os valores recebidos durante este período ficariam depositados numa conta vinculada à recuperação (como ocorre com o penhor de créditos, § 5o. do artigo 49 da lei), podendo, inclusive, tais valores serem levantados pelo devedor mediante renovação da garantia. Em se tratando das outras garantias reais fiduciárias vinculadas à bens móveis ou imóveis essenciais a atividade econômica desenvolvida, o credor não estará submetido à recuperação judicial, podendo se valer das disposições legais que tratam dos seus direitos. Entretanto, não há razão para que não se possa estabelecer diretamente entre credor e sucessor a cessão do contrato, isto é, o traspasse da posição jurídica subjetiva complexa do contrato, já que tais bens podem ser máquinas importantes à consecução daquela empresa e de difícil venda. Claro que tal acordo seria fora do âmbito da recuperação judicial, em que caberá exclusivamente às partes a discussão sobre eventual assunção nas dívidas, que poderá ser vantajosa, visto que a aquisição de novos bens pode representar um custo bem maior. Ademais, importa relatar que a ausência dos referidos bens irá impactar no preço a ser pago pelo adquirente da unidade produtiva isolada, ante sua essencialidade para a atividade, mais um motivo para a discussão e negociação na sucessão no contrato e das dívidas ali vinculadas. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre este tipo de situação, ainda que em decisão sobre conflito de competência, delineou algumas perspectivas, tais como as que foram apresentadas para a solução do impasse: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMISSÃO DE POSSE NO JUÍZO CÍVEL. ARRESTO DE IMÓVEL NO JUÍZO TRABALHISTA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO. BEM NA POSSE DO DEVEDOR. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E 117 DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. 1. Em regra, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bem imóvel (Lei federal n. 9.514/97) não se submete aos efeitos da recuperação judicial, consoante disciplina o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/05. 2. Na hipótese, porém, há peculiaridade que recomenda excepcionar a regra. É que o imóvel alienado fiduciariamente, objeto da ação de imissão de posse movida pelo credor ou proprietário fiduciário, é aquele em que situada a própria planta industrial da sociedade empresária sob recuperação judicial, mostrando-se indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, sob pena de inviabilização da empresa e dos empregos ali gerados. 3. Em casos que se pode ter como assemelhados, em ação de busca e apreensão de bem móvel referente à alienação fiduciária, a jurisprudência desta Corte admite flexibilização à regra, permitindo que permaneça com o devedor fiduciante " bem necessário à atividade produtiva do réu" (v. REsp 250.190-SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, DJ 02/12/2002). 4. Esse tratamento especial, que leva em conta o fato de o bem estar sendo empregado em benefício da coletividade, cumprindo sua função social (CF, arts. 5º, XXIV, e 170, III), não significa, porém, que o imóvel não possa ser entregue oportunamente ao credor fiduciário, mas sim que, em atendimento ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da Lei 11.101/05), caberá ao Juízo da Recuperação Judicial processar e julgar a ação de imissão de posse, segundo prudente avaliação própria dessa instância ordinária. 5. Em exame de conflito de competência pode este Superior Tribunal de Justiça declarar a competência de outro Juízo ou Tribunal que não o suscitante e o suscitado. Precedentes. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Cível de Itaquaquecetuba - SP, onde é processada a recuperação judicial da sociedade empresária. 183 Quanto aos outros tipos de garantias reais, estarão devidamente subordinadas aos efeitos da recuperação judicial, subordinando-se à regra da novação dos créditos, consoante previsto 59 da LRF, bem como, no caso da realização do trespasse de 183 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência de n. 110.392/SP. Segunda Seção. Relator: Ministro Raul Araújo. Brasília, 24 de novembro de 2010. Disponível em: <www.stj.jus.br> . Acesso em: 10 out. 2011. 118 estabelecimento, não haverá sucessão do adquirente nestas relações jurídicas, que assumirá a titularidade dos bens do conjunto totalmente livres de quaisquer ônus e obrigações. No que diz respeito à falência, também as garantias reais fiduciárias se submetem às disposições da Lei de n. 4.728/65 e de n. 9.514/97 e do Decreto-lei de n. 911/69. Sendo que o credor fiduciário tem a possibilidade de pedir a restituição dos bens, desde que na forma e prazos previstos na LRF, nos termos dos artigos 85 e ss. da LRF. Como asseverado nos parágrafos anteriores, no que tange à recuperação judicial, aqui também é campo de negociação para a permanência dos bens junto ao estabelecimento, contudo, entre possível arrematante e o credor fiduciário apenas. Entretanto, em relação às outras garantias reais, nada se pode fazer. Rachel Sztajn entende que existe sucessão