PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2013.0000244590 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 002782775.2010.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, são apelados/apelantes FABIO ANTONIO CINTRA (E OUTROS(AS)), ANA LAURA ALMEIDA LEAO OLIVEIRA LIMA, DAZIZA DE MATOS, ELAINE DE CAMPOS, ELIZABETH GALO DI LORENZO, GLAUCIA MARIA TORRES CALAZANS, GUSTAVO ALONSO LOPEZ ZEBALLOS, HAMILTON NUNES E SILVA, HELIO HEHL CAIAFFA, IZILDA RITA DE OLIVEIRA, JOSE CARLOS VIRGILIO, JOSE MAURO RODRIGUES, KELLY SAYURI YONAMINE, LUCIA MARIA DA SILVA GABAS, LUIZ ANTONIO RICCIARDI FERREIRA, LUIZA INES PEREIRA, MARCIO XERFAN MATTAR, MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA, MARIA APARECIDA MARTINS STOLAGLI, MARIA CONCEIÇAO DA SILVA PEREZ CAMPOS, NEUSA KAORU KAJIMURA ASANO, NORBERTO DE FARIA TORRES, OSMANIR REIMBERG, PAULO ROBERTO DUTRA, ROGERIO OLIVEIRA LIMA, ROSEMEIRE GRAZIUSO BURATTO, RUBENS FERREIRA DE BARROS SOBRINHO, SILVANA DE LA PENHA CHIACCHIO e VIVALDINA ALVES TORRES. ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "negaram provimento ao recurso ao recurso dos autores e deram provimento ao recurso da Municipalidade, por votação unânime.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO CARLOS MALHEIROS (Presidente) e JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA. São Paulo, 23 de abril de 2013. Ronaldo Andrade RELATOR Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto nº 3258 Apelante : PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO E OUTROS Apelado : FABIO ANTONIO CINTRA E OUTROS Comarca : SÃO PAULO Recurso nº 0027827-75.2010.8.26.0053 Juiz de 1º Grau: DR. JAYME MARTINS DE OLIVEIRA NETO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAL. PUBLICAÇÃO DE NOMES, CARGOS E REMUNERAÇÃO BRUTA DOS SERVIDORES. Insurgência do autor, servidores públicos no Município de São Paulo, contra a divulgação de suas remunerações em endereço eletrônico. Conduta administrativa pautada nos princípios da moralidade, publicidade e transparência. Entendimento externado pelo E. STF, no julgamento da SS 3902. Ação julgada parcialmente procedente na origem. Sentença reformada. Recurso da Municipalidade provido e não provido dos autores. Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra r. sentença que julgou parcialmente procedente ação, na qual se objetivava resguardar o direito a intimidade de servidores públicos municipal e pretendia a retirada das informações relativas aos seus rendimentos brutos em publicação eletrônica, além do reparação pelos danos morais sofridos. Recorrem os autores buscando a reforma da r. sentença e a condenação da apelada ao pagamento de indenização por danos morais. Afirma que se sentem lesados pela publicação de seus nomes, cargos, unidades de atividades e vencimentos em portal da transparência da Municipalidade. Alegam que a publicação ofende os direitos à privacidade e intimidade e ainda coloca em risco a integridade moral e física dos apelantes. Por fim, requer seja a fixação dos honorários advocatícios sobre a condenação. Alega a apelante, resumidamente, que a publicação dos nomes dos Apelação nº 0027827-75.2010.8.26.0053 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO servidores municipais e da respectiva remuneração se deu com a finalidade de promover a transparência dos gastos públicos, visando a concretização do princípio da moralidade. Diz que o direito à informação e o correspondente dever de transparência vem referido na Constituição Federal. Conclui que não há conduta lesiva capaz de gerar dano moral, mas apenas observância dos princípios da moralidade e da publicidade, em vista do dever de transparência do Estado. Não houve violação ao princípio da intimidade ou ao direito à privacidade e que a divulgação visa assegurar um controle social mais efetivo. Requer, por fim, a reforma da R. Sentença e a improcedência da ação. Os recursos receberam respostas. Em síntese, é o relatório, adotado no mais o da R. Sentença. Ingressaram os autores em juízo para impugnar o ato administrativo consistente na divulgação, em site próprio da Prefeitura Municipal de São Paulo, de seu nome completo, cargo, unidade em que está lotada e respectiva remuneração bruta. A questão já foi levada ao conhecimento do E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do SS 3902/SP - SÃO PAULO, de relatoria do E. Ministro Ayres Brito, julgado em 09/06/2011, que decidiu pela legitimidade do ato da Municipalidade de São Paulo: “SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS ENTIDADESPÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. 1. Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Apelação nº 0027827-75.2010.8.26.0053 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo 'nessa qualidade' (§6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O 'como' se administra a coisa pública a preponderar sobre o'quem' administra falaria Norberto Bobbio -, e o fato é que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana. 