do adquirente do estabelecimento, por força da previsão contida no artigo 141 da LRF. Sua opinião já foi transcrita no item 5.5.1, contudo citam-se suas palavras para justificar tal posição: “As disposições relativas a penhor, hipoteca e anticrese constantes do Código Civil (Lei n. 10.406/2002), da mesma forma e pelos mesmo motivos, aplicam-se à execução dos bens do falido ou da sociedade falida, bem assim o que se refere ao direito de retenção daqueles bens onerados pelos credores, por eles garantidos. Se o produto da venda do bem é destinado, por força da sub-rogação, prioritariamente ao pagamento do credor garantido, nada obsta a liberação do bem quando arrematado por terceiro. O que se há de observar é que a redação se refere à exclusão, expressa, de obrigações de natureza tributária, trabalhista e acidentaria. (...) Reconhece-se que certas tutelas, independentemente de interesse público (quanto ao Fisco), realçam a vulnerabilidade de uma parte (trabalhador) em face da outra (empregador), e, neste caso específico, por terem natureza alimentar, devem ser analisadas com muito critério; contudo é preciso apontar que a vinculação do valor arrecado com a venda de ativos ao pagamento de credores cuja prioridade não decorre de serem titulares de garantias sobre tais bens, prejudica a concessão do crédito, aumenta o custo do dinheiro e reduz o valor dos lanços feitos para pagamento de bens da massa falida. O direito, sistema de normas destinado a disciplinar relações intersubjetivas, não pode ignorar que estímulos corretos – os que evitam ou inibem comportamentos oportunistas, rent seeking, não restrinjam o aparecimento de externalidades negativas - , são fundamentais na consolidação de condutas que interessam à sociedade. A clareza com que a norma está 119 redigida reconhece que a importância na concessão do crédito e sua circulação dependem da segurança de que o credor não se imputarão perdas maiores que os riscos assumidos.”184 Porém, tal interpretação deixa de atender os princípios formadores do procedimento falimentar e recuperacional. A norma jurídica expressamente prevê a ausência de ônus de quaisquer natureza. A maximização dos valores dos ativos do falido e a otimização de sua distribuição entre os credores são fatores fundamentais para o atendimento dos princípios falimentares. Sendo assim, em que pese os credores reais serem precedidos pelos credores trabalhistas, existe uma limitação legal do crédito deste, estando em situação melhor do que todos os outros credores. 5.5.4. A Hipótese do Artigo 140, §3o – Sucessão na Posição Jurídica do Contrato A LRF prevê a possibilidade de sucessão em contratos específicos. O legislador pretende com esta regra assegurar o maior valor possível na arrematação do estabelecimento empresarial, atendendo os interesses que gravitam em torno da atividade econômica. O empresário, agente econômico dinâmico, que vai ao mercado diariamente celebrar diversos contratos destinados à exploração de sua empresa e, por conseguinte, uma parte destas relações jurídicas estão de alguma maneira vinculadas ao funcionamento do estabelecimento, dando sentido a unidade montada pelo empreendedor. O complexo, por sua vez, tem como característica principal o potencial de gerar lucros. Sendo assim, tal como fora asseverado no regime geral da sucessão, retirar estes direitos 185 de sua composição significaria a não proteção do goodwill, isto é, a qualidade fundamental daquela universalidade seria perdida. 184 185 SZTAJN, Rachel. Op. Cit., p. 507. Tratam-se de posições jurídicas subjetivas ativas complexas em uma relação jurídica (item “3.1.1” supra). 120 Desta forma, perdendo o estabelecimento sua principal característica e a qualidade mais desejada pelo comprador, não seria possível a maximização dos ativos empresariais do empresário falido, deixando de atender os princípios norteadores do procedimento falimentar, recuperacional e da ordem econômica nacional. Portanto, poderá o adquirente, mediante escolha justificada, manter o contrato celebrado anteriormente. 5.5.5. Passivo Trabalhista e Tributário Por muito tempo as dívidas trabalhistas e tributárias foram duas das principais dívidas que impediam a recuperação de empresas em crise. Ante a ausência de normativos legais estabelecendo exceções ao disposto nos respectivos diplomas, a sucessão nestas obrigações era a regra geral, mesmo em casos falimentares. Entretanto, a norma jurídica extraída da LRF determina expressamente a ausência de sucessão do adquirente do estabelecimento quando de sua aquisição no procedimento falimentar ou recuperacional, por força do que determinam os art. 60, parágrafo único e 141, II da LRF. No que tange principalmente à sucessão trabalhista, o STF consolidou o entendimento com o julgamento da ADIN de n. 3.934-2, declarando a constitucionalidade do artigo 60, parágrafo único da LRF, com a seguinte ementa: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II - Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV - Diploma legal que objetiva prestigiar a função social 121 da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V - Ação direta julgada improcedente.” 186 Em relação aos débitos tributários, além dos referidos dispositivos na LRF, foram promovidas modificações no artigo 133 do CTN, pela Lei Complementar de n. 118/2005, que trata da sucessão do comprador do estabelecimento nas obrigações tributárias do transmitente nos casos de recuperação judicial e falência, determinando a completa ausência de sucessão pelo adquirente no passivo tributário, desde que não incorridos nas exceções previstas, que se igualam ao previsto no §1o da LRF 187. Percebe-se com isto a implementação das finalidades previstas pelo legislador quanto aos procedimentos recuperacional e falimentar, que tem em vista não só o atendimento dos credores, mas sim a manutenção da atividade econômica produtiva de riquezas, geradora de postos de trabalho, dando atendimento aos princípios da ordem econômica nacional. Não poderia ser diferente, haja vista os passivos trabalhista e tributários representarem, na maioria dos casos, grande parte dos débitos que o empresário em dificuldades possui. Excluí-los da hipótese de ausência de sucessão seria um verdadeiro “tiro no pé” para todo o procedimento elaborado. 5.5.6. Recuperação Extrajudicial A recuperação extrajudicial é um dos meios previstos pelo legislador para auxiliar o empresário em dificuldades econômico-financeiras, embora com procedimentos mais simples quando comparada com a do tipo judicial, nos ditames dos artigos 161 e ss. da LRF. Entretanto, diferentemente desta última, não incidem os normativos legais previstos nos artigos 60 e 141 da lei, o que, por conseguinte, importa na presença de sucessão do adquirente nas obrigações do alienante. 186 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3934. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 27 de maio de 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 12 mai. 2011. 187 122 Desta forma, percebe-se que à recuperação extrajudicial aplica-se o regime geral da sucessão empresarial na hipótese de alienação do estabelecimento empresarial ser parte do plano de recuperação, com a seguinte alteração: no que diz respeito às obrigações, os credores vinculados pelo plano aprovado e homologado pelo juízo estarão submetidos a este, não podendo se valer de quaisquer das medidas anteriormente expostas, somente aquelas previstas na própria LRF. 123 6. CONCLUSÃO Há muito que o país necessitava de uma legislação comercial que viesse incentivar o uso do trespasse do estabelecimento como um mecanismo eficiente para o empresário implementar suas perspectivas de aumento na capacidade de suas atividades ou mesmo de se reestruturar financeiramente, economicamente e juridicamente. Sem ela, os empresários se viam em um total mar de inseguranças, pois seu tratamento se dava unicamente no entendimento doutrinário e jurisprudencial, que, embora possuindo posições majoritárias, poderiam sofrer grandes diferenças. Contudo, em que pese os seus esforços, em vários casos, como, por exemplo, os falimentares, a sucessão nas dívidas do falido, principalmente de natureza trabalhista e tributárias, geralmente estando entre as maiores, era a regra geral. O resultado desta lacuna jurídico foi a falta de incentivos para a aquisição de ativos empresariais, principalmente no âmbito falimentar e pesados custos de transação para os sujeitos que se utilizavam do trespasse. É neste contexto que a proposta do trabalho foi estabelecida. A sucessão empresarial é um assunto de imensa importância no mercado, pois ela é um dos fatores primordiais na composição do valor e do preço nas transações envolvendo ativos empresariais, além de determinar a forma jurídica que se dará a restruturação ou aquisições de empresas Com o advento primeiramente do CC e, posteriormente, da LRF, instalou-se um duplo regime jurídico da sucessão empresarial na alienação do estabelecimento empresarial, o geral, determinado pelas disposições do CC (arts. 1.142 a 1.149) e o especial, estabelecido pelas regras da LRF. No que diz respeito ao regime geral da sucessão, em relação às obrigações tributárias e trabalhistas nada mudou, continuando reguladas em leis especiais. Em relação ao restante, o que se viu foi uma radical de alguns preceitos há longo tempo 124 consolidados em nosso país. A principal delas e aquela que chama mais a atenção foi a sucessão do adquirente do estabelecimento nas dívidas e obrigações do alienante. O Estado deve funcionar como uma mola propulsora da atividade econômica, criando mecanismos legais que ofertassem aos empresários formas de negócios jurídicos para transmissão de ativos com o menor custo possível, incentivando, portanto, a utilização do trespasse. O regime pode ter almejado trazer a segurança jurídica para o mercado de empresas, porém, não é o que se verifica com os normativos legais, impondo uma proteção jurídica demasiada aos credores e deixando as partes do negócio desemparadas. Determinou-se a sucessão nas obrigações do alienante, com a imposição de responsabilidade solidária entre este e o adquirente pelo prazo assinalado, isto é, faculta-se ao