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos Regimentais desprovidos.” Os princípios da publicidade e da transparência exigem a publicação dos vencimentos dos servidores públicos em endereço eletrônico. Contudo, não se verifica possa ter havido violação da intimidade dos servidores públicos, uma vez que sua vida privada continua protegida pelo direito, salvo naqueles aspectos que digam respeito ao exercício do cargo público, que impõem a transparência. Por fim, cumpre colacionar acordão exarado na Apelação Cível nº 0044248-43.2010.8.26.0053, de relatoria do E. Des. Rui Stoco, julgado em 18/06/2012: Apelação nº 0027827-75.2010.8.26.0053 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO “IV - A conclusão da Suprema Corte mostra-se concertada com o afã moralizador da atividade pública, experimentado nas últimas décadas. O movimento iniciado com a EC n.º 19/98, e que culminou com a instituição de um teto remuneratório claramente delimitado (EC n.º 41/2003), indiscutivelmente lança as bases da tão ansiada transparência das finanças do Estado e da situação funcional de seus servidores. E é justamente com essa transparência que se cumpre os princípios da publicidade, da moralidade e da impessoalidade, referidos no caput do art. 37 da Carta Magna e, muito mais do que isso, permite o controle do cumprimento desses vetores pelo povo, traduzindo-se em auspicioso instrumento garantidor do exercício da cidadania e, portanto, da soberania popular. Aliás, na esteira do que consignado no excepcional voto do culto e admirado Min. Ayres Britto, quanto enfatizou com absoluta exação: “esta encarecida prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo”. Mediante a adoção de uma política remuneratória bem definida e amplamente divulgada, promove-se o atendimento de outros valores também consagrados na Constituição, que, sem dúvida, por se reverterem em benefício coletivo, sobejam ao interesse patrimonial restrito àqueles que integram o funcionalismo público. É escusado deslembrar ou olvidar que estes agentes estão a serviço do Estado e, portanto, do povo , não o inverso. Esse é o “preço a pagar” pela titularização de um cargo público ou, como simploriamente se referem os mais antigos, pelo ingresso na “vida pública”. Em acréscimo, deve-se salientar o que ponderado pelo Min. LuizFux do Supremo Tribunal Federal em voto proferido no julgamento do precedente citado , no que se refere à segurança do servidor ante a divulgação objurgada: “Esse é um argumento falacioso porque hoje, para diversos fins inclusive para fins familiares e outros aspectos que interessam aos juízos penais , a riqueza aparente também tem muita influência e as pessoas que ganham esses salários levam uma vida compatível com esses salários, que revelam a riqueza aparente. Então não há nada a esconder”. E nem de quebra de sigilo bancário há de se cogitar, na medida em que não se revelam dados a respeito da movimentação bancária dos servidores, mas apenas os estipêndios que recebem do Poder Público, ou seja, situações Apelação nº 0027827-75.2010.8.26.0053 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO em absolutamente nada assemelhadas. Ora, não se esqueça que os editais de concursos públicos devem, obrigatoriamente, indicar os vencimentos dos cargos que os candidatos inscritos pleiteiam. Enfim, por todos os lados que se analise a questão, ressuma clara a improcedência da ação, fim para o qual fica reformada a r. sentença recorrida.” A conduta da Administração ao divulgar o salário dos autores para conhecimento geral se mostra absolutamente regular, a teor do entendimento esposado pela Suprema Corte do país e também, vale deixar consignado, da lógica atualmente em vigor em razão do advento da lei federal n. 12.527/2011, que assegura o acesso da população a informações, previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Diante do exposto, não há suporte jurídico para a irresignação dos autores e não há conduta lesiva capaz de gerar reparação por danos morais. Portanto, a ação deve ser julgada improcedente. Diante da procedência do recurso da Municipalidade e consequente sucumbência total dos autores, inverto os ônus da sucumbência. Consideram-se prequestionados todos os dispositivos de lei infraconstitucional e constitucional mencionados pelas partes para fins de possibilitar a interposição de recurso especial e extraordinário. Ante os fundamentos aqui expostos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso ao recurso dos autores e dou provimento ao recurso da Municipalidade. RONALDO ANDRADE RELATOR Apelação nº 0027827-75.2010.8.26.0053 6