credor buscar a satisfação de seu crédito nos patrimônios daqueles. Por outro lado, a previsão de cessão nos créditos, serve como um mecanismo para contrabalancear o pesado ônus imposto ao adquirente da universalidade, porém, desde que interpretada como imposição legal. A sub-rogação nos contratos de exploração do estabelecimento tem uma função de extrema valia no trespasse, visa assegurar a principal característica daquele conjunto de bens, o aviamento, sua capacidade em gerar lucros ao titular. Entretanto, a ressalva “Salvo estipulação em contrário (...)”, torna sua aplicação difícil, pois a prática contratual impõem a presença de cláusulas prevendo a rescisão contratual em caso de alteração na titularidade do estabelecimento. O regime geral da sucessão empresarial estabelece, portanto, a sucessão nas dívidas, cessão de créditos e sub-rogação nos contratos de exploração. Porém, suas disposições deixam margens para dúvidas e interpretações divergentes. Sendo assim, o que ocorre é o aumento dos custos de transação entre os empresários que adotarem esse tipo de negócio jurídico, pois, em primeiro lugar, terão dificuldades para apurar o real passivo do alienante, já que podem ser encontrados em quaisquer registros, obrigatório ou facultativos, que não necessitam estar expressamente vinculados ao estabelecimento objeto do negócio. Segundo, na defesa de seus interesses em face de credores, devedores ou fornecedores, uma vez que em muitos casos terão de se utilizar 125 de mecanismos judiciais para consolidar entendimentos da aplicação das disposições legais. Por fim, na busca do seu ressarcimento em razão das disposições contratuais do trespasse, tendo em vista que, em todas as situações de sucessão em créditos, débitos e na posição contratual, serão necessários seus respectivos tratamentos no instrumento do trespasse, visando a solução de problemas oriundos da aplicação das disposições legais. No que tange às disposições da LRF, o que sucedeu foi exatamente o contrário. Neste regime especial de sucessão na alienação do estabelecimento, foram incorporados à sua sistemática legal os objetivos fundados na eficiência do procedimento falimentar, consoante as lições do direito norte-americano. A Ex Post Efficiency e a Ex Ante Efficiency são intrinsecamente relacionados e almejam a maximização do valor do patrimônio do devedor, a otimização de sua divisão entre todos os participantes (Ex Post) e aos estímulos que a lei deve realizar em períodos de inexistência do procedimento falimentar (Ex Ante), visando soluções que desenvolvam e fomentem o mercado de crédito, com a redução do custo do crédito, criação de um ambiente propício a grandes investimentos e o estímulo ao empreendedorismo responsável, atendendo, desta forma, os diversos interesses que gravitam em torno da atividade empresária. Tais objetivos foram incorporados na lei falimentar brasileira, como pode ser visto principalmente em seu artigo 47, que prevê: “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Mas somente este dispositivo não traria a solução adequada. Diferentemente da regulação no CC, o trespasse do estabelecimento sob um procedimento falimentar ou recuperacional não importa na sucessão nas obrigações do empresário falido ou em crise, pois, do contrário, a eficiência econômica almejada pelo legislador ruiria por completo e com isto o atendimento aos diversos interesses que 126 giram em torno da empresa, é um importante basilar para o alcance de todos os princípios e finalidades que giram em torno destes importantes procedimentos. Desta forma, o regime especial da sucessão empresarial na alienação do estabelecimento deu o devido atendimento ao mercado de empresas, pois proporcionou o uso do negócio jurídico para dar sustento a realização de atividades econômicas organizadas, produtora de bem estar social, dando sustento à busca pelo pleno emprego, à livre iniciativa, cumprindo com sua função social e, por tal razão, dando força aos princípios da organização econômica nacional. O mercado ainda está receoso quando a compra dos ativos sujeitos aos regimes falimentar e recuperacional, entretanto, a tendência é que a jurisprudência venha cada vez mais consolidar os entendimentos a respeito da ausência de sucessão e com isso proporcionar àquele a segurança na utilização de mecanismos que facilitem o trânsito de ativos empresariais. 127 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26a Ed. São Paulo: Saraiva, 2012; AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 3a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000; ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. In Revista de Direito Mercantil, v. 104, pp. 109126, tradução de Fábio Konder Comparato, do original Profili dell’impresa, in Rivista del Diritto Commerciale, 1943, v. 41; BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The End of Bankruptcy. John M. Olin Law & Economics Working Paper No. 173, 2002. Disponível em <www.ssrn.com/abstract_id=359241>, acesso em fevereiro de 2011; BARRETO FILHO, Oscar. 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